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1) urdume;
2) parte superior da caixa do
palco, onde se acomodam as
roldanas, molinetes, gornos e
ganchos destinados às manobras
cênicas; fig. urdidura, ideação,
concepção.
etm. urdir + mento.
ISSN 1414-5731
Revista de Estudos Pós-Graduados em Artes Cênicas
Número 07
CONSELHO EDITORIAL
________________________________________________
Edélcio Mostaço
editor
URDIMENTO é uma publicação anual do Programa de Pós-Gra-
duação em Teatro do Centro de Artes da Universidade do Esta-
do de Santa Catarina. As opiniões expressas nos artigos são de in-
teira responsabilidade dos autores. A publicação de artigos, fotos e
desenhos foi autorizada pelos responsáveis ou seus representantes.
FICHA TÉCNICA
________________________________________________
Editor: Prof. Dr. Edélcio Mostaço
Secretário de Redação: Afonso Nilson Barbosa de Souza
Secretária do Mestrado: Maria Cristina D’Eça Neves Luz da Conceição
U58 u
Urdimento – Revista de Estudos Pós-Graduados em Artes
Cênicas /
Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de
Pós-Graduação em Teatro. – Vol 1, n.07 (Dez 2005) –
Florianópolis:UDESC/CEART
Anual
ISSN 1414-5731
1. Teatro - periódicos.
2. Artes Cênicas – periódicos.
3. Programa de Pós-Graduação em Teatro.
Universidade do Estado de Santa Catarina
CDD 792
PROFESSORES PERMANENTES
________________________________________________
André Luiz Netto Carreira
Antônio Vargas
Beatriz Ângela Vieira Cabral
Edélcio Mostaço
José Ronaldo Faleiro
Márcia Pompeo Nogueira
Milton de Andrade Leal Jr.
Valmor Beltrame
Vera Regina Collaço
PROFESSORES VISITANTES
____________________________________________
Armindo Jorge de Carvalho Bião – UFBA
Beti Rabetti – UNIRIO
Walter Lima Torres – UFPR
Meierhold afirma que para improvisar o ator precisa estar alegre: “O ator
só é capaz de improvisar quando se sentir alegre interiormente. Fora da
atmosfera da alegria criadora, do júbilo artístico, o ator não se descobre nun-
ca em sua plenitude” (CONRADO, 1969: 197). Alegria ou júbilo, vazio, ple-
nitude e improvisação, para Brook e Meierhold, são idéias entrelaçadas. A
Mulher Sorridente é uma figura estilizada de mulher, cuja aparência poderia
ser comparada à rudeza de um desenho infantil. Os traços da escultura são
os minimamente necessários para expressar seu estado de contentamento.
No mesmo texto em que se refere à escultura, Brook fala que se tivesse uma
escola de teatro começaria por coisas básicas: “iniciaríamos a estudar como
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sentar, como ficar de pé, como levantar um braço [...] estaríamos apenas
aprendendo a ser atores” (BROOK, 1994:307). A Mulher Sorridente é, para
Brook, uma representação simbólica do ator vazio, isto é, aberto, disponí-
vel, pronto para expressar uma imagem. Em sua percepção o vazio visa a
plenitude e a plenitude é como o vazio: inesgotável. Esta pode ser
considerada uma noção ampla de ator vazio, que na prática se concretiza
através de uma série de aspectos técnicos.
Isso é tudo o que Peter Brook tenta evitar. Ele aposta no contrário disso.
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Ou seja, que a história, as emoções, os sentidos, tudo, enfim, se estabeleça
a partir da relação concreta entre os atores, em cena. E o começo pode ser
qualquer coisa. Fiz uma outra oficina, em junho de 2002, com a atriz Lilo
Baur, que atuava na montagem de A Tragédia de Hamlet de Peter Brook, em
turnê pelo Rio de Janeiro, nessa época. Uma das improvisações que fizemos
era a seguinte: dois atores se encontravam, se sentavam e se cumprimen-
tavam com um “Bom dia”. De cada encontro surgia uma história diferente.
O modo como os atores sentavam, o tempo que cada um levava para
dizer “Bom dia”, a respiração, as pausas, se o “Bom dia” era repetido uma,
duas, três vezes ou mais, por cada ator, o modo de um ator olhar para o
outro, se os atores olhavam para a platéia, a reação da platéia, que por sua
vez, gerava no ator uma nova reação, se um ator sentava e levantava, e
repetia algumas vezes essa ação: a variação desses elementos, e tantos
outros que apareceram na hora, multiplicavam as histórias, os personagens
e as impressões. Nada era previamente elaborado. Tudo acontecia no ato, a
partir da relação dos atores entre si e destes com os espectadores.
Brook fala de uma improvisação, feita por uma atriz do CIRT³, num alber-
gue português, em Paris, bastante significativa:
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aos sentidos, também aparentes, do texto, abrir um universo de significados
e possibilidades antes invisíveis, inaudíveis e imperceptíveis.
Experimentar uma nova forma teatral objetivava uma relação nova com
o espectador, e isso implicava mudar os contextos, e para mudar os con-
textos era preciso deslocar-se. Viajar tornou-se uma necessidade para as
pesquisas de Brook e seu grupo internacional de atores. Eles foram para a
África e para os Estados Unidos, onde fizeram uma espécie de teatro impro-
visacional, os carpet shows ou espetáculos do tapete. Esse foi o caminho
para a descoberta de uma forma viva e original de fazer teatro. A improvisa-
ção e os exercícios eram uma maneira de escapar do teatro morto, nos dois
principais sentidos que Brook dá a esse termo, quais sejam, um mau teatro
e um teatro que começa a morrer no dia em que nasce. Seu objetivo era
“confrontar o ator o tempo todo com suas próprias barreiras, nos pontos em
que, no lugar da verdade de uma nova descoberta, ele coloca uma mentira”
(BROOK, 2000: 119).
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ponto infinito de possibilidades. Mas essa é na verdade a intenção. Não
significa que seja fácil ou mesmo possível de se conseguir, ao contrário, é
muito difícil. Partir do vazio requer um longo e rigoroso aprendizado. Manter
potencialmente o vazio numa experiência exige mais ainda do ator. Exige
que ele aprenda a repetir diferente. Todos os atores, de qualquer tipo de
linguagem ou tradição, sabem que uma apresentação nunca é igual à outra.
Isso é quase um chavão no mundo teatral. Uma coisa nunca é idêntica à
outra, pois a vida é um devir e não há repetição no tempo. A premissa pode
ser verdadeira, mas exercê-la é uma tarefa complexa e muito sutil.
Retirar excessos e provocar rupturas geram um deslocamento que permite
um permanente ajuste de posição, e que pode, efetivamente, criar uma rela-
ção dinâmica e viva entre o teatro e o seu público. Isso pode ocorrer proposi-
tadamente, por pura necessidade, ou por acaso. É importante ressaltar que,
num processo criativo, as melhores descobertas surgem inusitadamente,
mesmo quando se tem objetivos definidos e se provoca intencionalmente al-
guma coisa. Ao lado do desenvolvimento técnico que ampara, que sustenta
o processo de criação, deve haver sempre um espaço vazio, um lugar aberto
para o inesperado.
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apenas com portas e sacadas, permitia a Shakespeare explorar o imaginário
do espectador, sugerindo sucessivas imagens capazes de dar conta de todo
o universo físico. Essa liberdade, todavia, acredita Brook, não estava somen-
te na ausência de cenário, mas principalmente no favorecimento que este
teatro proporcionava à passagem do mundo da ação para o mundo psíquico,
das impressões interiores. Peter Brook compara essa passagem à mudança
de plano no cinema: para ele uma relação ideal com um ator verdadeiro num
palco sem cenário seria como a passagem contínua de um plano geral para
um close. É exatamente a mobilidade desse código que lhe confere leveza,
e é essa mobilidade que caracterizava o teatro elisabetano, a mesma que
Brook deseja para o teatro: quanto mais mobilidade, mais flexibilidade, mais
nudez, mais leveza e maior o alcance.
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quer ser trapaceado, não quer o escondido, ele quer deliberadamente fazer
parte do jogo do imaginário.
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aventurar em suas viagens apresentando espetáculos sobre o tapete. Os
frutos desta experiência reafirmaram sua perspectiva sobre o ator criativo.
Um ator verdadeiramente criativo é sempre um espaço vazio. É um ator que
se arrisca a abandonar as formas encontradas e fixadas, do primeiro ao últi-
mo ensaio, ou durante a temporada; que é capaz de abrir mão de um gesto,
de uma marca, de uma fala, de uma conquista e recomeçar. O ator vazio é
um ator aberto às novas descobertas, às novas formas, um ator capaz de ser
no tempo, um ator que entende que uma repetição pode ser sempre diferen-
te, se ele estiver disposto a se recolocar.
Notas __________________________________________
¹ Brook par Brook: portrait intime. Direção: Simon Brook. 2001. (filme)
² O Actor’s Studio foi fundado em 1947 por Cheryl Crawford, Elia Kazan e
Robert Lewis. Lee Strasberg, inicialmente professor do Actor’s Studio, se
tornou diretor da Escola em 1952, e desenvolveu ali um método baseado no
Sistema de Stanislavski.
³ Em 1970, Peter Brook criou juntamente com Micheline Rozan o Centro
Internacional de Pesquisas Teatrais (Centre International de Recherches
Théâtrales) – CIRT; Em 1974 eles fundaram o Centro Internacional de Cria-
ções Teatrais (Centre International de Créations Théâtrales) – CICT. CIRT e
CICT são dois centros, de pesquisa e criação, que coexistem para uma série
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de atividades simultâneas.
Bibliografia____________________________________
ARTAUD, Antonin. Linguagem e vida. tradução: J. Guinsbrug e
outros. São Paulo: Perspectiva. 1995.
BRECHT, Bertol. Teatro dialético. tradução: Luis Carlos Maciel.
Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1967.
BROOK, Peter. O teatro e seu espaço. tradução: Oscar Araripe e
Tessy Calado. Petrópolis: Vozes, 1970.
___. O ponto de mudança: quarenta anos de experiências tea-
trais: 1946-1987. tradução: Antônio Mercado e Elena Gaidano.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994.
___. The open door – thoughts on acting and theatre. New York:
Theatre Communications Group, 1995.
___. The empty space. New York: Touchstone, 1996.
___. Fios do tempo: memórias. tradução: Carolina Araújo. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
CAMUS, Albert. O mito de Sísifo: ensaio sobre o absurdo. tradu-
ção: Mauro Gama. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1989.
CHENG, François. Vide et plein – le langage pictural chinois. Pa-
ris: Éditions du Seuil, 1991.
CONRADO, Aldomar (org.).O teatro de Meyerhold. tradução: Al-
domar Conrado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969.
GROTOWSKI, Jerzy. Em busca de um teatro pobre. tradução: Al-
domar Conrado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1987.
KOTT, Jan. Shakespeare nosso contemporâneo. tradução: Paulo
Neves. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A gaia ciência. tradução: Márcio
Pugliesi, Edson Bini e Norberto de Paula Lima. Rio de Janeiro:
Ediouro, s/d.
OIDA, Yoshi. Um ator errante. tradução: Marcelo Gomes. São
Paulo: Beca, 1999.
ROSSET, Clément. Alegria: a força maior. tradução: Eloisa Araújo
Ribeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000.
Referência Filmográfica________________________
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O Desempenho Atoral Rapsódico
________________________________________________
Nara Keiserman*
A denominação de “rapsodo” para este ator foi adotada por Nunes para
reforçar a identificação com o modo épico de exposição de relatos, remeten-
do aos rapsodos gregos que recitavam trechos da Ilíada e da Odisséia.
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mobilizados pelo diretor estão numa estatura de signos, vocabulário e gra-
mática, que apresentam ostensivamente a sua condição de código.
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põem através de diálogos ou, como ocorre muitas vezes em Cândido, este
personagem fruto do relato é também incumbido de narrar.
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Nada disso, entretanto, elimina a sinceridade da atuação. Mesmo
transitando nas categorias do grotesco, da tipificação ou do melodrama,
como ocorre em algumas montagens do Núcleo, o ator trabalha lidando com
a verdade da cena. Os traços que vão marcar suas composições estão fun-
dados em aspectos reconhecíveis do caráter do personagem, e distinguíveis
no texto. O ator rapsodo não necessita de uma psicologia que justifique suas
ações, já que a aproximação entre o ator e o personagem não se dá pela via
da identificação, mas por um acesso determinado pelo exercício constante e
claro de um ponto de vista. É este que vai atuar para o estabelecimento da
lógica, dos objetivos, da linha contínua da ação – para usar a terminologia
de Stanislavski. O ponto de vista será sempre o do narrador, falando em seu
próprio nome, ou filtrado pelo personagem em nome de quem fala neste ou
naquele momento.
Modo de elaboração
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continuidade entre uma montagem e outra. A personalidade artística de cada
ator, presente em todas as montagens, por si só já determina um parentesco
entre elas.
Luz geral para a cena um. Inicia-se O Desgraçado e aquilo que se conta
é contado por todos. Com o texto narrativo dividido entre todos os atores, um
deles personifica o personagem título do conto. Todos se movimentam numa
dinâmica muito ágil, formando e desfazendo grupos de narradores, que por
vezes envolvem o protagonista, em outras são ouvintes que comentam entre
si – por atitudes, ou pequenas falas - o que está sendo narrado. As cadeiras
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estão espalhadas pela cena, permitindo a realização de diferentes trajetó-
rias, e usadas pelos atores para a composição de quadros com vários planos
e alturas diferentes.
