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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

Renato Caldeira Grava Brazil

Recurso especial: a extensão de seus efeitos e a atuação


do Superior Tribunal de Justiça no caso concreto

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2017
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

Renato Caldeira Grava Brazil

Recurso especial: a extensão de seus efeitos e a atuação


do Superior Tribunal de Justiça no caso concreto

Dissertação apresentada à
Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título
de MESTRE em Direito
Processual Civil, sob a
orientação da Professora
Thereza Celina Diniz de Arruda
Alvim.

SÃO PAULO

2017
Banca Examinadora
AGRADECIMENTOS

Não tem como iniciar os agradecimentos sem louvar a minha família,


que sempre esteve ao meu lado, não apenas como incentivadores, mas
sempre ressaltando a relevância do árduo caminho até o término da presente
dissertação. A presença e o apoio deles não se resume ao mestrado e deve,
aqui, ser motivo de amplos agradecimentos. Sem a família, base de tudo, não
estaria onde estou e não seria quem hoje sou.
Agradeço a Sergio Bermudes, titular do escritório em que trabalho há
mais de 10 anos por seus frequentes conselhos e por ser uma fonte
inesgotável de conhecimento, que é transmitido com enorme e invejável
facilidade.
Igualmente agradeço ao Fabiano Robalinho que, mesmo diante de dias
absolutamente atribulados e tarefas que muito exigem em nosso escritório,
sempre incentivou a continuidade dos estudos. Foi ele quem acendeu a
primeira faísca para a minha entrada no mestrado.
Agradeço ao Professor Sérgio Shimura, que me abriu as portas do
mestrado na PUC/SP, recebendo-me como ouvinte por um semestre na
cadeira de tutelas provisória que lecionava às vésperas da entrada em vigor do
Código de Processo Civil de 2015. Certamente foram as intrigantes discussões
travadas nessa sala de aula que me incentivaram a realmente buscar o título
de mestre naquela instituição pela qual já era bacharel.
Também devo agradecimentos a Henrique Ávila, que desde o início me
incentivou nos estudos do mestrado. Foram diversas as novas conversas sobre
as aulas, temas e matéria controversas que a nova sistemática processual
trazia para o nosso dia-a-dia.
Faço um agradecimento especial à minha orientadora, Professora
Thereza Arruda Alvim, de um conhecimento vasto e invejável que, desde o
início, deu o suporte e transmitiu a sabedoria que precisava na caminhada ao
longo das matérias cursadas e da redação desta dissertação. A admiração que
tenho pela Professora Thereza é realmente inenarrável.
Agradeço, ainda, ao Professor Eduardo Arruda Alvim pela
disponibilidade para nossas conversas, assim como pelos valiosos conselhos e
5

sugestões que foram essenciais para o desenvolvimento da dissertação.


Agradeço também ao Professor Everaldo Crambler pelas precisas
ponderações feitas na banca de qualificação.
Por fim, agradeço também à minha namorada, Giovanna Fujihara, não
por motivos técnicos, mas sim pela compreensão e apoio na jornada de
evolução dessa dissertação. Ela não apenas abriu mão de momentos que
deveríamos estar juntos para que eu pudesse me dedicar, como me confortou
em outros em que as dúvidas e preocupações me assolavam.
Certamente as pessoas aqui mencionadas não são as únicas que
contribuíram para o desenvolvimento do presente trabalho, o que desde logo
justifica um pedido de desculpas para alguém não nomeado especificamente,
mas foram aquelas que tiveram uma contribuição marcante nos
acontecimentos dos últimos três anos que se encerram com a presente
dissertação.
RESUMO

É inquestionável a relevância da atuação do Superior Tribunal de


Justiça, em especial por seu caráter de uniformizador jurisprudencial e
orientação de decisões através de seus precedentes, na estrutura judiciária
brasileira. A segurança que a atuação da Corte deveria transparecer, porém,
nem sempre é verificada na prática.
Por isso, o presente trabalho abordará brevemente a história de criação
do Superior Tribunal de Justiça e do recurso especial, abordando as
formalidades desse modelo de impugnação, como o modo particular de
processamento e os exigentes requisitos de admissibilidade, que geram muitas
vezes questões controversas na prática, algumas delas aqui tratadas.
A partir da admissibilidade, expõe-se como é feito tal juízo e os meios de
impugnação quando negativo. No mérito, exploraram-se os efeitos do recurso
especial, em mais detalhes o devolutivo e o translativo, que são efetivamente
aqueles que norteiam os limites de atuação da Corte Superior.
Por fim, o trabalho trata exatamente da atuação do Superior Tribunal de
Justiça nos recursos a ele remetidos, com relação à forma, momento e limites
de sua intervenção no julgamento do recurso especial.
ABSTRACT

The role of the Superior Court of Justice is of undoubted importance in


the Brazilian judicial structure, particularly in relation to standardizing Brazilian
case law and providing guidance to the lower courts in the form of
precedents. However, the Court's pronouncements do not always, in practice,
lead to the desired legal security.
In the light of that reality, this study examines the history behind the
establishment of the Superior Court of Justice and the introduction of the so-
called "Special Appeal" (recurso especial), analyzing the formalities inherent to
this form of appeal (including the stringent prerequisites to admissibility) and the
peculiarities of the manner in which the appeals are tried before the
court. These aspects of the Special Appeal have given rise to considerable
debate. Some of of the practical ramifications of these aspects are addressed
in this study.
The author examines the manner in which the admissibility of Special
Appeals is decided upon and the means of challenging a denial of leave to
proceed. In relation to the merits of the case, the study considers the effects of
lodging a Special Appeal, in particular the scope of the examination by the
Court (the efeito devolutivo) and the extent to which the court can draw on
extraneous matters such as public policy issues (the efeito translativo). These
are, in effect the two aspects that delimit the role of the Superior Court.
We then examine in detail the way in which the Superior Court has dealt
with the issues submitted to it, in terms of form (the orders made), time (and
timing) and the limits of intervention of the Court in its rulings on Special
Appeals.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 1
1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA....................................................... 4
1.1. Cortes Superiores e a origem do recurso ............................................ 5
1.2. Evolução no Brasil ................................................................................. 7
1.3. Modelos de corte no direito comparado............................................. 13
1.4. Funções clássicas e contemporâneas do recurso especial ............. 19
1.4.1. Funções clássicas ................................................................................ 19
1.4.2. Funções contemporâneas ................................................................... 22
1.5. Função primordial do Superior Tribunal de Justiça .......................... 25
1.6. O que se espera do Superior Tribunal de Justiça ............................. 31
1.7. A análise de um caso concreto. Ilustração da atuação do Superior
Tribunal de Justiça ......................................................................................... 36
2. CABIMENTO E REGRAMENTO DO RECURSO ESPECIAL................ 44
2.1. Cabimento ............................................................................................. 44
2.2. Regramento do recurso especial ........................................................ 52
2.2.1. Impugnação da decisão negativa de admissibilidade ...................... 57
2.2.2. Escolha do recurso cabível quando não admitido o especial por
mais de um fundamento ................................................................................ 65
3. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE ................................................... 71
3.1. Possibilidade de se sanarem vícios ou primazia do julgamento do
mérito recursal ............................................................................................... 73
3.1.1. Jurisprudência defensiva .................................................................... 76
3.2. Requisitos de admissibilidade formais .............................................. 85
3.3. Decisão de única ou última instância ................................................. 86
3.4. Matérias fáticas e probatórias ............................................................. 89
3.5. Análise de questões contratuais ......................................................... 93
3.6. Prequestionamento .............................................................................. 95
3.7. Repercussão Geral – Propostas de Emenda Constitucional (“PEC”)
209/12 e 17/2013 ........................................................................................... 100
4. EFEITOS DOS RECURSOS ................................................................ 107
4.1. Efeito obstativo ................................................................................... 108
4.2. Efeito suspensivo ............................................................................... 109
9

4.3. Efeito substitutivo .............................................................................. 113


4.4. Efeito expansivo ................................................................................. 114
4.5. Efeito translativo ................................................................................ 115
4.6. Efeito devolutivo ................................................................................. 118
5. A EXTENSÃO DO EFEITO DEVOLUTIVO DO RECURSO ESPECIAL
124
5.1. Premissa inicial: fracionamento da atuação do STJ ....................... 124
5.2. Extensão da atuação conforme o juízo realizado ............................ 129
5.3. Capítulos da decisão judicial ............................................................ 132
5.4. Questões de ordem pública............................................................... 136
5.5 Questões de ordem pública só podem ser analisadas após a
admissão do recurso especial? .................................................................. 141
5.6. Princípio da vedação à reformatio in pejus...................................... 143
5.7. Matérias de ordem pública e a vedação da reformatio in pejus no
recurso especial ........................................................................................... 148
5.8. Fatos e provas perante o Superior Tribunal de Justiça .................. 154
CONCLUSÃO ................................................................................................ 158
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS ......................... Erro! Indicador não definido.
INTRODUÇÃO

O objetivo de se fazer o presente trabalho focado na atuação do


Superior Tribunal de Justiça surgiu do desconforto desse autor, após 10 (dez)
anos de exercício do contencioso cível, com questões que se depara com
frequência na advocacia. Isto porque a segurança jurídica que a atuação da
Corte deveria transparecer, nem sempre é perceptível. Em algumas ocasiões,
inclusive, é o oposto.
Não seria exagero afirmar que a prática, muitas vezes, foge da teoria,
tanto para o bem, como para o mal. Não por outra razão, buscou-se elaborar
um trabalho que verse efetivamente sobre as características do recurso
especial com um viés eminentemente prático. Não há o intuito de apenas
ponderar doutrinariamente as respostas para as questões que surgem
diuturnamente, mas sim o objetivo de ponderar, também aliado às
consequências práticas, qual a melhor alternativa para tais ou quais situações
concretas.
Foi com esse objetivo que se iniciou o projeto com a contextualização da
origem do Superior Tribunal de Justiça e do próprio recurso especial, passando
por seus ideais primários e pela função ainda do Supremo Tribunal Federal
para a análise de matérias infraconstitucionais. Abordou-se a crise do
Supremo, com aspectos semelhantes ao volumoso trabalho das duas Cortes
Superiores atualmente, que culminou na fragmentação de sua competência e
criação do Tribunal e do recurso que aqui se analisam.
É a partir dessa base histórica e com as características do recurso
apresentado ao Tribunal Superior, que se buscou explorar e dar diretrizes
daquilo que parece ser razoável como a essência da função Superior Tribunal
de Justiça, exercida especialmente através do recurso especial. Explorou-se,
também, aquilo que se espera como forma de atuação do Tribunal na
qualidade de uma Corte Superior, órgão de relevância ímpar dentro da
estrutura judiciária brasileira.
Após tais considerações iniciais, que nortearam cada uma das posições
adotadas ao longo do trabalho, a pretensão foi de relatar brevemente o
conceito do recurso especial, suas hipóteses de cabimento e o seu regramento
de um modo geral, isto é, como se dá o seu processamento, informações sem
2

as quais não se poderia adentrar aos temas mais polêmicos nesse trabalho
abordados.
Superados tais pontos, passou-se a expor os requisitos de
admissibilidade, tanto aqueles comuns aos demais recursos, como os
particulares desse inconformismo excepcional, como o prequestionamento, a
decisão de última instância ou mesmo a impossibilidade de discussão de
matérias de fatos e provas na Corte Superior. Não se deixou de explorar — e
até criticar — a jurisprudência defensiva do Superior Tribunal de Justiça e os
importantes avanços nesta seara trazidos pelo novo Código de Processo Civil.
Depois de abordados os requisitos de admissibilidade e interessantes
controversas questões a eles inerentes, explorou-se outro ideal central do
presente trabalho: os efeitos do recurso especial e, em maior profundidade,
aqueles que influenciam precisamente nos limites da atuação do Superior
Tribunal de Justiça, quais sejam, o devolutivo e o translativo.
Especificamente para esses itens, o trabalho almejou abordar algumas
questões de manifesta relevância teórica, mas com grandes impactos na
prática, a fim de tratar dos possíveis limites de atuação do Superior Tribunal de
Justiça, o que deve ser avaliado, inclusive, com as premissas da função de tal
Corte, como uma daquelas de vértice do país.
Por tal razão, foram exploradas algumas conceituações de momentos de
atuação do Superior Tribunal de Justiça; de capítulos da decisão recorrida; e,
em conseguinte, dos limites de atuação da Corte no julgamento do caso
concreto: em resumo, humildemente tentou-se traçar alguns panoramas gerais
para saber exatamente até onde pode o Superior Tribunal de Justiça agir no
caso posto a ele para julgamento, considerando as limitações da Corte em sua
atuação e a função essencial que exerce no sistema judiciário, com evidentes e
grandes reflexos para a sociedade como um todo.
O trabalho não se pretende exaustivo e, muito menos, taxativo sobre as
opiniões que aqui são colocadas, mas, repita-se, intenta despertar a
curiosidade e alimentar o debate para um tema que não apenas é interessante,
como é de enorme relevância para todos que estudam, trabalham, exercem ou
simplesmente têm simpatia com o direito.
Afinal, como se comenta nas primeiras aulas da faculdade, o Direito
está, ainda que implicitamente, em cada ato que se pratica em sociedade. Não
3

por outra razão, portanto, é a relevância de bem se compreender as funções e


limites, ou melhor, a concreta atuação da corte mais relevante da estrutura
judiciária em matéria infraconstitucional, o Superior Tribunal de Justiça.
É isso, com poucas palavras, o que se objetiva sucintamente tratar nesta
dissertação.
1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

Neste capítulo inaugural se pretende apresentar apenas um cenário


geral sobre a origem e o desenvolvimento do recurso especial no sistema
processual brasileiro, aliado ao tratamento e funções das Cortes Superiores,
mas não esmiuçar a história do instituto, que remonta aos norte-americanos,
ainda no século XVIII, quando sequer constituídos eram os efetivos “Estados
Unidos da América”.
Evidentemente, os institutos, ao longo dos anos, são diversos e foram
submetidos a incontáveis mudanças e evoluções até que se chegou naquele
que, atualmente, se conhece por recurso especial, de competência do Superior
Tribunal de Justiça. Até porque as próprias Cortes Superiores passaram por
estereótipos e mudanças diversas.
Não se abordará cada uma dessas alterações ocorridas, mas será
fornecido um panorama mínimo, com aquilo que se entende como
indispensável para o bom conhecimento e noção, não apenas das razões e
necessidades que justificaram o surgimento de tal meio de impugnação
recursal, mas também para que se tenha bem delineado o caminho percorrido
na história, ponto sempre relevante — e interessante — de qualquer estudo.
Nesse capítulo inaugural, assim, também será feita uma análise crítica
acerca das funções de Cortes Superiores e, especificamente, daquela
atualmente exercida pelo Superior Tribunal de Justiça e o seu papel dentro da
estrutura judiciária e da sociedade civil brasileira como um todo. Afinal, como
uma das Cortes mais altas do país, certamente o objetivo do Tribunal não é de
ser um mero julgador casuístico, tal e qual uma terceira instância, muito
embora isto frequentemente ocorra1.

1
“Embora os recorrentes os interponham com o indissimulável propósito de satisfazer suas
pretensões, os chamados recurso extraordinários foram criados pela Constituição com a
finalidade primordial de assegurar a hegemonia dela própria e do direito positivo federal.
Mediante o julgamento desses recursos, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de
Justiça, se terminam revendo pronunciamentos contrários aos recorrentes, exercem a
jurisdição com o transcendental objetivo de indicar aos demais órgãos do Judiciário e à nação
o sentido, o alcance, a vontade das normas constitucionais e de direito federal, assegurando-
lhes interpretação e a consequente aplicação, tanto quanto possível, uniformes” (BERMUDES,
Sergio. Introdução ao Processo Civil, 5ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2010).
5

1.1. Cortes Superiores e a origem do recurso

Independente da nomenclatura atribuída, é amplamente divulgado na


doutrina que os primeiros institutos que se assemelham às funções do
extraordinário e do especial nos dias atuais, surgiram da necessidade de se ter
um poder centralizador e uniformizador de decisões, ou seja, as ditas Cortes
Superiores (ou Supremas) de cada um dos países.
Ora, em épocas em que as próprias leis eram parcas e esparsas, com
interpretações diametralmente opostas, como acontecia, por exemplo, nos
Estados Unidos da América, a necessidade de existir um órgão central que
desse a palavra final era premente. Isso porque “o Estado Federal é um
composto, um complexo de competências diferenciadas, cujo instrumento
constitucional contém regras, expressas ou implícitas, delimitando as esferas
de ação, não só de cada um dos poderes no organismo federal, mas ainda das
entidades federadas em face da União, ou desta em face daquelas”2.
É por isso que José Afonso da Silva sempre afirmou que qualquer
sistema processual efetivamente demanda um tribunal de cúpula que dê a
última palavra sobre a questão em litígio. É o exemplo da França, Espanha e
Itália com as suas respectivas Cortes de Cassação, ou da Alemanha com a
Corte de Revisão. No Federalismo, tal como nos Estados Unidos, bem pondera
o autor, a questão é ainda mais evidente, já que independentes são os Estados
e seus respectivos órgãos julgadores, a revelar a indispensabilidade de um
poder maior que uniformize os entendimentos. É o papel da Suprema Corte
nos Estados Unidos da América3.
“É importante, porém, salientar que, nada obstante o modelo de
funcionamento do Poder Judiciário — que inclui um tribunal de cúpula — ser
bastante peculiar no federalismo, a criação de Cortes Supremas se revelava
2
NUNES, Castro. Teoria e Prática do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Forense: 1943, p. 155.
3
“Mesmo nos Estados unitários, onde os órgãos jurisdicionais são unificados e a fonte
normativa do direito é única, existe aquele órgão de cúpula e, geralmente, um recurso
processual com que se cumpre a missão de interpretar e aplicar uniformemente o direito
escrito: Corte de Cassação na Itália, na França e na Espanha, e os respectivos recursos de
cassação; Corte de Revisão e recurso de revisão na Alemanha. Nos Estados de forma
federativa, a necessidade de uma Corte Suprema e de um recurso com tais finalidades é ainda
muito maior do que nos Estados unitários em vista da duplicidade de órgãos jurisdicionais e de
fontes normativas do direito: União federal e Estados-membros”. (SILVA, José Afonso da. Do
recurso extraordinário no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1963, p. 5).
6

uma tendência a partir também da Revolução Francesa, em virtude do apego à


letra da lei, que viria a contribuir eficazmente para evitar a restauração do
antigo regime e que gerou, na Europa, a instituição das cortes e a criação dos
recursos de cassação (…). Reconhecia-se que a segurança jurídica (…) era
um valor jurídico que interessava ao Estado preservar e defender, e, no
federalismo, tinha-se claro que seria impossível manter essa segurança diante
da circunstância de que uma mesma lei federal poderia ser interpretada de
formas diferentes e definitivas por diversos tribunais estaduais. Era, pois,
necessário estabelecer meios de fazer valer a segurança por intermédio da
unidade da aplicação das normas jurídicas positivas em cada ordem jurídica.
Por isso, nos dias de hoje, é inconcebível a inexistência de um tribunal de
cúpula”4.
A necessidade de se ter uma forma de uniformizar a interpretação da
norma é inequívoca e a função foi, desde então, atribuída às Cortes mais altas
dos países, o que a história demonstra não apenas ser verdadeiro, mas uma
consequência natural da demanda da sociedade, ainda que distintos sejam os
modos de se fazer essa uniformização, a depender da forma de organização
do Estado5.
No Brasil não seria diferente, uma vez que o federalismo aqui
considerado concede autonomia aos Estados na organização do sistema de
justiça. Claramente, isto não significa a presença de várias jurisdições
diferentes e completamente autônomas, mas sim a delegação de competências
distintas, tal como bem expressa a Constituição Federal brasileira. Não apenas
se distribui a competência, mas também a aplicação das leis, inclusive aquelas

4
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário
e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016, p. 294.
5
“No regime federativo, ao lado da Justiça da União, há também a Justiça dos Estados. Essa
dualidade favorece a autonomia dos Estados-membros, que organizam o seu sistema de
justiça. Não se quer dizer com isso que existam jurisdições diversas - já que o Poder Judiciário
é nacional -, mas, sim, que há distribuição de competências.
Ao lado da distribuição de competência legislativa, na esfera federal, estadual e municipal, o
Poder Judiciário se encontra distribuído nos diversos Estados-membros da Federação, cujos
tribunais aplicam leis federais e estaduais.
Distribuída a Justiça dessa maneira, é praticamente impossível que haja uniformidade de
entendimento acerca do direito federal perante todos os tribunais locais. Daí a necessidade de
criar um meio através do qual se possa alcançar a unidade de interpretação do direito federal
aqui compreendidas as normas constitucionais e as normas federais infraconstitucionais”
(MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e Repercussão Geral e outras questões
relativas aos recursos especial e extraordinário. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009,
pp. 20/21).
7

estaduais e municipais criadas no âmbito da competência delegada. Nesse


cenário, é evidente a necessidade de se ter um Tribunal de Cúpula que dê a
palavra final, no intuito de pacificar questões e orientar entendimentos.
Aqui, inicialmente, tratava-se do Supremo Tribunal Federal e do recurso
extraordinário, como se passa a expor.

1.2. Evolução no Brasil

No Brasil, Aliomar Baleeiro relata que “antes mesmo de ser feita nossa
primeira Constituição republicana, onde pontificava o grande Ruy, que
conhecia bem o papel da Suprema Corte americana, já se sonhava com um
tribunal capaz de equilibrar o Legislativo/Executivo e ser o guardião das
liberdades individuais. Assim, em maio de 1889, D. Pedro II recomendou a
Salvador Mendonça e ao Cons. Lafaiete, os quais estavam de malas prontas
para uma visita oficial aos Estados Unidos, que estudassem a Suprema Corte,
pois nela estava a chave do bom funcionamento da Constituição. Sua intenção
era a de substituir o Poder Moderador por um órgão judicial atuante”6.
Assim, é possível considerar que “o recurso extraordinário surgiu, no
Brasil, no momento histórico em que se estruturava juridicamente o Estado
brasileiro, instaurando o regime federativo, inspirado no sistema norte-
americano, e logo após a proclamação da república, através do Decreto 848 de
24 de outubro de 1890. Surgiu em razão da necessidade de se garantir a
supremacia da lei federal e da Constituição, em toda a Federação, e teve
inspiração no writ of error, criado nos Estados unidos da América pelo Judiciary
Act, de setembro de 1789”7.
Desde então, o recurso extraordinário passou por diversas modificações,
em especial com as Constituições promulgadas no grande intervalo de tempo
desde sua criação até hoje. Como o objetivo do presente trabalho, porém, é a
análise da extensão do efeito devolutivo do recurso especial e dos limites da
atuação do Superior Tribunal de Justiça, essa narrativa histórica será feita de
maneira sucinta, no limite para a compreensão das principais alterações

6
Aut. Cit. O Supremo Tribunal Federal, esse outro desconhecido. Rio de Janeiro:
Forense,1968, p. 19.
7
PINTO, Nelson Luiz. Recurso Especial para o Superior Tribunal de Justiça. São Paulo:
Malheiros, 1992, p. 38.
8

ocorridas ao longo do tempo, em especial aquelas que influenciam no


entendimento atual sobre o recurso.
Inicialmente, portanto, nos termos do acima mencionado Decreto, o art.
59, § 1º, dispunha que “(…) das sentenças dos Estados em última instância,
haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: a) quando se questionar
sobre validade ou aplicabilidade de tratado e leis federais, e a decisão do
Estado for contra ela; e b) quando se contestar a validade de leis ou atos de
governos dos Estados, em face da Constituição ou das leis federais, e a
decisão do tribunal do Estado considerar válidos os atos ou leis impugnados”.
Essa era, portanto, a previsão que da Constituição Republicana de 1891
constava, atribuindo ao Supremo Tribunal Federal zelar tanto pela legislação
federal constitucional, como infraconstitucional. A Constituição de 1926, por
seu turno, trouxe como inovação a possibilidade de interposição do recurso por
divergência de entendimento jurisprudencial, assim como concedeu
legitimidade para a sua interposição aos próprios tribunais envolvidos na
discussão jurídica e ao Procurador Geral da República, dando já ares da
existência de um interesse maior, público, na discussão da situação jurídica, do
que a mera resolução da desavença entre as partes.
A Constituição de 1934 trouxe, pela primeira vez no texto máximo do
país, a nomenclatura de recurso extraordinário, antes somente mencionada no
regimento interno do Supremo Tribunal Federal. Além disso, aclarou a redação
constitucional acerca do cabimento do recurso, não mais apenas para
hipóteses em que a norma fosse declarada inválida, mas sempre que a decisão
fosse a ela contrária, sanando dúvidas que à época já eram suscitadas acerca
da extensão da atuação da Corte Suprema.
Muito embora a Constituição Federal de 1937 não tenha trazido
nenhuma alteração que se julgou relevante para esse relato que se pretende
breve, foi em sua vigência que o primeiro Código de Processo Civil foi
promulgado.
Foi, então, com a Constituição Federal de 1946 que se criaram os
Tribunais para análise das questões federais, retirando essa função de 2ª
instância do Supremo, mas mantendo com ele a obrigação também de
uniformizar os entendimentos da esfera federal país afora.
9

Já nesse momento, o Supremo Tribunal Federal se via assoberbado


com recursos, dificultando sobremaneira a sua atuação. Em uma das várias
tentativas de amenizar o problema, em 1963 foi criada a Súmula de
Jurisprudência Dominante, por força de Emenda Regimental, que dava a
permissão para o julgamento do recurso, inclusive análise de cabimento e
conhecimento, a ser feito com base nas referidas Súmulas, bastando a
reprodução da tese para o julgamento, dispensando outros esclarecimentos e
maiores fundamentações.
Já a Constituição de 1967, com a redação a ela posteriormente dada
pela Emenda nº 1 de 1969, reproduziu hipóteses de cabimento muito próximo
daquelas hoje vigentes, o que fez em seu art. 119, inciso III. Foi na vigência
das previsões de tal Constituição Federal que ganhou maiores holofotes aquela
que comumente se chamou da “Crise do Supremo”, muito embora a razão da
crise já viesse aumentando anos antes de seu estopim.
A “Crise do Supremo” nada mais é do que a existência de um número de
recursos tão excessivo que a atuação da Corte era praticamente inviável. Na
verdade, o alerta que já vinha soando desde a Constituição anterior, apenas
evidenciou que alguma mudança precisava ocorrer, caso contrário a função
primordial da Corte Suprema nunca seria alcançada, simplesmente porque os
casos continuariam a se acumular, sem nada que o baixo número de ministros
pudesse fazer.
Houve incontáveis tentativas de mitigação do problema, como as
próprias Súmulas, ou a restrição que o verbete 4008 buscou implementar, mas
é certo que a questão não foi efetivamente resolvida, quiçá fora reduzida à
época. De fato, houve diversas emendas constitucionais, alterações
regimentais ou até mesmo procedimentais, tudo no intuito de aliviar a carga de
trabalho dos Ministros do Supremo, mas nenhuma delas, nem todas juntas,
foram suficientes para solucionar o grave problema9. Foi nesse cenário que a
Constituição Federal de 1988 trouxe as mudanças mais drásticas até hoje
vistas quanto ao recurso extraordinário.
8
Súmula 400 do STF: “Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a
melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra ‘a’ do art. 101, III, da Constituição
Federal”.
9
Sobre o tema, confira-se MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso
especial. 10ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. pp. 73/106.
10

Fez isso, basicamente, fragmentando a competência do Supremo


Tribunal Federal entre ele e o recém-criado Superior Tribunal de Justiça;
enquanto aquele permanecia com a análise das questões constitucionais, este
assumia a competência com relação às matérias infraconstitucionais, de
legislação federal, que deveriam ser desafiadas agora por meio do recurso
especial.
Assim, percebe-se que houve uma preocupação “em deixar ao Supremo
Tribunal Federal a tarefa única e exclusiva de ser o guardião da Constituição
Federal enquanto ao Superior Tribunal de Justiça o trabalho de fiscalizar a
correta e uniforme aplicação da lei federal”10.
As inovações trazidas pela Constituição de 1988 refletiram as sugestões
que haviam sido feitas por José Afonso da Silva que, em obra de 1963, já
apontava que a solução da crise do Supremo passava “por uma reforma
constitucional, no capítulo do Poder Judiciário Federal, com o fim de redistribuir
competências e atribuições dos órgãos judiciários da União”. Na obra, o autor
sugeriu a criação de outro tribunal, batizando-o, 25 (vinte e cinco) anos antes
da sua efetiva criação, de Tribunal Superior de Justiça, em linha com o Tribunal
Superior Eleitoral e o Tribunal Superior do Trabalho. Na mesma oportunidade,
o autor batizou o recurso direcionado ao novo tribunal também de recurso
especial11.
A tarefa que a Constituição de 1988 tentava concluir era árdua: aliviar a
carga recursal do Supremo Tribunal Federal e permitir uma melhor análise dos
recursos que vinham sendo interpostos em enxurrada. Até por isso, apesar de
manter a Corte maior com os mesmos 11 (onze) ministros que possuía desde o
Ato Institucional nº 6 de 1969, dotou o Superior Tribunal de Justiça de outros
33 (trinta e três).
Talvez por isso já se comentava tratar “de solução cujo acerto somente o
futuro poderá atestar, sendo fora de dúvida que, pelo menos nos primeiros

10
JORGE, Flávio Cheim. Recurso especial com fundamento na divergência jurisprudencial, in
Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis e de outras formas de impugnação às
decisões judiciais. Coord. Nelson Nery Jr e Teresa Arruda Alvim Wambier. Vol. 04. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001, p. 375.
11
SILVA, José Afonso da. Do recurso extraordinário no direito processual civil brasileiro. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1963, p. 476/479.
11

tempos, serão devidamente apreciados todos os recursos extraordinários, sem


necessidade de emprego de meios restritivos de conhecimento”12.
Fosse embora boa a expectativa à época, é com certa segurança que se
afirma, atualmente, não ter a mudança atingido o seu primordial objetivo.
Análises “revelam que, se antes tínhamos apenas um tribunal estorvado pelo
volume de processos, agora temos dois sofrendo do mesmo mal”13.
A verdade é que apenas a criação do Superior Tribunal de Justiça não
foi suficiente para eliminar a crise até então enfrentada. Certamente ela foi
amenizada durante um período de tempo, mas o volume de recursos
apresentados ao tribunal recém-criado é gigantesco, até porque as partes (ou
seus advogados) o transformam em uma verdadeira terceira instância.
É exatamente esse assoberbamento que faz com que os ministros se
utilizem de outras vias para reduzir o trabalho, ainda que impróprias. Como
exemplo, é possível citar a jurisprudência defensiva, que é comumente utilizada
com relação a qualquer questiúncula como razão de não conhecimento do
recurso especial, no intuito maior de diminuir a sobrecarga de trabalho
pendente de análise. O problema, como se tratará mais detidamente adiante, é
que matérias de fundo de extrema relevância e que demandavam a
intervenção dos Tribunais Superiores, acabam por ficar sem análise diante
desse cenário caótico.
Talvez por isso não seja pouca parte da doutrina que defenda a criação
de uma sistemática semelhante — ou idêntica à repercussão geral para os
recursos especiais (cf. item 3.7 abaixo). Arruda Alvim chega a argumentar que
a Emenda Constitucional 4514 perdeu, efetivamente, a oportunidade de impor
essa importante restrição aos recursos especiais15.

12
GALVÃO, Ilmar. Poder Judiciário. Reforma de 1988. O recurso especial no Superior Tribunal
de Justiça.Informativo Jurídico Biblioteca Min. Oscar Saraiva, v.2., n. 2, p. 73 – 167, jul./dez.,
1990, p. 119.
13
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário
e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016.
14
A Emenda Constitucional 45/2004 trouxe mudanças relevantes para os recursos
extraordinário e especial, como, por exemplo, a correção de equívoco cometido pela
Constituição de 1988, devolvendo ao Supremo Tribunal Federal a competência para analisar a
validade de lei local contestada em face de lei federal.
15
ARRUDA ALVIM. José Manoel de. A EC n. 45 e o Instituto da Repercussão Geral in Reforma
do Judiciário. Primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004, Coord. Teresa Arruda Alvim
Wambier, Luiz Rodrigues Wambier, Luiz Manoel Gomes Jr., Octavio Campos Fischer e Willian
Santos Ferreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, pp. 63/99.
12

As justificativas para se criar outras formas de restrição do acesso ao


Superior Tribunal de Justiça se concentram exatamente em reduzir o número
de recursos e permitir uma intervenção mais qualitativa da Corte, que, não se
nega, ocupa papel de extrema relevância no cenário jurídico.
O Código de Processo Civil de 2015, nos limites de sua competência,
tentou, mediante o privilégio aos precedentes, impor algumas restrições ao
processamento de recursos aos Tribunais Superiores, mas flertando de
maneira perigosa com um possível engessamento de entendimentos passados,
cuja eventual modificação deverá superar uma via crucis inimaginável. A
intenção, porém, é louvável e merece guarida prática na tentativa de se
restringir a interposição maciça de recursos para os Tribunais Superiores, tal
como se fossem instâncias meramente revisoras, o que, definitivamente, não
faz parte de suas indispensáveis funções.
Moreira Alves já havia há muito predito a situação que atualmente se
enfrenta com o Superior Tribunal de Justiça ao mencionar que “não há Corte
alguma que, sem algumas centenas de juízes, possa julgar, em terceiro grau
de jurisdição, todas as questões de direito já apreciadas pelo duplo grau de
jurisdição ordinária, aplicando, ademais, ao caso concreto, a interpretação dos
textos legais pertinentes que lhe afigura melhor”16.
Ainda que não se considere, atualmente, os Tribunais Superiores como
meras terceiras instâncias julgadoras e existam limites para o cabimento e
processamento dos recursos a eles direcionados, é certo que as restrições
atuais não são ainda suficientes para fazer frente às necessidades das Cortes.
Logo, os ajustes processuais que estão, necessariamente, sempre em
voga, em particular para restringir a via do recurso especial, são relevantes e
não podem deixar de lado a máxima de Alfredo Buzaid de que “o erro de fato é
menos pernicioso do que o erro de direito”17. Isso porque o erro de fato se
limita à causa concreta posta a julgamento, não transcendendo as partes os
efeitos da interpretação, enquanto o erro de direito é muito mais grave, já que
serve de precedente e tem o poder de contaminar os demais juízes. Aí está a

16
ALVES, José Carlos Moreira. O Poder Judiciário na Nova Constituição. A nova ordem
constitucional – Aspectos polêmicos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988, p. 199.
17
BUZAID, Alfredo, Nova Conceituação do Recurso Extraordinário na Constituição do Brasil, in
Estudos de Direito, p. 183.
13

relevância da atividade de controle de legalidade do julgamento dos Tribunais


pelo Superior Tribunal de Justiça.

