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Terapia Cognitivo-

Comportamental
Para os Sintomas Psicóticos:

Manual do Terapeuta

Laura Smith, Paula Nathan, Uta Juniper,


Patrick Kingsep & Louella Lim

Publicado por: Centre for Clinical Interventions: Psychotherapy, Research


and Training
Traduzido por Mariana Gil da Costa
Conteúdos

Prefácio 4
Introdução 6
Racional para a intervenção 6
Manual de intervenção do CCI 9
Componentes-chave da intervenção 12
Avaliação dos resultados da intervenção 14

Módulos de Intervenção 17
Utilização do manual 19
Módulo 1: Avaliação pré-intervenção 22
Módulo 2: Avaliação de sintomas específicos 33
Módulo 3: Envolvimento na terapia 44
Módulo 4: Psicoeducação 53
Módulo 5: Terapia Cognitiva para os Delírios 63
Módulo 6: Terapia Cognitiva para as Alucinações 75
Módulo 7: Treino de Competências 85
Módulo 8: Terapia Cognitiva para os Sintomas Secundários 98
Módulo 9: Planeamento para a Auto-Monitorização 102
Módulo 10: Avaliação pós-intervenção 111

Referências 115
Apêndice I: Folhetos 117
O que é Psicose? 118
Modelo de Stress-Vulnerabilidade 121
Sinais Precoces de Alarme 124
Respiração e Relaxamento 126
Pensar e Sentir 129
Catálogo dos Sentimentos 131
Detective dos Pensamentos 132

Apêndice II: Folhas de Trabalho134


Questionário de Expectativas 135
Objectivos para a Terapia 136
Estratégias para Lidar com a Doença 137
A Balança do Processo de Mudança 138
Stress-Vulnerabilidade 139
Sinais Precoces de Alarme 140
Programação de Actividades Semanais 141
Diário de Pensamentos 142
Registo de Experiências 143
Resolução de Problemas 144
Hierarquia de Tarefas 146
Plano de Auto-Monitorização 147
Prefácio
Existe actualmente um corpo de evidência substancial que documenta a
prevalência significativa de perturbações psicóticas entre os problemas de saúde
mental na comunidade Australiana. O “National Survey of Mental Health and
Wellbeing” reporta que, na população adulta australiana, 4 a 7 pessoas em 1000
têm uma perturbação psicótica. Esta estatística representa mais de 100.000
adultos australianos e indica claramente que existe um número significativo de
pessoas que experienciam sintomas debilitantes decorrentes da experiência de
uma perturbação psicótica. Infelizmente, as pessoas com psicose na sociedade
também carregam uma carga significativa de sofrimento, incapacidade e disfunção
social e existe uma falta de programas comunitários de reabilitação que possam
apoiar e abordar estas questões (Jablensky, et al 1999).

A extensão e a complexidade da saúde mental e dos problemas psicossociais,


coloca uma enorme pressão nos serviços de saúde para proporcionar intervenções
apropriadas e eficazes. Este protocolo de intervenção ajuda a dar resposta a esta
necessidade. Este protocolo foi desenvolvido pelo Centre for Clinical Interventions
(CCI), especialista em intervenções clínicas, formação e programas de pesquisa de
intervenção aplicada. O Centre for Clinical Interventions (CCI) foi criado para
disponibilizar um ambiente científico, no qual a evidência suporta a prática clínica,
a compreensão teórica da psicopatologia é investigada, com o objectivo de
diminuir o sofrimento dos clientes, aumentando a sua autonomia. A criação do
Centre for Clinical Interventions (CCI) tem possibilitado a prática clínica, a
formação e a investigação como domínios interactivos e equilibrados.

Este protocolo de tratamento é a aplicação da evidência baseada na prática clínica


para as perturbações psicóticas. O manual foi redigido por clínicos para clínicos e
apresenta um guia baseado em fundamentos empíricos e na avaliação clínica.

