You are on page 1of 10

CAPÍTULO V – INÍCIO DO TRANSPORTE DE SEDIMENTO

5.1 – Generalidades

O início do movimento das partículas que compõem o leito ocorre quando os


esforços hidrodinâmicos atuantes superam os esforços de resistência. Este início de
movimento não é instantâneo para todas as partículas de uma determinada dimensão que
revestem o leito. Apenas uma parte destas partículas entra em movimento, enquanto a outra
permanece em repouso. Isto se deve à natureza probabilística da turbulência do
escoamento, que determina o esforço trativo sobre a partícula. A condição crítica de início
de transporte é definida como sendo o estágio em que uma parcela representativa do
material do leito começa a movimentar-se. Esta condição é determinada através de
observações e apresenta um caráter muito subjetivo.
Os esforços de resistência ao movimento das partículas dependem da dimensão e
composição granulométrica dos sedimentos. Os sedimentos muito finos, que contém uma
quantidade apreciável de siltes e argilas, resistem ao movimento através de esforços de
coesão. A complexidade do fenômeno de coesão entre as partículas, talvez seja o fator de
maior peso para explicar o exíguo número de trabalhos relativos a este tipo de material. Os
sedimentos não coesivos, constituídos pelas areias, seixos e sedimentos mais graúdos
resistem ao movimento, principalmente, devido ao peso dos grãos. Quando em movimento,
deslocam-se individualmente, ao contrário dos sedimentos coesivos. Neste trabalho serão
considerados apenas os casos em que os sedimentos não são coesivos.
Existem basicamente dois tipos de enfoques do problema, que abrangem a quase
totalidade dos trabalhos relativos a este assunto, que são agrupados da seguinte forma:
a) Critérios de utilização da velocidade crítica, para a caracterização do início de
movimento. Este critério considera que o movimento ocorre devido à ação do
impacto do escoamento sobre a partícula. A velocidade de referência, que pode ser
uma velocidade nas proximidades do leito, ou a velocidade média, é relacionada
com o diâmetro da partícula.
b) Critério de utilização das forças de tração sobre o sedimento, para a caracterização
do início de movimento. Neste enfoque, raciocina-se que o esforço de tração
exercido pelo escoamento sobre o leito, é o principal responsável pelo início de
movimento. Este segundo critério é visto como o mais racional, além de envolver
parâmetros de maior facilidade de medição. Por estas razões é o que encontra maior
aceitação.

È interessante mencionar que alguns autores, como Einstein, por exemplo, são da
opinião de que não existe uma condição distinta para a caracterização do início do
movimento. Einstein não utiliza este conceito na análise do transporte sólido.
O método desenvolvido neste capítulo, conhecido como “critério de Shields”,
enquadra-se no segundo grupo. Trata-se de um método amplamente aceito e consagrado.
Outros exemplos de métodos pertencentes aos dois grupos supracitados são apresentados
no final do capítulo.

5.2 – Condição crítica de início de movimento


No início do movimento dos grãos admite-se que o leito é plano, e que sobre o grão
r r
atuam a força dinâmica do fluido F , e a força gravitacional G . A resultante destas forças
r r r
será R = F + G , figura 5.1.

r r
Em 2.4.2, foram vistos os significados de F e G , de onde tirou-se a relação:
F ρ ⋅ v *2 v d
= ⋅ ΓF  *  (5.1)
G γ sd  υ 
onde:
ΓF - função de Re*
r
F - cresce com v*
r
G - o peso da partícula permanece constante
r r
R - a resultante cresce com F , sendo que a extremidade do vetor percorre a reta S’//S.
Se a extremidade do vetor R estiver entre os pontos de apoio A e B, o grão estará
em equilíbrio e não se movimentará.

No limite do início do movimento, o grão somente tem contato com o ponto B, e,


r
nesta situação, a resultante R esta sendo equilibrada pela força de atrito em B. Chamando o
coeficiente de atrito f=tgϕ, o ângulo φ será o ângulo de repouso, ou de atrito interno do
material. Desta maneira, as forças que atuam sobre o grão podem ser representadas
conforme a figura 5.2.
r
T
f = tgψ = r
N
O início do movimento se dá quando:
F
≥ tgψ
G
r
N -força normal
r
T - força tangencial de atrito

Considerando-se que:
F G F sen(ψ + φ )
= → = (5.2)
sen(ψ + φ ) sen β G sen β
e que
Π
β =   − (φ + ψ − θ ) (5.3)
2
a condição para início de movimento fica
F sen(ψ + φ )
≥ (5.4)
G cos(θ − (φ + ψ ))
onde:
ψ - ângulo de repouso, depende da geometria e forma.
φ- ângulo que depende inteiramente da geomeria do grão, e do meio ambiente em que este
repousa (ponto de contato)
θ- ângulo que depende da geometria e do número de Reynolds do grão Re*.
O ângulo φ, do ponto de contato pode definir a condição de equilíbrio instável
(figura 5.3.a) ou estável (figura 5.3.b)
Instável grão livre

Estável o grão 1 está embricado e só se movimenta se 2 for removido


O ângulo α determina se a partícula saltará ou rolará.
Π
α r = (φ + ψ ) −
2
Π
Se α r > 0 φ > −ψ
2
A partícula saltará.

