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Tarefas Práticas no

Aconselhamento Bíblico:
uma base teórica para sua formulação e uso

Pa u l D . Tr i p p 1

Uma das marcas metodológicas do porque seu uso é motivado pelas doutrinas
aconselhamento bíblico é o uso frequente centrais das Escrituras. Para o conselheiro
de tarefas práticas. Tarefas bem preparadas bíblico, teologia não é apenas uma questão
e apropriadas podem desempenhar um de conteúdo de fé e prática. A teologia bíblica
papel significativo no aconselhamento e no e exegeticamente fundamentada também
processo de mudança. Jay Adams escreveu: trata do processo de mudança de crenças e
“Os conselheiros bíblicos descobriram que comportamentos no que diz respeito tanto
as tarefas práticas são uma das forças mais aos métodos de aconselhamento (do ponto
vitais e eficazes que eles têm a seu dispor no de vista do conselheiro) como à santificação
aconselhamento”.2 Mas por que usar tarefas progressiva (do ponto de vista do aconse-
práticas? Certamente não encontramos tex- lhado). Os métodos de aconselhamento
tos bíblicos que ordenem diretamente o seu bíblico têm seu alicerce em uma teologia
uso. Jesus não disse ao jovem rico para listar bíblica. O que o conselheiro bíblico faz no
seus erros diários durante uma semana e aconselhamento - e pede ao aconselhado
voltar na semana seguinte! Será que o uso de para fazer - deve ter a mesma consistência
tarefas práticas não passa da mera descoberta bíblica daquilo que ele diz. As tarefas são
de uma técnica pragmática? uma extensão lógica e prática das crenças
Tarefas práticas têm sido uma ênfa- que distinguem o aconselhamento bíblico
se constante no aconselhamento bíblico dos demais sistemas de aconselhamento.
Neste artigo, trato de cinco doutrinas
que nos incitam ao uso de tarefas práticas.
Tradução e adaptação de Homework and Biblical
1 Uma vez estabelecida a base teórica para
Counseling. Publicado em The Journal of Biblical o uso e a formulação de tarefas, em outro
Counseling v. 11, n.2, Winter 1993, p. 21-25. artigo trabalharei tipos específicos de tarefas
2
ADAMS, Jay E. Ready to restore. Phillpsburg, N.J.: apropriadas para as diferentes fases do pro-
Presbyterian and Reformed, 1981, p. 72. cesso de aconselhamento e mudança.

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1. A doutrina das Escrituras são bíblica de si mesmo e dos seus problemas,
João, um membro bastante antigo à luz de quem Cristo é: “Mesmo quando
da igreja, está enfrentando dificuldades meu coração está partido, Ele, meu Consola-
ultimamente: sua esposa morreu após uma dor, socorre a minha alma”.4 A compreensão
longa enfermidade; sua farmácia está tendo bíblica conduz à ação, ou seja, a fazer aquilo
problemas com a concorrência; uma antiga que é biblicamente apropriado em cada si-
lesão na perna, herança do campo de fute- tuação. E o que as tarefas práticas têm a ver
bol, voltou a se manifestar e o deixou meio com isso? O conselheiro bíblico esforça-se
manco; a igreja comprometeu-se com um desde o início para promover uma imersão
projeto de construção, votando contra a do aconselhado na Palavra de Deus, de modo
posição verbalmente expressa por ele. João que aquilo que o aconselhado planeja alcan-
foi ficando cada vez mais mal-humorado, à çar com o aconselhamento seja cada vez mais
medida que a vida não lhe era favorável. Ele condizente com o plano bíblico. João talvez
está amargurado, desiludido, triste, cheio de quisesse desabafar suas queixas e provar para
queixas, de mal com Deus, com os vizinhos si mesmo e para você que não há esperança
e com as circunstâncias. Como ajudar João? na vida. Mas Deus quer que João se arrepen-
Que papel podem ter as tarefas práticas? da de suas murmurações e viva para a glória
Por definição, os conselheiros bíblicos dEle, mesmo em tempos difíceis.
estão comprometidos com a autoridade e As tarefas práticas permitem que o
suficiência das Escrituras. Com base neste aconselhado sonde as riquezas das Escritu-
compromisso, eles procuram olhar de um ras em busca de entendimento, convicção,
ponto de vista bíblico para os inúmeros pro- promessas e orientação. Quando concebidas
blemas atuais do ser humano. Por exemplo, biblicamente, elas dão ao conselheiro a
a Palavra de Deus trata detalhadamente do oportunidade maravilhosa de surpreender
problema de João em várias passagens sobre o aconselhado com a sabedoria prática das
a “murmuração” motivada por aquilo que Escrituras que lida singularmente com os
desejamos ardentemente ou tememos em detalhes da vida pessoal - vamos olhar para
situações de tensão.3 Consequentemente, pessoas que passaram por dificuldades, e
os conselheiros bíblicos querem ajudar seus ver como foram tentadas a reagir (Nm 11-
aconselhados a pensar biblicamente sobre as 21); vamos ver o que Deus fez em meio a
questões da vida. A mente de João precisa dificuldades que levaram pessoas a perceber
ser renovada. Ele precisa trabalhar diferente- a fragilidade de sua vida (Dt 8); vamos aten-
mente as dificuldades que está enfrentando, tar para o que Deus quer que façamos para
de acordo com o capacitação de Deus. lidar com a murmuração e o distanciamento,
O conselheiro bíblico oferece muito retornando a Ele (Fp 2.1-16).
mais que um ouvido atento e palavras de As tarefas práticas bíblicas exigem
conforto ou compreensão. Ele ouve. Ele é compromisso por parte do aconselhado.
compreensivo diante de um homem como Desde o início do aconselhamento, elas
João - “tentado, provado e falho”. Mas ele o colocam sob a autoridade de Deus, por
também conduz o aconselhado à compreen- meio das Escrituras. Todos os caminhos de

