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ação provocou um medo ainda maior e «muitos problemas em toda a provín-

7.A horda heterogênea na Revolução cia". P~tr'ulhas armadas percorreram arrogantemente as ruas por quase duas
Americana semanas. mas o tumulto continuou. O porto de Charleslon estava apinhado de
navios. e os marinheiros logo estavam ~'agitados e amotinados de novo", apre-
sentando-se. como disse cinicamente Laurens.como" Protetores da Liberdade".
O governador da Carolina do Sul, William Bull,lançaria posteriormente u~
olhar reflexivo sobre os acontecimentos do fim de 1765 e começo de 1766, atri-
buindo a confusâo de Charleston a "negros desordeiros, e marujos ainda mais
desordeiros".l
Laurens e Bull identificaram um tema revolucionário em geral descrito por
contemporâneos como "horda heterogênea", raramente discutido em histórias
da Revolução Americana. É um assunto que viemos seguindo desde;.l hidrar·
quia das décadas de 1710 e 1720 até as revoltas de escr.IVOSt.' ills\lrrei\'üe~ urba-
nas dos anos 1730 e 1740. A derrota desses movinh:nlos permitiU que a CSLra-
vid;io (:..(} lomércio maritimo se expandisselll. (OI)) ;\S l\lrmaS <.h.·L·•.•(T.1Vtb
ampliando a área das planlalions e as lurmas de m;:lru;os tripulando frotas d<.'
Em ()Uluhro de 1765 uma multidão de marinheiros com o rosto pintado de navios de guerra e mercantes cada vez mais nUlllcrOS;'lS. A Grâ- Brcl"1nha conllr-
n<.'gro c mascarados. armados com porretes e cutelos. visitou a casa de um rico mou sua primazia como a maior potência capitalista do mundo ao derrotar a
com~rciante de Charleston chamado Henry Laurens. Eram oitenta homens rrança na Guerra dos Sete Anos, em 1763. protegendo c ampliando seu lucra·
exaltados pelo álcool t= pela raiva que para ali se haviam dirigido para protestar tivo império colonial e explorando novos e vastos territórios na América do
contra a l.ei d<'l Selo. que o Parlamento recém-aprovara para aumentar a arn:ca- Norl~ c no Carib~ para os rachadores de: knha r tiradoi-rs de úgua. Ape~;lr di,,;sll,
dâlÇãode impostos nascolóniasamericanas. Eles tinham ouvido rumores degue coincidindo com o momento de triunfo imperial, escravos e marinheiros inicia·
Lwrens guardava em casa o papel carimbado que lodos seriam obrigados a ram um no\'o ciclo de rebeliões.
adquirir para locar a vida de todos 0$ dias, e cantavam" Liberdade, Liberdade e Operações no mar e em terra, de motins à insurreiçào, fizeram da horda
Papt.'i Carimbado", exigindo que este lhes desse o papel para que o destruíssem heterogênea a força motriz de uma crise revolucionária nos anos 1760 e 1770.
num gesto de desafio. Laurens ficou aturdido, como explicou posteriormente: Essas ações ajudaram a desestabilizar a sociedade civil imperial e empurraram a
"não só ameaçaram. f<lzcndo muito barulho, mas foram muito rudes comigo". América rumo à primeira guerra colonial por libertação no mundo moderno.
Convencidos, finalmente, de que Laurens não tinha o papel. os homens se dis- Ao estimular e comandar o movimento de baixo para cima, a horda heterogê-
persaram pela zona portuária. tiraram o disfarce e saíram em busca das fuma- nea influenciou a história social, organizacional e intelectual daquela época e
centas tabernas e das pensões baratas. pelos úmidos embarcadouros e navios demonstrou que a Revolução Americana não foi um fenômeno de elite ou
decrépitos. nacional. pois sua gênese. seu processo. seu resultado e sua influência estavam
O protesto teve resultado. O Parlamento. surpreso com a resistência colo- ligados à circulação da experiência proletária em valia do Atlântico. Essa circu-
nial,logo revogaria a Lei do Selo. E em CharJeston uma coisa levou a outra, até laçãocontinuaria pela década de 1780,com os veteranos do movimento r~vo~u-
que uma multidão se reuniu. em janeiro de 1766, para mais uma vez exigir liber- cionário na América levando seu conhecimento e experiência para o AtlantlCo
dade, aos berros. Os manifestantes de CharIeston eram escravos africanos, cuja oriental, iniciando o pan-africanismo, promovendo o abolicionismo e aju·

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dando a despertar as tradições adormecidas de pensamento e ação revolucioná_ ' Ao longo do tempo, derivou-se O segundo significado (político) do pri-
rios na Inglaterra e, mais amplamente, na Europa. A horda heterogênea ajuda- meiro (técnico), ampliando a cooperação, estendendo a atividade e transfe-
ria a desintegrar o primeiro Império britânico e a inaugurar a era atlântica de rindo o comando de capatazes e pequenos funcionários para o próprio grupo.
revolução. Essa transição manifestou-se nas ações da horda heterogênea nas ruas de cida-
Para nossos objetivos. é preciso definir com clareza dois significados distin- des portuárãas: quando marinheiros se mudavam do navio para terra. junta-
tos da "horda heterogênea". O primeiro refere·se a uma turma organizada de vam-se na zona portuária a comunidades de estivadores. carregadores e traba-
trabalhadores, um pelotão de pessoas que executam tarefas semelhantes. ou lhadores, escravos em busca de liberdade~ jovens livres do campo e fugitivos de
diferentes. com vistas a uma meta comum. As turmas das plantat;ons de cana- vários tipos. No auge das possibilidades revolucionárias, a horda heterogênea
de-açúcar e tabaco foram vitais para a acumulação de riqueza nos primórdios apareceu como uma sincronicidade ou coordenação real entre os "levantes de
da história da América. Igualmente essenciais foram as turmas de trabalhadores pessoas" das cidades portuárias. a resistência de escravos afro-americanos e as
de navio dedicadas a uma finalidade particular e temporária. como velejar.lan- lutas indígenas na fronteira. Tom Paine temia justamente essa combinação, mas
çar um ataque anfíbio, ou apanhar lenha e água. Essas turmas sabiam trab'llhar ela jamais ~e materializou. Pelo contrário, como veremos, a reversão da dinâ-
i".'m harmonia, e n•.
lo só porque o faziam debaixo de chicote. O primeiro signifi- mi(,J r('vnlllcioll~lria, rumo ao termidor, alterou o ambiente da horda heterogê-
cado, portanto, ê técnico t' peculiiH aos processos de trabalho nas plantations e nea, (Vm n:,fugi~ldos.deslo<:ados de guerra e prisioneiros dando forma humana
no 'l'l~H. t\ economi;l do Atbnlico no sél..·ulo.\:Vll1 tkpendia dessl:: mecanismo de ~ldarOlêl.
cooperação humana.
O segundo significado descreve uma formação sociopolítica do porto ou
da cidade do século XVIII. A "horda heterogênea", nesse sentido, estava estreita- MARINHEIROS
mente relacionada à multidão urbana e à multidão revolucionária que, como
veremos, erílm geralmente aglomerações armadas de diversos grupos e turmas, Os marinheiros eram a máquina motriz do ciclo de rebeliões, especial-
CJdíl 4ual com sua mobilithde própria, e freqüentemente livres da liderança mente.: na América do Norte, onde ajudaram a assegurar vitórias para ° movi-
exercida de cima para oaixo. roram elas a força motriz da crise da Lei do Selo, mento contra a Grà-l}rctanha entre "1 765 e 1776. Eles encabeçaram uma série de
dos motins ··Wilkes e J-iberdade" e da série de levantes da Revolução Americana. mOlins U)lltra o recrutamento forçado a parlirda década de 1740, levando Tho-
As revoltas do Atlântico no século XVIII dependiam dessa forma mais ampla de mas Paine (em Comlnon Sensc) e Thomas Jefferson (na Declaração da Indepen-
cooperação social. dência) a catalogar essa prática como uma grande calamidade. Sua militância
Quando dizemos horda heterogênea queremos dizer multiétnic3. Essa era, nos panos desenvoiveu-sea partir da experiência de trabalho diário no mar,que
como notamos, uma característica do recrutamento das tripulações de navios combinava cooperaçào coordenada e iniciativa audaciosa. Marujos a bordo de
durante a expansão do Estado marítimo sob Cromwell-e posteriormente. Tal ,
,
um navio participavam de lutas coletlvas por comida. pagamento. trabalho e
diversidade era uma expressão de derrota - considere-se a deliberada mistura disciplina. e levavam para os portos uma atitude militante em face da autoridade
de línguas e etnicidades no acondicionamento dos navios negreiros -. mas a arbitrária e excessiva. uma empatia com os problemas alheios e uma disposição
prática transformou a derrota em força. como quando uma identidade pan- para colaborar como forma de se proteger. Como descobriu Henry Laurens.eles
africana. e depois africano-americana, foi formada a partir de diversasetnicida- nâo tinham medo de usar a ação direta para alcançar suas metas. Assim, os
des e cuhuras. Designações"étnicas" originais~como a de «inglês livre", podiam marujos entraram na década de 1760 armados com as tradições da hidrarquia.