Fui uma das narradoras incumbida, como parte deste coral rapsódico,
de contar as conseqüências da tara sexual do Peixoto. A elaboração que fiz
para cumprir esta função está norteada pela busca de um corpo participati-
vo, envolvido no relato e envolvente em relação a Peixoto. Há pouco espaço
para reflexão, no sentido de ação interior. A reflexão que possa fazer sobre
o que estou ouvindo é imediatamente exteriorizada, em atitude e jogo de
ocupação do espaço.
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boca. No decorrer dos ensaios, passei a ouvi-las internamente, mas ainda
não conseguia reproduzir o que ouvia. Finalmente, com muito empenho e
inúmeras repetições fui conseguindo fechar o espaço entre escuta interior e
elocução.
Fui emitindo o que ouvia cada vez com mais nitidez e só depois é que
pude observar os intervalos e extensão alcançados. A personagem ganhou
em determinação e a atriz que se movimentava tornou ainda mais enfática a
sua composição corporal de qualidade grotesca.
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cena com eles e volta para finalizar a narração.
Estou no coro dos vizinhos que vêm bisbilhotar o que está acontecendo,
atraídos pelos gritos de Luciana. Destaco-me por um momento, para falar
em nome da amiga que a aconselha a acalmar-se e volto a me integrar ao
coro. Construí a corporeidade desta vizinha sobre uma idéia de espanto pelo
que ouve e vê. A boca e olhos bem abertos, ombros elevados, como quem
levou um susto e aí ficou. Utilizei essa mesma construção na montagem de
2002.
Os movimentos que levam os atores de uma pose para outra são sem-
pre muito lentos e seu desenho no espaço está impregnado de significações.
Esta qualidade confere-lhes a mesma estatura expressiva desempenhada
pelas próprias poses.
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estão sentados, desta vez, ao redor da área de ação e iluminados. Ao invés
da ação plasmada em quadros fixos, temos a ação contínua, como se fosse
Paixão num tempo mais cotidiano, e não esgarçado como é utilizado ali. Se
os personagens fossem os emissores do seu texto, seria tão realista quanto
Selvageria.
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No caso de Dorinha, a pose carrega um grau de tensão que é mantido
nos movimentos de passagem.
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chão e o outro encostado no joelho. Repito esta seqüência algumas vezes,
de maneira sincronizada com a música e com o texto em que Marlene seduz
Leocádio ao telefone.
Estou no coro das tias. Parti de uma idéia de extrema contenção para
estabelecer o tronco ereto, rigidamente colocado. O movimento rápido da
mão que movimenta o leque provocou uma repercussão nos ombros, que
se movimentam com a mesma qualidade do movimento das mãos, em for-
tes sacudidas ritmadas, durante as locomoções. Movimentos pontuados de
cabeça, com inclinações firmes do tronco na direção dos focos de atenção,
completam a composição.
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ças, na medida em que ele vivencia estados emocionais diversos. Trata-se,
portanto, para o ator, de estar disponível para a manipulação e também para
o personagem, emprestando diferentes graus de tensão para diferentes par-
tes do corpo, modificando-os instantaneamente quando necessário.
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Não sei exatamente por que caminhos vivifico meu aparato emocional, mas
posso dizer que a expressão do choro incontido vem com o gesto impingido
pelo manipulador, vem com o próprio texto, não importando se este é gerado
por mim ou por quem está atrás de mim e tem o comando.
Esta cena foi a que nos deu mais trabalho, que mais tempo de ensaios
exigiu e preciso confessar que, diferentemente das outras, a execução des-
sa cena nem sempre me satisfez - e isto nas duas montagens.
O Justo foi concebido com uma particularidade. A trilha sonora foi sendo
concebida simultaneamente à cena. Compúnhamos os movimentos sobre a
música sugerida. Não podemos supor uma execução desta cena sem essa
música que a fundamentou.
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dos tornozelos, mangas compridas, chapéu alto e reto, empresta uma so-
briedade européia (sinto-me uma mulher russa) a esta figura reprimida pela
autoridade incontestável do marido. A situação terrível - a filha adotiva apare-
ce grávida e todos os homens da casa são suspeitos da paternidade – trou-
xe-me os ombros altos, para frente, mãos entrelaçadas na altura do peito,
boca apertada com os lábios repuxados para baixo. A posição atrás da mesa
obriga a movimentos largos e definidos de tronco. O fato de ter concebido a
partitura de falas e gestos do personagem sobre a música, trouxe-me uma
clareza nos tempos da respiração utilizados, como se viesse daí o tempo-
ritmo da expressão fisicalizada do personagem.
Faço o papel de Sônia e aqui temos uma vantagem do épico. Sou muito
mais velha que o personagem (notadamente na segunda montagem, reali-
zada dez anos depois da primeira) e isso não tem a menor importância. Não
pretendo me fazer passar por Sônia, mas faço o seu papel, represento-a.
Então vou muito à vontade, em movimentos largos e ondulantes, seduzindo
Sandoval pelo telefone, com voz grave e provocante. Desfaço essa voz, que
é truque do personagem para impressioná-lo, e passo para uma voz mais
adequada à sua juventude, mais aguda, esfuziante. Minha chave é a leveza,
a presteza em passar de uma situação para outra, na alegre irresponsabi-
lidade dos atos do personagem. Mesmo nas falas de narração mantenho o
tom de agrado pelo modo como os acontecimentos vão se desenrolando.
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A cena termina quando Sandoval, pressionado por Domício, vem jantar
novamente na casa do casal. Sentamo-nos os três à mesa, ao redor de uma
sopeira e eu anuncio, singelamente, que jantamos.
Temos vários níveis de narração: Myrna (feita por uma única atriz, dife-
rentemente do que ocorre nas cartas, em que se tem sempre o coletivo de
narradores) é onisciente e introduz os personagens que ilustram a história
de Lúcia, a protagonista. Estes personagens se expressam através de diá-
logos e, algumas vezes, estão encarregados de falas em que narram o seu
passado. Lúcia trafega entre estes os dois mundos, o habitado por Myrna e
o dos personagens que presentificam a sua história. É a única a perceber a
presença de Myrna junto a ela, fazendo-lhe confidências e manifestando, em
linguagem narrativa, pessoalizada, os seus desejos, angústias, esperanças.
Constitui-se, assim, em uma colaboradora na narração da história, chegando
mesmo a completar frases iniciadas por Myrna.
A manipulação ostensiva com que Myrna conduz o relato faz com que
os atores, na composição dos seus personagens, adotem uma corporeida-
de que sugere a presença de um manipulador imaginário, o que resulta em
gestos extremamente desenhados no espaço e sustentados no tempo. Pró-
ximos à impostação melodramática, e sem ferir qualquer princípio de veros-
similhança, possuem acentos descotidianizados e complexos.
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um folhetim que se preze, à medida que ia realizando as modificações ne-
cessárias para a transposição do texto para o palco. Portanto, lidávamos,
para a criação das primeiras cenas, com informações incompletas sobre os
personagens e a trama.
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inequívoca de solidão, carência e abandono.
No trabalho que fiz com o Núcleo Carioca de Teatro, foi este persona-
gem, o de Virgínia, que me ofereceu maiores oportunidades de composição
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elaborada. Nos contos encenados ou na novela de Voltaire há uma quali-
dade de síntese, de precipitação dos acontecimentos que favorece, inclusi-
ve, o tipo de teatralidade que nos interessa pesquisar, a da essencialidade.
Notas__________________________________________
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Alexandre Bordalo e João Paulo Pantoja; Cenário: Carlos Alberto Nunes;
Figurino: Francisco de Figueiredo; Direção Musical: Demetrio Nicolau; Ilumi-
nador: Luis Carlos Nem; Preparação Corporal: Natasha Corbelino; Assisten-
te de Direção: Alex Machado; Diretor de Produção: Francisco de Figueiredo.
A VIDA COMO ELA É, segunda montagem. Estréia no Teatro Carlos Go-
mes, Rio de Janeiro, 2002. Elenco: Maria Esmeralda Forte, Nara Keiser-
man (substituída por Dayse Pozzato na segunda temporada), Francis-
co de Figueiredo, Ivo Fernandes, Eliane Costa, Isaac Bernat, Isabela
Lomez, Thiago Magalhães. Cenário e Figurino: Alziro Azevedo, reprodu-
zidos por Carlos Alberto Nunes e Francisco de Figueiredo; Trilha Sono-
ra: Geraldo Torres; Iluminação: Rogério Wiltgen; Máscaras: Fernando
Sant’Anna; Adereços: Carlos Alberto Nunes; Maquiagem: Francisco de
Figueiredo; Assistente de direção: Alexandre Bordalo; Produção Executi-
va: Marília Milanez e Analu Tannuri; Direção de Produção: Ivo Fernandes.
² Especificamente, na Pesquisa Institucional “O Ator Rapsodo: Pes-
quisa de Procedimentos para Uma Linguagem Gestual” Gestual”, na UNI-
RIO e no grupo teatral que dirijo, denominado AtoresRapsodos.
³ Este procedimento é amplamente utilizado na peça O Narrador, com
contos de diferentes autores, que dirigi com os AtoresRapsodos, em 2005.
4
A base dos procedimentos gestuais na construção da cena rapsódi-
ca do NCT é dada pelo que denominamos de Seqüências de Manipu-
lação, que se organizam em etapas determinadas por modificações no
fator peso do corpo do manipulado. As etapas são: Morto, Macaco, Bê-
bado, Impulso, Bonecos Chineses e Fotograma. Fazemos uma bre-
ve explicitação daquelas que são mencionadas, no corpo deste artigo.
Bibliografia____________________________________
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U 38 - Dezembro 2005 - Nº 7
Codificar para recriar: a busca do “Punctum”
________________________________________________
Renato Ferracini*
Acredito que um dos trabalhos mais difíceis para o ator seja o de desco-
brir mecanismos corpóreos concretos para que ele possa recriar, no mo-
mento do Estado Cênico¹, uma ação física em estado intensivo trabalhada
em qualquer treinamento. Essa dificuldade faz com que a grande maioria
das ações “expressivas”, em qualquer treinamento, esteja nesse ambiente
“não aproveitável”, ambiente mecânico e dos clichês pessoais do corpo co-
tidiano. Mas existem momentos, nesses treinamentos, nos quais ações físi-
cas orgânicas e estados corpóreos “vivos” ocorrem, justamente quando essa
“expressão” corpórea mergulha em um campo de intensividade, foge dos
clichês pessoais e redimensiona as ações que o corpo cotidiano realiza,
jogando-o no caminho da construção de um corpo-subjétil². Mas justamente
nesse momento de criação acontece uma segunda grande dificuldade: ou
nós atores vivenciamos esse estado ou ação e pela repetição de sua ocor-
rência - se acontecer - acabamos adquirindo naturalmente os mecanismos
para sua retomada; ou tentamos encontrar, forçar, estudar mecanismos cor-
póreos para uma posterior retomada de uma ação física ou estado. Acredito
que nem seja preciso dizer que muitas e muitas ações e estados que entram
nessa zona de intensividade são irremediavelmente perdidos pela nossa in-
capacidade de retomá-los e recriá-los posteriormente.
Podemos pensar que o ator, quando entra nesse estado intensivo, zona
virtual, gera linhas de fuga e desterritorializações do macro Plano de Organi-
zação no qual seu corpo se insere e ao mesmo tempo introjeta essas linhas
de fuga em formalizações musculares espaço/temporais. Durante esses úl-
timos treze anos de trabalho prático no LUME acabei percebendo que, para
que fosse possível uma retomada desses estados intensivos, eu deveria ten-
tar contrair essa ação global em micro elementos que seriam como pontos
musculares de retomada enquanto recriação dessas mesmas ações físicas
no Estado Cênico. Procedendo dessa forma eu acabava adquirindo, para
cada ação física, ou micro densidades musculares, ou micro articulações
espaço/temporais, ou micro impulsos, ou mesmo imagens e sensações, ou
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seja, pontos musculares específicos e contraídos que, quando ativados, me
remetiam às ações físicas e matrizes³, sendo possível sua retomada e re-
criação posterior. Todos esses elementos, independentes entre si, podiam
ser contraídos em conjunto ou em partes, ou seja, uma ação física poderia
conter apenas uma microarticulação de quadril como único ponto de reto-
mada/recriação, enquanto outra possuiria dois micro impulsos e uma micro
articulação que deveriam ser ativados em conjunto para que a recriação da
ação e/ou da matriz fosse possível. A criação desses “pontos” era trabalhada
de duas formas: ou através de uma percepção de repetição dessas mesmas
ações, ou através de uma pesquisa e busca ativa, corpórea. Esses pontos
musculares eram como “portas” de entrada para esse estado intensivo, que,
quando ativados se expandiam e recriavam a ação física ou o estado, tanto
em sua materialidade quanto em sua “vida” e organicidade, gerando tanto o
estado atual recriado desse estado (físico e muscular) como o próprio estado
virtual da ação enquanto intensividade. Tomando minha experiência pessoal
de recriação de ação como uma possível experiência válida, posso dizer
que, para que essas ações realmente expressivas (intensivas, orgânicas,
“vivas”) encontradas e pressionadas no treinamento sejam passíveis de ser-
em recriadas, devo encontrar nelas mesmas contrações, pontos de ativação
para a recriação da própria ação física no momento do ato artístico. A esses
pontos de ativação corpóreos ou vocais chamarei Punctum.
