DIREITO UNIVERSIDADE LUSÍADA DO NORTE-PORTO Parte I/Título II/Capítulo V FUNDAMENTO DO DIREITO A. Santos JUSTO, Introdução ao Estudo do Direito, 6.ª ed, 2012, pp. 95-136
Prof. Doutor J. Daniel Tavares da Silva
Introdução ao Estudo do Direito 1 FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI Qual o fundamento ou razão para o dever ou obrigação de obediência à lei? Principais respostas: JUSNATURALISMO E POSITIVISMO I JUSNATURALISMO O Direito Natural como fundamento do pensamento jusnaturalista. Noção de Direito Natural (DN): justiça que se projecta na ordem social ou ordenamento de raiz ética que a razão retira duma ordem objectiva inserida nas coisas e nos homens. No século XVIII é consagrado em sistemas jurídicos construídos pela razão. Doutrinas jusnaturalistas Jusnaturalismo transcendente Jusnaturalismo Racionalista Jusnaturalismo greco-romano Jusnaturalismo medieval Escola espanhola do Direito Natural Prof. Doutor J. Daniel Tavares da Silva 2 Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI JUSNATURALISMO TRANSCENDENTE JUSNATURALISMO GRECO-ROMANO: GRÉCIA Concepção sofista (revolucionária):O DN baseia-se no conceito fundamental da natureza humana. Enfase para a liberdade e igualdade dos homens. A criação por Deus dos homens livres e iguais suporta a contestação das leis injustas da polis que servem os interesses dos poderosos. Usa o DN para destacar o carácter arbitrário do Estado. Concepção de Sócrates, Platão e Aristóteles: Há, na natureza, uma harmonia que rege o curso dos astros, e a vida animal e vegetal. O justo está esculpido no coração ou na consciência dos homens. Cabe-lhes observar e descobrir regras disciplinadoras da vida familiar, económica e política. O direito natural dá o sentido, o fim e a base ética normativa ao direito positivo. Aristóteles invoca o direito natural para defender a ordem estabelecida, por considerar que o Estado é virtuoso e educador do homem no sentido da moralidade e justiça. Consequências desta divergência para os cépticos Negação da existência do direito natural. Os sentidos não dão um conhecimento verdadeiro, apenas ilusões. Impossibilidade de conhecer a natureza das coisas e a do homem. Um só direito (positivo), fruto da vontade arbitrária de quem o cria. Prof. Doutor J. Daniel Tavares da Silva 3 Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI ROMA Influência estóica. A ética e a sabedoria como ideal de felicidade e ausência de paixões que impedem a lucidez do conhecimento e do juízo. O direito natural é criado pela recta ratio determinando o que convém à essência do homem. É um direito fundamentalmente ético que reconhece a liberdade e a igualdade dos homens. Cícero fundamenta o direito positivo no direito natural, pois, de contrário, seriam justas todas as arbitrariedade e atropelias dos tiranos. Não considera leges as normas ditadas por tiranos. A lex naturalis está presente na lei positiva e serve de critério de integração de lacunas. JUSNATURALISMO MEDIEVAL: Influência do jusnaturalismo greco-romano na filosofia e teologia católicas da Idade Média. (Epístola de São Paulo aos Romanos). A Lei de Deus, revelada nos Dez Mandamentos e no Evangelho, está inscrita na natureza. A razão humana como imagem de Deus. (Santo Agostinho). Seguir a natureza racional do Homem é seguir Deus. Prof. Doutor J. Daniel Tavares da Silva 4 Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI A lei natural como espelho da lei divina na sua relação com o Homem (Graciano). Os direitos e deveres naturais como medida e regra das leis positivas (São João Crisóstomo) Importância de S. TOMÁS DE AQUINO no jusnaturalismo CRISTÃO: Para S. Tomás a razão dirige a vontade “Deus criou o Mundo dotando-o de uma lei natural (lex naturalis)” Tendências fundamentais expressas pelas normas (mandatos e proibições) que a razão deduz do Direito Natural À conservação da vida humana (normas relativas à defesa da vida e proibição do homicídio) À conservação da espécie humana (relações familiares e procriação). Conhecimento da verdade e vivência em sociedade (perfeição intelectual do homem e relações