O protocolo de tratamento disponibiliza ao terapeuta uma abordagem abrangente,


detalhada e sistemática para o tratamento. O manual é dividido em módulos, que
descrevem as componentes do tratamento desta terapia individual. O manual não
descreve apenas o conteúdo, mas também o processo pelo qual deve ser
administrado o tratamento. Detalhes sobre os procedimentos de avaliação são
também incluídos, bem como folhetos e folhas de trabalho para os clientes, diários
de auto-controlo e materiais a serem utilizados pelo clínico.

Gostaria de expressar a nossa gratidão ao Office of Mental Health of the


Department of Health pelo apoio à melhoria da qualidade do trabalho realizado no
CCI.

Em particular, gostaria de manifestar o nosso respeito e gratidão aos clientes que


tão corajosamente participaram nas nossas intervenções e, portanto, viajaram
connosco no caminho para a descoberta científica.

Embora este manual forneça um guia completo para profissionais de saúde mental,
são necessárias competências-chave, pelo que se recomenda que, de forma a
aplicar o protocolo de forma mais eficaz, o façam com o treino apropriado e devida
supervisão.

Paula R Nathan (Director)


Introdução

Racional para a Terapia


Desde 1950, o tratamento habitual de primeira linha para pessoas com
perturbações psicóticas crónicas tem sido medicação neuroléptica. A eficácia deste
tipo de tratamento trouxe melhorias importantes no cuidado e tratamento de
pessoas que sofrem dessas perturbações. Apesar dos avanços significativos, há
uma crescente consciência de que a medicação isolada não é suficiente para o
tratamento de uma perturbação psicótica em muitos casos.
Em primeiro lugar, muitos pacientes continuam a experimentar sintomas psicóticos
persistentes e angustiantes apesar de tomarem as doses adequadas de medicação.
No recente National Survey of Mental Health and Wellbeing report, “People Living
with Psychotic Illness”, 61% dos participantes relataram que tinham experimentado
delírios e/ou alucinações no último mês (Jablensky et al., 1999) - sintomas, que
geralmente são altamente angustiantes. Isto ocorreu apesar da maioria dos
participantes tomarem a medicação prescrita para os seus problemas de saúde
mental (86%) e a maioria (83%) relatara que seus sintomas psicóticos responderam
a esta medicação (Jablensky et al. 1999). Além disso, 47,6% dos participantes do
sexo masculino e 36,8% dos participantes do sexo feminino relatam ter
experimentando um ciclo contínuo de doença, sem remissão dos sintomas
(Jablensky et al., 1999). Por outras palavras, os sintomas psicóticos tendem a
persistir ou voltar a ocorrer a longo prazo para a maioria dos pacientes com
perturbação psicótica.
Em segundo lugar, a psicose está associada a um aumento do risco de perturbação
emocional associada. Isso reflecte-se na prevalência de comorbidade com
depressão e ansiedade neste grupo de pacientes bem como no risco elevado de
suicídio encontrado em pessoas com esquizofrenia (e outras doenças psicóticas),
quando comparadas com a população em geral.
Em terceiro lugar, há um significativo grau de incapacidade social associado à
perturbação psicótica que não é (nem pode ser) tratado apenas com a medicação.
Isto inclui a incapacidade associada aos sintomas persistentes e à perturbação
emocional, mas também reflecte problemas como o isolamento social e dificuldades
em encontrar alojamento e e trabalho adequados. No cenário australiano um estudo
recente de larga escala com pessoas que vivem com uma perturbação psicótica
identificou "uma grave falta de tratamentos psicossociais"(Jablensky et al., 1999,
p.94).

Tratamentos Cognitivo-Comportamentais para as Perturbações Psicóticas

Nos últimos anos, as abordagens psicossociais para a gestão da psicose passaram


de um enfoque puramente comportamental para um ênfase na interacção de
cognições e comportamentos dos sintomas de psicose. Houve um realce particular
sobre os factores de manutenção dos sintomas residuais da experiência psicótica
(como por exemplo, as alucinações), mas também na angústia e sofrimento
psicológico que se associam à experiência destes sintomas.