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ações físicas. Portanto, redimensiono aqui esse conceito na relação do ator
para com ele mesmo. O que chamo de Punctum físico é, muitas vezes, um
conjunto de pequenos detalhes da ação, mas são esses detalhes que inter-
essam enquanto caráter potencialmente expansivo e metonímico do Punc-
tum na ação física a ser recriada a posteriori. Metonímico no sentido de que
esse detalhe muscular contém, em potência e em estado virtual, o todo da
ação e que esse detalhe pode mobilizar esse mesmo todo, em um processo
de atualização, ou seja, de recriação da ação. Como diz Barthes: por mais
fulgurante que seja, o Punctum tem, mais ou menos virtualmente, uma força
de expansão. Essa força é principalmente metonímica (1984: 73). A reto-
mada de uma ação física, ou seja, sua recriação, é possível através da ati-
vação de um Punctum físico que é potencialmente expansivo e metonímico,
ou em outras palavras, a possibilidade da recriação da ação física no Estado
Cênico é possível através da ativação de pequenos detalhes corpóreos e ou
vocais, sejam eles micro ou macro densidades musculares, micro ou macro
ritmos e planos no tempo/espaço que mobilizam o todo, recriando a ação
física. Punctum, portanto, é uma porta de entrada corpórea para a recriação
da ação física, e sendo uma recriação lança o corpo cotidiano do ator em um
estado outro, um estado de corpo-subjétil, corpo-em-arte, corpo-em-jogo. At-
ravés desses detalhes físicos que recriam a ação física em sua intensividade,
o ator é capaz de reviver, ou melhor, recriar sua ação física no momento da
atuação. Esses pontos musculares (Punctum) são pontos musculares em
estado metonímico e contraídos que possibilitam um processo de atualiza-
ção - e, portanto recriações - de ações físicas vivenciadas anteriormente e
que se encontram virtualizadas no corpo enquanto memória. Assim, o que
chamamos, no LUME, de matriz codificada é, na verdade, um corpo varrido
por pontos que podem ser ativados no momento da atuação enquanto ação
a ser recriada nela mesma.
Não somos, de forma alguma, arrebatados por esse pontos, pelo Punc-
tum, mas existe claramente uma zona de controle dentro da própria expan-
são do Punctum, dentro da própria recriação da matriz. Em outras palavras,
ao mesmo tempo em que recriamos, sabemos que estamos recriando, por
mais arrebatadora que essa recriação seja, tanto para nós atores como para
os espectadores. Criamos, portanto, uma zona de jogo. E não confundamos
esse saber com uma questão intelectual. É o próprio corpo-subjétil, em esta-
do uno, englobado com o próprio estado mental, que “sabe” que está criando
com todas as forças. Dessa forma ele mergulha em um estado intensivo de
trabalho, de jogo, de correlações, de zonas de vizinhança, mas ao mesmo
tempo, “sabe” que está nesse estado, pode ativar outro Punctum, pode sair
desse estado e entrar em outros, pode se abrir para afetações, pode afetar,
desviar o foco, brincar com o espaço, “improvisar” e mesmo brincar com o
próprio Punctum e matrizes. Uma zona co-existente de criação e jogo, de
Dezembro 2005 - Nº 7 - 41 U
controle e completo mergulho dentro dessa zona de intensividades.
O Punctum não é exclusivo de matrizes enquanto ações físicas codifica-
das. Eles se estendem a todo o trabalho do ator, mesmo os pré-expressivos.
Sabemos, por experiência, que a repetição de elementos técnicos e energéti-
cos treinados geram vivências físicas, energéticas e intensivas que são arma-
zenadas em estado virtual no corpo cotidiano. Essas mesmas vivências físicas,
energéticas e intensivas, como ações físicas expressivas que são trabalha-
das cotidianamente, também acaba gerando o Punctum ou conjunto deles por
repetição dos elementos pré-expressivos trabalhados e que podem ser ati-
vados a posteriori, recriando esse “estado” virtual previamente armazenado.
U 42 - Dezembro 2005 - Nº 7
cotidiana com nossa musculatura, o que dá a sensação interna, para o ator,
de uma dilatação corpórea e para o espectador, de fora, de uma presença
não natural do ator. Criamos um estado em intenção que prepara o corpo
cotidiano para um mergulho em uma zona intensiva. Em um jargão interno
dentro do LUME, quando ativamos somente o Punctum sem seu caráter
expansivo referentes a todo o trabalho técnico e energético trabalhado no
passado - sejam vivências do treinamento energético e/ou mesmo princí-
pios pré-expressivos de trabalho existente no presente de forma contraída e
em estado virtual no corpo cotidiano - dizemos que “entramos em trabalho”.
“Entrar em trabalho” significa, então, atualizar o Punctum, ou conjunto de-
les, contraídos em estado virtual de todo o trabalho pré-expressivo do ator
contraindo, controlando sua expansão. Obviamente, como as vivências e
o estado virtual de todo o trabalho é acumulativo, quanto mais tempo de
treinamento pré-expressivo um ator tenha, mais Punctum, ou conjunto de-
les, em estado virtual ele terá e, portanto mais “portas” de entrada haverá.
Mas tomemos cuidado: a palavra “mais”, aqui, não pode ser lida apenas de
modo quantitativo, ou ainda em relação a uma possível causa-efeito simplis-
ta, mas deve ser lida de forma qualitativa. O Punctum pré-expressivo pode
ser mais e mais “afirmado”, pontuado, sublinhado, redescoberto durante o
trabalho cotidiano pré-expressivo do ator. E quanto mais sublinhado o Punc-
tum, maior a força de sua expansão quando ativado. Assim, também, mais
potencializado o estado para o qual o Punctum, ou conjunto deles, remete
o corpo. Não porque o Punctum, em si, remeta o corpo cotidiano de forma
mais potencializada a esse estado, mas porque a força que será necessária
para não expandir um Punctum será maior, já que o próprio Punctum estando
mais sublinhado, possui uma força potencial e virtual de atualização maior.
Dezembro 2005 - Nº 7 - 43 U
foi assentada nesse estado de trabalho, será uma ativação também desse
estado que se somará e se conectará à própria força intensiva da matriz. É
por isso que as matrizes de um ator em sua recriação, enquanto vocabulário
pré-expressivo de trabalho, são renovadas em sua força: quanto mais tempo
o ator utiliza para realizar um trabalho pré-expressivo, tanto mais ele afirma
o Punctum pré-expressivo. Quanto mais Punctum, ou conjunto deles, ele
descobre e sublinha em seu trabalho, enfim, quanto mais treina, mais seu
vocabulário também é sublinhado e afirmado, já que o “estado de trabalho”
ativado pelo Punctum pré-expressivo e a própria matriz formam uma ação
expressiva única, realizada em camadas que se diagonalizam e se retro-ali-
mentam, renovando-se.
U 44 - Dezembro 2005 - Nº 7
gama quase infinita de possibilidades de trabalho espaço/temporal, pois
para cada matriz poderemos criar submatrizes e variações dela mesma no
espaço/tempo.
Dezembro 2005 - Nº 7 - 45 U
uma formalização anterior que, quando suprimida em seu caráter expansivo
no ativar do Punctum dessa matriz, gera esse estado, gera a corporeidade
da ação. Mas a própria corporeidade suporta fisicidades espaço/temporais
que são mergulhadas no campo intensivo da corporeidade, numa espiral que
engloba ambos os conceitos, recriando a matriz e gerando submatrizes. A
corporeidade seria o estado da matriz; um Punctum ativado sem seu caráter
expansivo, jogando o corpo cotidiano em uma zona intensiva. A fisicidade
mergulha nessa zona e é absorvida por esse plano (corporeidade). A cor-
poreidade nada mais é que o estado “anterior” da matriz, intensivo, mas real
e coexistente, da ação física no tempo/espaço (fisicidade).
Notas__________________________________________
¹ Chamo de Estado Cênico o momento específico em que o ator se encon-
tra na ação de atuação juntamente com o público e com todos os elementos
que compõe a cena. Prefiro usar o termo “Estado Cênico” ao geralmente
usado “Estado de Representação” ou ainda “Representação” pois acredito
que o conceito de “representação”, mesmo não sendo usado nesse artigo
dentro de um território filosófico, pode gerar distorções dentro da conceitu-
ação do trabalho do ator, já que esse termo possui uma carga conceitual
histórica densa e pela massa enorme dessa carga pressionará, certamente,
o conceito teatral de “representação” que, dentro do território teatral, pode
ser simplesmente pensado enquanto atuação, ação de atuar. Se rebatido ao
seu conceito filosófico, devemos esclarecer que o ator não se coloca no lu-
gar de algo, não representa algo. Ele não é uma imagem imperfeita colocada
no lugar de uma outra imagem. Ele não é, portanto, uma segunda presença
que está no lugar de uma primeira presença que não está ali, seja de uma
suposta personagem, seja de uma imagem, seja de uma estado emotivo. Na
verdade, o ator cria uma ação poética recriada a cada instante no momento
em que atua, age em cena. Ele não se coloca no lugar de, mas cria um es-
paço único, uma ação única que gera um acontecimento também único.
² CORPO-SUBJÉTIL: um corpo-em-arte não pode ser conceituado como
uma ponta de um dualismo, mas como um corpo integrado e vetorial em
relação ao corpo com comportamento cotidiano. Chamei, então, esse corpo
integrado expandido como corpo-em-arte, esse corpo inserido no Estado
Cênico de corpo-subjétil. Subjétil seria, segundo Derrida, retomando uma
suposta palavra inventada por Artaud, a palavra ou a coisa [que] pode tomar
o lugar do sujeito ou do objeto, não é nem um, nem outro (Derrida e Berg-
stein, 1998: 23). Um subjétil não é um sujeito, muito menos o subjetivo, não
é tampouco o objeto, mas exatamente o quê e a questão do “quê” guarda um
sentido no que concerne ao que está entre isto ou aquilo [...] (1998: 38 - grifo
meu). Outra questão é que essa palavra subjétil pode, por semelhança, ser
aproximada da palavra projétil, o que nos leva à imagem de projeção, para
U 46 - Dezembro 2005 - Nº 7
fora, um projétil que, lançado para fora, atinge o outro e, como ficará mais
claro adiante, também se auto atinge. Essa aproximação pode ser realizada
já que “subjétil” é uma palavra intraduzível, pois, como foi supostamente in-
ventada por Artaud, não existe tradução possível em outras línguas. Corpo-
subjétil: um corpo em Estado Cênico, um corpo em arte, pois encontra-se
nesse “entre” objetividade - subjetividade, pois não é nem um nem outro
exatamente, mas os perpassa pelo meio, englobando as duas pontas da po-
laridade e todos os outros pontos que passem por essas linhas opostas. Ele
não é um ponto ou outro, linha ou outra, mas uma diagonal que atravessa
esses pólos abstratos e todos os pontos e linhas “entre”. Em segundo lugar
porque esse “entre” do subjétil, agindo como um projétil, lança-se para fora
para agrupar e incluir o outro, em um movimento que deveria ser natural no
trabalho do ator. Portanto, o corpo-subjétil engloba e diagonaliza um espaço
“entre” polaridades que se completam e uma ação que lança esse espaço
“entre” para fora, numa relação dinâmica. intrinsecamente, o terreno do tra-
balho do ator.
³ Dentro do âmbito de trabalho do LUME, podemos dizer que uma ação físi-
ca e/ou vocal orgânica, pesquisada e codificada por um ator e que dinamiza
seus campos intensivos potenciais, é chamada de “matriz”. Se procurarmos
no dicionário Aurélio, encontraremos algumas das razões para essa pala-
vra ter sido utilizada para definir uma ação física orgânica: “Matriz: lugar de
onde se gera ou se cria; aquilo que é fonte, origem, base; útero”. Assim, a
matriz é entendida como o material inicial, principal e primordial; é como a
fonte de material do ator, à qual ele poderá recorrer, sempre que desejar,
para a construção de qualquer trabalho cênico. A matriz é a própria ação
física/vocal, viva e orgânica, codificada que pode ser recriada no momento
do Estado Cênico. Dessa forma, cada ator possui um conjunto de matrizes,
que se torna seu vocabulário vivo de comunicação cênica – seu vocabulário
expressivo.
Bibliografia____________________________________
BARTHES, ROLAND. A Câmara Clara. Trad. Júlio Castañon Gui-
marães. Rio de Janeiro : Editora Nova Fronteira, 1984.
BURNIER, LUÍS OTÁVIO. A arte de ator: da técnica à repre-
sentação. Campinas. Editora da Unicamp, 2001.DERRIDA,
JACQUES e BERGSTEIN, LENA. Enlouquecer o Subjéctil. Trad.
Geraldo Gerson de Souza. São Paulo. Fundação Editora da UN-
ESP. 1998.
