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AS ELEIÇÕES BRASILEIRAS E A ENCRUZILHADA HISTÓRICA

Uma breve análise das eleições brasileiras de 2018 e as próximas tarefas

As eleições deste ano desvelaram o Brasil profundo sobre os nossos olhos. Duas
candidaturas completamente antagônicas foram postas em disputa. De um lado, Jair
Bolsonaro o líder da extrema-direita, deputado há 28 anos e conhecido por suas
posições conservadoras, racistas, machistas e homofóbicas. Do outro lado, a
candidatura de Fernando Haddad, representando o projeto social do lulismo e das
forças populares, e que no segundo turno, representou a união das forças
democráticas e populares brasileiras.

Antecedentes das eleições

Após 14 anos de governos na presidência da República, o Partido dos


Trabalhadores teve seu mandato interrompido por um golpe parlamentar contra Dilma
Roussef, capitaneado pelo congresso corrupto e conservador, simbolizado no
deputado Eduardo Cunha. A agenda do golpe buscava aprofundar os ataques a classe
trabalhadora. Com a crise econômica mundial aberta em 2008, o ciclo de
desenvolvimento sem confrontar a estrutura econômica abruptamente desigual
característicos dos governos petistas tornou-se inviável no Brasil. O golpe parlamentar
contra ex-presidente Dilma Rousseff tinha como objetivo colocar sobre as costas do
povo brasileiro as contas da crise, impedir qualquer tipo de redução da desigualdade e
a manutenção dos privilégios dos mais ricos.

O golpe parlamentar que depôs a presidenta Dilma Rousseff foi vitorioso graças a
um amplo complô dirigido pelo poder judiciário em conjunto com a mídia hegemônica.
O que se viu nos dois anos que sucederam o golpe foi uma perseguição brutal e diária
ao Partido dos Trabalhadores, e consequentemente, as forças progressistas e de
esquerda no país. O mesmo complô jurídico-midiático prendeu o ex-presidente Lula,
que liderava até então as pesquisas eleitorais e venceria as eleições no primeiro turno.
O cenário construído pela justiça e mídia hegemônica tradicional (Globo e cia) foi de
um completo descrédito da política e das suas instituições, associando, sobretudo, a
falência destas ao PT.

O cenário das eleições e seu resultado

Chegamos às eleições com ex-presidente Lula preso e com Bolsonaro alçado a


representação deste complô. Afinal, Bolsonaro representava as forças mais
reacionárias e conservadoras que protagonizaram o golpe contra a presidenta eleita
Dilma Rouseff. Com Lula impedido injustamente a concorrer às eleições, o professor
Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, foi ao segundo turno herdando os votos e
o dever de representar o projeto social do Lulismo. Jair Bolsonaro obteve 55% dos
votos validos (57 milhões de voto) contra 45% dos votos de Fernando Haddad (47
milhões de votos). Do primeiro para o segundo turno, Bolsonaro ganhou 8 milhões de
votos e Haddad conquistou 16 milhões de votos a mais. Outro dado estatístico
importante desta eleição revela o maior índice de abstenção desde a
redemocratização, cerca de 1/3 do eleitorado, mais de 30 milhões de votos.

O que os números revelam

Um olhar preliminar sobre os números revelam a continuidade de um país


dividido entre o antipetismo, estimulado pela mídia hegemônica e pelo nosso
judiciário parcial e seletivo, e do outro lado pelo projeto socioeconômico do lulismo.
Um olhar mais cuidadoso e profundo sobre esses polos em disputa revela um país
completamente desacreditado no sistema político. Existem três espectros de análise a
partir dos números. Primeiro, os eleitores de Bolsonaro foram atraídos, por um lado
pelo discurso conservador na moral e costumes, por outro pela representação anti-
sistêmica incorporada pelo seu candidato, mesmo sendo deputado há 28 anos. Em
segundo lugar, os eleitores de Haddad, em sua maioria, veem a justiça totalmente
parcial e seletiva e uma ameaça concreta ao Estado democrático e de direito, seu
principal líder está preso injustamente e uma ex-presidente foi deposta sem provas. O
terceiro, e não menos importante espectro é representado por 1/3 do eleitorado que
se absteve de participar do processo eleitoral e que está totalmente desacreditado de
tudo que esta aí. No dialeto popular, “lavou as mãos” para o processo eleitoral.