Números 11-21; Filipenses 2.14-16 etc.


3
Versos de Jesus, What a Friend for Sinners! (Jesus, que
4

Amigo para os Pecadores). Tradução livre.

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Deus são retos e todas as Suas palavras são de mim com a intenção de assumir o papel
verdadeiras, de modo que as tarefas práticas de aconselhado. Olhavam um para o outro
convocam o aconselhado a aprender a testar como o problema. Cada um dizia que tudo
cada questão à luz das Escrituras. Isso requer ficaria acertado se o outro mudasse.
por parte dos aconselhados um investimento Esta é uma situação difícil para um
sólido no estudo bíblico, que resulta em conselheiro, pois é como se não houvesse
uma sabedoria bíblica funcional a respeito um aconselhado na sala. Nem um nem
dos problemas da vida. As tarefas práticas outro está pronto a assumir a responsabi-
chamam o aconselhado a deixar de lado lidade pelos problemas no relacionamento
uma interpretação pessoal da vida e assumir ou pelas mudanças que devem acontecer. O
a interpretação de Deus. Isso requer que o aconselhamento não vai a lugar nenhum, a
aconselhado tenha uma vida motivada e menos que cada um deles comece a aceitar
moldada pelos princípios bíblicos e não mais a responsabilidade pelos problemas exis-
pelas emoções e desejos pessoais. tentes e mudanças necessárias. Como as
Em resumo, as tarefas práticas aplicam tarefas práticas podem ajudar a dar uma
a doutrina da autoridade e suficiência da Pa- nova orientação para a maneira de pensar
lavra à vida do aconselhado. Elas convidam dos aconselhados?
a pensar e agir em compatibilidade com Obviamente, a questão da responsabi-
os ensinos das Escrituras. Nossa doutrina lidade pessoal é de suma importância para
das Escrituras requer tarefas práticas que o aconselhamento bíblico. A Bíblia diz que
levem os aconselhados à Bíblia. cada um de nós é responsável perante Deus
e prestará contas de toda palavra e ação.
2. A doutrina da Deus nos chama ao autoexame, confissão e
responsabilidade do homem arrependimento honestos. Ele também nos
Quando Antônio e Francisca entraram chama a participar integralmente de Sua
em meu escritório, este era o quadro: Antô- obra de mudança. As Escrituras convocam
nio mantinha-se rígido e distante, enquanto cada um de nós a estar mais preocupado
Francisca já estava em prantos antes mesmo com a trave que há no próprio olho do que
que eu lhes dirigisse a primeira pergunta. com o cisco no olho do irmão. Deus pede
Passei os olhos no Inventário de Dados Pes- que substituamos o ato de apontar o dedo
soais5, apresentei-me e fiz minha primeira por um exame do próprio coração.
pergunta. “Digam-me o que os trouxe aqui Se a doutrina das Escrituras requer
hoje; o que pensam ser o problema?” Ambos tarefas práticas que levem os aconselhados a
pronunciaram ao mesmo tempo uma palavra ouvir a Deus, a doutrina da responsabilidade
apenas que resumia sua avaliação do pro- humana envolve um outro gênero de tarefa:
blema conjugal. Antônio disse: “Francisca”; olhar para si mesmo. Tarefas práticas têm a
Francisca disse: “Antônio”. Como conse- função de orientar o foco do aconselhamen-
lheiro, eu me deparava com um problema! to. O autoexame apropriado dá uma nova
Nem Antônio nem Francisca estavam diante direção, tirando o foco de atenção de sobre
as ações dos outros e orientando-o para a
5
NdT. Ficha de dados pessoais preenchida pelos
reação do próprio aconselhado diante das
aconselhados antes do primeiro encontro com o circunstâncias. As tarefas práticas conduzem
conselheiro. o foco de atenção para longe do aconselha-