Dezembro 2005 - Nº 7 - 47 U
O grotesco em Meierhold: princípios para a
criação de uma nova teatralidade
________________________________________________
Marisa Naspolini*
*Marisa
Marisa Naspolini é especialista em Análise do Movimento pelo Laban/Bar-
tenieff Institute of Movement Studies de Nova York e mestranda em Teatro
na UDESC. Professora do Departamento de Artes Cênicas da UDESC.
Dezembro 2005 - Nº 7 - 49 U
de variedades e drama musical. A unidade de sua obra baseia-se na união
destes contrários e na tensão gerada por esta união.
U 50 - Dezembro 2005 - Nº 7
a percepção do espectador, tirando-o do plano do conhecido e esperado e
instalando-o em outro, que ele não imaginava, Meierhold provoca um deslo-
camento constante, jogando com contradições agudas e gerando uma espé-
cie de surpresa no público.
Dezembro 2005 - Nº 7 - 51 U
cia e música, visa melhorar a independência expressiva de diferentes partes
do corpo, aprimorando no ator o seu uso do corpo de forma não cotidiana.
A Commedia é vista como meio, não como fim. Diretor e atores estu-
dam roteiros e analisam a variação de certos elementos de base, buscando
trabalhar os mesmos personagens em diferentes situações. Por concentrar
os vários elementos das artes cênicas, o trabalho com a Commedia permite
alimentar uma prática imediata, através da composição de novos roteiros,
encenações variadas e manipulação de objetos de forte cunho teatral, além
de propiciar um estudo teórico da história e das tradições teatrais.
U 52 - Dezembro 2005 - Nº 7
Meierhold exige um manuseio hábil e respeitoso dos acessórios. Sua re-
ferência é novamente oriental. Ao treinar seus atores a manipular os objetos
cênicos, transforma-os em centro da ação dramática. O objeto escapa de
sua função cotidiana e torna-se parceiro do ator, tornando-se determinante
na movimentação que aquele exibe em cena. Além de auxiliar na definição
de caráter e situação social das personagens, os objetos funcionam como
ponto de apoio ao jogo, constituindo cadeias biomecânicas de ação e rea-
ção entre os atores e entre atores e objetos, revelando seu próprio caráter
duplo – ao mesmo tempo em que definem características da personagem,
evidenciam as habilidades do intérprete, reforçando a teatralidade (ou a não
cotidianidade) da ação. A poética de distanciamento entre a quantidade de
energia dispensada pelo ator e o objetivo da tarefa realizada na cena ajuda
a compor o tom grotesco nesta relação objetal.
Dezembro 2005 - Nº 7 - 53 U
çam do teatro. A alternância dos contrastes, dos ritmos, dos tem-
pos, a união do tema principal e dos temas secundários, tudo isto
é tão necessário no teatro quanto na música” (PICON –VALLIN
1990:338)³.
U 54 - Dezembro 2005 - Nº 7
Esta prática evidencia a reivindicação da mise en scène meierholdiana
de “deixar à imaginação do espectador a liberdade de completar o que não
foi dito” (GUINSBURG 2001:59), idéia tão cara ao drama simbolista. O míni-
mo de ação permitiria o máximo de tensão, sugerida no desenho plástico do
corpo da personagem, que permite “o mergulho do espectador na intimidade
do drama” (idem).
Dezembro 2005 - Nº 7 - 55 U
histórica, mas como um conceito vivo que pode traduzir as questões de seu
tempo, este tempo.
Notas__________________________________________
¹ No original: “J’aime les situations passionnées au theatre et je m’en cons-
truis dans la vie” (PICON-VALLIN 1990:17).
² No original: “Je voudrais flamber de l’esprit de mon temps. Je voudrais que
tous ceux qui servent la scène prennent conscience de leur grande mission.
(...) Oui, le théâtre, peut jouer um rôle enorme dans la réorganization de tout
ce qui existe”. (PV 18).
³ Entrevista com estudantes, realizada em junho de 1938, in Artigos, Cartas,
Discursos, Entrevistas. Moscou: Iskousstvo, 1968, tomo II, p. 506.
4
A citação é uma referência à utilização de uma sinfonia de Tchaikovski na
montagem de “O Jardim de Cerejeiras”, de Tchekhov, em 1914. Tradução de
Roberto Mallet.
Bibliografia____________________________________
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renas-
cimento: o contexto de François Rabelais. SP: Hucitec e Annablu-
me, 2002.
CAVALIERE, Arlete. O Inspetor Geral de Gogol / Meyerhold. SP:
Perspectiva, 1996.
CRUCIANI, Fabrizio e FALLETTI, Clélia (org.). Meyerhold e la re-
gia di “Le Cocu magnifique” e Il montaggio e l’attore in Civiltà Tea-
trale nel XX Secolo. Bologna: Il Mulino, 1986.
GUINSBURG, Jacó. Stanislávski, Meierhold & Cia. SP: Perspec-
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KUBIK, Marianne. Biomechanics: understanding Meyerhold´s sys-
tem of actor training in Movement for actors (org. Nicolle Potter).
NY: Allworth Press, 2002.
MEYERHOLD, Vsevolod. Textos teóricos. Madrid: ADEE, 1992.
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. SP: Perspectiva, 2003.
PICON-VALLIN, Béatrice. Meyerhold – Les Voies de la Création
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PICON-VALLIN, Béatrice. A música no jogo do ator meyerholdia-
no in In Le jeu de l’acteur chez Meyerhold et Vakhtangov. Paris:
Laboratoires d’études théâtrales de l’Université de Haute Bretag-
ne, 1989. Tradução de Roberto Mallet.
U 56 - Dezembro 2005 - Nº 7
KEAN – a arte do ator vista pelo romantismo
________________________________________________________________
Claudia M. Braga*
Malgrado sua existência nos palcos ser manifesta desde antes desta
data, é apenas em 1830 que o movimento romântico será objeto de um texto
que buscará estabelecer suas bases teóricas. Este texto, verdadeiro mani-
festo dos anseios da nova geração de autores que se lançava nas letras,
aparecerá como prefácio do drama Cromwell – ele próprio inexpressivo em
termos teatrais – de Victor Hugo.
Dezembro 2005 - Nº 7 - 57 U
do no pressuposto de que, na vida, o belo e o grotesco se entrecruzavam
e se superpunham, formando um todo contínuo. Nesse sentido, segundo
Hugo,
Até o século XIX o artista era, de modo geral, alguém que expressava a
sociedade, fosse ele ator, pintor ou autor, teatral ou não. Sobre estes últimos,
observa Harnold Hauser:
U 58 - Dezembro 2005 - Nº 7
então, a neutralidade. A Revue des Deux Mondes opina agora que não é ne-
cessário, mas efetivamente indesejável, que o artista tenha idéias políticas e
sociais próprias” (1982:899).
é uma árvore que pode ser açoitada por todos os ventos e irrigada
por todos os orvalhos, que traz suas obras como seus frutos, da
mesma forma que o fabuleiro trazia suas fábulas. Para que pren-
der-se a um mestre? Enxertar-se com um modelo? Vale mais ain-
da ser o espinheiro ou cardo, alimentado com a mesma terra que
o cedro e a palmeira, que ser o fungo ou o líquen destas grandes
árvores. (1988:59) e, com efeito, é desse modo que começaram
a se ver a si próprios os artistas de modo geral, numa atitude de
diferenciação facilmente reconhecível mesmo nos dias de hoje.
Dezembro 2005 - Nº 7 - 59 U
a comédia é a sociedade, o drama é a humanidade. A socieda-
de muda, cada século lhe dá uma nova face. A humanidade é
invariável, suas paixões são idênticas; elas se manifestam da
mesma maneira no teatro hindu, no teatro grego, no teatro roma-
no, no teatro inglês, no teatro alemão e no teatro francês. O ator
chamado a representar a comédia deve então ter “visto”. O ator
chamado a representar o drama só necessita de ter “experimen-
tado”. (DUMAS, 1867:V – tradução nossa)
O ator romântico
U 60 - Dezembro 2005 - Nº 7
bert Macaire, em L’Auberge des Adrets (1823).
Dezembro 2005 - Nº 7 - 61 U
(...) Kean est un véritable héros de débauche et de scandale
! un homme qui se pique d’effacer Lovelace par la multiplicité de
ses amours, qui lutte le luxe avec le prince royal, et qui, avec tout
cela, par un contraste qui dénonce son extraction, revêt, à peine
débarrassé du manteau de Richard, l’habit d’un matelot du port,
court de taverne en taverne, et se fait rapporter chez lui plus sou-
vent qu’il n’y rentre.
(...)
Un homme criblé de dettes, qui spécule, dit-on, sur les caprices
de certaines grandes dames pour échapper aux poursuites de ses
créanciers. (Acte I, scène II)
U 62 - Dezembro 2005 - Nº 7
Salomon – (…) C’est la sixième fois depuis le commencement
du mois, et nous sommes aujourd’hui le 7 ! Et avec qui encore
fait-il de pareilles orgies ? Avec de misérables cabotins qui jouent
le Lion... la Muraille... (...) Vraiment, si on les trouvait ici, je serais
bien honteux pour l’illustre Kean... (…)
Quand je pense que j’ai là, devant les yeux, couché comme un
boxeur éreinté, le noble, l’illustre, le sublime Kean, l’ami du prince
de Galles !... le roi des tragédiens passés, présents et futurs... qui
tient en ce moment le sceptre... (Il aperçoit la bouteille que Kean
tient par le goulot.) Quand je dis sceptre, je me trompe... Oh ! mon
Dieu ! (Acte II, scène I)
Dezembro 2005 - Nº 7 - 63 U
quadro comparativo extremamente depreciativo para o par da Inglaterra, o
que possivelmente traduz, também, o declínio da autoridade nobiliárquica
característico do século:
U 64 - Dezembro 2005 - Nº 7
de ne rien dire de tout cela, à la condition qu’il lui fera satisfaction
d’une insulte, dont la société pourrait lui demander justice, lord
Mewill répond qu’il ne peut pas se battre avec un bateleur, un
saltimbanque, un histrion... Oh ! sur mon honneur ! c’est b i en
répondu, car il y a trop de distance entre ces deux hommes. (...)
(Acte III, scène XIV)
Ele vai para o palco, apesar dos protestos. Durante a representação, po-
rém, tomado de fúria, insulta o herdeiro do trono inglês e o par da Inglaterra,
sendo exilado do país. E se na vida real o ator faz carreira nos Estados Uni-
dos durante seu período de exílio – interrompendo-a, novamente, em razão
de seu intempestivo caráter – o drama, por sua vez, encerra-se no momento
em que ele decide partir para a América do Norte, ao ser informado de seu
banimento.
Dezembro 2005 - Nº 7 - 65 U
Se não é o modelo de interpretação ideal, Kean representa, no entan-
to, o modelo do artista romântico tal como o viam o Hugo do “prefácio” e o
próprio Dumas, trazendo em si e para a cena os contrastes propostos pelo
movimento, a contraposição de sensações díspares, a desordem aliada e
explicando o talento, sendo, tanto o homem real quanto a personagem, uma
das mais expressivas representações da união do grotesco ao sublime.
Bibliografia____________________________________
DUMAS, Alexandre. Drames romantiques. Paris, Omnibus, 2002.
DUMAS, Alexandre. Souvenirs dramatiques. Paris, 1867.
HAUSER, Arnold. História social da literatura e da arte, Tomo II.
Trad.: Walter Geenen. 3ª ed. São Paulo: Ed. Mestre Jou, 1982.
HUGO, Victor. Do grotesco e do sublime (Prefácio de Cromwell).
Trad. Célia Berretini. São Paulo : Perspectiva, 1988.
PRADO, Décio de Almeida. João Caetano e a Arte do Ator. São Pau-
lo : Ática, 1984.
U 66 - Dezembro 2005 - Nº 7
O riso no circo: a paródia acrobática*
________________________________________________
Mário Fernando Bolognesi*
Bolognesi**
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demasiadamente atrapalhada para tal empreitada. O salto anunciado termi-
nou deslocado no enredo, que passou a explorar tópicos secundários, como
as nádegas do Parafuso, no momento em que segura a escada, ou mesmo
o encaixar dos pés de Chevrolé no vão das pernas de seu companheiro, ou
ainda, o esquecimento da lata, quando o palhaço saltador (Chevrolé) está no
alto da escada. A paródia da acrobacia foi apenas um motivo inicial para o
despertar do riso. A comicidade, nesse caso, deixou de lado o enredo e seus
aspectos dramatúrgicos e foi se instalar na inabilidade dos palhaços.
Chevrolé (no alto) e Parafuso em O salto mortal na escada com a lata na mão. Circo di
Roma. Palmeira das Missões/RS, 30/01/99.
U 68 - Dezembro 2005 - Nº 7
qual seja, o de se efetivar em torno de duplicidades. Nesse caso, o trapézio vo-
ador serviu como um interlocutor necessário à comicidade. O outro elemento
a evidenciar o duplo necessário à eficácia cômica circense é o próprio palhaço
ajudante que se contrapõe às “qualidades” de seu parceiro saltador³.