k portanto tornar-se genéricas, como mostrado mais adiante por nosso exame do
marinheiro africano Olaudah Equiano.
Aprenderiam novas táticas na era da revolução, mas também dariam comocon-
tribuição as muitas táticas que já conheciam.1
!:
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~
Uma coisa que os marinheiros sabiam era como resistir ao recrutamento' A luta contra o recrutamento forçado adquiriu um toque criativo em 1747,
forçado. Essa tradição surgira na Inglaterra do século XIII. prosseguindo durante quando. de acordo com Thomas Hutchinson, ocorreu "um tumulto na Cidade
os Debates de Putney e a Revolução Inglesa, até o século XVII, com a expansão da de Boston igual a outros que o precederam': A confusão começou quando cln-
Marinha Real, e depois até o século XVIII, com as mobilizações cada vez ma:ores qüenta marinheiros, alguns da Nova Inglaterra. abandonaram o comandante
para a guerra. Quando,depoisde um quarto de século de paz, a Inglaterra decla- Knowles e o HMS Lark. Em resposta. Knowles mandou um grupo de recrutado-
rou guerra à Espanha em ] 739, marinheiros lutaram contra recrutado rei em res vasculhar os cais de Boston. Uma turba de trezentos marujos cresceu até
todos os portos ingleses., geralmente derrotando-os. Punhos e porretes agita- transformar-se numa multidão de "milhares de pessoas". que tomou oficiais do
vam-se também nos portos americanos, em Antígua, St. Kius, Barbados e Lark como reféns, surrou um vice-xerife e o empurrou, às bofetadas, para os
Jamaica,eem Nova Yorke na Nova Inglaterra.) Homensdo maramotinaram-~e picadeiros da cidade, cercou e atacou a Câmara de Conselho Provincial e distri-
em Boston em 1741, surrando um xerife e um magistrado que tinham ajudado buiu grupos pelos píeres para impedir que oficiais navais fugissem para seus
os recruladoresdo HMS Portland. No ano seguinte. trezentos marinheirosarmé::- navios. A turba logo enfrentou o governador de Massachusetts, Wilham Shirley,
dos com porretes, cutelos e machados atacaram o oficial comandante do A.5trw lembrando-lhe a violência criminosa com que os Tc-crutadores trataram os
e destruíram uma barcaça de guerra. Rebelaram-se mais duas vezes em 1745, marinheiros em 1745 e ameaçando-o com o exemplu do capitão John Portcous,
primeiro atacando fisicamente outro xerife e o comandante do HMS Shidcy, e, O desprezado chefe da Guarda da Cidade de Edinburgo. que depois de malar
sete meses depois, quando enfrentaram o capitão ron::::.:te seu I-IMS \Vllger,.-: per~ pessoas na multidão em l736 foi capturadoe"'enforcddo num poste de sinaliza-
deram dois companheiros para os cutelos re1ampcjantes dos recruladoóes. O ção". O governador Shirley bateu apressadamenlt' (Om rctirada para Castle Wil~
almirante Peter Warren advertiu em 1745 que os marinheiros da Nova Inglê-- liam. onde esperou o motim acabar. Enquanto ISso, marinheiros e trabalhado-
terra encontravam inspiração no legado revolucionário; tinham, escreveu ele, res armados pensaram na possibilidade de incendiar um navio de vinte canhões
"as mais altas noções de direitos e liberdades dos ingleses, e na realidade sào que estava sendo construído para Sua Majestade nOt.~staleirolocal, depois pega-
quase I.evellers'~i ram o que supunham ser uma barcaça de guerra, levaram-na para a cidade e a
Ao longo da década de 1740, marinheiros começaram a incendiar os boll"~ incendiaram no parque Boston Common. O comodoro Knowlcs explicou suas
em que os recrutadores iam à praia seqüestrar pessoas, cortando seus contatüS queixas: "A Lei [de 17461 contra o recrutamentu for\ado nas Ilhas Açucareiras
com o navio de guerra e dificultando, quando não impossibilitando, o "recrut<:.- encheu a Cabeça da Gente Comum elT)terra bem como de Marujos em todas as
mento'~ O comandante Charles Knowlesescrevcu em J 743 que navios de gt:erra Colónias Nortistas (mais especialmente ~a Nova Inglaterra) nào apenas de ódio
que recrutavam no Caribe«tiveram seus Botes arrastados pelas Ruas e Queima- pelo Serviço Militar do Rei mas [também] de um Espírito de Rebelião com cada
dos, e seus Capitães insultados por cinqüenta Homens Armados de cada vez, e um deles Reivindicando o Direito à mesma Tolerância de que desfrutam as Colô-
obrigados a se refugiarem na Casa de algum Amigo': Quando o capitao Abel nias Açucareiras e declarando que vão persistir':
Smith, do Pembroke Prize. recrutou homens perto de SI. Kitts, uma turba de Ao defender a liberdade em nome do direito. os marujos chamaram a aten-
marujos "foi até a estrada e tomou o bote do Rei. arrastou -o ... e ameaçou queimá- ção do jovem Samuel Adams 'r. Empregando o que seus inimigos chamavam de
lo, se o Capitão não devolvesse os Homens Recrutados, o que ele foi obrigado a •• "tortuosa perspicácia", e com um bom entendimento da "Natureza Humana no
fazer para salvar o Bote e a Vida das Pessoas, para grande Desgraça da Autoridade submundo", Adams viu a horda heterogênea defender-se e traduziu seu "Espí-
do Rei (especialmente em Lugares Estrangeirosr~ Esses ataques à propried,-de e rito de Rebelião" em discurso político. Usou o Motim de Knowles para formu·
ao poder do Estado britânico eram intimidadores: por volta de 1746,0 capitão da lar uma "nova ideologia de resistência, na qual os direitos naturais do homem
HMS Shirley"não ousou pôr os pés em terra durante quatro meses, com medo de foram usados pela primeira vez na província para justificar a atividade da mul-
ser perseguido [...) ou assassinado pela turba, por estar recrutando'~~ tidão". Adams percebeu que a turba "encarnava os direitos fundamentais do

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homem em relação aos quais o próprio governo poderia ser julgado", e justifi- tance to the Higher Powers" {Discurso sobre a submissão ilimitada e a não-resis-
cou a adoção de ações violentas e diretas contra a opressão. A resistência da tência aos poderes de cimal, pronunciado e publicado em Boston no começo de
horda heterogênea à escravidão ensejou. dessa maneira. um grande avanço no 1750_O eminente sacerdote pregou o seu sermão numa epoca em que o motim e
pensamento revolucionário.' suas conseqüências ainda repercutiam na memória de moradores da cidade,
Assim.Adams passou dos "direitos dos ingleses" para o idioma mais amplo especialmente os comerciantes e marujos que fundaram sua própria Igreja do
e universal dos direitos naturais e dos direitos do homem em ) 747. e uma pro- Oeste. Pela altura de 1748,a pregação de Mayhew era considerada herética o bas-
vável razão dessa mudança pode ser encontrada na composição da multidào tante para fazer com que um ouvinte, o jovem Paul Revere. levasse uma surra do
que o ínslruiu. Adams viu-se diante de um dilema: era possível ver uma muhi- pai por impertinência. No começo de ) 749, Mayhew mostrava uma tendência ao
dão de africanos. escoceses. holandeses, irlandeses e ingleses lutar contra os que muitos viam como sedição, afirmando que não era pecado transgredir uma
reerutadores e concluir que eles simplesmente lutavam para ter os "direitos dos lei iníqua como a que legalizava o recrutamento forçado. Mayhew defendeu o
ingleses"? Como acomodar as id~ias lockianas aparentemente tradicionais regicídio em seu sermão de 30 de janeiro, aniversário da execuçao de Charles I,

expostas em sua tese de meslrado em Harvard, em ) 743. com as atividades dos que para ele não era dia de luto. mas ocasião para recordar que os britãnicos nào
"Marujos Estrangeiros, Criados. Negros e outras Pessoas de Condição baixa t' :,eriam escravos. Como Adams antes dele, preg;,w3 .1paixollac.l.llllenle a Jesohc.'-
vil" que encabeçaram o motim de I 747?7 A diversidade do sujeito rebddL' obri- diência civil e um direito de resistência que induía o uso da furç.l; "<I rcalidadc..',a
gou seu pensamento a formuJar uma justificação mais ampla. Adams terIa com. ll~lO-rt:sistencia passiva, afirmavi.'t Mayhew, era escr'lVid:h). A intlue..'ntc l.kfl..·sa do
preendido que o motim era. literalmente, um caso do povo em luta por sua liber- direito à revolução pregada por Mayhew nâo teria ocorrido sem a iH;àod(} mOlim
dade, pois ao longo do século XVIII a tripuJaçãodeum navio era conhecida como c sua análise por Adam Smith e pelos leitores do ludepcuciellt Ad\'crti~er.l"
"o povo", que. quando em terra. estava em "liberdade ••.• As idéias e práticas de 1747 foram refinadas e ampliadas durante os anos
As ações de massa de 1747 levaram Adams a descobrir uma publicação 1760 e ) 770, quando Jack Tar (ou seja. o marinheiro) tomou parle em quase
semanal chamada lndependent Advertiser, que apresentou uma notável, mesmo todos os motins de cidades portuárias. especialmente depois do fim da Guc.·rra
profética, variedade de idéias radicais durante sua vida curta mas vibr~lnte. de dos Sete Anos (1763), quando a desmobilizaçao da Marinha d~ixOll milhares
menos de dois anos. O jornal dava notícias de motins e de casos de resistência aos desempregados. Para os que continuarar:n no mar, dererioraf<lm· se.:a::.çOllltiçôe~
n:crutadores. Apoiava o direito natural de autodefesa e defendia vigorosamcntc.~ materiais (alimento, soldos, disciplina) da vida naval. provocando IlUmeros0l3
as idéias e prát icas de igualdade. recomendando. por exemplo. a vigilância popu. deserções. O Almirantado reagiu recorrendo ao terror: em 1746, l)S desertores
lar da acumulaçào de riqueza e uma "'Lei Agrária. ou coisa parecida" (uma redis- John Evans. Nicholas Morris e John Tuffio receberam setecentas chicotadas nas
tribuição de terras à moda dos Diggers) em apoio dos trabalhadores pobres da costas; Bryant Diggerse William Moreis foram enforc<ldos.O almirante AJexan-
Nova Inglaterra. Anunciou que "a razão da Eseravidão do Povo é... a Ignorâm.:;u der Colvill admitiu que aqueles foram os "castigos mais severos de que jamais
do seu próprio Poder". Talvez a idéia mais importante exposta pelo Independem ouvi falar" por deserção. Essa disciplina mortal no mar transmitiu uma deses·
Advertiser tenha aparecido em janeiro de 1748: "Todos os Homens estão. por perada intensidade à resistência em terra. quando os recrutadores retomaram
Natureza. num só Nível; nascidos com uma Parcela igual de Liberdade, e dotados seu trabalho. 11
de Aptidões quase iguais". Essas palavras remontavam a exatamente um século. ã Marujos voltaram a atacar as propriedades navais do rei. Quando recruta-
Revoluçào Inglesa e ao Agreement o/the People. e)simultaneamente.antecipavam dores do HMS St. john tentaram, em ) 764, capturar um deserlor num cais de
as palavras iniciais da Declaração da Independência de 1776.' Newport, uma turba de marinheiros e estivadores contra-atacou, recapturou o
Outra conexão entre 1747 e 1776 pode ser identificada no sermão de Jona- homem, espancou o tenente que chefiava os recrutadores e "ameaçou rebocar a
than Mayhew"A Discourse Concerning Unlimited Submission and Non - Resis- escuna [do reil para a praia e incendiá-Ia". Depois a multidão foi de barco ale

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Goat lsland. onde disparou canhões contra o Sr. 'ohn. Um mes depois. uma posteriormente o levante. explicou: "Suas idéias de liberdade estão formando
turba de Nova York atacou recrutadoresdo Chl11eu,«e levou seu -:'Iarco até a pre- combinações ilegais". Essascombinações eram "um monstro de mUltas cabeças
feitura e tocou fogo"o Os recrutados foram soltos. o capitãc te\-e de desculpar-se aO qual todos deveriam opor-se. porque colocam em risco a propriedade de
publicamente. e fracassaram todos os esforços feitos nos l:-ibunais para conde- todos; a riqueza, a força e a glória deste reino estarào sempre inseguras,
nar por transgressão os participantes da turba. Logo depo:s. Duna multidão de enquanto esse mal não for repelido". I
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trabalhadores do mar em Casco Bay, Maine, tomou o bcte dos recrutadores. Os marinheiros continuaram também a luta contra O recrutamento. com-
"arrastou-o até o meio da cidade" e ameaçou incendiá-lo se o grupo de recruta- batendo recrutadores nas ruas de Londres em 1770 (durante a guerra contra a
dos não fosse solto.12 Em 1765, uma turba de marinhejros,jov~n~ e afro-ameri- Espanha) e em 1776 (durante a guerra contra as colõnias americanas, causa não
canos tomou o navio-tênder do HM5 Maidstoneem Newport, levou-o para um muito popular entre os marujos). UNauticus" obsl'f"oU os confrontos entre
lugar central na cidade e ateou fogo. Quando O antagonismo popular ao serviço marujos e a Marinha em Londres no começo dos anos 1770 e escreveu The Rights
aduaneiro Cresceu no fim dos anos t 760. marinheiros começaram a atacar seus ofrhe Sai/ar Vindicared [Em defesa dos direitos dos marinheiros], comparando
navios também. Thomas Hutchinson escrevec que em Boston, em 1768. "um a 'lida de marinheiro à escravidão e defendendo o direito de autodefesa. Ele
barco, pertencente à alfândega. foi arrastado em uiunfo pela~ ruas da cidade. e repercutia os Debates de Putney de mais de um scculo Jntcs. qU<Jndo imaginou
incendiado no Common". Marinheiros ameaçaram incendiar.ou incendiaram, um marujo pedindo a um juiz:"Eu. que sou livre ú)nlO o senhor, devo dediCi.Jr
outros navios do rei em Wilmington. Carolina do Nork. t,: em :"Jevis•.·m 1765. minha vida e liberdade em troca de pagalllt:ntu t.1\) ill:-igniric~\Ille. só p.JT3 que
outra vez em Newport em 1769 e 1772. e duas vezes em Nova York em 1775. gente como o senhor possa desfrutar dos seus b•.·n....(Olll segurança?". Como
Desse modo. os marinheiros avisaram as autoridades locai~ que nâo assinassem Adams. Nauticus foi além dos dire'tos dos inglese~, ~ontrapondo os direilos da
mandados de recrutamento, enquanto torciam o braço mais longo e mais forte propriedade privada aos direitos comuns e aos "dir"'itos nalurais de um súdito
do poder do Estado." inocente". John Wi\kes também começou a de(t:ndcr o direito de resistir ao
No fim da década de 1760, marinheiros fi7.eram a conexã,~) entre movi- recrutamento em 1772.'t>
mentos na lnglaterra e na América ao parlicipar dt' revoltas que comhinavam A horda heterogênea também .ajud~u a criar Ulll'1l10"llllcnto abolicionista
motins de trabalhadores por salários e horas de trabalho c::>mprotestos rdati~ em Londresem meados da década de 1760, tjzendn 'lgir o excêntrico mas zeloso
vos à politica eleitoral C'Wilkes e Liberdade': na qual a turba londrina apoiou Granville Sharp, que se tornou um dós initnigos Ol.lis implacáveis da escrava-
John Wilkes, O jornalista e renegado da classe dominante, em suas lutas contra tura. O momento crucial foi um encontro, em 1765, na fila de uma clínica
o rei e o Parlamento). Os marinheiros de Londres, o maiür porto do mundo, médica londrina, entre o obscuro e pétreo escrevente c músico Sharp e um ado-
tivE'ram papel importante em ambos os movimentos, e em 1768 arriaram as lescente chamado Jonathan Strong. que fora escravo em Barbados e apanhara
vejas de seus navios. debilitando o comércio da principal cidade do Império e do dono a ponto de tornar-se um indigente aleijado, tumefacto e quase cego.
acrescentando a greve ao arsenal da resistência. Greves de marujc socorreriam. Sharp e seu irmão. um cirurgião, trataram de recuperar a saúde de Strong, mas
subseqüentemente. nos dois lados do Atlãntico, COm fteqüéncia cada vez dois anos depois o antigo senhor o capturou e vendeu. Para impedir a desuma-
maior. assim como as lutas por soldos,especialmente depois da reorganização nidade, o marinheiro africano Olaudah Equiano obrigou Sharp a estudar a lei e
aduaneira britânica em 1764. quando autoridades começar.lm a apreender O instituto do habeas corpus. o mais poderoso legado do "inglêS livre". porque
ganhos não monetários dos marujos - quer dizer, a "aposta" ou ~ens que eles proíbia a prisão e o confinamento sem processo legal e julgamento por j~r~J e
embarcavam por conta própria, livres de frete, no porão dos navios.14 Ao enca- dessa maneira poderia ser aplicado contra o recrutamento e contra a escravldao.
beçar a greve geral de 1768. marinheiros exploravam as tradições da hidrarquia Sharp acreditava que a lei não deveria respeitar pessoas e concluiu em 17~9 ~u~
para promover uma idéia proletária de liberdade. Um escr:tor. contemplando a «lei consuetudinária e O costume da Inglaterra t .. ·] são sempre favoravels a