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mento “profissional” e da crença mágica a estas vozes, já tão divulgadas entre nós, a
de que a mudança acontece supostamente inclinação natural do coração pecaminoso
durante aquela hora de encontro semanal. para construir argumentos bem desenvol-
As tarefas práticas fazem com que Antônio vidos para desculpar a si mesmo e culpar a
e Francisca assumam responsabilidade pela outros, fechando os olhos aos próprios erros.
participação no processo de mudança a cada Você começará, então, a entender quão im-
momento, a cada dia. portantes as tarefas práticas podem ser para
As tarefas práticas dão uma nova que o aconselhado envolva-se ativamente
orientação à esperança. Elas afastam a espe- no autoexame e em mudanças com base na
rança de que outras pessoas ou circunstâncias esperança e dependência em Deus. Nossa
mudarão e farão com que a vida se torne doutrina da responsabilidade do homem
mais fácil. Elas afastam a esperança de que requer tarefas práticas que induzam os
o conselheiro terá uma atuação poderosa aconselhados a pararem para avaliar a si
que resultará em mudança. Olhar para a res- mesmos apropriadamente.
ponsabilidade pessoal focaliza a atenção na
esperança em Deus e no poder do evangelho 3. A doutrina de Deus
para mudar o aconselhado. Jane estava com a voz trêmula ao reco-
As tarefas práticas requerem que o nhecer sua ansiedade a respeito de “tentar,
aconselhado, já nos primeiros estágios do mais uma vez, um aconselhamento. Estou
aconselhamento, comece a compreender uma pilha de nervos. Já consultei oito te-
a si mesmo diante de Deus, confie nEle e rapeutas. Fui hospitalizada e submetida a
caminhe responsavelmente diante dEle. Elas eletrochoque. Já tomei mais medicamentos
ajudam a manter o aconselhado responsável do que posso me lembrar. Já experimentei
por mudanças que precisam acontecer no fazer biofeedback. Tentei tomar decisões de
relacionamento com Deus e com o próximo. ano novo. Tirei férias. Tentei me ocupar em
O aconselhado não vem ao aconselhamento empregos na esperança de que isso fosse
para se sentar passivamente diante de um ajudar. Já participei de grupos de apoio.
guru. Pelo contrário, o conselheiro é um Também participei de encontros de cura
guia, um mestre que indica ao aconselhado interior para ver se conseguiria encontrar
a parte que lhe cabe no processo de mu- cura espiritual para minhas feridas interiores.
dança. Fui tão chata com meus amigos, que queimei
Os seres humanos são responsáveis, e todas as amizades. Tentei...” Como as tarefas
desta verdade resultam boas tarefas práticas. práticas poderiam ajudar Jane?
É algo importante a considerar, visto que Os conselheiros bíblicos distinguem-se
a força motriz da queda do homem e da de todos os demais conselheiros por acredi-
cultura atual caminha em direção oposta. tarem que Deus é quem opera mudança nos
Antônio e Francisca vivem em uma cultura aconselhados. O que distingue o aconselha-
que institucionalizou a transferência da cul- mento bíblico é a confiança em um Deus
pa. A “criança interior”, a “codependência”, Redentor que tem poder para transformar
a “família disfuncional”, o “filho-adulto de radicalmente o coração do homem. O con-
pais problemáticos” são sistemas que lançam selheiro bíblico vê a si mesmo não como o
sobre outros a culpa pelas atitudes e com- gerador de mudança, mas como um mero
portamentos do aconselhado. Acrescente instrumento nas mãos dAquele que é capaz