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surpresa e o assombro. O número arriscado denuncia a incapacidade do pú-
blico em alcançar a proporção dada ao corpo pelo acrobata. A performance
do acrobata evidencia a sua superioridade biológica. Espectador e exibição
artística estão em estado de ruptura e assim permanecem até o desfecho
final. Após o clímax e a esperada eficiência acrobática, no entanto, a ruptura
anterior é superada e a platéia, então, retoma o equilíbrio, manifestando a
admiração e o regozijo perante o risco apresentado pelo artista e vivenciado
pelo público. Sem o recurso da metáfora, o corpo constrói e revela sentidos
até então desconhecidos, porque repõe ao público as potencialidades que o
corpo não vivencia no cotidiano. Retém-se na memória da platéia a exposi-
ção de um corpo que supera os limites do dia-a-dia.
U 70 - Dezembro 2005 - Nº 7
maquinários construídos em tamanho desproporcional, como uma espécie
de conversão improvisada e exagerada dos mais variados assuntos9.
Dezembro 2005 - Nº 7 - 71 U
última que acompanha esse tipo cômico desde seu nascedouro).
U 72 - Dezembro 2005 - Nº 7
e as interiores. Ambas são enfatizadas pela via da exterioridade da inter-
pretação, que se funda na peculiaridade da personagem palhaço. Se fosse
possível algum tipo de abstração, nesse caso, poder-se-ia afirmar que, em
última instância, o riso parodístico no circo tem uma única fonte: o palhaço,
uma personagem carregada de uma simbologia própria, que estabelece um
grau de cumplicidade cômica com a platéia. A simples entrada no picadeiro
já é indicativo para o realçar do espírito cômico, uma espécie de acordo táci-
to entre o artista e o público. A entrada do palhaço convida a platéia a entrar
no mundo do riso, quando os objetos risíveis não são exteriores à própria
personagem. Na atuação do palhaço não ocorre o assombro e a ruptura que
caracterizam a performance acrobática. Ela parece ser um convite ao jogo
improvisado da descontração, quando a personagem termina sendo, conco-
mitantemente, objeto e veículo do riso. O palhaço instaura uma espécie de
jogo pactual do cômico, isto é, um certo sentimento comum da necessidade
e exercício do riso, sem necessariamente pautar-se pela zombaria a algo
exterior. Uma conclusão dessa natureza é válida apenas para as paródias
dos números circenses. O mesmo não se pode dizer quando o palhaço di-
reciona seu enfoque cômico para a hierarquia social ou as autoridades, por
exemplo.
Notas_______________________________________
¹ O salto mortal na escada com a lata na mão está reproduzido em meu
livro Palhaços (São Paulo: Edunesp, 2003), p. 211-212.
² Para uma leitura semiótica do espetáculo circense, consultar Bouissac,
1971, em que aparece a distinção entre a superioridade biológica controlada
do acrobada e a inferioridade descontrolada dos clowns (p. 105).
³ “...le clown qui se produit seul en pist est très rare; cela arrive dans les
‘reprises’, mais alors il parodie l’acrobate ou le dresseur qui vient d’achever
son numéro et qui constitue donc le deuxième élément du couple; ou encore,
um clown très célèbre peut faire l’ECONOMIE d’um partenaire em utilisant
le régisseur de piste (Monsieur Loyal) comme interlocuteur. Em règle géné-
rale, dans la synchronie qui nous concerne ici, il y a toujours deux acteurs,
souvent trois, parfois um plus grand nombre, chacun ayant une fonction dé-
terminée dans le système littéraire que l ‘numéro’ met em oeuvre.” Bouissac,
1972, p.292.
4
Há outras modalidades de espetáculo circense no Brasil, como o circo-
teatro, que apresenta exclusivamente melodramas e comédias, ou os es-
petáculos mistos, com números de variedades na primeira parte e teatro na
segunda, ou ainda os espetáculos com variedades e show musical.
5
“These circus performances depend on a totality of presence and on its
complete visibility. And these circus bodies neither analogize, metaphorize,
nor allegorize absence or nostalgia, grief or longing, etc. These bodies in
Dezembro 2005 - Nº 7 - 73 U
performance are exactly qhat they show themselves to be – they are reality,
and neither fantasy nor ideology.” Handelman, 1991, p. 213.
6
Ver Bouissac, 1971.
7
“A ‘performance’ teatral envolve ao mesmo tempo o palco (e tudo o que,
antes, prepara o espetáculo) e, depois, a platéia (com toda a receptividade
de que ela é capaz).” Pavis, 1999, p. 339.
8
Ver o primeiro dos três sentidos da representação teatral, tal como propos-
to por Pavis, 1999, p. 338.
9
Ver a respeito Levy, 1991, particularmente o capítulo VI, “Le répertoire des
clowns”, p. 45-51.
10
No capítulo 4 “O repertório clownesco”, de meu livro Palhaços, eu abor-
do a presença do salto mortal em diversas entradas e reprises. Bolognesi,
2003, p. 103-142.
11
Ver Propp, 1992, o capítulo “O riso bom”, p. 151-158.
Bibliografia____________________________________
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BOUISSAC, P. (1971) “Pour une sémiotique du cirque.” Semioti-
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International Association for Semiotic Studies, vol V, nº 3, p. 290-
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U 74 - Dezembro 2005 - Nº 7
Apontamentos para o estudo da identidade
artística
________________________________________________
Antônio Vargas*
Por estes motivos, entre outros, nos últimos anos um fenômeno constan-
te em várias áreas de conhecimento tais como educação, sociologia, antro-
pologia e filosofia têm sido pensar o conceito de identidade, questionando-o
como algo monolítico. E igualmente pertinente é a aplicação destas conside-
rações ao estudo dos processos constitutivos da identidade artística.
Dezembro 2005 - Nº 7 - 75 U
ciais mais elevados o que por sua vez traz, além de benefícios econômicos,
reconhecimento e destaque junto ao seu coletivo de relações. Contribui para
sua ascensão social na medida em que o coloca em melhor posição nas
negociações simbólicas por ser visto como um intermediário entre diferentes
realidades sociais. É absolutamente natural, portanto, que o artista busque
o reconhecimento de indivíduos e instituições que representam os estratos
mais elevados da pirâmide social. É em meio a este jogo que é negociada
a aceitação da prática artística e através dele que a identidade artística se
constrói. Perguntas que pesquisas de campo podem contribuir a compre-
ender são, por exemplo: Em que medida o desejo de representar valores
culturais de origem são abandonados em detrimento de valores represen-
tativos dos segmentos sociais que o artista deseja conquistar? Que fato-
res materiais e simbólicos são determinantes para estas transformações?
E que mecanismos ou fatores atuam como elementos aglutinadores entre
os desejos de ascensão e os de representação de sua origem ? Tais ques-
tões estão relacionadas a conceitos como os de semelhança e diferença.
De fato, nos parece que Hall está correto ao entender que o estudo da
identidade não deve se ater ao conceito de “identidade coletiva”. Mas no
estudo dos processos de construção da identidade artística é preciso ter o
cuidado para não jogar fora o bebê junto com a água do banho, pois como
enfatiza NEUMANN (1992) o estudo sobre a mitologia artística indica clara-
mente que sua influência na aceitação ou rejeição das práticas artísticas é
U 76 - Dezembro 2005 - Nº 7
considerável. E a mitologia artística é uma forma de concepção ( e constru-
ção) coletiva da identidade! O artista enquanto figura social, é um símbolo,
naquele sentido em Cassirer ou Jung definiram, e as histórias que contam
suas ações ao longo dos séculos reafirmando modelos de comportamento
encontram-se incrustadas na cultura humana, independente de classe social
, nacionalidade ou etnia ( KRIS & KURZ 1982). Mitemas sobre a proteção
ou origem divina, o nascimento difícil, precocidade, abandono, encontro com
o protetor, domínio técnico, apenas para citar alguns dos principais com-
ponentes das narrativas heróicas, encontram-se lautamente registrados em
críticas jornalísticas , livros biográficos e catálogos e exercem influência sig-
nificativa no processo de construção da identidade do artista, pois interferem
na aceitação de suas práticas. Apenas a título de exemplo: Em um artigo
sobre Cacilda Becker, Luís André do Prado (1998), autor da biografia da
atriz brasileira que tem como título Cacilda Becker, Fúria santa demonstra as
tendências excepcionais da atriz, que não se originariam no berço da família
natural e sim em uma suposta herança divina dos criadores do teatro: os
gregos. Diz assim:
“ (...) integrou pela primeira vez um elenco teatral sem nunca ter
assistido a uma peça” (p.74) “Aos 9 anos, apresentou-se num
palco pela primeira vez, numa festa de colégio, ainda em Piras-
sununga. Isso virou um hábito: além de dançar em casa para
“espantar a fome”, em toda festa de encerramento do ano letivo,
do primário ao secundário, lá estava Cidinha (apelido de infância)
com a dança inventada por ela mesma.” (1998:77)
Dezembro 2005 - Nº 7 - 77 U
Peter Brook diz:
Identidade e diferença.
U 78 - Dezembro 2005 - Nº 7
Conseqüentemente, aquele que reside longe do centro enfrenta mais
dificuldades para acompanhar o debate e as transformações mais recentes
das práticas artísticas. Possui maior dificuldade de acesso a galerias, tea-
tros e outros espaços de veiculação. Sua superação implica em uma maior
exigência de tempo e recursos para deslocamentos aos centros nos quais
ocorre o debate (seja Porto Alegre, São Paulo, New York, Barcelona ou
Londres) os quais implicam em outros gastos como hospedagem, aquisições
diversas, etc as quais chocam com a realidade do artista que justamente por
atuar em um mercado menor obtém uma receita também menor com sua
prática artística. Daí reside a leitura – não obrigatoriamente correta – que o
artista que vem do interior esta menos preparado que o artista que reside na
capital. Esta leitura ocorre igualmente quando o artista migra de uma capital
“menor” para uma maior (eixo Rio-São Paulo, p.e.) ou de um país periférico
para os grandes centros culturais do exterior. O eventual equívoco decorre
do fato de que a avaliação se apóia unicamente sobre o tamanho do mer-
cado de origem do artista, seja das cidades do estado, das capitais ou dos
países, sem levar em conta outros fatores como a história de vida do artista.
No entanto, eventuais equívocos confirmam a regra, como toda exceção.
Dezembro 2005 - Nº 7 - 79 U
elas funcionam como provas que testam sua inteligência e perspicácia de
superação.
Deve-se ter presente que a leitura que institui a “diferença “ entre o ar-
tista local e o artista migrante ao ser simbólica é classificatória e portanto
possui uma repercussão social. Como recorda WOODWARD (2000)
U 80 - Dezembro 2005 - Nº 7
ta local já que este último pode vir a ser considerado como aquele que não
saiu, o que não possui outras vivências.
Bibliografia____________________________________
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1993
CASSIRER,Ernst. Esencia y efecto del concepto de símbolo. Ed.
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WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução
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2000
U 82 - Dezembro 2005 - Nº 7
A história no teatro: Recortes Medievais – o amor
como subtítulo
________________________________________________
Frederico Teixeira Gorski *
Márcia Ramos de Oliveira **
Maria Cecília de Miranda Nogueira Coelho***
Dezembro 2005 - Nº 7 - 83 U
çar paralelos entre cultura clássica e medieval e cultura brasileira. Foi muito
oportuno, naquele momento, que este grupo estivesse estudando a obra do
cantador e trovador Elomar Figueira Mello, permitindo constatar, aqui, o que
o Prof. José Rivair de Macedo denomina de “permanência da medievalidade
na cultura posterior (moderna e contemporânea)”².
U 84 - Dezembro 2005 - Nº 7
Esse argumento, como foi dito anteriormente, fez uso da forma como
a diretora, Maria Brígida4, trabalhou os atores e atrizes. O intento, portanto,
foi duplicar cada personagem, empurrando um dos duplos para o período
histórico trabalhado e projetando a personalidade dos participantes para os
seus objetos de estudos, o que caracteriza o anteriormente citado jogo de
espelhos. Para reforçar essa idéia por meio de recursos cênicos, optou-se
por apresentar temas medievais, como amor cortês, bruxaria e igreja, tra-
balhando-os em uma cena e, em geral, apresentando posteriormente uma
versão satírica da abordagem. Esse recurso permitiu também questionar as
formas como a mídia, através do cinema, principalmente, reflete o período
medieval, muitas vezes passando desse uma visão estereotipada e simplis-
ta. Assim, em determinado momento, discute-se também a questão do papel
e posição da mulher na Idade Média, usando textos de autores como Carla
Casagrande, Georges Duby e outros como referência.
Dezembro 2005 - Nº 7 - 85 U
Temos, então, a partir do ponto de vista do texto, três referenciais narra-
tivos e teóricos que podem ser nele investigados. Dentre eles, contudo, fo-
ram previstos durante a composição apenas dois. O de Carlos Saura, como
método de composição, e o de Borges, como teoria geral da arte e como
método narrativo para o trecho final da peça. Veremos agora, como se de-
senvolveram em cada cena.
Dessa leitura, destaca-se um dos atores, que irá, então, imaginar a cena
seguinte. Agora com Ondas do mar de Vigo interpretada pela New London
Consort, dirigida por Philip Pickett. Cada um dos atores se adequa à cena,
em que novamente se apresentam elementos da Idade Média. Uma das
atrizes fica no centro, sobre uma das mesas, evocando ao mesmo tempo
a Donzela que canta a saudade de seu amado e a da Virgem, que ganha
destaque dentro do culto católico nesse período (encontramos a justificativa
para essa fusão na obra de Rougemont, 1939[1972]). Dois outros atores
lerão seus livros, como símbolo do surgimento das primeiras universidades
na Europa. Um outro fica posto à frente, como que remando um barco – uma
referência explícita ao conteúdo da canção.