A governabilidade nos próximos anos

Os elementos de descrença na política criam um cenário turbulento para o


governo Bolsonaro nos próximos anos, acrescidos a uma profunda crise econômica
com altos índices de desemprego, projetam um cenário totalmente instável. Os
ingredientes econômicos propostos por seu ministro da Fazenda é de profundo ataque
a soberania nacional e aos direitos sociais da população. O resultado dessa política
projeta um cenário devastador comparável a Argentina liberal-privatista de Macri,
aprofundamento da desigualdade social e da miséria através da venda das riquezas
nacionais. As instituições brasileiras que já se demonstraram frágeis nos últimos anos,
não repassam a confiança necessária que se manterá firme diante do autoritarismo
representado por Bolsonaro. Cabe as forças populares e progressistas a tarefa de
resistência e de manutenção da estrutura democrática brasileira.

Recobrar forças, unidade popular e organização a resistência

Vimos diante dos nossos olhos um Brasil profundo se desvelar. Vimos familiares,
amigos, pessoas próximas apoiarem a candidatura que se colocava de forma violenta
contra o direito das mulheres, negros/as, LGBTS e mais pobres em geral.
Decepcionamo-nos, por hora sentimos medo, incapazes. O mês de outubro, por vezes,
parecia suspenso sobre o ar. Após o resultado choramos, abraçamos os que lutaram a
boa luta ao nosso lado.

Todavia, precisamos levantar a cabeça e pensar nos desafios que estão colocados
para as forças democráticas e populares. O filósofo Espinoza empunhou a frase “Nem
rir, nem chorar, mas compreender”. Precisamos compreender as razões que levaram o
Brasil a está encruzilhada histórica. Nesse momento, sabemos que não estamos
sozinhos nessa batalha, temos ao nosso lado milhões de brasileiros/as que estão
dispostos a defender a democracia e os direitos sociais.

O Brasil vive uma encruzilhada histórica. O consenso político construído desde o


fim da ditadura militar foi quebrado. As instituições brasileiras se afundaram e
decidiram aprofundar a desigualdade e a pobreza em nosso país. As elites brasileiras,
mais uma vez, demonstraram que não estão interessadas em ceder um milímetro dos
seus privilégios. Todavia, o horizonte que nos apresenta nos enche de esperança.
Existe uma enorme força social popular em movimento no Brasil, a última semana de
campanha refletiu disso. Milhares de pessoas foram às ruas, montaram bancas nas
praças, conversaram com eleitores, saíram de casa em casa para reconquistar o povo
para a defesa da justiça social e da igualdade. Os próximos anos determinarão que tipo
de Brasil construiremos. Um país soberano, igualitário e democrático. Ou um país,
injusto, racista, homofóbico e machista, submisso aos interesses do imperialismo
norte-americano e profundamente desigual. A batalha se inicia e temos milhões ao
nosso lado. O ex-presidente do Uruguai, José Mujica, disse ontem em entrevista após a
derrota das forças democráticas no Brasil algumas palavras que sintetizam as nossas
tarefas nos próximos anos:

“Os únicos derrotados são os que cruzam os braços, os que se


resignam a derrota. A vida é uma luta, uma luta permanente, com
avanços e retrocessos. Não é o fim do mundo. Portanto, aprender
com os erros cometidos e começar de novo. E deve ser permanente.
E tampouco pensarmos que quando vencemos tocamos o céu com a
mão e temos chegado a um mundo maravilho, não, apenas subimos
um degrau. Tenhamos humildade do ponto de vista estratégico. Não
há derrota definitiva, nenhum triunfo definitivo”.

Por Felipe Nunes, ativista social, professor e historiador

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