entre a autoridade e os súbditos). Tipos de preceitos que constituem a lex naturalis Primários: a sua clareza e evidência torna-os nos princípios gerais da ordem social. Secundários: derivam dos primários e admitem restrições e excepções conforme as circunstâncias da vida. Relatividade e evolução. Prof. Doutor J. Daniel Tavares da Silva 5 Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI Características da lex naturalis: Universalidade dos preceitos primários. Sua aplicação a todos os homens. Universalidade relativa dos preceitos secundários Imutabilidade dos preceitos primários Indelibilidade: relaciona-se com a imutabilidade. É a propriedade de a lex naturalis não se poder apagar ou desaparecer na consciência humana. Contestação da doutrina de S. Tomás de Aquino pela escolástica franciscana. Para os franciscanos (Duns Scotto e Guilherme de Ockham) a primazia assenta na vontade à qual a lex naturalis se reduz. Favorece o positivismo jurídico segundo o qual a lei identifica-se, tão só, com a vontade do legislador. Sendo a natureza essencialmente contingente e dependendo tudo da vontade de Deus, o Direito natural perde a sua base sólida e passa a constituir uma mera lex moralis.
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Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI ESCOLA ESPANHOLA DO DIREITO NATURAL:(Neo- escolástica, segunda Escolástica ou Escola Peninsular do Direito Natural) Tendência maioritária na defesa de que a razão dirige a vontade (tese intelectualista). Fernando Vasquez de Menchaca: O DN é bom (quaisquer que sejam ou fossem os seus preceitos) porque Deus o gravou em nós. Gabriel Vasquez: Desvincula de Deus o Direito cuja fonte não está na vontade ou razão divinas mas na natureza racional do homem. Abre caminho à autonomia da razão e à visão laica da Escola do Direito Natural Racionalista que dispensa Deus. Na Idade Média o DN constitui o fundamento do direito positivo que lhe deve obediência. Ilegitimidade da norma arbitrária. Papel do DN no progresso do direito, na interpretação e correcção das leis e na integração de lacunas. Na Idade moderna o DN legitima e serve de medida ao direito. Separação do DN e do direito positivo. Enfraquecimento da função do DN como legitimação, padrão e guia para o legislador e o juiz. Consideração de que o Direito Natural está positivado nas Constituições e nos Códigos, identificando-se com eles. Existência de um só direito: o direito positivo. Prof. Doutor J. Daniel Tavares da Silva 7 Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI JUSNATURALISMO RACIONALISTA A construção de um Direito Natural essencialmente laico a partir da natureza racional do homem. Principais pensadores: Grócio, seguindo as ideias de Gabriel Vásquez, caminha para um sistema que dispensa Deus cujo lugar é ocupado pela ratio humana. Pufendorf: A natureza empírica do Homem como base da ciência sistemática do direito. Thomasius: Disciplinas que integram a conduta humana: Ética, política e jurisprudência. Separação entre a moral e o Direito. Defesa do Homem da acção omnipotente do Estado. Direito natural da felicitas Wolf: Deduz o Direito Natural a partir da natureza do Homem.
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Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI DIREITO NATURAL (APRECIAÇÃO CRÍTICA) Principais críticas ao DN: Importância alternada ao longo da história - entre a apologia plural (nas várias doutrinas gregas, na Idade Média) e o desinteresse. Assinala-se o seu regresso como suporte para censurar a tirania que levou às duas guerras mundiais do sec. XX (Julgamento de Nuremberga). Ofuscação actual pelo bem-estar. Natureza estática e fechada, de conteúdo apenas moral que reflecte apenas a ideia de cada época e de cada pensador. Dificuldade em o explicar: Não sabendo o que é, sentimos que [“acima (do direito positivo) existe outro, que não é (…) criação do homem, mas antes emanação da natureza (humana): o Direito Natural.”… “..o homem não renuncia à ideia de um Direito Justo nem à exigência de uma validade ideal, intemporal, desse Direito”].