1.3. Modelos de corte no direito comparado

Com fins didáticos e ilustrativos do que se explorará ao longo desse


trabalho, é importante contextualizar que existem, de uma maneira geral, três
modelos de Cortes Superiores nos sistemas judiciários do mundo, a saber: (i)
as Cortes de Cassação, com exemplo clássico da França, ou mesmo Itália e
Espanha; (ii) as Cortes Supremas, como a dos Estados Unidos da América
(“EUA”); e (iii) as Cortes de Revisão, como da Alemanha.
A Corte de Cassação da França teve origem no período da revolução
francesa, a partir da necessidade de se ter um órgão que fazia prevalecer a lei
acima de tudo. Não havia, inicialmente, a preocupação de se uniformizar, mas
sim em fazer prevalecer a lei propriamente dita. Dizia-se, inclusive, que a
função da Corte de Cassação francesa, em seus primórdios, era negativa, já
que se limitava a cassar eventual decisão que fosse considerada contrária à lei.
Nada além disso, ou seja, a matéria de fundo, o mérito, nunca chegava a ser
analisado.
Rapidamente se percebeu a impossibilidade de se vedar ao juiz a
interpretação da lei, já que a função por ele exercida, em sua essência, é a
qualificação dos fatos à norma, o que é feito, invariavelmente, com certo grau
de subjetividade (interpretação).
O Código de Napoleão, então, acabou com essa restrição e, por
consequência, modificou a competência da época da Corte de Cassação,
outorgando-lhe como objetivo, não apenas o de zelar pela integridade da lei,
mas de fazer com que se tenha uma interpretação dela de uma maneira
uniforme em todo o país. Isto, intencionalmente ou não, acaba afastando o
subjetivismo e limitando o espaço de atuação interpretativa dos magistrados 18,

18
“(…) Cortes de Cassação, encarregadas, portanto, do só contraste objetivo entre a tese
albergada no julgado recorrido acerca da exegese de um texto legal, e aquela predominante no
âmbito do Tribunal, sem reformulação, portanto, de juízo de valor acerca do mérito, ou seja, do
acerto ou desacerto da decisão recorrida. (…) . Como se vê, a Cassação francesa é um
tribunal que, em boa medida, sobrepaira aos demais órgãos jurisdicionais singulares e
colegiados, nesse sentido de que não se destina a operar como mais um grau judiciário e,
menos ainda, como uma instância para revisão de matéria de fato ou para correção de
14

já que a decisão de Cassação passou a ter também força vinculante sobre os


órgãos hierarquicamente inferiores.
O objetivo da Corte de Cassação, portanto, era buscar a unicidade da
aplicação da lei na França, exercendo uma função “compatível com a
unificação do direito objetivo e com as consequentes decisões judiciais que
interpretavam os textos legais há pouco tempo editados. O Tribunal de
Cassação passou a ter a função de controlar a interpretação judicial, evitando
decisões judiciais fundadas em interpretações incorretas, contribuindo para a
consolidação da interpretação adequada e, até mesmo, zelando pela
uniformidade da interpretação da lei”19.
Mesmo com tais mudanças, a Corte de Cassação francesa continuou
não tendo como função primordial verificar a justiça do caso concreto, mas sim
fazer uma análise objetiva acerca do alinhamento da decisão do órgão a quo
com aquela interpretação que ela, como corte mais alta do país, tenha fixado
para casos semelhantes20.
A Corte passou a atuar, portanto, de maneira um pouco mais extensa.
Era efetivamente buscada a unicidade com a análise da decisão a ela levada
por meio do recurso, cassando-a se contrária à interpretação que se julgasse
mais adequada. Para tanto, após Napoleão, o juiz poderia — e deveria —
justificar e fundamentar as razões da interpretação que entendia correta. Ainda
assim, entretanto, a Corte não julgava o caso concreto, apenas indicando ao

eventual injustiça decorrente da decisão a quo. Numa palavra, trata-se de um Tribunal


encarregado de zelar, no plano nacional, pela inteireza positiva, validade, eficácia e unidade
interpretativa da lei; para tanto, a cassação se volta para a aferição da higidez técnico-formal
da decisão recorrida, frente a o contexto jurídico-institucional do país, não estando vocacionada
à prolação de juízo de valor acerca do thema decidendum, tal como veio resolvido pelo juízo a
quo” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e Súmula vinculante, 4ª ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 238/247).
19
MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes. Recompreensão do
Sistema Processual da Corte Suprema. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 45.
20
“O Tribunal de Cassação foi concebido nos termos do Decreto de novembro-dezembro de
1790. Fundou-se, na linha dos princípios da Revolução Francesa, na necessidade de tutela da
lei em face dos juízes, constituindo um órgão autônomo e específico voltado a tal fim. Não foi
delineado para exercer função jurisdicional, embora tenham lhe sido conferidas algumas
competências próprias de um verdadeiro órgão judicial, como a possibilidade de cassação em
virtude da não observância das formas processuais por errores in procedendo. Não há dúvida
que o Tribunal de Cassação foi instituído para controlar as decisões judiciais, ou seja, para que
essas pudessem colocar em risco a vontade do Parlamento. Importou ao Tribunal, assim,
basicamente o controle dos erros resultantes da aplicação da lei. Não lhe interessava a ‘justiça’
da decisão e, por consequência, os fatos ou qualquer outra questão que não dissesse
especificamente com a aplicação da lei” (MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto corte de
precedentes. Recompreensão do Sistema Processual da Corte Suprema. 2ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2014, p. 36).
15

órgão a quo qual a interpretação da lei que deveria ser dada na situação
apresentada. Aqui parava a sua atuação, limitada a cassar a decisão recorrida,
mas já dando direções com caráter obrigatório de como o órgão de jurisdição
inferior deveria interpretar a norma (e o direito) no caso concreto.
Nesse sentido, conclui-se, então, que as Cortes de Cassação deixaram,
com a evolução de sua forma de atuação, de apenas verificar o caso concreto
a partir da análise fria da norma, passando a assumir a posição que se espera
de um órgão de Cúpula, no sentido de zelar pela uniformidade da interpretação
da lei. É o que o próprio Piero Calamandrei, primeiro autor a bem explorar o
tema, afirma ao dispor sobre a essencialidade e amplitude que as Cortes de
Cassação tinham21, inclusive em obra que direcionou a criação normativa
italiana, reconhecendo que a uniformidade de interpretação das leis é, em
paralelo, o meio para controle da legalidade das decisões dos tribunais.
Além das Cortes de Cassação, a Europa tinha também como relevantes
para o estudo e evolução do direito, as Cortes de Revisão, com seu maior
exemplo na Alemanha. Tais órgãos, “por aí se entendendo os chamados
Tribunais de grande instância, ou Cortes de Apelação, que, ao conhecer de
impugnações fundadas em divergência jurisprudencial, reexaminam o próprio
fulcro da controvérsia, assim rejulgando a causa”22.
Na Alemanha, esclareça-se, o órgão máximo é o seu Tribunal
Constitucional Federal, que não funciona como uma corte de revisão
propriamente dita, com competência ampla, mas tem a prerrogativa de analisar
e sempre rejulgar as lides que envolvam matérias constitucionais e ofensas à
legislação mais alta do país, a Grundgesetz.
21
“La Corte de casación, aunque forme parte del ordenamento judicial, y constituya incluso la
cúspide suprema de la jerarquia de órganos a los cuales está encomendada la administración
de la justicia, no há sido instituida para conseguir solamente aquella finalidad, en sentido
estrictamente jurisdiccional, para la consecución de la cual están instituidos todos los demás
jueces (a quienes, en contraposición a la Corte de casación, se les suele denominar jueces de
mérito), y que consiste en la actuación del derecho en concreto, mediante declaración de
certeza de las singulares voluntades de ley que emanan, para regular las relaciones
individuales, de la coincidencia de una hipótesis real con una hipótesis legal. También la Corte
de casación coopera, como diremos, a esta función jurisdiccional en sentido estricto, que
consiste en administrar justicia a los particulares; pero esta su cooperación es para ella un
medio, no un fin, puesto que el fin último que ella, como oficio suyo exclusivo, persigue, es un
fin más amplio, y que excede, como veremos, los límites de la controversia particular decidida.”
(CALAMANDREI, Piero. Casación Civil. Traducción de Santiago Sentís Melendo y Marino
Ayerra Redín. Buenos Aiures: Ediciones Jurídicas Europa América, 1959, p. 13).
22
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e Súmula vinculante, 4ª ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 238.
16

As Cortes Supremas, por sua vez, se distinguem um pouco mais dos


outros dois modelos, pois, além de ser formada, usualmente por nomeação
política — inclusive, mas não apenas e necessariamente magistrados —, ela
possui a função de fazer o direito. Isto é, há uma menor prevalência da letra fria
da lei, sendo que aquilo que realmente predomina é o precedente casuístico,
com força absolutamente vinculativa.
O início desse formato de órgão de cúpula, em especial na Inglaterra,
ocorreu em sentido diametralmente oposto à Corte de Cassação. Enquanto
esta, na França, possuía juízes proibidos de interpretar a lei, que deviam se
limitar a aplicar as normas sem maiores avaliações, aquelas privilegiavam
exatamente a autonomia interpretativa de seus membros no intuito de se criar
precedentes.
É uma Corte, portanto, que visa a unidade do direito mediante a correta
interpretação do caso levado a julgamento23. Não é absurdo dizer, portanto,
que a Corte Suprema faz o direito, já que a norma jurídica acaba por não ser
outra senão aquela que é fruto da sua interpretação.
O maior exemplo desse modelo na atualidade é a Suprema Corte dos
Estados Unidos da América, na qual seus membros, além de literalmente
escolherem os casos que serão julgados, o fazem em número bastante
reduzido anualmente; em contrapartida, fixam precedentes que se dizem
sólidos e que serão efetivamente seguidos pelo restante da estrutura judiciária
daquele país, até porque possuem caráter vinculante.

23
“Como é da natureza do Direito, em uma perspectiva lógico-argumentativa, a admissão de
uma pluralidade de significados oriundos da interpretação, é imprescindível que existe um meio
de institucional encarregado de concentrar o significado final em que esse deve ser tomado em
determinado contexto e de velar pela sua unidade. E é precisamente essa a função que a
Corte suprema deve desempenhar: dar unidade ao Direito mediante a sua adequada
interpretação a partir do julgamento de casos a ela apresentados. Com isso, a função da Corte
suprema é proativa, sendo sua atuação destinada a orientar a adequada interpretação e
aplicação do Direito por parte de toda a sociedade civil e de todos os membros do Poder
Judiciário. A sua função tem no horizonte o futuro: ela atua de maneira proativa com o fim de
guiar a interpretação do Direito, dando a ele unidade. A função da Corte Suprema, portanto,
está em promover a unidade do Direito mediante a sua adequada interpretação. Como, de um
lado, a interpretação jurídica pode dar lugar a uma multiplicidade de significados, e como, de
outro, o Direito encontra-se sujeito à cultura, a unidade do Direito que a Corte Suprema visa a
promover tem duas direções distintas: essa é tanto retrospectiva como perspectiva. Vale dizer:
a Corte Suprema visa à promoção da unidade do Direito tanto para resolver uma questão
jurídica de interpretação controvertida nos tribunais como para desenvolver o Direito diante das
novas necessidades sociais, outorgando adequada solução para questões jurídicas novas”
(MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas. Do controle à interpretação, da
jurisprudência ao precedente. 3ª ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2017, p 79).
17

Apenas para ilustrar a distinção da Suprema Corte americana, do


Tribunal Constitucional alemão, com o Supremo Tribunal Federal, mencionem-
se números que, apesar de antigos, refletem o abismo que há entre as
filosofias e forma de atuação de tais tribunais. Em exposição que fez perante o
Senado Federal, o Min. Sepúlveda Pertence, então presidente do Supremo,
mencionou que em 1995 a Corte recebeu 30.706 recursos e julgou 35.214. No
mesmo período, o Tribunal Constitucional alemão, como corte de revisão,
recebeu entre 5.000 e 7.000 queixas constitucionais, admitindo apenas 2%
(dois por cento) delas, enquanto a Suprema Corte norte-americana recebeu
cerca de 4.000 propostas de recursos, admitiu 300 e julgou 18024.
Os números só se distanciaram com o passar dos anos e hoje refletem
um cenário ainda mais grave. Lembrando-se que eles ilustram o Supremo
Tribunal Federal, enquanto a situação do Superior Tribunal de Justiça seria
ainda mais díspar, evidenciando-se que as Cortes mais altas na estrutura do
Poder Judiciário brasileiro, têm a qualidade de sua atuação prejudicada pelo
volume de recursos que a elas são direcionados. Isto há de ser tratado, como
se verá ao longo deste trabalho.
Fechando-se os parêntesis acima abertos para expor brevemente a
situação atual da Corte Superior brasileira, inundada em recursos, é
interessante tecer breves observações sobre a sistemática judiciária de países
vizinhos ao Brasil, na América latina.
Na região, todos os países são adeptos da civil law, em que se
privilegiam códigos de direito material e de processo de modo geral, algo
inquestionavelmente herdado da cultura ibérica das nações. Ainda assim,
evidenciam-se as distinções culturais de cada um dos países, que se reflete em
sua organização judiciária, muito embora todos eles de origem bastante
semelhante.
Diz-se, portanto, que “transparece aquela relatividade cultural no atual
ceticismo dos estudiosos latino-americanos do direito processual quanto aos
rigores da divisão dos sistemas jurídicos em famílias e quanto às tentativas de

24
“Exposição feita na reunião da Comissão e justiça, em 02.4.97, aceca da Proposta de
Emenda à Constituição n. 554, de 1995, do Senador Ronaldo Cunha Lima, in Parecer do Sen.
Jefferson Peres”, in VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Do Poder Judiciário: Como torná-lo mais
ágil e dinâmico: efeito vinculante e outros temas. In Revista de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro, 212, 7-26, abr-jun/1998
18

enquadrar em algumas delas os sistemas jurídicos dos países componentes da


América Latina. Enquanto a generalidade dos países de língua espanhola
mantém-se fiel às origens, ibéricas de seu direito, o Brasil afastou-se
significativamente delas, especificamente no que diz respeito ao direito privado
e ao processo civil, este nitidamente inspirado em modelos italianos mais
modernos. A cultura processualística italiana está presente em todo o
pensamento brasileiro de modo extremamente significativo, como
consequência da presença de Enrico Tullio Liebman durante a Segunda Guerra
Mundial – sendo muito menos notada essa influência nos demais países latino-
americanos. Na literatura latino-americana de língua espanhola, especialmente
na argentina e uruguaia, só mais recentemente se sente de modo expressivo a
marca dos pensadores italianos – não tanto dos clássicos, como no Brasil, mas
daqueles ligados às novas tendências representadas pela bandeira da
efetividade do processo. Os hispano-americanos cultuam de modo especial a
obra dos espanhóis (especialmente Prieto-Castro e Jaime Guasp), a de
Amílcar Mercader e a do grande pensador do processo civil latino-americano,
Eduardo Juan Couture”25.
É por isso que se notam facilmente diferenças nas estruturas judiciárias
dos países latino-americanos. Na Argentina, por exemplo, assim como no
México, os dois maiores países em número de províncias ao lado do Brasil, há
poderes descentralizados. Isto é, na Argentina cada uma das províncias tem
sua legislação autônoma, com sua respectiva Corte Suprema, que possui
competência para temas de todas as naturezas, inclusive constitucional. Sobre
este ponto, porém, a palavra final caberá sempre à Corte Suprema da
República Argentina, poder centralizador do Judiciário argentino. Ela atua,
portanto, como órgão que faz o controle constitucional definitivo sobre os
julgamentos das cortes das províncias e federais, através do recurso
extraordinário de inconstitucionalidade.
O México, assim como a Argentina, possui normas civis regionais para
cada um de seus trinta e um Estados, além do Distrito Federal, sendo que cada
um deles conta um Superior Tribunal de Justicia. Existe o controle final e

25
DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. Tomo I. 6ª ed.,
São Paulo: Malheiros, 2010, p. 181.
19

central, exercido pela Suprema Corte de Justicia, que analisa os temas através
do chamado juicio de amparo.
No Brasil, como se sabe, a Constituição Federal outorga competência
para legislar sobre processo ao poder central, ou seja, à União, de modo que
resta efetivamente impossibilitada a existência de Cortes Superiores ou
Supremas regionais. Os Tribunais Estaduais e Regionais Federais analisam,
portanto, questões de direito municipal e estadual, além de temas federais sob
a batuta do Supremo Tribunal Federal para aspectos constitucionais e do
Superior Tribunal de Justiça para assuntos de legislação ordinária federal26.

1.4. Funções clássicas e contemporâneas do recurso especial

Antes de se adentrar detidamente no modelo de Corte brasileira e na


função que o Superior Tribunal de Justiça exerce dentro da estrutura Judiciária,
é importante mencionar as classificações que a doutrina expõe acerca das
funções, ou dos objetivos, se assim se preferir, dos recursos a serem
direcionados às mais altas Cortes.
Muito embora grande parte do quanto se dirá aqui se aplica com
perfeição também ao recurso extraordinário, o centro do presente trabalho é a
exposição das características e funções do recurso especial. Para a presente
exposição, nesse momento inicial, baseia-se nos fundamentos expostos por
Teresa Arruda Alvim e Bruno Dantas em relevante trabalho sobre o tema27.

1.4.1. Funções clássicas

As funções clássicas dos recursos, já há muito exploradas e trabalhadas


por Piero Calamandrei28, para citar apenas um dos expoentes, podem ser
subdivididas, basicamente, em (i) função nomofilática; e (ii) função
uniformizadora. As duas funções são bastante semelhantes e, na grande

26
Todas as referências extraídas de DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do
Processo Civil Moderno. Tomo I. 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010, pp. 183/187.
27
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário
e Ação Rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016, pp. 308/327.
28
CALAMANDREI, Piero. Casación Civil. Traducción de Santiago Sentís Melendo y Marino
Ayerra Redín. Buenos Aiures: Ediciones Jurídicas Europa América, 1959, pp. 45/60.
20

maioria das vezes, indissociáveis, o que permite a muitos autores trata-las


como se apenas uma fossem.
Em resumo, no entanto, a primeira delas pode ser referida como aquela
que praticamente visa proteger a lei do juiz, que teve origem e evolução na
França29, com seu Tribunal de cassação originariamente instalado fora da
estrutura do Poder Judiciário, que tinha o intuito de zelar pelo sentido correto
da lei30. Desse modo, a função nomofilática (ou nomofilácica), evoluindo ao
longo do tempo junto com o direito, inclusive com o juiz, que deixou de ser um
mero e formal aplicador da lei, passou a ter como ponto central de seu conceito
a busca pela unicidade do direito. Isto é, por tal função, não mais se
pretende zelar pela aplicação da lei em si, mas sim da melhor aplicação do
direito ao caso concreto, já que o litígio entre as partes se revela como o
instrumento que o Estado possui para estabelecer a necessária unicidade.
A função uniformizadora, de semelhança inegável, visa a “orientação à
conformação da manutenção de forma sistemática do direito e à garantia do
respeito aos princípios da igualdade perante a lei e da legalidade. Em outras
palavras, busca-se que haja uniformidade na aplicação e interpretação das
regras e princípios jurídicos em todo o território submetido à sua [da lei]
vigência”31.
Assim, em suma, as Cortes Superiores, na análise dos recursos a elas
direcionados buscam verificar se as regras de direito material e processual
foram bem aplicadas, de forma a assegurar que todos tenham um mesmo
tratamento perante a lei. Em outras palavras, visa evitar que a um mesmo fato
sejam consideradas qualificações jurídicas distintas, por exemplo.

29
“A chamada função nomofilácica é aquela por meio da qual o recurso de cassação/revisão
tem o precípuo papel de buscar a interpretação exata, única e verdadeira da lei, a fim de
garantir a certeza e a estabilidade jurídica. A ideia da nomofilaquia nascei na França, onde,
durante a Revolução Francesa (1789/1799), com influência nas ideologias de Rousseau e
Montesquieu e dos ideais do Iluminismo, lutou-se pela onipotência da lei e pela igualdade dos
cidadãos perante essa lei. A lei passou a ser o centro de todo o sistema, de modo que era
necessária a criação de um mecanismo apto a protege-la de eventuais arbítrios dos
magistrados” (AZZONI, Clara Moreira. Recurso Especial e Extraordinário, Aspectos Gerais e
Efeitos. São Paulo: Atlas, 2009, p. 23).
30
SATTA, Salvatore. Direito processual civil. Trad. Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN,
2003, vol. 2, p. 39, apud WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial,
Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016, p. 298.
31
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário
e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016, p. 311.
21

Essa função acabou por ganhar corpo com a autonomia que os órgãos
fracionados do Judiciário receberam, de modo que casos semelhantes
passaram a ser tratados de maneira distinta, a depender do local da decisão
(Comarca, Fórum, juiz, etc.). Não é natural que haja decisões conflitantes
dentro de uma estrutura única e a função uniformizadora busca exatamente
evitar que isto aconteça, privilegiando o princípio da igualdade perante a lei32.
Obviamente, a função busca a uniformização dos julgamentos, de modo
a permitir a previsibilidade de quem vai ao Judiciário sobre o seu caso. Afinal, a
propositura de uma ação não pode ser uma loteria a depender do foro ou do
sorteio no momento da distribuição. A igualdade perante a lei e a segurança
jurídica prezam pela previsibilidade, algo absolutamente essencial que o
Código de Processo Civil de 2015 tentou privilegiar ao atribuir mais
mecanismos de prevalência dos precedentes.
Claramente, no entanto, como se dirá diversas vezes ao longo desse
trabalho, o privilégio aos precedentes e a previsibilidade não significa — nem
pode significar — completo engessamento dos posicionamentos
jurisprudenciais. A sociedade está em constante mudança e, do mesmo modo,
deve estar o entendimento do Judiciário, ainda que ambos sejam
consideravelmente vagarosos.
É exatamente por causa dessa constante mudança que se diz ser a
diversidade sucessiva de entendimentos perfeitamente aceitável e até
desejável: “Devemos ressaltar que a diversidade de interpretações ao longo do
tempo é praticamente inevitável: no entanto, o que é importante observar é que
a diversidade simultânea de entendimentos é que é intolerável, ou, ao menos,
perturba seriamente a funcionalidade do direito, diferentemente do que se

32
“O princípio da legalidade, segundo o qual a conduta dos indivíduos é previamente rejulgada
e lhe é dado saber o que pode ou não fazer e as consequências de suas atitudes, deve ser
concretizado de modo engrenado com o princípio da igualdade ou da isonomia. Todos são
iguais perante a lei – havendo, portanto, previsibilidade e segurança jurídica -, se a lei for
compreendida e aplicada da mesma forma para todos. Se assim não for, esvaziam-se por
completo o sentido e a razão de ser desses princípios, base do Estado de Direito. E é a
correção de tais distorções que compõe a essência da função uniformizadora dos recursos
dirigidos aos tribunais de cúpula. Vale dizer, o que se persegue é a consagração de
mecanismo hábil a ensejar que, no curso do processo interpretativo que precede a solução de
um conflito levado ao Judiciário, haja a ‘prorrogação’ da segurança e da estabilidade geradas
no momento da edição da lei. Veja-se bem: não se trata de afirmar que a literalidade da lei
deve prevalecer. O que estamos asseverando é que essa função zela pela prevalência da
uniformidade interpretativa, que impede ofensas à igualdade e à legalidade, de modo que a lei,
que é vocacionada a ter uma única interpretação correta, deve receber sempre, dadas as
mesmas condições fáticas relevantes ao julgamento, a mesma interpretação” (ob. cit., p. 312).
22

passa com a diversidade sucessiva. A diversidade sucessiva decorre de


interpretações que se sucedem no tempo, mudança essa claramente
percebida, à luz da modificação das condições contextuais que interferem no
entendimento de uma norma. E, por isso mesmo, essa diversidade sucessiva
não turba a funcionalidade do direito porque se sabe que uma interpretação
antiga não mais vale (…)”33.

1.4.2. Funções contemporâneas

As funções que são usualmente denominadas de contemporâneas, (i)


dikelógica e (ii) paradigmática, não recebem esse nome porque foram criadas
posteriormente, mas sim, como os autores acima mencionados bem exploram,
porque não foram inicialmente previstas quando da criação dos institutos.
Mais do que isso. Essas funções, muitas vezes, sofreram tentativas de
ser afastadas do sistema de recursos para as Cortes Superiores, mas só
logrou-se êxito em minimizar a sua incidência já que a sua completa exclusão
só poderia ocorrer com a extinção do instituto em si, ou mesmo do recurso que
permite às Cortes exercerem as suas funções.
A primeira delas é a dikelógica que, segundo se extrai do próprio
significado da palavra, busca tutelar a individualidade34, isto é, o caso concreto
posto a julgamento na busca pela justiça naquele litígio. É sabido, porém, que
nos casos encaminhados para as Cortes Superiores (em especial no Brasil) a
tutela individual acaba sendo renegada a um segundo plano, ganhando
prevalência a tutela do direito ali posto, não pelo caso específico, mas sim
como forma de orientação e formação de precedentes. O benefício das partes
com eventual resultado seria apenas uma consequência do julgamento
realizado, mas a busca pela justiça na aplicação do direito à espécie não é a
prioridade dos tribunais de cúpula, muito embora seja inevitável que isto ocorra
como consequência final do julgamento realizado.

33
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008, p. 856.
34
“A palavra dikelógica, de origem grega, é composta pela partícula dike, que significa ‘justiça’,
e pelo pospositivo lógiko, cujo significado é ‘relativo à razão’. Assim, a função dikelógica está
associada à busca de justiça no caso levado ao tribunal, mediante a correta aplicação do
direito. Trata-se, pois, da tutela do chamado ius litigatoris" (ob. cit., p. 316).
23

Ilustração dessa situação é a presença do requisito da repercussão geral


para a admissibilidade do recurso extraordinário e, atualmente, das propostas
de emenda constitucional que buscam implementar a mesma essência para os
recursos especiais, tudo a indicar a importância maior no julgamento de tais
recursos, que não apenas o litígio instaurado entre as partes daquele processo.
Aqui, veja-se, ainda que indesejável a análise de maneira dikelógica de
recurso remetido ao Superior Tribunal de Justiça, é impossível a sua completa
exclusão. É possível a criação de certos filtros, como a própria repercussão
geral, na tentativa de minimizar a questão, mas a sua completa dissociação do
julgamento da hipótese é impossível. Até porque a interpretação da lei, do
direito e a avaliação da justiça são questões inerentes ao ser humano e, em
especial, ao juiz para o julgamento de rigorosamente qualquer caso a ele
apresentado, já é ele quem faz o juízo do caso concreto e sua subsunção às
normas.
Não há como se afastar essa interpretação, por menor que seja em
alguns casos, e, por consequência, a função dikelógica continuará a estar
presente ainda que de maneira temperada a partir das sistemáticas de
precedentes e filtros que vêm se tentando implementar.
Por sua vez, a função paradigmática, também conhecida por persuasiva,
se reflete no caráter vinculativo de decisões proferidas pelos órgãos superiores
aos órgãos inferiores. Em suma, portanto, é a função pela qual os órgãos
hierarquicamente inferiores devem respeitar e seguir os entendimentos
consolidados nos órgãos hierarquicamente superiores.
Essa função tem reflexo diferente a depender do formato do Poder
Judiciário do país. A título de exemplo, países da common law têm tendência a
verificar a função paradigmática de maneira mais intensa, já que a palavra da
Corte Suprema é o que forma a lei. Por outro lado, países da civil law tentam
dar mais prevalência para as regras formais e escritas, ainda que em
determinadas hipóteses exista o caráter vinculante das decisões de órgãos
superiores.
Nesse sentido, o Brasil, país de civil law, se encaixaria na prevalência da
lei escrita, mas com uma tendência de aumento da força dos precedentes,
como é bastante refletido no atual Código de Processo Civil. Enquanto isso, os
Estados Unidos da América, maior exemplo da common law, têm atenuado
24

suas posições e vem migrando pouco a pouco para dar mais ênfase para a
norma escrita.
O sistema jurídico brasileiro não se alinha, efetivamente, à corrente
estrita da função paradigmática, segundo a qual há uma obrigatoriedade
severa aos juízes de seguirem todas as decisões de órgãos superiores e,
ainda, algumas vezes, de órgãos de hierarquia equivalente. Também não se
amolda com perfeição à corrente atenuada, segundo a qual o juiz deve levar
“em consideração as decisões anteriores sobre a mesma controvérsia,
estatuindo que ele deve seguir tais decisões a menos que as considere erradas
o bastante para suplantar a presunção inicial a seu favor”35.
Nem lá, nem cá. O Código de Processo Civil busca dar prevalência aos
precedentes com caráter vinculante36, em uma tentativa de não apenas dar
maior segurança jurídica, mas até de fazê-lo dentro de um prazo razoável
(celeridade do processo). Muitas das decisões de órgãos hierarquicamente
superiores permanecem sem poder de persuasão e apenas sugerem uma
forma razoável de se agir, mas sistemas foram implementados para que, na
multiplicidade de casos, fixem-se precedentes a serem seguidos. O racional da
norma é lógico, resta ver se, na prática, funcionará como esperado.
É importante consignar ao final dessa sucinta exposição sobre as
funções dos recursos para as Cortes Superiores, que a atual sistemática
processual buscou, como se disse, dar relevância e criar mecanismos de
estabelecimento de precedentes, mas atuou para permitir que se mantenha a
segurança jurídica dos casos já julgados, em especial quando houver alteração
de entendimento anteriormente consolidado.
Trata-se da possibilidade de modulação de efeitos na hipótese dessa
alteração: “havendo alteração de entendimento, pode o tribunal decidir no
sentido de que só dali para frente é que as decisões se basearão no novo
entendimento, pelo que o cabimento da ação rescisória já estaria afastado (…).
O objetivo do instituto é neutralizar a ‘surpresa’ decorrente da nova posição dos
Tribunais, que equivale à mudança das regras no meio do jogo,
comprometendo fundamentalmente o valor previsibilidade. Trata-se de

35
Ob. cit., pp. 319/320.
36
Confiram-se, a título de exemplo, os artigos 932, IV e V; 976 e seguintes; e 1.030, todos do
Código de Processo Civil de 2015.
25

possibilitar que a nova regra incida dali para frente, como a lei, que rege o
presente e o futuro, mas não o passado”37.
As previsões legais nesse sentido38 são razoáveis e revelam a
importância de se trabalhar processualmente, em juízo especialmente, com o
conceito de previsibilidade, de evitar a surpresa para a parte, que deve saber
exatamente no que está litigando, inclusive quais as consequências e cenários
— até os piores — daquele processo em que é parte. A previsibilidade deve
estar presente e é ela que permite, em larga escala, o respeito ao princípio da
segurança jurídica.

1.5. Função primordial do Superior Tribunal de Justiça

Tendo em vista que o objetivo primordial do presente trabalho é explorar


exatamente a atuação do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do
recurso especial, particularmente os limites da profundidade da análise que
deve e pode ser feita pela Corte, é indispensável abordar, ainda que sem,
nesse momento embrionário da discussão, se apresentar uma posição
definitiva, a discussão acerca da real função que o Tribunal exerce na estrutura
judiciária e processual brasileira.
Há muito, Barbosa Moreira já defendia que o Superior Tribunal de
Justiça estava “essencialmente destinado a proteger a integridade e a
uniformidade de interpretação do direito federal infraconstitucional”39. Araken
de Assis, citando Juan Carlos Hitters, complementa que “além de preservar a
integridade do direito federal, tarefa inerente ao federalismo, o recurso especial
atua como mecanismo apto a garantir a uniformidade da interpretação
emprestada, nos tribunais locais e regionais, a esse direito. Neste aspecto, o

37
Ob. cit., p. 325.
38 o
Sobre a modulação: “Art. 927 (…) § 3 Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante
do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de
casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da
o
segurança jurídica. § 4 A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada
ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de
fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da
proteção da confiança e da isonomia.”
39
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 12 ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, vol. 5, p. 589.
26

recurso especial se aproxima do recurso de cassação: não visa à justiça do


caso, mas vela pela exata observância das leis, regulando a jurisprudência”40.
A consideração de que o Superior Tribunal de Justiça possui a primordial
função de uniformizar a interpretação da lei é razoável. Não apenas porque
através do recurso especial se busca impedir a violação legal e a interpretação
errada do direito federal infraconstitucional (art. 105, III, alíneas a e c da
Constituição Federal), mas porque há a real necessidade de se orientar os
tribunais país afora acerca daquilo que se entende como o posicionamento
correto referente a determinada norma federal.
Essa forma de atuação é condizente com o próprio sistema federativo e
a pretensão que justificou, lá no século XIX, a criação do Supremo Tribunal
Federal: a necessidade de se ter uma Corte uniformizadora de entendimentos
e que oriente os demais órgãos do Poder Judiciário em sua forma de atuação.
É também por isso que se afirma que “através dos recursos especial e
extraordinário busca-se a uniformização da interpretação da lei federal ou a
guarda da Constituição Federal, evitando-se a persistência de decisões que
adotem orientações diferentes acerca de uma mesma regra ou princípio
jurídico de direito constitucional ou de direito federal infraconstitucional”41.
O Superior Tribunal de Justiça, muito embora distinto da Corte tida por
suprema no Brasil, nada mais é do que uma subdivisão dela, assumindo, como
já explorado, competência que era antes do Supremo Tribunal Federal. A sua
criação, portanto, não parece ter alterado o real objetivo dos recursos
apresentados, permanecendo intacta a relevância de se manter hígido o
sistema normativo federal infraconstitucional e uniforme a sua interpretação.
A necessidade de orientação nesse sentido salta aos olhos ao se
considerar o tamanho do Brasil e as diversas peculiaridades e formas de
pensar nas mais diferentes localidades do país. Não seria interessante para um
Poder Judiciário uno que cada órgão fracionado desse a uma mesma situação,
submetida a uma mesma previsão legal, interpretação distinta. Com o Superior
Tribunal de Justiça assumindo esse papel de orientador na interpretação
40
ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.
912.
41
MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e Repercussão Geral e outras questões
relativas aos recursos especial e extraordinário. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009,
p. 19.
27

legislativa, evitam-se os tratamentos desiguais e privilegia-se, também, a


segurança jurídica, pois à parte será possível minimamente prever o resultado
de seu litígio, se sobre caso semelhante tiver a Corte se manifestado,
acabando com a loteria judicial, ou seja, com a sorte do litigante a depender do
órgão julgador de seu processo.
Sobre o assunto, a doutrina bem comenta que “as diversas formas de
interpretação de uma lei acarretam que um dos valores funcionais do direito
seja abalado, qual seja, a certeza. E, consequentemente, quanto maior forem
os entendimentos diferentes dessa lei, ela ficará cada vez mais despida de
certeza. O direito, por sua vez, diante dessa inescondível circunstância procura
criar meios para reprimi-la, face à necessidade de se conferir um só
entendimento a respeito de um mesmo texto legal e alcançar, com isto, o fim
último do direito: a segurança jurídica”42.
Claramente, porém, essa linha de atuação do Superior Tribunal de
Justiça não é pacificamente aceita país afora. Não é incomum deparar-se com
decisões contrárias a matérias já pacificadas pela Corte Superior em diversos
dos Tribunais, o que, além de contrário à sistemática processual, contribui para
afogar ainda mais o Tribunal Superior, prejudicando a sua atuação em
questões por ele ainda não decididas ou, ao menos, não pacificadas. Tal
postura contribui, também, para prolongar desnecessariamente o processo, o
que é um problema bastante atual, longe de se imaginar como facilmente
solucionável, já que a cada ano o aumento do número de novas ações judiciais
propostas é bastante significativo. Se as ações em curso não são encerradas,
o passivo cresce exponencialmente.
O próprio Superior Tribunal de Justiça já alertava, com relação a ele
próprio, mais ainda deveria ser aos demais tribunais, sobre a necessidade de
se seguir a orientação das Cortes Superiores, ao expressar que “a real
ideologia do sistema processual, à luz do princípio da efetividade processual,
do que emerge o reclamo da celeridade em todos os graus de jurisdição, impõe
que o STJ decida consoante o STF acerca da mesma questão, porquanto, do
contrário, em razão de a Corte suprema emitir a última palavra sobre o tema,

42
JORGE, Flávio Cheim. Recurso especial com fundamento na divergência jurisprudencial, in
Aspectos Poêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis e de outras formas de impugnação às
decisões judiciais. Coord. Nelson Nery Jr e Teresa Arruda Alvim Wambier. Vol. 04. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001, p. 377.
28

decisão desconforme do STJ implicará o ônus de a parte novamente recorrer


para obter o resultado que se conhece e que na sua natureza tem função
uniformizadora e, a fortiori, erga omnes”43.
No Código de Processo Civil de 1973 as decisões do Superior Tribunal
de Justiça que eram vistas, de certa forma, como uma orientação geral a partir
de seus precedentes, hoje ganharam uma força a mais com a vigência do
Código de Processo Civil de 2015.
Nesse sentido, o art. 927 impõe aos juízes a observância dos
posicionamentos adotados pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de
recursos especiais repetitivos, assim como impõe o respeito, ou seja, a decisão
em consonância com enunciados das Súmulas editadas pela Corte em matéria
infraconstitucional44, o que acaba por equiparar toda e qualquer súmula, como
se vinculante do Supremo Tribunal fosse.
A intenção do novo diploma é importante e “em tese, o expediente,
apesar do sacrifício imposto à independência jurídica das instâncias inferiores,
revela-se apto a diminuir a quantidade de feitos, a médio prazo, e, desse modo,
ensejar a cabal aplicação de outras disposições do CPC de 2015, aprimorando
a qualidade dos seus pronunciamentos (v.g., a fundamentação do art. 489, §
1º)”45. Busca-se privilegiar os precedentes em um sistema que, até então, não
possuía previsão legislativa que exigisse o seu respeito46.
Espera-se, de fato, que haja uma melhora no controle do número de
processos, sem que isto prejudique, obviamente, a análise dos casos que
demandam, efetivamente a intervenção do Superior Tribunal de Justiça, o que
não tem ocorrido na prática atualmente, já que o excessivo número de recursos
impede a atuação da maneira formalmente desejada.

