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JORGE DE ALARCÃO
Universidade de Coimbra
de Longroiva, o próximo vicus a sul, conforme se suposto por Sá Coixão. Ao longo desta via temos
deduz de uma ara aí achada e consagrada a Banda um rosário de granjas e casais.
Longobricus (Curado, 1985). Começando de norte para sul, temos granjas nos
Em Numão também se encontrou uma inscrição n.°' 154, 66 e 31. Na segunda, uma inscrição rupes-
dedicada aos deuses e às deusas de Coniumbriga tre diz: Reburri P(ublii) Ortus (Encarnação, 1994:
(CIL II 432; Etienne e Fabre, 1976: 21-22). Temos 218-220). Na área da primeira, a estação n.° 32 é
dúvidas se esta Coniumbriga se identifica com a talvez apenas um anexo ou instalação subsidiária.
Conimbriga a sul de Aeminium ou se trata de outra Segue-se uma série de casais: n.°' 74, 61, 10, 16,
povoação do mesmo nome eventualmente existente 91 e 106. O n.° 3 parece corresponder a outra gran-
na área dos Meidobrigenses. O dedicante, cavaleiro ja, que parece ter, no n.° 51, um estabelecimento
da terceira coorte lusitana (que serviu na Germânia), subsidiário, integrando uma forja.
deve ter recebido a cidadania no tempo de Cláudio No n.° 8 localiza Sá Coixão uma oficina de ola-
ou Nero, no termo do serviço militar, e ter-se-á fi- ria. Seria autónoma ou dependente da granja n.° 7?
xado no vicus Assanianca. Mas, se era daqui natu- Os n.''' 9 e 6 (esta com um peso de lagar) correspon-
ral, por que razão dedicou a ara aos deuses de Co- derão a outros casais?
niumbrigal Se era natural de Conimbriga, por que As outras granjas da área, números 141, 13, 68
razão não voltou à cidade natal e se fixou em Nu- e 34, dispõem-se linearmente, de nascente para po-
mão? ente, ao longo da estrada moderna que, de Touca (a
E possível que Fernando Curado tenha razão o sul de Freixo de Numão), passando por Sebadelhe,
quando localiza uma Coniumbriga no Castelo Velho se dirige a Horta (todas três, sedes de freguesia ac-
do Monte Meão, na freguesia de Vila Nova de Foz tuais). A via romana que havia de ligar a capital dos
Côa (Curado, 1988-1994). Meidobrigenses à dos Arabrigenses, a poente, capi-
Sá Coixão tem realizado, na área do concelho de tal esta cuja posição todavia por enquanto ignora-
Vila Nova de Foz Côa (do qual Freixo de Númão é mos, passava todavia mais a norte.
freguesia), uma importante e bem sucedida prospec- A estação n.° 5, a mais importante da área, pare-
ção arqueológica que já se traduziu num livro (Coi- ce corresponder a uma villa. A negro representámos
xão, 1996). O autor classifica as estações em villae um fundus de 50 hectares e a tracejado um de cerca
rústicas e casais. Às primeiras preferimos chamar de 200 hectares. Admidmos facilmente que uma vi-
granjas. Na maior parte dos casos concordamos com lla suburbana pudesse ter um fundus bastante menor
a classificação feita por Sá Coixão, embora discor- que os 200 hectares atrás supostos para as villae.
demos numa ou noutra identificação particular. No canto inferior esquerdo da nossa carta apre-
Vejamos como se apresenta o povoamento na área sentamos um gráfico da área das quintas actuais vi-
de Freixo de Numão. Dotámos as granjas de pro- zinhas de Freixo de Numão, conforme dados ama-
priedades de 50 hectares e os casais, de 5 hectares. velmente fornecidos por Sá Coixão: sete quintas
A área na mais imediata vizinhança de Freixo de andam pelos 10 a 25 hectares e oito, pelos 25 a 50
Numão não tem vestígios de granjas nem de casais, hectares. Como atrás dissemos, é nestes parâmetros
sobretudo par nordeste e sudoeste. Os terrenos, po- que deve inscrever-se a propriedade romana que de-
rém, haviam der ser cultivados para abastecimento signamos por granja.