Sintomas Psicóticos Persistentes


O grupo de London-East Anglia, no Reino Unido realizou um dos maiores e mais bem
desenhados estudos que investigaram a eficácia da TCC para os sintomas
resistentes à medicação. Eles investigaram um tratamento individual para o
tratamento dos sintomas psicóticos resistentes incluindo alucinações e crenças
delirantes). O tratamento incluía elementos cognitivos e comportamentais.
O tratamento foi o primeiramente dirigido a 13 pacientes (Garety, Kuipers, Fowler,
Chamberlain, & Dunn, 1994).Este pequeno estudo indicou que o tratamento foi útil
na redução da convicção dos pacientes em relação às suas crenças delirantes. Com
base nestes resultados positivos iniciais, alargaram a um estudo randomizado
controlado - com maior número de participantes, seguidos por um maior período de
tempo. Os resultados deste estudo mais alargado foram publicados numa série de
artigos, realçando diferentes aspectos dos resultados e do follow-up.
O grupo de TCC mostrou melhorias significativas ao longo do curso do tratamento
em termos de sintomatologia psicótica. A magnitude da mudança nos sintomas
psicóticos foi semelhante ao encontrado em estudos de tratamento de sintomas
com clozapina, precisamente com a mesma população de pacientes (Kuipers et al.,
1997) - sem os efeitos secundários possíveis associados ao uso dessa medicação.
Pesquisas adicionais mostraram que 21% do grupo de TCC alcançaram uma grande
melhoria clínica e mais 29% mostrou uma melhoria clínica significativa (Kuipers et
al., 1997), utilizando a mesma medida de avaliação.
Os resultados positivos deste estudo não poderiam ser explicados pela medicação –
na verdade, ao longo do curso do estudo os sujeitos do grupo de controlo tiveram a
sua medicação aumentada, e nenhum teve a sua medicação diminuída, enquanto
que dois dos sujeitos reduziram a sua medicação (Kuipers et al., 1997).
Esta é uma descoberta particularmente importante, dado que muitos dos pacientes
identificaram um comprometimento significativo associado aos efeitos secundários
da medicação (Jablensky et al., 1999) -qualquer manutenção ou redução da dose de
medicação é, por conseguinte, um resultado positivo significativo do tratamento. Os
pacientes reportaram em geral também uma satisfação com o tratamento com TCC,
e achou-o uma forma aceitável de lidar com as dificuldades associadas à doença
(Kuipers et al., 1997).
Os ganhos do tratamento foram mantidos (e de facto, melhoram) ao longo dos 18
meses de follow-up - 65% do grupo de TCC apresentou uma melhoria clínica
significativa no follow-up (Kuipers et al., 1998). Também encontraram uma melhoria
significativa no sofrimento associado ás crenças delirantes e na frequência das
alucinações – indicando que os pacientes continuaram a melhorar nestas medidas
após o final do tratamento (Kuipers et al., 1998).
A abordagem de tratamento também foi avaliada a partir de uma perspectiva
económica (Kuipers et al., 1998). Esta avaliação, embora não definitiva, indicou que
os custos da TCC eram susceptíveis de ser compensados pela redução dos custos
de utilização dos serviços no período de follow-up (Kuipers et al., 1998).
Outros grupos de pesquisa também realizam estudos controlados e randomizados
investigando a eficácia da TCC para os sintomas resistentes à medicação. Tarrier e
colegas (1998) constataram um tratamento mais curto e intensivo com TCC é
significativamente superior ao tratamento de rotina, no tratamento de pessoas com
sintomas psicóticos resistentes. Sensky e colegas (2000) compararam a TCC com
uma condição de controlo "amigável" (não específica, contacto terapêutico de
suporte) e concotraram melhorias significativas em ambos os grupos ao longo de 9
meses de tratamento. Contudo, estes ganhos só foram mantidos para o grupo TCC
(Sensky et al., 2000).