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Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI II POSITIVISMO SUPERAÇÃO DO DIREITO NATURAL Principais doutrinas que debilitaram ou eliminaram o Direito Natural: Teorias contratualistas: Defendem que só há lugar para o direito positivo. Hobbes: Pacto entre os homens e o Estado para acabar com o clima de guerra contínua em que viviam no status naturalis. O direito positivo tem de ser indiscutível. Vontade do Estado como único critério de justiça. Não há lugar para o DN. Rousseau: Contrato social pelo qual o homem se submete à vontade geral que se manifesta na lei e é a fonte de direito, suprimindo o DN. Teoria de Kant: É impossível conhecer o DN porque o conhecimento não conhece a realidade, apenas as suas representações. O Estado enquanto comunidade de ordem moral que repousa num contrato. Contra a sua autoridade nenhuma resistência é lícita.
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Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI Escola Histórica: Sec.s XVIII/XIX-Alemanha. O direito não se deduz racionalmente de princípios básicos. É criação espontânea do espírito do povo (como a arte, a linguagem, a música) que se faz em dois momentos: Manifestação consuetudinária (momento histórico) a depuração e desenvolvimento dos princípios básicos pela jurisprudência (momento científico). Defende a natureza dinâmica do direito. POSITIVISMO JURÍDICO Positivismo legalista ou exegético Positivismo científico ou conceitual Positivismo normativista Positivismo sociológico Realismo jurídico escandinavo Realismo jurídico norte-americano Manifestações embrionárias: Direito Romano: O imperador como única fonte de direito. Idade média. Características gerais: A recusa da metafísica e do Direito Natural. A recusa de o jurista emitir um juízo crítico sobre a justiça ou injustiça do direito (positivo) que aplica (de avaliar a justiça ou injustiça da sua decisão). Prof. Doutor J. Daniel Tavares da Silva 11 Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI Aspectos fundamentais: Conceito de direito: comando imposto pela vontade do legislador. A sua validade afere-se por critérios de vigência (validade formal) e de eficácia (validade social). A lei injusta pode ser válida e vinculativa. Fontes de direito: A lei identifica-se como o próprio direito. Obediência absoluta e incondicional. Método: O juiz como mero aplicador da lei ao caso concreto através de um processo lógico-dedutivo e subsuntivo. Epistemologia: Corte com a Ética e a Metafísica. Separação entre a ciência do direito e a Filosofia do Direito.
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Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI POSITIVISMO LEGALISTA OU EXEGÉTICO (1804 a 1900) Inicia-se com a publicação do Código de Napoleão. Ideais progressistas da revolução francesa. Racionalismo jurídico e perfeição do Código. Características gerais: Identificação entre o direito e a lei que expressa a volonté génerale. Presunção de que todas as leis são justas. Interpretação assente na intenção do legislador. O juiz como “bouche de la loi” cujo trabalho, quase mecânico, consiste em aplicar a lei mediante o seguinte silogismo dito judiciário: Norma (premissa maior) caso (premissa menor) e sentença (conclusão). Desconhece a existência de lacunas. O Código ofereceria sempre solução
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Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI POSITIVISMO CIENTÍFICO OU CONCEITUAL Características gerais: O direito como um sistema de conceitos construído segundo as regras da lógica formal. Assemelha-se a uma pirâmide na base da qual estão os conceitos menos gerais e no vértice o mais geral (conceito supremo). À ciência do direito cabe determinar o conteúdo da lei. O sistema lógico-conceitual é uma totalidade unitária e fechada. Exclui a existência de verdadeiras lacunas que só podem ser aparentes: ou serão casos não jurídicos ou revelam conhecimento insuficiente do sistema jurídico. APRECIAÇÃO CRÍTICA: Atribuição ao juiz da mera função de aplicador da lei (bouche de la loi). Proibição de o juiz interpretar a lei, procurando a solução mais justa. Inadmissibilidade da insuficiência da lei (lacunas) e recusa em aceitar a dificuldade de a lei acompanhar a dinâmica social. Afastamento entre a lei e as instituições. Excessivo recurso à lógica formal. CONTRIBUTO Consolidação da parte geral