Π
Se α r < 0 φ < −ψ
2
A partícula rolará.
5.3 – Caracterização do início de movimento com o uso de adimensionais

As grandezas características que definem o início do movimento para um fluido e


tipo de sedimento determinados, são v* e h que recebem a notação v*cr e hcr.
Considerando-se o adimensional de transporte sólido, como por exemplo:
qs
Π qs = = Γqs (Re * ,τ * , h* , w) (5.5)
ρ .v *3
quando o escoamento atinge o valor crítico de início de arraste, então:
Π qs = Γqs (Re *cr ,τ *cr , h*cr , w) = 0 (5.6)*
obs.: W não apresenta o índice de condição crítica (cr porque independe de v* ou h).

Certamente o número de variáveis apresentadas é excessivo, e explica-se:


Nas condições críticas de início de movimento, a soma das forças externas ao grão é
nula (equilíbirio estático) e portanto I=0. Isso significa que a grandeza ρs e,
conseqüentemente, o seu adimensional W=ρs/ρ não são característicos do fenômeno (2.4.4)
e portanto W deve ser excluído da função Γqs.
Considerando-se que o início de movimento deve-se inteiramente à ação do
escoamento nas vizinhanças do leito, onde as distribuições de τ e u independem de h, e que
neste estágio do escoamento o leito é plano (ks~d), conclui-se que o adimensional h* não é
um parâmetro característico do fenômeno.
A partir destas considerações, pode-se escrever a relação 5.6 na forma:
Γqs (Re *cr ,τ *cr ) = 0 (5.7)
ou
τ *cr = φ (Re *cr ) (5.8)

A esta relação denomina-se função de Shields, por ter sido este o pesquisador, que
pela primeira vez, em 1936, apresentou este tipo de relação com dados experimentais. A
curva representada na figura 5.5, foi obtida por Yalin (1977), com diversos tipos de
materiais.

5.4 – Análise da curva de Shields

Apesar de não ser possível determinar a função de Shields teoricamente, apenas


com análise dimensional, é possível prever a sua forma para alguns casos especiais, que
são, para os regimes lisos com valores da Re*cr, “pequenos” e, para regimes rugosos com
valores de Re*cr, “grandes”.

a) Valores de Re*cr “pequenos”

A influência da rugosidade ks, e portando d, quando estes são pequenos, desaparece.


Se considerarmos que γs, µ e ρ são constantes, e que v* é limitado inferiormente, o
valor de Re*cr → 0 quando d → 0. O progressivo decremento do diâmetro d, faz a
degeneração do material tender a uma substância muito fina (coloidal), onde a
individualidade dos grãos é perdida, desaparecendo a importância do fator d. Portanto,
quando Re*cr é pequeno, a grandeza d deixa de ser característica e pode desaparecer da
relação de Shields, τ*cr=φa(Re*cr), o que só é possível se:
ρv 2 v d
τ *cr ⋅ Re *cr = * ⋅ * = const (a) (5.9)
γ sd υ
ou seja,
const (a )
τ *cr = (5.10)
Re *cr
c) Valores de Re*cr “grandes”

Neste caso, a viscosidade µ deixa de ser uma grandeza característica. Desde que µ
está presente somente em Re*cr, isso significa que a sua exclusão implica também na
exclusão de Re*cr. Portanto:
τ *cr = φ b (Re *cr ) = const (b) (5.11)
No caso de material uniforme, é válido dizer que ks≈2d, a influência da rugosidade
ks desaparece nos casos em que o regime é laminar ou turbulento liso, enquando que a
influência de µ desaparece quando o escoamento é turbulento rugoso. De acordo com isso,
pode-se limitar estes valores “pequenos” em Re*cr <5/2 =2,5 para os regimes laminar e
turbulento liso e “grandes” em Re*cr >70/2=35 para o regime turbulento rugoso
v d v ks
(Re*cr = * = * ).
υ 2υ
No caso particular do gráfico de Shields, obtido por Yalin (1977) a partir de dados
experimentais, pode-se observar na figura 5.5 que a reta decrescente para pequenos valores
de Re*cr está limitada pelo valor 1,5 < 2,5, com a constante const(a) = 0,1.
Para os “grandes” valores de Re*cr, a constante é τ *cr = const b ≅0,05, limitada
inferiormente em Re*cr≅100.
A utilização direta do gráfico de Shields apresenta o inconveniente de obrigar a
resolução por meio de aproximações sucessivas. Este inconveniente pode ser eliminado,
introduzindo-se o adimensional R’e*cr:
Re 2 *cr γ s d 3
R ' e*cr = = (5.12)
τ *cr ρ ⋅υ
ou
Re *cr = Re'* τ *cr (5.13)
τ *cr = φ (Re *cr ) = φ ( R' e*cr ⋅ τ *cr ) = φ * ( R' e*cr ) (5.14)
onde φ * ( R' e*cr ) é uma função transformada de
φ ( R' e*cr ⋅ τ *cr )
Esta função é apresentada na figura 5.6, e permite o cálculo direto sem iterações.
5.5 – Critério de utilização da velocidade crítica, para a caracterização do início de
movimento