43
AgRg no REsp n. 527.697, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, Dje de 01.3.04.
44
“Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: (…) III – os acórdãos em incidente de
assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de
recursos extraordinário e especial repetitivo; IV – os enunciados das súmulas do Supremo
Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional. (…)”.
45
ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.
913.
46
CARNEIRO, Athos Gusmão. O Papel da Jurisprudência no Brasil. A súmula e os
precedentes jurisprudenciais. Relatório ao Congresso de Roma in Doutrina Superior Tribunal
de Justiça. Edição Comemorativa – 15 anos. Brasília: Editora Brasília Jurídica Ltda., 2005, pp.
343/344.
29

Encerrados os parêntesis abertos no parágrafo anterior sobre a


necessária atuação do Superior Tribunal de Justiça e da indispensável
premência na redução dos recursos a ele direcionados, até porque objeto do
próximo capítulo desse trabalho, é certo que o atual Código de Processo Civil,
como mencionado, buscou privilegiar a sua atuação como Corte de
interpretação e precedentes, concedendo-lhe importantes poderes que antes
não possuía para o julgamento dos recursos repetitivos com a maior precisão
possível.
Como exemplo, pode-se citar a faculdade prevista no art. 1.038, II, de
designar audiência pública para “ouvir depoimentos de pessoas com
experiência e conhecimento na matéria, com a finalidade de instruir o
procedimento”, algo que era prerrogativa apenas do Supremo Tribunal Federal,
mas que, por analogia, já vinha sendo utilizado, com resultado bastante
positivo, em situações de extremo relevo. Aquela que abriu as portas para tal
procedimento foi nos recursos especiais nº 1.457.199 e 1.419.697, julgados
conjuntamente, em que o relator, Min. Paulo de Tarso Sanseverino designou a
audiência pública “com vistas a municiar esta Corte [STJ] com informações
indispensáveis para o deslinde da controvérsia”.
Na ocasião, houve a inscrição de vinte e um interessados (dentre eles as
partes) para a exposição dos fundamentos que julgassem pertinentes, o que foi
devidamente realizado pelo Superior Tribunal de Justiça e foi digno de nota do
Relator, ao ponderar “que a audiência pública foi extremamente importante na
formação do meu convencimento acerca das principais questões controvertidas
a serem dirimidas para a solução da controvérsia posta no presente processo”.
Outro bastante significativo exemplo que reflete a força que o atual
Código de Processo Civil buscou dar à atuação das Cortes Superiores na
fixação de precedentes e orientação jurisprudencial é a disposição do art. 998,
parágrafo único47, segundo a qual, uma vez elegido recurso como
representativo de controvérsia, o recorrente tem a faculdade da desistência,

47
“Art. 998. O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos
litisconsortes, desistir do recurso. Parágrafo único. A desistência do recurso não impede a
análise de questão cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e daquela objeto de
julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos”.
30

mas esta não retirará do Tribunal a competência da análise da matéria cuja


relevância já foi reconhecida com a afetação.
Logo, “a desistência não impede o julgamento, com a definição da tese a
ser adotada pelo tribunal, mas tal julgamento não atinge o autor ou o recorrente
que desistiu, apenas, para estabelecer o entendimento do tribunal, a influenciar
e repercutir nos outros processos pendentes e futuros”48.
Na verdade, o atual Código de Processo Civil nada mais fez do que
refletir entendimento que já vinha sendo adotado pelo Superior Tribunal de
Justiça, que, sob o fundamento de prevalência do interesse público, coletivo,
sobre o individual e privado, impedia a desistência pela parte, quando o recurso
tivesse sido afetado como representativo da controvérsia49, ainda que,
ocasionalmente, a tese fosse julgada em prol do interesse coletivo e,
posteriormente, acabasse não sendo aplicada ao caso concreto por força da
desistência. Certo para o Superior Tribunal de Justiça, porém, é que o
interesse coletivo não poderia ser colocado em segundo plano e não julgado
por força do interesse individual da parte recorrente. O julgamento da tese e a
posterior homologação da desistência era uma forma de tentar conciliar ambos
os interesses.
É saudável que os precedentes do Superior Tribunal de Justiça ganhem
mais força para prevalecerem, mas é também relevante que tenha o Tribunal
autonomia para agir na elaboração dos procedentes com qualidade e minucia
na análise das teses postas. Por tal razão, também, a Corte não pode continuar
a ser inundada com recursos, permitindo a participação ativa — até proativa —
dos ministros para a formação de seu convencimento, tal como ocorreu no
caso acima citado, em que designada a audiência pública.

48
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos,
ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência
originária de tribunal. Editora Jus Podivm. Salvador, 2016, p. 596.
49
Processo civil. Questão de ordem. Incidente de Recurso Especial Repetitivo. Formulação de
pedido e desistência no Recurso Especial representativo de controvérsia (art. 543-C, § 1º, do
CPC). Indeferimento do pedido de desistência recursal. - É inviável o acolhimento de pedido de
desistência recursal formulado quando já iniciado o procedimento de julgamento do Recurso
Especial representativo da controvérsia, na forma do art. 543-C do CPC c/c Resolução n.º
08/08 do STJ. Questão de ordem acolhida para indeferir o pedido de desistência formulado em
Recurso Especial processado na forma do art. 543-C do CPC c/c Resolução n.º 08/08 do STJ.
(QO no REsp 1063343/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em
17/12/2008, DJe 04/06/2009).
31

A discussão, porém, não é tão simplória. A Lei nº 13.256/16 trouxe


alterações à sistemática do recurso ao Superior Tribunal de Justiça, em
especial ao art. 1.029, levantando questionamentos relevantes sobre o
procedimento do inconformismo e o limite de atuação da Corte. A considerar a
redação dada por referida norma, imputando ao Tribunal Superior a obrigação
de julgar a partir da “aplicação do direito ao caso”, tem-se muita controvérsia
acerca de até onde pode a Corte ir durante a sua análise casuística. Esta
extensão e limites da atuação do Superior Tribunal de Justiça é ponto central
deste trabalho, e coloca em xeque a função que sempre, desde sua criação,
considerou-se como primordial para o Tribunal.
Afinal, se, a partir da leitura fria da lei, se permitir que o Superior Tribunal
de Justiça passe a julgar concretamente os casos a ele apresentados, a sua
função de Corte Superior e orientação geral, inclusive no controle da
integridade das leis federais, poderá ser drasticamente prejudicada. Isso tudo
porque seu campo de atuação restará significativamente majorado, atuando,
após a admissibilidade do recurso, como uma instância comum, isto é,
praticamente como uma possível terceira instância após os Tribunais Estaduais
e os Regionais Federais, que foi exatamente o que se buscou evitar com a sua
criação no intuito de desafogar o Supremo Tribunal Federal e encerrar a crise
que há anos estava instaurada.
O assunto, desse modo, passa pela efetiva competência do Superior
Tribunal de Justiça com o Código de Processo Civil de 2015, o que será
amplamente explorado ao longo dessa dissertação, com situações concretas
de discussão, motivo pelo qual se limita a adiantar, nesse momento, que não
se deve, de forma alguma, deixar de lado a função primordial do Tribunal, no
sentido zelar pela integridade da lei federal infraconstitucional e orientar a sua
correta interpretação, que certamente não foi perdida mesmo com a infeliz
redação trazida pela Lei nº 13.256/2016. A função da Corte, porém, vai muito
além.

1.6. O que se espera do Superior Tribunal de Justiça

Não se questiona, como amplamente exposto acima, que a atuação do


Superior Tribunal de Justiça deva nortear, no que toca ao direito federal
32

infraconstitucional, a atuação dos demais órgãos judiciários estaduais e


federais. Nesse ponto, suas decisões, “em devendo ser exemplares, há,
igualmente, de carregar consigo alto poder de convicção, justamente porque
são, em escala máxima, os precedentes a serem observados e considerados
pelos demais Tribunais”50.
Claramente, porém, não é viável ao Superior Tribunal de Justiça exercer
como deve a sua função com o número de recursos que o assola e que cresce
exponencialmente. Há que se ponderar, ademais, que não basta a simples
transferência de competências ou atividades para os tribunais locais, também
já por demais assoberbados; é preciso, isto sim, criar mecanismos que
conciliem a situação do cenário como um todo: diminuam o número de
recursos sem prejudicar a segurança jurídica e a qualidade do retorno que o
Poder Judiciário deve dar ao jurisdicionado.
Não há, com relação ao Superior Tribunal de Justiça, de toda forma,
alternativas que não a imposição de restrições para a interposição (ou
processamento) de recurso especial, obviamente sem que isto configure uma
violação à justiça ou mesmo ao devido processo legal.
É o que defende, na nossa visão de maneira correta, Arruda Alvim no
artigo já citado acima, ao explorar que constitui “equívoco injustificável ligar-se
à circunstância do Superior Tribunal de Justiça apreciar questões relevantes a
um problema de acesso à Justiça, porque, para realizar o acesso à Justiça, há
uma estrutura, no país, que se desdobra nas diversas justiças estaduais, de um
lado, e, de outro, na justiça federal, cujos organismos cobrem todo o território
nacional”51.
Cumpre ressaltar que a obra do Professor Arruda Alvim beira 20 anos e
não deixa de ser atual. É certo, porém, que em 1999 o Poder Judiciário não
estava inundado de processos como atualmente, de forma que a necessidade
de se criar meios de restrição para a interposição de recursos não se limita aos
Tribunais Superiores, mas já alcança, nos dias de hoje, os Tribunais Estaduais,
que começam a perder em qualidade para conseguir minimamente atender o
50
ARRUDA ALVIM, José Manoel de. A alta função jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça
no âmbito do recurso especial e a relevância das questões in Revista de Processo; vol. 96/199,
pp. 37/44; e in Doutrinas Essenciais de Processo Civil, vol. 7, pp. 625/636, out/2011.
51
ARRUDA ALVIM, José Manoel de. A alta função jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça
no âmbito do recurso especial e a relevância das questões in Revista de Processo; vol. 96/199,
pp. 37/44; e in Doutrinas Essenciais de Processo Civil, vol. 7, pp. 625/636, out/2011.
33

mar de recursos que lhes assola. O Código de Processo Civil, portanto, não
erra ao dar mais poderes ao Relator, em especial para fazer prevalecer
entendimentos já consolidados, como se vê, por exemplo, da disposição do art.
932 do Código de Processo Civil.
Ainda que vagarosamente, parece estar-se caminhando para privilegiar
corretamente os precedentes — sempre com a previsão de uma forma de
revisão pontual dos precedentes que venham a se revelar errados ou
ultrapassados frente à eventual nova realidade jurídica, social ou mesmo
econômica — e criar uma nova mentalidade, este ponto essencial, que busque
reduzir a interposição de infinitos recursos, principalmente os descabidos ou
protelatórios, a permitir a atuação dos Tribunais como deve ser e não mais na
busca incessante por números de recursos julgados.
As razões para essas limitações, como já abordado nesse trabalho, são
diversas e a essência delas pode ser extraída, mais uma vez, das lições do
Prof. Arruda Alvim: “Avulta, por tudo quanto se disse, enormemente de
importância o reflexo do conteúdo das soluções, em face de determinados
pronunciamentos jurisdicionais, diante da posição ocupada pelo Tribunal na
estrutura do Poder Judiciário, alojada no cume da sua pirâmide. Conquanto a
validade e a eficácia das decisões sejam, normalmente, circunscritas às partes,
as proferidas pelos Tribunais de cúpula transcendem o ambiente das partes e,
com isto, projetam-se o prestígio e autoridade da decisão nos segmentos
menores da atividade jurídica, de todos quantos lidam com o direito, e, mesmo
em espectro maior, para a sociedade toda. É nesta segunda perspectiva, em
grau máximo, que se inserem, por excelência, as decisões do Superior Tribunal
de Justiça. Sendo o mais elevado Tribunal em que se aplica o direito federal
infraconstitucional, ao afirmar a correta inteligência do direito federal – e é
sempre isso que afirma o STJ e não outra coisa -, o valor e o peso inerentes a
tais decisões é enorme, por causa da posição pinacular do STJ. Esta é a razão
em virtude da qual tais pronunciamentos exorbitam do interesse das partes,
projetando-se para toda a sociedade a verdade do seu entendimento e nesta
influindo”52.

52
ARRUDA ALVIM, José Manoel de. A alta função jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça
no âmbito do recurso especial e a relevância das questões in Revista de Processo; vol. 96/199,
pp. 37/44; e in Doutrinas Essenciais de Processo Civil, vol. 7, pp. 625/636, out/2011.
34

Entretanto, voltando-se detidamente para o recurso especial, não se


pode deixar de mencionar obra de Daniel Mitidiero em que o autor traça as
distinções entre Cortes Superiores e Cortes Supremas, explorando, de maneira
bastante interessante, a necessidade dos Tribunais Superiores brasileiros se
conscientizarem da necessidade de representarem em Cortes Supremas, tal
como a americana em questão de forma conceitual de atuação, o que passa
por um processo de transformação não apenas externo, mas também interno
do próprio Tribunal.
A obra aborda exatamente o objetivo funcional das mais altas cortes de
um sistema judiciário. A Corte Superior, então, seria aquela pensada e atuante
como de controle do direito e de jurisprudência. Isto é, o Tribunal atuaria de
forma sempre reativa e no intuito primordial de fiscalizar a legalidade das
decisões proferidas pelos órgãos a quo. Nessa sua atividade, a uniformização
da jurisprudência seria apenas o meio utilizado para fazer prevalecer a
legalidade das decisões recorridas, reformando-se aquelas tidas por ilícitas. A
Corte, portanto, quase não teria autonomia para gerir sua atividade e atuaria
sempre de forma reativa nesse controle do direito, fazendo uso da
jurisprudência para manter, ou impor, a legalidade das decisões. A atuação
seria, dessa forma, voltada para o passado.
A Corte Suprema, por sua vez, se revela como órgão “de adequada
interpretação do Direito, que se vale dos seus precedentes como um meio para
orientação da sociedade civil e da comunidade jurídica a respeito do significado
que deve ser atribuído aos enunciados legislativos”, sendo que “a interpretação
do direito é o fim da corte de vértice, sendo o caso concreto apenas o meio do
qual a corte pode desempenhar a sua função. No modelo de Cortes Supremas,
a formação do precedente tem um papel central, de modo que a violação à
interpretação ofertada pela corte de vértice pelos juízes que compõem a
própria corte e por aqueles que se encontram nas instâncias ordinárias é vista
como uma grave falta institucional que não pode ser tolerada dentro do sistema
jurídico”53.
Ao pensar sobre a atuação que o Superior Tribunal de Justiça vem
adotando desde sua criação, há certamente uma tendência significativa para

53
MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas. Do controle à interpretação, da
jurisprudência ao precedente. 3ª ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2017, pp. 17/18.
35

sua qualificação como Corte Superior, que atua de maneira, usualmente,


reativa na solução do caso concreto e, como consequência, faz de suas
decisões precedentes para orientar os órgãos a ele inferiores. Tanto assim, por
exemplo, que as súmulas do Superior Tribunal de Justiça não possuíam sequer
caráter vinculativo, ou seja, não havia obrigatoriedade de se decidir no mesmo
sentido.
O Código de Processo Civil trouxe, como já mencionado, algumas
relevantes modificações no intuito de reforçar esse procedimento de
transformação do Superior Tribunal de Justiça em uma Corte Suprema, com
atuação mais relevante e mais autonomia para agir no intuito de uniformizar o
entendimento das leis federais e orientar a sociedade como um todo — ainda
mais considerando a visibilidade que o Judiciário, mesmo recebendo o
Supremo Tribunal Federal mais holofotes, tem ganhado nos últimos anos,
especialmente por força dos escândalos de corrupção.
Inquestionavelmente, para se permitir ao Superior Tribunal de Justiça
que exerça a sua relevante função e assuma, de fato, a posição de uma Corte
Suprema, não em sua função propriamente dita, mas no reconhecimento de
sua relevância para a estrutura judiciária e sociedade civil como um todo, o
número de recursos pela Corte analisados tem que diminuir. Meios para tanto
têm sido criados e há um consenso geral sobre essa necessidade. A passos
largos, ou não, o caminho já começou a ser trilhado.
Por outro lado, o esforço não deve ser apenas da sociedade, advogados
e do legislativo, deve partir também do próprio tribunal. São os Ministros que,
apesar dos cargos políticos, devem agir com absoluta imparcialidade e
razoabilidade no julgamento, cientes de sua relevante função e do exemplo que
eles devem dar para o restante da sociedade jurídica, em especial com a
orientação de posicionamentos com relação à interpretação da lei.
Mais do que isso, “é imprescindível que o Supremo Tribunal Federal e o
Superior Tribunal de Justiça adotem: (i) uma prática justificativa de seus
julgados que seja capaz de viabilizar às partes, à sociedade civil e aos demais
órgãos do Poder Judiciário tanto uma fundamentação adequada para
consecução de um processo justo como um precedente idôneo para promoção
da unidade do Direito; (ii) uma prática de confrontação analógica entre casos –
na sua unidade fático-jurídica – que permita aferir o respeito ao precedente, a
36

necessidade de distinção entre casos ou mesmo a oportunidade para


superação de determinado entendimento consolidado; (iii) uma prática que
conduza apenas ao exame de casos dotados de repercussão geral, incluídos
aí, necessariamente, os casos em que os seus precedentes foram violados ou
ignorados pelas Cortes de Justiça; (iv) uma prática primariamente interpretativa
e apenas secundariamente de controle, proativa e voltada para o futuro e,
portanto, para orientação da comunidade jurídica e da sociedade civil, que
permita um autogoverno mais acentuado para gestão da própria agenda e para
formação de seus precedentes; (v) uma prática que importe na efetiva
formação de precedentes vinculantes horizontal e verticalmente erigidos para
promoção da igualdade e da segurança jurídica, com respeito à coisa julgada e
ao adequado desenvolvimento do sentido normativo dos enunciados
constitucionais e legislativos”54.
O que se pode afirmar, quase ao final desse capítulo inaugural da
dissertação, com um breve, mas relevante desvio do tema central do trabalho,
é que independente das previsões constantes do Código de Processo Civil
sobre a atuação do Superior Tribunal de Justiça no caso concreto, como se
explorará amplamente mais adiante, é certo que não se pode deixar de lado a
sua função precípua e primordial, de zelo pela legislação federal
infraconstitucional e orientação acerca de sua correta interpretação, sempre se
preocupando com as consequências que a decisão a ser adotada gerará não
apenas em seu cumprimento, mas extra autos como um todo.

1.7. A análise de um caso concreto. Ilustração da atuação do


Superior Tribunal de Justiça

Muito se disse sobre as essenciais funções do Superior Tribunal de


Justiça e do papel que se espera seja adotado pela Corte. Para melhor ilustrar
o que se argumentou nesse trabalho, porém, expõe-se um exemplo concreto
de julgamento.
No final de 2014, foi julgado o recurso especial nº 1.361.800/SP que
tinha como tese afetada “o termo inicial da incidência dos juros moratórios na

54
MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas. Do controle à interpretação, da
jurisprudência ao precedente. 3ª ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2017, pp. 152.
37

liquidação ou execução individual de sentença genérica proferida em ação civil


pública”. Em resumo, portanto, existindo uma sentença genérica sobre direitos
coletivos, estava o Tribunal a decidir se, nas execuções individuais desse
julgado coletivo — que podem ser milhares a depender do direito tutelado —,
depois de reconhecido o direito do interessado, se os juros de mora incidiriam a
partir da citação da executada no procedimento individual, como anteriormente
já tinha entendido a Corte55, ou se o momento inicial da incidência dos juros
seria a citação no processo principal, a ação civil pública.
Previamente ao julgamento do mérito da questão, surgiu relevante
discussão sobre a própria afetação do recurso e o seu julgamento conjunto
com outro, de diferente relatoria. Na oportunidade, decidiu-se pela manutenção
da seleção do recurso como representativo da controvérsia e, também, pelo
julgamento unitário de dois especiais com distintos relatores, tudo para que,
inicialmente, se mantivesse a suspensão das diversas ações já ajuizadas sobre
o tema e, em seguida, para que a aplicação da decisão a ser tomada, seja qual
for, fosse uniforme em todos os Tribunais do país.
As decisões quanto a tais questões de ordem, foram tomadas de
maneira correta, no intuito de uniformizar e organizar a estrutura judiciária do
país como um todo. As medidas adotadas pelo Superior Tribunal de Justiça
evitariam o descontrole sobre a tsunâmica, para usar o termo do Min. Sidnei
Benetti, massa de processos sobre matéria idêntica.

55
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. POUPANÇA.
EXPURGOS. INDENIZAÇÃO POR LESÃO A DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.
EXECUÇÃO INDIVIDUAL. JUROS MORATÓRIOS. MORA EX PERSONA. TERMO INICIAL.
CITAÇÃO NA FASE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO
PROVIDO.
1. As ações civis públicas, em sintonia com o disposto no artigo 6º, VIII, do Código de Defesa
do Consumidor, ao propiciar a facilitação a tutela dos direitos individuais homogêneos dos
consumidores, viabilizam otimização da prestação jurisdicional, abrangendo toda uma
coletividade atingida em seus direitos, dada a eficácia vinculante das suas sentenças.
2. A sentença de procedência na ação coletiva tendo por causa de pedir danos referentes a
direitos individuais homogêneos, nos moldes do disposto no artigo 95 do Código de Defesa do
Consumidor, será, em regra, genérica, de modo que depende de superveniente liquidação, não
apenas para apuração do quantum debeatur, mas também para aferir a titularidade do crédito,
por isso denominada pela doutrina "liquidação imprópria".
3. Com efeito, não merece acolhida a irresignação, pois, nos termos do artigo 219 do Código
de Processo Civil e 397 do Código Civil, na hipótese, a mora verifica-se com a citação do
devedor, realizada na fase de liquidação de sentença, e não a partir de sua citação na ação
civil pública.
4. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no REsp 1348512/DF, Rel. Ministro
LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 04/02/2013)
38

A postura da Corte quanto a este ponto, nesse sentido, está condizente


com a sua função de Corte Superior, que não apenas deve orientar a
interpretação legal, mas também zelar pela ordem de todo o sistema. Foi o que
fez nas questões de ordem.
Com relação ao objeto do recurso, o caso que versava sobre
indenização com origem nos planos econômicos foi julgado por maioria
apertada de votos, decidindo-se pela fixação da seguinte genérica tese: “os
juros de mora incidem a partir da citação do devedor no processo de
conhecimento da Ação Civil Pública quando esta se fundar em
responsabilidade contratual, cujo inadimplemento já produza a mora, salvo a
configuração da mora em momento anterior”56.
Sem adentrar ao mérito do resultado, se certo ou errado na visão do
presente trabalho, há que se analisarem as razões de decidir, além daquelas
exclusivamente jurídicas, para se estudar essencialmente se a atuação do
Superior Tribunal de Justiça, enquanto a Corte alta que é, foi coerente com o
que se espera de sua função.
A leitura das considerações gerais feitas pelo relator, Min. Sidnei Benetti,
demonstram o racional de sua decisão: entender de modo diverso daquele por
ele considerado equivaleria a eliminar a razão de ser do instituto da ação civil
pública e incentivaria a propositura de ações individuais pelos interessados, já
que a espera do julgamento final da ação coletiva apenas faria com que
“perdessem” os juros que deveriam incidir durante todo o período em que
tramitou a referida demanda judicial.
É o que se extrai, por exemplo, do seguinte trecho de seu voto 57: “No
fundo, o pleito de que o julgamento de Ação Civil pública se limite à só

56
Esclareça-se que o julgamento ainda não é definitivo, pois opostos embargos de declaração,
estão eles ainda pendentes de julgamento. Muito embora não exista trânsito em julgado, uma
brevíssima pesquisa é suficiente para evidenciar que o precedente já vem sendo amplamente
aplicado.
57
No mesmo sentido a declaração de voto da Min, Nancy Andrighi: “A prevalecer a tese de que
os juros de mora devem ser contados da citação em cada execução individual da sentença
coletiva, estar-se-á incentivando a protelação da ação civil pública, sem que isso implique
qualquer ônus ao devedor, que acabará beneficiado por us própria torpeza, em detrimento do
credor, único prejudicado pela demora na conclusão do processo. Mas não é só! Essa situação
acarretará, como contrapartida, a rejeição e o descredito da ação coletiva pelas vítimas de
danos individuais homogêneos, que irão preferir a utilização da via individual, na qual os juros
serão computados desde a citação na ação de conhecimento. Em outras palavras, a se
confirmar o entendimento do voto condutor, o STJ estará incentivando a substituição do
julgamento de uma única ação coletiva pelo julgamento de milhares de ações individuais” (fls.
39

proclamação anódina de tese, incentivado o condenado a procrastinar a


concretude da condenação no aguardo da propositura de execuções
individuais, para, só então, iniciar o curso de juros de mora, contém o germe da
destruição da efetividade do relevante instrumento processual que é a Ação
Civil Pública, que tantas esperanças abriu para a eliminação da demora na
solução de grandes controvérsias e da superação da própria insegurança
jurídica na sociedade brasileira, além de incentivar a judicialização em massa,
de gigantesco número de processos repetitivos, que estão a asfixiar o
Judiciário nacional e a impedir o célere e qualificado deslinde de processos
para os jurisdicionados em geral”58.
Pouco adiante, complementa o Relator: “deve-se arredar firmemente a
tentativa, disfarçada de mera discussão a respeito de início de fluência de juros
de mora, de destruição do próprio instrumento a Ação Civil Pública brasileira,
em verdadeira traição ao modelo da ‘Class Action’ criada pelo Direito Anglo-
Americano exatamente para o amparo, entre outros, de direitos coletivos
homogêneos, de modo a compô-los para todos os titulares de tais direitos, sem
necessidade de ingresso de cada um deles em Juízo, para judicializar,
individualmente, suas pretensões”59.

64/65 do acórdão) e também do Min, Herman Benjamin: “Em síntese, pretender que, na Ação
Civil pública, o termo inicial dos juros de mora seja a citação na fase de liquidação/execução
individual da sentença ocasionará tragédia processual decomposta em dois atos e uma
apoteose socialmente desonrosa: o abarrotamento do Judiciário com milhares de processos
tecnicamente desnecessários, veículos do único objetivo de antecipar o dies a quo do
acessório e, em regrassão da História, da (re)processualização individual do processo coletivo,
tudo desaguando, em ápice, no apequenar do acesso democrático e eficaz à Justiça” (fls.
75/76 do acórdão).
58
Confira fls. 38/39 do voto vencedor. REsp 1361800/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/
Acórdão Ministro SIDNEI BENETI, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/05/2014, DJe
14/10/2014.
59
Extraído da fl. 39 do voto vencedor, mas há ainda outro trecho relevante sobre o
entendimento do Relator, Min. Sidnei Benetti: “Além disso, evidente que a procrastinação do
início da contagem dos juros moratórios traria em seu bojo o efeito perverso de estimular a
resistência ao cumprimento da condenação transitada em julgado na Ação Coletiva, visto que é
claro que seria economicamente mais vantajoso, como acumulação e trato do capital, não
cumprir de imediato o julgado e procrastinar a efetivação dos direitos individuais, via incontida
recorribilidade, e, quiçá, a eternização da violação de direitos, como ocorre, aliás, na
atualidade, em que a judicialização pulverizada desempenha relevante papel no giro de
assuntos de diversas naturezas — não apenas os referentes a Cadernetas de Poupança e
Planos Econômicos, subjacentes ao caso, mas a todos os demais, que afligem a sociedade na
irrealização de direitos e afogam o Poder Judiciário me multitudinária massa de processos
individuais, para os quais se remeteriam todos os titulares e Cadernetas de Poupança, com
direito reconhecido no julgamento da ação Coletiva” (fl. 40 do voto).
40

A preocupação do voto vencedor, com relação à inutilidade da ação civil


pública e à possibilidade do devedor procrastinar é de todo válida, mas será
que a consideração poderia ser a tal ponto genérica, a fim de estabelecer uma
tese de juros de mora para rigorosamente todas as ações civis públicas?
Parece-nos que não.
Não se discute a relevância do instituto da ação civil pública e a
possibilidade da tutela coletiva de direitos individuais homogêneos, mas não é
razoável que se fixe uma tese a tal ponto genérica quando é sabido que cada
ação civil pública, a depender do tema e da situação julgada, tem suas
relevantes peculiaridades.
Diferentemente do caso dos planos econômicos, em que se considerou
naquele julgamento que “a sentença coletiva é de natureza condenatória,
mesmo sendo genérica, e é líquida, apenas faltando a individualização do
direito individual, que facilmente pode ser realizada à consulta pelo devedor
dos registros em seu poder”60, não são todas as hipóteses postas em juízo que
o cumprimento seria tão simples e imediato61.
Há casos, como uma condenação alternativa, por exemplo, em que o
cumprimento imediato e prévio à escolha pelo interessado é impossível. Seria
razoável impor ao devedor, nesta hipótese, também juros desde a citação na
ação civil pública? A situação seria exatamente oposta ao racional do voto
vencedor: quem procrastinaria seria o credor — tenha-se em mente que em
qualquer hipótese a procrastinação deve ser repelida pelo Judiciário —, já que,
quanto mais demorar para fazer a sua opção de cumprimento, mais juros
incidiriam em seu benefício. Com este simples exemplo busca apenas
demonstrar que a atuação do Superior Tribunal de Justiça, conquanto deva
buscar nortear as interpretações, tem que possuir no exercício de seu mister,
uma preocupação muito maior do que resolver o caso concreto ou meramente
a tese jurídica: há que se estudar, avaliar e existir uma relevante ponderação
quanto às consequências que a fixação do entendimento poderá gerar. No

60
Confira fl. 43 do voto vencedor.
61
Esclareça-se aqui que o autor deste trabalho não está afirmando a simplicidade do
cumprimento da sentença coletiva dos planos econômicos, ou atestando a correção do
julgamento feito pelo Superior Tribunal de Justiça, mas apenas fazendo uma avaliação partindo
dos pressupostos considerados pela maioria vencedora.
41

caso, ainda que a intenção tenha sido das melhores, essa indispensável
preocupação não existiu62.
O voto vencedor, na verdade, chegou a reconhecer que existiriam
impactos e o cumprimento imediato de sua ordem poderia não ser viável nem
no caso concreto, mas optou por nada avaliar no momento do julgamento:
“Problemas concretos, como o propalado temor de volume de grande monta
para satisfação dos créditos reconhecidos por sentenças condenatórias
proferidas em Ações Civis Públicas, bem que podem merecer o tratamento
adequado proporcional às respectivas dificuldades e peculiaridades, existentes
no sistema jurídico, mas não se irão, aqui, prematuramente indicar”63.
Aqui pecou o Superior Tribunal de Justiça em sua forma de atuação
como Corte Superior. Percebeu um problema no seu posicionamento, mas se
esquivou de dar a solução; preferindo jogar para frente até que chegue a ele
novamente a questão. Não é isto que se espera. Afinal, sendo inviável o
cumprimento da ordem genérica tal como emanada, serão novos recursos
interpostos até que o tema volte a ser analisado pela Corte. Logo, ao invés de
aliviar a carga judiciária, o posicionamento causa um impacto inverso, já que
apenas orienta a tese genérica e geral, sem especificar eventuais
particularidades que, já se sabia à época, existiam e seriam arguidas, o que
criará um novo ciclo recursal completo.
Dos 15 (quinze) Ministros que participaram da sessão de julgamento,
Herman Benjamin, estudioso do tema ação civil pública, foi o único que
demonstrou ampla preocupação com as consequências que a decisão ali
tomada poderia causar não apenas nas ações do tema, mas na sociedade e no
país como um todo. Foi por isso que sugeriu, na hipótese de oposição de
embargos de declaração, já que os votos proferidos até então nada falavam a

62
E não existiu nem no voto vencido, que se limitou a analisar a tese jurídica para chegar a
conclusão distinta, sem nada falar sobre as consequências ou a preocupação com o impacto
que eventual decisão poderia causar: “Desse modo, à guisa de resumo, verifica-se que, na
liquidação/execução individual de sentença genérica proferida em ação civil pública: (I) as
relações processuais são objetiva e subjetivamente distintas; (II) a atividade cognitiva é
desdobrada em duas fases, a primeira produzindo uma sentença genérica, e a segunda
realizando uma ‘liquidação imprópria’; e (III) no caso, a mora é ex persona, exigindo a
interpelação (citação) do devedor para sua caracterização. Logo, o termo inicial para incidência
dos juros moratórios deve ser a data da citação na liquidação/execução individual da sentença
genérica” (fl. 25 do acórdão).
63
Confira fl. 60 do acórdão.
42

respeito, a análise da viabilidade e extensão da modulação de efeitos da


decisão tomada.
Defendendo sua posição pela incidência dos juros desde a citação na
ação principal, assim ponderou o Ministro: “Esse desiderato não se opõe a
providências, inclusive no âmbito deste Tribunal, no que tange à execução dos
julgados, em especial à modulação dos efeitos para, assim, numa perspectiva
consequencialista, evitar, no caso concreto, condenações que possam pôr em
risco a estabilidade econômica do País, mormente a sobrevivência de bancos
oficiais, eles próprios agentes do desenvolvimento”64.
Pouco depois complementa: “tenho em mente a responsabilidade
inafastável de qualquer juiz, mormente dos Tribunais Superiores, de zelar pela
integridade da ordem e estabilidade econômicas do País. Perderá muito de seu
valor jurídico-pacificador e da sua própria legitimidade a decisão judicial que
ponha em risco ou solape a própria base, notadamente a pública, da qual se
pretende saiam os recursos financeiros para viabilizar o ressarcimento dos
credores. Em qualquer circunstância, o caos, seja social, sanitário, econômico,
ambiental ou de segurança pública, vem a ser precisamente a única ‘solução’
que o juiz deve, incansavelmente, evitar”65.
Nada mais correto. Como já mencionado, o Superior Tribunal de Justiça
não deve zelar, única e tão somente, pelo direcionamento jurídico da matéria,
resolvendo a questão litigiosa posta com base no ordenamento e dando a
melhor solução do direito, que deverá ser seguida e respeitada nos demais
tribunais do país. Deve existir uma preocupação maior, de orientação da
sociedade como um todo e de manutenção da ordem, em um sentido amplo, tal
como ponderado em seu voto pelo Min. Herman Benjamin.
Em outras palavras, ao se proferir uma decisão com caráter repetitivo, a
Corte não pode se ater, exclusivamente, na melhor solução jurídica, deve
também sopesar as consequências que aquela tomada de decisão gerará, e
não apenas na esfera do direito e dos processos, como bem ponderou o Min.
Herman Benjamin (independente de seu posicionamento no mérito). De toda
forma, resta ainda a dúvida, inclinando-se o autor para uma resposta negativa,
sobre a viabilidade de se criar um precedente repetitivo, portanto vinculante, de

64
Confira fl. 78 do acórdão (destaques no original).
65
Confira fl. 79 do acórdão.
43

tal modo genérico como o ocorrido no caso, sem qualquer tipo de modulação
de efeitos.
Nessa linha de raciocínio, portanto, espera-se estejam alinhadas as
duas relevantes e essenciais atuações do Superior Tribunal de Justiça, isto é, a
orientação de interpretação legislativa na esfera federal, ao lado da
preocupação com as consequências que a sua decisão gerará, no intuito de
não apenas uniformizar os entendimentos na esfera do direito, mas manter a
razoabilidade e a ordem na aplicação da posição por ele adotada, evitando-se
consequências catastróficas que poderiam ser geradas em uma análise
exclusivamente jurídica e que não eliminariam, ademais, novos recursos à
Corte. Não se pode deixar de lado, portanto, as peculiaridades que podem vir a
existir no cumprimento casuístico do precedente vinculante.
44

2. CABIMENTO E REGRAMENTO DO RECURSO ESPECIAL

2.1. Cabimento

Até 1988, como abordado no capítulo precedente, o judiciário brasileiro


era formado, como Corte Superior, apenas pelo Supremo Tribunal Federal,
competente para julgar os recursos, então sempre chamados de
extraordinários, que questionassem tanto violações da Constituição de 1967,
com redação dada pela emenda nº 1 de 1969, como de lei federal.
Dispunha o art. 119 da Constituição Federal vigente à época, em seu
inciso III, alínea “a”, que seria cabível recurso extraordinário quando a decisão
recorrida “contrariar dispositivos desta Constituição ou negar vigência de
tratado ou lei federal”.
Muito embora única a competência do Supremo Tribunal Federal, a
previsão era distinta para hipóteses de cabimento do recurso, o que se
concebia a partir da interpretação que se dava aos termos contrariar e negar
vigência constantes do dispositivo constitucional, sendo o primeiro utilizado no
que toca à Constituição Federal e o segundo para as leis federais.
“Sempre se entendeu que a expressão contrariar é muito mais ampla e
abrangente que negar vigência. Não que negar vigência se referisse apenas a
negar ou recusar a aplicação de determinado dispositivo legal, dando-o como
revogado. Efetivamente, não era tão restrito o sentido que lhe dava o Supremo
Tribunal Federal. Entretanto, a distinção entre os conceitos de contrariar e
negar vigência, inspirou o Supremo Tribunal Federal a editar a conhecida
Súmula nº 400 de sua jurisprudência”66 que, por sua vez, previa que “decisão
que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza
recurso extraordinário pela letra ‘a’ do art. 101, III, da Constituição Federal”.67

66
PINTO, Nelson Luiz. Recurso Especial para o Superior Tribunal de Justiça. São Paulo:
Malheiros, 1992, pp. 108/109.
67
Compartilhando o entendimento: “O art. 105, III, a, prevê o cabimento do recurso especial
contra tais decisões quando elas tiverem contrariado ou negado vigência a tratado ou lei
federal. ‘Negar’ vigência consiste em totalmente desconsiderar, não aplicar, uma norma
jurídica. ‘Contrariar’ significa aplicar mal equivocadamente. A rigor, bastaria o emprego desse
segundo termo para abranger as duas hipóteses, como se fez relativamente ao recurso
extraordinário”. WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo
Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 16ª ed., vol. 2, 2016, p. 606.
45

Logo, o entendimento de se negar vigência se restringia às hipóteses de


não aplicação de preceito de lei a determinado caso por ele regido, ou, então,
quando a interpretação dada pelo Tribunal local, estadual ou federal, fosse
efetivamente absurda, já que a razoável, ainda que distinta daquela pacífica no
Supremo, não bastava para o cabimento do recurso com fundamento na alínea
“a” do art. 119, III, então vigente68.
A Constituição de 1988, ao criar o Superior Tribunal de Justiça e
fragmentar entre tribunais distintos a competência para análise de questões
constitucionais e federais infraconstitucionais, estabeleceu, para estes casos, o
recurso especial. E considerando que “a função do recurso especial, que antes
era desempenhada pelo recurso extraordinário, é a manutenção da autoridade
e unidade da lei federal, tendo em vista que na Federação existem múltiplos
organismos judiciários encarregados de aplicar o direito positivo elaborado pela
União”69, o cabimento advém do simples inconformismo da parte. Na verdade,
continua Humberto Theodoro Jr, a impugnação da parte pela via do especial
“só terá cabimento dentro de uma função política, qual seja, a de resolver uma
questão federal controvertida”70.
Assim, ciente o legislador constitucional das discussões sobre a
amplitude de cabimento e interpretação dos termos constantes da Constituição
Federal até então em vigor, tomou o cuidado de tentar minimizar os problemas
existentes com o objetivo de fazer efetivamente prevalecer a relevante função
do Superior Tribunal de Justiça.
Desse modo, o recurso especial passou a ter previsão de cabimento no
art. 105, III, da Constituição Federal de 1988, in verbis:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:


III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última
instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados,
do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;

68
Vale fazer a observação de que o teor da Súmula 400 ia de encontro à disposição da alínea
“d” do art. 119, III, da Constituição de 1967, haja vista que previa exatamente o cabimento de
recurso extraordinário quando fosse dada “à lei federal interpretação divergente da que lhe
tenha dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal Federal”. Afinal, razoável ou não a
interpretação, se era ela divergente daquela do Supremo ou de outro tribunal, era cabível o
recurso extraordinário.
69
THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 48ª
ed., 2016, p. 1.121.
70
ob. cit., p. 1.121.
46

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro
tribunal.

