You are on page 1of 5

05/10/2017 Cultura, futuro urbano | Esquerda

ESCREVA-NOS QUEM SOMOS CONTACTOS RSS


 
 
 
 

ARTIGO    /   CULTURA    /   CULTURA, FUTURO URBANO

Cultura, futuro urbano


Relatório da Unesco poderia resumir-se numa ideia
estrutural: Sem cultura, as cidades como espaços de vida
vibrantes não existem, são meras construções de cimento e
aço, propensas à degradação e à fratura social. Por Rui
Matoso
13 de Novembro, 2016 - 14:11h Tweetar

Em 2015 a UNESCO lançou


o programa, Iniciativas para
a Cultura no
Desenvolvimento Urbano
Sustentável, procurando
evidenciar a ligação efetiva
entre a implementação das
Convenções Culturais da
UNESCO e as metas da
Agenda para o
Desenvolvimento
Sustentável (2030), a qual
reconhece integralmente,
ao contrário da anterior
agenda (Objetivos de
Desenvolvimento do
Milénio, até 2015), o papel
da cultura no
desenvolvimento urbano
Relatório global da UNESCO sobre cultura e sustentável. Entre os 17
desenvolvimento urbano sustentável (outubro, objetivos desta Agenda para
2016) a sustentabilidade das
cidades, o Relatório torna
evidente que a dimensão cultural das cidades desempenha um papel
fundamental na concretização de uma perspetiva holística do
desenvolvimento urbano sustentável, particularmente através da
salvaguarda do património mundial, cultural e ambiental, mas também
através da promoção das indústrias culturais e criativas, sublinhando o
seu potencial como recurso para o desenvolvimento urbano sustentável.

O Relatório poderia resumir-se numa ideia estrutural: Sem cultura, as


cidades como espaços de vida vibrantes não existem, são meras
construções de cimento e aço, propensas à degradação e à fratura social.
É a cultura que faz a diferença. É a cultura que de ne a cidade como
aquilo a que os antigos romanos chamavam civitas, um complexo social
coerente, o corpo coletivo de todos os cidadãos.

A estrutura do documento divide-se em cinco partes:

-A Parte I situa o Relatório no seu contexto global, apresentando a


situação atual da cultura e do desenvolvimento urbano sustentável com
base nos resultados de um inquérito global da UNESCO, juntamente com
nove parceiros regionais.

http://www.esquerda.net/artigo/cultura-futuro-urbano/45404 1/5
05/10/2017 Cultura, futuro urbano | Esquerda

-A Parte II centra-se em re exões temáticas sobre o papel da cultura


para o desenvolvimento urbano sustentável: (1) promover uma
abordagem centrada no cidadão; (2) assegurar um ambiente urbano de
qualidade para todos; (3) promover a formulação de políticas integradas,
com base no poder da cultura.

-As Conclusões e Recomendações, compreendem um resumo das


principais recomendações retiradas das conclusões das partes regionais e
temáticas do Relatório.

-Os Dossiês sobre as Redes de Desenvolvimento Urbano Sustentável da


UNESCO incluem secções sobre Parcerias Estratégicas para as Cidades da
UNESCO; Património Mundial e Cidades; A Rede de Cidades Criativas da
UNESCO (UCCN); A Coligação Internacional de Cidades Inclusivas e
Sustentáveis; ICCAR; O Programa do Homem e da Biosfera da UNESCO
(MAB) para Cidades Sustentáveis; A Rede Global da UNESCO de Cidades
Educativas (GNLC); Redução de risco de desastres para desenvolvimento
urbano sustentável; e Água e Cidades Sustentáveis.

-Por m, um Atlas incorpora mapas detalhados para situar as cidades


pertencentes às redes da UNESCO.

O enfoque da UNESCO na relação entre cultura e desenvolvimento vem


desde a criação do programa Década Mundial do Desenvolvimento
Cultural 1988 / 1997, cujo propósito foi o de repensar o desenvolvimento
com “factor humano” após a conclusão de que os esforços desenvolvidos
a nível mundial haviam falhado por terem subestimado a dimensão
cultural dos projetos de desenvolvimento. Em 1992 a UNESCO criou uma
Comissão Mundial independente sobre Cultura e Desenvolvimento, cujo
resultado foi a realização do Relatório mundial publicado em 1995 com o
título Our Creative Diversity.

A Conferência Intergovernamental sobre Políticas Culturais para o


Desenvolvimento - organizada pela UNESCO em Estocolmo, entre 30 de
Março e 2 de Abril de 1998 -, cujo objetivo principal foi o de “traduzir”
as ideias contidas no Relatório Our Creative Diversity num plano de ação
para as políticas culturais, reconhecendo como primeiro princípio que «o
desenvolvimento sustentável e o orescimento cultural são
interdependentes», e recomendando aos Estados diversos objetivos,
sendo que o primeiro é «tornar a política cultural uma componente
chave das estratégias de desenvolvimento sustentável». Esta conferência
rea rmava os princípios fundamentais da Mondiacult (México,1982)
nomeadamente o conceito de cultura a utilizar no desenvolvimento de
políticas culturais.