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liberdade do homem". Comovido especialmente com as lutas de escravos negros nheiros e outros veteranos do mar garantia que a experiência e as idéias de opo-
na zona portuária. usou o habeas corpus para defender muitos que lutaram para sição viajassem rapidamente. Se os artesãos e os cavalheiros dos Filhos Ameri·
escapar do recrutamento. Sharp obteve vitória duradoura em sua defesa de canos da Liberdade viam sua rebelião apenas como "um episódio na luta mun-
lames Somerset em 1772. quando o tribunal limitou a capacidade dos senhores dial entre a liberdade e o despotismo", marinheiros, que tinham mais
de escravos de ter e explorar sua propriedade humana na Inglaterra. Mas o experiência do despotismo edo mundo, viam sua própria luta como uma longa
habeas corpus foi suspenso em 1777. e não por falta de quem se opusesse à disputa atlântica entre escravidão e liberdade. I",

medida. O Clube Robin Hood de Londres debateu a questão: "Seria apropriado


não suspender a Lei do Habeas Corpus neste momento?". A negativa foi vitoriosa
no debate, por grande maioria. Enquanto isso, um magistrado de nome Iohn ESCRAVOS

riclding fundou os "Bow Street Runners", equivalente urbano dos notórios


patrulheiros das plantationsdo Sul. Ele prestou bastante atenção na horda hete~ Uma nova onda de oposição à escravatura surgiu na Jamaica em 1760,
rogênea rOl Londres e monitorou sua circulação para o oeste, de volta às insur~ (0111 <:1
Revolta de Tacky, que foi, de acordo com o plantador de cana-de~açúc<:1r
reições (;1riben has. I
\,..historiador Eoward Long, "m'lis formidável do que qualquer ilevanteI afê

Muinnt'iros c o prolctariado das docas atacaram a escravidão de outro ;1gura visln nas Antilhas". A revolta (Omcç()u.si~nificalivi.lmenle,ll.l PáSúl;l. na
.ingulo l..'lll1775, quandu foram;) greve t"m Liverpool e 3 mil homens, mulheres p.l n .Yll ia 1..1(.' S.linl \lary, t:' espalhou-s\.' (omo incêndio em (a navial, •...
nv()!\·"-·ndll
e crii.wç<ts se reuniram para protestar contra uma redução de salários. As 3utO- rnilh ••res de pessoas na ilh;1. Os rebeldes foram mOlivados não pdo crisli.l-
ridadesJispararam contra a multidão, matando várias pessoas,eaguerra trans~ nisl110 (o batismo e o melodismo jamaicanos ainda pertenciam ao futuro. t'.1

formou· se em insurreição aberta. Marinheiros "hastearam a bandeira verme~ mi:isão morávia, estabelecida em 1754) era incipiente), mas pela mislerios<l
lha", puxaram canhões de navio até o centro da cidade e bombardearam 3 Bolsa rcli);iào akan, que. apesar de proibida desde 1696, continuava a existir na c1an-
Mercantil,não deixando em pé "quase nenhuma vidraçaem toda a região'~ "làm- dt'stinid:.ldc. ressaltando a possessão espiritual, o acesso a poderes sobrcnatll-
hém d<"SI ruiram propriedades de ricos comerciantes de escravos. Uma lcstcmu~ r.lis t:' uma presença viva dos mortos. Os praticantes, ou obeah, confniam
nha da dgitação em Liverpool escreveu: "Não posso deixar de pensar que tivc~ poderes imortais a combatentes da liberdade, que raspavam a l..:abcça numa
mos aqui uma Boston, e isso deve ser apenas o começo das nossas aflições".·~ d~rn(ll1str;1ção de solidariedade.~" Sua idêia era tomar as fortalezas militares t'

Havia uma verdade literal na observação de que Boston, a "Metrópole da as armas e destruir as usinas. Um dos cabeças, Aponga (também conhecido
Sedição", lançava sua longa sombra sobre os portos ingleses nas vésperas da C0l110 Wager), trabalhara como marinheiro no HMS Wagere é possível que
Revolução Americana. Uma testemunha anônima notou que marinheiros ame- tc:nha testemunhado as batalhas entre os recrutadores e a turba de marujos l1"l

rica nos nlUltiétnicos "eram os mais ativos nos últimos tumultos" de Londres em Boston de 1745. Em Kingston, uma escrava, Cubah, recebeu o apelido de"rai-
j 768. E que eram "desgraçados. de ascendência mulata", "filhos diretos da nha". Dizia~se que o principal Hder, Tacky (cujo nome significava "chefe" em
Jamaica, ou negros africanos filhos de mulatos asiáticos". Ao cantarem "Sem akan). era capaz de aparar balas com a mão e jogá-Jas de volta contra os senho-
Wilkes, não há Rei!" durante a greve fluvial de 1768. esses marinheiros demons- res. A rebelião durou meses, até que uma força militar. que incluía os quilom·
travam o espirito revolucionário independente que os fazia agir em todo o bolas de Scou's Hall, foi organizada. em teTra e no mar, conlra os rebeldes.
oceano. Um empregado contratado fugido de nome JamesAitken. maisconhe- Tacky foi capturado e decapitado. sua cabeça exibida num poste em Spanish
cido como Jack Pintor. tomou parte na Revolta do Chá em 80stoo, depois vol- Town. Quando sua cabeça foi recapturada à noite, Edward Long admitiu que
tou à Inglaterra para atear incêndios revolucionários em 1755 contra os navios "esses exercícios de horror se mostraram de duvidoso valor". A luta de guerri-
e estaleiros do rei. crime pelo qual foi preso e enforcado. A mobilidade de mari- lha prosseguiu durante um ano. A carnificina foi das mais terríveis até entào

234 235
J.
vistas numa revolta de escravos: sessenta bran·.:os mortos; de trezentos a qua- a força, e. para recuperar a liberdade,destruir seus opressores: e não apenas isso)
trocentos escravos mortos em ação militar - ou por suicídio, quando perce- mas é dever dos outros. brancos e negros) ajudar essas miseráveis criaturas, se
biam que sua causa estava perdida; e uma centena de escravos executados. puderem. em suas tentativas de se libertarem da escravidão, e tirá-Ias das ~ãos
Depois do terror vieram leis e policiamento, controle rigoroso de reuniõe~. de seuS cruéis tiranos", Agindo assim. Philmore apoiava as pessoas naSCidas
registro de negros livres. fortificação permaner:te em cada freguesia e a pena de livres empenhadas na autodefesa revolucionária. exigindo a emancipação ime-
morte para os praticantes da obeah.21 diata, pela força se necessário, e pedindo a todos os homens e mulheres de bem
A ordem foi restabeledda na Jamaica. mas ao que tudo indica com pouca que fizessem o mesmo. As idéias de Philmore. apesar de terem provavelmente
ajuda dos marinheiros mercantes rapidamente recrutados pelas milícias lo. provocado calafrios em muitos quacres pacifistas (Anthony Benezet utilizou-se
cais para ajudar a sufocar o levante. Thomas Thistlewood explicou que en. de seus escritos. mas tomando o cuidado de ap<lg41ra recomendação de repelir a
quanto os marinheiros andavam de uma pla.Pll,)ciollpara outra, <I bebida e a,; força com a força), tiveram vasta influência, Escreveu deque"nenhuma assem-
colheres de prata dos aterrorizados donos de plantation de cana-de-açúca:- bléia legislativa, que é o poder supremo nas sociedades civis. pode alterar a natu·
pareciam desaparecer. Edward long alegou que-, 110meio da revolta. um lide:- reza das coisas, ou tornar legal o que é contrario~, lei de Deus, supremo legisla-
dos escravos rebeldes que fora capturó3do dis:)~ é:1lIm guarda di! Illilíciajudia: dor e governador do mundo". Essa doutrina da <'!t.:i Ill.li~ alt<]" teria fundamental
"Quanto aos marinheiros, vê-se que nào se OpÔCnl a nós, njl) lhes intcrl.:.'ssa importância. no século seguinte, para as lutas trall~,ltlúntic;js cuntra a escr<l\'i·
saber quem controla o país, se os brancos ou os negros. p.na 4.:les IJl1lo "<t7.': O dão. Seu conceito inclusivo e igualit;írio dC' "r<\,,:·.\hum.IIl.'" fui inspir~ldu n;,lS
rebelde estava convencido de que depois da n:volução os marinheiros lhes ações coletivas de escravOS rebeldes.!~
"trariam coisas do outro lado do mar, e ficariam (e1izes de rcc~bcr nossos bens A Revolta de Tacky também pode lcr contribuiJo para outro grande
como paga men to". !2 avanço no pensamento abolicionista. na mesma cidade portuária em que Sam
Como O Motim de Knowles em Boston. em 1747, a Revolta dI..' Tackv rê'vi, Adams aprendera a resistir ao recrutamento. Quando Jallles Otis Jr. pronun-
;
vcu e reforçou uma tradição de pensamento revolucionário que r("mu~tava ;: ciou, em 1761. um sermão contra os mandados judiciais que permitiam às
VVinstanle}'eà Revolução Jnglesa. Em 1760, an:e de.l rebdi,i<) ser :..u(t)(ad,l, 1IIT: autoridades britânicas atacar o comércio entre a N\wa Inglaterra c as Antilhas
escritor que conhecemos apenas como J. Philn·::rc redigiu um pilnOeto intilu- francesas, saiu do tema previsto para "afirmar os direitos dos negros". Otis pro-
lado Two Dialogues on rhe Man- Trade. Considera "do-st:' nlilis como ''t.:idJJjo de; ., feriu seu eletrizante discurso logo depois da Revolta de Tack}'. que l:obrira
mundo" que como cidadão da Jnglaterra, Philm(lre insistia em que "toda a raça • numa série de artigos para os jornais de Boston. Mais tarde John Adams diria
humana, por natureza, está assentada sobre a b.Jse da igualdade", e nenhuma que OtlS fora. naquele dia, "uma chama ardente", um profeta que combinava os
pessoa pode ser propriedade de outra. Negava .3 superioridade mund.lna do poderes de Isafas e de Ezequiel. Fez uma "dis~trtação sobre os direitos do
cristianismo e via o tráfico de escravos como aS5.::ssinato organizado. PhiJmor~ homem em estado natural", um relato antinomi::lllo do homem "como sobe·
provavelmente fora informado da Revolta de Tacky pelos marinheiros mcrcan. rano independente, não sujeito a qualquer lei não escrita em seu coração" ou
tes, pois era freqüentador das docas. Boa parte do muito que sabia sobre o trá- alojada em sua consciência. Nenhum quacre da Filadélfia jamais "afirmara os
fico de escravos vinha "da boca de marinheiros': I: direitos dos negros em termos mais vigorosos". Otis exigia a emancipação ime·
Philmore apoiou os esforços de Tackye seus companheiros rebeldes "para diata e defendia o uso da força para alcançá-la, fazendo tremer o cauteloso
se libertarem da miserável escravidão em que vivem': Sua principal conclusão Adams. Em The Rights ofthe British ColoniesAsserted and Proved, publicado em
era c1ara,direta e revolucionária: '"De modo que tcdosos negros das nossas plan- 1764. Otisafirmou que lodosos homens. "brancos ou negros",eram "livres pela
tations, privados à força de sua liberdade, e mantidos em escravidão por não lei da natureza': ampliando e desracializando a expressão "inglês livre". n Se Otis
terem ninguém no mundo aquemapelar. poderr:: legalmente repelir a força com leu o panfleto de Philmore.ousimplesmente tirou da Revolta de Tackyconclu-