Terapia Cognitiva para Alucinações e Crenças Delirantes


Paul Chadwick e seus colegas têm desenvolvido e investigado uma intervenção
cognitiva para as pessoas que ouvem vozes (por exemplo, Chadwick & Birchwood,
1994; Chadwick, Sambrooke, Rasch, & Davies, 2000). Esta abordagem de
tratamento, centra-se na identificação e no desafio de um conjunto de crenças
típicas sobre vozes - crenças sobre a omnipotência, controle e significado pessoal, e
foi investigada através do estudo de pequenos grupos de pacientes. Os casos
estudados demosntram que esta abordagem tem produzido efeitos positivos
(Chadwick & Birchwood, 1994). Para além disso, os pacientes que atenderam a
grupos baseados na versão desta terapia demonstraram melhorias significativas
nas medidas de convicção nas crenças delirantes, omnipotência e controlo
(Chadwick, Sambrooke et al., 2000).
Chadwick e seus colegas também desenvolveram e avaliaram uma terapia
cognitiva específica para crenças delirantes (Chadwick & Lowe, 1990; Chadwick,
Lowe, Horne, & Higson, 1994). Eles utilizaram uma abordagem em pequenos grupos
para estudar a eficácia do desafio verbal e da experiência do teste da realidade e
constataram que uma combinação destes dois processos resultaram numa redução
da convicção das crenças delirantes na maioria dos indivíduos (Chadwick & Lowe,
1990; Chadwick et al., 1994).
Autores da área da terapia cognitiva para as crenças delirantes têm identificado e
reforçado a importância da colaboração e da relação terapêutica na realização
deste tipo de tratamento (por exemplo, Alford & Beck, 1994; Chadwick, Birchwood,
& Trower, 1996). Eles reconhecem que o processo de investigação e desafio das
crenças delirantes pode ser angustiante para o paciente e, portanto, sugerem que é
fundamental que se o faço de forma colaborativa (Alford & Beck, 1994).O
tratamento descrito neste manual também insiste fortemente no desenvolvimento
de uma relação terapêutica colaborativa verdadeira.

Conclusões
Os resultados que nos são apresentados pela literatura acerca das intervenções
com TCC para os sintomas psicóticos têm-nos indicado que existe um corpo
crescente de evidência o seu uso. Especificamente, parece existir um forte suporte
da evidência científica para o uso de tratamento com TCC em formato individual
para sintomas psicóticos persistentes, como alucinações e delírios. Esta forma de
tratamento psicológico tem mostrado produzir melhorias significativas na
sintomatologia psicótica e no perigo associado à mesma.
O tratamento descrito neste manual é o mais próximo dos tratamentos cognitivo-
comportamentais para os sintomas psicóticos persistentes em termos de estilo,
componentes e grupo de pacientes como está acima descrito.
Optámos por este tipo de tratamento porque, mostra-nos a evidência, que serve de
tratamento para o grupo de pacientes que mais comummente encontramos nos
serviços de saúde mental. Isto é, pessoas que experienciam há muitos anos
alucinações e delírios resistentes ao tratamento farmacológico, sendo que este se
apresenta como a opção de tratamento conveniente e satisfatório para este grupo
de utentes. Este manual permite tratar também sintomas secundários, como os
sintomas de depressão e a ansiedade.