Ainda que ao nível mundial (Nações Unidas) – mas também na Europa,


Conselho da Europa - sejam persistentemente, e ao longo de décadas,
advogadas as melhoras práticas, casos de estudo, e ideias em torno de
políticas culturais focadas no Desenvolvimento Humano Sustentável, na
realidade e ao nível nacional, local e regional, pouco se tem avançado na
aplicação e no entendimento destas políticas fundadas na ideia de
Desenvolvimento como Liberdade (Amartya Sen). À escala mundial é
também importante veri car que o próprio Relatório do PNUD (Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento) de 2004, aborde a Liberdade
Cultural num Mundo Diversi cado.

Um caso concreto, que revela a forma como as instâncias de governação


pública portuguesas pouco ou nada se preocupam em concretizar, nos
seus territórios, as convenções que rati cam: em março de 2007 foi
adotada pela 33ª Conferência Geral da UNESCO, e rati cada por Portugal,
a Convenção da UNESCO sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das
Expressões Culturais, a qual explicita que ao rati car esta convenção, e
conforme estipulado pelo Artigo 13º da Convenção, Portugal e os
restantes Estados-membros da União Europeia, comprometem-se a

http://www.esquerda.net/artigo/cultura-futuro-urbano/45404 2/5
05/10/2017 Cultura, futuro urbano | Esquerda
empenhar-se em integrar a cultura nas suas políticas de
desenvolvimento – o que, obviamente, se deve veri car a todos os níveis
territoriais das políticas públicas, e não apenas à escala do Estado-nação
-, tendo em vista criar condições propícias ao desenvolvimento
sustentável e, neste contexto, privilegiar os aspetos ligados à proteção e à
promoção da diversidade das expressões culturais.


Assim, a pergunta que devemos fazer, é:
Em Portugal, o como é que este Artigo 13º foi
único implementado a nível regional e local, em

município que Portugal? Não foi, e não foi por várias


razões, uma delas deve-se ao facto de a
decidiu aderir Agenda 21 Local, tal como a agenda
à Agenda 21 (Objectivos de Desenvolvimento do Milénio
da Cultura, 2015,) não contemplar explicita e
criteriosamente a dimensão cultural. Foi
enquanto
com o intuito de colmatar essa lacuna que
cidade piloto, surgiu a Agenda 21 da Cultura (A21C), mas
foi Lisboa. Os também para propiciar aos governos locais
restantes 307 uma visão de políticas culturais assente
num forte compromisso com cidadania e a
municípios, diversidade cultural. Contudo, em Portugal,
salvo exceções, o único município que decidiu aderir à
continuam na A21C, enquanto cidade piloto, foi Lisboa. Os
restantes 307 municípios, salvo exceções,
senda das
continuam na senda das políticas culturais
políticas carismáticas, i.e., dependentes de uma
culturais liderança assente na visão e no gosto
carismáticas, pessoal dos autarcas.

i.e., A relação entre cultura e desenvolvimento


dependentes sustentável não é pois a única lacuna
veri cável, outros aspetos poderão ser
de uma
apontados e criticados, quer em Portugal
liderança quer noutros países da União Europeia. Em
assente na Portugal, o Conselho Nacional do Ambiente
visão e no e do Desenvolvimento Sustentável
(http://www.cnads.pt/) a rma que a
gosto pessoal
«participação pública, que é a razão de ser
dos autarcas. da Agenda 21 Local, está votada a um papel
secundário, não se sublinhando
adequadamente a sua importância e o pleno envolvimento de todos os
atores sociais nas várias fases do processo».

O Século das Cidades, criatividade crítica


O séc. 21 já foi nomeado como o século das cidades, pois estima-se que
em 2050 a população mundial residente nas cidades seja de 66%. Um dos
maiores desa os prende-se com a gentri cação desencadeada por
processos de mercado da habitação e renovação urbana, que levam ao
deslocamento de residentes, e que pode diluir a autenticidade dos bairros
antigos mais vibrantes, e ao mesmo tempo aumentar a exclusão de
moradores de baixos rendimentos, aumentando assim o custo social para
a comunidade urbana em geral.

Este novo relatório da Unesco Cultura, futuro urbano, vem, no entanto,


renovar o apelo do direito à cidade, como defendem diversos geógrafos e
urbanistas, de Henri Lefebvre a David Harvey: “a liberdade de fazer e
refazer as nossas cidades, e a nós mesmos, é, a meu ver, um dos nossos
direitos humanos mais preciosos e ao mesmo tempo mais
negligenciados”. É que, como refere Andy C. Pratt, no Relatório, não
podemos esquecer a evidência de que a “relação mutua entre cultura e
meio-ambiente produz signi cados e valores, mediados pelas pessoas e
as suas práticas”.

http://www.esquerda.net/artigo/cultura-futuro-urbano/45404 3/5
05/10/2017 Cultura, futuro urbano | Esquerda

