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INTRODUÇÃO
Para Szasz, que continua com essa opinião pelos últimos 40 anos, doenças mentais não
são doenças, e sua natureza sem sido esclarecida pela Ciência; é apenas um mito, fabricado por
psiquiatras para avançarem em suas carreiras e apoiado pela Sociedade por render soluções
fáceis para pessoas problemáticas. Ao longo dos séculos, ele alega, homens da medicina e seus
apoiadores têm se envolvido em uma fabricação de loucuras egoísta, fixando rótulos
psiquiátricos à pessoas que são pestes sociais, estranhas, ou difíceis. E nesta orgia de
estigmatização, psiquiatras orgânicos não tem menos culpa que Freud e seus seguidores, cuja
invenção do Inconsciente (alega Szasz) foi um sopro de nova vida a desbancadas metafísicas da
mente e teologias da alma.
Szasz não está sozinho. Loucura e Civilização, que apareceu em francês em 1961,
trabalho do historiador parisiense do pensamento Michel Foucault, argumentou similarmente
que doença mental deve ser entendida não como um fato natural, mas um construto social,
sustentado por uma malha de práticas administrativas e medico-psiquiátricas.
A história da loucura devidamente escrita seria, portanto, uma explicação não da doença
e do seu tratamento, mas de questões de liberdade e controle, conhecimento e poder. Menos
radicalmente, mas igualmente inquietante, dois psiquiatras britânicos altamente respeitados,
Richard Hunter e Ida Macalpine, apontavam na mesma época a profunda confusão em que a
psiquiatria se metera:
1 A prova da água fria é mostrada nesta gravura francesa do século XVII: Um homem é
torturado, amarrado por uma corda e jogado na água fria. Imersão violenta em água fria
era uma forma de prova divina, muito usada em bruxas: Se boiassem eram culpadas, se
afundassem, eram inocentes. Era também, supostamente, uma cura para loucura.
"Este", concluiu Lewis, "é o quadro convencional, um de progresso e esclarecimento. . .
não está longe.”
Ou está? Ao longo da última geração, a historia da psiquiatria como contada por Lewis
tem sido rejeitada, e controvérsia tem crescido acerca da interpretação muitos acontecimentos
cruciais: A ascensão e queda do manicômio (‘um lugar conveniente para pessoas
inconvenientes’?); a política envolvida no confinamento compulsório e então da
‘descarcerização’; as origens, status científico, e alegações da psicanálise (foi Freud uma
fraude?); a ‘beneficência’ da profissão de psiquiatria; a razão por trás de tratamentos
questionáveis como clitoridectomia, lobotomia frontal, e terapia eletroconvulsiva; e o papel da
psiquiatria no controle socio-sexual de minorias étnicas, mulheres, e gays, e outras ‘vítimas’
sociais – para não citar mais. Os últimos 30 anos trouxeram um fermento de sabedoria original
– muitas vezes apaixonada, partidária, e polêmica – em todas essas áreas e muitas outras, que
não mostram sinal algum de diminuírem. Construindo sobre esses estudos, este livro vai
adereçar a credibilidade das opiniões de Lewis.
Um menu seria de grande ajuda. O próximo capítulo analisa a loucura entendida como
possessão divina ou demoníaca. Prevalente entre povos não letrados mundo afora, tais crenças
sobrenaturais foram incorporadas na medicina mesopotâmica e egípcia, bem como no mito e
na arte grega. Prevaleceram atuais no ocidente até o século XVIII, como reformuladas e
promulgadas pelos ensinamentos do Cristianismo, embora desbancadas cada vez mais pela
medicina e ciência.
A ‘nova ciencia’ do século dezessete tomou o lugar do modo de pensar grego com novos
modelos de corpo, cérebro e doença: As primeiras teorias psiquiátricas e práticas que vieram
delas são o foco do capítulo 6. O capítulo seguinte volta-se para os objetos de estudo da
psiquiatria: O que os insanos pensavam e sentiam? Como viam o tratamento que recebiam, por
tantas vezes contra sua vontade?
No começo
A loucura pode ser tão antiga quanto à raça humana. Arqueologistas já desenterraram
crânios datados de até pelo menos 5000 a.C. que já haviam sido trefinados ou trepanados -
buracos pequenos e redondos foram feitos neles com ferramentas de pedra. Pensou-se,
provavelmente, que o sujeito estava possuído por demônios e que os buracos permitiriam que
escapassem.
2 No Antigo Testamento, Nabucodonosor, rei da babilônia, tem um sonho que Daniel interpreta
como presságio de loucura. Quando mais tarde ele demonstrou orgulho ao falar de seu
maravilhoso palácio, a voz de Deus anuncia que ‘o Reino agora será separado de ti’, e
Nabucodonosor é levado à loucura, como no sonho.
Os babilônios e mesopotâmicos tinham que certas doenças eram causadas por invasões
espirituais, bruxaria, maldade demoníaca, mau olhado, ou a quebra de tabus; possessão era
tanto julgamento quando punição. Um texto assírio datado por volta de 650 a.C. atribui o que
eram evidentemente sintomas de epilepsia à demônios:
Costumes antigos dos gregos podem ser compilados através dos mitos e histórias épicas.
Estes não apresentam faculdades como razão e intenção na maneira familiar da medicina e
filosofia que viriam mais adiante na História, nem mesmo seus heróis possuem psiques
comparáveis ás de, por exemplo, Édipo de Sophocles, menos ainda às encontradas em
Shakespeare ou Freud. O homem homérico não é o tipo introspectivo e consciente de si mesmo,
tanto ilustrados nos diálogos de Sócrates alguns séculos depois – de fato, A Ilíada não tem uma
palavra ou expressão para ‘pessoa’ ou ‘si mesmo’. Cotidiano e conduta, normal e anormal, eram
vistos como à mercê do externo, forças sobrenaturais, e humanos mostrados como literalmente
levados à distração por sentimentos como raiva, angústia ou vingança. Os protagonistas de A
Ilíada são marionetes, nas garras de terríveis forças muito além de seu controle – deuses,
demônios e as Fúrias – que punem, se vingam, destroem; e seus destinos são decididos, na
maioria das vezes, por decretos dos céus, comumente revelados por sonhos, oráculos ou seres
divinos. A vida interna, com seus dilemas agonizantes de consciência e escolha, ainda não havia
se tornado decisiva, então escutamos muito mais sobre os feitos dos heróis do que suas
considerações.
Dramas também sugeriam caminhos para a resolução – ou, como poderíamos dizer,
teatro servia como ‘terapia’. Transgressão poderia, é claro, simplesmente ser punida na morte.
Mas, como com Édipo, agonia era mostrada como o caminho para uma maior sabedoria;
cegueira poderia levar a realização, e o próprio drama, a própria atuação poderiam levar a uma
catarse coletiva (purga, purificação). Shakespeare viria a mostrar o mesmo acontecimento com
o rei Lear, cuja auto alienação levou a final, via loucura, ao conhecimento pessoal.