236 237
sões parecidas, O fato é que o pensamento abolicionista nunca mais seria o
mesmo. Otis, cujos ecos da década de 1640 levaram alguns a compará-lo a
Masaniello. "foi O primeiro a derrubar as Barreiras do Governo para permitir a
entrada na Hidra da Rebelião~u
A Revolta de Tacky iniciou nova fase na resistência dos escravos. Grandes
complôs e revoltas explodiram. subseqüentemente, nas Bermudas e Nevis
(1761 ),Suriname (1762, 1763, 1768-72),Jamaica (1765, 1766,1776),Honduras
Britânica (1765, 1768, 1773), Granada (1765), Montserrat (1768), SI. Vincent
(1769-73), Tobago (1770, 1771, 1774), SI. Croix e SI. Thomas (1770 e depois) e
St. Kitts (1778). Veteranos da Revolta de Tacky participaram de um levante em
Honduras Britânica (para onde quinhentos rebeldes tinham sido banidos), e de
outras trés revoltas na Jamaica em 1765 e 1766.!;
No (onlil1cl1tc nOTlc-illllericano as reverberações da rebelião intensifica-
ram-se depois de' 1765, (om escravos aproveitando novas oportunidades ofere-
cida~ pelas disputas ('llIrc as classes dominantes do Império e das colónias. ()
númt:ro de fugitivos aumentava num ritmo assustador para os donos de escra-
vos 4.:111 Lod" parte,cem m~adosda década de 1770~um surtodecomplôse revol-
tas de escravos aumentou ainda mais os temores dos brancos. Escravos organi-
zaram levantes em Alexandria, Virgínia,em 1767; Perth Amboy, Nova Jersey,em
1772; freguesia de Saint Andrew, Carolina do Sul. c, numa iniciativa conjunta
afro- irlandesa. Bostun, t,.'m 1774; no condado de Ulstcr, em Nova York, IH) t:on-
dado de Dorchestt::r, em Maryland, Norfolk, Virginia, Charleston, C..•
'lrolina do
Sul t,.' na r~gi<lo do rio Tar na Carolina do Norte. em 1775. Nesta última, UIll

escravo chamado Merrick tramou com marinheiros brancos para disponibi-


lizar armas disponíveis e possibilitar a pretendida revolta.lt
A resistência dos escravos estava estreitamente relacionada ao desenvolvi-
mento do afro-cristianismo. N•.t freguesia de Saiot Bartholomew, Carolina do
Sul, um complô revolucionário aterrorizou a população branca na primavera
de J 776. Entre os líderes, todos eles pregadores negros, havia duas profetisas.
Um pastor chamado George afirmou que o "Jovem rei 1da Inglaterra 11--- J está
prestes a mudar o mundo e libertar os negros". Mais ao sul, em Savannah, Geór-
gia, o pregador David quase foi enforcado depois de comentar o Exodo:" Deus
concederá aos negros a Libertação do Poder dos seus Senhores, assim como , 1773 William Blake.
Negro pendurado vivo pelas costelas "~mQ JorcQ, C. . ~
libertou os Filhos de Israel do Cativeiro egípcio'~ Enquanto isso. uma nova
Stedman, Narrative of a Flve Years Expeciltlon.
geração de líderes evangélicos surgiu nas décadas de 1760 e 1770. entre eles
George Liele e David George (batistas) e Moses Wilkinson e Boston King seda de Spitalfields em Londres durante a década de 1760, pronunciou (e publi-
(metodistas). Liele, escravo da Virgínia que fundou a primeira igreja batista da cou) "Um sermão sobre as belezas da liberdade" depois do incêndio do cÚler da
Geórgia, foi mandado pelos britânicos para a íamaica, onde estabeleceu outra a1fàndega Gaspee por marujos em 1773. Na quarta edição de seu panfleto,lido
igreja." Fara "vastos Círculos de Pessoas Comuns': AJlen denunciou a escravidão.enlre
Como já dissemos, idéias revolucionárias circulavam rapidamente pela; outras coisas. por ter causado as recentes e repetidas revoltas de escravos, que
cidades portuárias. Escravos fugitivos e negros libertos concentravam-se nos "costumam derramar rios de sangue': Thomas Paine, outro homem bom de
portos em busca de proteção e de pagamento em dinheiro, e arranjavam p~na e enamorado da liberdade, pôs-se a escrever contra a escravidão logo que
emprego como trabalhadores e marujos. Escravo~ :ambém mouTejavam no chegou aos Estados Unidos, em 1774. De forma diluída. Paine repetiu os argu-
setor marítimo. alguns tendo como senhores capitães de navio, outros contra- mentos de Philmore pela autoliberlação:"Assim como o verdadeiro dono tem o
tados para a viagem. Pela metade do século XV!:I. os e~cravos dominav3m o trá- direito de exigir de volta seus bens roubados e vendidos, o escravo, dono legí-
fico marítimo e fluvial em Charleston. que abs-:>rvia cerca de 20% dos escravcs tir:lo de sua liberdade, tem o direito de exigi-Ia de volta, por mais que outros a
adultos do sexo masculino, A independência desses "negros de barcos" havia e.)mprem e vendam". Paine mostrou que estava i.lpar do aprimoramento da
muito preocupava os governantes da cidadc. sobreludo quando essa jndepcn~ r~sistência afro-americana quando se rdl"ritl ;to:- t.'sn<tvos chamando~os de
dência envolvia atividades subversivas, corno no caso do pilolO fluvial Thomas "'Jcrigosos. como são agora'~ As lulas dos escravos'l fro-;t mericanos enl re 1765 e
Jeremiah.em 1775. }eremiah foi preso porestocarespi.ngardas na l.'"XpCClafiva
da 1776 aumentaram a comoção e a sensaç<iô dl' (Ti~l,,',,'IH todas i.IScolônias briiãni-
guerra imperial que "ajudaria os negros pobres': "Dois OU Ires brancos': pro .••.
a- C3i nos anos que precederam a revolução. Dentro do balisla Allen c: do meio-
velmente marinheiros, também foram dei idos, se·llas por falta de provas, C' ql:acre Paine, elas desperlaram um abolicionismo <Intinomiano de unla época
expulsos da província. Pilotos negros eram um "handc rebelde, parliculõlrmente revolucionária anterior.}l
resistente ao controle dos brancos'~}II
Osefeítos políticos da resistência dos escravos cram contraditórios, provo-
cando medo e repressão (polícia e patrulhas). dt., um laJo, c' m,lis oposiçao à TURBAS
escravidão, do outro. Isso foi especialmente verdadeiro nos anos anterinrcs i
Revolução Americana, que assinalaram novo estágio na evolução do pt.·nsa~ As trajetórias de rebelião entre ma rujos ~es( r,lVOS cruzavam ~se nas turbas
menta abolicionista. Benezet,o principal abolicionista quacre dos Estados Uni- dos portos, aqueles ruidosos ajuntamentos de milhares de homens e mulheres
dos, descreveu levantes de escravos em todo o rr.undo e disseminou, incansavel- que provocaram a crise nas colônias norte-americanas, Como os conspirado-
mente, notícias a esse respeito por intermédio de cartas. panfletos e livros. Sua ::-esde Nova York em 1741, marinheiros e escravos \,:onfraternizavam em bote-
obra, em conjunto com a resistência de baixo para cima, resultou em novos ata- quins, pistas de dança e "casas de bagunça", na Hdl Town de Filadélfia e em
ques ao tráfico de escravos em Massachusetl5:, em 1767. e em Rhode Island, ·::)Otroslugares, apesar dos esforços das autoridades para criminaliz.ar e impe-
Delaware, Connecticut, Pensilvânia e no Congresso Continental, em ] 774. A :iír tais reuniões.)} Eles se reuniam em turbas no lado norte e no lado sul de Bas-
primeira organização formal contra a escravatura na América foi estabelecidd ton desde os anos de 1740. Na realidade, lalvez a definição mais comum de
em F~adélfia em 1775." turba na América revolucionária fosse a que a descrevia como uralé de rapaz.es,
Dois dos panfletistas mais populares da revolLção foram induzidos pel. marujos e negros': Além disso, em quase todas as ocasiões em que uma multi-
militância dos escravos na década de 1770 a atacar a escravidão. ampliando os doio ia além dos objetivos propostos por líderes moderados de movimentos
argumentos em defesa da liberdade humana.lohn Allen. pastor batista que tes- patrióticos. eram os marujos e, muilas vezes, os escravos que tomavam a dian~
temunhara os motins, julgamentos, enforcame:ltos e a diáspora dos tecelões de te ira. Turbas heterogêneas foram cruciais nos protestos contra a Lei do Selo