Não se trata, portanto, de entender a cidade

“ Neste
horizonte
urbano, o
e a cultura como meros instrumentos da
condição humana, mas antes como
extensões incorporadas em cada cidadão,
capazes de produzir práticas sociais e
conceito de culturais que renovam os modos de vida e
as sociabilidades urbanas. E é basicamente
“Cidade
este complexo sociocultural que modula,
Criativa” vem melhor ou pior, as cidades. Pior, se essa
sendo modulação entre pessoas, representações,
plasmado nas identidades e imaginários, espelhar formas
de poder e de governação ensimesmadas e
cidades viciadas na manutenção do poder partidário
europeias, e na liderança autoritária. Melhor, se a
designadamen articulação entre atores sociais, os
patrimónios e o meio urbano produzir
te em
viabilidade e vitalidade cultural, sendo esta
Portugal, sob o interação sustentada por uma
modelo administração urbana vocacionada para
neoliberal da entender o fenómeno cultural como um
bem comum e um direito fundamental do
economia e
ser humano: o de realizar plenamente o seu
das classes potencial de orescer num ecossistema que
criativas não o constranja sistematicamente nesse
devir coletivo. Talvez seja isto, a nal, a
preconizado
Democracidade, de que fala o sociólogo
por Richard Carlos Fortuna: “A utopia credível que
Florida, e não temos à nossa frente é, por isso, a da
tanto segundo construção da democracidade (…) Por isso,
não podemos declarar que a democracia e o
uma outra
sentido (comunitário) de partilha se
versão, mais encontram garantidos pela revitalização
“socialista” e cultural, no embelezamento estético, e na

intercultural, atratividade cívica do espaço público das


cidades. É preciso que a interação que esse
preconizada espaço público proporciona tenha real
por Phil sentido democrático, o que signi ca ser
Woods e capaz de fomentar e manter uma relação
social signi cativa entre as expressões
Charles
culturais diversas e mesmo socialmente
Landry. díspares que constituem a cidade.”

Neste horizonte urbano, o conceito de “Cidade Criativa” vem sendo


plasmado nas cidades europeias, designadamente em Portugal, sob o
modelo neoliberal da economia e das classes criativas preconizado por
Richard Florida, e não tanto segundo uma outra versão, mais “socialista”
e intercultural, preconizada por Phil Woods e Charles Landry.

Para Phil Woods, a cidade criativa trata de planear com sensibilidade


cultural e em torno de questões concretas e com pessoas comuns, de
baixo para cima; em vez de afunilar a noção de criatividade a uma elite
institucionalizada, capaz de impor uma agenda “criativa” de cima para
baixo, como ilustra o pensamento de Florida.

No entendimento de Charles Landry, uma cidade que encoraja as pessoas


a trabalharem com a sua imaginação, vai muito para além do paradigma
da engenharia urbana, por isso, a noção de Cidade Criativa preocupa-se
com a forma como as diferenças de opinião podem ser negociadas e gerar
novos desenvolvimentos. Nesse sentido, Landry defende a existência de
um Creative Milieu, um contexto urbano no qual as pessoas se sentem
encorajadas para participar, interagir, comunicar e partilhar. Uma cidade
criativa precisa de feedback constante de seus cidadãos, pois o ato de

http://www.esquerda.net/artigo/cultura-futuro-urbano/45404 4/5
05/10/2017 Cultura, futuro urbano | Esquerda

votar a cada quatro é insu ciente para transmitir as ideias das pessoas ao
governo local.

O diferendo entre as visões de Florida e as de Woods e Landry, não reside


tanto no reconhecimento da importância da economia criativa na
economia geral das cidades e no emprego. Um dos desacordos incide
especi camente na forma como uma certa visão neoliberal da cidade
criativa privilegia a dominação do capitalismo cultural-criativo,
diminuindo o potencial da criatividade como bem comum (valor de uso)
ao estatuto de mero recurso económico e matéria prima das indústrias
criativas, fomentando assim um consenso tecno-estético transformado
em consumo concupiscente, e, simultaneamente, relegando para fora de
cena as práticas criativas, cívicas e artísticas, cuja rentabilidade não seja
valorizada em termos estritamente lucrativos (valor de troca).
Paralelamente, é sabido que esta predominância do poder “musculado”
da visão economicista da criatividade é causado por uma governação do
tipo “deixa andar”, típica aliás de uma administração pública in ltrada
pelo espectro da mão invisível dos mercados...tudo se há-de resolver,
segundo a lógica mercantilista da procura e da oferta.

Contudo, é ainda possível encontrar algum pensamento político


heteredoxo em instituições como a UNESCO ou a Agenda 21 da Cultura,
que ainda insistem, e bem, em promover processos participativos através
da cultura, de modo a valorizar o papel dos cidadãos na governança local
dos seus municípios e cidades (vide conclusões do Relatório).

Artigo de Rui Matoso para esquerda.net

Termos relacionados Cultura

Versão de impressão Versão PDF

Tweetar

http://www.esquerda.net/artigo/cultura-futuro-urbano/45404 5/5

You might also like