Manual de Intervenção CCI


Embora existam actualmente vários guias de tratamento psicossocial publicados
que disponibilizam perspectivas teóricas e técnicas empiricamente validadas, não
são tipicamente apresentados de uma forma particularmente acessível. A análise
destes recursos indica uma clara necessidade de recursos de tratamento
"amigáveis", que forneçam orientação passo-a-passo, dos tratamentos baseados na
evidência para este tipo de perturbações crónicas.
A pesquisa “People Living with Psychotic Illness” refere que menos de 20% dos
participantes tinham participado em quaisquer actividades de reabilitação no
passado ano. O tratamento proposto neste projecto pode abrir caminho para a
melhoria da auto-eficácia das pessoas que vivem com este tipo de perturbação
crónica e permitir a redução do seu isolamento social associado ao sofrimento
causado pelos sintomas psicóticos. Este tratamento é também capaz de aumentar a
eficácia de outros tratamentos estruturados desenvolvidos pelo CCI –
particularmente o “Social Skills Manual for People with Psychosis”.
Como tem demonstrado a nossa vasta experiência na composição de recursos
psicossociais no CCI, um manual para terapeutas bem desenhado deve ser não só
amigável para o clínico e baseado em princípios empiricamente validados, mas
também flexível o suficiente para que possa levar em linha de conta o nível de
envolvimento e heterogeneidade dos problemas dos pacientes. Os manuais devem
ser também passíveis de ser avaliados em termos da sua utilidade, não só para o
técnico, mas também para o utente.

Modelo de Tratamento
O modelo subjacente ao tratamento deste manual tem determinados
componentes-chave. O nosso modelo enfatiza o modelo explicativo de "stress-
vulnerabilidade" para o aparecimento dos sintomas psicóticos. O nosso modelo
enfatiza também os sintomas, em vez de síndromes, e o sofrimento associado à
perturbação psicótica (em vez da experiência dos sintomas de forma isolada) no
planeamento do tratamento.

Stress-Vulnerabilidade

O princípio subjacente ao modelo stress-vulnerabilidade pode ser resumido


brevemente da seguinte forma - "o paciente tem uma predisposição biológica,
muitas vezes genética, que interage com o stress para dar origem à doença"
(EPPIC, 1997, p.13). Como se vê, esta vulnerabilidade pode ser inata (ou seja,
genética) ou adquirida (por exemplo, complicações perinatais, acontecimentos de
vida). A vulnerabilidade de um indivíduo à experiência psicótica irá interagir com a
sua experiência de stress associada a um acontecimento de vida, e a sua forma de
lidar com o mesmo, para alterar a probabilidade de vir a experienciar um surto ou
sintomas psicóticos (Zubin & Spring, 1977). Achamos que este é um modelo
particularmente útil para trabalhar com pessoas com psicose porque fornece um
racional para trabalhar psicologicamente e para tomar a medicação. Este modelo,
portanto, proporciona aos nossos pacientes uma lógica útil para o seu tratamento, e
dá-nos um 'caminho' para ajudar as pessoas com quem trabalhamos a lidar com o
stress e os sintomas decorrentes da sua doença (incluindo aspectos cognitivos e
comportamentais de coping).

Formulação Baseada nos Sintomas


O modelo também incide sobre a experiência de sintomas específicos do paciente,
em vez do seu diagnóstico. Isto significa que haverá alterações no modelo e no
plano de tratamento, dependendo dos sintomas presentes, e que são da maior
importância para o paciente. Uma das vantagens de se centrar sobre os sintomas é
que o manual de tratamento pode ser aplicado a indivíduos com variados
diagnósticos dentro do espectro psicótico – desde que experienciem sintomas
relevantes. Por exemplo, um paciente com diagnóstico de perturbação bipolar que
experiencia sintomas psicóticos residuais em forma de crenças delirantes poderia
ser tratados com este manual.