240

'i'
(1765), as Leis de Aquartelamento (1765, 1774), a Lei de Arrecadação de da mesma forma que se despreza um grupo de bandidos que faz escravos na costa
Townshend (1767), o aumento do poder dos serviços aduaneiros britânicos da África". O sal era o tempero do movimento abolicionista.X.
(1764-74),a Lei do Chá (1773) e as Leis Punitivas (1774). Por ajudarem a reví- A turba heterogênea conduziu uma ampla hoste de pessoas à resistência
ver antigas idéias e a gerar novas. as turbas multiétnicas foram denunciadas contra a Lei do SeJa. que taxava os colonos com a exigência de selos para a
como hidra de muitas cabeças. l4 venda e o uso de mercadorias. Como a lei alingia todas as classes~ lodos par-
Turbas multirraciais ajudaram a assegurar numerosas vitórias pa:a o ticiparam dos protestos~ apesar de muitos observadores destacarem a atua-
movimento revolucionário. especialmente. como vimos, contra O recruta- ção de marinheiros. por sua liderança e seu espírito de oposição. A recusa a
mento forçado. Os amotinados heterogêneos de Boston, como também vimos, usar papéis selados (e a pagar a taxa) enfraqueceu o comércio, e marinheiros
inspiraram novas idéias em 1747. Em 1765, "marinheiros. rapazes e nt"~ros em ociosos. condenados a permanecer em terra sem ganhar dinheiro.lornaram-
numero superior a quinhentos" amotinaram-se contra o recrutamento em se uma força explosiva em todos os portos. Autoridades rcais em toda parte
Newport, Rhode lsland e. em 1767. uma turba de "Brancos e Negros armados" concordariam com o agente aduaneiro de Nova York que viu o poder da
atacou o capitão Jeremlah Morgan' num motim em Norfolk. Uma turba de "turba I...) aumentar e fortalecer-se diariallwnlC:. (om os marinheiros que
marujos. "rapazes e negros robustos" rebelou·se no motim do LiI1t"rr", t'1ll B()~- chegavam. sem que nenhum saísse. 1..' que ~.lu J genle mais perigos.l nCS~"lS
ton em 1768. lesse Lemisch notou que. depois de 1763,"turha~ <trm.HI ••~d(' hrtlll- '.' ocasiões. pois depende complelamentl' do (IIm('rcio p.lr;, subsistir". Pt'ter
co:-;c negros repetidamente trataram com grosseria c<Jpit•.ies, ollt.:iais l,.' tripulan· üliver notou que depois dos motins d"1 l.l'i do Selo ..~\J litlrcl foi tkspcrt;lda.
teso ameaçando tirar-lhes a vida e tomando-os como refén~ <J ser permutados Cada Boca facciosa vomitou pragas contr.I.1 C;rü·Hrl!IlllllltI, l' a lmprt'IlSa
pelos homens que recrutaram': Autoridades como Cadwallader Loldcn tie Nova jogou tudo contra a escravidão n. ,-

York sabiam que as fortificações reais precisavam ser"suficienles para se defen· A turba de Boston agiu com fúria contra a proprit'dadc do distrihuidor de
derem dos negros ou de uma turba':·-- selos AndrewOliver em 14 de agosto de 1765,e dozí..' Jias depois dirigiu uma ira
Por que afro-americanos resistiram aos recrutadorcs? Alguns pro\'i.lvel- ainda mais intensa contra a casa c os refinados bens de Thomas Hutchinson.
Illt:ntc consideravam o recrutamento fon.;<ldo uma senlt'I1\<l dt' nlOrlt'l· prol'll' que gritou para a lllultidão: Vocês são um balldo Je M,lsani(.'lIos~". Outro:-; ini-
u

ravam escapar das epidemias e dos castigos que afligiam os homcns da Marinha migos da turba descreveram poste~ior~enle seu líder, Ehent.'7.t'T MacIntosh,
Real. Outros aderiam às turbas de combi:!te ao recrUlamenlo p,lr.1 preservar como a encarnação do pescador descalço de Njpl,.)It"~. Marinheiros logo leva-
laços de família ou certo grau de liberdade que tinham conquistado. E muitos ram a notícia e a experiência dos tum'ultos de Boston para Newport, onJe os
talvez tenham sido atraídos para a Juta pela linguagem e pelos princípios da luta legalistas Thomas Moffat e Martin Howard Jr. liveram o mesmo destino de
contra o recrutamento. pois em todas as docas. em lodos os portos, em todo o Hutchinson em 28 de agosto. Em Newport,onJe a ('conomia mercantil depen-
Atlântico. marinheirosdenunciavarn a pratica como pura t: simples e~cravidão. dia do trabalho de marinheiros e eSlivadores. a resistência à Lei do Selo foi
Michael Corbert e vários de seus irmãos marinheiros lutaram para não ser comandada por John Webber. provavelmente marinheiro, e~de acordo com
embarcados à força num navio de guerra no porto de Boston em 1769, alegando uma versão. um "fugitivo da Justiça". Um bando de marinheiros conhecido
que "preferiam a morte a uma vida que consideram escravidão". O pastor bat ista como Filhos de Netuno chefiou 3 mil amo li nados num ataque ao forte George
John Allen reiterou o que incontáveis marujos tinham manifestado em suas em Nova York. a fortaleza da autoridade real. Guiavam-se pelo exemplo da
ações. e que Sam Adams escrevera anos antes: O povo "tem o direito, pela lei de insurreição de 1741. quando tentaram reduzi-lo a cinzas. Em Wilmington,
Deus. da natureza e das nações~ de mostrar relutância e mesmo de resistir a qual- Carolina do Norte, uma "furiosa Turba de Marujos e companhia" obrigou o
quer força militar ou naval". Allen comparou uma forma de escravização com distribuidor de selos a renunciar. Marinheiros lambém encabeçaram ações em
outra. Os recrutadores. insistia. "devem ser sempre odiosamente desprezados. massa contra a Lei do Selo em Antígua. SI. Kitts e Nevis. onde Usecomportaram

242 243
,'-
como jovens leões". As turbas continuaram a agir em resistência à Lei da Arre-
cadação de Townshend e ao renovado poder do serviço aduaneiro britânico, no
fim da década de 1760 e começo da de 1770. Recorrendo aos costumes maríti-
mos. marinheiros acrescentaram uma arma ao seu arsenal de justiça. usando
piche e penas para intimidar autoridades britânicas_ O som metálico do pincd
no balde de piche ecoava na observação de Thomas Gage, em 1769, de que "as
Autoridades da Coroa ficaram mais tímidas e mais temerosas de cumprir suas
Obrigações de todos os Dias".l&
O incêndio da escuna Gaspeeda alfândega em Nt'\vport, em 1772, foi outro
momento decisivo para o movimento revolucionário." Marujos sem lei" tinham,
com freqüência. atuado diretamente contra homens dOialfândega. em Newport

aI eoutroslugares.
ram de trêschalupas
William Dudingston,
Quando o Gaspeeencalhou.de

levá-lo para terra com


Os criadores de caso foram subseqüt'nlemenh.:
guerrear contra o Rei·'.queera o significado dos
sesst..'nla a setenta marujos salta-
para subir a bordo do naVill,I.::'plllrar o desprezado
SlIê' I ripllla~âo,eatear
lenente
fogo ao navio.
~(u$ados.<.k "aha traição, a saber,
~HoSt'm que marinheiros incen-
diavam navios do rei. Comerciantes. fazendeiros t' artesãos lalvez tivessem parti-
cipado do caso Gaspee. mas marinheiros eram claramente os líderes, como con-
cluiu Daniel Horsmandcn, que usou a expcriênóa ,ldquirida como presidente
dos julgamentos dos conspiradores de J 741 em Nova York para investigar esse
llOVO incidente, como chefe da comissão rL'JI.<..) il1(l'lldio do navio,cscrevcll, foril
.., "cometido por um grupo de marin"hciros ()llS<ld('l~,imprudentes c arrojados" .
Horsmanden não sabia sealguérn mais seencilrrcgar.l de organizar esses homens
do mar, ou se eles simplesmente "se juntaram num hando". I';

Homens do mar também chefiaram os motins ,Je Golden Hill e Nassau na


cidade de Nova York e o motim de King Strect em goston, mais conhecido
como o Massacre de Boston. Em ambos os portos, I'll;trinheiros e outros traba-
lhadores marítimos ofenderam·se com os soldadus britânicos que trabalha-
vam por soldos abaixo do normal na zona portuária; em Nova York também se
opuseram aos ataques dos soldados a seu maslTO da liberdade (um mastro de
navio de 17.5 metros). Seguiram-se mOlins e brigas de rua. Thomas Hulchin-
son e John Adams viam uma relação entre os acontecimentos de Nova York e os
Motins cont('Q a ui do Selo em Bosta". 1765. Manhias Chrístian Sprengel, de Boston. talvez com pessoas participando dos dois. Adams, que defendeu os
Allgemeines historisches Taschenbuch ... enthaltend für 1784 die Geschichte der soldados britânicos no julgamento. chamou a turba que se reuniu em King
Revolution von Nord-Amer"ica (/783). Street no "fataIS de março" de nada mais que"uma ralé heterogénea de rapazes
descarados, negros e mulatos. irlandeses e marinheiros de fora". Seu chefe era o veneno do médico, a bengala do capitão,

CrispusAttucks,escravo fugido de origem afro-americana e nativo-americana O mosquete do soldado, a dívida do comissário.


que vivia na pequena comunidade de negros livres de Providence nas ilhas A algema do anoitecer, e a ameaça do meio-dia.·

Bahamas. Marinheiros tomaram parte também nas várias ações diretas das
Festas do Chá. que fizeram Thomas Lamb exclamar em Nova York: "Estamos Em meio à fome, à sede. à podridão. ao sangue coagulado, ao terror e à violência e
em plena festa do Jubileu!".~ à morte de 7 mil ou 8 mil companheiros de prisãO durante a guerra. os prisionei-
Pelo verão de 1775, marujos e escravos tinham ajudado a gerar o entu- roS organizaram-se de acordo com princípios igualitários, coletivos e revolucio-
siasmo descrito por Peter Timothy: "Com relação à Guerra e à Paz, só posso lhe nários. O que antes funcionara como «cláusulas" entre marujos e piratas tornou-
dizer que os plebeus ainda são pela guerra - mas a nobreza léJ pf..'rfeitamente se "um Código de Regulamento -1.. ,1 para seu próprio regulamento e governo'~
pacífica': Dez anos de ação revoJucionáríadireta tinham levado ascoJóniasa um Iguais perante os ratos. a varíola e O cutelo dos guardas. eles praticaram a demo-
passo da revoluçãoo Já durante os protestos contra a Lei do Sdo de 1765, () gene- cracia. trabalhando para distribuir alimento e roupa em partes iguais. para ofere-
ra) Thomas Gage reconhecera a ameaça da turba: "EsIJ Insurrei\';\O é composta cer atendimento médico. para enterrar seus mo TIos. Num navio um marinheiro
de grande número de Marinheiros encabeçados por C.lpit.l.c's tlt." J",;,lviosCors<l- falava entre conveses aos domingos p.H;) honri1r os que tinham murrido "em
rios" e de muita gente da área circundante. num tot,ll d\.' "õ.ll!!.lIns1111Ihares".No defesa dos seus direitos de H()mt"m'~Um rapit;'o qu(' retleri<l, surpreso, sobre a
fim clt." 1776. lorde Barrington. do Exército bril4lnicu, afirmllu qUt' ~l~ govcrnos auto-organização dos prisioneiros observou que os marinheiros eram ''...lcssa
coloniais da América do Norte tinham sido "subvertidos por insuTr(Oições 110 classe }que não se deixa controlar facilmenle, e l'l1l gcr.l} não e adepta entusiás-
I...
verão passado. porque não havia força suficiente para dclt:nJ~-ltJs': j\'larujos, tica da boa ordem". Mas os marinheiros seguiam" tradição da hidrarquia au exe-
trabalhadores braçais. escravos e outros trabalhadores pobrt.'s forneceram cutar a ordem do dia: eles se governavam a si próprius:"
grande parte da centelha. da volatilidade. do ímpeto e da militânci'l sustentada Dessa maneira. a horda heterogênea oferecia um.l imagem da revolução de
doataque à política britânica depois de 1765. Duranlt.' a Guc.:rra Rc:voIUl..-iom'iria, baixo para cima. que se revelou ;:Ilerrador;l p.lra os fOries c: para os patriotas
tornaram parte em ações da turba que acossaram os (('ril'H' dil1lilllllram "tia efi- moderadus. Em sua famosa mas deturpada grõ.lvur~ldo M,lSS<!Crc: de Boston,
cácia política.41 Paul Revere tentou dar aspecto rcsp\.·it:l\'d :,"l1ol"d;\ ht'lt:rogt'lleõ.)': c.:xduindn da
"Vi-me cercado por uma horda heterogt:l1l.'<l de misl.'r.lvns, (om roupas multidão os rostos negros e introdllzindú Ulll IllllTlen) l"xcc~sivo dl' cavalheiros.
esfarrapadas e pálido semblante': escreveu Thomas Dring quando começava a O Conselho de Segurança da Carolina do Sul queixou-se amargarncnledosala-
cumprir seu cativeiro em 1782 a bordo do notório barco fase)', navio de guerra ques de marujos - "homens brancos f negros arm.ldos" - em dezembro de
britânico que servia como navio-prisão no East Rivcr, em Nova Y(.lrk. Muitos
I'
177 5.~.jColonos de elite recorreTanl de illlediat<l a il1lõ.Jgensdt.' Illonst ruosidade,
milhares. especialmente marujos. foram acusados d~ "piratas" t" "traidores" ~
chamando a turba de "hidra': "monstro de muilas c.lheças·: "réptil" c "força de
trancafiados em prisões britânicas e navios-priSão depois de 1776. Philip fre-
muitas cabeças".
; neau,que passou dois meses no barco Scorpion. "condenado à forne,aos grilhões
O fato de ter muitas cabeças significava que a democracia tinha fugido do
t e ao desespero", compôs"O navio-prisão britânico", um dos grandes poemas
controle, como explicou Joseph Chalmers: um governo excessivamente demo-
daquela época. em 1780:
crático "torna-se um monstro de muilas cahcç.ls, uma tirania de muitos". eoo-

A fome e a sede se juntam para a nossa desgraça,


• Hungcr and Ihirsllo workour wOt"cllmbine,/:\nd llu1uldybrt'.ut,.lnd nt"~hor rollen ~wine./lhe
E o pdo mofado, e a carne de porco podre. mangled carcase, and the batter'd brainJ The doctor's poison, and the captain's caneJ The
A carcaça mutilada, e o cérebro fatigado, soldier's musquet, and the sleward'sdebl.l Thcevening shackle.and the noon-day Ihreal.

