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A instituição nômade e a solidão dos não-todo sozinhos

João Luiz Leitão Paravidini


Psicanalista. Membro da Associação Clínica freudiana.
Docente do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia
Endereço: Av. Uirapuru, 934. Bairro Cidade Jardim. Uberlândia – MG
jlparavidini@gmail.com
Resumo

Para que precisamos de uma instituição psicanalítica? Uma instituição é a instância


diretamente implicada na formação de psicanalistas através seus dispositivos
regulatórios e de seus atores envolvidos. Consideramos importante nos debruçar sobre
a formação e as possíveis consequências que a normatização institucional pode
produzir, identificando seus aspectos iatrogênicos, tais como a burocratização e
homogeneização, assim como também seus aspectos inventivos. Destacamos o quanto
uma instituição há de ser porosa para assimilar tanto o que continuamente se faz
presente enquanto excesso pulsional (pathos) quanto o que faz mancar (inconsciente),
balizando-se pela solidão dos não-todo sozinhos. Neste trabalho circunscrevemos a
relação fundamental entre a instituição e o inconsciente, entre a estrutura social
(campo das politicas) e estrutura do privado (campo das pulsões e destinos), como
uma hiância que dinamiza a articulação entre o contingente, o necessário e o
impossível. Todo processo institucional induz a m risco calculado: a instituição
imaginada. Através dele, a instituição é tomada em posição de salvaguarda diante da
falha fundamental. Propomo-nos pensar a instituição como produto do próprio
processo de formação analítica, e não apenas como sua garantia. Chamamos este
processo de ‘o mínimo de institucionalização necessária’ ou ‘a instituição nômade’ -
uma invenção singular em contínuo contraponto à inevitável ilusão institucional.

Palavras-Chave: psicanálise; formação analítica; instituição; laços sociais;


solidão.
“Fundo - tão sozinho como quanto sempre
estive em minha relação com a causa
psicanalítica – a EFP (…) ” (LACAN, Outros
escritos, 1971/2003, pg.235)

História e Formação
A Psicanálise se fez sustentar enquanto uma prática profissional através de
vários dispositivos institucionais e discursivos. Cabe ao nosso propósito inicial
destacar os intensos embates protagonizados ilustrativamente por Sandor Ferenczi
(1927) e Max Eitington (1932) relativa aos aspectos centrais do processo de
institucionalização da formação psicanalítica a partir da policlínica de Berlin.
Podemos considerar que Ferenczi centraliza sua críticas e fundamentações em
torno da radical importância da formação do analista vinculado ao fim de sua análise.
Freud destacou, dez anos depois, a posição de Ferenczi, manifesta em seu trabalho “O
problema do fim de análise (1927)em sua artigo “Análise finita e interminável”
(1937). Para Freud, o escrito ferencziano tem o valor “de um alerta para que não veja
como meta o encurtamento, mas sim o aprofundamento da análise. Ferenczi ainda
acrescenta a observação valiosa de que quão fundamental é para o sucesso que o
analista tenha aprendido a partir de seus próprios ‘enganos e erros’ e que tenha
adquirido domínio sobre os ‘pontos fracos da própria personalidade’.” (1937/2017, p.
354). De tal forma que se torna impossível considerar o sucesso de trabalho analítico
sem considerar a individualidade do analista, impondo-se como “condição preliminar
que o analista tenha terminado por completo a sua própria análise” (FERENCZI,
1927/2011, p.24)
Parece-nos pertinente evidenciar o que para Ferenczi implicava o fim de uma
análise. Nos diz ele que:
Nenhuma análise está terminada enquanto a maior parte das atividades de prazer preliminar e
de prazer final de sexualidade, em sua manifestações normais quanto anormais, não tiver sido
vivida no nível emocional, na fantasia consciente; todo paciente masculino deve poder chegar
a um sentimento de igualdade de direitos em face do médico, indican João Luiz Leitão
Paravidini
Psicanalista. Membro da Associação Clínica freudiana.
Docente do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia
Endereço: Av. Uirapuru, 934. Bairro Cidade Jardim. Uberlândia – MG
jlparavidini@gmail.com
do assim que superou a angústia de castração; todo doente de sexo
feminino, para que possa considerar que venceu a sua neurose, deve
ter vencido o seu complexo de virilidade e ter abandonado sem o
menor ressentimento às potencialidades de pensamento do papel
feminino (FERENCZI, 1927/2011, p. 24-25).
Freud (1937/2017), de forma sumária, em sua avaliação desta acima posição
de seu amigo, diz: acho que quanto a isso Ferenczi estava pedindo muito. De nossa
parte, achamos que talvez sim, mas não estamos bem certo disso.
Uma outra posição bastante distinta foi a que efetivamente veio a vigorar na
Policlínica de Berlin, vinculada ao Instituto de Berlin, fundada em 1920, por Karl
Abraham e Max Eitington. Esse último é reconhecidamente o grande responsável ,
durante os trinta anos seguintes, pela regulamentação da formação de analista da IPA,
a frente da International Training Comission (MILLOT, 2010, p.30), ademais de todo
o processo de equalização e homegeinização do que se tornaria a ‘standatização da
formação dos analistas da IPA.
Eitington, em seus pronunciamentos, deixava bem claro a sua satisfação com a
forma unânime com que esse sistema de formação havia alcançado. Em 1929 ele
regozijasse de ter constatado a ‘linda sistematicidade onde se dispensava uma
formação analítica. Em 1932 ele manifesta seu entusiasmo com sistematização do
tripé da formação (análise didática de um ano, o estudo teórico e supervisão), sendo
adotado o mesmo procedimento quer seja em institutos como o de Berlin, Viena ou
Londres, ou seja, onde que que a psicanálise fosse oferecida. (MILLOT, 2010, p.35).
Se por lado vemos a clara forma como Ferenczi nos alerta para a importância
da radicalidade da analise do analista, não tendo ele considerado que a analise
didática pudesse se diferir do fundamento da análise proposta aos pacientes, também
vamos encontrar um movimento de fortalecimento das estruturas institucionais que
respondem pelo controle, hierarquização e homogeinização. Esses impasses presentes
na origem da estrutura de fundação da instituição psicanalítica não nos parece nunca
haver se dissipado de nosso horizonte coletivo.