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de gerar mudança além do que qualquer da dependência no conselheiro e levam-na a
conselheiro ou aconselhado poderia pedir uma dependência de Deus cada vez maior e
ou imaginar. mais profunda. Esta noção de Deus permite-
O problema é que as pessoas perdem de lhe enfrentar sem medo os próprios erros, sua
vista a Deus em meio às pressões circunstan- fraqueza e incapacidade, pois a sua esperança
ciais e ao egocentrismo de seu coração. Este está em Deus. Livre da ansiedade, Jane está
não é um fenômeno novo. Israel, acampado apta para disciplinar sua atenção para aquilo
diante do Mar Vermelho, ficou aterrorizado que Deus a chamou para fazer e confiar em
quando percebeu que o exército egípcio o Deus com respeito àquilo que ela é incapaz
estava perseguindo. Israel perdeu de vista a de fazer.
Deus, Seu controle amoroso e Seu propósito Os nossos aconselhados precisam ver
redentor. Os primeiros versos de Êxodo 14 a Deus de acordo com quem Ele realmente
deixam evidente que a situação não escapara é. Jane precisa entender o envolvimento de
ao controle de Deus, que Israel não estava Deus em sua vida e o Seu plano para ela
entregue a si mesmo e que Deus tinha um como Sua filha. A existência e a atuação de
propósito em toda aquela circunstância. Deus devem se tornar a base principal para o
Jane não era diferente do povo de Is­ aconselhado interpretar a experiência pesso-
rael. Como os israelitas, ela perdeu de vista al. Os estudos bíblicos que contribuem para
a Deus, Seu senhorio sobre as circunstâncias formar uma perspectiva correta de Deus são
e Seu poder para capacitá-la na execução de vitais, incluindo aspectos como:
tudo quanto Ele a havia chamado a fazer em 1. quem é Deus: Seu caráter e Seus atri-
meio à situação que ela estava enfrentando. butos;
Com frequência, os aconselhados deixam de 2. como Deus opera: o processo de san-
interpretar as circunstâncias pela perspectiva tificação, Seu controle soberano, Sua
bíblica básica: Deus existe e Ele mantém graça e perdão;
todas as coisas sob Seu controle amoroso e 3. o relacionamento do aconselhado com
redentor. Por deixarem de olhar para a situ- Deus: identidade em Cristo e adoção
ação do ponto de vista de Deus, Seu caráter como filhos; como encontrar-se com
e Sua obra, eles respondem ao que está acon- Deus; como servir a Deus pela capaci-
tecendo como se estivessem sozinhos. O fato tação do Espírito Santo;
de ignorarem a Deus molda seu pensamento 4. estudos de caso nas Escrituras: Deus
e seu comportamento. operando em favor de Seu povo e Deus
As tarefas práticas oferecem uma opor- como cumpridor de Suas promessas.
tunidade maravilhosa para trazer Deus de As tarefas práticas que focalizam estas
volta à lembrança. As tarefas que apontam verdades a respeito de Deus colocam as
para Deus e Sua obra em favor de Seu povo circunstâncias e problemas do aconselhado
dão a Jane uma interpretação radicalmente dentro de uma perspectiva bíblica apro-
diferente das circunstâncias. As tarefas que priada.
a levam a estar ciente da presença de Deus A verdade dirige os olhos do aconse-
ajudam-na a perceber com clareza quais lhado para longe dos dilemas do momento
aspectos da situação são de sua responsabi- e leva-o a olhar com confiança e esperança
lidade e quais ela deve entregar a Deus. As para Aquele que é o Autor e Consumador
tarefas centradas em Deus tendem a afastá-la da fé. É importante fazer algo mais que sim-