Angústia e Perturbação
Neste tratamento, o nosso objectivo é tratar a angústia e perturbação que surgem
frequentemente na sequência dos sintomas psicóticos. Ao fazer isso, estamos
conscientes de que o grau de sofrimento e perturbação experimentados podem
variar consideravelmente de pessoa para pessoa. Por exemplo, uma pessoa que
ouve vozes, pode sentir raiva e responde gritando, enquanto outro pode sentir-se
indiferente e em vez de gritar, distrai-se com outras actividades. Este tratamento
concentra-se na compreensão e modificação dos factores (incluindo as crenças da
pessoa em relação às suas vozes), que levam ao sofrimento psicológico e à
perturbação comportamental.
Acreditamos que o entendimento dos problemas psicóticos em termos de
sofrimento e
perturbações associadas, é uma das maiores mais-valias do tratamento que
propomos neste manual - na medida em que evita o conflito e incentiva a aliança
terapêutica. Este ponto é particularmente importante sendo as pessoas com
perturbação psicótica frequentemente enfrentam dificuldades significativas na
aliança terapêutica.

Relação com outros Tratamentos


O modelo de tratamento proposto é semelhante aos tratamentos de TCC que foram
desenvolvidos ao longo dos últimos anos para a perturbação bipolar (Lim & Nathan,
2001a, 2001b), na medida em que prioriza a auto-gestão e prevenção de recaídas.
Embora a medicação seja um componente importante de qualquer tratamento de
sintomas psicóticos o modelo de TCC é muito diferente de qualquer um dos
tratamentos puramente biomédicos para a psicose ou esquizofrenia, porque se
concentra no sofrimento e perturbações que decorrem dos sintomas, em vez dos
sintomas em si mesmos.

Grupos
Esta variante de TCC é diferente dos tratamentos de TCC para outras doenças, na
medida em que o grupo de doentes a que se destina tem maior probabilidade de ter
as seguintes características:
 É pouco provável que este grupo de pacientes solicite por si próprio ajuda
para aliviar os seus sintomas (ou seja, é mais provável que sejam
encaminhados pelo seu psiquiatras ou equipa de tratamento
multidisciplinar). São, portanto, pessoas com maior grau de ambivalência em
relação ao tratamento e incerteza acerca do seu valor para eles.

 São pessoas que, á partida tendem a ter variadas experiências com


profissionais de saúde mental, e uma vasta gama de experiências (como por
exemplo, internamentos hospitalares, etc.) em relação a outro tipo de
pacientes em ambulatório. São também mais susceptíveis de terem
experienciado um internamento compulsivo. Pacientes com psicose podem,
de facto, ter mais experiências com os profissionais de saúde mental, que
que nós, técnicos, temos com pacientes com psicose.

 Eles tendem a ter tido a experiências de serem "punidos" pelos sintomas


psicóticos que experienciam (como por exemplo, as hospitalizações e os
aumentos na dose de medicação) ou de desânimo em relação à eficácia do
tratamento para os sintomas. A construção de uma compreensão da
experiência da pessoa é, portanto, um pré-requisito para a descrição precisa
dos sintomas.

É provável que estes factores tenham um impacto no grau de motivação para se


envolverem no tratamento psicológico.
Embora haja uma literatura considerável que enfoca a utilização de abordagens
com TCC em população com primeiro episódio de psicose, estamos conscientes de
que, nos serviços públicos de saúde mental, a maioria das pessoas com doenças
psicóticas estão a enfrentar sintomas recorrentes ou crónicos. Dessa forma, a
população-alvo para este manual de tratamento é precisamente este grupo de
doentes, e não aquele constituído por pessoas em primeiro episódio psicótico. No
entanto, muitas das técnicas descritas neste manual também têm relevância para
aqueles que experimentam um primeiro episódio de doença psicótica.