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Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI POSITIVISMO NORMATIVISTA Hans KELSEN: Teoria pura do direito. Características gerais: Depura a ciência do direito de todos os elementos (históricos, sociológicos, políticos, jusnaturalistas, metafísicos) pertencentes a outras ordens do conhecimento Separação entre realidade social e histórica (mundo do ser) e as normas (o mundo do dever-ser). O direito como ordem normativa que pertence à categoria ontológica do dever-ser. É um conjunto de normas consideradas na sua autonomia formal, desligadas do fundamento normativo que as transcende e da realidade social em que actuam. Os valores recebidos pela norma pertencem ao direito positivo, não podendo ser discutida a justiça ou injustiça de uma norma. A justiça é um ideal inacessível ao conhecimento racional, sendo o direito apenas uma técnica de controlo social essencialmente coactiva. A validade de uma norma é conferida por uma norma superior. No topo está a Constituição que tem o seu fundamento numa norma fundamental (hipotética/pressuposta) que manda obedecer à Constituição. Prof. Doutor J. Daniel Tavares da Silva 15 Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI APRECIAÇÃO CRÍTICA: A não consideração de juízos de valor de valores éticos justificativos do direito. A transformação do direito numa mera técnica de controlo social que pode legitimar a realização de fins iníquos por qualquer força que alcance o poder. Atribuição da validade do direito a uma norma fictícia que manda obedecer á Constituição, sendo indiferente a sua aceitação democrática o imposição autoritária. (A validade do direito passa a depender de mera suposição lógica). O direito subjectivo como simples reflexo dum dever que uma norma jurídica estabeleça. Identificação do direito com o Estado e com a justiça. CONTRIBUTO Rigor terminológico e conceitual. Coerência lógica Defesa da autonomia da ciência do direito.
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Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI POSITIVISMO SOCIOLÓGICO: Características gerais: Opõe-se ao pensamento normativista. Reduz o direito a um simples facto social Substitui a ciência dogmática do direito por uma ciência empírico- sociológica sem carácter normativo. Concepção do direito como facto social empírico, sem carácter normativo Estruturação da ciência jurídica nos moldes sociológicos, como ciência empírica e estritamente positiva de factos sociais. Positivismo Sociológico: REALISMO JURÍDICO ESCANDINAVO Características gerais: Abdica de uma atitude valorativa. Considera que só é científico o que se funda na experiência. Por isso, Considera um mito que o direito se funde na natureza racional do homem. Propõe-se fazer da jurisprudência uma verdadeira ciência fundada na experiência sujeita à observação e verificação. APRECIAÇÃO CRÍTICA: Fracassa ao recusar ao direito uma dimensão normativa irrecusável. Prof. Doutor J. Daniel Tavares da Silva 17 Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI Positivismo sociológico: REALISMO JURÍDICO NORTE- AMERICANO Características gerais: Aspira a uma global compreensão sociológica do direito através da consideração das suas causas e dos seus fins. Considera como direito apenas o que se impõe nas decisões judiciais. A ciência jurídica estuda a probabilidade de o juiz decidir num ou noutro sentido, estudando os factores determinantes das decisões dos juízes. APRECIAÇÃO CRÍTICA: Cai num decisionismo irracionalista que confere ao direito um carácter vago e incerto. Direito incompatível com o funcionamento das modernas sociedades industriais. O direito deve manifestar-se mais nas normas de organização que nas decisões dos tribunais.