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plesmente falar sobre estas verdades com os cia, compulsão, personalidade borderline,
aconselhados. Eles precisam se envolver no transtorno de controle dos impulsos, filhos-
processo de examinar as Escrituras para que adultos de pais problemáticos, e assim por
a presença poderosa de Deus fique marcada diante. Há problemas mais profundos que
para sempre em seus corações. Nossa dou- hábitos, ações, palavras e autopapo. O con-
trina de Deus requer tarefas práticas que selheiro bíblico preocupa-se com muito mais
conduzam os aconselhados a um encontro que a mera substituição de comportamentos,
com Deus. sentimentos ou pensamentos. O conselheiro
bíblico preocupa-se em alcançar a raiz do
4. A doutrina do pecado problema do aconselhado.
Quando Jorge e Maria procuraram-me A preocupação com o “coração”,
para um aconselhamento conjugal, ficou conforme definido pela Bíblia, é própria do
evidente que os problemas com que estavam conselheiro bíblico. Trata-se de uma ênfase
lidando não eram novos. Seu casamento radical diante de uma cultura que nem
sempre fora caracterizado por conflitos. Jorge mesmo acredita na existência do coração. Na
era um trabalhador inveterado, exigente e psicologia moderna, o termo “coração” é um
perfeccionista, que via o fracasso como uma anacronismo. Nas psicologias cristianizadas,
maldição e as horas vagas como um sinal o termo “coração” vem carregado de todo
de irresponsabilidade. Seu hábito era exigir tipo de bagagem secular: ouvimos falar em
muito de Maria e julgá-la severamente sem- “coração ferido” ou “coração necessitado”, e
pre que o trabalho dela não resultasse em um no coração como um “depósito de feridas re-
sucesso tremendo. Suas conversas com Maria primidas e memórias traumáticas”. Nenhu-
e os filhos eram negativas e cínicas. ma destas definições é verdadeira. A causa
Maria era uma mulher que nutria dos problemas do homem é inevitavelmente
muita ira e relembrava diariamente os erros mal diagnosticada quando as categorias se-
cometidos contra ela por Jorge. Ela era capaz culares controlam o diagnóstico.
de lembrar estes incidentes nos mínimos Os nossos aconselhados certamente
detalhes. Em sua maneira de agir, ela travava estão debaixo da influência do atual debate
uma guerra diária contra Jorge e o atacava cultural a respeito do “problema” do homem.
repetidamente. Mesmo assim, Maria não Se queremos que uma mudança profunda
se considerava uma pessoa irada. Ela não e duradoura aconteça, o aconselhado pre-
via erro em si mesma, e se considerava uma cisa entender o problema biblicamente. O
vítima desamparada que suportava uma vida aconselhado precisa chegar a uma definição
infernal. Como entender o problema de Ma- bíblica de pecado, e esta definição não
ria? Como as tarefas práticas contribuiriam pode deixar de incluir uma abordagem do
para uma melhor compreensão do problema coração.
por parte de Maria e do conselheiro? As Escrituras declaram que a raiz dos
Os problemas dos aconselhados vão problemas do homem está no coração. As
além do mero comportamento. São mais raízes do pecado estão lá. São as raízes do
profundos que os sentimentos. São mais coração (Hb 4.12; Gn 6.5) que produzem
profundos que os rótulos que nossa cultura os frutos que vemos em ações e palavras.
lhes atribui: baixa autoestima, codependên- Aquilo que controla o coração molda o