da cidade e são aliás irrigados por numerosas pe-
quenas linhas de água. Estaria essa área dividida em
pequenas propriedades agricultadas por moradores 2. O CASO DE EGITÂNIA (Fig. 2)
na cidade que diariamente (ou com frequência) se
dirigiriam às suas courelas? Podemos facilmente O caso de Egitânia (Idanha-a-Velha) foi já por
imaginar mais de 300 hectares de terras agricultá- nós tratado (Alarcão, 1988), mas parece-nos útil re-
veis que, divididas em parcelas de um ou dois hec- produzir aqui o que dissemos naquele artigo. O pa-
tares (ou ainda menos), representariam trabalho e norama é de certo modo idêntico ao de Freixo de
sustento para mais de 200 fogos. Não ultrapassaria Numão, excepto que não se verifica zona vazia em
meia hora o caminho a pé até à mais distante dessas torno da cidade: os casais e as granjas aproximam-
courelas. se da área urbana.
De Freixo de Numão devia sair uma via para A prospecção arqueológica em torno de Egitânia
norte, direita ao Douro. Não temos estudo sobre o foi feita por Pedro Carvalho, Luís Fernandes e José
traçado dessa via, da qual todavia permanece um Ruivo, que apresentaram no 3.°. Congresso Peninsu-
troço calçado junto a estação n.° 109 (Coixão, 1996: lar de História Antiga (1994), uma comunicação da
134). O percurso que traçamos no nosso mapa é o qual, por enquanto, só existe síntese de pré-publi-
cação. A prospecção foi realizada no âmbito do nos- dentro do hipotético fundus da granja n.° 16: teria
so seminário de Arqueologia e completada por Vitor esta uma propriedade de 50 hectares, ou aqueles
Pedrosa, num outro trabalho de seminário (1996), números correspondem, não a casais, mas a simples
inédito. anexos da granja? O edifício correspondente ao sí-
A nossa fig. 2 apresenta as estações localizadas tio n." 16, onde D. Fernando de Almeida fez uma
pelos autores mencionados. De acordo com os parâ- sondagem, tinha «un tanque circular em um possí-
metros atrás apresentados, identificámos casais, vel pátio» (Almeida, 1977: 16). O autor classifica
granjas e uma villa; e dotámos os primeiros de pro- este sítio como villa. É também possível que se tra-
priedades da ordem dos 5 hectares; as granjas, de te efectivamente de uma villa que, por muito próxi-
propriedades de 50 hectares; a villa, de um fundus ma da cidade, teria um pequeno fundus.
de c. 100 hectares. Os sítios 53, 66 e 70 também poderão correspon-
O panorama obtido é, pelo menos, credível. Per- der a nécropoles da cidade. Os sítios 19 a 20 são, na
to da cidade observam-se cinco granjas e uma série interpretação de Pedro de Carvalho, Luís Fernandes
de casais. Quatro destes (n."' 17, 70, 66 e 59) caem e José Ruivo, nécropoles da Egitânia.
1996). Aparentemente cada família recebeu quatro CoixÃo, António do Nascimento Sá (1996): Carta
lotes, isto é, 200 hectares. A prospecção que está a arqueológica do concelho de Vila Nova de Foz
ser conduzida por Maria da Conceição Lopes está Côa, Vila Nova de Foz Côa.
a encontrar uma villa por cada 200 hectares. CoRTEZ, F. Russell (1953): «A localização dos Mei-
O panorama dos arredores de Pax lulia, que dobrigenses», Zephyrus, 4: 503-506.
se repetiria em Ebora Lib e ratitas Mia (Évora) CURADO, Fernando Patrício (1985): «Ara votiva de
e nas cidades cujos territórios foram centuriados, Longroiva (Meda)», Ficheiro Epigráfico, 11,
era, assim, muito diferente dos casos anteriormente n.° 44.
considerados: nem aldeias, como no caso da civitas CURADO, Fernando Patrício (1985 [1]): «Incrição ru-
Zoelarum, nem casais e granjas, como no caso de pestre de Numão (Vila Nova de Foz Côa)», Fi-
Freixo de Numão, mas um território regularmente cheiro Epigráfico, 11, n.° 48.
cadastrado, com uma villa em cada lote. CURADO, Fernando Patrício (1988-1994): «A propó-
sito de Conimbriga e de Coniumbriga», Gaya, 6:
213-234.