Veja-se que a hipótese de cabimento prevista na letra “a” encerra as


dúvidas, ao consignar que o recurso especial seria cabível tanto quando a
decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, como quando negar-lhes
vigência. Abordando-se ambos os termos como fundamento de interposição do
especial, elimina-se a relevância da discussão acerca da amplitude de cada um
deles, tal como existia na sistemática anterior.
Superado esse debate, o que se nota, pela simples leitura do dispositivo
constitucional, é a indicação de que o recurso especial, inicialmente, apenas é
cabível contra decisões dos Tribunais. Tal previsão, portanto, além de
consignar com outras palavras que o especial apenas pode combater acórdão,
que é a última decisão proferida pelos tribunais — nunca o é a monocrática,
sempre agravável, inclusive nos termos do art. 1.021 do atual Código de
Processo Civil —, afasta o seu cabimento contra decisões, de última ou única
instância de juizados especiais71.
Abram-se parêntesis para apenas esclarecer que a questão não é a
mesma com o recurso extraordinário, já que “a Constituição de 1988 não mais
alude a ‘causas decididas em única ou última instância por outros tribunais’
(texto do art. 119, III, da anterior Constituição da República), mas a ‘causas
decididas em única ou última instância’ (dicção do art. 102, III, da atual
Constituição Federal) (…). Por essa razão, não há óbice à interposição de
recurso extraordinário contra decisão de órgão do Poder Judiciário que não
caracterize Tribunal, se, em única ou última instância, versar sobre matéria
constitucional, como ocorre, por exemplo, em relação às decisões proferidas
pelas turmas a que se refere o art. 41 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de
1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis”72.
O dispositivo constitucional, ademais, estabelece três hipóteses distintas
de cabimento do recurso para o Superior Tribunal de Justiça. Logo, é possível
a interposição do recurso especial quando a decisão recorrida, proferida em
única ou última instância, contrariar, basicamente, lei federal ou a ela negar

71
Inclusive, a Súmula nº 203 do Superior Tribunal de Justiça, assim prevê: “Não cabe recurso
especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais”.
72
MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. Atualizado por Vilson
Rodrigues Alves, 2ª ed., vol. III. Campinas: Millennium, 1998, p. 250.
47

vigência. Isto é, o julgado deverá aplicar erradamente a previsão legal federal


ou, então, negar a sua aplicação em hipótese nitidamente por ela regida 73.
A segunda situação, um pouco menos comum, se dá quando a decisão
recorrida (acórdão) considerar regular algum ato do governo local quando este
for questionado em comparação com a previsão da lei federal, ou seja, quando
se alega que o referido ato vai de encontro à norma. Vale lembrar que,
anteriormente à Emenda Constitucional nº 45/2004, a redação da alínea “b”
previa o cabimento do recurso especial quando a decisão julgasse válida lei
local (logo, estadual ou municipal), em face da federal, o que foi alterado para
passar a competência desta hipótese para o recurso extraordinário, de modo a
consignar, acima de dúvidas, que conflitos entre leis locais e federais, já que de
competência delegada pela União, são resolvidos pelo Supremo Tribunal
Federal74.
A alteração da redação da alínea “b”, porém, não eliminou as discussões
teóricas acerca do cabimento dos recursos extraordinário e especial. É
cristalino que a emenda deslocou para o art. 102, III, alínea “d”, da Constituição
Federal, ou seja, como hipótese de cabimento de recurso extraordinário a
decisão que “julgar válida lei local contestada em face de lei federal”, limitando
o recurso especial para questionar o ato do governo local.
Muitas vezes, porém, a efetiva distinção da situação no caso concreto —
ou até mesmo a diferenciação entre as duas hipóteses de cabimento — é muito
tênue, o que pode gerar confusão não apenas na parte recorrente, como para
os próprios magistrados que farão a análise acerca do recurso interposto, se
cabível, e de sua admissibilidade.
O atual Código de Processo Civil amenizou a questão ao prever em
seus artigos 1.032 e 1.033 o redirecionamento do recurso entre os tribunais
superiores, quando interposto especial em situação concreta de cabimento de
extraordinário e vice-versa, evitando-se o não conhecimento e assegurando o
julgamento da pretensão da parte pela Corte competente (cf. item 3.1 abaixo).

73
Aqui se deve considerar lei complementar federal, lei ordinária federal, lei delegada federal,
decreto-lei federal, medida provisória federal e decreto autônomo federal para fins de
cabimento da violação contida no art. 105, III, “a”, da Constituição Federal.
74
Constituição Federal: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a
guarda da Constituição, cabendo-lhe: (…) III – julgar, mediante recurso extraordinário, as
causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: (…) d) julgar válida
lei local contestada em face de lei federal”.
48

Com relação à situação restante da alínea “b”, “trata-se de requisito


objetivo, constatável de plano. Basta que o tribunal local tenha julgado válido
ato de governo local, contestado em face de lei federal, para que tenha
cabimento o especial pela alínea b do inc. III do art. 105 da CF/88. Esse
raciocínio significa que prevaleceu o ato de governo local, afastada a lei
federal. Se, todavia, for julgado inválido ato de governo local, dando-se
prevalência à lei federal, à parte vencida não aproveitará a hipótese de
cabimento da alínea b, ora sob foco”75.
Já a terceira hipótese de cabimento do recurso especial se dá quando a
decisão recorrida tenha dado, a determinada lei federal, uma interpretação
distinta daquela que lhe tenha atribuído outro tribunal, seja ele superior,
hierarquicamente equivalente, ou mesmo de competência distinta, como
decisões de tribunais estaduais e regionais federais. Em suma, o que importa
é, em um caso de concreta similitude fática, a distinção da interpretação dada a
um mesmo dispositivo de lei federal, desde que tenha ocorrido em tribunal
distinto, não sendo possível a interposição do especial com fundamento em
divergência fundada em acórdão do próprio tribunal prolator daquele recorrido,
a teor da Súmula nº 13 do Superior Tribunal de Justiça76.
Há, quanto às duas últimas hipóteses de cabimento do especial, certa
discussão doutrinária acerca do caráter autônomo das alíneas que não a “a” do
dispositivo constitucional. Alguns doutrinadores costumeiramente têm chamado
as alíneas “b” e “c” do recurso especial como hipóteses de cabimento,
considerando a alínea “a” como a única hipótese de real fundamento do
especial, tudo a indicar que não seria possível a interposição de maneira
autônoma do recurso sem se demonstrar, efetivamente, a violação à lei federal.
A Professora Teresa Arruda Alvim, inclusive e, por exemplo, sustenta
que deveriam ser tratadas como subalíneas, já que são especificações da
alínea “a”77. A autora argumenta que as hipóteses das alíneas “b” e “c”, na

75
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008, p. 865.
76
Súmula 13 do Superior Tribunal de Justiça: “A divergência entre julgados do mesmo tribunal
não enseja recurso especial”.
77
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário
e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3º ed., 2016, pp. 327/328. Na mesma linha: Flavio
Cheim Jorge. Recurso especial com fundamento na divergência jurisprudencial. In: Nelson
Nery junior e Tereza Arruda Alvim Wambier (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos
49

verdade, apenas especificariam situações em que a lei federal poderia ser


violada pela decisão objeto do especial. Em suma, então, na linha de raciocínio
por ela posto, em qualquer das hipóteses haveria uma contrariedade ou uma
negativa de vigência da lei federal, seja por ato do governo local, ou por
interpretação da lei distinta — tida por equivocada pelo recorrente — da que
tenha atribuído à norma outro tribunal. É o mesmo entendimento do Prof.
Eduardo Arruda Alvim78.
A polêmica da questão reside em especial na alínea “c”, ao se analisar
se a divergência jurisprudencial pode ser considerada como uma hipótese
autônoma para a interposição do especial. Como visto, brevemente embora, há
uma corrente que entende a resposta como negativa, ou seja, que deve
sempre haver a indicação de uma violação legal, citando-se como exemplo a
professora Teresa Arruda Alvim, já que tal previsão apenas facilitaria o
julgamento da afronta à lei federal, permitindo a admissão do recurso por uma
divergência de entendimento jurisprudencial.
Aliado a isso, os adeptos de tal linha de raciocínio abordam que o
Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso extraordinário, também possui
a função de uniformizar a jurisprudência a partir da interpretação que o tribunal
dá à Constituição Federal, ainda que inexista previsão expressa nesse sentido
no próprio texto constitucional. Desse modo, considera-se que para o Superior
Tribunal de Justiça não deveria ser diferente, justificando-se o caráter supérfluo
da alínea “c”, já que se trata de hipótese inerente à própria função do tribunal
superior.
Para Nelson Luiz Pinto, “quando se ingressa com recurso especial com
fundamento na letra ‘c’ do art. 105, III da Constituição Federal, não basta
afirmar-se que a decisão recorrida diverge de outra, proferida por outro
Tribunal. Há necessidade, também, de que a parte alegue e demonstre que a
interpretação acertada da lei federal em questão é aquela constante da decisão
paradigma, e não a contida na decisão recorrida, razão pela qual se pede a
reforma do acórdão, para que prevaleça a tese contrária”.

cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais – 4ª série. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2001.
78
“Tem-se em princípio que as hipóteses de cabimento das alíneas b e c constituem-se, na
generalidade dos casos, em subespécies daquela albergada na alínea a. Com efeito, nessas
hipóteses é possível falar em contrariedade à lei federal” ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito
Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 865.
50

Posteriormente, conclui que “se se alega que a interpretação dada, na


decisão recorrida a respeito de determinada lei federal, não é correta, está-se
afirmando, consequentemente, que essa lei federal foi contrariada pelo
acórdão, o que, por si só, possibilitaria o cabimento do recurso especial pela
letra ‘a’ do art. 105, III da C.F.”79.
É, na verdade, o ensinamento de Barbosa Moreira, com outras palavras:
“Acórdão que deu a lei federal interpretação divergente da adotada por outro
tribunal não é, necessariamente, acórdão errado: sua interpretação será talvez
preferível à do acórdão de outro tribunal. A presença da característica
apontada na letra c não implica que o recorrente tenha razão em pleitear a
reforma ou a anulação do acórdão recorrido, a fim de que prevaleça a
interpretação dada à lei federal pelo acórdão de que aquele divergiu. É
perfeitamente possível que a divergência haja de resolver-se em favor do
acórdão recorrido, que interpretou a norma de maneira correta”80.
Sendo polêmico o assunto, há a corrente oposta, que argumenta ser
cada uma das três alíneas do inciso III do art. 105, da Constituição Federal,
hipóteses independentes de cabimento do especial, afinal, seria exatamente
essa a literalidade da previsão constitucional. Entender-se na linha de não
haver autonomia entre as alíneas, existindo uma dependência da hipótese “a”,
estar-se-ia esvaziando por completo os dois outros comandos constitucionais.
A partir desse racional, os autores que argumentam pela autonomia, em
especial da alínea “c”, pregam não apenas o esvaziamento de sua utilidade e
previsão, mas também a necessidade de se prestigiar a possibilidade do
Superior Tribunal de Justiça atuar no intuito de uniformizar a jurisprudência dos
tribunais do país, independente de existir uma expressa violação de lei na
decisão recorrida.
Esse entendimento é refletido nas ponderações de Fredie Didier Jr.,
“(…) O segundo entendimento esvazia o conteúdo do comando constitucional
previsto na letra ‘c’, ignorando, exatamente, que o objetivo do texto normativo é
o de permitir que o Superior Tribunal de justiça uniformize a interpretação da lei
federal e, com isso, forneça paradigmas que tornem mais previsíveis as

79
Ob. cit. Pp. 117/118.
80
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 6ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1994, vol. 5, pp. 163/164.
51

decisões judiciais, diminuindo a insegurança jurídica. Toda interpretação que


favoreça a uniformização da jurisprudência deve ser prestigiada. O sistema
jurídico brasileiro é estruturado partindo-se dessa premissa (arts. 926-927,
CPC). Ademais, é preciso lembrar que o inciso III do art. 105 da CF/1988
consagra um direito de acesso aos tribunais superiores, cuja interpretação não
pode ser restritiva”81.
Não obstante a discussão doutrinária, inclusive com parte da doutrina
considerando um absurdo lógico82 o conhecimento de um recurso especial pela
alínea “c” e não pela “a”, não é esse o entendimento que tem prevalecido no
Superior Tribunal de Justiça — ainda que existam julgados em sentido
contrário —, que vem privilegiando a autonomia das hipóteses de cabimento
previstas no texto constitucional, como fez no recurso especial 332.376 de
relatoria do Min. Franciulli Netto, 2ª Turma, j. 24.03.03.
Resta claro que há razoáveis fundamentos para alinhar-se a qualquer
uma das duas correntes. É certo, porém, que não se pode simplesmente
ignorar a previsão constitucional, que lista três hipóteses distintas de cabimento
do recurso especial, para se considerar a existência de apenas uma delas, com
duas subsidiárias, o que, ao menos em teoria, limitaria os direitos dos
interessados, já que restringiria o cabimento do especial.
Muito embora não seja fácil exemplificar na prática uma hipótese em que
o dissídio jurisprudencial esteja completamente dissonante de uma violação de
lei, haja vista que não é viável se considerar duas interpretações distintas como
possíveis para uma mesma disposição legal, isto é, ou um tribunal interpretou
corretamente, de acordo com a lei, ou o outro, o que faria o especial, ainda que
por tabela, se fundar em afronta a dispositivo de lei federal; não se pode
simplesmente vedar tal hipótese, como se não fosse ela a efetiva previsão
constitucional.
Assim, por maior que seja a dificuldade de visualizar tal situação na
prática, parece que a melhor leitura realmente é aquela que reflete a disposição
da Constituição Federal, com três hipóteses distintas e independentes que

81
DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil.
Salvador: JusPodivm, 2016, 13ª ed., p. 349.
82
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. DANTAS, Bruno. ob.cit., p. 334.
52

justificam a interposição de recurso especial, evitando-se restrições não


previstas no texto constitucional.

2.2. Regramento do recurso especial

Conforme dicção do art. 1.029, o recurso especial deve ser interposto


perante o Presidente ou Vice-Presidente dos Tribunais locais (estaduais e
regionais federais), conforme regimento interno dos respectivos Tribunais,
abordando indispensavelmente os seguintes pontos: (i) a exposição do fato e
do direito; (ii) a demonstração do cabimento do recurso interposto; e (iii) as
razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão recorrida.
Esclareça-se que, na hipótese de ser interposto o recurso especial
conjuntamente com o extraordinário, devem o ser em petições distintas.
A priori, o recurso especial não será dotado de efeito suspensivo, que
poderá ser extraordinariamente requerido nos termos do art. 1.029, § 5º,
incisos I, II e III, do Código vigente, quando justificado o perigo de dano
irreversível, aliado à probabilidade de provimento da pretensão, exatamente na
mesma linha dos pedidos suspensivos dos demais recursos. A pretensão de
sustar a eficácia do acórdão recorrido será dirigida ao Superior Tribunal de
Justiça “no período compreendido entre a publicação de admissão do recurso e
sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para
julgá-lo”; para o próprio “relator, se já distribuído o recurso”; ou, então, ao
magistrado competente pela análise da admissibilidade no tribunal local, “no
período compreendido entre a interposição do recurso e a publicação da
decisão de admissão do recurso, assim como no caso de o recurso ter sido
sobrestado”.
É importante, já no início, ressaltar que não raramente o Superior
Tribunal de Justiça aplica por analogia a Súmula nº 28483 do Supremo Tribunal
Federal para justificar a não admissão, ou o não conhecimento de recurso
especial interposto. Por isso, o recorrente deve se atentar em suas razões para

83
Súmula nº 284 STF: “é inadmissível recurso extraordinário, quando a deficiência na sua
fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”.
53

bem expor os fundamentos e as violações de lei que justificam a admissão de


seu recurso, sob pena de vê-lo ter seguimento negado84.
Interposto o recurso, será a parte contrária intimada a respondê-lo no
prazo de 15 (quinze) dia e, ao final do referido prazo, com ou sem a
apresentação das contrarrazões, o Presidente ou o Vice-Presidente do Tribunal
deve proceder ao juízo provisório de admissibilidade, tal como prevê o art.
1.030 do diploma em vigor.
Diz-se provisório, pois a admissibilidade do recurso interposto será
novamente analisada pelo Superior Tribunal de Justiça que, de maneira
alguma, se vincula ao posicionamento exarado pelo Tribunal de origem,
devendo fazer então o juízo definitivo da admissibilidade recursal. O especial e
o extraordinário são, inclusive, os únicos recursos que possuem dupla análise
de sua admissibilidade de acordo com a atual sistemática85.
Nesse momento, vale relembrar que o Código de Processo Civil
originalmente aprovado e sancionado previa em seu art. 1.030 que, uma vez
encerrado o prazo para apresentação de resposta ao recurso direcionado a
uma das Cortes Superiores, os autos deveriam ser a elas remetidos, conforme
o caso. Desse modo, a partir da redação original dada ao código, também o
especial e o extraordinário, como o recurso de apelação, não se submetiam a
um juízo duplo de admissibilidade. Ocorre que o procedimento foi
drasticamente alterado, antes mesmo da entrada em vigor do Código, pela Lei
13.256 de 4 de fevereiro de 2016 que, entre outros aspectos, trouxe de volta,
tal como no diploma de 1973, um primeiro juízo de admissibilidade para o

84
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
OFENSA AO ART. 126, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. SÚMULA
280/STF. VIOLAÇÃO AO ART. 620 DA CLT. ALUSÃO DE FORMA VAGA AO DISPOSITIVO.
SÚMULA 284/STF. SIMPLES REITERAÇÃO DAS ALEGAÇÕES VEICULADAS NO RECURSO
ANTERIOR. (…)
II - A ausência de demonstração precisa de como a violação ao dispositivo de lei federal teria
ocorrido, limitando-se a parte recorrente em, apenas citar, de forma vaga, o aludido dispositivo,
impede o conhecimento do recurso especial, pela aplicação, por analogia, do entendimento da
Súmula 284, do Colendo Supremo Tribunal Federal. II - O Agravante não apresentam
argumentos capazes de desconstituir a decisão agravada. III - Agravo regimental improvido.”
(AgRg no AREsp 185.799/SP, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 03/03/2015, DJe 11/03/2015).
85
A considerar a sistemática do Código de Processo Civil de 1973, o recurso de apelação
também se submetia ao duplo juízo de admissibilidade: em 1º Grau e no Tribunal. O projeto do
novo CPC havia excluído a dupla admissibilidade de todos os recursos, mas a Lei nº 13.256/16
o estabeleceu novamente para o especial e o extraordinário.
54

Tribunal de origem, restabelecendo-se, portanto, o juízo de admissibilidade


bifásico86.
Cumpre relembrar, também, que “a matéria relativa à admissibilidade
recursal é de ordem pública, não estando sujeita à preclusão, por se tratar de
norma cogente, sendo que deve ser apreciada, de ofício, pelo órgão julgador,
ainda que a parte interessada tenha deixado de apontar a falta dos requisitos
para a interposição de determinado recurso em suas contrarrazões”87.
Para a análise específica da admissibilidade com relação à alínea “c” do
art. 105, III, da Constituição Federal, o § 1º do art. 1.029 do Código de
Processo Civil traz a necessidade de se juntar cópia ou fazer referência a
repositório oficial quando o recurso especial for interposto também por dissídio
jurisprudencial, impondo, ainda, a essencialidade de se realizar o cotejo-
analítico entre o acórdão recorrido e o paradigma – demonstrando-se as
semelhanças entre eles, a fim de justificar a divergência alegada.
As obrigações constantes do referido parágrafo estão refletidas também
no regimento interno do Superior Tribunal de Justiça, em seu art. 255 88,

86
“Interposto o recurso excepcional, perante o tribunal a quo, o recorrido é intimado para
apresentar resposta e, finalizado esse prazo, os autos do processo são conclusos ao
presidente ou vice-presidente para adotar uma das providências previstas nos incisos do art.
1.030 do CPC/2015, dentre as quais a de realizar o primeiro juízo de admissibilidade dos
recursos excepcionais. Verifica-se, assim, que esse dispositivo, incluído pela Lei 13.256, de 04
de Fevereiro de 2016, reintroduziu o duplo juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais
que não constava do texto original do Código de Processo Civil de 2015, pois primeiramente o
Código de Processo Civil de 2015 determinava a interposição do recurso excepcional no
tribunal a quo e sua remessa imediata às Cortes Superiores, sem realizar qualquer juízo de
admissibilidade. O art. 1.030 do CPC/2015, entretanto, estabelece uma série de possíveis atos
que devem ser concretizados ainda no tribunal recorrido, prescrevendo a prática de atos que
otimizam a uniformização da jurisprudência dos Tribunais Superiores” (AURELLI, Arlete Inês.
CIMARDI, Cláudia Aparecida. O juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais no Código
de processo Civil de 2015, in Questões Relevantes sobre Recursos, Ações de Impugnação e
Mecanismos de Uniformização da Jurisprudência após o primeiro ano de vigência do novo
CPC. Coord. Bruno Dantas, Cassio Scarpinella Bueno, Cláudia Elisabete Shwerz Cahali e Rita
Dias Nolasco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 180).
87
Ob. citada, p. 177.
88
RISTJ. “Art. 255. O recurso especial será interposto na forma e no prazo estabelecido na
legislação processual vigente, e recebido no efeito devolutivo, salvo quando interposto do
julgamento de mérito do incidente de resolução de demandas repetitivas, hipótese em que terá
efeito suspensivo. § 1º Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente
fará a prova da divergência com a certidão, cópia ou citação do repositório de jurisprudência
oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que houver sido publicado o acórdão
divergente, ou ainda com a reprodução de julgado disponível na internet, com indicação da
respectiva fonte, devendo-se, em qualquer caso, mencionar as circunstâncias que identifiquem
ou assemelhem os casos confrontados. § 2º revogado. § 3º São repositórios oficiais de
jurisprudência, para o fim do § 1º deste artigo, a Revista Trimestral de Jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, a Revista do Superior Tribunal de Justiça e a Revista Tribunal
55

alterado para ficar justamente alinhado com o novo processo civil pela Ementa
Regimental nº 22 de 2016.
Especificamente com relação à obrigação contida na parte final dos
dispositivos, legal e regimental, deve a parte recorrente expor em suas razões
recursais, detidamente, que o acórdão recorrido deu à lei federal interpretação
divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal, explorando as semelhanças
fáticas e a conclusão distinta. É o que se chama de cotejo analítico dos
acórdãos, não bastando a mera transcrição das ementas do julgado recorrido e
do paradigma, como entende pacificamente o próprio Superior Tribunal de
Justiça:

“PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE


INSTRUMENTO - AÇÃO RESCISÓRIA (…) DIVERGÊNCIA
JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA - AUSÊNCIA DO EXIGIDO
COTEJO ANALÍTICO E DE SIMILITUDE FÁTICA E JURÍDICA ENTRE
OS JULGADOS.
(…)
III - O dissídio jurisprudencial deve ser demonstrado com o exigido
cotejo analítico entre os julgados mencionados, observada a similitude
fática e jurídica, de modo que inviável o inconformismo apontado pela
alínea “c” do permissivo constitucional sem o cumprimento de tais
requisitos. Anote-se, ademais, que a simples transcrição de ementas
não é bastante para a configuração da divergência. Agravo regimental
improvido.”
(AgRg no Ag 743.441/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 16/09/2008, DJe 30/09/2008)89.

Para encerrar os requisitos específicos da divergência jurisprudencial, é


importante ressaltar que ela deve ser atual, o que significa dizer que não pode
se fundar em entendimento já superado pelo próprio tribunal prolator do
acórdão paradigma. É o que, em outras palavras, restringe a Súmula nº 83 do
Superior Tribunal de Justiça: “não se conhece do recurso especial pela
divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da
decisão recorrida”.

Federal de Recursos e, autorizados ou credenciados, os habilitados na forma do art. 134 e seu


parágrafo único deste Regimento”.
89
São vários os exemplos no mesmo sentido: REsp nº 420841⁄RS, Rel. Min. Fernando
Gonçalves, 4ª T., j. 13.05.08, DJe 26.05.08; REsp nº 1032578⁄RJ, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T.,
j. 13.05.08, DJe 21.05.08; AgRg no REsp nº 876031⁄MS, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., j.
03.04.08, DJe 17.04.08.
56

A doutrina bem explica esse ponto: “Não se trata de problema ligado à


antiguidade da decisão. Esta pode ter sido proferida há muitos anos, mas será
adequada para o confronto se se referir ao mesmo texto legal. O que não se
admite é a utilização de jurisprudência ultrapassada, quando o tema já foi
interpretado de maneira diferente no próprio tribunal, no Supremo Tribunal
Federal ou no Superior Tribunal de Justiça”90.
Por sua vez, o § 2º do art. 1.029, impunha a obrigação de se justificar e
fundamentar corretamente em caso de inadmissibilidade do recurso por
dissídio jurisprudencial, não bastando que se dissesse não haver semelhança
entre o acórdão recorrido e o paradigma — tratava-se de reflexão do art. 489,
que apresenta a necessidade de ampla fundamentação das decisões judiciais,
com um padrão mínimo —, mas a previsão foi revogada pela controversa Lei nº
13.256/16.
Não se pode dizer, porém, que a obrigação de devidamente
fundamentar a decisão de inadmissibilidade, seja ela qual for, deixou de existir,
já que ainda permanece como obrigação do magistrado a partir da regra
constante do art. 489, § 1º, do Código de Processo Civil91, que estabelece

90
De um modo geral, o autor cita precisamente os seguintes pontos para a viabilidade da
interposição do recurso especial pela alínea “c” do art. 105, III, da Constituição Federal, além
do já mencionado acima: “A divergência de interpretação dada a norma federal, para que seja
relevante, para fins de recurso especial, deve obedecer aos seguintes requisitos: 1) o acórdão
confrontado não pode ser do mesmo tribunal em suas câmaras, turmas ou seções. A
divergência interna não enseja recurso especial, exigindo-se decisão de outro tribunal; 2) o
acórdão confrontado deve ter sido proferido em última instância ordinária, não valendo como
divergente a decisão se no tribunal ainda poderiam caber, por exemplo, embargos infringentes
[não mais existentes]. A divergência pode ser, contudo, com decisão do próprio Superior
Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, porque são outros tribunais. 3 a
interpretação dada à lei federal pelo acórdão que serve de paradigma não pode encontrar-se
superada no próprio tribunal de origem ou pela jurisprudência dos tribunais superiores (…) 4)
ainda, a divergência deverá estar explícita no corpo do acórdão e não na ementa, que é
meramente explicativa, devendo, também, ter sido a interpretação a razão de decidir; 5)
finalmente, para que a divergência seja considerada, é necessário que o acórdão divergente
esteja comprovado por certidão ou esteja transcrito em repertório oficial ou reconhecido cuja
referência deve ser expressa, transcrevendo-se os trechos conflitantes” (GRECO FILHO,
Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 20ª ed., vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 374).
91
“Art. 489, § 1º. não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela
interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase
de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar
conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar
todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão
adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem
identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se
ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou
precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em
julgamento ou a superação do entendimento”.
57

todos os parâmetros para se considerar como adequada a fundamentação de


uma decisão judicial.
Nesse momento, não se pode deixar de expor a sempre precisa lição do
mestre Barbosa Moreira sobre o conceito dos termos na análise do recurso
especial, quando diferencia o juízo de admissibilidade do juízo de mérito: “A
linguagem tradicional do fôro não ignora tal distinção. Nossa prática judiciária
de há muito consagrou as expressões ‘conhecer’ ou ‘não conhecer’ do recurso,
de um lado, e ‘dar provimento’ ou ‘negar provimento’, de outro. Nessa dupla
alternativa fielmente se espelha o teor do fenômeno que estamos analisando.
Quando o órgão judicial resolve conhecer do recurso, profere juízo positivo de
admissibilidade; quando resolve dele não conhecer, profere juízo negativo de
admissibilidade (ou juízo de inadmissibilidade). Em conhecendo do recurso,
tem o órgão de julgá-lo no mérito: caso se convença de que o recorrente tem
razão, ou de que a matéria devolvida ope legis não foi corretamente apreciada
pelo juízo a quo, dá-lhe provimento; na hipótese contrária, nega-lhe
provimento. Semelhante decisão corresponde à de procedência ou
92
improcedência da demanda” .