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comportamento. Aquilo que controla o a estes desejos “acampados” no coração,
coração influencia cada aspecto da vida de as pessoas lutam umas contra as outras. É
uma pessoa. vital que o aconselhado reconheça e assuma
Cristo expressou essa verdade em lin- responsabilidade pelos pensamentos e inten-
guagem clara e simples: o bem vem daquilo ções do seu coração, pois estes determinam
que há de bom no coração, e o mal procede a maneira como ele responde à vida. Como
daquilo que há de mau no coração. Os podemos criar tarefas práticas específicas a
problemas evidentes nos frutos estão direta- partir da doutrina do pecado?
mente relacionados a problemas nas raízes. Pedi a Maria para registrar num diário
Ainda assim, poucos aconselhados vêm a nós as suas interações com Jorge. Eu lhe disse que
com intenção de examinar o coração. Na queria que ela fizesse as anotações durante
maioria das vezes, planejam lidar apenas com algumas semanas, e depois eu ficaria com o
o exterior. Eles querem que o “problema” diário por uma semana para estudá-lo. Eu sa-
circunstancial seja removido ou contornado bia que a ira seria um dos temas registrados,
para que possam voltar a ser felizes. Ou talvez e eu estava certo. Peguei o diário e marquei
planejem lidar com o interior apenas para em vermelho todos os lugares onde a ira
remover sentimentos desagradáveis. era evidente. O diário ficou, literalmente,
Ezequiel 14.5 diz que a intenção de vermelho de ira. Enquanto Maria estava
Deus é diferente: “apanhar o próprio co- fazendo suas anotações, eu lhe pedi para
ração” daqueles que se afastam dEle. Deus estudar Ezequiel 14.1-5, Lucas 6.43-44 e
recaptura o coração daqueles que Lhe per- Tiago 4. Ela começou a olhar para o próprio
tencem para que O sirvam, e O sirvam com coração, e perceber a ira que a dominava e
exclusividade. O conselheiro bíblico deve ter como esta ira moldava seu comportamento
em mente esta mesma intenção. para com Jorge.
Mais uma vez, as tarefas práticas assu- Os registros cuidadosos num diário,
mem papel de importância. As Escrituras associados ao estudo bíblico sobre o cora-
funcionam como um espelho. À medida ção, despertam e orientam o aconselhado
que o aconselhado olha atentamente para a para que assuma responsabilidade por uma
Palavra, ele vê a si mesmo como de fato é. mudança profunda na raiz do problema. Eles
Hebreus 4.12 diz que a Palavra é o melhor atuam corrigindo as falsas pressuposições
instrumento para revelar os mistérios do culturais a respeito da causa do problema
coração. Ela é capaz de penetrar e expor os e dissipam a cegueira causada pelo engano
pensamentos e intenções que há no coração do pecado.
e que moldam o comportamento do acon- O pecado é identificado à luz de suas
selhado. alternativas: retidão, ação pacificadora, amor,
O aconselhado precisa reconhecer obediência e solução de problemas. À medi-
que seu coração interage com tudo quanto da que Maria identificava o que estava errado
acontece ao seu redor, e se seu coração estiver (despojar-se), ela também começava a ver o
controlado por algo que não seja Deus, ele que Deus queria que ela fizesse (revestir-se),
não responderá às circunstâncias conforme acolhendo o evangelho de Cristo. As tare-
Deus ordena. Por exemplo, Tiago apresenta fas práticas lidaram especificamente com
os desejos que militam no coração como a habilidade de ser pacificadora: buscar o
causa dos conflitos interpessoais. Devido perdão, aprender a confrontar com amor e

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humildade e praticar atos tangíveis de amor o chamado do corpo de Cristo ao ministério
mesmo quando o próximo estivesse agindo pessoal.
como inimigo. O que tudo isso tem a ver com as
As tarefas práticas são ocasião para tarefas práticas? Elas oferecem uma oportu-
planejar aquelas “boas obras, as quais Deus nidade para que o aconselhado compreenda
de antemão preparou para que andássemos o propósito divino de santificação e participe
nelas” em situações específicas. Nossa dou- deste processo. As tarefas fazem com que
trina do pecado requer tarefas práticas o aconselhado seja ativo nas disciplinas da
que ajudem os aconselhados a repensar a santificação, particularmente o estudo da
maneira de compreenderem seus proble- Palavra, a consistência no aplicar a Palavra
mas, e os dirijam a mudanças específicas em atos de fé e obediência, e a submissão
em sua vida. ao ministério de edificação, encorajamento
e admoestação do corpo de Cristo.
5. A doutrina da santificação As tarefas práticas ensinam ao aconse-
progressiva lhado que o crescimento na graça não vem
Josué disse: “Mas eu tenho tentado, eu por meio de raios, trovões e encontros mila-
tenho feito tudo quanto Deus manda fazer grosos, mas pela aplicação humilde, honesta,
para lidar com a cobiça, e nada funciona. Já obediente e prática da Palavra de Deus a
me arrependi. Orei e me submeti totalmente detalhes específicos da vida diária. No pro-
ao Senhor. Eu já repreendi Satanás. Às vezes cesso de santificação, Deus chama Seus filhos
penso que o problema está resolvido, de uma a nada mais que seguir, permanecer firmes,
vez por todas, e um mês depois acabo caindo abandonar, confiar, despojar-se e revestir-se,
de novo”. O conselheiro fez mais perguntas correr, obedecer, mortificar, estudar, fugir,
sobre aspectos diversos: as circunstâncias que resistir etc. As tarefas práticas aplicam este
envolviam as quedas de Josué na imoralida- chamado de Deus a situações específicas da
de, o quanto Josué já havia compartilhado vida do aconselhado. Elas transportam de
as suas lutas com algum cristão maduro, e um plano abstrato para um plano concreto
se ele estava à procura de uma solução de- a ordem para resistir, abandonar, seguir e
finitiva. As respostas eram previsíveis. Josué revestir-se. No contexto de uma situação
não conhecia praticamente nada sobre o pessoal, as tarefas práticas levam o aconse-
andamento da vida cristã e os meios de graça lhado a fazer aquilo que Deus o chamou a
que Deus usa. fazer como participante de Sua misericórdia
Quais são os meios que Deus usa para santificadora.
a santificação de Seus filhos? Os três que As tarefas práticas também combinam
mais se destacam no Novo Testamento são: bem com a natureza prolongada do processo
a Palavra de Deus, a providência de Deus e o de santificação. As metáforas de santificação
ministério de edificação do corpo de Cristo. nas Escrituras - participar de uma corrida,
O aconselhamento nada mais é que isto: o deixar de ser uma criança para ser um adul-
ministério da Palavra, de crente para crente, to, e desenvolver-se de semente para planta
no contexto daquilo que Deus está operando madura - retratam a santificação como um
em cada situação pessoal. O aconselhamento processo demorado. Na realidade, é um pro-
bíblico reconhece a autoridade da Palavra, a cesso que se estende ao longo de toda a nossa
soberania de Deus sobre as circunstâncias e vida. As tarefas práticas ajudam a afastar o