Instituição Psicanalítica
Por que precisamos de uma instituição? O que faz nos considerar que uma
instituição psicanalítica exista? Apesar de uma instituição possuir seu estatuto, sua
legislação, sua formatação dinâmica, o que faz com que ela cumpra sua função
primordial?
O projeto lacaniano de “retorno a Freud” inclui também uma revigoração da
formação do analista. No texto “Ato de fundação” Lacan nos diz:
Esse título em minha intenção representa o organismo em que deve
realizar-se um trabalho – que no campo aberto por Freud, restaure a
sega cortante de sua verdade; que reconduza a práxis original que
ele instituiu sob o nome de psicanálise ao dever que lhe
compromete em nosso mundo; que, por uma critica assídua,
denuncie os desvios e concessões que amortecem o seu progresso,
degradando seu emprego. Este objetivo de trabalho é indissociável
de uma formação a ser dispensada nesse movimento de reconquista
(LACAN, 1971/2003, p. 235).
Consideramos que o ‘ato de fundação’ da Escola Francesa de Psicanálise por
Lacan já nos indica que para ele a formação está condicionada a uma estrutura
institucional. Mesmo que para isso tenhamos que levar em conta os anos precedentes
e posteriores de críticas acirradas a institucionalização da formação pela IPA.
Apesar de considerar essa discussão interessante do ponto de vista
institucional, o que para nós interessa aqui pensar se passa em um campo mais
especifico: o campo da relação entre instituição e inconsciente, entre a estrutura social
(campo das políticas) e estrutura do privado (campo da pulsões e seus destinos).

Impasses no campo institucional


Na segunda lição do seu curso “ Coisas de fineza em Psicanálise” 1, Miller
(2011) considera que a – instituição psicanalítica tem o importante papel
detestemunhar o inconsciente pós analítico de seus membros. Para ele
“O analista em funcionamento não tem inconsciente, pelo menos é o
que sua formação deve lhe ter permitido obter. Mas ele tem esse
inconsciente e – é o que proponho – ele tem de elabora-lo, tem de
elucida-lo e tem de testemunha-lo, de testemunhar, se posso dizer, o
inconsciente pós -analítico, após sua investidura como analista. Ai
esta uma dimensão que ainda não foi destacada.
Parece-me, no entanto, que, se uma escola de psicanálise tem um
sentido, ela deveria permitir que o analista testemunhasse o
inconsciente pós-analítico, isto é, o inconsciente na medida em que
ele não faz de conta (ne fait pas semblant) . Da mesma forma, isso
permitiria verificar que o desejo do analista não é uma vontade de
semblante, que o desejo do analista está, para aquele que dele pode
se prevalecer, fundado em seu ser que não é e que, segundo a
expressão de Lacan, “é um querer na falta”. MILLER, 2011 (p.37)

Dessa forma a instituição articularia um lugar de elaboração do ‘inconsciente’


de cada analista, sendo ela capaz de abarcar suas produções singulares.
Mas também podemos levantar a possibilidade de o analista continuar a
aprender com seu próprio inconsciente. Nesse caso estamos mais às voltas com os
contínuos tropeços, mancadas por assim dizer, que nos adverte quanto ao
desassossego da função analítica, mesmo estando o analista em posição “inconsciente
pós-analítico”. Sendo assim, o que uma instituição sustenta como fundamental é a
continuidade da posição do analista enquanto eterno analisante. O que nunca vai
cessar de não se inscrever.