As primeiras observações da condição crítica de início de movimento do material do


leito, foram feitas em termos de velocidade. Du Buat, por exemplo, apresentou um critério
destes em 1816. Outro exemplo clássico é o de Fortier e Scobey (1926), que fixava
velocidades permissíveis em canais, que serviram de base para projetos por muitos anos
(tabela 5.1).
O trabalho de Hjulström (1935), após uma extensiva análise de dados de diversos
autores, resultou na relação entre a velocidade média do escoamento no início de
movimento e a dimensão dos sedimentos, representada na figura 5.7. As curvas foram
determinadas para escoamentos com profundidade mínima d 1,0m. Os dados relativos a
sedimentos com diâmetro médio inferior a 0,01mm foram obtidos dos trabalhos de Fortier e
Scobey (1926). Deve-se ter em conta que, para diâmetros finos, a coesão é um elemento
importante na determinação das condições críticas de início de movimento. Ainda na figura
5.7, estão representadas as curvas de Mavis e Laushey (1966) e de Shields.
A curva de Mavis e Laushey obedece à seguinte expressão:
1
4
γ 2
u f = 0,5 s − 1 dm 9 (5.14)
γ 
onde
uf – velocidade do escoamento nas proximidades do leito
dm – diâmetro médio do sedimento em milímetros
Utilizando a distribuição logarítmica de velocidades (4.2.2) é possível escrever a
expressão 5.4, em função da velocidade média do escoamento, como foi feito para a
representação gráfica da figura 5.7.
A curva de Shields foi calculada a partir da curva 5.5, com γs = 2650 kg/m3 e θ =
0
18 C, e da curva de distribuição logarítmica de velocidades com rugosidade ks. A
rugosidade (ks) foi admitida igual ao diâmetro médio do sedimento (dm), e a velocidade
junto ao leito foi calculada para y = dm ou y = 11,6υ/v* quando a camada viscosa era
superior a dm.
A crítica que se faz a métodos como estes, é que a velocidade não é suficiente para
fornecer informações sobre o início de movimento. Sabe-se que dois escoamentos com a
tensão de atrito sobre o leito, granulometrias idênticas e as mesmas distribuições de
velocidades, podem assumir velocidades médias distintas se as profundidades forem
diferentes (capítulo 4). Torna-se necessário, então, identificar as profundidades. Por este
motivo, é aconselhável que se utilize um critério de tensão crítica de cizalhamento, sempre
que possível.

5.6 – Critério de utilização de forças de tração sobre o sedimento, para a caracterização do


início de movimento
A equação proposta por Schoklitsch em 1914, talvez tenha sido uma das primeiras
formulações baseadas no critério de tensão crítica:
τocr = (0,201γ2 . γs* . k . dm3)1/2 (kg/m2) (5.15)
que escrita em termos de τ*cr corresponde a:
τ*cr = (0,201 γ2/γs* kf dm)1/2 (5.16)
onde:
kf – coeficiente de forma
kf = 1 para esferas
kf = 4,4 para partículas planas

Inúmeras outras formulações deram seqüência a esta, nos anos que se seguiram, sem
contudo apresentarem grandes mudanças, em especial no tocante à sua forma.
Num trabalho realizado em 1950, Schoklilsch realizou um grande número de dados,
e propôs que fossem utilizadas duas equações de tensão crítica, que estão representadas na
figura 5.8. Para d > 6,0 mm:
τocr = 0,076 γ’s.d (kg/m2) (5.17)
ou
τ*cr = 0,076 (5.18)
para 0,1 mm< d< 3,0 mm
τ*cr=0,000285.d-2/3 (5.20)
As equações 5.18 e 5.20 foram desenvolvidas por Krey e Schoklitsch,
respectivamente.
É interessante observar a semelhança entre a forma da figura 5.8 e do diagrama de
Shields, figura 5.5.

Um outro trabalho interessante foi desenvolvido por Lane(1953), que utilizou um


considerável número de dados de campo gerando o diagrama da figura 5.9. Este trabalho
tem como mérito, o fato de abranger um amplo campo de dimensões de sedimentos, e
considerar o material tranportado em suspensão. Observe-se que nos escoamentos de águas
claras, o esforço trativo para o início de movimento é inferior aos dos escoamentos que
transportam material em suspensão. Outro aspecto interessante, é que para diâmetros
grosseiros, onde o escoamento deve ser turbulento rugoso, as curvas tendem a uma variação
linear de τocr com o diâmetro, ou seja, τ*cr passa a ser constante, como é previsto no
diagrama de Shields.

You might also like