247
bem ter fornecido o padrão de organização': A comoção em torno do episódio do
Gaspeede 1772 pôs em movimento uma nova fase de organização, pois na esteira
de:;sa façanha audaciosa outra instituição revolucionária, o comitê de correspon-
dência, foi estabelecida nas colônias. Para o legalista Daniel Leonard, esses comitês
eram a "mais imunda, sutil e venenosa serpente já saída do ovo da sedição".46Mas se
a horda heterogênea moldou a história organizacional da Revolução Americana,
teve, como vimos, impacto ainda maior em sua história intelectual, influenciando
as idéias de Samuel Adams, J. Philmore, James atis Jr., Anthony Benezet, Thomas
Painee JohnAllen.Aaçãodebaixo para cima empreendida em Bostoo, na freguesia
deSaint Mary, na Jamaica eem Londres perpetuou antigas idéias e fezsurgiroutras,
que circulariam pelo Atlântico durante as décadas seguintes.
Uma das principais idéias preservadas pelas multidões multirraciais das
cidades portuárias foi a noçào antinomiana de que ~lconsciéncia moral estava
acima da lei civil do Estado, e portanto legitimava ;1 resistência à opressão, fosse
contra um corrupto ministro do Império, um tirano senhor de t:scravos ou um
violento capitão de navio. David 5. Lovejoy tinh"l mostrado, de forma convin~
cente, que um espírito nivelador e um desdém antinomiano por leis e governos
estavam embutidos no crescente "entusiasmo político" da era revolucionária.
Turbas explosivas expressavam, consistentemente, esse entusiasmo, levando
Benjamin Rush a dar nome a um novo tipo de insanidade: anarquia, o "amor
excessivo pela liberdade". A doutrina da lei J.llaisalta, h lstoricamente associada ao
antinomianismo,apareceria em forma secular na I)t'~-laraçao da Independência,
o FataiS de Março, Paul Revere. Thc Hloody i\1,1:;'';',kn:; pcrpct:"<lted in King-Str:;,-et,
denunciada em sua própria época como exemplo de ";liltinomianismo civil':47
Boston, on March 5th, 1770, by a party of the 29~h Rq;imenl (1770).
Em sua luta contra o recrutamento forçado nas décadas de 1760 e 1770, a
tra os soldados e marujos revolucionários que combatera:n sob a bandein. da horda heterogênea recorreu a idéias que datavam da Revolução Inglesa, quando
Thomas Rainborough e o movimento revolucionário dos anos 1640 denuncia-
serpente com os dizeres "Não me Pise" }ohn Aclams propôs Hércules como ~ím-
bolo da nova nação.45 ram a escravidão. No segundo Agreement of the Frec Pcople of England (maio de
1649), os Levellers tinham explicado a base antinomiana da sua oposição ao
Turbas multirraciais sob a liderança de trabalhadores do mar ajudaram
recrutamento: "Nós, o Povo Livre da Inglaterra", declaramos ao mundo que o
simultaneamente a provocar a crise imperial da década de ] 770 e a propor uma
Parlamento não tinha poderes para recrutar homens para a guerra, pois cada
solução revolucionária. A militância dos trabalhadores multirraciais em Boston,
pessoa tinha o direito de satisfazer sua própria consciencia sobre a justiça de tal
Newport, Nova Yorke Charleston levou à formação dos Filhos da Liberdade, a pri- guerra. Dessa forma, os Levellers fizeram do homem e sua consciência (não o
meira organização intercolonial a coordenar a n:sistência anti imperial. Richard B. cidadão) o sujeito da declaração, e a vida (não o país) seu objeto. Tinha razão
Morris escreveu que os marujos de Nova York "organizaram-se como Filhos de Peter Warren ao afirmar que os marinheiros da Nova Inglaterra eram «quase
Netuno, aparentemente antes dos Filhos da Liberdade, aos quais podem m:Jito L'!vellers"; nessa qualidade, manifestaram sua oposição ao recrutamento eà

249
escravidão mais amplamente. influenciaram Jefferson. Paine e uma geração de apresentar como fiadores da boa ordem. como O necessárlo contraponto à suble-
pensadores, e mostraram que o confronto revolucionário entre as classes altas e vação dentro da qual eles próprios tinham vindo à luz. Em 1776 os proprietários
baixas na década de 1640 - e não os acordos de 1688 dentro das ordens domi- que se opunham à política britânica descreveram-se asi próprios como "resistên-
nantes - foi o verdadeiro precedente dos acontecimentos de 1776.·~ cia ordeira': Na esteira do Massacre de Boston de ) 770. John Adams defendeu os
Quando se queixou de que a imprensa fez soar as mudanças contra a escra- soldados britânicos e fez um apelo explicitamente racista no tribunal, afirmando
vidão, o Tory Peter üliver referia-se ao toque de sinos. e a todas as combiné'.ções que a aparência do marinheiro afro-índio Crispus Attucks "seria suficiente para
possíveis de toques de sinos. Sugeriu um zumbido sombrio. mas podemos propor aterrorizar qualquer um': Masem 1773 ele escreveu uma carla sobre a liberdade,
uma campanologia da liberdade. Quando se toca um único sino num conjunto endereçou-a a Thomas Hutchinson e assinou-st""CrispusAttucks': Adams temia
afinado, suas reverberações levam vizinhos a emitir insinuações harmoniosas, e a horda heterogênea, mas sabia que ela fizera o movimt"nto rC'volucíonário.~
quando vários são tocados rapidamente, o resultado é um ritmo de agitação em Contradições parecidas obcecaram Thomas Jefferson. que reconhecia a
cascata. Quais foram as "mudanças contra a escravidão" na época da Revolução horda heterogênea, mas temia o desafio que ela representava para sua própria
Americana? Havia sinos patrióticos. clamando Cllm insistên(ia cresc~nte, e havia --~- visão do futuro dos Estados Unidos. Jefferson incluiu na Declaração da Inde-
as altas e longas reverberações produzidas pelas nol~ISdistintas --" Revoild de pendência a queixa de que o rei George 11Ilinh ••"üldgido nossos compatriotas
Tacky, a criseda Lei do Selo - da horda heterogênea. Os patrilHas soavam contra Cativos em alto-mar a pegar em Annas omtrJ seu Pab,a se tornarem algozes de
diversos significados da escravidão: taxação sem reprl..'senta~.h). flegJ,'jo do livre- seus amigos e Irmãos. ou J. tomh<lrL'1llpor SLJ.I~ IvL1os'~ UI..' (l' () Congresso) in-
comércio,limitações ao recrutamento, intolerância t'clt..'siáslica c o gasto c: as int ro- cluiu marinheiros na coalizão Tevolut.:iun.iri;l mas telidcnciosamente simplifi-
missões de um Exército permanente. Marujos e escravos. enquanto isso. se opu- cou sua história e seu papel dentro do movimento. excluindo a guerra de classes
nham a outros significados: recrutamento, terror, morte por excesso de trabalho, e enfatizando apenas a guerra de países. O trecho também é desprovido da gra-
seqüestroeconfinamento.Osdoisgrupos eram contrários à prisão arbitrária c ao ciosa redação e do tom imponenh.' do resto d:l Dedílração: parece canhestro,
julgamento sem pessoas de condição semelhante ou júri. Esse dobre •..k sinos evo- confuso, especialmente em sua indecisão sobre como classificar o marinheiro
cava distantes memórias da Revolução Ingle.5a. DonJc;-I irnportâncid do habt"1lS (cidadão. amigo, irmào?) ..Jeffcrson USou :lS"p.llavr<l~.mais t rcmendas". como
corpus, da proteção contra a prisão sem julgamenlo- os tons mais profundos do disseCar) Becker referindo-se à pf()S~\ do r~lscllnh() na pane relativa à escravidào
toque da liberdade, fundamentais para marujo, eSl'r;.lVl)t' (idadào. No ciclo da africana, mas "o trecho, de certa forma, nos dt:ixi.l fri()s'~ Há nele um "senso de
Revolução Americana. Tacky fez soar o toque de alerta do levante da liberdade. e a esforço laborioso, de busca de um efeito lJUl' não se produz'~ De fato, Jefferson
Convenção de Filadélfia fez soar o mau presságio de sua morte, muito embora os aCrescentou as palavras sobre recrutJ.mento como uma reflexão tardia, en-
meios-tons ainda continuassem, em diminuendo,eem Santo Domingo. fiando-as no rascunho da Declaração ..Ele sahia que o mercado de trabalho era
um problema sério naquela épuca m,:rcantil, t,.' qut' o comércio dependeria de
marinheiros, quer a América permanecesst' no Império britànico. quer não.su
CONTRA-REVOLUÇÃO Thomas Paine sabia-o, lambém. Ele denunciou o recrutamento. mas sua
maior preocupação em Common Senseera tranqüilizar os comerciantes amerí-
Se as ações audaciosas da horda helerogênea deram impulso ao movimento canos sobre a oferta de mão-de~obra marítima depois da revo)uçào: "Na ques-
pela independência, também produziram comoção dentro dele - medo, ambi- tão de como tripular uma frota. em geral cometem-se grandes erros; não é
valência e oposição. Em Nova York. por exemplo. os Filhos da Liberdade surgi- necessário que uma quarta parte seja de marinheiros. [... J Alguns poucos mari-
ram como reação à "ameaça de anarquia" de levantes autônomos contra o recru- nheiros capazes e sociáveis logo ensinarão a um número suficiente de ativos
tamentoea LeidoSeJoem 1764 e 1765. Em toda parle.os FiJhoscomeçaram a se homens em terra como é o trabalho colelivo no navio". Essa fora sua experiên-