2.2.1. Impugnação da decisão negativa de admissibilidade

Encerradas as breves digressões prévias à admissibilidade, realizada


esta positivamente, o processo será remetido ao Superior Tribunal de Justiça;
se negativa93, poderá ser objeto de recurso. Este será o agravo, a ser remetido
para o Tribunal Superior, previsto no art. 1.042, com exceção das situações em
que negado o seguimento por decisão “fundada na aplicação de entendimento
firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos

92
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O Juízo de Admissibilidade no Sistema dos Recursos
Civis. Imprenta: Rio de Janeiro, 1968, pp. 33/34.
93
“(…) a lei distingue as hipóteses em que o presidente ou vice-presidente do tribunal a quo
‘nega seguimento’ (CPC 1.030, I) ao recurso, dos casos em que ele ‘profere juízo de
admissibilidade’ (CPC, 1.030, V). Na verdade, negar seguimento significa proferir juízo negativo
de admissibilidade, pois tranca a via recursal e impede o recurso seja julgado pelo mérito. (…)
Doutra parte, não é ocioso dizer que, como negativa de seguimento (CPC, 1.030, I) caracteriza
situação detrimentosa, restritiva do direito do recorrente, as hipóteses em que a lei prevê deva
o tribunal a quo negar seguimento ao recurso são de interpretação estrita, vedada a aplicação
analógica ou extensiva a situações assemelhadas” (NERY JR. Nelson; ANDRADE NERY, Rosa
Maria. Código de Processo Civil Comentado. 16ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016,
p. 2.330).
58

repetitivos”, situação em que o recurso cabível é o agravo interno, que será


analisado pelo Órgão Especial ou pelo Pleno do tribunal de origem, a depender
da previsão do respectivo regimento interno.
Em suma, portanto, apenas será cabível o agravo previsto no art. 1.042
para as hipóteses em que o recurso não for admitido com base no art. 1.030, V,
por força da previsão expressa de seu § 1º 94, todos do Código de Processo
Civil.
Já para as situações previstas nos incisos I e III do art. 1.030, o recurso
cabível é o agravo interno, tal como prevê expressamente o § 2º do mesmo
dispositivo95. Essa previsão possui um racional, uma vez que as hipóteses de
referidos incisos demanda o distinguishing, ou seja, a demonstração de que o
caso concreto não se assemelha ao precedente utilizado como parâmetro para
sua análise e consequente negativa de prosseguimento96.
É o que conceitua o Ministro Gilmar Mendes ao dispor que o
distinguinshing consiste “na prática utilizada pelos tribunais para fundamentar a

94
“Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será
intimado a apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão
conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá: (…) § 1º Da
decisão de inadmissibilidade proferida com fundamento no inciso V caberá agravo ao tribunal
superior, nos termos do art. 1.042”.
95
“Art. 1.030. § 2º Da decisão proferida com fundamento nos incisos I e III caberá agravo
interno, nos termos do art. 1.021”.
96
“O distinguishing expressa a distinção entre casos para o efeito de se subordinar, ou não, o
caso sob julgamento a um precedente. A necessidade de distinguishing exige, como
antecedente lógico, a identificação da ratio decidendi do precedente. Como a ratio espelha o
precedente que deriva do caso, trata-se de opor o caso sob julgamento à ratio do precedente
decorrente do primeiro caso.
Assim, é necessário, antes de mais nada, delimitar a ratio decidendi, considerando-se os fatos
materiais do primeiro caso, ou seja, os fatos que foram tomados em consideração no raciocínio
judicial como relevantes ao encontro da decisão. De modo que o distinguishing revela a
demonstração entre as diferenças fáticas entre os casos ou a demonstração de que a ratio do
precedente não se amolda ao caso sob julgamento, uma vez que os fatos de um e outro são
diversos. (...)
Diferenças fáticas entre casos, portanto, nem sempre são suficientes para se concluir pela
inaplicabilidade do precedente. Fatos não fundamentais ou irrelevantes não tornam casos
desiguais. Para realizar o distinguishing, não basta o juiz apontas fatos diferentes, cabendo-lhe
argumentar para demonstrar que a distinção é material, e que, portanto, há justificativa para
não se aplicar o precedente. Ou seja, não é qualquer distinção que justifica o distinguishing. A
distinção fática deve revelar uma justificativa convincente, capaz de permitir o isolamento do
caso sob julgamento em face do precedente. Note-se que exatamente pela circunstância de
que o distinguishing depende de justificativa, há que se ter uma pauta racional uniforme na
identificação dos seus critérios. Ou melhor, há que se uniformizar a aplicação dos próprios
critérios para a realização do distinguishing, criando-se aí também uma obrigação de se
respeitarem as decisões passadas.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 326/327).
59

não aplicação do precedente a determinado caso”97. Sobre o tema,


complementa Antonio Gidi “se o juiz considera que o precedente não é
aplicável ao caso sob sua jurisdição porque os fatos são diferentes, ele deve
distinguir (to distinguish) os fatos do processo dos fatos do precedente. Se não
for possível distingui-los, ele deve aplicar o precedente e indicar em sua
decisão as razões pelas quais considera que o precedente deve ser modificado
pelo tribunal superior (to overrule)”98.
Logo, na hipótese do inciso I, alínea “b”, do mencionado art. 1.030, que
versa especificamente sobre o recurso especial, o Presidente ou Vice-
Presidente do Tribunal de origem deverá negar seguimento “a recurso
extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em
conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior
Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de
recursos repetitivos”.
Portanto, a parte recorrente, quando for negado seguimento ao seu
especial por força de entendimento que tenha prevalecido em recurso repetitivo
analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, poderá impugnar a
decisão por meio do agravo interno. Claramente, a impugnação não deverá
versar sobre o acerto ou o erro do entendimento sufragado pelo Superior
Tribunal de Justiça no regime dos recursos repetitivos, mas sim buscará
demonstrar que a hipótese objeto de seu especial é distinta daquela já
analisada pela Corte, o que justificaria, por consequência, o processamento e
eventual admissão do recurso interposto.
Se, ainda assim, não for acolhido o agravo interno, o interessado não
pode se ver de mãos atadas e precisará de uma alternativa para ver seu
recurso corretamente julgado. Aqui reside significativa controvérsia na doutrina,
enquanto o Superior Tribunal de Justiça ainda não se manifestou, ao menos
colegiadamente, sobre o tema, a fim de esclarecer a questão que ficou no ar,

97
MENDES, Gilmar Ferreira. A ação declaratória de constitucionalidade: a inovação da EC 2,
de 1993 in Ação Declaratória de constitucionalidade, coord. Ives Gandra Martins e Gilmar
Mendes Ferreira. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 57, nota de rodapé 25 apud MANCUSO,
Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e Súmula vinculante, 4ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010, p. 197.
98
Apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e Súmula vinculante, 4ª
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 197/198.
60

completamente sem resposta, pela nova legislação, a doutrina já vem


começando a adotar certos posicionamentos.
É certo, como defendem Nelson Nery Jr. e Georges Abboud em recente
artigo publicado pela Revista de Processo, que não se pode simplesmente não
existir um recurso e a análise da admissibilidade recursal ser feita
definitivamente pelo órgão a quo, quando essa competência é, invariavelmente
do órgão ad quem99. Resta saber, nesse sentido, qual seria a medida
adequada para fazer prevalecer a competência constitucional dos Tribunais
Superiores.
Para parte da doutrina, então, restará aberta, como única alternativa
para o recorrente, a reclamação para o Superior Tribunal de Justiça, com
fundamento no art. 988, IV, § 4º, do Código de Processo Civil 100, haja vista a
aplicação equivocada da tese firmada em sede de recurso repetitivo. A
reclamação, porém, só pode ser apresentada previamente ao trânsito em
julgado da decisão reclamada, na linha da previsão expressa do inciso I, do §
5º do citado dispositivo, o que, invariavelmente, obriga a parte a continuar
impugnando a decisão, ainda que rejeitados seus argumentos, correndo risco
de multas por caráter protelatório, apenas para manter viva a possibilidade da
reclamação ser apresentada e conhecida.
Prolongar-se-ia o término do processo com o objetivo de ver a matéria
de direito corretamente analisada, evitando-se injustiças ou equívocos

99
“Desse modo, é competente, de modo definitivo, para proferir os juízos de admissibilidade e
de mérito dos recursos, o tribunal ad quem, isto é, o tribunal destinatário do recurso, aquele a
quem a CF (LGL\1988\3) e a lei conferem a tarefa de julgar o inconformismo manifestado por
meio do recurso. O STF e o STJ, a quem a CF (LGL\1988\3) confere competência para julgar
RE e REsp, respectivamente, não podem declinar desse mister constitucional. Também não se
pode ‘delegar’ para outro tribunal, a competência para proferir definitivamente os dois juízos
(admissibilidade e mérito) – ou apenas um deles (admissibilidade) – do recurso. Ao determinar
a tão só impugnabilidade por agravo interno para o próprio tribunal a quo, da decisão do relator
que nega seguimento ao RE/REsp com fundamento no CPC (LGL\2015\1656) 1030 I e III, o
CPC (LGL\2015\1656) 1030 § 2º praticamente obstaculiza a via recursal para os Tribunais
Superiores, fazendo com que a causa termine definitivamente no tribunal local, sem que tenha
havido oportunidade de a mesma causa, recorrível por RE/REsp, ser analisada pelo STF e/ou
STJ. Não se pode impedir que o tribunal competente (STF e STJ) julgue a admissibilidade
definitiva dos recursos que, pela CF 102 III e 105 III, têm eles a competência para julgar”.
(NERY JR., Nelson. ABBOUD, Georges. Recursos para os Tribunais Superiores e a Lei
13.256/2016 in Revista de Processo, vol. 257/2016, p. 217-235, jul/2016, pp. 10/11).
100
“Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: (…) IV –
garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de
demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência; (…) § 4º As hipóteses dos
incisos III e IV compreendem a aplicação indevida da tese jurídica e sua não aplicação aos
casos que a ela correspondam”.
61

perceptíveis do Judiciário, na aplicação equivocada de um precedente


repetitivo. Para parte da doutrina, então, seria essa a solução encontrada pelo
legislador para tentar acomodar a celeridade necessária, força dos
precedentes, sem encerrar, por outro lado, a possibilidade da parte evidenciar
que determinado caso àquele entendimento consolidado não deve se
submeter.
Quanto a esse ponto, porém, parece a reclamação não ser a melhor
alternativa. Há outra corrente, adepta de que, na hipótese do agravo interno
não ser acolhido, “cabe o agravo ao Tribunal Superior, dado que a competência
definitiva para a admissibilidade do RE/REsp é, sempre, do tribunal ad quem
isto é, do STF e do STJ, conforme o caso, a fim de que se dê operatividade e
cumprimento aos comandos emergentes da CF 102 III e 105 III”101.
Não se discorda quanto à indispensável necessidade de se manter a
competência constitucional para a análise final da admissibilidade recursal,
entretanto, a interposição do agravo previsto no art. 1.042 do Código de
Processo Civil contra decisão colegiada do órgão a quo não reflete a melhor
alternativa, já que se trata de uma criação doutrinária carente de embasamento
processual.
Portanto, inclina-se esse trabalho para o lado de doutrinadores que
defendem o cabimento de novo recurso especial ou até extraordinário, que
possui o mesmo objetivo do agravo acima mencionado, mas com previsão
legal distinta, já que haveria uma violação de lei a justificar o seu cabimento.
Em tais recursos, porém, não se repetiria a argumentação daquele
interposto anteriormente, ao qual foi negado seguimento, mas sim exploraria a
violação legal (no caso do especial) cometida pelo acórdão que negou
provimento ao regimental, ou dele não conheceu, ceifando a possibilidade de
análise pelo Superior Tribunal de Justiça — órgão constitucionalmente
competente para a análise definitiva da admissibilidade de recurso especial —
de questão que ainda não foi a ele submetida, já que distinta do precedente
utilizado como parâmetro.
Faria mais sentido a interposição, na situação aqui exemplificada, de
novo recurso especial contra o acórdão do órgão competente do Tribunal

101
NERY JR., Nelson. ABBOUD, Georges. Recursos para os Tribunais Superiores e a Lei
13.256/2016 in Revista de Processo, vol. 257/2016, p. 217-235, jul/2016, pp. 11/12.
62

Estadual ou Regional Federal, do que a simples apresentação de agravo com


fundamento no art. 1.042 do atual diploma, como isoladamente já se viu ser
defendido102, eis que o conteúdo decisório se encaixa exatamente na exceção
legal de cabimento do referido agravo, isto é, quando a decisão a ser atacada
for “fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão
geral ou em julgamento de recursos repetitivos”.
Não parece, portanto, ser caso de novo agravo, revelando-se, ao menos
para o autor, a alternativa mais viável a interposição de um novo recurso
especial, como acima mencionado. O que é certo, porém, é que alguma
medida há que ser cabível, não sendo viável simplesmente nada ter o
interessado a fazer se impossibilitado o trânsito de seu recurso especial por
uma análise errada de um precedente.
Há ainda, vale citar, uma corrente mais drástica, que entende não ser
razoável sequer o cabimento do agravo interno nas hipóteses aqui tratadas, de
negativa de seguimento com aplicação de precedente consolidado nas Cortes
Superiores, já que, na verdade, tal ato pelos Tribunais de origem nada mais é

102
“O cabimento do agravo do CPC 1042 contra a decisão colegiada do TRF ou TJ que, ao
julgar o agravo interno, mantém a decisão do Presidente ou Vice-Presidente do tribunal que
negou seguimento ao RE/REsp ou julgou a questão do sobrestamento, é conclusão que se
extrai do sistema constitucional, para que se dê ao CPC 1030 parágrafo 2.° e CPC 1042 caput,
que esteja em conformidade com o texto constitucional, que fixa a competência do STF e do
STJ para julgar o RE ou REsp, respectivamente. Isto significa que a sistemática trazida pela
reforma constante da L 13256/2016 (DOU 5.2.2016) só não será inconstitucional se se der aos
dispositivos aqui mencionados interpretação conforme a Constituição. Criou-se, na verdade,
mais uma etapa para o juízo de admissibilidade de RE/REsp: negado seguimento ao recurso
ou julgada a questão do sobrestamento, o recorrente não poderá interpor agravo diretamente
no STF/STJ, mas sim deverá interpor agravo interno (CPC 1021) para o colegiado tribunal
local. Este é o passo criado pela L 13256/2016. O entendimento contrário, de que não caberia
nenhum recurso do acórdão que resolver o agravo interno, estaria sendo subtraída a
competência constitucional do STF/STJ, ou, caso os tribunais superiores concordem com esse
sistema, estariam renunciado à competência constitucional, o que é inadmissível. O sistema do
CPC foi todo criado e concebido para que o juízo de admissibilidade do RE/REsp fosse feito
diretamente no tribunal competente: STF/STJ. Ao modificar-se o sistema originário pela L
13256/2016, onerou-se sobremodo os tribunais regionais federais e os tribunais de justiça, cujo
colegiado terá de resolver número considerável de agravos internos interpostos contra decisão
proferida pelo Presidente ou Vice-Presidente. (…) Contra a decisão monocrática do presidente
ou vice-presidente do tribunal de origem que negar seguimento a RE e/ou REsp, nos casos do
CPC 1030 I (negar seguimento ao RE e/ou REsp) e III (sobrestar o andamento do RE e/ou
REsp), não cabe, pela via direta, agravo para o STF e/ou STJ, mas agravo interno para órgão
colegiado do próprio tribunal a quo (CPC 1021). Contra a decisão do colegiado do tribunal a
quo proferida no julgamento do agravo interno, se não conhecido ou negado provimento ao
agravo, subsistindo, portanto, a decisão do Presidente ou Vice-Presidente do tribunal local,
cabe o agravo do CPC 1042. Além do agravo do CPC 1042, pode caber, em tese, outro RE ou
REsp, conforme o caso e se preenchidos os pressupostos constitucionais da CF 102 III e 105
III, respectivamente” (NERYJR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo
Civil Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, página 2.390/2.391 e 2.334).
63

do que utilização de competência delegada dos próprios Tribunais Superiores.


Essa corrente é reflexo de entendimento que já tinha ganhando forma na
vigência do Código de Processo Civil de 1973, haja vista que, além do
Presidente ou Vice-Presidente estar agindo por competência delegada do
Tribunal Superior, do acórdão que julgar o agravo interno caberia,
supostamente, novo recurso especial e novo extraordinário103. Ou seja, todo o
percurso do julgamento do agravo interno seria completamente desnecessário
e apenas tomaria tempo do processo, porque a partir de sua rejeição, novos
recursos para as Cortes Superiores seriam interpostos, para levar a elas, em
essência competentes para a análise do tema, o julgamento da matéria
controvertida. Esta corrente, esclareça-se, não se revela majoritária.
O recurso especial contra o acórdão do agravo regimental seria cabível,
também, quando a parte buscar a alteração do entendimento consolidado, “é
que, tendo em vista a função desempenhada pelos tribunais superiores em
relação à definição da inteligência da Constituição e da lei federal (cf.
comentário do art. 1.029 do CPC/2015), a eles também incumbirá a grave
tarefa de revisar e atualizar seus próprios precedentes. Sendo assim, p.ex.,
caso a parte identifique motivo para a superação da tese firmada em
julgamento do recurso especial repetitivo (sobre esses motivos, cf. comentário
ao art. 927 do CPC/2015), deve-se admitir recurso especial contra o acórdão
proferido pelo órgão colegiado do tribunal local que rejeitar o agravo interno
interposto com base no § 2.º do art. 1.030 do CPC/2015. (...) Concordamos
com esse ponto de vista e acrescentamos que, havendo motivo para a
superação de entendimento firmado, o recurso especial terá por fundamento

103
“Já contra as decisões indicadas nos itens i, ii, iii e v, acima, caberá agravo interno, no prazo
de quinze dias, a ser julgado pelo órgão colegiado indicado como competente no regimento
interno do tribunal a quo (art. 1.030, § 2º, na redação dada pela Lei 13.256/2016). Essa regra
reflete uma orientação jurisprudencial adotada pelo STF e o STJ ainda na vigência do
CPC/1973. Só se justifica pela perspectiva desses tribunais de tentarem diminuir um pouco de
sua avassaladora carga de trabalho, pois: (1º) o presidente ou vice presidente do tribunal local,
ao proceder ao exame de admissibilidade do recurso extraordinário ou especial atua por
delegação do STF ou STJ, respectivamente — e não por delegação de qualquer órgão
colegiado de seu tribunal. Sob esse aspecto, não se justifica remeter o reexame da questão a
um órgão interno do tribunal local; (2º) a decisão do agravo interno será retratada em um
acórdão, contra o qual poderão caber, novamente, recursos especial e extraordinário. Ou seja,
sob a perspectiva do judiciário como um todo, trata-se de solução antieconômica e que
conspira para uma duração ainda maior do processo” (WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI,
Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 16ª ed., vol. 2,
2016, p. 615).
64

violação ao art. 926, caput do CPC/1973 – que exige a jurisprudência seja


íntegra”104.
Com relação ao inciso III do art. 1.030, Código de Processo Civil, a
determinação ao Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal local é para
“sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda
não decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de
Justiça, conforme se trate de matéria constitucional ou infraconstitucional”.
Após decisão nessa linha, a forma de atuação da parte deverá ser
rigorosamente igual à hipótese do inciso I do mesmo dispositivo, já que
precisará demonstrar a distinção do seu caso daquele utilizado como
parâmetro para a suspensão, haja vista que de nada prestará sustar o
andamento de um processo pela pendência de julgamento de um recurso
repetitivo ao qual não se submeterá o recurso suspenso.
É possível perceber, então, o intuito do legislador de não apenas
privilegiar e dar mais força ao sistema de precedentes, como, por
consequência, de estreitar a via dos recursos excepcionais, evitando-se a
remessa de casos já tratados pelo Superior Tribunal de Justiça, para se
restringir aqui à matéria objeto do trabalho, assim como de outros que se
submeterão a precedente repetitivo que está pendente de julgamento,
evitando-se, desse modo, a remessa desnecessária do recurso para Brasília.
Alinhada com esse intuito é a previsão, ainda do art. 1.030, II, segundo a
qual, previamente a efetuar o juízo de admissibilidade, se for verificado que o
acórdão recorrido está em dissonância com entendimento pacificado em sede
de recurso repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça, o processo deve ser
devolvido ao órgão julgador para que possa fazer o juízo de retratação, a fim
de, também nesta hipótese, evitar a remessa desnecessária de mais um
processo à Corte Superior.
A limitação da chegada de recursos aos tribunais superiores, desde que
feita com razoabilidade, como no caso do inciso II acima mencionado, é salutar
para o sistema processual, pois evita a intervenção das Cortes quando há
outras formas de fazer prevalecer o entendimento já pacificado, reservando
mais tempo para a sua atuação quando realmente essencial.

104
MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado, com remissões e
notas comparativas ao CPC/1973. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.551.
65

2.2.2. Escolha do recurso cabível quando não admitido o especial


por mais de um fundamento

Pela dicção da lei, certamente haverá situações em que um recurso


especial com diversos fundamentos, ao mesmo tempo, não poderá não ser
admitido por força de um precedente repetitivo do Superior Tribunal de Justiça
e também porque não preencheu determinado requisito de admissibilidade, por
exemplo. Uma única decisão de admissibilidade, portanto, contém capítulos
que deveriam ser objeto de agravo interno e outros que mereceriam ser
atacados pelo agravo a ser direcionado ao Superior Tribunal de Justiça (art.
1.042). A norma legal, porém, não dá solução para tal hipótese, cabendo à
doutrina o debate e à jurisprudência o assentamento da questão.
Há quem defenda, ilustrando a posição com o Prof. Nelson Nery, que
deverão ser interpostos os dois recursos. Isto é, o agravo direcionado à Corte
Superior do capítulo da decisão que inadmitir o recurso por vícios ou óbices e,
também, o agravo interno, direcionado ao órgão colegiado do próprio Tribunal,
com relação à impossibilidade de prosseguimento por força da aplicação de
entendimento repetitivo, por exemplo.
Argumenta-se que não seria possível permitir apenas a interposição do
agravo para a Corte Superior, órgão que detém a competência final para a
análise da admissibilidade, porque não estaria esgotada a instância ordinária
com relação aos pontos do recurso inadmitido por força do precedente
vinculante105. E complementa, nesse ponto com precisão, que “a reforma

105
“Agravo para o STF/STJ (CPC 1042) e agravo interno (CPC 1021). Caso o recurso
excepcional seja interposto com vários fundamentos (v.g. CF 102 III a e b, CF 105 III a e c) e
haja a decisão de negativa do seguimento ao RE/REsp com base, e.g., no CPC 1030 I e V,
parte da decisão é impugnável por agravo interno e parte pelo agravo do CPC 1042.
Consideram-se os capítulos da decisão para efeito de recorribilidade, de sorte que o recorrente
deverá interpor os dois agravos simultaneamente. O agravo da decisão denegatória com base
no CPC 1030 V é dirigido ao STF/STJ (CPC 1042), ao passo que o capítulo da decisão que
denegou o recurso excepcional com fundamento no CPC 1030 I é impugnável por agravo
interno (CPC 1021), conforme determinam os parágrafos 1° e 2° do CPC 1030. O recorrente
não pode interpor somente o agravo do CPC 1042 para o tribunal superior abarcando todos os
capítulos, porque não terá sido esgotada a via recursal ordinária, já que previsto o agravo
interno contra o capítulo da decisão denegatória fundada no CPC 1030 I. Da decisão do
tribunal a quo no agravo interno, se improvido, caberá o agravo do CPC 1042 para o STF/STJ.”
(NERYJR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, página 2.334)
66

introduzida pela L 13256/2016 carece de sistematicidade e qualidade técnica.


Por conseguinte, força o intérprete a lançar mão da interpretação conforme
para conferir integridade e coerência em sua aplicação”, já que “a possibilidade
de inadmissibilidade por capítulos distintos e independentes criará situação de
intrincada recorribilidade”106.
Muito embora extraído das previsões legais, não nos parece, porém, que
a alternativa de se interpor ambos os recursos simultaneamente seja o
entendimento mais acertado. Em especial pelo princípio da unirrecorribilidade,
não seria hipótese de interposição dos dois recursos distintos contra a mesma
decisão, mas sim de fungibilidade para que apenas um deles seja interposto e
devidamente processado com a movimentação de toda a máquina judiciária.
A questão é: qual dos dois? Revela-se mais razoável que seja o agravo
previsto no art. 1.042 do Código de Processo, haja vista remeter a análise da
matéria diretamente ao Superior Tribunal de Justiça que, ao fim e ao cabo, é
competente para julgar as duas hipóteses e deve dar a palavra final sobre a
admissibilidade recursal. Agir diferente e se considerar apenas o regimental
como cabível, seria permitir que o Tribunal local, pela via do agravo interno,
analisasse questão de competência a ele não delegada, que seriam
exatamente os capítulos da decisão impugnáveis pelo agravo de despacho
denegatório previsto no mencionado art. 1.042.
O Superior Tribunal de Justiça, ainda na vigência do Código de
Processo Civil de 1973, que possuía previsão semelhante à do atual em seu
art. 543-C, já havia se posicionado da forma ora defendida, pois, se assim não
fosse, “configurar-se-ia uma situação no mínimo esdrúxula: ao insurgente
incumbiria interpor agravo interno, para apreciação do Tribunal de origem,
inclusive sobre questões não submetidas ao rito do repetitivo, ou, então,
proceder à dupla impugnação recursal, em flagrante ofensa ao princípio da
unirrecorribilidade, manejando (i) agravo interno quanto ao tema obstado em
face do § 7º do artigo 543-C do CPC [de 1973, correspondente ao atual art.
1.040] e (ii) agravo do artigo 544 do CPC [de 1973, correspondente ao atual
art. 1.042], dirigido ao STJ, no tocante aos demais óbices”107.

106
NERY JR., Nelson. ABBOUD, Georges. Recursos para os Tribunais Superiores e a Lei
13.256/2016 in Revista de Processo, vol. 257/2016, p. 217-235, jul/2016, p. 13.
107
STJ, AgRg nos Edcl no AREsp 574.189/SC, 4ª T., j. 03/03/2015, Rel. Min. Marco Buzzi.
67

O lado doutrinário, à exceção da expressão acima exemplificada, vem se


solidificando na mesma linha do Superior Tribunal de Justiça, tal como se
defende nesse trabalho, reforçando, inclusive, a necessidade de se ter
tolerância nesses casos, permitindo à parte corrigir eventual vício de sua
impugnação se o órgão julgador entender pelo cabimento de outra forma de
impugnação, exatamente pela existência de dúvida razoável quanto ao recurso
cabível.
Nesse sentido, “parece-nos correto esse entendimento, e defendemos
sua aplicação à luz do CPC/2015. Mas, como se disse, a lei processual não é
clara, a respeito. Diante disso, sustentamos que, no caso, aplique-se o
princípio da instrumentalidade recursal: diante da dúvida gerada pela lei, caso o
órgão (do próprio tribunal recorrido ou do tribunal superior) que receba o
recurso (previsto no art. 1.021 ou no art. 1.042) entenda ser cabível o outro
agravo, deverá admitir aquele considerado errôneo, permitindo, inclusive, a
complementação das razões recursais, remetendo-o ao tribunal tido por
competente. Deve-se, de todo modo, aproveitar o recurso interposto, admitindo
sua correção”108.
Não havendo distinção conceitual entre a situação do Código de 1973 e
o atual, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que determinou a
remessa de agravo do art. 1.042, então 544, quando cabível o interno, para o
Tribunal de origem a fim de processar e julgar o recurso109, deve continuar a
prevalecer com a atual sistemática processual, inexistindo razões para eventual
(drástica) alteração.
Muito embora a doutrina tenha caminhado para um posicionamento
alinhado com a razoabilidade e com o objetivo maior do atual Código de
Processo Civil, qual seja, a primazia — “As partes têm o direito de obter em
prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”, art.
4º, CPC/15 — pelo julgamento do mérito recursal, o Superior Tribunal de
Justiça demonstrou recentemente que não trilhará o mesmo caminho.

108
MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado, com remissões e
notas comparativas ao CPC/1973. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.549.
109
Nesse sentido o AgRg no AREsp 260.033/PR, Corte Especial, j. 05/08/15, Rel. Min. Raul
Araújo.
68

Em decisão monocrática, o Ministro Luis Felipe Salomão, por entender


que a previsão do diploma processual é bastante clara, não conheceu em parte
de agravo interposto, por entender que, naquela parte específica, por ter o
recurso especial sido inadmitido por força de aplicação de entendimento
repetitivo (art. 1.030, I, CPC), deveria ser atacado por agravo interno (§ 2º do
mesmo dispositivo legal), ainda que outros fundamentos da inadmissibilidade
do especial fossem atacáveis via agravo ao Superior Tribunal de Justiça.
O Ministro, então, considerou que “diante da expressa previsão legal do
cabimento de agravo interno, a interposição de agravo em recurso especial
constitui falha inescusável que impede a aplicação do princípio da fungibilidade
recursal”110. Para ir nessa linha, o Min. Luis Felipe Salomão, contrariando
precedentes já sólidos, citou dois outros julgados, mas que não possuem
rigorosamente nenhuma semelhança com o caso que estava por ele a ser
analisado.
O primeiro deles não conhece de agravo interno interposto contra
decisão colegiada, pelo seu nítido descabimento (AgInt no AgInt no AREsp

110
Reproduza-se a ementa do julgado: “AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.168.877 -
RS (2017/0233861-5) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO AGRAVANTE :
BANCO DO BRASIL S/A ADVOGADO : RAFAEL SGANZERLA DURAND E OUTRO (S) -
RS080026A AGRAVADO : CANISIO ZIMERMANN ADVOGADOS : RENZO THOMAS -
RS047563 ROGERS WELTER TROTT - RS065022 RENAN THOMAS E OUTRO (S) -
RS074371 DECISÃO 1. Cuida-se de agravo do BANCO DO BRASIL S/A contra decisão que
(a) negou seguimento a recurso especial no que se refere à questão do termo inicial dos juros
de mora, com base no art. 1.030, I b, do CPC/2015, tendo em vista que o acórdão recorrido
está em consonância com tese firmada em sede de recurso repetitivo e (b) inadmitiu o recurso
especial em relação à prescrição, em face da aplicação da Súmula 282/STF. (…). 2. A decisão
agravada foi publicada já na vigência do atual Código de Processo Civil, o qual prevê, em seu
art. 1.030, I, b, § 2º, do CPC/2015, que cabe agravo interno contra a decisão que nega
seguimento a recurso especial interposto contra acórdão em conformidade com entendimento
do STJ em recurso repetitivo. Confira: Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria
do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze)
dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal
recorrido, que deverá: I negar seguimento: [...] b) a recurso extraordinário ou a recurso especial
interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal
Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento
de recursos repetitivos; [...] § 2º Da decisão proferida com fundamento nos incisos I e III caberá
agravo interno, nos termos do art. 1.021. Diante da expressa previsão legal do cabimento de
agravo interno, a interposição de agravo em recurso especial constitui falha inescusável que
impede a aplicação do princípio da fungibilidade recursal. (…). Em relação à prescrição,
verifica-se que o Tribunal de origem não enfrentou o tema no acórdão recorrido, carecendo,
portanto, a matéria do indispensável prequestionamento. 4. Ante o exposto, conheço em parte
do agravo em recurso especial e nego-lhe provimento. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 26 de
setembro de 2017. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO Relator” (STJ - AREsp: 1168877 RS
2017/0233861-5, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Publicação: DJ
29/09/2017).
69

914.851); enquanto o segundo não acolhe agravo regimental interposto contra


alguns dos fundamentos da decisão recorrida, quando os demais são
autônomos e suficientes para manter o resultado do julgamento (AgRg no
AREsp 219.866).
São hipóteses completamente distintas daquela posta a julgamento, que
não deveriam motivar a alteração de posicionamento razoável do Superior
Tribunal de Justiça.
O que se nota, por consequência, é que, muito embora já exista certa
conscientização com relação à primazia do julgamento de mérito e
razoabilidade na análise do processo e suas formalidades como um todo, ainda
há certa oscilação da jurisprudência, inclusive da Corte que deveria melhor
direcionar o caminho a ser traçado, evidenciando que ainda pendem
significativos passos a serem dados para se alcançar um ponto de equilíbrio.
Certo é, entretanto, que, na presente situação, quando a decisão de
inadmissibilidade de recurso especial, proferida por Tribunal Estadual ou
Regional Federal tiver como fundamentos duas frentes distintas, isto é, a não
admissão por aplicação de precedente repetitivo ou de entendimento firmado
em repercussão geral e por qualquer outro vício, simultaneamente, se revela
mais sensato permitir a interposição apenas do agravo previsto no art. 1.042 do
Código de Processo Civil, a ser direcionado ao Superior Tribunal de Justiça,
hipótese em a Corte finalmente competente analisará o conjunto dos
fundamentos apresentados pela parte.
Tal possibilidade, além de evitar que dois recursos sejam interpostos
simultaneamente contra a mesma decisão, o que iria de encontro não apenas
ao princípio da unirrecorribilidade, mas também ao da economia processual,
permitiria ao órgão que possui a competência final sobre a questão da
admissibilidade, analisar este tema de maneira definitiva.
Na hipótese de assim o Superior Tribunal de Justiça não entender, é
certo também que, até se consolidar um entendimento sobre o tema que é
controverso e recente, com o novo Código de Processo, não se deveria
simplesmente deixar de conhecer de parte do recurso e ceifar o direito da parte
de ver seu fundamento devidamente analisado. Ou se analisa o recurso como
um todo, permitindo eventual correção formal necessária, ou se determina a
70

remessa para o órgão que se entender por competente, em consonância com a


tão mencionada primazia pelo julgamento do mérito da ação posta em juízo.
Não ter essa sensibilidade demonstra falta de razoabilidade na atuação
que deve ser exemplar das Cortes Superiores, na linha de sua função
primordial, como já acima detidamente exposto, em prejuízo do jurisdicionado
que se vê diante de uma omissão da norma quanto ao tema específico.
71

3. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE

Resumidamente, “a admissibilidade de um recurso é sua aptidão para


receber um julgamento de mérito. Não se confunda, entretanto, o mérito do
recurso com o mérito da ação porque este último é o pedido formulado na
ação, enquanto aquele constitui o objeto do recurso, o reexame do conteúdo da
decisão, que leva à sua anulação, reforma ou confirmação”111.
“Positivo ou negativo, o juízo de admissibilidade é essencialmente
declaratório. Ao proferi-lo, o que faz o órgão judicial é verificar se estão ou não
satisfeitos os requisitos indispensáveis à legítima apreciação do mérito do
recurso. A existência ou inexistência de tais requisitos é, todavia, anterior ao
pronunciamento, que não a gera, mas simplesmente a reconhece”112.
O recurso especial, não diferente dos demais recursos existentes no
Código de Processo Civil, possui certas formalidades para sua interposição,
conhecimento e processamento. Muitas dessas formalidades, tidas como
requisitos de admissibilidade, não se distinguirão daquelas previstas para os
demais recursos, como a tempestividade e o preparo, este para alguns deles,
por exemplo, enquanto outras serão específicas dessa medida excepcional.
E é exatamente por ser o recurso especial uma medida excepcional que
possuirá certos requisitos de admissibilidade particulares, aplicáveis
unicamente a ele e, muitas vezes, ao recurso extraordinário. Não é, na
verdade, sem razão que se exige o cumprimento de condições mais severas
para o recurso especial, tendo em vista a função relevante do Superior Tribunal
de Justiça, que não tem condições – e nem deveria ter – de julgar
rigorosamente todas as ações ajuizadas, tal como se fosse uma terceira
instância, meramente revisora.
Não sendo essa a proposta do Tribunal Superior, como visto
exaustivamente acima, obviamente certos filtros devem ser impostos, a fim de
que a Corte possa intervir apenas em situações em que efetivamente isto se
demande, ou seja, quando for rigorosamente indispensável.

111
BERMUDES, Sergio. Introdução ao Processo Civil, 5ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.
165.
112
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O Juízo de Admissibilidade no Sistema dos Recursos
Civis. Imprenta: Rio de Janeiro, 1968. p. 130.
72

Não se pode permitir, por outro lado, como usualmente se vê em


decisões judiciais, a confusão entre os juízos de admissibilidade e de mérito. O
primeiro exige o preenchimento formal dos requisitos legais para
processamento, enquanto no segundo se analisa, propriamente, se é hipótese
de provimento ou não do recurso interposto. Não deveria ser possível, então,
não admitir recurso especial porque não vislumbradas as violações legais,
como diuturnamente se vê, já que isto é tema de mérito.
É por isso que a doutrina corretamente consagra que “não se pode
condicionar a admissibilidade à procedência, já que esta pressupõe aquela, e
para chegar-se à conclusão de que um recurso merece provimento é
necessário que, antes, se tenha transposto a preliminar. Requisito de
admissibilidade será, então, a mera ocorrência hipotética do esquema legal (ut
si vera sint exposita): não se há de querer, para admitir o recurso extraordinário
pela letra a, que o recorrente prove desde logo a contradição real entre a
decisão impugnada e a Constituição; do contrário — vale a pena insistir —,
estaríamos exigindo que o recurso fosse procedente para ser admissível.
Bastará que se argua a violação de dispositivo da Carta da República”113. O
mesmo raciocínio se aplica ao recurso especial.
Além disso, há que se reconhecer que o Código de Processo Civil de
2015, acertadamente, diga-se, buscou evitar a já conhecida e diariamente
presente jurisprudência defensiva do Superior Tribunal de Justiça que, diante
de qualquer vício, por menor que fosse, optava por não conhecer do recurso,
evitando julgá-lo ainda que de relevância ímpar.
Nem tanto ao mar, nem tanto a terra. Um ponto de equilíbrio deve ser
encontrado para que se busque, tal como se discursou acerca do atual diploma
processual, a primazia do julgamento de mérito, refletida em seu art. 4º,
segundo o qual “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução
integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”. Não se pode relevar
rigorosamente todas as situações, sob risco de transformar o Superior Tribunal

113
E mais adianta complementa o autor: “A verdade é que ali, ocorre flagrante invasão da
competência do Supremo Tribunal Federal, a que pertence, com exclusividade, julgar o recurso
no mérito, pela autoridade judiciária inferior, à qual defere a lei tão somente, competência para
denegar recursos inadmissíveis, e não infundados”. (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O
Juízo de Admissibilidade no Sistema dos Recursos Civis. Imprenta: Rio de Janeiro, 1968, pp.
37/38).
73

de Justiça em uma corte ainda mais inundada de recursos e revisora de


decisões dos Tribunais estaduais e federais, mas também não se pode, ao
contrário, buscar qualquer inconveniente ou justificativa insignificante que
permita não se processar o recurso interposto.
É por isso, parece, que o atual Código permite que sejam sanados
equívocos, mas deixa um toque de discricionariedade que, como se tem visto
na experiência, é também muito arriscado em um país como o Brasil. Deixando
de lado, porém, as questões extraprocesso, inicie-se este capítulo falando da
possibilidade de serem certos vícios sanados para, logo em seguida, adentrar
às formalidades propriamente ditas que devem ser seguidas quanto ao recurso
especial.