Objectivos do Tratamento
Os objectivos gerais do tratamento com este manual são:
 Maior compreensão e insight das experiências psicóticas;

 Melhorar a forma como lidam com os sintomas psicóticos residuais;

 Redução da ansiedade associada às alucinações auditivas;

 Redução do grau de convicção e preocupação com as crenças delirantes;

 Manutenção dos ganhos e prevenção de recaída;


Os objectivos específicos do tratamento com cada indivíduo são susceptíveis de
incluir vários das metas gerais acima referidas. No entanto, eles podem variar
dependendo do sintomas específicos de cada pessoa, das suas circunstâncias de
vida e, mais importante, daquilo que elas desejam obter com a terapia. Os módulos
de avaliação precoce do manual tratamento são preparados para a criação de um
conjunto de objectivos específicos e pessoais ou objectivos da terapia

Componentes-Chave da Intervenção

Estratégias de Envolvimento
Um dos denominadores comuns nas descrições das intervenções cognitivo-
comportamentais para pessoas com psicose é a ênfase colocada na importância do
envolvimento com o paciente. Salientam que a avaliação e o envolvimento no
tratamento é susceptível de levar mais tempo e a exigir mais esforço cuidado com
este grupo de doentes.
É provável que as sessões preliminares tomem um número considerável de sessões
antes que o foco e a direcção da terapia se tornem claras para o terapeuta e
cliente. Particularmente nesta fase inicial do tratamento, cria-se a oportunidade de
falar de forma mais alongada acerca das preocupações e sintomas, de forma a
serem compreendidos – a construção da compreensão das circunstâncias do cliente
é a principal componente que manterá o cliente na terapia.
Outro requisito importante é responder com flexibilidade às necessidades dos
pacientes e aos seus requisitos nas diferentes fases da doença e da terapia. Não é
possível manter uma relação terapêutica de colaboração, sem a atenção constante
à evolução da situação e às necessidades manifestadas pelo cliente.
Dado o papel fundamental que desempenha o envolvimento na relação terapêutica
neste tipo de terapia, incluímos um módulo inteiro (Módulo 3) centrado nas fases
inicias do tratamento, nomeadamente na construção de uma aliança terapêutica.
Temos também enfatizado a importância de continuamente tratar as questões da
motivação e quebra do envolvimento que ocorrem ao longo do tratamento.
O Módulo 3 também oferece a oportunidade para o reforçar as estratégias de
coping utilizadas naturalmente pelos clientes, i.e., os passos activos que dão para
gerir os sintomas da sua doença. Existe alguma evidência de que o reforço das
estratégias de coping é uma terapia eficaz em si mesma para os sintomas
psicóticos (Yusupoff & Tarrier, 1996). Também serve para desenvolver uma relação
terapêutica colaborativa, reforçar os esforços que o cliente está actualmente a
desenvolver – bem como o seu papel como um perito nos seus próprios sintomas.

Psicoeducação
A componente de psicoeducação deste manual serve uma série de funções
importantes. Em primeiro lugar, é uma oportunidade de normalizar e
'desdramatizar' a experiência psicótica e os seus sintomas, bem como o início da
prestação (num sentido geral), de algumas perspectivas alternativas sobre a
experiência destes sintomas (Turkington & Kingdon, 1996).
Em segundo lugar, ela também oferece uma oportunidade para o paciente a
aumentar a compreensão dos seus próprios sintomas e do contexto em que eles
ocorrem. Idealmente, isto é feito de uma forma colaborativa, individualizada e não-
didáctica, com o objectivo de construir um modelo explicativo compartilhado das
dificuldades do indivíduo (Fowler, Garety, & Kuipers, 1995).
Em terceiro lugar, permite que o clínico melhor avalie a compreensão do seu
paciente em relação à sua própria doença, proporcionando, assim, mais informação
para a formulação cognitiva das dificuldades do paciente - que será utilizada nos
módulos posteriores.

Terapia Cognitiva
Conforme descrito na revisão acima, as estratégias de terapia cognitiva, como o
desafio verbal e experiências comportamentais provaram ser eficazes para muitas
pessoas com sintomas psicóticos residuais, como delírios e alucinações. Os módulos
5 e 6 deste manual descrevem o uso destas técnicas cognitivas na abordagem dos
dois principais sintomas psicóticos positivos - crenças delirantes e alucinações.
Este manual também inclui um módulo (módulo 8) que define o uso de estratégias
cognitivas para tratamento de sintomas secundários, como ansiedade e depressão.