U 86 - Dezembro 2005 - Nº 7
A divisão entre essa cena e a seguinte é marcada pela entrada do celu-
lar, que quebra o encantamento. Nesse elemento, encontra-se também um
ponto de vértice entre as duas realidades que se trabalham aqui. Ele quebra
a atmosfera da cena anterior, e assume a função de troca de atividades antes
operada pelo sino. É nesse instante, também, que uma oitava personagem é
inserida na peça. Ela vem do meio do público, tocando sempre um sino tibe-
tano, como referência à chegada dos ciganos à Europa, também no período
medieval. A cena será destacada pela narrativa de uma história que ocorre a
uma das estudantes, mas que pouco a pouco se mistura também com seus
estudos. Sua história é encenada pela estudante que recém entrou em cena,
e uma das outras atrizes. Essa última irá imaginar e protagonizar a cena
seguinte, que é precedida pela inserção de uma canção de Elomar Figueira
Mello, O Pedido. A escolha desse compositor se deu pela ocorrência de te-
mas medievais em suas composições. O Pedido faz parte do repertório de
Auto da Cantigueira, umas das óperas compostas pelo compositor baiano, e
é, na ópera, cantada pela protagonista, pedindo a seu amigo que lhe traga
da feira objetos para se embelezar.
Na cena que segue, uma das atrizes já estará vestida com trajes medie-
vais, e protagonizará uma cena de amor cortês. Ela fala de seu amigo, que a
seduz, a retira do centro da cena, como se a levasse para os aposentos ma-
trimoniais e a enclausurasse. Ele, então, vai recontar a história, assim como
os troubadours cantavam as cantigas de amigo como se pela voz de uma
mulher. Para deixar isso mais evidente, ele modifica a história, na sem pro-
testo da atriz que protagonizou a cena anterior. Não obstante, em vez de um
autêntico troubadour, sai-lhe uma imitação de Fred Astaire. As constantes
correções do ator que “estuda para ser o bardo” chamam a atenção de um
terceiro, o qual o ameaça com a espada, pedindo-lhe Ine gesach die heide,
do Minnesinger Neidhart von Riuwental, um autor alemão do século XIII, que
se destaca, entre outras coisas, pela forma irreverente com que trata o amor
cortês em suas canções.
Dezembro 2005 - Nº 7 - 87 U
veracidade medieval dos atores/personagens.
CENA 1
(Todos sentados em suas carteiras, de costas para o público. Serão sete
atores, quatro na fileira mais próxima ao público, três postos a frente des-
tes. Portarão todos uma tesoura e uma cartolina, no centro da qual está a
letra de Ondas do mar de Vigo. Terão mochilas penduradas às cadeiras, e
velas e fósforos sobre a mesa. Pouco a pouco, escutam-se as badaladas
de um sino: Blémmmm... Blémmmm (3x)... Ouve-se a voz de um monge):
MONGE: - Gloria Patri, et Filio: et Spiritui sancto.
Sicut erat in principio, et nunc, et semper: et in
saecula saeculorum, Amen. Alleluia.
(Ainda antes que termine, devem todos iniciar o recorte, como se estivessem
a recortar a própria fala do Monge, e, ao mesmo tempo, uma auto-referência.
U 88 - Dezembro 2005 - Nº 7
O ator responsável pela oração deve fazê-lo de tal maneira que o público
não perceba, por meio de seus gestos, posto que estará de costas, que é ele
quem o faz. Ouve-se o sino mais uma vez, ressoa três vezes. O recorte pára.
Os atores acendem suas velas.).
CENA 2
(Começam os atores a ler o poema, todos com a voz em volume um pouco
acima do sussurro. A leitura deve ser feita como se houvesse alguma difi-
culdade em achar o sentido correto para as palavras. Por vezes, percebe-se
um prazer único na leitura. Um a um, os atores farão elevar as suas vozes
sobre o mar sussurrante. Todavia, nessa hora, farão a leitura convencional
do poema, apenas em línguas diferentes, conforme a ordem: Galego-Portu-
guês, Francês, Italiano, Alemão, Espanhol, Inglês e Português. Essa leitura
deverá ser feita como se empunhada a alguém que se encontre longe no
mar – às ondas quando se formam lá longe, na esperança de que tragam a
pessoa amada.
No momento da leitura em Português, um dos atores (Italiano-Monge) levan-
tará a cabeça, jeito de quem teve grande idéia, buscará o som portátil, que
estará na coxia à esquerda, cruzará o palco e, com cara de quem imagina
uma cena, ligará o aparelho.)
CENA 3
(Todos devem agora agir como se fossem os personagens da imaginação do
ator que saiu com o som. A atriz que pronunciou o texto em português vai se
erguer sobre a mesa, olhar no infinito, voltada agora para o público. Todos
farão o mesmo movimento em direção ao público conforme suas atividades.
O ator que falou inglês e o que falou alemão vão retirar da mochila um livro
e sentar sobre a mesa, lendo-o (símbolo da busca pelo conhecimento e do
surgimento das primeiras universidades), o Galego busca um pau de chuva
e, bem próximo ao público, rema o seu barco. As duas outras atrizes tam-
bém brincarão com seus instrumentos, um pandeiro com arroz. Continuam o
movimento mesmo depois de acabada a música. Os que lêem o livro recitam
Ondas do Mar de Vigo na língua em que o fizeram anteriormente. Toca o
celular.)
CENA 4
(Um ator [alemão] retira o celular do bolso, e é como se todos acordassem
de um transe, como se o som do celular correspondesse à função anterior
do sino, todos modificam suas ações e começam a organizar a sala como se
fosse uma taverna. O alemão atende o celular, se projeta um pouco à frente
do palco buscando escapar do barulho.)
ALEMÃO: - Hola, cariño! ... Como? ... Ahora no puedo, me lo podes pregun-
tar cuando nos vemos? ... No, estoy en el teatro... No, estoy representan-
Dezembro 2005 - Nº 7 - 89 U
do... En el teatro digo... Bueno, nos vemos en una hora? Beso.
(Guarda o aparelho, e se junta aos outros, fica a um canto, da mesma manei-
ra que os outros, olhando para o centro, sem saber exatamente o que fazer.
A cartomante [Carú] entra pela entrada do público ressoando o sino tibetano.
As personagens que estão em cena estranham a presença dessa nova figu-
ra. A espanhola [Grazi] recepciona a cartomante na entrada do palco, antes
que essa suba a escada. As duas cumprimentam-se. A espanhola [Grazi]
chama Renata para junto da cartomante).
U 90 - Dezembro 2005 - Nº 7
traga di lá para mim
água da fulô qui chêra
um nuvêlo e um carrin
trais um pacote de misse
meu amigo ah se tu visse
aquele cego catado
Um dia ele me disse
jogano um mute de amo
qui eu havéra di vivê
pur esse mundo
e morrê ainda em flô.
CENA 5
(A Espanhola e a Portuguesa terão terminado a roupa que costuram, e a
levarão para a que escuta a cartomante. Essa, tendo vestido a roupa, vai su-
bir à mesa e recontar a história. Com exceção do Amigo, por-se-ão os outros
em posição de Xadrez, três de cada lado do palco, observando o ritual da
Francesa-Donzela).
FRANCESA: - ... Show!... Eu vi... Bunito! Na porta... Meu amigo disse: Eu
conheço, vamu lá eu te apresentu! Eu conheço...
(Todos os outros atores devem se colocar assistindo à cena, embora um de-
les [o Bardo-Alemão] permaneça ao violão. O que falou galego se aproxima
da mesa em gestos corteses. Vai segurar a mão da donzela, beijá-la na testa
e sentá-la sobre a mesa, de costas para o público, simbolizando a clausura
da mulher.)
CENA 6
(Vem para frente, acende um cigarro e diz ao Bardo que pensou numa músi-
ca. Cantará o seguinte, em ritmo de As time goes by, e dançando estilo Fred
Astaire.)
GALEGO: - Bunita, ela me viu
na porta e brilhou
um amigo disse
Vem, vamos lá eu te apresentu
Bunita, ela me viu
Beijou-me e partiu
E eu não me esqueci
Vem, vamo lá eu te apresento.
(O Bardo tenta sem sucesso interromper a cantoria várias vezes, buscando
explicar-lhe que mais fale do que cante, como num jogo de professor e aluno
de música. O Bardo primeiro lhe instrui a não sapatear, depois a trabalhar
melhor os gestos e, por fim, desiste. )
BARDO: - Está melhorando, mas tens que pensar na questão do Amor, aca-
Dezembro 2005 - Nº 7 - 91 U
bas de deixar a tua amante e deves pensar nisso. O ritmo da melodia deve
se adaptar ao das palavras. Mais ou menos assim (mostra no violão).
CENA 7
(O Inglês interrompe a discussão)
CAVALEIRO: - Ine gesach die Heide!
(O Bardo toca)
CAVALEIRO (Entra com vigor, achando que vai arrasar): - Nunca esteve o
prado em melhor veste (titubeia, mas sem perder a pose)
A verde floresta enche meus olhos
Por ambos percebemos a chegada da primavera
As moças devem procurar seus parceiros,
Perambular baixo o céu claro de verão
Dançar em roda com espírito elevado (Põe as mãos frente ao peito, referin-
do-se aos seios fartos de uma mulher).
(Busca a Francesa-Donzela e a traz para compor o tablô vivân).
(O Bardo vai à frente, tocando, e interrompe seu instrumento para recitar)
BARDO: - A primavera é louvada por muitas vozes
Florescem as flores em muitos lugares
Onde antes nenhuma pôde ser encontrada
Eleva-se a tília, de folhagem plena.
Aí inicia, pelo que se vê (abre o gesto em direção às mulheres que estão no
tablô, que insinuam-se, risinhos, olhares, etc.)
Uma dança de jovens da corte
(Volta a tocar.).
DAMA: - Para quem deveria me arrumar?
Os bobos foram seduzidos pelo sono, (olha para o Amigo)
[e eu me encontro desesperada
Alegria e honra são nesse mundo de pouca valia
São só palavras, que os homens atiram ao léu
Nenhum corteja uma mulher, a quem fosse fiel. (vai compor o tablô)
ESPANHOLA: - Fica tu com a tua desgraça
Com alegria é que se deve envelhecer
Homens ainda há, que com prazer servem
Às mulheres que bem se parecem (Bate nas ancas)
Vira essa boca pra lá
Que me corteja um que a tristeza pode
[afugentar.
CARTOMANTE (indo-se para o lado do Amigo, que estará dormindo): - Este,
se me agrada, deves me mostrar
O cinto que me envolve será teu (roda à baiana)
Diga-me seu nome, quem te corteja de tal maneira (volta-se em direção ao
outro casal)
U 92 - Dezembro 2005 - Nº 7
(De volta ao Amigo, de novo o olhar lascivo, subindo a mesa, sobre a qual
dorme o Amigo)
Eu ontem sonhei contigo, que uma mão te dizia adeus
A outra... adiantava a rezadêra
PORTUGUESA (em direção ao Bardo): - Riuwental que é de todos bem co-
nhecido
É ele o meu afeiçoado,
Que boas palavras me tem rendido
Por isso, será bem recompensado
Vou enfeitar-me para satisfazer sua intenção (Badala o sino).
Pois estão a tocar meio dia!
(todos juntos)
TUTTI: - As Moças devem procurar seus parceiros
Perambular baixo o céu claro de verão
Dançar em roda com espírito elevado.
(Ouvem-se risinhos e cochichos, tudo se dispersa. O monge grita)
MONGE: - Estamos atrasados! Amanhã será dia de Santo André!
CENA 8
(Põem-se todas a realizar cada um suas atividades. O Bardo e o Amigo sen-
tam-se na mesa, o primeiro a dedilhar uma música qualquer, um resquício
daquela outra. A Dama e a Cartomante discutem a moda medieval. A Portu-
guesa e a Espanhola ensaiam algumas danças. O monge, mais à frente no
palco, se penitencia. Frente a ele uma garrafa de vinho. Lê a Summa Teoló-
gica. Todos, se falam, o fazem de forma quase ininteligível à platéia. Cada
grupo terá sua vez de elevar o som de suas atividades acima do barulho feito
pelos outros. Foco na Cartomante e na Francesa-Dama.)
DAMA: - Ah, tá muito difícil. Afinal de contas, é pra ser um vestuário, francês,
alemão, o quê?
CARTOMANTE: - Acho que não importa, segundo esse livro, as mulheres
causavam a maior confusão social com essa mistura de estilos, combinando
a moda de um país com a de outro.
DAMA: - Que fashion! Bem, o que importa é que o corpo deve ser bem co-
berto, pois os vestidos devem passar pureza, não é?
CARTOMANTE: - Sei não! As mulheres eram consideradas as filhas de Eva,
e o vestuário uma evolução do pecado original.
DAMA: - Agora confundiu minha cabeça. Acho mais fácil fazer roupa de ho-
mem.
CARTOMANTE: - Isso também depende. Escuta esse verso:
Vestem à vilã, com capas à francesa/ Justas na cintura à maneira masculina/
Pontas grandes à guisa alemã/ Delicadas e brancas como um arminho.
