Quais contribuições as reflexões foucaultianas da técnica trazem para a
filosofia da tecnologia? De maneira sumária, a pesquisa de Foucault logrou mostrar
que a técnica moderna deve ser compreendida como um biopoder, ou seja, um dispositivo que disciplina e regulamenta a vida, no lugar de somente reprimi-la. Em acordo com essa concepção, em primeiro lugar, Foucault pretende que a natureza da técnica (moderna) ou aquilo que a move é o poder: em segundo lugar, que o poder não deve ser apreendido em termos de sanção e de lei, o poder é norma: em terceiro lugar, que a norma é uma norma política. Desde a publicação de A vontade de saber de Foucault, a noção de biopoder tem evoluído e mudado a fim de acomodar novos objetos políticos (raça, reprodução, medicina genômica). Nosso intuito é atualizar a concepção de biopoder em acordo com o debate político acerca da técnica e tecnologia contemporâneas. A hipótese que atravessa este trabalho é a de que a tecnologia do biopoder desdobra-se segundo uma vertente nova na atualidade, a das biotecnologias e da engenharia genética – sem dúvida, a aparição de um novo princípio (o gene), de novas normas e, portanto, de novos controles sobre os indivíduos. A expansão das linhas do biopoder procura se basear numa pretensão do próprio Foucault em estudar o assunto geral da hereditariedade, chegando à genética, tema que ele anteviu a importância, sem, contudo, realizar a pesquisa, percorrendo outros caminhos. Em seu “ Projeto de ensino” entregue como candidatura ao Collège de France, em 1969, Foucault escreve: A área escolhida como exemplo privilegiado e que durante certo tempo me aterei é o saber da hereditariedade. Ele se desenvolveu ao longo do século XIX a partir das técnicas de criação (techniques de l’ élevage), das tentativas feitas para o melhoramento das espécies (amélioration des espèces), dos ensaios de cultivo intensivo, dos esforços para lutar contra as epidemias animais e vegetais, até a constituição de uma genética cuja data de nascimento pode ser fixada no início do século XX
E em sua aula inaugural no Collège de France, em 1970, o autor reforça a proposta.
Pode-se pensar, também, em um estudo que trataria dos discursos sobre a hereditariedade, tais como podem ser encontrados, repartidos e dispersos até o início do século XX em meio a disciplinas, observações, técnicas e receitas diversas: seria preciso mostrar, então, mediante que jogo de articulação essas séries se recompuseram, finalmente, na figura, epistemologicamente coerente e reconhecida pela instituição, da genética. Esse é o trabalho que acaba de ser feito por François Jacob com um brilho e uma ciência inigualáveis