25'
cia pessoal a bordo do Terrible, um navio corsário. durante a Guerra dos Sete des escravas, e milhare~ <;iesertaramdas plantations. iniciando uma nova e móvel
Anos, que o levou a afirmar que marinheiros, construtores navais e-todo o setor revolta de imensas proporções. Alguns desses escravos seriam organizados sob
marítimo constituíam uma base econômica viável para um nov·:>país ameri- o nome de Regimento Etíope de lorde Dunmore; os que não tivessem permis-
cano. (Ele não mencionou que a tripulação do navio era heterogênea e insur- sâo de usar armas buscariam a proteção do Exército britânico. líderes america-
gente.) Restava saber como conquistar a independência: seria de cima para nos, furiosos com a iniciativa. tentaram preservar a escravidão. anunciando em
baixo, pela voz legal do Congresso, ou de baixo para cima, pela lurba? Aqui Paine 1775 que os recrutadores não deveriam aceitar desertores. "caminhantes, negros
demonstra a mesma atitude de outros de sua posição: ele temia a turba hetero- ou vagabundoslJ e reafirmando no ano seguinte que nem negros libertos nem
gênea (embora viesse a pensar de oulra forma nos anos 1790). A multidão, expli- escravos negros se qualificavam para o serviço militar. Mas a escassez de mão-
cou ele, foi razoável em 1776. mas a "virtudC''' não era perpétua. Salvaguardas de-obra forçaria a reconsideração dessa ordem, especialmente numa fase poste-
eram necessárias para impedir que "algum Massanello apareça depois. que se rior da guerra. Enquanto 5 mil afro-americanos lutavam pela liberdade, os lide-
aproveite da inquietação popular. reúna os desesperados e os de,contentes. e, res poHticos e militares americanos combatiam os hritãnicos e alguns dos seus
assumindo os poderes do governo, destrua as liberdades do con-:inente como
próprios soldados para proteger a instituição da escravatura.H
um dilúvio". Seu maior medo era a concnmitància das lutas dos trabalhadores
O marinheiro seria estimulado a servir na Marinha Continental, mas não
urbanos, dos escravos africanos e dos nativo$ americanos.· I

era, de acordo com Jamcs Ma~on, bom cidadão da n.'pliblica. Qualquer virtude
A horda heterogênea ajudara d fa:tl..'r.irt.~v0Iução.mas a vanguarda contra-
que um dia pudesse ter tido foi sufocada por SUêl vida de cstüpido mouro no
atacou nas décadas de 1770 e 1780, visando turbas, escra"os e marinheiros. no
mar:uApesar de atravessar ecircunavegar a terra, ek nào vê nada além dos mes-
que deve ser considerado o termidor americano. O esforço ;JaTarefiJrmar a turba
mos vagos objetos da natureza, as mesmas monótonas ocorrências nos portos e
afastando os militantes mais ativos l:omeçou em 1766e continuou, nem sempre
docas; e em casa no seu navio, que novas idéias podem surgir do manejo inva-
com êxito, durante toda a revoluç •.
l0 c depois dela. Prop-:ietários patrióticos,
riável de cordas e lemes, ou da companhia de (amar~ld<lsignorantes como eld».
comerciantes e artesãos cada vez mais condenavam as multidões revolucioná-
Ignorância, arrogância e negação fizeram MadisoTl inverter a verdade, mas ele
rias, tentando tirar a política "do ar livTt:,"l·ll.:v,í-!a pJra <~scâmaras legislativas,
estava certo com relação J outra coisd: quanto m;\ior o número de soldados
onde os despossuidos não teriam voto nem \'l)Z. Painc, por sua vel, voltar-se-ia
numa república, como sugeriu, nlt:nos seguro é o S~'ll governo. Madison teve o
contra a multidão depois do motim de Fortl: Vv'ilson,crr: Filadélfia, em 1779.
Quandoajudou a redigir a Lei Antimotim de Massachusett;em 1786.aser usada apoio de muitos outros nessa atitude. incluindo os "Sábios de Connecticut"
para dispersar e controlar os insurgentes da Rehelião de ~hays. Samuel Adams .~. (David Humphreys, )oel Barlow, )ohn Trumbull e o doutor Lemuel Hopkins),
deixou de acreditar que a turba «encarnasse os direitos fundamentais do homem que em 1787 escreveram um poema chamado "The Anarchiad", em resposta à
pelos quais o próprio governo deve ser julgado': e afastou-se da força democrá- Rebelião de Shay e em memória do ciclo de revolt.,$ dos anos 1760 e 1770. Os
tica criativa que anos antes lhe dera a melhor idéia de sua vida.}! poetas exprimiram seu ódio às turbas e SuaSidéias. Zombaram dos «sonhos
Os patriotas moderados tinham. desde o começo do movimento. em 1765, democráticos". dos «direitos do homem" e da redução de tudo «a um só nível':
lenlado limilar a lula pela liberdade excluindo os escravos da coalizãorevolu- Um dos seus piores pesadelos era o que chamavam de "jovem DEMOCRACIA do
cionária. O lugar dos escravos no movimento continuo.) ambíguo até 1775, inferno". Não tinham esquecido o papeI dos marinheiros na revolução: em seu
lJ
quando lorde Dunrnore,governadorda Virgín:a.atacouo~ patrióticos donos de imaginário Estado de anarquia, O "poderoso Marujo segura o leme . Ele tinha

plantarian de tabaco oferecendo a liberdade ac.s empregac.os e escravos dispos- sido "Amamentado nas ondas, educado na rugidora tempestade,! Seu coração
lJ
tos a ingressar no Exército de Sua Majestade para restabelecer a ordem na colô- de mármore. seu cérebro de chumbo". Tendo nav(.·gado uno turbilhão como
nia. A noticiada proposta de liberdade espalhou-se como fogo pelas comunida- parte de suas tarefas, esse homem empedernido, de cabeça dura. naturalmente

252 253
«gosta da tempestade" da revolução. Os poetas aludiam aos atos revolucionários Adams ou pelo novo governo americano. Soldados que lutaram na guerra divul-
dos marujos quando se referiam a "mares de férvido piche':s~ garam as notícias, experiências e idéias da revolução. Veteranos dos regimentos
Durante os anos 1780. esse pensamento prevaleceu entre os construtores franceses levados para a América do None, incluindo Christophe e André
da nascente nação política - comerciantes. profissionais. lojistas. artesãos, Rigaud. chefiariam. posteriormente. a próxima grande revolução do Atlântico
senhores de escravos e pequenos proprietários. Marinheiros e escravos. out rora ocidental. no Haiti,a partir de 1791. Outros veteranos voltaram para a França e
peças necessárias da coalizão revolucionária) fora'm. dessa maneira, excluídos talvez tenham chefiado revoltas contra a posse feudal da terra que aceleraram a
do acordo no fim da revolução. Sobre os cinco trabalhadores mortos no Massa- revolução na Europa durante os anos 1790. A notícia levada por soldados hes-
cre de Boston em 1770.John Adams tinha escrito:"O sangue dos mártires, certo sianos de volta para seu país acabou impelindo uma nova geração de colonos
ou errado, foi a semente da congregação': Mas se Crispus Attucks - escravo, para a América. Mas foi li: horda heterogênea, foram os marujos e escravos der-
marujo e chefe de turba - tivesse sobrevivido ao fogo dos mosquetes britàni- rotados na América e subseqüenkmcnte dispersados, que mais se esforçaram
cos, não teria tido Jicença para junta,r-se à congregação, ou nova nação. que aju- para criar uma nova resistencia e para inaugurar uma era de revoluções de
dara a criar.A exclusão de gente como Attucks sintetizou o súbito e reacionário amplitude mundial.""
recuo da linguagem revolucionária universali .••ta for.i'Ida IH) calordasdécada~de Os marinheiros foram Ulll vetor de TI..'"nl\11.;ãl)
'lllC viajou da América do

1760 e 1770e permanentemente celebrada na l)(.'dar.lção da Independência. A Norte para o mar c, em direç~lo sul, p.1Ta\) C.lribl..',Os marinheiros da Marinha
reação foi canonizada na ConstiluiçJ.o dos Estados Unidos, que deu au novo britânica f1c:1r.1m rebeldes dl.,:poi' •.h...I 7ih, in:-pir;1dtl$1..'1llp.lrte nas hatalhas t ra-
governo federal o poder de sufocar insurreições inlcrnas. lames MaJison preo- vadas contra recrutadores~ a autoridade re.ll na Américi.l~•...
slima-se que 40 mil
cupava-se em 1787 com o "espírito nivelador" (' a"lcj agrjria'~~~ A Conslituição marujos tenham desertadudl' naVil)stia Marinha cnlrc 1776 e 1783. Muitosque
também fortaleceu a instituição da escravidão ampliando o comércio de escra- foram para o mar naquela época rec~b('ram uma educação revolucionária.
vos, tomando providências para o retorno de escravos fugi1ivos e dando poder Robert Wedderburn, filho de uma escrava e de um dono de plantation escocês
político nacionaJ à classe dos donos de plantation,'" Enquanto isso, um intenso na Jamaica, aderiu à Marinh<t rebelde t'1l1 Ii78 c depois disso trabalhou como
debate sobre a natureza e a capacidade do "negro" Iravou·SI..'entre 1787 ("1790. marinheiro, alfaiate, escritor e pregador do Jubileu, participando de protestos
Muitos batistas e metodistas recuaram dt' antigas posiçót:s anliesLravistas e pro- marítimos. revoltas de escravos c insurrt:i~ôes urbanas. Julius Scott mostrou que
curaram um "evangelho que fosse seguro par'1 J !)/rllltation".·: A nova classe marinheiros negros, brancos e mulatos cnlr.W<:l.mem ((mtata com escravos nas
dominanle americana redefiniu "raça" e "Lidadani'l" para dividir e marginalizar cidades portuárias britànicas, fra n(('sas, espanholas c holandesas do Caribe, tro-
a horda heterogênea, estipulando, na década de J 780 e no LOmeço da de 1790, cando informações sobre revoltas de esaavos, abolição e revolução e provo-
uma lei unificada de escravidão baseada na supremacia dos hrancos. As ações da cando rumores que se transformariam em forças materiais. Não se sabe ao certo
horda heterogênea, e as reações contra das. ajudam ê1esddTecer a conflitante e se marinheiros levaram a notícia da Revoluçãu Americana que ajudou a inspi-
ambígua natureza da Revolução Americana - suas origens militanles, seu rar escravos rebeldes na Freguesia de Hanover, na Jamaica,em 1776, mas não há
ímpeto radical e sua conservadora conclusão polít ica. "" dúvida de que uma horda heterogênea de "cinqüenta ou sessenta homens de
todas as cores", incluindo um "irlandês de tamanho prodigioso". atacou navios
britânicos e americanos no Caribe em 1793. aparentemente em aliança com o
VETORES DE REVOLUÇÃO nOVOgoverno revolucionário do Hairi.'·'
Os escravos e negros libertos que aOuiram para o Exército brilânlco
Apesar disso, as implicações das lutas das dêcadas de 1760e 1770 nâo pude- durante a revoluçâo e que foram dispersados pelo Atlântico depois de 1783
ram ser facilmente contidas, pelos Filhos da Liberdade, por Jefferson, Paine. constituíram um segundo c multidirecional vetor de revolução. Doze mil afro-