Treino de Competências Comportamentais


O módulo de treino de competências comportamentais (Módulo 7) oferece ao clínico
(e paciente) uma escolha, entre uma gama de estratégias comportamentais
eficazes -, dependendo da natureza da preocupação do paciente. As estratégias
descritas neste módulo incluem: - relaxamento, exposição gradual, programação de
actividades, distracção e resolução de problemas.
Essas habilidades comportamentais podem ser ensinadas a fim de melhorar a forma
como o paciente lida com os sintomas residuais. Por exemplo, um paciente que
percebe que sua voz era mais alta e mais intrusiva quando se sentia ansioso e
tenso pode beneficiar da prática regular de uma técnica de relaxamento adequada.
Elas podem também ser úteis no tratamento de sintomas secundários como
depressão e ansiedade.

Estratégias de Prevenção de Recaída


As estratégias de prevenção de recaída geralmente incluem a identificação de
sinais de alerta precoce de recaída, e o desenvolvimento de planos para agir em
resposta a esses indicadores. Eles têm sido utilizados em combinação com o
tratamento, tanto farmacológico como psicológico durante muitos anos (Birchwood,
1996). Eles são também comummente usados em tratamentos psicossociais
noutras doenças mentais graves, por exemplo depressão recorrente, e perturbação
bipolar.

Este manual de tratamento não pretende descrever um tratamento


compreensivo de prevenção de recaída, mas fornece alguma orientação na
forma de ajudar o paciente a antecipar e planear futuras recaídas e para
manter os ganhos do tratamento no futuro.

Avaliação dos Resultados da Intervenção

Fase Inicial da avaliação

Existem dois módulos na fase inicial de avaliação da TCC para sintomas psicóticos -
Módulo 1 (Avaliação geral) e Módulo 2 (Avaliação de Sintomas Específicos). Esta
fase inicial de avaliação requer tempo e cuidados, uma vez que faz parte da
orientação dos pacientes para a terapia. As medidas de avaliação escolhidas devem
cobrir a gama de sintomas apresentada pelo cliente. As medidas gerais permitem a
avaliação de traços do diagnóstico, a severidade dos sintomas psicóticos,
sofrimento associado, e qualidade de vida. A aplicação destas medidas gerais é
repetida no final da terapia (conforme descrito no módulo 10 - tratamento pós-
avaliação). As medidas de sintomas específicos são importantes dimensões e
aspectos das crenças delirantes e das alucinações auditivas.

Avaliação de Follow-Up

Muitas das medidas de sintomas específicos (como por exemplo, o grau de


preocupação e convicção com os delírios) são repetidas a cada sessão para fornecer
uma medida contínua de variação e mudança ao longo do tratamento. A avaliação
contínua dos objectivos da terapia joga dois papéis importantes. Em primeiro lugar
fornece um feedback útil para o paciente - sobre as mudanças nos sintomas ao
longo do tempo, sobre as melhorias que fizeram, e sobre os factores que podem
influenciar a sua experiência dos sintomas. Em segundo a avaliação regular destes
objectivos de tratamento permite ao terapeuta acompanhar a eficácia de diferentes
componentes da terapia e manter o foco durante o curso do tratamento.
Módulos de
Intervenção
Módulo 1

Avaliação Geral e
Introdução à Terapia
Módulo 2

Avaliação de
Sintomas Específicos
Módulo 3

Envolvimento na
Terapia
Módulo 4

Psicoeducação
Módulo 5

Terapia Cognitiva
para os Delírios
Módulo 6

Terapia Cognitiva
para as Alucinações
Módulo 7

Treino de
Competências

Módulo 8
Terapia Cognitiva para
os
Sintomas Secundários

Módulo 9
Planeamento para a
Auto-Monitorização

Módulo 10
Avaliação
Pós-intervenção

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