CONCLUSÃO
ENCARNAÇÃO, José d' (1994): «Apostillas epigráfi-
cas», Humanitas, 46: 217-230.
O povoamento romano no raio mais próximo das
ETIENNE, R . e Fabre, G. (1976): Fouilles de Conim-
cidades capitais de civitates manifesta uma certa
briga. IL Épigraphie et sculpture, Paris.
diversidade em Portugal, diversidade que não pare-
FREUND, Bodo (1974): «L'ancien cadastre de Vilaça.
ce poder explicar-se por razões geomorfológi-
Étude méthodique sur l'évolution d'un village du
cas ou edafológicas, antes por razões sociais e eco-
nord du Portugal», Finisterra, 9(17): 51-74.
nómicas.
GUIMARÃES, Gonçalves e PEIXOTO, M.^ da Graça
A aldeia, a norte do Douro, na parte ocidental do
(1988-1994): «A estação arqueológica da Quin-
conventus Asturicensis, corresponde a uma estrutura
ta de Santa Maria da Ervamoira-Muxagata, Vila
social de gente modesta mas ligada por vínculos mui-
Nova de Foz Côa (Notícia preliminar)». Gaya, 6:
to sólidos de solidariedade social, talvez com formas
235-262.
de propriedade comunal: é a área das gentilitates que
LEMA, Paula Bordalo (1978): Tourém. Uma aldeia
perduraram, como é sabido, até ao Baixo-Império.
raiana do Barroso, Lisboa.
As granjas e os casais na periferia das cidades re-
LEMOS, Francisco de S ande (1993): Povoamento ro-
velam a ausência de comunitarismo e uma classe de
mano de Trás-os-Montes oriental, Braga (tese de
pequenos proprietários rurais. Estes não exis-
doutoramento, policopiada, apresentada à Uni-
tiriam naquelas outras cidades, como Pax lulia, cujos
versidade do Minho).
territórios foram centuriados. Nestas, os proprietá-
MANTAS, Vasco (1996): «Teledetecção, cidade e te-
rios rurais eram todos abastados e uma grande parte
rritório: Pax lulia», Arquivo de Beja, série III, 1:
da população livre, sem bens fundiários, viveria inte-
5-30.
grada nãsfamiliae rusticae dos donos das villae.
MARTINS, Manuela (1990): O povoamento proto-his-
Os núcleos urbanos das civitates com pequenos
tórico e a romanização da bacia do curso médio
proprietários rurais seriam muito menores, em su-
do Cávado, Braga.
perfície, do que os núcleos das civitates com gran-
QUÍNTELA, António de Carvalho; CARDOSO, João
des propietarios; nestas últimas, devemos possivel-
Luís; MASCARENHAS, José Manuel (1995): «Ba-
mente supor uma classe numerosa de artesãos e
rragens romanas do distrito de Castelo Branco e
pequenos comerciantes que as cidades menores,
barragem de Alferrarede», Conimbriga, 34: 45-
como Freixo de Numão (Medobriga?), Egitania ou
127.
Viseu não sustentariam.
RODRIGUES, Adriano Vasco (1983): Terras da Meda.
Natureza e cultura, Meda.
REFERÊNCIAS VAZ, João L. Inês (1983): Inscrições romanas de
Lamego, Lamego.
ALARCÃO, Jorge de (1998): «A paisagem rural roma- VAZ, João L. Inês (1997): A civitas de Viseu. Espaço
na e alto-medieval em Portugal», Conimbriga, 37. e sociedade, Coimbra.