Percorrendo uma direção mais próxima dessa última posição relativa à relação
do analista/analisante, a instituição e sua formação (radical e contínua) Radmila
Zygouris nos auxilia a melhor formulá-la:
O fato de a transferência permanecer sendo a bussola de um
tratamento é entre outras coisas o que distingue a psicanálise das
demais psicoterapias, fazendo sua especificidade. É sempre possível
glosar sobre os conceitos, mas nem por isso a análise deixa de ser,
antes de mais nada, uma experiência vivida a dois, com dois corpos
em presença. Ela implica o analista no mais desconhecido de sua
própria história e faz com que se depare com aquilo que, muitas
vezes, permaneceu não analisado de seu lado. Isso porque cada
paciente estabelece uma transferência singular, assim como cada
uma delas restaura o mais singular e desconhecido da historia de um
sujeito. Muitas analises fracassaram justamente pelo
desconhecimento da implicação do analista na transferência. Isso
posto, qual seria, então, a formação que permitiria ao analista
reconhecer a maneira pela qual seu analisado o afeta? Uma vez que
seu desconhecimento torna o analista estupido. Penso que os
professores deve pelo menos insistir quanto à necessidade de o
analista permanecer em contato com suas próprias zonas de
conflito, suas próprias angústias, sem jamais considerar sua “análise

1Este curso ministrado por J-A Miller, em 2008-09, foi publicado em português com o título
“Perspectivas dos escritos e outros escritos de Lacan: entre desejo e gozo”.
pessoal” finda. O psicanalista é justamente o sintoma ambulante de
uma analise interminável” (Radmila Zygouris, 2013, p. 60).
O que a Radmila Zygouris nos diz parece, a primeira vista, ser o muito distinto
daquilo que para Ferenczi haveria de se esgotar ao fim de uma análise, a saber, a
radicalidade da análise finita: “nenhuma análise sintomática pode ser dada por
concluída se não for, simultaneamente ou em seguida, uma análise de carácter” Ele
próprio assevera, ao final desse seu texto, não haver presenciado muitos trabalhos
analíticos levados a este limite, sem no entanto perder sua crença de que “quando se
tiver suficientemente aprendido sobre seus modos de atuar e seus erros, e se tiver
aprendido pouco a pouco a contar com os pontos fracos de sua própria personalidade,
irá crescendo o número de casos analisados até o fim (1927/2011, p. 27). É
interessante como nessa altura podemos perceber como Radmila Zygouris e Ferenczi
dialogam quanto a posição crucial ocupada pelo analista e seus limites no processo
clinico.
Nessa mesma direção, podemos conceber o quanto que uma instituição há de
ser porosa para assimilar continuamente aquilo que há sempre do campo do excesso
pulsional de seu coletivo de analistas/analisantes e, ao mesmo tempo, daquilo que faz
sempre mancar. Esse espaço que possa dinamizar, ou melhor, que se ponha em
funcionamento na articulação entre o necessário e o contingente. Daí advém as noções
de risco calculado e de instituição imaginarizada. Delas não podemos fugir, nem da
noção de risco de falência, nem da instituição que vem como salvaguarda imaginária
da restituição de falha.