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aconselhado da esperança de uma “solução Nossa doutrina da santificação progressiva
instantânea”. Elas ajudam o aconselhado a requer tarefas práticas que encorajem os
abraçar o processo divino de mudança passo- aconselhados no processo de mudança e
a-passo. As tarefas práticas mapeiam cada que os leve a interagir com outras pessoas
passo significativo dado pela graça de Deus, ao longo do percurso.
colocando marcos para os quais o aconselha-
Resumo
do pode voltar a olhar em espírito de louvor
ŠŠNossa doutrina das Escrituras requer
a Deus. Um diário ou caderno de tarefas
tarefas práticas que levem os aconse-
funciona como um registro encorajador do
lhados à Bíblia.
progresso alcançado à medida que Deus usa
o aconselhamento para dar continuidade à ŠŠNossa doutrina da responsabilidade do
Sua obra santificadora. homem requer tarefas práticas que in-
Por último, as tarefas práticas desa- duzam os aconselhados a pararem para
fiam a atitude de “direito à privacidade” avaliar a si mesmos apropriadamente.
que muitos crentes procuram defender na
ŠŠNossa doutrina de Deus requer tarefas
vida cristã. Com frequência, a santificação
práticas que conduzam os aconselhados
é vista como uma questão particular, en-
a um encontro com Deus.
tre a pessoa e Deus. Mas é impossível ler
Efésios 4 e 1Coríntios 12 e concluir que a ŠŠNossa doutrina do pecado requer
santificação é uma preocupação individu- tarefas práticas que ajudem os aconse-
al. A natureza das tarefas práticas requer lhados a repensar a maneira de compre-
prestação de contas e submissão a outro enderem seus problemas, e os dirijam a
crente, exigindo que o aconselhado seja mudanças específicas em sua vida.
honesto diante de Deus e também diante
ŠŠNossa doutrina da santificação progres-
de um dos Seus instrumentos de reden-
siva requer tarefas práticas que enco-
ção - o conselheiro. Um ótimo exemplo
rajem os aconselhados no processo de
é o livro devocional de Jay Adams, Four
mudança e que os leve a interagir com
Weeks with God and Your Neighbor (Qua-
outras pessoas ao longo do percurso.
tro Semanas com Deus e seu Próximo),
planejado para ser usado pelo aconselhado Tarefas práticas são uma parte essencial do
durante a semana e compartilhado com o aconselhamento bíblico. Usá-las é coerente com
conselheiro no encontro. Sua leitura cha- as doutrinas que constituem o fundamento do
ma o aconselhado a abandonar o orgulho e aconselhamento verdadeiramente bíblico, con-
o medo que fazem com que ele se esconda forme ilustrei com os cinco exemplos acima. As
daqueles que Deus levantou para o aju- tarefas práticas são oportunidade para que estas
dar, ser honesto e agradecer a Deus pelos doutrinas passem a ser princípios operantes na
recursos de ajuda que Ele providenciou. vida diária de cada aconselhado.

68 Coletânea de Aconselhamento Bíblico  Volume 2

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