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Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI NOVAS SOLUÇÕES Neopositivismo Jusnaturalismo contemporâneo Jusnaturalismo tradicional Jusnaturalismo protestante Jusnaturalismo bíblico Direcção cristológica A ordem da criação Doutrina da natureza das coisas Baptista Machado Castanheira Neves
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Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI NOVAS SOLUÇÕES NEOPOSITIVISMO Escola de Viena: Revalorização dos pontos fundamentais do positivismo: Repudia a metafísica. Experiência como única fonte de conhecimento. Atrocidades nazis fundadas em normas positivas contrárias aos princípios e valores fundamentais superiores ao direito positivo, como a vida e dignidade da pessoa humana. Admissibilidade por algumas correntes neopositivistas de valores superiores ao direito positivo (valores aqui entendidos como conquista histórica e não como permanentes e imutáveis como no jusnaturalismo). Para o jusnaturalismo o direito natural (enquanto conjunto de valores fundamentais superiores) é um verdadeiro direito, não o sendo para o neopositivismo. O neopositivismo já não é uma ideologia conservadora e imobilista que legitima qualquer ordem estabelecida. O jurista pode apreciar o valor da sua decisão e opor-se à aplicação de normas injustas. Influência actual do positivismo jurídico e de alguma neutralidade axiológica do juiz. (Código Civil): Relevo da lei e omissão do costume nas fontes de direito (artºs 1º a 4º CC) Afastamento do costume contra legem (artº 7º/1 do Código Civil) Disciplina da interpretação da lei (artº 9º CC) e da integração de lacunas (artº 10º do Código Civil). Prof. Doutor J. Daniel Tavares da Silva 20 Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI NOVAS SOLUÇÕES JUSNATURALISMO CONTEMPORÂNEO Resistência do Direito Natural ao período positivista do século XIX. Renascimento na Alemanha após a II Guerra Mundial (doutrina e jurisprudência e Constituição alemã). Ex.: Radbruch em 1932 considerava a segurança jurídica o valor principal do direito e a justiça um valor secundário. Após as atrocidades nazis, reconheceu que: “Esta concepção da lei e a sua validade, a que chamamos Positivismo, foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitrárias, mais cruéis e mais criminosas”. Staamler é o pioneiro da restauração do jusnaturalismo, construindo um Direito Natural de conteúdo variável conforme as épocas históricas e reduzido à mínima expressão formal.
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Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI Correntes do JUSNATURALISMO CONTEMPORÂNEO: Jusnaturalismo tradicional: Inspiração na doutrina escolástica de S. Tomás de Aquino. Concebe a lei natural como manifestação da lei eterna referida à convivência humana. Conteúdo variável: factor constante e factor variável. Jusnaturalismo protestante: Jusnaturalismo bíblico: assenta na revelação por Deus da Sua vontade no Decálogo que contém as orientações da conduta moral e jurídica do homem. Direcção cristológica: revelação da vontade de Deus através da ‘Nova Aliança’. A ordem da criação: Deus dotou toda a criatura duma ordem divina que contém uma estrutura ou modo de ser
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Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI DOUTRINA DA NATUREZA DAS COISAS O direito deve considerar a realidade ontológica sobre que actua, adaptando-se aos dados objectivos das coisas e à ordem metafísica da natureza, sob pena de conduzir a um resultado absurdo ou injusto e, em consequência, ser inoperante. Ideia já abordada por Aristóteles, em Roma, pela escolástica tomista e Montesquieu. Desenvolvimento actual por Radbruch (Alemanha). Tendências actuais: A natureza das coisas como uma ‘relação de vida’, brotando o direito espontaneamente da convivência humana. (Fechner e Cohing) A natureza das coisas como ‘estruturas lógico-objectivas’ a que o legislador se encontra vinculado. A realidade possui uma estrutura axiológica que, em cada momento e circunstância, o legislador e o juiz devem ter em conta. (Maiohofer) APRECIAÇÃO CRÍTICA • A ‘natureza das coisas’ não terá nada a ver com as coisas: Para se extrair uma norma jurídica da ‘natureza das coisas’ introduz-se nas coisas uma tensão jurídica que necessariamente transmuda a sua fisionomia empírica Prof. Doutor J. Daniel Tavares da Silva 23 Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI Doutrina da natureza das coisas Direito Natural O Direito Natural: Tem as suas raízes num princípio supremo acima das relações da vida. É um ordenamento imutável Doutrina da natureza das coisas Procura o fundamento jurídico no seio dessas relações, numa ordem que lhes é imanente. Adopta a forma histórica das relações de convivência a cada momento.