Uma proposta em questão


Como pensar uma instituição que se constitua no próprio processo de
formação? Nesse caso ela seria produto da formação e não somente seu suposto
garantidor. A isso chamamos agora de ‘o mínimo de institucionalização necessária ou
a instituição nômade’. Tratar-se-ia pois de invenção institucional singular em
contínuo contraponto à miragem institucional, ou seja, fazendo furo na instituição
imaginarizada.
O processo de formação traz em seu cerne a necessidade do laço com o
outro/Outro. Nesse sentido mesmo que o processo de formação do analista não se dê
de forma exclusiva no âmbito de uma única instituição formal, nada lhe permite
escapar aos contingências de seus laços sociais e dos discursos que lhes são
constitutivos (analista, analisante, estudante, supervisionando). Nesse caso podemos
dizer que o analista só faz a partir do seu próprio percurso, mas apenas na condição de
se sustentar e se fazer atravessar os laços sociais.
Parece-nos importante atentar para essa questão paradoxal: estar por si, mas
não todo sozinho. Para Radmila Zygouris
Na maioria das vezes, o analista entra nas instituições para não ficar
sozinho, e ali encontra uns amigos com os quais pode jogar uma
pelada. Isso também se chama formação. A instituição só é
aceitável se a considerarmos como uma rua um tanto estreita. Isso
porque em seu consultório, em sua prática, o analista está tão
sozinho quanto o goleiro na hora do pênalti. Quando tomado pela
dúvida, abre sua memória de trabalho e procura em seu aprendizado
o que poderia ajudá-lo a sair do embaraço, geralmente nada
encontrando, e é nessas horas que sai a procura dos outros analistas,
para pensarem juntos e não permanecer sozinho. Depois, procura
naquilo que sua experiência de vida lhe ensinou algo que lhe
permita recolocar em marcha sua máquina pensante e
desejante.(ZYGOURIS 2013, p. 64).
Esta relação que vai se dar entre analista e instituição é bastante singular.
Trata-se de uma filiação não filiada, em que se desloca da ideia de história ou de
herança, tais quais as disposições familiares estabilizadoras. A instituição nesse ponto
é antes tudo nômade, não toda familiar, não toda estrangeira.
Essa forma de laço institucional tem a estrutura de uma pelada ou de um racha,
tomando em consideração as formulações da Radmila Zygouris, pois o termo pelada
(sem camisa, sem identificação adesiva a um time) nos permite asseverar uma posição
de ‘permanente permutabilidade’ (causa de horror e fragmentação dentro das
instituições rígidas) a cada vez que se montam e remontam os ‘times’. Trata-se aqui
de uma ‘seriedade da informalidade’.
Quando utilizamos um outro significante, o ‘racha’ (divisão
contingencial/proposital dos grupos) vamos ao direção a uma formação grupal que se
racha contingencialmente para que haja um partida ou um jogo, dentro de dos
regramentos mínimos necessários. Aqui aparece-nos mais uma vez a noção do
‘mínimo de institucionalização necessária ou a instituição nômade’. Não tem juiz.
Tudo se discute pelo consenso, por regras conhecidas e decididas. Trata-se de um
espaço mínimo fundamental de estabelecimento de trocas ante a solitária “paixão pela
bola” e pelas verdades não ditas.

Solidão
Um analista só se faz pela solidão que o conduz em analise. Solidão estrutural
e o que isso porta do real. Na formação tomamos a solidão para pensar, mas não todo
sozinho. Então, qual o mínimo necessário de alteridade para se fazer por si, além de
si?
O que sustenta uma instituição psicanalítica é o fato de que ela produz
psicanalistas. Mas seria possível pensar um percurso de se fazer analista fora dos
espaços institucionalizados?
Cremos ter demonstrado que sim. Porém o percurso de se fazer um analista
não se faz a não ser pela relação muito peculiar que se estabelecerá com a psicanálise.
Com o que da psicanalise? Com o amor à verdade, ao inconsciente. Assim Freud se
colocava em um processo de se debruçar sobre as suas formações do inconsciente.
Continuamente se tomava como analisante. Ao se colocar na posição de analisanteele
o faz chamando ao outro. Supervisão, ensino, transmissão, teoria... são as condições
para o mínimo necessário de laços institucionalizáveis, por serem marcados por certas
condições regulatórias.
Não se precisa de uma instituição formalizada, mas de um mínimo de
formalização necessária, ante a uma condição que é da ordem contingência.
Contingência dos encontros que se fazem possíveis e ante ao real que
permanentemente produz esse efeito de impossível.
Contingência, necessário, impossível, simbólico, imaginário e o real. Trata-se
aqui do enlaçamento como fundamento para pensar o modo como constituímos a
institucionalidade de cada um. A institucionalidade de cada um é o que vai produzir o
modo de pertencimento, o que da instituição faz inventada para cada um de seus
constituintes.
Bibliografia

FERENZCI, S. (1927) O problema do fim de análise. In: Psicanálise IV – Sandor


Ferenczi. 2a. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 17-28. (Obras Completas
/Sandor Ferenczi , v. IV.

FREUD. S. (1937) A análise finita e a infinita. In: FREUD, S. Fundamentos da


clinica psicanalítica. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. (Obras incompletas
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LACAN, J. (1971) Ato de fundação. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2003, p. 235-247.

MILLER, J-A. Perspectivas dos escritos e outros escritos de Lacan: entre desejo e
gozo. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

MILLOT, C. Sobre a história da formação dos analistas. In: COUTINHO JORGE,


M.A. (Org.) Lacan e formação do psicanalista. Rio de Janeiro: Contra Capa
Livraria, 2006, p.29-42.

ZYGOURIS, R. A escola da rua. In: DUVIDOCICH, E. (Org.) Diálogos sobre a


formação e transmissão em psicanálise. São Paulo: Zagodoni, 2013, p. 50-65.

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