3.1. Possibilidade de se sanarem vícios ou primazia do


julgamento do mérito recursal

O § 3º do art. 1.029114, apresenta importante inovação ao permitir ao


Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça a desconsideração
de “vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que
não o repute grave”, visando justamente evitar a jurisprudência defensiva muito
comum nos tribunais superiores, a fim de que o litígio posto seja, efetivamente,
julgado, resolvendo-se a controvérsia entre as partes: é um dos objetivos do
recente Código de Processo Civil, efetivamente, ver o mérito julgado com
resolução do conflito existente. Está tal artigo em harmonia com os arts. 4º 115 e
932, parágrafo único116, que preveem o objetivo de julgamento do conflito posto
e buscam evitar a jurisprudência defensiva.
A primeira observação que vale ser feita é no sentido de que a
permissão para se relevar um vício formal não grave, ou determinar a sua
correção, se volta apenas para os Tribunais Superiores e não para os Tribunais

114
“Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na
Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal
recorrido, em petições distintas que conterão: (…) § 3º O Supremo Tribunal Federal ou o
Superior Tribunal de Justiça Poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou
determinar sua correção, desde que não o repute grave”.
115
“Art. 4º. As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito,
incluída a atividade satisfativa”.
116
“Art. 932. Incumbe ao relator: (…) Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o
recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício
ou complementada a documentação exigível”.
74

de origem. A redação, porém, foi feita previamente à alteração do art. 1.030 e o


retorno do juízo de admissibilidade aos tribunais estaduais e federais. Para
Fredie Didier, a norma exclusiva ao Supremo e ao Superior Tribunal deve
permanecer, cabendo apenas a eles tolerar um vício ou determinar que seja
sanado – na hipótese de não admissão deverá a parte recorrer e a análise da
previsão do § 3º do 1.029 ficará a cargo dos tribunais superiores117.
A segunda se refere à dificuldade de se estipular o que se caracterizaria
por “vício formal não grave” passível de ser relevado ou corrigido. A doutrina já
começou a tratar do tema, mas a resposta à pergunta somente poderá ser
afirmada após a consolidação dos entendimentos nas Cortes Superiores.
Nos Breves Comentários ao novo Código de Processo Civil, Pedro
Miranda de Oliveira, cita como não incidente o rigorismo formal em casos de
(a) preliminar de repercussão geral no recurso extraordinário; (b) ausência de
procuração; (c) não juntada do acórdão paradigma; e (d) defeito no preparo118.
Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha vão um pouco mais
além ao ponderarem que não se considera grave tudo aquilo que puder ser
corrigido, como representação processual, ausência de assinatura do
advogado, etc. E vão ainda mais longe ao citar como exemplo o AI 375.077 da
Min. Ellen Gracie, oportunidade em que restou superada a falta de
prequestionamento para analisar o mérito do recurso, diante da relevância da
matéria. Defendem os autores, portanto, que até a falta de prequestionamento
pode ser superada no intuito de ver a palavra sobre questão de direito, ou seja,
ter o litígio efetivamente decidido119.
Certo é, de acordo com a própria letra da lei, que o vício de
intempestividade não é, em absoluto, sanável. Os demais, portanto, ficam em
uma zona cinzenta. Parece razoável acreditar que vícios como não juntar o
acórdão paradigma, não incluir preliminar de repercussão geral, falta de
procuração e semelhantes, podem ser sanados. Enquanto a não inclusão de

117
DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil.vol. 3,
Salvador: JusPodivm, 2016, 13ª ed, pp. 318/319
118
MIRANDA, Pedro Miranda de Oliveira in Breves Comentários ao Código de Processo Civil.
Coord. Teresa Arruda Alvim Wambier; Fredie Didier Jr.; Eduardo Talamini e Bruno Dantas. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 2.299/2.300.
119
Aut. cit. Curso de Direito Processual Civil.vol. 3, Salvador: JusPodivm, 2016, 13ª ed, pp.
318/319
75

uma preliminar de prequestionamento pode ser relevada, desde que a matéria


tiver sido tratada no julgamento do Tribunal a quo.
A discussão, entretanto, é bastante delicada. Ao se apoiar cegamente no
precedente da Min. Ellen Gracie, à exceção da tempestividade, todo e qualquer
vício poderia ser superado em benefício do julgamento do mérito. Isto poderia,
além de simplesmente passar uma borracha nas formalidades e filtros dos
recursos especiais, fazer com que o Superior Tribunal de Justiça passe a
escolher o que pretende julgar, independente de como interposto o recurso e
de suas condições. Afinal, não teria a Corte condições de atuar em todos os
casos que a ela chegassem, na hipótese de afastar todo e qualquer vício que
não seja o da tempestividade.
Tal situação poderia trazer inclusive grave insegurança jurídica, pois
recursos manifestamente inadmissíveis passariam a ser admitidos se a matéria
de fundo fosse, eventualmente, relevante. O processo é um rito formal e não
deve ser considerado de maneira tão irreverente. Certos requisitos devem sim
ser respeitados, preenchidos e estar presentes, sob pena de, efetivamente, não
se conhecer do recurso ainda que o erro seja do advogado e a parte possa
responsabilizá-lo.
Em outras palavras, a possibilidade de se sanarem vícios constantes
dos recursos deve ser analisada cum grano salis, no intuito de se tentar
encontrar um equilíbrio entre proteger os jurisdicionados da jurisprudência
defensiva do Superior Tribunal de Justiça, através da qual qualquer pequena
razão é justificadora para não se julgar um recurso, e a excessiva
complacência, hipótese em que se relevaria todo e qualquer vício para permitir
o julgamento do mérito.
Na primeira situação, questões relevantíssimas que demandam a
intervenção da Corte Superior poderiam deixar de ser analisadas por um vício
quase insignificante, como uma guia recolhida com o código errado, por
exemplo, enquanto na segunda se inundaria o Superior Tribunal de Justiça de
recursos, tornando inviável a sua importante função e atividade, já que todo e
qualquer vício poderia ser superado em benefício da matéria de fundo.
Obviamente, uma posição intermediária e salutar é a que se espera seja
adotada pela jurisprudência com a vigência do atual Código de Processo Civil.
76

3.1.1. Jurisprudência defensiva

Nesse momento do presente trabalho, não se pode deixar de explorar,


ainda que sucintamente, a louvável evolução que o Código de Processo Civil
de 2015 trouxe com relação aos meios de se evitar a jurisprudência defensiva,
bastante usual no Superior Tribunal de Justiça.
A jurisprudência defensiva, para José Miguel Garcia Medina, foi adotada
“com a finalidade de viabilizar o funcionamento do STJ, tornando-o
‘sustentável’ (levando em conta o número de processos que poderia julgar)”,
complementando que, por isto, “a jurisprudência passa a adotar postura não
apenas mais rigorosa em relação aos requisitos recursais, mas vai além,
impondo às partes a observância de exigências não previstas em qualquer
norma jurídica”120.
O excesso de trabalho dos Tribunais Superiores é inquestionável,
entretanto, os prejuízos de uma falta de organização judiciária para atender aos
anseios dos jurisdicionados, ou de um sistema processual que permita a
interposição recursal com certos requisitos apenas, não pode ser controlada
por condutas não previstas em lei, ou excessivamente rigorosas em prejuízo do
direito posto. A jurisprudência defensiva, conquanto adotada para viabilizar a
atuação do respectivo Tribunal, cria um efeito reverso, pois deixa de conhecer
uma enormidade de recursos, dentre os quais certamente diversos que
clamavam pela intervenção e análise da Corte Superior.
A discussão chamou atenção também de Cândido Rangel Dinamarco:
“Como é para lá de notório, os objetivos de preservação da ordem jurídica, de
uniformização da interpretação do direito e de fazer justiça nos casos concretos
vêm esbarrando nos últimos tempos na imensa quantidade de recursos que a
todo o momento chegam ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal
de Justiça, gerando uma carga de trabalho impossível de ser vencida por seus
Ministros. Essa realidade deu ensejo à formação do que se denominou de
jurisprudência defensiva, na qual se exacerba o valor dos requisitos formais
para o conhecimento do recurso extraordinário e do especial, valendo como um

120
MEDINA, José Gabriel Garcia. Pelo fim da jurisprudência defensiva: uma utopia?.
Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jul-29/processo-fim-jurisprudencia-defensiva-
utopia>.
77

campo minado no caminho para o julgamento do mérito recursal. Não basta ter
um bom direito para vencer, é necessário um advogado treinado para vencer
as verdadeiras armadilhas que esse sistema vem criando e, além disso, uma
boa dose de sorte”121.
O Código de Processo Civil tentou mitigar a situação, como já
ponderado no capítulo precedente e, para iniciar o tema, vale citar as previsões
dos arts. 1.032122 e 1.033123, que trazem importante inovação no sistema dos
recursos especial e extraordinário ao prever que, na hipótese de se interpor um
recurso especial e o Superior Tribunal de Justiça entender ser a matéria
constitucional ou na hipótese de se interpor um recurso extraordinário e o
Supremo Tribunal Federal entender ser a matéria infraconstitucional, não se
deixar de julgar a pretensão da parte posta em juízo, mas sim converter o
recurso interposto no cabível, com as respectivas formalidades, a fim de que o
Tribunal efetivamente competente julgue a questão controvertida.
Está-se diante, portanto, de mais uma das previsões da atual sistemática
processual, que busca evitar a jurisprudência defensiva dos tribunais, em
detrimento do julgamento do direito da parte posto em juízo. Evita-se, assim,
corretamente, que se deixe de julgar um recurso por um eventual vício formal,
que é perfeitamente passível de ser sanado.
Reproduzam-se, pela precisão, as ponderações da Prof.ª Teresa Arruda
Alvim nos Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: “Trata-se
de inovação com diversos objetivos, mas o principal é o de evitar um dos casos
de jurisprudência ‘defensiva’, consubstanciado em acórdãos em que um
Tribunal diz que a competência é do outro. E nenhum dos dois julga. Diz este
artigo que, se o relator do recurso especial entender que a questão sobre a
qual versa este recurso é constitucional, em vez de, pura e simplesmente, não
apreciar o mérito do recurso, deve remetê-lo ao STF. Antes disso, deve dar à

121
DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. Tomo II. 6ª ed.,
São Paulo: Malheiros, 2010, p. 1.073.
122
“Art. 1.032. Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial
versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de 15 (quinze) dias para que o
recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão
constitucional”.
123
“Art. 1.033. Se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição
afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou
de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial.
78

parte recorrente o prazo de 15 (quinze) dias para que seja demonstrada


explicitamente, em preliminar, a repercussão geral. Não há porque o inverso
não deva acontecer: também se o relator do recurso extraordinário, no STF,
entender que a questão tratada no recurso é de natureza infra-constitucional,
deve remeter este recurso ao STJ”124.
O que se deve consignar, ademais, é que o Código de Processo Civil de
2015 trouxe importante inovação ao permitir que vícios reputados como não
graves possam ser sanados pela parte, com o objetivo de se prezar pelo
julgamento de mérito. Isso porque a posição que vinha sendo adotada pelo
Superior Tribunal de Justiça na vigência do diploma de 1973 parecia ser
excessivamente rigorosa, que prejudicava a própria relevância da Corte ao
deixar de intervir quando era efetivamente indispensável.
Um exemplo que bem ilustra a referida postura do Superior Tribunal de
Justiça é o não conhecimento de recurso especial quando interposto
previamente ao julgamento de embargos de declaração, quando estes não são
reiterados posteriormente. Isto é, independente do julgamento dos embargos
ter alterado ou não o acórdão objeto do especial, se estes não fossem
reiterados, o especial seria prontamente inadmitido. Veja que era esse o
posicionamento largamente utilizado pela Corte125:

“(…) Necessária a ratificação do recurso quando interposto antes do


julgamento de embargos declaratórios, sob pena de considera-lo
intempestivo (…)” (AgRg nos EREsp 981.583/PR, Rel. Ministra MARIA
ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, DJe 02.05.2011).

***

“(…) Pendente o julgamento dos aclaratórios da parte contrária, é


inoportuna a interposição de recurso especial, sem a ratificação
posterior de seus termos, uma vez que não houve o necessário
exaurimento da instância (Corte Especial, REsp n. 776.265/SC, relator
para acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, maioria, DJU, de 06.08.2007)”
(REsp 834.564/BA, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR,
QUARTA TURMA, julgado em 03.09.2009, DJe 19.10.2009).

124
Ob. cit., p. 1.499.
125
O entendimento chegou até a ser Sumulado no verbete 418: “É inadmissível o recurso
especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem
posterior ratificação”.
79

Há casos, inclusive, em que não se conheceu do recurso especial


quando interposto previamente à intimação do acórdão, seja o recorrido ou o
dos embargos de declaração, mas quando já concluído o julgamento e
disponibilizado o próprio acórdão para consulta no site do Tribunal respectivo, o
que era ainda mais alarmante.
O e. Min. Castro Meira, em julgamento realizado em 2005, em corrente
contrária à que havia se pacificado recentemente no Superior Tribunal de
Justiça, já havia consignado que o recurso deveria ser considerado, em casos
tais, como tempestivo, já que “muitas vezes, a parte toma conhecimento da
decisão e se antecipa à publicação. Se se antecipa, não pode ser
prejudicada”126.
No entanto, esse entendimento acabou sendo deixado de lado e
prevalecendo o rigorismo exacerbado, o que era constantemente alvo de
criticas da doutrina, como bem abordou Flávio Cheim Jorge em artigo
publicado na Revista de Processo, no qual elencou, de maneira não taxativa,
diversas razões que evidenciavam o equívoco da posição então adotada pelo
Superior Tribunal de Justiça.
Disse o autor: “Como tivemos oportunidade de demonstrar, não há como
prevalecer o entendimento acima, pois: (a) a interrupção do prazo recursal,
com a interposição dos embargos de declaração, existe para facilitar a atuação
do recorrente, nunca para prejudicá-lo; (b) a parte, como regra, interpõe o
recurso típico antes de saber da existência ou não de embargos opostos pela
parte contrária; (c) o recurso típico interposto é ato processual existente, válido
e eficaz; (d) os embargos de declaração podem não ser conhecidos e nesse
caso o prazo não será interrompido; (e) é estranha ao processo civil norma
legal que preveja a reiteração dos embargos de declaração, ao contrário do
agravo retido (art. 523, § 1.º, do CPC (LGL\1973\5)) e dos recursos especial e
extraordinários retidos (art. 543, § 3.º, do CPC (LGL\1973\5)); (f) a fluência do
prazo recursal pode dar-se de forma diferente para as partes, de modo que o
prazo para uma delas pode ter se esgotado e para a outra nem se iniciado
(basta pensar em ciência inequívoca); (g) inexiste preclusão lógica, perda de

126
AgRg no Ag 655610/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Rel. p/ Acórdão Ministro
FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/04/2005, DJ
01/08/2005, p. 399.
80

interesse ou renúncia tácita pela não modificação da decisão embargada


etc.”127.
Talvez um dos mais enfáticos em sua crítica à jurisprudência defensiva
como um todo, José Rogério Cruz e Tucci é bastante incisivo sobre o assunto:
“Retorno ao tema atinente aos malefícios experimentados pelos jurisdicionados
que são vítimas da famigerada jurisprudência defensiva. É certo que
determinados óbices à admissão dos recursos aos tribunais superiores são
fruto de construção engenhosa, que guardam certa coerência hermenêutica
com as regras processuais em vigor. Todavia, há, em significativo número,
outras barreiras que mais se identificam à “perversidade pretoriana”, as quais
não têm qualquer razão plausível para subsistirem no âmbito de um
ordenamento jurídico civilizado, comprometido com a efetividade da tutela
jurisdicional. (…) Ressalte-se que esta orientação, como ocorre na
generalidade das vezes nas quais vem aplicada a denominada jurisprudência
defensiva, evidencia que o direito material do recorrente não tem a menor
relevância para o tribunal. Entendo, com o devido respeito, que tal
posicionamento representa inarredável denegação de jurisdição. Realmente,
no que toca ao STJ — o autodenominado “Tribunal da Cidadania” —, a
despeito de alguma flexibilização observada nos últimos tempos, continua ele
se valendo de questiúnculas e estratagemas, no afã de afastar o julgamento do
mérito do recurso, em detrimento de sua missão constitucional em prol da
unidade da aplicação do direito federal”128.
Realmente, há que se concordar que o excesso que vinha sendo
adotado na jurisprudência defensiva do Superior Tribunal de Justiça não trazia,
rigorosamente, nenhum benefício para os jurisdicionados e para a sistemática
processual como um todo, pois questões relevantes, que necessitavam da
intervenção daquela Corte, ainda mais com sua função de uniformizar
jurisprudência, deixavam de ser analisadas por força dessa insistente negativa
de processamento dos recursos especiais.

127
Requisitos de admissibilidade dos recursos: entre a relativização e as restrições indevidas
(jurisprudência defensiva), in RePro, vo. 217/2013, p. 13 – 39, Mar/13, DTR\2013\1834.
128
TUCCI, José Rogério Cruz e. Um basta à perversidade da jurisprudência defensiva.
Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2014-jun-24/basta-perversidade-jurisprudencia-defensiva
81

Mais recentemente, porém, o Superior Tribunal de Justiça começou a


dar indícios de que caminharia no sentido de alterar o desarrazoado
entendimento, que levava a jurisprudência defensiva ao extremo. O primeiro
passo foi dado em julgado de relatoria do Min. Marco Aurélio Belizze, datado
de 12.8.14, em que se reconheceu a tempestividade de recurso especial
interposto antes da publicação do acórdão recorrido129.
No corpo do voto, o Relator discorre com precisão sobre os avanços
tecnológicos que não podem ser ignorados pelos Tribunais, muito pelo
contrário, devem por ele ser acompanhados, já indicando que a exigência
imutável da necessidade de publicação não fazia mais sentido, inclusive
porque referidos avanços vinham para contribuir com “maior agilidade aos
processos”, algo sempre desejado.
Logo em seguida, o Ministro conclui que “uma vez divulgada oficialmente
a decisão monocrática ou colegiada, por qualquer meio, fica a parte autorizada
à interposição do recurso, não sendo razoável e condizente com a nova visão
do direito e com o momento social vivenciado atualmente, exigir que a parte
aguarde inerte a publicação da decisão no Diário de Justiça tão somente para
suprir uma mera formalidade processual”.

129
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTERPOSIÇÃO DO
RECURSO ESPECIAL ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO EM ÓRGÃO
OFICIAL. TEMPESTIVIDADE. HOMICÍDIO QUALIFICADO NA FORMA TENTADA E LESÕES
CORPORAIS GRAVES. PRONÚNCIA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. LEGÍTIMA
DEFESA. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. RECURSO
IMPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos Embargos de Divergência n. 492.461/MG,
modificando entendimento há muito consolidado, passou a considerar tempestivo o recurso
especial interposto antes da publicação oficial, haja vista a nova realidade da publicidade das
decisões judiciais em meio eletrônico que possibilitam às partes o conhecimento prévio do
acórdão antes mesmo de sua veiculação oficial. Tal orientação foi novamente alterada pela
Corte Especial no julgamento dos EDcl na SEC 3660/GB, no sentido de ser intempestivo o
especial interposto antes da publicação do acórdão recorrido no Diário Oficial.
2. Contudo, imperiosa a revisão desse último entendimento, visto que o Superior Tribunal de
Justiça, como Tribunal da cidadania, não pode se dissociar da realidade, notadamente da
grande evolução dos meios de comunicação e informação nos dias atuais, em obediência aos
princípios da instrumentalidade das formas, da igualdade, da boa-fé objetiva, celeridade e
lealdade processuais.
3. Entretanto, apesar de se constatar a tempestividade do especial, o recurso não comporta
provimento quanto ao seu mérito. Isso porque, para o acolhimento da tese da legítima defesa,
com a consequente absolvição sumária do ora agravante, seria imprescindível exceder os
fundamentos do acórdão impugnado e adentrar no exame do conjunto fático-probatório, o que
é vedado no recurso especial, consoante o que dispõe o enunciado n. 7 da Súmula do Superior
Tribunal de Justiça.
4. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no AREsp 399.793/PR, Rel. Ministro
MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 12/08/2014, DJe 21/08/2014)
82

Pouco depois, já no final de 2015, quando sancionado o diploma


processual que entraria em vigor em março do ano seguinte, o Superior
Tribunal de Justiça deu um novo e importante passo para acabar com o
exacerbado entendimento. No julgamento do recurso especial nº 1.129.215
reconheceu-se a tempestividade de recurso interposto na pendência de
julgamento de embargos de declaração, independente de ratificação, quando
não houver alteração do julgado130.
O razoável entendimento foi, posteriormente, consolidado no Tema
jurisprudencial 572: “não é necessária a ratificação do recurso interposto na
pendência de julgamento de embargos de declaração quando, pelo julgamento
dos aclaratórios, não houve modificação do julgado embargado”.
O entendimento sufragado acima reflete a razoabilidade de julgamento
que se espera de uma Corte Superior, cuja função é analisar os casos

130
"QUESTÃO DE ORDEM. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. CORTE ESPECIAL.
RECURSO INTERPOSTO ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
NÃO ALTERAÇÃO DA DECISÃO EMBARGADA. DESNECESSIDADE DE RATIFICAÇÃO.
INSTRUMENTALISMO PROCESSUAL. CONHECIMENTO DO RECURSO. INTERPRETAÇÃO
DA SÚMULA 418 DO STJ QUE PRIVILEGIA O MÉRITO DO RECURSO E O AMPLO ACESSO
À JUSTIÇA.
1. Os embargos de declaração consistem em recurso de índole particular, cabível contra
qualquer decisão judicial, cujo objetivo é a declaração do verdadeiro sentido de provimento
eivado de obscuridade, contradição ou omissão (artigo 535 do CPC), não possuindo a
finalidade de reforma ou anulação do julgado, sendo afeto à alteração consistente em seu
esclarecimento, integralizando-o.
2. Os aclaratórios devolvem ao juízo prolator da decisão o conhecimento da impugnação que
se pretende aclarar. Ademais, a sua oposição interrompe o prazo para interposição de outros
recursos cabíveis em face da mesma decisão, nos termos do art. 538 do CPC.
3. Segundo dispõe a Súmula 418 do STJ "é inadmissível o recurso especial interposto antes da
publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação".
4. Diante da divergência jurisprudencial na exegese do enunciado, considerando-se a
interpretação teleológica e a hermenêutica processual, sempre em busca de conferir
concretude aos princípios da justiça e do bem comum, é mais razoável e consentâneo com os
ditames atuais o entendimento que busca privilegiar o mérito do recurso, o acesso à Justiça
(CF, art. 5°, XXXV), dando prevalência à solução do direito material em litígio, atendendo a
melhor dogmática na apreciação dos requisitos de admissibilidade recursais, afastando o
formalismo interpretativo para conferir efetividade aos princípios constitucionais responsáveis
pelos valores mais caros à sociedade.
5. De fato, não se pode conferir tratamento desigual a situações iguais, e o pior, utilizando-se
como discrímen o formalismo processual desmesurado e incompatível com a garantia
constitucional da jurisdição adequada. Na dúvida, deve-se dar prevalência à interpretação que
visa à definição do thema decidendum, até porque o processo deve servir de meio para a
realização da justiça.
6. Assim, a única interpretação cabível para o enunciado da Súmula 418 do STJ é aquela que
prevê o ônus da ratificação do recurso interposto na pendência de embargos declaratórios
apenas quando houver alteração na conclusão do julgamento anterior.
7. Questão de ordem aprovada para o fim de reconhecer a tempestividade do recurso de
apelação interposto no processo de origem." (REsp 1129215/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/09/2015, DJe 03/11/2015);
83

concretos para, através dos precedentes, formar uma jurisprudência que


orientará o posicionamento dos demais tribunais do país131. Não era, de fato,
razoável que se impedisse o julgamento e, por consequência, a análise do
caso concreto para formação de jurisprudência guiadora dos demais Tribunais
por uma formalidade manifestamente inexplicável ou por um vício
inequivocamente sanável.
Nessa linha de raciocínio, para colocar, de uma boa vez, uma pá de cal
no assunto, o Código de Processo Civil hoje em vigor encerrou as discussões
ao dispor em seus artigos 1.024, § 5º e 1.044, § 2º ser desnecessária a
ratificação, quando do julgamento dos embargos não houver alteração do
resultado anterior, in verbis:

“Art. 1.024, § 5º: Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não


alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela
outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de
declaração será processado e julgado independente de ratificação”.

“Art. 1.044, § 2º: Se os embargos de divergência forem desprovidos ou


não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso
extraordinário interposto pela outra parte antes da publicação do
julgamento dos embargos de divergência será processado e julgado
independentemente de ratificação”.

Na mesma linha de se evitar a rejeição pelo Superior Tribunal de Justiça


de recursos cuja admissão seria imperiosa, é o art. 1.025132 do Código vigente
que considera como prequestionadas todas as matérias postas nos embargos
de declaração, ainda que o Tribunal a quo não tenha expressamente sobre
elas se manifestado. Não raro, a parte, perante o Código Processo Civil de
1973, se via com os princípios do devido processo legal e da ampla defesa
prejudicados quando, não obstante a oposição de embargos, a questão não
era analisada pela Turma Julgadora e, uma vez interposto recurso especial,
pois o tema era de legislação federal, nem bem era ele admitido por falta de
prequestionamento; nem se reconhecia violação ao art. 535 então vigente, pois
se considerava que o juiz não estava obrigado a se manifestar sobre todos os
131
MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas. Do Controle à Interpretação, da
Jurisprudência ao Precedente. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
132
“Art. 1.025. Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou,
para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou
rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou
obscuridade.
84

argumentos da parte, desde que apontasse outros suficientes para justificar


seu posicionamento. Veio a nova previsão legislativa certamente para somar.
Encerradas essas breves divagações sobre a jurisprudência defensiva,
conclui-se ser muito claro que uma falta de assinatura, uma guia preenchida
errada, a falta do acórdão paradigma, a título de exemplo, devem ser situações
em que a parte tenha a possibilidade de sanar para ver seu caso efetivamente
julgado. Do mesmo modo, as hipóteses como a interposição de recurso antes
da publicação do acórdão, ou antes, do julgamento de embargos cujo resultado
posterior não altere o anterior, assim como a falta de manifestação do Tribunal
sobre determinado fundamento, muito embora provocado pela parte com
embargos de declaração, também não devem ser razões para deixar de se
admitir e processar o especial regularmente interposto.
Por outro lado, é essencial ter muito cuidado com a amplitude que se dá
aos vícios reputados como não graves, sob pena de se eliminarem os
requisitos de admissibilidade e permitir o julgamento de todo e qualquer caso
pelos Tribunais Superiores, independente de como forem interpostos, o que
inviabilizaria ainda mais a sua atuação, podendo dar ensejo à criação de novos
e perigosos entraves.
Não parece, entretanto, ser esse o objetivo da norma. A razão das
previsões que buscam evitar a jurisprudência defensiva na atual sistemática
processual é impedir que qualquer questiúncula fosse utilizada pelos Tribunais
Superiores como razão para não se julgar o recurso interposto. Se o vício for
grave, em especial de direito, como a falta de prequestionamento ou a falta de
apontamento de disposição legal violada, não seria caso de se permitir a
correção. Se não for grave, como os exemplos citados acima, não há porque
não conceder a oportunidade para que sejam sanados.
Uma quantidade mínima de formalidades e exigências deve ser mantida
pelas Cortes Superiores, inclusive para que se mantenha viva a razão de sua
criação e a essência de sua função, resta ao jurisdicionado aguardar para
verificar a exata dimensão que o Superior Tribunal dará às novas disposições
legais.
85

3.2. Requisitos de admissibilidade formais

Ainda antes de se adentrar aos requisitos de admissibilidade que geram


mais controvérsia na doutrina, é importante tratar, muito embora de maneira
breve, daqueles requisitos objetivos e de fácil análise, que seriam aqueles tidos
por genéricos e, sucintamente, previstos em lei.
Inicie-se esse capítulo, assim, com a transcrição de ensinamento de
Cassio Scarpinella Bueno sobre o assunto: “O juízo de admissibilidade dos
recursos compreende o exame acerca dos seguintes elementos: (i) cabimento
(constatação de qual é o recurso cabível para a decisão considerada
concretamente); (ii) legitimidade (quem tem legitimidade para apresentar o
recurso); (iii) interesse (demonstração da necessidade de interpor um recurso
para a invalidação, reforma, esclarecimento ou integração da decisão); (iv)
tempestividade (o recurso precisa ser interposto no prazo a ele reservado); (v)
regularidade formal (há regras formais, não formalismos, a serem observadas
para garantir, inclusive a compreensão da postulação recursal); (vi) preparo
(recolhimento de valores que, como regra, são exigíveis para a interposição do
recurso); e (vii) inexistência de fato impeditivo ou extintivo (o exercício do
direito de recorrer não pode colidir com fato futuro que o esvazie ou o
comprometa)”133.
Nesse sentido, pode-se aqui citar como requisitos de admissibilidade
objetivos do recurso especial, assim nomeados nesse trabalho para facilidade
de diferenciação, (i) a tempestividade, já que todo recurso deve ser interposto
no prazo legal para tanto, sendo que, na atual dinâmica, com exceção dos
embargos de declaração, todos, dentre eles o especial, possuem o prazo de 15
(quinze) dias; (ii) preparo, eis que deve haver o recolhimento das custas
pertinentes para interposição do recurso especial; (iii) cabimento, isto é, deve
ser verificada se, efetivamente, era hipótese de interposição de recurso
especial (não cabível contra decisão monocrática proferida no Tribunal, exempli
gratia); e a (iv) regularidade formal, aqui englobada a estrutura do recurso, se

133
BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016,
2ª ed., p. 673
86

expostas as razões, se a peça está assinada, se o acórdão paradigma foi


anexado (ou citada fonte).
Além deles, não se pode deixar de fora também (i) a legitimidade para
recorrer; (ii) o interesse para a interposição do recurso; e (iii) a inexistência de
fato impeditivo ou extintivo de se recorrer, que são questões que, muito por
óbvio, bloqueiam o acesso da via excepcional, dispensando-se maiores
digressões134.
Esses vícios todos, classificados pelo Prof. Barbosa Moreira entre
intrínsecos e extrínsecos135, são facilmente notados em uma análise objetiva
da regularidade do recurso, o que permite sua admissão, com consequente
processamento, ou então a percepção do vício com consequente intimação
para que seja sanado, tal como autoriza o art. 1.029, § 3º, CPC, e, se assim
não for, para que a ele seja negado seguimento, ceifando-se a possibilidade da
parte de ver reformado o julgado que o interessado entendia como contrário à
lei.

3.3. Decisão de única ou última instância

É previsão expressa do art. 105 da Constituição Federal que, para o


cabimento do recurso especial, a causa deve ter sido decidida em única ou
última instância. Para esta, significa que deve ter havido o esgotamento de
todos os demais recursos viáveis no Tribunal de origem (é o que dispõe,
inclusive, a Súmula 281 do STF136, aplicável também ao STJ).

134
Englobando esses 7 (sete) requisitos é o que defende Fernando Anselmo Rodrigues: “Os
requisitos de admissibilidade dos recursos são aqueles elencados no Código de Processo Civil,
quais sejam: cabimento, legitimação para recorrer, interesse em recorrer, tempestividade,
preparo, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer”
(RODRIGUES, Fernando Anselmo. Requisitos de Admisssibilidade do Recurso Especial e do
Recurso Extraordinário, in Aspectos Polêmicos e Atuais do Recurso Especial e do Recurso
Extraordinário, coord. Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997,
p. 186).
135
“Parece-nos preferível alinhar, de um lado, os requisitos intrínsecos, e de outro os requisitos
extrínsecos da admissibilidade. Entre os primeiros, examinaremos o cabimento, a legitimação
para recorrer, o interesse em recorrer e a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder
de recorrer. Na segunda classe, a tempestividade, a regularidade formal, o pagamento das
custas e o preparo” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O Juízo de Admissibilidade no
Sistema dos Recursos Civis. Imprenta: Rio de Janeiro, 1968, p. 46).
136
Súmula 281 do Supremo Tribunal Federal: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando
couber na justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”.
87

Assim, “os recursos extraordinário e especial têm como pressuposto de


cabimento o esgotamento das vias ordinárias. Sendo cabíveis, ainda, recursos
ordinários, eles é que deverão ser interpostos primeiramente, e não
diretamente os excepcionais. Sendo cabíveis embargos de declaração (CPC,
art. 535) ou embargos infringentes (CPC, art. 530), deverão, antes, ser
empregados estes recursos e, somente após o julgamento dos mesmos (…),
estar-se-á diante de decisão ‘de última instância’ a que se referem os arts. 102,
III, e 105, III, da Constituição Federal”137. Nitidamente a segunda hipótese
citada na doutrina acima foi elaborada ainda na vigência do antigo Código de
Processo Civil, mas o seu racional se aplica com perfeição à situação atual,
que se expõe nesse momento.
Com relação à referência a “única instância”, o significado se extrai da
literalidade das próprias palavras, o que fez com que alguns autores, como
Pedro Miranda de Oliveira, considerarem tal expressão supérflua. Afinal, como
ele pondera, se é única instância, é obviamente também a última e, portanto,
não haveria que existir a distinção posta138.
Vale aqui lembrar uma diferença entre os recursos extraordinário e
especial. Como se nota da disposição de cada um deles constante da
Constituição Federal, o especial é cabível apenas contra decisões (únicas ou
de última instância) proferidas pelos Tribunais Regionais Federais e pelos
Estaduais, enquanto o extraordinário não possui esta ressalva – ou seja, ao
menos em tese, seria cabível contra decisões que violem a Constituição
Federal, mesmo que não proferidas por Tribunal – é a hipótese, por exemplo,
de julgamento em colégio recursal, contra o qual não cabe recurso especial,
mas tão somente extraordinário.
Nesse ponto, diferentemente de diversas outras hipóteses do direito
comparado (Itália, Portugal e Argentina, por exemplo), no Brasil não parece ser

137
MEDINA, José Miguel Garcia e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e Ações
Autônomas de Impugnação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 216.
138
“Também são impugnáveis via recurso extraordinário as decisões proferidas em única
instância, Contudo, a meu ver, não seria necessário o texto constitucional fazer menção às
causas de única instância. Afinal, se é única é também última. Em outras palavras, o adjetivo
única é, na verdade, supérfluo, até porque não pode deixar de ser última uma instância que
efetivamente seja única. Bastaria, portanto, ao legislador constituinte referir-se à decisão de
última instância” (OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Novíssimo Sistema Recursal, conforme o
CPC/2015. 3ª ed., Florianópolis: Empório do Direito, 2017, pp. 320/321).
88

cabível o recurso per saltum, ou seja, aquele interposto direto para a Corte
Suprema, antes de esgotadas as demais vias. Seria como interpor um recurso
extraordinário de uma sentença, se ela violasse a Constituição Federal, ao
invés de se apresentar o competente recurso de apelação. Cumpre ressaltar
que a doutrina esmagadoramente majoritária, em consonância com o que
prevê os arts. 102 e 105, entende não ser cabível o recurso per saltum (é o
caso da Prof.ª Teresa Arruda Alvim Wambier, do Prof. Arruda Alvim e de Fredie
Didier Jr., por exemplo). Há uma minoria, porém, como Pedro Miranda de
Oliveira que defende o oposto, acreditando ser possível o recurso per saltum,
pois isto traria maior efetividade ao processo, além de auxiliar em sua duração
razoável (defende, inclusive, a possibilidade por acordo entre as partes que
assim preveja)139.
O atual Código de Processo Civil, por outro lado, eliminou a discussão
que havia no diploma de 1973 em relação ao cabimento de recurso especial
contra decisões do relator, proferidas com base no art. 557 do código então
vigente, mas que eram irrecorríveis. Agora, com a previsão de cabimento de
agravo interno contra toda decisão do Relator, como prevê o art. 1.021, as
decisões monocráticas não serão proferidas em caráter de última instância,
havendo a possibilidade de, caso interposto o agravo interno, haver
pronunciamento do colegiado previamente à interposição de recursos para as
Corte Superiores.
Com relação ao tema, além disso, na hipótese de julgamento de
embargos de declaração quando já houver sido interposto o recurso pela outra

139
“Se os recursos, de um lado, compõem a gama de direitos processuais que visam à
segurança jurídica, de outro, a sobreposição de sucessivos graus de jurisdição acarreta
demora na entrega da prestação jurisdicional. É nesta perspectiva que muitos países
instituíram a inovadora figura do recurso per saltum da primeira instância para o Tribunal
Superior (de sobreposição) quando as partes apenas tiverem suscitado questões de direito. A
possibilidade de utilização desse recurso constitui uma forma atípica de invocação e ordenação
dos graus jurisdicionais. Com o aludido instrumento, admite-se a interposição de um recurso
contra decisão judicial de primeiro grau, diretamente para a Corte Especial (tribunal de
sobreposição), sem a intervenção do tribunal de segunda instância. (…) Para que tenha
cabimento o recurso per saltum impõe-se que não haja discussão de matéria fática, ou que
sobre ela não tenha havido controvérsia, restando controvertidas apenas as questões jurídicas,
pois, apenas estas permitem saltar um grau de jurisdição, ou mais de um, permitindo o seu
conhecimento e julgamento pelo tribunal ad quem. Esse recurso funda-se num suposto lógico,
de que toda questão de direito é sempre uma questão de direito, seja na primeira, segunda ou
nas instâncias especiais, pelo que, julgada essa questão, não precisa passar pelo reexame dos
tribunais inferiores, pois quem dá a última palavra sobre questões de estrito direito no Brasil
são os Tribunais Superiores (STJ e STF).” (OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Novíssimo Sistema
Recursal, conforme o CPC/2015. 3ª ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2017, pp. 314/316).
89

parte, não há mais a obrigatoriedade de reiteração, conforme art. 1.024, § 5º140,


do Código de Processo Civil. Por outro lado, se houver alteração do acórdão, o
recorrente terá o prazo de 15 dias para complementar ou alterar (basicamente,
aditar) o recurso já interposto.
Cumpre relembrar que esse tema, também fruto de jurisprudência
defensiva, era bastante discutido e, inclusive, delicado na vigência da
sistemática processual anterior. Afinal, o Superior Tribunal de Justiça
simplesmente optava por não conhecer de recurso especial interposto antes do
julgamento dos embargos de declaração, se não reiterados posteriormente,
ainda que não houvesse alteração do julgado.
A posição chegava, como já se disse, a ser mais drástica, pois não se
conhecia de recurso interposto após o julgamento dos embargos, mas antes da
publicação do acórdão, tal como explorado no item 3.1.1 desse trabalho. Vale
apenas reforçar que esse adiantamento da parte apenas permite maior
celeridade processual e não há razão que justifique não se conhecer do
recurso quando inquestionavelmente concluído o julgamento, tal como
atualmente dispõe o Código de Processo Civil em vigor.