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Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI OUTRAS SOLUÇÕES BAPTISTA MACHADO Não existência de um ‘Direito Positivo’ sem um ‘Direito Natural’ e também não existe um ‘Direito Natural’ sem um ‘Direito Positivo’. Os textos legais não determinam ou criam ‘autonomamente’ o jurídico, a juridicidade. Antes, eles são já uma expressão ou tradução dessa juridicidade, a qual por princípio, e como referente último, está para além deles, está fora deles. Ao direito natural cabe a função hermenêutica indispensável à compreensão dos textos legais positivos. A validade do direito positivo tem o seu fundamento no direito natural. O legislador não cria o direito, mas apenas o articula e concretiza a partir de evidências latentes partilhadas pelos membros daquela comunidade. APRECIAÇÃO CRÍTICA Afastamento da compreensão tradicional do Direito Natural. Não se trata dum outro Direito (Natural), mas de uma certa ideia de Direito que o direito positivo deve permanentemente assumir para ser válido. Prof. Doutor J. Daniel Tavares da Silva 25 Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI CASTANHEIRA NEVES A dimensão axiológica é a dimensão capital, fundamentante e mesmo significante, da normatividade jurídica que a constitui como direito, isto é, como fundamento socialmente incondicional de validade. Os valores fundamentais susceptíveis de sustentar o direito devem ser procurados no fundo ético da nossa cultura, neste momento histórico. A consciência jurídica geral é. a objectivação histórica da validade comunitária, do seu sentido axiologicamente material e de “justiça”. Níveis de intencionalidade normativa: (3) Primeiro: contém os princípios normativos e critérios jurídicos positivados no direito vigente que resultam da assimilação ou conversão jurídica de valores e postulados ético-sociais. É o nível em que o sistema jurídico se revela susceptível de uma maior mutabilidade. Segundo: contém os princípios normativo-jurídicos fundamentais os quais, uma vez revelados ficam verdadeiramente adquiridos como elementos irrenunciáveis da juridicidade (v.g. princípios da igualdade, da independência jurisdicional, da legalidade da incriminação e da culpa, da autonomia privada e da responsabilidade…). Menor mutabilidade histórico-intencional.
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Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI Terceiro (último): contêm uma intenção final de validade que (…) é verdadeiramente um absoluto pressuposto de sentido axiológico. Exprime, em termos normativos, aqueles valore que numa certa cultura fundam o próprio sentido comunitário, o sentido de todos os sentidos humanos, o sentido ontológico (fundamentante) em que se exprime. O valor da pessoa humana e da sua dignidade. Este valor fundamental é pressuposto decisivo e fim último da existência humana finita que uma comunidade do nosso tempo terá de assumir e cumprir para ser uma comunidade válida. Hierarquia interna dos níveis: Dentro destes três níveis, o segundo controla a validade do primeiro e o terceiro, espelhando a consciência jurídica geral, controla a validade do segundo. Esta compreensão da validade do direito, repousa no respeito incondicional da pessoa humana o maior valor, o bem supremo a que todos os outros valores vão referidos nas suas posições axiológicas deste mundo. Função do jurista: assumir criticamente a ideia de direito e de a realizar histórico-concretamente. Natureza da lei injusta, a norma que não permita realizar concretamente a ideia de direito carece de validade e constitui preversão do poder legislativo. Prof. Doutor J. Daniel Tavares da Silva 27 Introdução ao Estudo do Direito FUNDAMENTO DA OBEDIÊNCIA À LEI Destino da lei injusta: A única atitude legítima em face de uma «lei injusta» é a de recusar a sua aplicação. Papel do juiz perante a lei injusta: A recusa da sua aplicação compete à função judicial que pode ser ideologicamente neutra, devendo, para tal, ser verdadeiramente independente, e não aceitar degradar-se a mera função burocrática. Intercâmbio entre o poder judicial e a universidade: A função judicial de apoiar-se e ser esclarecida pelas universitárias Faculdades de Direito, como instituição crítica com intencionalidade axiológica. A consciência ética da comunidade: A função judicial e a universidade devem representar a consciência ética da comunidade.