Trazem nos seus capuzes viseiras/ E mantéis à cavaleiro/ com carapuços, e
apertadas na cinta/ com seios indefinidos à moda inglesa.
Dezembro 2005 - Nº 7 - 93 U
E diz um padre: “e por isso a população diminui e a sodomia aumenta”.
(Foco no Cavaleiro)
CAVALEIRO (olhando para a espada, primeiro com alguma curiosidade, de-
pois com admiração, e depois querendo usá-la): -
Ó gelo da luta
Vara da ira
Fogo de elmos
Dragão da espada
Roedor de elmos
Espinha da batalha
Varre a casa dos ventos
À procura do castelo do corpo
Das mulheres pecadoras
Adentra a casa do alento
(Olha para a Espanhola e para a Portuguesa dançando e grita)
Sois a causa da peste! Bruxas!!
(As duas recuam e gritam para que não atrapalhe suas danças. O Cavaleiro
se refaz.
Seguem as duas dançando. Continuam a cantarolar o que cantarolavam.
Era uma versão medieval da história de Medeia. Sempre repetindo o que
agora irão cantar, retomarão, após o ataque, o mesmo canto. Têm agora o
foco.)
AS DUAS: - Jasão, com pena do pai,
À esposa mágica vai
E pede a Medeia que ajude
a trazer a juventude
De volta ao pobre ancião.
Medeia,
Ao chegar à lua nova
Que era o tempo para a prova
Põe no fogo um caldeirão
E utensílios onde estão
Seus remédios, de mistura.
Como sumo, sangue e água pura;
(Repetem, diminuindo o volume da voz. Foco no monge. De frente para o
pão e o vinho)
MONGE (lendo a Summa Teológica): - Quaestio XCLVI Art. V - Utrum ratio-
ne virginitatis aureola debeatu.
Parece que a aureola não é devido à virgindade.
Pois, quanto maior difficultas in opere, ibi debetur maius praemium. . Ora, Se
maiorem difficultatem possuem in abstinendo et delectationibus carnis vidu-
ae quam virgines; e Jerônimo diz, que quanto maiores dificuldades sofre um
em se abster de prazeres ilícitos, tanto maior é o prémio, e isso diz quando
U 94 - Dezembro 2005 - Nº 7
faz o elogio da viuvez. E o Filósofo também ensina que a mulher que já não é
virgem tem mais veemente desejo carnal pela imaginação do prazer gozado.
(Rogando) Perdoai-me Senhor! Por haver pecado!
Perdoai-me Senhor! Pois pecarei mais uma vez! (Bebe e come!)
(O Amigo e o Bardo, sentados sobre a mesa, irão assistir a tudo com um
sorriso no rosto, alegres com a festa que está por vir. Ao verem o padre, rirão
mais e o Bardo, virando-se para o amigo, como quem acaba de encontrar o
tom certo para a ocasião, irá mostrar ao outro a música.).
BARDO (mostrando a música): - Oy comamos y bebamos ... (Canta o pri-
meiro refrão sozinho mais ou menos 3 ou 4 x, as pessoas vão se integrando
a canção, mas sempre com alguma interrupção entre as repetições, como
que aprendendo a música. Os homens vêm a frente cantar, as mulheres
preparam a mesa, cantando. Depois vêm as mulheres para a frente Na es-
trofe final, os dois primeiros versos são cantados somente pelo Bardo [em
staccato e mais baixo]. )
BARDO: Tomamos hoy gasajados, que mañana viene la muerte.
(Quando termina, o Cavaleiro ameaça com a espada, retira, o Amigo vem e
coloca sobre o Bardo o chapéu de Bardo, e o monge passa para esse uma
bebida. Retomam a canção, a Espanhola lidera a descida. Dão uma volta
pela platéia, e vão retornando ao palco. Toca o celular do Bardo, todos os
personagens ficarão à mesa comendo e bebendo)
CENA 9
BARDO (ao celular, retornando ao palco). –
Hola, cariño! Que tal? No, no, ya esta! ¡Puedes hablar, claro! (Vira-se para a
Portuguesa, passa a guitarra) No, olvidálo, nadie se dio cuenta... (De novo
à Portuguesa) Oye, ¿me podes ponerla en el case que está ahi? Gracias,
muy amable! (De volta ao Celular, já falando com o público). ¿El espetáculo?
¿De que se trata? Bueno, se trata de un intento de ocho estudiantes de Edad
Media de poner en escena lo que están estudiando... Si, la composición del
Espectáculo nos puso algunos problemas. El primer, es de que no se sabe al
cierto que formas tenía el teatro en esa época. El otro, es que todo lo que se
sabe viene de las imágenes y de los textos, de la arqueología, esas cosas...
... Exactamente, el problema de las interpretaciones... Ni todo lo que parece
muy evidente es lo que parece, y luego la história tiene mucho de las artes.
... Ahi lo tienes, considerando que el mas esperado era utilizarse del teatro
que normalmente se utiliza para hablar de Edad Média, pero que es de siglos
posteriores, o aún utilizar técnicas modernas para poner en escena las imá-
genes que nos llegán, se nos ha sugerido una tercera posibilidad. Cual sea,
la de que se podría llevar esos problemas al proscenio. Así se lo ha hecho.
Los ocho estudiantes se encuentran en sus ofícios de estudiantes, en que
ya resuena las fantasias que tienen de la época. El lugar de la no-institución
contrasta con la atmosfera de institución. Uno a uno, van imaginando esce-
Dezembro 2005 - Nº 7 - 95 U
nas y de hacerlo encuentranse en un juego de espejos y mirages que los
llevan a consecuéncias todavia no conocidas... ... Puede ser que por lá mú-
sica y por lo vino, pues al final casi se transforman en un coro de bacantes.
... Quienes són? Te lo cuento.
(Chama o primeiro)
Ricardo! Es el estudiante que imagina la tercera escena. Él estudia el famo-
so teologo italiano Tomás de Aquino. Quiere ser el monje.. Su encanto por la
Española le ha puesto lo que es el sentimiento de la culpa, y, aun que no la
deje de querer, encuentra en eso su mascara. O sea, para santo, no sirve!
(Virando-se ao Monge). Bendición, cura!
La protagonista de la escena que imagina Ricardo se llama Juliana. Su mira-
da silvestre viene a propósito de su colocación en el lugar de la Virgen, pues
se dice que esa personaje cristiana se ha identificado con la Ártemis griega,
la diosa de la casa. Pero estudia brujaría. Se enamora del que hace el Bardo
y talvez por eso se ha convertido en lo que ahora se encuentra. (Vira-se para
a Portuguesa, fitando-a. Diz baixinho) Ché, qué guapa la tipa! (escuta ao
telefone) Como? No, no como vos, nada que ver, vos sos maravillosa! (Toma
um tapa da Portuguesa) Ciao, he, gracias por todo, muy amable...
Luego vienen las três mujeres por las cuales los hombres todos olvidarianse
de su destino. Graziela, Carú y Renata, por favor! Graziela cuenta a sus ami-
gos una história que succedió a ella. Luego de contarlo, envuelve los otros
actores en su imaginación. Ella estudia los tejidos, y un poco de brujaría,
pues, dicen, la vestimienta no es un sinal de civilidad. Carú es la estudiante
de los gitanos, que llegan en esa época a Europa. Con Renata, actua lo que
cuenta Graziela. Pero el vestido que hacen a Renata a pone a fantasiar como
sería la vida de una princesa. En estudiante, su interés es por Eleonora de
Aquitania, patrona de las artes y ciências en su tiempo. ... Si, pero un poco
naive... se enamoró de uno que la traicionó con la gitana, y luego de otro
que tampoco es un caballero ejemplar. (Olha-as) Un momento, cariño, las
tengo que dispensar! (uma a uma, a cigana por primeiro) Quieres encuentrar
tu séquito? Por ese camino, por favor! Antes, hay que poner la ropa ahi (In-
dicando as coxias. Para um momento, a olhar, vira para a Francesa) Oh, ¡la
petite, petite bourgeoise! (De volta para o público) ¡Voulez vous rencontrez
vos amis? (Olha para ela novamente). Alors, debrás dejar tu ropa donde es-
tán las otras, (virando para público) Pues al paraíso solo entran los que estan
desnudos... de pecados, es decir. (Notando a Espanhola, dando-lhe a volta)
Hola, amorcito, (fala-lhe ao ouvido, apontando para as coxias). ¡No te olvides
de la ropa! (De volta ao celular) Hola, cariño! No es que estan como chicos,
les tengo que decir todo. ... Claro, por el vino y por la música.
Bueno, adelantemos todo. Volmir!
El estudiante de Martin Códax, quiere ser el troubadour... No, me parece
que no... Tuviera nacido en el tiempo de Fellini – era él y Giulietta Masinna
en la película... ¡Sale un Fred Astaire! Pero con Edad Média un desastre.
U 96 - Dezembro 2005 - Nº 7
(Despedindo-se) Ciao, recuerdate, un poco menos de sapateado, vas a salir
un superstar!
Como no podría faltar, el estudiante de los romances de caballería. Telles.
No ese es el mas chistoso. Quijotesco, diria, parodía el otro con una canci-
ón aleman y despues cree que lucha contra las brujas... La verdade es que
tiene la espada por compensasión... Si, fantasias regresivas, el falo, esas
cosas... (Ao Cavaleiro) Por favor,
Que te parecen? Hay cura para eso?
Yó? El bardo ibérico... Imaginálo vos, con ese accento... casi me sale un
tango!
El público? Casi todos Filosofos, estan ahi parados... un poco espantados,
me parece... Maravillados? No sé... me parece que contemplan... claro...
(Retirando-se) No, hace como unos cinco minutos que terminó... No, yo soy
el normal... Por qué sigo hablando en castellano?
(fecham-se as cortinas).
Conclusão
Dezembro 2005 - Nº 7 - 97 U
trabalho pode avançar e ser melhorado, é certo. Permite, contudo, refletir
acerca desse complexo relacionamento a que nos referimos, colocando a
ciência e a arte como métodos de reflexão que não são propriamente anta-
gônicos, mas complementares e que, por isso, devem ser aproximados.
Notas__________________________________________
¹ Uma versão mais detalhada desta parte foi apresentada no II Encontro do
GT de Antiga – ANPUH PR/IV Encontro do Grupo de Estudos de História
Antiga e Medieval do PR e SC, em outubro de 2004, por Maria Cecília de
Miranda Nogueira Coelho.
² Sobre a presença de temas medievais na cultura nordestina, ver a obra de
Câmara Cascudo, Vaqueiros e Cantadores .
³ Uma primeira versão desta segunda parte foi apresentada, no II Colóquio
Filosofia e Ficção, em novembro de 2004, na UDESC, por Frederico Teixeira
Gorski.
4 A partir do segundo semestre – o projeto teve início em março de 2004 -,
ele contou com a participação mais ativa da Profa Maria Brígida de Miranda
Yencken, de quem esteve a cargo o trabalho de preparação física dos alunos
– dois bolsistas e os outros sete participantes –, composição e direção de
uma peça. O objetivo da oficina teatral foi o de despertar o poder criativo vol-
tado à construção cênica. Foram utilizados exercícios e jogos teatrais de in-
tegração de grupo, expressão corporal e vocal, sensibilização espacial deri-
vados de várias abordagens, incluindo o sistema de Konstantin Stanislavsky,
os jogos de Augusto Boal e exercícios físicos de capoeira. Nesse estádio
– lembremos que este é o relato de um projeto em andamento -, contamos,
também, com o apoio de dois músicos que pesquisam a música medieval do
séc. XII e XIV, Glauber Sezerino e Silvana Mariani, ambos graduados pelo
Departamento de Música da UDESC.
5 Onde se coloca também a importância do texto para a peça, ainda que
este não seja o único aspecto a ser levado em conta para uma montagem.
6 A idéia inicial era que o personagem gritasse a hora em latim. Depois,
contudo, optou-se por essa oração, que, afinal, vem bem a propósito - basta
ver que é também nesse período que a imagem da Virgem ganha destaque
no culto católico.
7 Optamos por utilizar essa denominação, lembrando a origem comum dos
dois idiomas. Esse ponto, pouco discutido e comentado, deve ser destacado
quando de debates sobre a peça, principalmente em ambiente escolares,
U 98 - Dezembro 2005 - Nº 7
pois a omissão desse fato histórico reforça uma postura política de negativa
ao povo daquela região da Espanha de obter sua independência política e
reconhecimento de seu idioma.
8 A estréia da peça, em 10 de novembro de 2004, no Teatro da UBRO, em
Bibliografia____________________________________
Dezembro 2005 - Nº 7 - 99 U
O Papel do Figurino no Teatro de
Revista Carioca
________________________________________________
Leila Bastos Sette*
I - O Figurino-Tipo Social
II – O Figurino-Personalidade
III – O Figurino-Alegoria
IV – O Figurino-Fantasia³
Notas__________________________________________
Bibliografia____________________________________
AZEVEDO, Artur. “O Bilontra”. In: Teatro de Artur Azevedo. Rio
de Janeiro: Inacen, 1985. 4 v V. 2.