3.4. Matérias fáticas e probatórias

O recurso especial possui uma amplitude de cabimento bastante inferior


aos demais recursos — à exceção do extraordinário —, como o de apelação,
por exemplo, em que absolutamente toda a matéria posta a julgamento em 1º
Grau pode ser novamente tratada pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional
Federal. Para o Superior Tribunal de Justiça, porém, as hipóteses de
cabimento estão restritas na Constituição Federal e as imposições para
admissibilidade são diversas, restringindo-se a um pequeno espaço a
amplitude de questões passíveis de análise, tal como tratado no item 2.1
acima.
É por tal razão, como visto, que se afirma que as Cortes Superiores —
Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça — têm a função

140
“Art. 1.024. O juiz julgará os embargos em 5 (cinco) dias. (…) § 5º. Se os embargos de
declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso
interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração
será processado e julgado independentemente de ratificação”.
90

precípua de preservar a ordem jurídica, fornecendo aos demais tribunais


inferiores as diretrizes de atuação e interpretação das normas constitucionais
e/ou federais. É por isso, também, que se diz que não se está diante de 3º e 4º
Graus de Jurisdição, mas sim de Cortes que visam ordenar a posição a ser
adotada pelos tribunais afora (não são Cortes de cassação).
Sobre o assunto, vale fazer referência às ponderações de Luiz
Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero: “O julgamento de
um recurso extraordinário ou de um recurso especial constitui, portanto, uma
oportunidade para que o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de
Justiça outorguem adequada interpretação ao direito, adscrevendo significado
ao discurso do legislador (aos textos constitucionais e legais), reduzindo com
isso o grau de indeterminação inerente ao direito. Em outras palavras, durante
muito tempo a interpretação do direito foi apenas um meio para que essas
cortes de vértice lograssem o fim controle dos casos evidenciados pelas
decisões judiciais recorridas. Com o redimensionamento do papel dessas
cortes, o controle das decisões tomadas no caso concreto (a aplicação do
direito à espécie, como menciona o art. 1.034) é apenas um meio a fim de que
a real finalidade dessas cortes possa ser desempenhada: o oferecimento de
razões capazes de diminuir a indeterminação do direito mediante adequada
interpretação. Se antes a interpretação era o meio e o controle era o fim, agora
o controle do caso é o meio que proporciona o atingimento do fim
interpretação”141.
Mesmo sendo inquestionável que o Código de 2015 trouxe relevantes
inovações nos julgamentos pelos Tribunais Superiores, como se tratará
exaustivamente nos capítulos mais a frente desse trabalho, certo é que as
Cortes permanecem com a vedação de analisar fatos e provas.
Desse modo, o contexto fático realizado pela decisão recorrida deve ser
o ponto de partida para a verificação de ofensa à Constituição Federal ou à
legislação federal, inclusive para fins de rejulgamento da causa, nos termos do
art. 1.034, caput. “Os recursos especial e extraordinário constituem recursos de

141
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de
Processo Civil. Vol. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pp. 544/545.
91

direito estrito, somente podendo o tribunal superior analisar a questão de direito


submetida ao seu crivo”142.
Isso porque “por meio do recurso especial é possível devolver ao STJ
apenas a matéria de direito federal devidamente prequestionada. A correção de
vícios decorrentes, por exemplo, de má apreciação da prova é insuscetível de
ser feita por intermédio do recurso especial. Já vimos, por exemplo, que o
reexame da matéria fática é proibido em sede de recurso especial o que
significa que a profundidade do efeito devolutivo deste recurso é,
qualitativamente, menor do que o de apelação. Já se disse anteriormente: o
recurso especial é recurso de estrito direito. Repise-se, todavia, que a proibição
de que na instância extraordinária se reexaminem fatos não impede que o STJ
atribua aos fatos, tais como ocorridos, sua correta qualificação jurídica, o que
configura problema de estrito direito. (…) requalificar fatos é matéria de direito,
no caso, à luz do direito federal. Aqui os fatos subsistem à luz da versão que a
eles emprestou o acórdão; ou seja, deve subsistir a descrição empírica dos
fatos, mas essa versão ou essa ‘verdade’ pode ser corrigida, tendo em vista o
seu enquadramento na lei federal, pelo STJ, que pode ser outro, diferente
daquele constante do acórdão recorrido”143.
É possível, portanto, a valoração da prova ou a análise da subsunção do
fato reconhecido pelo acórdão recorrido à norma legal/constitucional,
entretanto, é vedado que se analise novamente fatos e provas (Súmula 7 do
STJ144) quanto à sua existência ou demais aspectos que não sejam inerentes
às questões estritamente de direito.
É nessa linha que caminha boa parte da doutrina: “O material que pode
ser trabalhado em recurso extraordinário e em recurso especial, portanto, é
composto de fatos e de direito — até mesmo porque fato e direito se
interpenetram no processo de delimitação do caso, interpretação e aplicação
do direito. O que não é possível é rediscutir a existência ou inexistência dos
fatos em recurso extraordinário e em recurso especial (Súmula 279 do STF, e

142
DIDIER JR., Fredie. CUNHA DA, Leonardo José Carneiro. Curso de Direito Processual Civil.
Salvador: JusPodivm, 2016, 13ª ed., p. 308.
143
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008, p. 883.
144
Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça: “A pretensão de simples reexame de prova não
enseja recurso especial”.
92

Súmula 7 do STJ). Vale dizer: o recorrente tem que trabalhar com o caso em
seu recurso partindo da narrativa fática estabelecida pela decisão recorrida.
Consequentemente, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de
Justiça não podem considerar existente fato considerado inexistente e
considerar inexistente fato considerado existente pela decisão recorrida. Essa
perspectiva teórica explica a razão pela qual, por exemplo, é possível obter do
Superior Tribunal de Justiça pronúncia voltada ao adequado dimensionamento
da reparação de danos civis, notadamente de danos morais. Em situações
dessa ordem, discute-se o caso em todos os seus aspectos, mas não se
interfere na conformação do caso outorgada pela decisão recorrida”145.
Nesse sentido, parece que o objetivo de se vedar a análise das provas,
é evitar que o Superior Tribunal de Justiça tenha que se debruçar sobre os
autos novamente para fins de verificar a existência de tal ou qual prova,
necessária para o julgamento da lide. Esta não é, nem deveria mesmo ser, a
função de qualquer das Cortes Superiores, o que as tornaria efetivamente em
uma 3º instância, meramente revisora dos atos dos tribunais.
O que lhe é permitido fazer é, a partir do quadro fático e probatório
delineado pelo acórdão recorrido, revalorar o quanto posto. Isto é, poderia o
Superior Tribunal de Justiça reavaliar o valor que foi dado a determinada prova,
como o reconhecimento de um contrato, incontroversamente existente, como
título executivo. Ou, então, questionar se determinada testemunha deveria
receber tanta credibilidade como a ela concedida pelo julgado objeto do
recurso146.
Nestas hipóteses, não estaria o Tribunal Superior revolvendo o conjunto
fático-probatório dos autos, mas apenas fazendo uma nova valoração das
provas reconhecidamente existentes e dos fatos incontroversos ou delimitados

145
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel, ob. cit., p. 546.
146
“O mero reexame da prova seria o exame mais minucioso, atento e vagaroso das provas
constantes dos autos, que deveria levar ao mesmo resultado: à solução de que a subsunção
deu-se de modo equivocado. Mas no mero reexame as provas seriam examinadas e
reavaliadas individualmente. Não se trata, como no caso da revaloração, de alterar ou inverter
a carga valorativa que a instância ordinária tenha atribuído às provas, mas de se perguntar, por
exemplo, se seria merecedor de credibilidade o depoimento de tal testemunha que teria
empregado termos denotativos de pouca firmeza. Essa atividade, que a jurisprudência chama
de (mero) reexame de provas, não se admite realize-se em recurso especial ou recurso
extraordinário” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e
Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 2ª ed., 2008, p. 378).
93

pelo Tribunal a quo, o que parece ser perfeitamente possível e razoável. Faz-
se aqui, ainda, referência ao item 5.6 do presente trabalho, em que o tema é
abordado ainda mais detidamente para se verificar os limites da atuação do
Superior Tribunal de Justiça.
A diferenciação acerca dos limites da matéria de direito e da matéria de
prova, no entanto, não é tão simples. Afinal, ainda que permitam “o recurso
extraordinário e o especial tão somente a revisão in iure, ou seja, a
reapreciação de questões de direito enfrentadas pelo órgão a quo”, isto “não
esgota as dimensões de um problema bem mais complexo do que à primeira
vista se afigura: a própria distinção entre questões de fato e questões de direito
nem sempre é muito fácil de traçar com perfeita nitidez”147.
É claro que os fatos, assim como as suas provas, devem ser
sucintamente expostos no recurso interposto, inclusive como manda o art.
1.029, I148, do Código de Processo Civil, para que o Tribunal Superior possa ter
real conhecimento da lide no julgamento do direito, entretanto, como dito, é
vedado a ele que reanalise as questões fática e de provas como um todo,
devendo se restringir às considerações postas pela decisão (acórdão)
recorrida, ou seja, aos limites da moldura traçada pelo julgado objeto do
recurso.

3.5. Análise de questões contratuais

A situação acerca da possibilidade de se analisarem cláusulas


contratuais nos recursos excepcionais é bastante semelhante às questões
fáticas e probatórias. Isto porque, até pelo teor da Súmula nº 5 do Superior
Tribunal de Justiça149, não se revela possível a interposição de recurso
especial com fundamento em violação contratual — por mais que o contrato
seja considerado como fazedor de lei entre as partes.

147
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 7ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, vol. 5, 1995, pp. 580/581.
148
“Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na
Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal
recorrido, em petições distintas que conterão: I – a exposição do fato e do direito”.
149
Súmula 5 do Superior Tribunal de Justiça: “A pretensão de simples reexame de prova não
enseja recurso especial”.
94

Há que se distinguir, entretanto, mais uma vez, a análise propriamente


dita da cláusula contratual, da revaloração de um determinado ponto pela
decisão recorrida. Ou seja, é possível a qualificação jurídica distinta de uma
cláusula contratual pelo STJ – desde que a valoração ou qualificação levada a
efeito pelo Tribunal a quo viole alguma norma legal, obviamente.
Esta é opinião de Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, que
parece razoável, quando ponderam que o mero reexame de provas ou de
cláusula contratual não deveria se confundir com a qualificação jurídica da
prova ou da cláusula contratual, tal como acima já exposto. Isto é, a
qualificação jurídica pode ser analisada pelo tribunal superior no âmbito do
recurso especial (nova valoração da prova). O que não se permite é o simples
reexame da prova ou da cláusula contratual. Nesse sentido, percebe-se:
quando a interpretação da cláusula contratual determinar o tipo do contrato (se
aluguel ou comodato, p. ex.) de que se trata a causa, é possível submetê-la ao
controle jurisdicional por meio do recurso especial (…)”150, quando a análise
deve ser feita da interpretação em si da cláusula, exemplificativamente, não
seria cabível o recurso.
Há, entretanto, relevante questão que vem sobre o tema. Doutrina e
jurisprudência estão consolidados sobre a impossibilidade da análise contratual
pelo e. Superior Tribunal de Justiça, como acabou de se expor. Entretanto,
todo o racional do posicionamento é construído a partir da relação individual
entre duas partes, únicos interessados na resolução do conflito posto ao
Judiciário, o que, supostamente, não demandaria a intervenção do Superior
Tribunal de Justiça.
É cada vez mais comum na atualidade, entretanto, em especial pelos
incontáveis negócios que são feitos via internet, a utilização de contratos de
adesão, com cláusulas padrão, com relação às quais o interessado não tem
sequer a prerrogativa de fazer um único comentário, sugestão ou alteração.
Basta clicar no espaço disponível online, no campo “Li e Concordo com os
Termos”, por exemplo, para que a avença seja celebrada sem qualquer
discussão do ajuste entre as partes.

150
DIDIER JR., Fredie. CUNHA DA, Leonardo José Carneiro. Curso de Direito Processual Civil.
Salvador: JusPodivm, 2016, 13ª ed., p. 306/307.
95

Com o exponencial crescimento dessa modalidade de relação, há que


se questionar se não haveria espaço para que o Superior Tribunal de Justiça
pudesse analisar a cláusula contratual de adesão, ou de contratos coletivos e
repetidos, como no exemplo, a fim de dar a correta interpretação da situação,
inclusive no intuito de evitar litígios repetidos sobre o mesmo tema, exatamente
pela falta de um precedente sólido.
Guilherme Recena flerta com o tema em sua dissertação de mestrado,
levantando bem a questão, mas deixando de dar uma resolução final 151. Trata-
se das “normas tipicamente vagas”, como ele chama, hipótese em que o
Superior Tribunal de Justiça deveria reconhecer a distinção daquelas que
justificaram a edição de sua Súmula de nº 5, a fim de fixar um direcionamento
de interpretação para tais cláusulas contratuais que, em seu resultado prático,
são eminentemente coletivas152.

3.6. Prequestionamento

É notório que se exige, para processamento do especial, que a matéria


nele impugnada esteja prequestionada, ou seja, que tenha sido tratada pelo
Tribunal a quo no acórdão recorrido153. A história recente deixa transparecer

151
COSTA, Guilherme Recena. Superior Tribunal de Justiça e recurso especial: análise da
função e reconstrução dogmática. Dissertação de mestrado. São Paulo. Universidade de São
Paulo. 2011, pp. 203/208.
152
“Sendo a norma, em tais casos, uma manifestação acentuadamente jurispruidencial, para
que a aplicação de cláusulas gerais, standards e conceitos jurídicos indeterminados seja
consistente, é enorme a importância do estudo dos casos. Seu desenvolvimento ocorre, assim,
sobretudo por meio de um raciocínio tópico, e não por um pensamento axiomático-dedutivo, já
que o texto legal, por si só, diz pouco ao julgador. No entanto, a partir da análise de problemas
concretos, vão sendo tomadas decisões que concretizam, pouco a pouco, as normas vagas, de
acordo com os valores a que elas remetem. A partir daí, cabe comparar as rationes decidendi
dos precedentes pertinentes, podendo-se induzir regras que vão progressivamente delimitando
os contornos da cláusula”. (COSTA, Guilherme Recena. Superior Tribunal de Justiça e recurso
especial: análise da função e reconstrução dogmática. Dissertação de mestrado. São Paulo.
Universidade de São Paulo. 2011, p. 213).
153
“O requisito do prequestionamento é da própria essência do recurso especial. Com efeito,
não é possível cogitar-se tenha havido ofensa a tratado ou lei federal (de molde a ser cabível o
recurso especial pela alínea a do inc. III do art. 105 do texto constitucional), por parte do
acórdão local, se a decisão não tiver ferido a questão federal sob foco. Igualmente, não é
concebível recorrer pela alínea c do inc. III do art. 105 (divergência jurisprudencial), se o
tribunal proferiu o acórdão recorrido não tiver tratado da questão federal, pois não haverá
divergência jurisprudencial” (ALVIM, Eduardo Arruda. ALVIM, Angélica Arruda. Recurso
especial e prequestionamento, in Aspectos Polêmicos e Atuais do Recurso Especial e do
Recurso Extraordinário, coord. Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997, p. 160).
96

que essa exigência tem origem na expressão causa decidida constante do art.
105, III, da Constituição Federal154. O raciocínio formado pela jurisprudência
tem razão de ser, afinal, para que a causa seja decidida previamente, deve ela
ser objeto de análise pelo Tribunal a quo. Daí teria se originado o requisito do
prequestionamento para abrir a via do recurso especial155.
Como bem ponderam, novamente, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro
da Cunha, “para que haja pré-questionamento, não basta a simples indicação
ou menção a dispositivo ou a preceito normativo; é preciso haver manifestação
sobre o tema, debate ou discussão. A discussão, a manifestação ou o debate
sobre o tema configura o pré-questionamento, ainda que não tenha sido
mencionado ou indicado o dispositivo ou preceito normativo”156.
Inicialmente há, desse modo, duas formas de prequestionamento: (i) o
expresso ou explícito, em que a decisão recorrida menciona expressamente o
dispositivo de lei ou constitucional tido como violado; e (ii) o implícito, em que a
decisão, apesar de tratar da matéria em discussão, não menciona qualquer
dispositivo. Ainda nesta hipótese tem-se por prequestionados os artigos de lei
federal que fundamentem o eventual recurso.
Muito embora com posição controversa sobre a possibilidade de análise
da prescrição pelo Superior Tribunal de Justiça, ainda que não prequestionada,
o que será objeto de capítulo pertinente, Alexandre Câmara, bem define o
requisito de admissibilidade ora explorado: “Prequestionamento é a exigência
de que o recurso especial ou extraordinário verse sobre matéria que tenha sido
expressamente enfrentada na decisão recorrida. É que só se admite o recurso
extraordinário (ou o recurso especial) a respeito de causas decididas (para se
usar aqui a terminologia empregada no texto constitucional). Significa isto dizer
que o RE e o REsp só podem versar sobre o que tenha sido decidido, não
sendo possível, nestas duas espécies recursais, inovar suscitando-se matéria

154
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: (…) III – julgar, em recurso especial, as
causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos
tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida (…)”.
155
“O prequestionamento foi consolidado jurisprudencialmente, por tradição histórica. A
expressão ‘causa decidida’ (arts. 102, III e 105, III, da CF) conteria tal exigência” (MANCUSO,
Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 10ª ed., São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2007, pp. 308/309).
156
Ob. cit., p. 311.
97

(ou fundamento) que não tenha sido suscitado e apreciado na decisão


recorrida”.
Logo em seguida complementa, “pense-se, por exemplo, em um
processo em que não tenha sido suscitada, nas instâncias ordinárias, a
prescrição. Não obstante a existência de dispositivo legal a estabelecer que a
prescrição pode ser deduzida em qualquer grau de jurisdição (art. 193 do CC),
deve-se compreender tal disposição no sentido de que essa matéria pode ser
deduzida originariamente a qualquer tempo nas instâncias ordinárias. Não
tendo sido a matéria submetida ao debate em contraditório nas instâncias
ordinárias, porém, não será possível deduzi-la originariamente em grau de
recurso extraordinário ou especial, por não se tratar de matéria ‘decidida’, ou
seja, por faltar prequestionamento.”157.
Desse modo, diante da indispensabilidade do prequestionamento para
que sejam admitidos os recursos, os embargos de declaração passaram a ser
utilizados também com o intuito de forçar o Tribunal a se manifestar sobre
questão posta, a fim de viabilizar a interposição de recursos para as Cortes
Superiores. “Assim, e por isso, o recurso de embargos de declaração passou a
prestar-se legitimamente para cobrar do órgão que proferiu a decisão a ser
impugnada por recurso extraordinário ou recurso especial que se refletisse
efetivamente na decisão a discussão que se tinha travado entre as partes ao
longo do processo. Tais embargos eram e são interpostos para que o órgão
prolator da decisão supra essa omissão”158.
Tendo em vista a impossibilidade dos Tribunais Superiores analisarem
fatos e provas, os embargos de declaração eram muito utilizados também no
intuito de provocar o Tribunal de origem a se manifestar sobre questões não
postas no acórdão recorrido, a fim de que o Supremo Tribunal Federal e o
Superior Tribunal de Justiça pudessem fazer a análise do conflito sem adentrar
ao conjunto fático-probatório dos autos, mas apenas verificando eventual
subsunção do quanto posto na decisão com a norma, ou seja, analisando a

157
CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2016, 2ª
ed., pp. 540/541.
158
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo
Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código
de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, 2ª ed., p. 401.;
98

moldura fática estabelecida pelo acórdão recorrido. Teresa Arruda Alvim


ressalta que “se o tribunal só inclui expressamente na decisão os fatos em que
efetivamente baseou a solução normativa encontrada e não aqueles que foram
por ele desprezados, porque considerados, por exemplo, irrelevantes, não
tendo sido levado em conta, fica difícil, senão impossível para a parte
demonstrar, para fins de mera admissibilidade do recurso excepcional, que a
decisão deveria ser outra, porque outros fatos deveriam ter sido levados em
conta pelo Tribunal a quo para decidir”159.
Nova discussão surgia nesse momento, refletindo posicionamentos
distintos dos Tribunais Superiores: o que aconteceria se, mesmo com a
oposição dos embargos de declaração, o Tribunal a quo não se manifestasse
sobre a questão posta? Entendia o Superior Tribunal de Justiça160 que o
requisito do prequestionamento não estava preenchido, pois não teria ocorrido
a efetiva análise do tema para permitir a ele a sua revisão (Súmula 211161). O
Supremo Tribunal Federal, de maneira mais razoável, entendia que, uma vez
opostos embargos de declaração, tal ato seria suficiente para se considerar as
questões ali suscitadas como prequestionadas caso o Tribunal se mantivesse
omisso (Súmula 356162). Isto é, sucintamente, o que se chama de
prequestionamento ficto.

159
Aut. cit., Sobre a necessidade de cooperação entre os órgãos do Judiciário para um
processo mais célere – ainda sobre o prequestionamento, in Direito e Democracia, Canoas,
vol. 7, n. 2, 2º semestre de 2006, p. 407/426 – trecho da p. 9 do artigo.
160
Anos antes o Superior Tribunal de Justiça chegou a entender que a oposição de embargos
de declaração poderia até ser dispensada se a questão foi suscitada pela parte, ainda que não
constasse expressamente do acórdão: “Adotando o posicionamento que, modo geral, vem
sendo prestigiado neste Superior Tribunal de Justiça, não levo a rígidos balizamentos o
pressuposto, que mantenho, de a matéria haver sido questionada no decorrer do processo.
Assim, em linha de princípios, admitido o questionamento implícito, decorrente do conjunto das
alegações formuladas pela parte. Ainda em linha de princípios, dispenso, nos casos de
omissão do acórdão, deva ser a matéria reavivada em embargos declaratórios, quando se
cuide de tema já claramente questionado no decorrer do contraditório; diga-se que outros são
os objetivos processuais dos embargos de declaração, os quais podem suprir omissão nos
fundamentos da sentença ou do acórdão quando tal omissão seja suscetível de prejudicar a
execução do julgado, ou de prejudicar a compreensão do conteúdo e extensão do ‘decisum’,
hipóteses estas que refogem, vênia máxima, ao tema dos pressupostos constitucionais de
admissibilidade do apelo extremo” (RSTJ 15/233, citação p. 242, voto do Min. Athos Carneiro).
161
Súmula 211 do Superior Tribunal de Justiça: “Inadmissível recurso especial quanto à
questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo
Tribunal a quo”.
162
Súmula 356 do Supremo Tribunal Federal: “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não
foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar
o requisito do prequestionamento”.
99

Cumpre observar que o Código de Processo Civil de 2015 coloca,


corretamente, uma pá de cal na questão, quando dispõe em seu art. 1.025 que
“consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou,
para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração sejam
inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro,
omissão, contradição ou obscuridade”. A opção do legislador por esse conceito
“merece aplausos, pois concretiza o verdadeiro acesso à justiça e viabiliza que
os tribunais superiores decidam as causas em prol da primazia do mérito”163.
O art. 489164, do atual diploma, também veio para auxiliar no tema,
impondo aos juízes a obrigação de fundamentar minimamente as decisões,
listando-se exaustivos requisitos, inclusive, a obrigação de se manifestar não
apenas sobre os fatos e fundamentos acolhidos, mas também sobre os
rejeitados, expondo as razões de decidir para tanto.
Logo, se opostos os embargos de declaração e, ainda assim,
permanecer o vício, não haverá necessidade de retorno dos autos; o Superior
Tribunal de Justiça poderá julgar de imediato o recurso, pois as matérias nele
postas consideram-se como prequestionadas, ainda que não tenha o Tribunal a
quo sobre todas elas se manifestado (desde que provocado por embargos de
declaração).

163
GOÉS, Gisele Santos Fernandes. As questões de ordem pública nos recursos excepcionais,
in Questões Relevantes sobre Recursos, Ações de Impugnação e Mecanismos de
Uniformização da Jurisprudência após o primeiro ano de vigência do novo CPC. Coord. Bruno
Dantas, Cassio Scarpinella Bueno, Cláudia Elisabete Shwerz Cahali e Rita Dias Nolasco. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 250.
164
“Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido
e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.
o
§ 1 Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença
ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua
relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua
incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a
conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos
determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte,
sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do
entendimento.”
100

3.7. Repercussão Geral – Propostas de Emenda Constitucional


(“PEC”) 209/12 e 17/2013

A partir de proposta elaborada pelos próprios ministros do Superior


Tribunal de Justiça, a PEC 209 de 2012, assinada pela então Deputada Rose
de Freitas e pelo Deputado Luiz Pitiman, busca, em suma, estabelecer aos
recursos especiais, filtro semelhante aos recursos extraordinários com base na
repercussão geral do caso analisado.
Nesse sentido, o objetivo da emenda — já aprovada neste ano de 2017
pela Câmara dos Deputados — é alterar o artigo 105 da Constituição Federal,
para incluir um parágrafo adicional (§ 1º de acordo com a proposta), que teria a
seguinte redação:

“§ 1º No recurso especial, o recorrente deverá demonstrar a relevância


das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso,
nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do
recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços
dos membros do órgão competente para o julgamento”.

À PEC 209/2012, originada na Câmara dos Deputados, some-se a PEC


17/2013, de autoria do Senador Ricardo Ferraço, que nada mais fez do que
alterou o órgão que seria o competente para analisar o requisito imposto pela
eventual futura alteração da Constituição. Retira-se a referência a dois terços
dos membros do órgão competente para o julgamento do recurso e, mantendo-
se o mesmo quórum, insere-se a referência à Corte Especial165.
A redação é de extrema semelhança com a previsão do § 3º do art. 102,
Constituição Federal166, que estabelece o filtro da repercussão geral para
admissibilidade do recurso extraordinário. A alteração se resume, basicamente,

165
Texto da PEC 17/2013: “Art. 105 (…) § 1º No recurso especial, o recorrente deverá
demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso,
nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo
recusá-lo pela manifestação de dois terços dos membros da Corte Especial”.
166
“Art. 102, § 3º, Constituição Federal: “No recurso extraordinário o recorrente deverá
demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos
da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo
pela manifestação de dois terços de seus membros”.
101

na retirada do termo “repercussão geral” e inclusão de “relevância”, o que


apesar de possuir o mesmo sentido, poderá dar margem para interpretações
ainda mais amplas, já que ambos os conceitos são inquestionavelmente
genéricos e subjetivos.
A repercussão geral do extraordinário já vinha sendo considerada pela
doutrina como a “relevância da questão discutida no RE – essa relevância deve
ser de tal monta que cause impacto do ponto de vista econômico, político,
social ou jurídico para além dos interesses subjetivos da causa”167. O que nada
mais é do que uma definição genérica para um conceito propositadamente
genérico.
Ato contínuo, as preocupações da comunidade jurídica são
consequências lógicas. Afinal, como a proposta da nova norma constitucional
empurra para a lei a competência de, efetivamente, reger de maneira mais
precisa os critérios de definição da relevância a justificar a interposição do
recurso especial, não é demais dizer ser impossível prever como funcionará, na
prática, o formalismo que poderá vir a ser imposto, embora seja inequívoca a
necessidade de se instaurar um filtro aos recursos especiais, a fim de
desafogar minimamente o Superior Tribunal de Justiça, em especial daqueles
casos em que sua intervenção não se faz necessária168.

167
NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2014, p. 392.
168
Carlos Mário da Silva Velloso, em artigo que versa exatamente sobre a morosidade do
Poder Judiciário diz sobre a falta de senso lógico no sistema recursal que obriga as Cortes
mais altas do país a intervir em questões que assim não deveriam demandar: “O sistema
recursal, com um número muito grande de recursos, é irracional. O despejo de um botequim
pode chegar ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. O superior
Tribunal de Justiça tem decidido recursos sem nenhuma relevância jurídica ou social, como,
por exemplo, recursos em que se discute se é possível a criação de cães em condomínios de
apartamentos. Dizia que que o despejo de um botequim pode chegar ao Superior Tribunal de
Justiça e ao Supremo Tribunal. Exemplifico e demonstro a afirmativa: a sentença de 1º grau
decreta o despejo. A apelação para o tribunal de 2º grau é perfeitamente cabível, dado que o
requisito do cabimento desse recurso é o sucumbimento, apenas. Interposta a apelação, é ela,
meses depois — ou até anos depois — improvida. A parte vencida interpõe, então, recurso
especial para o STJ e recurso extraordinário para o STF. Ambos os recursos, de regra, são
incabíveis. O presidente do tribunal vai inadmiti-los, certamente. Serão interpostos, então, dois
agravos, um para o STJ, primeiro. Lá, o Relator nega-lhes provimento. Segue-se a interposição
de agravo para a Turma, que, meses depois, confirma a decisão. Publicado o acórdão, o que
demanda algum tempo, é interposto o recurso de embargos de declaração, que serão
rejeitados. A publicação do acórdão vai demorar mais algum tempo. Muita vez são interpostos
embargos de declaração. Encerrada a questão no STJ, segue-se a repetição de tudo o que se
narrou no Supremo Tribunal Federal”. (VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Do Poder Judiciário:
Como torná-lo mais ágil e dinâmico: efeito vinculante e outros temas. In Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, 212, 7-26, abr-jun/1998, pp. 10/11).
102

A discussão que naturalmente vem à tona, portanto, é sobre a


delimitação acerca do que se entenderá por suficientemente relevante para
permitir a superação do filtro da repercussão geral para o prosseguimento do
recurso especial interposto.
Muito se diz, por exemplo, que deveria ser considerada uma limitação
objetiva por valor envolvido na ação. Ainda que a uma primeira vista se tenha
uma impressão de que uma ação com valor milionário envolvido se suporia ser
mais complexa e relevante, não se pode deixar de lado relevantes discussões
jurídicas, conceituais em especial, em que, muitas vezes, não há um valor
monetário envolvido, mas demandam a intervenção do Superior Tribunal de
Justiça na relevante função que exerce como orientador de posicionamentos.
No caso da repercussão geral para o recurso extraordinário, a Lei nº
11.418/2006 buscou regular a questão com a redação conferida ao art. 543-A,
hoje praticamente reproduzida no art. 1.035169, mas, ao fim e ao cabo,
continuaram a ser genéricas as balizas de orientação do filtro então criado.
As semelhanças com o requisito da repercussão geral existente para o
recurso extraordinário são diversas e as comparações, inevitáveis. Não por
outra razão, ainda, na hipótese de aprovadas as propostas, devem as

169
“Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso
extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos
o
termos deste artigo. § 1 Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou
não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que
o
ultrapassem os interesses subjetivos do processo. § 2 O recorrente deverá demonstrar a
existência de repercussão geral para apreciação exclusiva pelo Supremo Tribunal Federal. §
o
3 Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que: I - contrarie súmula
ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal; II – (Revogado); III - tenha
reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos do art. 97 da
o
Constituição Federal. § 4 O relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a
manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento
o
Interno do Supremo Tribunal Federal. § 5 Reconhecida a repercussão geral, o relator no
Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos
pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território
o
nacional. § 6 O interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal de
origem, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso extraordinário que tenha
sido interposto intempestivamente, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para
manifestar-se sobre esse requerimento. § 7º Da decisão que indeferir o requerimento referido
no § 6º ou que aplicar entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em
o
julgamento de recursos repetitivos caberá agravo interno. § 8 Negada a repercussão geral, o
presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos
o
extraordinários sobrestados na origem que versem sobre matéria idêntica. § 9 O recurso que
tiver a repercussão geral reconhecida deverá ser julgado no prazo de 1 (um) ano e terá
preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos
de habeas corpus.§ 10. (Revogado). § 11. A súmula da decisão sobre a repercussão geral
constará de ata, que será publicada no diário oficial e valerá como acórdão.”
103

previsões legais, infraconstitucionais, portanto, ser consideradas também como


parâmetros gerais da relevância casuística como requisito de admissibilidade
do recurso especial. É o caso, por exemplo, do art. 1.035, § 1º do Código de
Processo Civil, ao dispor que “para efeito de repercussão geral [e, na hipótese,
de relevância], será considerada a existência ou não de questões relevantes do
ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os
interesses subjetivos do processo”. E, ainda, a previsão do § 2º do mesmo
dispositivo, que impõe ao recorrente a demonstração da repercussão geral de
seu recurso. Na mesma linha, o art. 987, § 1º, também do diploma processual,
que presume a repercussão geral de recurso extraordinário interposto em
incidente de resolução de demanda repetitiva170.
As PECs não esclarecem esse paralelo com o recurso extraordinário,
mas a comparação, como se disse, é absolutamente inevitável. O que gerará
maiores dúvidas, porém, é o rito, já na Corte Superior, da relevância dos casos
de repercussão geral e do caráter vinculante que possuem para os demais
Tribunais do país. Têm-se dúvidas se deve ser estabelecido rigorosamente o
mesmo peso para os casos do Superior Tribunal de Justiça, que julgam em
volume muito maior e questões muito mais particulares do que aquelas que
ofendem a Carta Magna brasileira, analisadas pelo Supremo em sua função
constitucional.
De todo modo, a comparação entre os filtros dos recursos é natural, até
porque o estímulo para a adoção da repercussão geral para o recurso especial
vem, também, do recurso extraordinário e do seu atual funcionamento. Afinal,
argumenta-se que o Superior Tribunal de Justiça estaria por demais
assoberbado, com recursos inúmeros que lá chegam diariamente para a
análise de cada um dos seus 33 Ministros. Fazendo um ilustrativo paralelo, a
Corte estaria às vésperas de enfrentar situação como a crise do Supremo (cf.
item 1.2 acima), que resultou exatamente na fragmentação da competência
daquela Corte e, em seguida, na criação do Superior Tribunal de Justiça para
análise de recursos que versem sobre questões de direito federal.

170
“Art. 987. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial,
conforme o caso. § 1º O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de
questão constitucional eventualmente discutida”.
104

Para demonstrar referida situação, os propositores da emenda citam que


o Supremo Tribunal Federal recebeu no ano de 2007, 159.522 (cento e
cinquenta e nove mil, quinhentos e vinte e dois) processos. Com a entrada em
vigor, naquele ano, do filtro da repercussão geral, já no ano de 2011, o número
de recursos caiu significativamente, para 38.109 (trinta e oito mil, cento e nove)
processos, o que equivale a uma redução de cerca de 75%171.
Assim, a justificativa da proposta de emenda constitucional consigna que
“resta por necessária a adoção do mesmo requisito no tocante ao recurso
especial, recurso esse de competência do STJ. A atribuição de requisito de
admissibilidade ao recurso especial suscitará a apreciação de relevância da
questão federal a ser decidida, ou seja, devendo-se demonstrar a repercussão
geral, considerar-se-á a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de
vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses
subjetivos da causa. Atualmente, vige um modelo de livre acesso, desde que
atendidos os requisitos já explicitados como constantes do inciso III, do art.
105, da Constituição Federal. De tal sorte, acotovelam-se no STJ diversas
questões de índole corriqueira, como multas por infração de trânsito, cortes no
fornecimento de energia elétrica, de água, de telefone. Ademais, questões,
inclusive já deveras e repetidamente enfrentadas pelo STJ, como correção
monetária de contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) que,
nos primeiros 16 (dezesseis) anos de funcionamento do STJ, respondeu cerca
de 21,06% do total de processos distribuídos, um quantitativo de vultosos
330.083 (trezentos e trinta mil e oitenta e três) processos”, continuam a ser
diariamente distribuídas.
Não restam dúvidas de que a situação é bastante grave e merece
atenção, até para permitir que o Superior Tribunal de Justiça possa atuar da
maneira correta, intervindo nos casos estritamente necessários, ao invés de
analisar situações corriqueiras cujo posicionamento da Corte já está formado e
estabilizado — evidentemente não se pode engessar o sistema e há de haver
uma forma de revisão de precedentes, até porque a própria sociedade evolui e
muda com o tempo.