254
255
~
americanos foram levados de Savannah, CharJeston e Nova York pelo Exército' ceu John Dean, marinheiro negro livreeseu primeiro informante, numacasad~
em 1782 e 1783, e outros 8 mil ou 10 mil partiram con:: senhores legalistas. pf nsão pertencente a um tal Danovan. irlandês. Dean, como milhares de outros.
Foram para Serra Leoa, Londres, Dublin, Nova Escócia, Bermudas, Flórida er.trara no trafico de escravos através do bruto mundo subterrâneo do recruta-
Ocidental, Bahamas, Jamaica, Costa do Mosquito e Belize. Pessoas de cor livres mento proletario - a esquálida taberna de marinheiros onde, em Liverpool.
oriundas da América do Norte causaram problemas em todo o Caribe no fim da Bristol ou Londres, bandos escravizantes costumavam reunir-se entre a meia-
década de 1780, especialmente na Jamaica e nas Ilhas de Barlavento, onde cria- noite e as duas da manhã. Dean tinha uma história pessoal para contar: "Por um
ram oportunidades e alinhamentos políticos em sociedadei de escravos e ajuda- motivo insignificante. pelo qual não foi de forma alguma responsável, o capitão
ram a preparar o caminho para a Revolução Haitiana. Por volta de 1800. lorde o amarrou no convés de barriga no chão ederramou-Ihe piche fervente nas cos-
Balcarres, governador da Jamaica, escreveu sobre a "Caixa de Pandora" aberta tas, onde fez incisões com alicate quente". Dean e incontáveis marujos como ele
nas Antilhas. "Pessoas turbulentas de todos os países participaram de negócios f"rneceram o conhecimento pessoal e as informações que deram lastro ao
ilícitos; uma classe abandonada de negros, disposta a qualquer tipo de maldade, movimento antiescravista de classe média.6J
e um espírito nivelador generalizado são a característica das ordens inferiores As relações dos ma rinheiros com o movimento abolicionista, de um lado,
em Kingston." Ali. explicava de, era refúgio de revolucionários e lugar de futura ecom as ambigüidades cntre a condição de escravo e a de marinheiro, de outro,
insurreição, que poderia «num instante 1 ... 1 virar cinzas':!>· e" nenhuma outra parte estào mais bem representadas do que na vida dessa
Um terceiro e poderoso vclor di." re\'olu~ão movia-s~ para leste rumo ao CfllinêlH:ia parda dos abolicioni~tas, O escravo igbo c marinheiro Olaudah
movimento abolicionisla na Inglaterra. Granville Sharp. cujo trabalho no fim Equiano_ Escravizado na Ãfrica Ocidental. mal subiu a bordo do navio negreiro
da década dt~ 1760 e no começo da dt: 1770 incluía fazer oposição ao reccula- e viu um marinheiro branco morrer no açoile. Postniormente veria um mari·
menta na Revolução Americana, IOrnou·se uma das principais figuras do movi- nheiro enforcado num laisde verga. um soldado pendurado pelos calcanhares.
mento antiescravista Iransatlântico. Depois que Olaudah Equiano lhe contou, homem 11.1 forca em Tyburn; ele mesmo foi duas vezes pendurado, embora
em 1783, histórias do navio negreiro ZOtlg, cujo capitão jogou 132 escravos ao
, LO]

r,âo pelo pescoço. O terror, compreendeu imediatamente, era a sina tanto de


mar para economizar suprimentos e depois tentou receber dinheiro de segura- marinheiros nlmo deescravos.A bordo do naviode guerra Aetna aprendeu a ler
doras pelos mortos, Sharp divulgou com eficácia o assassioato em massa. Tam- é escrever, a barbear-se, a pentear-se. Um companheiro de refeições, o irlandês
bém trabalhou para estabelecer o Estado negro livre de Serra Leoa em 1786e ser- l)anic\ Quin, ensino li-O a ler a Bíblia e a pensar"apenas em ser livre". No fim da
viu no Comitê para Efetivar a Abolição do Tráfico de Escravos, em 1787. F. O. Guerra dos Sete Anos, quando o Aetna estava ancoraào no rio Tâmisa, seu
Shyl10n e Peter Fryer tinham demonstrado, de forma conclusiva, a existência ~enhor> com receio de que a recente promoçâo de Equiano a marinheiro fisica-
inclependen te de uma população negra em Londres, cuja auto-organização sus- mente apto tornasse mais difícil mantê·lo em escravidão, obrigou~o de espada
tentava e encorajava o abolicionista Sharp e. também na década de 1780, um em punho a entrar numa barcaça. O marinheiro igbo criou coragem: "Eu lhe
jovem estudioso-ativista chamado Thomas Oarkson.62 disse que era livre, e que ele nâo podia. por lei, obrigar-me àquilo'~ Vendido ao
Depois da guerra americana, Clarkson (omeçou a reunir provas sobre o oapitão Doran do antilhano Charming Sal'y,Equiano explicou:"Eu lhe disse que
tráfico de escravos. Especialmente interessado nos efeitos do tráfico em mari- meu senhor não podia me vender para ele, nem para ninguém. 'Por quê?'. per-
nheiros.ele queria falar com os homens que trabalharam em navios negreiros e guntou ele. 'seu senhor não pagou por você?'.Admiti que sim. Mas eu já traba-
inspecionar as listas de tripulantes desses navios para medir a mortalidade. Para lhara para ele. disse eu. muitos anos. e ele ficara com todo o meu dinheiro. pois
tanto, o jovem estudioso de Cambridge disfarçou-se de marinheiro e andou eu só recebi seis pence durante a guerra; além disso, sou batizado; e pelas leis do
pelas docas. Mas como convencer homens aterrorizados com o tráfico de escra- país homem algum tem o direito de me vender". Diante desses argurne~tos eco·
vos e com a idéia de tocar no assunto a conversar com um estranho? Ele conhe- nômicos, religiosos e legais. Doran lhe disse. segundo informou EqUlano) que

2)1
"eu falava inglês demais". Enquanto isso~os companheiros de navio de Equiano
prometeram fazer o que estivesse ao seu alcance, o que, além de lhe conseguirem
laranjas~ não era coisa alguma.
Equiano ingressou na economia antilhana da cana-de-açúcar. "Aprendi O

que era trabalhar duro; mandaram-me ajudar a carregar e descarregar o navio."


Sua situação começou a melhorar~ mas ele assistiu ao intenso sofrimento de
outros - os estupros, açoitamentos~ mar,ações a ferro quente, mutilações, cor-
tes~queimações~ correntes, mordaças e tortura de dedos. Quis saber dos gover-
nantes da Inglaterra: "Os senhores nã~ vivem com medo de uma insurn:ição?".
Citou o discurso de Belzebu em Paraíso p"erdido,escrito por John Milton e publi-
cado exatamente cem anos antes. Grande parte da concepção de liberdade
desenvolvida por Equiano, {'portanto de sua autodetinição, derivilva de oUlros
marinheiros - do seu agudo senso dos direitos d~)'\(llS'ld() ~l:\1l<1cn:nça no ins-
tituto do júri; de suas n:frrências •.'1s "criatllrJs amigas";lo S\.'ll l'stuJo da Bíblia;
de suas citações dt" Mihon ao ódio (Ontr~l os ·\I...·sfl..,
...pl'il.ldorl's inft.'fllais düs
direitos humanos", os traficantes de l'scravo.'\, Tcoe rut~ldore:-. 1..' t r~panildores.
Equiano estava em Charleston durante as milllift.·sl<l\út.'s JI;;' júbilo pela
revogação da Lei do Selo em 1766. É fácil imaginar sua participação nelas. e
igualmente fácil compreender por que não quis admiti-lo a seus leitores britâ-
nicos. Muitos marinheiros que participaram dessas manitt:stações pintaram o
rosto de negro. Anos depois, o prôprio Equiano h:\It' oportunidade de pintar o
rosto de branco num episódio que, em suas própria~ palavras, foi decisivo. ori-

('.
gem de uma crise suicida e espiritual. Em I i74 dt.' ajudou" rl'eTutar um cozi-
nheiro negro~John Annis,para um barco em viagem à Turquia. Annis, que tinha
(;1///1'1//1'",-
sido escravo de um certo Kirkpalrick. de St. Kius. foi logo re<.:rutado pelo antigo
senhor e por um bando de capangas no Tâmi~. Equianoapressou-se a obter um
habeas corpus. mas antes de entregá-lo pintou o roSlO dco br.1Jl(), para evitar sus-

d, ( peitas. Depoisentrou
com o dinheiro~eAnnis
em contato com Granville Sharp~ mas seu advogado fugiu
foi levado para St. Kitts, onde o prenderam a uma estaca,
cortaram e açoitaram até matar. Equiano encarou a morte de Annis como uma
derrota pessoal; ela o rez mergulhar nos abismos do desespero. Mas lentamente
OlaudaiJ Equiano, The Interesting Narrati"c 01' lhe começou a descobrir os ricos recursos espirituais da Londres proletária da dé-
Lire of Olaudah Equiano (1790). Divisão dI:'Livros Raros,
cada de ) 770 - os ágapes de um tecelão de seda, os hinos cantados ao anoitecer.
Biblioteca Pública de Noya York, Astor, Lenox, and Ti/de" FOlllldrulOf1S.
Um reformador da prisão, um dissidente, salientou-lhe qU!o:'''afé é a substância
das coisas nas quais depositamos nossas esperanças, a prova de coisas que não

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~
vemos", Um antinomiano ("um velho homem do mar") encaminhou-o ao pode ser nosso pa is - pois, por nascimen,t9, todo homem é cosmopolita neste
Isaías de WiUiam Blake: "O lobo e o cordeiro devem comer juntos". Foi guiado à mundo'~M
Epístola de Tiago e seu "Assim falai e assim proccdei. como os que serão Julga- Um quarto e último vetor apontava para a Âfrica. Os afro-americanos na
dos pela lei da liberdade': A escritura de Isaías, Tiago, João e os Atos - o profé. diáspora depois ce 1783 dariam origem ao moderno pan-africanismo. estabe-
tico,oevangeJho social e o perseguido-começaram a dotá-lo de convicção. Ele lecendo~se. com ::l ajuda de Equiano e Sharp, em Serra Leoa. Sua dispersão
voltou para o mar e continuou seus estudos. Identificou-se com o criminoso depois da RevolLÇão Americana, para o leste através do Atlãntico, foi seme·
condenado, o necessitado, o pobre; passou da salvação pessoal para a teologiada Ihante à dos radicais depois da Revolução Inglesa. um século e meio antes, para
libertação. Escreveu versos de desespero. aprisionamento, escravidão, termi- o oeste através do Atlântico. Os dois movimentos que desafiaram a escravidão
nando com uma alusão ao Evangelho de Marcos: "A pedra que os construtores tinham sido deC'"IJtados. A primeira derrota permitiu a consolidação das plan-
rejeitaram foi posta como pedra angular': Dessa forma respondeu a Jefferson e ratious e do tráfico de escravos, e a última derrota permitiu que o sistema de
Paine, e a seu temor da horda heterogênea. Mas saber se os desprovidos de direi- escravidão se am:?liasse a fortalecesse. Apesar disso, as conseqüências de longo
tos civis. Os escravizados, os presos. os marinheiros - em resumo. a hidra de prazo da segunda derrota seriam uma vilória, O decisivo desmoronamento do
muiras cabeças - poderiam tornar-se "pedra angular" era uma história para él Irálko de eS(raV(lie do sistema de plantation. A teoria e a prática da democracia
década de 1790. anlinomiana, qll~ se generalizaram pelo Atlântico na diáspora do século XVII,

O falO de não achar lugar na nova nação americana obrigou él horda hete- scri,Hl1 restaurad-Js c aprofundadas no século XVIII. O que saiu de rosto pinwdo
rogênea a buscar formas mais amplas e criativas de identificação. Uma das fra- de oranco vohou de rosto plnlado de preto. para acabar com a pausa na discus-
ses geralmente usadas para capturar a unidade da era da revolução era "cidadão sào das idéias democráticas na Inglaterra e dar vida nova a movimentos revolu-
do mundo': ). Philmore descreveu-se a si próprio dessa maneira, como o fizeram cionários no mundo inteiro. O que vai volta. com os ventos e correntes circula~
outros. incluindo Tnomas Paine. Os verdadeiros cidadãos do mundo, é :Iaro, rcs do Atlânti(o.
eram os marinheiros e escravos que instruíram PhiJmore, Paine, Jefferso:l e os
demais rc\'olDcionários de classe média e alta. O proletariado multiétnico era
"cosmopolita" no sentido original da palavra. Quando lhe lembraram que fora
condenado ao exílio, Diógenes, o filósofo-escravo da Antigüidade, respondeu
que condenara o juiza ficar em casa. E"quando lhe perguntaram de onde vinha,
disse, 'Sou cidadão do mundo'" - um cosmo?olita. O irlandês Oliver Golds-
milh publicou em 1762 uma branda crítica do nacionalismo intitulada Citizen
ofthe World,apresentandocomo personagens um marinheiro com perna depau
e uma cantora maltrapilha de baladas. Goldsmith elogiava o "mais humilde
marujo ou soldado inglês': que suportavam dias de miséria sem um resmungo.
Foi "considerado culpado de ser pobre e mandado para Newgate, a fim de ser
,
levado para as plantatio"s", onde trabalharia e:ltre os africanos. Voltou a Lon- ."

dres, foi recruladoà força, mandado a Flandrese à (ndia para lutar. surrado pelo
contramestre. preso e levado pelos piraras. Foi soldado. escravo, marinheiro,
prisioneiro. cosmopolita, cidadão do mundo. James HoweJl, historiador da
Revolta de Masaniello, escreveu no século XVII que "qualquer pedaço de chão

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