BASTOS, Souza, Dicionário do Teatro Português. Portugal/ Lis-
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BERGSON, Henri. O Riso: ensaio sobre a significação da comi-
cidade. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
CHIARADIA, Maria Filomena Vilela. “As Rubricas”. In: A com-
panhia de revistas e burletas do Teatro São José: a menina-dos-
olhos de Paschoal Segreto. Dissertação (Mestrado em Teatro).
Centro de Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação, UNIRIO,
1997.
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Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 1988.
NUNES, Mário. 40 Anos de Teatro. Rio de Janeiro: SNT, 1956.
PAIVA, Salvyano Cavalcanti de. Viva o Rebolado!: Vida e Morte
do Teatro de Revista Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Nova
Fronteira, 1991.
PEIXOTO, Luiz. Amendoim Torrado. Rio de Janeiro: Arquivo Na-
cional (Fundo- Delegacia Auxiliar de Polícia), s/ed., 1925. (cópia
digitalizada)
PRADO, Décio de Almeida. História Concisa do Teatro Brasileiro,
São Paulo: Edusp, Imprensa Oficial, 1999.
RABETTI, Beti (Maria de Lourdes Rabetti). “Memória e Culturas
do “Popular” no Teatro: O Típico e as Técnicas”. In: O Percevejo:
Teatro e Cultura Popular; Dossiê: Ariano Suassuna. Revista de
teatro, crítica e estética, no. 8. Rio de Janeiro: Departamento de
Teoria do Teatro, Programa de Pós-Graduação em Teatro, UNIR-
IO, 2000.
SALIBA, Elias Thomé. Raízes do Riso – A representação humor-
ística na história brasileira: da Belle Époque aos primeiros tem-
Sumário
Introdução
Foram realizados quatro trânsitos, entre 2001 e 2004, um por ano. A in-
vestigação, de caráter processual, pode ser caracterizada enquanto prática
como pesquisa, uma vez que a experiência acumulada inter-relaciona pes-
quisa e extensão e se reflete nas disciplinas ofertadas na graduação e mes-
trado. O foco atual da investigação está centrado nas questões de impacto e
risco e o planejamento e análise metodológica inclui estudos sobre inclusão
e democratização das diferenças. A avaliação contínua está amparada pelas
teorias de Pierre Bourdieu (no que se refere à avaliação diagnóstica) e Henri
Giroux (no que se refere ao planejamento de situações que envolvam traves-
sias teóricas e práticas).
Coleta de Dados
Gráfico 01
Gráfico 02
Gráfico 04
Bibliografia____________________________________
O Projeto
A História
Reflexões Finais
Para isso foi necessário contextualizar a prática, saber mais quem são
esses atores ao mesmo tempo em que realizamos aspectos teóricos do de-
senvolvimento humano e do que poderia ser a educação transformadora
e crítica desse ator especial. Por exemplo, o entendimento prático do que
Vygotsky chama de ZDP – Zona de Desenvolvimento Proximal foi impor-
tante para avançarmos gradualmente no processo de formação deste ator.
Avançamos gradualmente percebendo que atividades podiam realizar com
auxílio do facilitador. Trabalhamos através da repetição para eles conquis-
tarem habilidade de resolver o problema com o auxílio próprio grupo. Cada
nova habilidade e independência nos informavam que poderíamos passar
para algo mais desafiante, consolidando o aprendizado e criando zonas de
desenvolvimento proximais sucessivas.
Notas__________________________________________
¹ Deficiência mental é um funcionamento intelectual geral significativamente
abaixo da média, oriunda do período de desenvolvimento, concomitantemen-
te associadas a duas ou mais áreas da conduta adaptativa ou da capacidade
do individuo em responder as demandas da sociedade, nos seguintes as-
pectos: comunicação; cuidados pessoais; habilidades sociais; desempenho
na família e sociedade; independência na locomoção; saúde e segurança;
desempenho escolar; lazer e trabalho. (BRASIL, 1998)
4
ZDP – Zona de Desenvolvimento Proximal é um dos conceitos mais impor-
tantes de Vygotsky. Para ele o indivíduo possui, além do desenvolvimento
real, ou seja, aquilo que ele pode realizar sozinho, um estágio de desenvol-
vimento intermediário, chamado de proximal ou potencial, correspondente
ao que o indivíduo pode realizar com a ajuda do facilitador ou do grupo. Para
mais ver Vygostky 1998.
5
Ver Zipes 1997 para mais informação sobre Disney e industria cultural.
6
Habitus é conceituado por Bourdieu (1979) como um conjunto de ações
ideológicas inconscientes, determinações sociais, sistema de disposição e
de percepção, “estruturas estruturadas predispostas a funcionar como es-
truturas estruturantes”, com poder para programar a produção, circulação e
o consumo dos indivíduos e classes. Um conceito com potencialidade para
possibilitar a observação e identificação das forças ideológicas hegemôni-
cas ligadas aos interesses sutis dominantes. Para uma interessante análi-
se prática deste conceito ligada ao contexto latino americano ver Canclini
1995:62;79-80.
Bibliografia____________________________________
Origens
Foi um longo processo cujos resultados ainda se fazem sentir nas ins-
tituições pelos quais o projeto passou, notadamente o fim do tabu da utili-
zação do termo “direitos humanos” entre os funcionários das penitenciárias,
que viam no termo com muito preconceito, entendendo que ele só dizia res-
peito aos “direitos dos manos”.
Mas durante todo aquele ano, o grupo constrói O Rei da Vela, de Oswald
de Andrade, texto escrito em 1933, mas que só conheceria os palcos em
uma montagem histórica realizada pelo Teatro Oficina em 1967, quando o
contexto político do país renovaria os significados de um texto que, definiti-
vamente, é um dos mais instigantes já produzidos pela nossa dramaturgia,
e que conquista cada vez mais atualidade na medida em que as estruturas
políticas, sociais e econômicas do Brasil parecem pouco ter mudado ao lon-
go de todos esses anos que nos separam do autor modernista.
Mulheres de Papel
Ali, durante dois anos, entre muitas lutas por espaço para ensaios, que
passaram da capela, que virou fábrica e exilou o teatro para o salão de bele-
za, do qual foi transferido para uma unidade intermediária entre uma fábrica
de pirulitos e a entrada do pavilhão, ou seja, servia de passagem, o projeto
só conseguiu finalmente ganhar um espaço próprio e apropriado para o tra-
balho com as cenas, uma sala do segundo andar do pavilhão destinado às
unidades de trabalho, em meados do segundo ano de processo.
Muros
Notas__________________________________________
¹ A Lei de Fomento ao Teatro destina à produção teatral da cidade de São
Paulo 6 milhões de reais, distribuídos em dois processos de seleção reali-
zados no decorrer de cada ano. Os critérios de avaliação compreendem a
análise da importância de se viabilizarem propostas cênicas que não pre-
tendem se submeter a leis do mercado e que se preocupem em multiplicar
e difundir a arte teatral por toda a cidade.
Bibliografia____________________________________
COSTA, Maria Rita Freire. A Arte como Processo de Recriação em
Presídios. Catálogo do Projeto. São Paulo, 1983.
ESCOBAR, Ruth. Dossiê de uma Rebelião. São Paulo, Global, 1982
(Coleção Passado e Presente).
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São Paulo, Global, 1985.
FOUCALT, Michel. Vigiar e Punir – Nascimento da Prisão. Petrópo-
lis: Vozes, 2004.
FREIRE, Paulo e BETTO, Frei. Essa Escola Chamada Vida – Depoi-
mentos ao Repórter Ricardo Kotscho. São Paulo, Ática, 1986.
ILANUD. Direitos Humanos em Cena: oficinas teatrais com a popu-
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2002.
GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo:
Perspectiva, 2001.
MARCOS, Plínio. Homens de Papel e Barrela. São Paulo: Ed. Par-
ma, 1976.
SUASSUNA, Ariano. Valquíria e o Carandiru. Folha de São Paulo,
São Paulo, 13 jul. 1999. Caderno Ilustrada.
Considerações iniciais
É isso que me move: a busca para ser a cada dia um pouco me-
lhor, como pessoa e como profissional e os encontros me moti-
varam para ir em frente e lutar por aquilo que acredito. Senti-me
amparada, apoiada e estimulada. Sou movida a estímulos. Como
é bom ouvir pessoas que digam que vale a pena lutar pela educa-
ção. Eu acredito muito no poder que a educação tem para mudar
e transformar as pessoas e a sociedade.
Considerações finais
Notas__________________________________________
Deficiência mental é um funcionamento intelectual geral significativamente
abaixo da média, oriunda do período de desenvolvimento, concomitantemen-
te associadas a duas ou mais áreas da conduta adaptativa ou da capacidade
do individuo em responder as demandas da sociedade, nos seguintes as-
pectos: comunicação; cuidados pessoais; habilidades sociais; desempenho
na família e sociedade; independência na locomoção; saúde e segurança;
desempenho escolar; lazer e trabalho. (BRASIL, 1998)
Ver Zipes 1997 para mais informação sobre Disney e industria cultural.
Bibliografia____________________________________
A análise de sua obra traz à tona umas das mais polêmicas questões
que o teatro infantil suscita: sua especificidade ou não enquanto modalidade
artística.
Os recursos utilizados por Vladimir para falar à criança sobre a dor pro-
vocada por um amor não correspondido abrem novos caminhos para sua
então nascente dramaturgia.
Bettelheim trouxe uma preciosa contribuição para toda uma geração que
lutara por transformar os paradigmas da Educação, ao argumentar que os
contos de fadas são fundamentais na formação psíquica de qualquer crian-
ça, que neles encontra os significados profundos de sua própria existência. A
criança, através desses contos, segundo ele, é capaz de elaborar questões
complexas como a morte, o envelhecimento, as dores, as paixões e os me-
dos e assim enfrentar seus próprios conflitos.
Assim por exemplo, a peça tem início com um solene funeral, mostrando
a morte da mãe de Borralheira. Em determinado momento, aparece em cena
o corpo morto da vaquinha Lua, amiga da protagonista, e assassinada pela
madrasta. O príncipe Bernardo apaixona-se por Maria Borralheira, ao vê-la
banhando-se nua em uma cachoeira.
Aliás, já em 1984, Vladimir havia encenado Filme Triste, seu único texto
apresentado como “teatro adulto”, sobre a vida da juventude dos anos 60.
Por tratar de temas políticos e históricos menos próximos do mundo infantil,
a peça pode ter sido uma das precursoras deste mesmo “teatro jovem”.
O roteiro de Imagens, que pode ser considerado como uma grande rubri-
ca, é exemplar para a retomada de uma antiga discussão suscitada pela dra-
maturgia contemporânea: a oposição texto e cena. Nos textos de Capella, as
rubricas foram ganhando maior espaço ao longo do tempo, tornando difícil
a separação entre o autor e o encenador. Algumas delas chegam a assumir
feições literárias. Em Clarão nas estrelas, por exemplo, pode-se ler: “o im-
portante é que o anjo esteja envolto numa indescritível luz”. Vladimir afirma
que seu desejo, ao escrever um texto de teatro, é que o leitor tenha uma
perfeita visão daquilo que acontece em cena. Ressalva, contudo, que suas
rubricas não pretendem impor a futuros encenadores a sua própria concep-
ção de montagem, mas apenas torná-la a mais clara possível.
Notas
________________________________________________
¹ Disponível na Biblioteca da ECA/USP
Bibliografia
________________________________________________
Mas, o furor causado pelo Método não foi à toa. Comparadas à escola
britânica, outra grande influência do cinema americano, as teorias de Sta-
nislavski levam a uma maior identificação entre ator e personagem, ao invés
de incentivarem a audiência a manter certa distância intelectual em relação
ao ator. Baseado na busca da verdade interior do ator, o Método faz dele
Ciane Fernandes*
*Ciane Fernandes é Ph.D. em Artes & Humanidades pela New York Uni-
versity; professora da Escola de Teatro e do Programa de Pós-Graduação
em Artes Cênicas da UFBA e pesquisadora associada do Laban/Bartenieff
Institute of Movement Studies; autora dos livros: Pina Bausch e o Wuppertal
Dança-Teatro (São Paulo e New York) e O Corpo em Movimento.
Talvez seja este o grande trunfo deste “pequeno” livro: se nós artistas
estamos sempre acostumados a pedir emprestado metodologias de outras
áreas mais “avançadas”, em meio à crescente complexidade do mundo con-
temporâneo é a vez das artes reinventarem um modo de pesquisar, escrev-
er, analisar, menos atomizado e mais relacional. Ou seja, é hora de trazer
o corpo, marginalizado nas ciências e academia em geral, para o centro da
prática e organização da produção (que passa, então, a ser processo). Cabe
a nós substituir um corpo usado como meio de produção intelectual e cientí-
fica, analisado como camadas dissecadas em um laboratório, por este corpo
vivo, ativo, reorganizador de novos sistemas de conexões não lineares.
• Repertório (UFBA)
• O Percevejo (UNIRIO)
• Sala Preta (USP)
• O Teatro Transcende (FURB)
• ArtCultura (UFB)
• Cadernos de Teatro (O Tablado)
• Folhetim (Teatro do Pequeno Gesto)
• Revista do Lume (UNICAMP)
PEDE-SE PERMUTA
PIDE-SE CANJE
ON DEMANDE ÉCHANGE
SI RICHIEDE LO SCAMBO
Programa de
Pós - Graduação
em Teatro
Centro de Artes
Diagramação Editorial:
CEART/UDESC