171
O exame dos números de recursos na atuação do Supremo Tribunal Federal e os efeitos da
implantação da repercussão geral como requisito do recurso extraordinário é bem exposto em
trabalho de Eduardo Cambi e Aline Regina das Neves (aut. cit. Repercussão geral e PEC
209/2012 in Revista de Processo, vol. 220/2013, pp. 183/206, jun/13).
105

A situação, tal como a do Supremo durante a sua crise, demanda uma


“solução drástica ante a falência do sistema, que atualmente impede o
exercício minimamente saudável das elevadas atribuições da Corte” 172, o que
poderia indicar o acerto das propostas de emenda constitucional que buscam,
de certo modo, limitar os recursos especiais que terão trânsito, desde que
considerado o filtro com a necessária razoabilidade e não como mais uma
simples alternativa para genérica e injustificadamente se diminuir o volume de
trabalho.
Por outro lado, também por isso, o atual Código de Processo Civil busca
dar uma maior prevalência aos precedentes e evitar assim sucessivos recursos
de matérias já pacificamente decididas, em especial pelas Cortes Superiores. É
uma medida que caminha no mesmo sentido e com o mesmo objetivo da
implementação de um novo filtro ao recurso especial. Não se questiona que
uma inovação, ainda que relevante como essa, carregue consigo um grau de
insegurança pela incerteza do que dali se advirá. O grande desafio é
estabelecer critérios palpáveis e razoáveis para evitar uma restrição por demais
alongada, que possa impedir a intervenção do Superior Tribunal de Justiça em
eventuais casos que assim demandem, muito embora de aparente menor
expressão173.
A força dos precedentes deve, portanto, ser um aliado ao filtro que a
PEC 209/2012 busca implementar, como forma de tentar dar maior celeridade
e segurança jurídica aos processos, desde que, obviamente, utilizado com
razoabilidade e bom senso, algo que muitas vezes se vê faltar em juízo, de
parte a parte.
Não se acredita, ao contrário de outros autores174, que o maior problema
do Superior Tribunal de Justiça seja o número baixo de ministros, mas sim a

172
Embora falando da Crise do Supremo, a situação é idêntica e se aplica com perfeição ao
cenário atual do Superior Tribunal de Justiça. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS,
Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3ª
ed., 2016, p. 454.
173
Sobre o tema, ler SERAU JR., Marco Aurélio. DONOSO, Denis. Relevância da questão
federal como filtro de admissibilidade do recurso especial: análise das propostas de emenda
constitucional n. 209/2012 e n. 17/2013., in Revista de Processo, vol. 224/2013, pp. 241/251,
out/2013.
174
“O número de ministros do STJ é reduzido, se o compararmos com tribunais que, em outros
países, exercem função parecida. A Corte de Cassação italiana, por exemplo, tinha no ano de
2010, 360 juízes. A Corte de Cassação francesa tem 120 Conseillers e 70 conseillers
référendaires. Evidentemente, há diferenças entre as estruturas do Judiciário brasileiro e a dos
106

concentração errada de esforços. Os números da repercussão geral no


Supremo demonstram a redução no número de recursos e não se nota um
prejuízo na qualidade do que se julga. A atuação da Corte, portanto, foi
concentrada de maneira mais adequada. O mesmo precisa ser feito com a
outra Corte Superior e o filtro pode auxiliar nesse árduo trabalho.
Não se pode deixar de ponderar que, a bem da verdade, a real solução,
embora bastante utópica, passa por uma necessária alteração de mentalidade
e cultura do país, cujos litigantes, com ou sem filtro de relevância da matéria,
continuarão a recorrer incansavelmente na busca pelo êxito de sua tese, assim
como os Tribunais muitas vezes continuarão a julgar sem a atenção
necessária, causada especialmente pelo gritante excesso de trabalho.
Enquanto toda a cultura do país não mudar nesse sentido, com sensibilidade,
razoabilidade de todos envolvidos no processo judicial, filtros diversos, por
mais criativos que sejam, nunca serão suficientes.

referidos países, mas a comparação demonstra que o número de ministros no Superior


Tribunai de Justiça, especialmente se consideradas as peculiaridades e a amplitude do direito
federal infraconstitucional brasileiro é muito pequeno” (MEDINA, José Miguel. Sobre a PEC n.
209/2012, que pretende instituir o requisito da ‘relevância’ da questão federal para o recurso
especial. Cadernos Jurídicos da OAB-PR 35/3).
107

4. EFEITOS DOS RECURSOS

É com sinceridade que se inicia este capítulo ponderando nunca ser


tarefa fácil tratar dos efeitos recursais. A doutrina oscila com relação aos
efeitos realmente existentes e, em especial, com relação à sua classificação ou
subclassificação, já que muitas vezes são considerados como desdobramentos
de um efeito maior de classificação anterior.
Assim, muito embora o foco principal do trabalho seja o efeito devolutivo
e o translativo do recurso especial, especificamente quanto à atuação do
Superior Tribunal de Justiça no caso concreto, não parece razoável adentrar a
esse tema, sem antes fazer um apanhado mais amplo daqueles efeitos hoje
considerados como existentes com relação aos recursos de um modo geral.
Já se adianta, nesse sentido, que aqui se abordarão os conceitos de
seis efeitos considerados pela doutrina, sem a pretensão de defender a sua
exaustividade ou a correção da tal classificação, mas, por serem aqueles mais
mencionados, vale aqui a sua breve análise. São eles: (i) devolutivo; (ii)
suspensivo; (iii) translativo; (iv) expansivo; (v) substitutivo; e (vi) obstativo.
Claramente, os dois primeiros são os efeitos que ninguém é capaz de
não considerar. Os demais enfrentam certa alternância, mas são, como dito, os
mais abordados pela doutrina. Assim, enquanto aqueles são considerados
como os efeitos básicos175 dos recursos, os demais são tratados como
consequências consideradas com a interposição e posterior julgamento.
Nesse ponto, inclusive, há que se diferenciar o efeito recursal obstativo
que, como se demonstrará, é sentido logo no momento da interposição,
enquanto os efeitos devolutivo176, translativo, expansivo e substitutivo são
notados, ou melhor, geram consequências, após o julgamento do recurso. O
efeito suspensivo, por sua vez, pode ser notado, inclusive, previamente à
interposição do recurso, ainda que em casos excepcionais, tal como autoriza o

175
THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. III. Rio de Janeiro:
Forense, 48ª ed., 2016, p. 1.005.
176
Há quem defenda, como Alexandre Freitas Câmara (O Novo Processo Civil Brasileiro. São
Paulo: Atlas, 2016, 2ª ed., p. 504), que o efeito devolutivo é também originado pelo simples ato
de interpor o recurso, haja vista que a mera interposição seria capaz de devolver a análise da
matéria. Essa hipótese não é 100% verdadeira, já que o recurso pode vir a não ser admitido, o
que não devolveria, efetivamente, a análise da matéria recorrida.
108

parágrafo único do art. 995 do Código de Processo Civil 177, ou ser uma
consequência automática da própria interposição, para aqueles casos em que
o recurso já é dotado do efeito suspensivo por força de lei, como a apelação, a
título exemplificativo178.
Feita essa brevíssima introdução sobre os efeitos dos recursos, assim
como do objetivo do presente capítulo, passa-se a tratar de cada um dos seis
efeitos aqui considerados.

4.1. Efeito obstativo

Principie-se a exposição com o mais simples dos efeitos recursais: o


obstativo ou também nomeado impeditivo. Trata-se de efeito que efetivamente
é gerado pela simples interposição de um recurso admissível e que possui a
virtude de obstar, ou impedir, como a própria nomenclatura já permite
compreender, a preclusão com relação à decisão recorrida, ou, então, o seu
trânsito em julgado.
É o que a doutrina explora: “A interposição do recurso tem o condão de
obstar a preclusão e a formação de coisa julgada, mantendo o processo
pendente até o seu julgamento. Mais propriamente, aliás, até o momento do
escoamento do último prazo recursal. A interposição do recurso – ou a
existência de prazo recursal pendente – impede a preclusão e o trânsito em
julgado das decisões judiciais. Todos os recursos têm o condão de impedir a
preclusão e, em sendo o caso, a formação de coisa julgada”179.
O recurso há de ser, entretanto, admissível para que o efeito obstativo
possa ser gerado. Afinal, o recurso inadmissível não gera qualquer efeito, pois
não tem a prerrogativa de causar nenhuma consequência na decisão que ele
ataca. Como exemplo clássico tem-se o recurso intempestivo, haja vista que no
momento de sua interposição a decisão recorrida já havia transitado em
julgado.
177
“Art. 995. Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão
judicial em sentido diverso. Parágrafo único. A eficácia da decisão recorrida poderá ser
suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano
grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do
recurso.
178
“Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo”.
179
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de
Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 527.
109

Assim, “uma vez interposto recurso admissível – isto é, recurso que


preencha todos os seus requisitos de admissibilidade -, a decisão recorrida não
se estabiliza, não se torna firme (não havendo que se falar nem em preclusão
da matéria decidida nem em formação – se for o caso – de coisa julgada).
Evidentemente, porém, este efeito só se produz se o recurso for admissível,
mas não se é ele inadmissível. Basta pensar no caso de um recurso
intempestivamente interposto contra uma sentença de mérito. É evidente que,
neste caso, não poderia o recurso intempestivo impedir a formação de uma
coisa julgada que, no momento de sua interposição, já estava formada”180.
O efeito obstativo, portanto, está regularmente presente no recurso
especial, haja vista que, quando da interposição de um reclamo admissível ao
Superior Tribunal de Justiça, será obstado o trânsito em julgado do acórdão
recorrido e é, a título de ilustração, exatamente por isso que se afirma que as
execuções promovidas durante a pendência de julgamento de tais recursos nas
cortes superiores, será sempre provisória181.

4.2. Efeito suspensivo

O efeito suspensivo, também como se pode extrair de sua nomenclatura,


é aquele que tem o condão de sustar a imediata eficácia da decisão recorrida.
O Código de Processo Civil de 1973 tinha o efeito suspensivo como regra dos
recursos, de modo que as exceções se davam com a eficácia imediata das
decisões, salvo as previsões legais em sentido contrário.
Era o que dispunha, por exemplo, o art. 542, § 2º, no sentido de que “os
recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo”. Na
mesma linha, o art. 497, segundo o qual o recurso extraordinário e o recurso
especial não impedem a execução da sentença; a interposição do agravo de
instrumento não obsta o andamento do processo (…)”.
Já o Código de Processo Civil de 2015 alterou a regra, estabelecendo
que geralmente os recursos não serão dotados de efeito suspensivo, salvo

180
CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2016, 2ª
ed., pp. 504/505.
181
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 10ª ed., São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 199.
110

disposição expressa de lei (art. 995182). A regra da presença do efeito


suspensivo permaneceu, única e tão somente, para o recurso de apelação 183.
Para os demais casos, a parte deverá se valer da exceção prevista no
parágrafo único do art. 995, que permite a concessão de efeito suspensivo a
recurso originariamente dele não dotado “se da imediata produção de seus [da
decisão] efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação,
e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso”184.
Previsão semelhante já constava do antigo diploma processual para
aqueles casos que não possuíam o efeito como inerentes à interposição, que é
o caso do agravo de instrumento, por exemplo, cuja autonomia era dada ao
relator, nos termos do art. 558 então vigente: “O relator poderá, a requerimento
do agravante, nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens,
levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais
possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a
fundamentação, suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento
definitivo da turma ou câmara”.
Diz-se, assim, que o efeito suspensivo é ope legis, quando decorrer
diretamente de determinação legal, que não é mais a regra, como mencionado,
no sistema processual civil em vigor. Por outro lado, o efeito suspensivo é ope
iudicis, quando decorre de uma decisão judicial, ainda que os requisitos para a
concessão judicial do efeito suspensivo estejam, também, previstos em lei.

182
“Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial
em sentido diverso. Parágrafo único. A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por
decisão do relator se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de
difícil ou impossível reparação ,e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso”.
183
“Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo. § 1º Além de outras hipóteses previstas em
lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que: I –
homologa divisão ou demarcação de terras; II – condena a pagar alimentos; III – extingue sem
resolução do mérito ou julga improcedentes os embargos do executado; IV – julga procedente
o pedido de instituição de arbitragem; V – confirma, concede ou revoga tutela provisória; e VI –
decreta a interdição.”
184
Sobre o tema: “(…) o efeito suspensivo (impedimento da imediata execução do decisório
impugnado), que era a regra geral para o Código de 1973, passou a ser a exceção no novo
CPC, prevista apenas para a apelação (art. 1.012, caput). Assim é que o art. 995 dispõe que
‘os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em
sentido diverso’. Apenas excepcionalmente a decisão será suspensa, ‘se da imediata produção
de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar
demonstrada a probabilidade de provimento do recurso’ (parágrafo único do art. 995). Isto,
todavia, dependerá sempre de decisão do relator” (THEODORO JR., Humberto. Curso de
Direito Processual Civil. Vol. III. Rio de Janeiro: Forense, 48ª ed., 2016, p. 1.005).
111

Há sensível diferença entre as duas hipóteses, pois, na primeira, não se


considera que houve a suspensão da eficácia da decisão recorrida
propriamente dita, mas sim uma prolongação da suspensão que já tinha se
iniciado quando da prolação da decisão, haja vista o caráter suspensivo
inerente ao recurso que viria, eventualmente, a ser interposto. Nesta situação,
os efeitos da decisão só se concretizariam com o decurso do prazo recursal 185.
Já na segunda hipótese, isto é, da concessão do efeito suspensivo por decisão
judicial, aí sim, está-se efetivamente suspendendo a eficácia da decisão objeto
do recurso.
Para complementar o assunto, “é importante, aqui, estabelecer uma
distinção entre os casos de efeito suspensivo ope legis e ope iudicis. Naqueles
casos em que o efeito suspensivo produz-se por força de lei (efeito suspensivo
ope legis), a decisão recorrível nasce ineficaz. Significa isto dizer, em outros
termos, que prolatada a sentença ela já não é capaz de produzir os seus
efeitos e, nesta hipótese, a interposição do recurso não produz, propriamente,
a suspensão dos efeitos da decisão recorrida (já que tais efeitos já estavam
suspensos). Em casos assim, nos quais o recurso é dotado de efeito
suspensivo ope legis, a interposição do recurso não suspende os efeitos da
decisão recorrida, mas prolonga sua suspensão, fazendo com que a decisão
recorrida permaneça incapaz de produzir efeitos. Pode-se dizer então, que,
nesses casos de efeito suspensivo ope legis, este não é propriamente um
efeito da interposição do recurso, mas um efeito da recorribilidade (já que o
mero fato de ser recorrível a decisão já obsta a produção de efeitos da
decisão). Nesta situação, caso o recurso venha a ser interposto
tempestivamente, a decisão recorrida permanecerá ineficaz até que o recurso
seja julgado. De outro lado, porém, se o recurso é, por força de lei, desprovido
de efeito suspensivo, a decisão por ele impugnável produz seus efeitos desde
o momento em que se torna pública (como se dá nos casos previsto no § 1º do
art. 1.012, que expressamente faz referência a ‘produzir efeitos imediatamente

185
“Aliás, a expressão ‘efeito suspensivo’ é, de certo modo, equívoca, porque se presta a fazer
supor que só com a interposição do recurso passem a ficar tolhidos os efeitos da decisão,
como se até esse momento estivessem eles a manifestar-se normalmente. Na realidade, o
contrário é que se verifica: mesmo antes de interposto o recurso, a decisão, pelo simples fato
de estar-lhe sujeita, é ato ainda ineficaz, e a interposição apenas prolonga semelhante
ineficácia, que cessaria se não se interpusesse o recurso”. (MOREIRA, José Carlos Barbosa.
Comentários ao Código de Processo Civil. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, vol. 5, 1995, p. 255).
112

após a publicação da sentença’ que se enquadra em alguns dos casos ali


enumerados). Nestas hipóteses, atribuído o efeito suspensivo por decisão
judicial (efeito suspensivo ope iudicis), a decisão  que vinha produzindo
efeitos  deixará de produzi-los. Pois em casos assim, o efeito suspensivo é,
mesmo, um efeito da interposição do recurso, pois só a partir da decisão
concessiva da eficácia suspensiva é que a decisão judicial estará com sua
eficácia suspensa”186.
Especificamente com relação ao recurso especial, a única exceção à
falta de efeito suspensivo previsto em lei se dá quando ele é interposto contra
decisão de mérito proferida em sede de incidente de resolução de demandas
repetitivas, por força de previsão expressa do art. 987, § 1º, do Código de
Processo Civil187.
Dessa forma, quando não se está diante da situação de recurso
interposto em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas, a parte
que almejar a obtenção de efeito suspensivo a seu recurso especial deve-se
valer da autorização que a norma lhe dá de pedir, excepcionalmente, a
sustação da eficácia do acórdão recorrido.
Tal faculdade é concedida pelo já mencionado parágrafo único do art.
995 e pode ser direcionada ao Tribunal Superior, ao Relator ou ao Presidente
ou Vice-Presidente do Tribunal a quo, conforme competência regimental para
análise da admissibilidade do especial, tudo a depender do momento
processual em que for formulado o pedido de suspensão.
As situações estão concretamente descritas no art. 1.029, § 5º, do
Código, segundo o qual a pretensão suspensiva deverá ser dirigia “I – ao
tribunal superior respectivo, no período compreendido entre a publicação da
decisão de admissão do recurso e sua distribuição, ficando o relator designado
para seu exame prevento para julgá-lo; II – ao relator, se já distribuído o
recurso; III – ao presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido, no período
compreendido entre a interposição do recurso e a publicação da decisão de
admissão do recurso, assim como no caso de o recurso ter sido sobrestado”.

186
CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2016, 2ª
ed., p. 507.
187
“Art. 987. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial,
conforme o caso. § 1º. O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de
questão constitucional eventualmente discutida.
113

4.3. Efeito substitutivo

O efeito substitutivo é aquele que decorre da prevalência da decisão do


recurso sobre a decisão recorrida. Isto é, sempre que o recurso é admissível,
ou seja, é conhecido, o seu julgamento passa a ser o considerado, em
substituição à decisão recorrida. Em resumo ele “ocorre quando o julgamento
do recurso passa a ocupar o lugar da decisão de que se recorreu, o que só tem
lugar quando há decisão de mérito”188.
É importante consignar que a substituição se dá independente de
acolhimento do recurso. Logo, mesmo que seja negado provimento ao recurso
especial interposto, por exemplo, desde que no mérito (admissível, portanto),
prevalecerá a decisão dele sobre o acórdão recorrido, ainda que mantido na
íntegra pelo Tribunal ad quem.
Assim, reforce-se que “o efeito substitutivo verifica-se tanto quando o
julgamento seja de provimento (quando se tratar de vício de juízo, e não vício
de atividade) quanto de improvimento. O efeito acontecerá exclusivamente no
que pertine à parte conhecida do recurso. No mais, remanesce íntegra a
decisão de que se recorreu. Também só há o efeito substitutivo da parte da
decisão que foi impugnada, pois só esta pode ser objeto de decisão do órgão
ad quem: para confirmar ou reformar a decisão”189.
A substituição, ao final, apenas ocorre quando há a correção do erro de
julgamento, não do erro de atuação do magistrado prolator da decisão
recorrida. Isto porque se a declaração for de nulidade, por exemplo, poderá ser
determinado o retorno dos autos para que novo julgamento seja feito, ou para
que uma prova seja produzida, de modo que não haverá efetivamente uma
prevalência da decisão do órgão ad quem sobre a do órgão a quo.
Assim, Barbosa Moreira precisamente trata a questão, ainda que não
aponte expressamente a existência do efeito substitutivo, quando consigna que
“só quando o fundamento do recurso consista em erro in procedendo é que o
Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça, ao dar-lhe
provimento, anula a decisão da instância inferior e, se for o caso, faz baixar os

188
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso
Extraordinário e a nova função dos Tribunais Superiores no Direito brasileiro. 3 ª edição. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 386.
189
Ob. cit. p. 386/387.
114

autos, para que outra ali se profira. Salvo nessa hipótese, o acórdão do tribunal
ad quem, seja qual for o sentido em que este se pronuncie, substitui, na
medida em que se conheça da impugnação, a decisão contra qual se
recorreu”190.
Há prevalência da decisão do recurso mesmo em hipótese de error in
procedendo se, no caso de recurso apelação, por exemplo, o Tribunal optar por
analisar imediatamente o mérito com fundamento no art. 1.013, § 3º, do Código
de Processo Civil.

4.4. Efeito expansivo

Esse particular efeito dos recursos ocorre quando, por algumas das
razões previstas na lei processual, o julgamento do recurso acaba por envolver
questões que vão além da matéria estritamente ventilada no inconformismo da
parte levado ao órgão ad quem. É o caso de se afastar uma preliminar e julgar
o mérito, ou acolher uma questão de ordem pública ou, ainda, o acolhimento de
uma preliminar que afeta a sentença como um todo, ainda que parte dela não
tivesse sido objeto de recurso.
A conceituação de Nelson Nery Junior é precisa: “Depois de proferido
juízo de admissibilidade positivo do recurso, com seu conhecimento, o órgão
ad quem deve apreciar-lhe o mérito, na extensão em que lhe foi devolvida a
matéria objeto da impugnação. O julgamento do recurso pode ensejar decisão
mais abrangente do que o reexame da matéria impugnada, que é o mérito do
recurso. Dizemos que, nesse caso, existe o efeito expansivo (…)”191.
Diz-se que o efeito expansivo é objetivo interno quando,
exemplificativamente, acolhe-se uma preliminar que, por consequência, afeta a
sentença como um todo, tornando-a supérflua no que toca às questões de
mérito que foram analisadas. Outro exemplo, citado pelo i. Professor, se dá em
analise do an debeatur pelo Tribunal, o que tornaria prejudicada a questão
seguinte, que é o quantum debeatur.

190
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 7ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, vol. 5, 1995, p. 584.
191
NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2014, p. 456.
115

O efeito expansivo é interno, portanto, quando sua consequência é


gerada com relação à própria decisão impugnada. Será externo, então, quando
os efeitos do julgamento serão sentidos por outros atos que não a própria
decisão recorrida. É o caso, também exemplificativamente, do provimento de
agravo de instrumento, ao qual não fora atribuído efeito suspensivo. No caso,
veja-se que todos os atos praticados na ação originária pela não atribuição do
efeito suspensivo, restarão prejudicados com o provimento do recurso, se com
isto forem incompatíveis. Seria o caso de se permitir prosseguimento de atos
constritivos em uma ação de execução, na pendência de julgamento de agravo
de instrumento que, quando provido, reconhece-se a inexistência de título
executivo.
Nesse exemplo, todos os atos praticados em 1º Grau de Jurisdição,
entre a interposição do recurso e seu julgamento, certamente são contrários ao
resultado e, portanto, não poderão ser mantidos, ainda que diretamente não
tivessem sido atacados com recursos próprios.
Para encerrar, o efeito expansivo subjetivo pode ocorrer quando os
efeitos do julgamento do recurso são sentidos por terceiros que não o
praticante do ato. É o que acontece, por exemplo, quando um dos litisconsortes
interpõe recurso que, se provido, aproveitará a todos os demais.
Revela apenas esclarecer, ao final, que o efeito expansivo, à
semelhança do substitutivo, não ocorrerá com o julgamento de todo e qualquer
recurso, mas apenas quando efetivamente as consequências acabem por ir
além do quanto impugnado expressamente no recurso interposto pela parte.

4.5. Efeito translativo

Pode-se afirmar, sucintamente, que o efeito translativo é a faculdade que


a lei concede ao órgão ad quem de analisar determinadas matérias ainda que
não julgadas pela decisão recorrida e não constantes do recurso a ser
apreciado. Assim, além da transferência compreendida nos termos do recurso,
existem matérias de que o tribunal ad quem poderá conhecer,
independentemente da devolução operada pela vontade impugnante do
recorrente. Trata-se das questões de ordem pública, como aquelas ligadas às
116

condições da ação e aos pressupostos processuais do recurso192, e outras que,


por força de lei, os tribunais têm de apreciar e resolver ex officio, a qualquer
tempo e em qualquer grau de jurisdição (art. 485, § 3º)”193.
O efeito translativo emana do princípio inquisitivo, que atua em um
âmbito de interesse coletivo e ultrapassa os limites do interesse individual da
parte. É claro que o efeito translativo devolve determinadas matérias — ou não
devolve, nos termos exatos da nomenclatura, já que não tratadas — para
permitir o seu julgamento pelo órgão ad quem, mas se distingue do devolutivo,
que será tratado em seguida, pois este decorre do princípio dispositivo 194, que
geralmente está em voga com interesses disponíveis das partes 195, ou seja,
levadas ao órgão superior por força de impugnação apresentada pelo
interessado.
Usualmente, vale dizer, quando o Tribunal ad quem acaba por julgar
questões distintas daquelas abordadas no recurso, ele estaria por proferir uma
decisão possivelmente ultra ou extra petita, sendo eventualmente, ainda, infra
petita se analisado menos do que se pleiteou. Nenhuma dessas hipóteses,
porém, se dá com aquelas matérias que são a essência do efeito translativo, já
que o racional de tal efeito é exatamente permitir a apreciação de determinadas
matérias, como acima posto, independente de sua impugnação no recurso.
Há, nesse ponto, certa distinção nas correntes doutrinárias, sobre quais
exatamente seriam as matérias que refletem o efeito translativo. Para Teresa

192
“O objeto da devolutividade constitui o mérito do recurso, ou seja, a matéria sobre a qual
deve o órgão ad quem se pronunciar, provendo-o ou improvendo-o. As preliminares alegadas
normalmente em contrarrazões de recurso, como as de não conhecimento, por exemplo, não
integram o efeito devolutivo do recurso, pois são matérias de ordem pública a cujo respeito o
tribunal deve ex officio se pronunciar. Seria mais apropriado dizer que esse tipo de questão fica
ao exame do tribunal pelo denominado efeito translativo do recurso (abaixo, n. 3.5.4),
porquanto o efeito devolutivo, como já vimos, é manifestação do princípio dispositivo: somente
se devolve ao tribunal a matéria que o recorrente efetivamente impugnou e sobre a qual pede
nova decisão” (NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014, pp. 402/403.
193
THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 48ª
ed., 2016, pp. 1.007.
194
“O que rege o âmbito da devolutividade de todos os recursos — e, no caso de apelação, por
excelência — é o princípio dispositivo, expressado na máxima latina tantum devolutum
quantum appellatum” (ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008).
195
Sobre o assunto, confira-se novamente THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito
Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 48ª ed., 2016, pp. 1.007, além de NERY JR., Nelson.
Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 462 e
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e
Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016, p. 401/402.
117

Arruda Alvim, por exemplo, referido efeito se restringiria às matérias de ordem


pública, já que outros argumentos, tais como questões dispositivas, ou outros
fundamentos de defesa ou, ainda, causas de pedir não analisadas no juízo a
quo, poderiam ser no órgão ad quem apreciadas por força do vetor
profundidade do efeito devolutivo. Para ela, “o efeito translativo incide
exclusivamente sobre matéria de ordem pública, em relação à qual o juiz tem o
dever de apreciação ex officio”196.
Barbosa Moreira sequer chegou a mencionar a existência do efeito
translativo, limitando-se a afirmar que ambas as matérias, de ordem pública e
dispositivas, poderiam ser analisadas pelo Tribunal ad quem por força da
dimensão vertical do efeito devolutivo197.
Tem prevalecido, no entanto, a corrente que considera tanto as questões
dispositivas, quanto as de ordem pública, como passíveis de análise pelo
tribunal hierarquicamente superior exatamente por força do princípio
translativo198. Cumpre esclarecer que se trata de uma questão eminentemente
doutrinária, pois, na prática, independente de ser uma consequência do efeito
translativo ou da profundidade do devolutivo, as matérias poderão ser
analisadas pelo órgão ad quem, independente de o terem sido pelo a quo ou
do recurso terem constado.
A questão que mais gera controvérsias sobre o tema, com relação ao
recurso especial, se refere ao momento e aos limites da atuação do Superior
Tribunal de Justiça com relação ao efeito translativo, particularmente para
matérias de ordem pública, quando analisado um caso concreto posto a
julgamento. Esse debate, porém, será amplamente explorado no capítulo
seguinte, em que se tratará especificamente dos limites da atuação da Corte no
julgamento dos recursos a ela direcionados (cf. item 5 abaixo).

196
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso
Extraordinário e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016, p. 401.
197
Tanto é assim que o mestre dá um conceito genérico de efeito devolutivo como aquele que
“consiste em transferir ao órgão ad quem o conhecimento da matéria julgada em grau inferior
de jurisdição” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 7ª
ed. Rio de Janeiro: Forense, vol. 5, 1995, p. 256).
198
“O exame das questões de ordem pública, ainda que não decididas pelo juízo a quo, fica
transferido ao tribunal destinatário do recurso de apelação por força do CPC 515, § 1º a 3º. Da
mesma forma, ficam transferidas para o tribunal ad quem as questões dispositivas que
deixaram de ser apreciadas pelo juízo de primeiro grau, nada obstante tenham sido suscitadas
e discutidas no processo” (NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2014, p. 461).
118

4.6. Efeito devolutivo

O efeito devolutivo dos recursos pode ser resumido, simploriamente,


naquele efeito que devolve ao órgão ad quem a análise dos fundamentos
julgados pela decisão recorrida e devidamente impugnados no recurso. É o
reflexo do brocardo tantum devolutum quantum appellatum, ou seja, devolve-se
ao tribunal a análise nos limites postos no recurso apresentado.
“Assim, por exemplo, se foi emitido um pronunciamento judicial em
capítulos (por exemplo, uma sentença que contém mais de uma decisão), o
recurso só devolve ao tribunal o conhecimento daqueles capítulos que tenham
sido expressamente impugnados (e o art. 1.002 é expresso em afirmar que o
recurso pode impugnar a decisão no todo ou em parte). Pense-se, e.g., em
uma sentença que tenha condenado o vencido a indenizar a parte vencedora
por danos morais. Pois se versar o recurso apenas sobre os danos morais, o
capítulo referente aos danos materiais não terá sido devolvido ao tribunal e, por
conseguinte, não poderá ser reapreciado (sobre ele, neste exemplo, já se
tendo formado a coisa julgada). E não é por outra razão que, no trato da
apelação, estabelece o art. 1.013, §1º, que o que dele consta se aplica ‘desde
que relativo ao capítulo impugnado”199.
Muito embora o efeito devolutivo tenha hodiernamente alcançado a
conceituação acima posta, essa linha muito se distingue daquilo que se tem
conhecimento como a origem da expressão. Esta, segundo discorre Alcides de
Mendonça Lima, teria surgido de épocas passadas, quando interposto um
recurso, o exame da matéria julgada era integralmente devolvido àquele que
tinha a competência originária para analisar a questão.
No passado, portanto, os soberanos eram quem tinham os poderes para
julgar as ações levadas ao Judiciário que, somente por delegação de poder,
eram analisadas pelos juízes, que agiam em nome e mando do soberano.
Logo, interposto o recurso, era o tema remetido ao soberano pessoalmente, já

199
CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2016, 2ª
ed., pp. 505/506. Com exemplo bastante semelhante, vale citar BONDIOLI, Luis Guilherme
Aidar. Dos Recursos. Arts. 994 a 1.044. In: Comentários ao Código de Processo Civil. Coord.
José Roberto F; Gouvêa. Luis Guilherme A. Bondioli e João Francisco N. da Fonseca. São
Paulo: Saraiva Jur. 2ª ed. 2017, pp. 24/25.
119

que era quem detinha, desde o início, a competência originária para julgar o
assunto. Daí viria a razão de devolver a matéria a ser julgada200.
Talvez por isso, inclusive, possa se afirmar que a expressão efeito
devolutivo não é 100% precisa, já que não se devolve à apreciação da matéria
à mesma pessoa, mas sim leva a sua análise a outro magistrado, de órgão
hierarquicamente superior, ou melhor, transfere ao órgão ad quem a análise201.
Não se pode deixar, porém, de registrar que se devolve a análise dos
fundamentos postos ao Poder Judiciário, de modo que não parece
completamente inadequada a expressão comumente utilizada.
Fechando-se os parêntesis sobre a origem da nomenclatura do efeito
ora exposto, é importante ressaltar que a doutrina costuma expor a existência
de dois vetores que compõem o efeito devolutivo, a profundidade e a extensão
ou, então, com nomes diferentes, mas mesmo racional, as dimensões
horizontal e vertical.
A extensão do efeito devolutivo é limitada pela parte recorrente e reflete
com precisão a conceituação no início deste capítulo. Explica-se: a extensão
da devolução ao órgão ad quem se restringirá ao quanto impugnado no
recurso, especificamente com relação aos capítulos tratados. Cumpre
mencionar que, em toda e qualquer situação, a limitação do efeito devolutivo é
feita efetivamente pelo pedido de nova decisão formulado no recurso, “daí a
razão pela qual o efeito devolutivo pressupõe sempre o ato de impugnação – a
interposição do recurso -, não se podendo falar em efeito devolutivo na
remessa necessária do CPC 475, mas sim de consequência análoga ao
denominado efeito translativo”202.
Após essa delimitação é que entraria o fator profundidade, pois dentro
dos limites estabelecidos no recurso, pode o Tribunal, por exemplo, analisar
outros temas suscitados no processo, ainda que não constantes
expressamente da decisão recorrida, ou mesmo por ela não julgados. Logo, “o
recurso abrange não somente as questões decididas na sentença, mas

200
LIMA, Alcides de Mendonça. Introdução aos recursos cíveis. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1976, p. 286.
201
LUCON, Paulo Henrique dos Santos, Art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil e recurso
especial (ordem pública e prequestionamento).
202
NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2014, p. 402.
120

também todas aquelas que poderiam ter sido (questões de ofício e aquelas
suscitadas e discutidas pelas partes, mas que deixaram de ser apreciadas pelo
órgão jurisdicional)”203.
Obviamente, porém, se o recurso é parcial, a devolução pela
profundidade se limita aos capítulos impugnados no recurso, não alcançando
aqueles pontos decididos, mas que não foram alvo do inconformismo da parte,
já que sobre eles se operou, efetivamente, a coisa julgada204.
É exatamente isso que reflete o art. 1.013 do Código de Processo Civil,
quando dispõe que “a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da
matéria impugnada”, continuando em seu § 1º, “serão, porém, objeto de
apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e
discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que
relativas ao capítulo impugnado”.
Quando se fala em recursos de fundamentação vinculada, por outro
lado, há uma limitação dos vetores do efeito devolutivo, que ficará restrito
exatamente à extensão e profundidade colocada no recurso, nada além disso.
É o caso dos recursos excepcionais, dentre eles o especial, objeto desse
trabalho. A razão para tanto é bastante simples: se a matéria não constou do
acórdão recorrido, ainda que debatida em 1º Grau, por exemplo, não terá sido
preenchido o requisito do prequestionamento. Matérias de fato, ou contratuais,
também não poderão ser analisadas pelo Superior Tribunal de Justiça, ainda

203
LUCON, Paulo Henrique dos Santos, Art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil e recurso
especial (ordem pública e prequestionamento), p. 5.
204
Vale citar elucidativo exemplo: “Exemplificamos para facilitar a compreensão desse
relevante ponto: se numa ação indenizatória o autor cumula pedidos de reparação de danos
morais e materiais e o juiz julga ambos improcedentes, cabe exclusivamente ao autor decidir
se deseja recorrer em relação ao dano moral, ao dano material ou a ambos. Aqui fica evidente
o vetor extensão, expressão do princípio dispositivo: o recurso pode ser total ou parcial, e essa
definição cabe ao recorrente. Delimitada a extensão do recurso, passa a incidir –
exclusivamente sobre a zona impugnada – o vetor profundidade, que exprime o princípio
inquisitório e, desse modo, independe de menção expressa nas razões do recurso, desde que
a matéria tenha sido discutida no juízo a quo, ainda que não tenha sido decidida (CPC, art.
516, art. 1.013, § 1º, do CPC). No exemplo proposto, supondo que o autor tenha apelado da
sentença exclusivamente em relação ao dano moral, o tribunal pode apreciar, no âmbito
delimitado pela extensão do recurso, as mais diversas questões agitadas no primeiro grau
como fundamentos do pedido ou da defesa, ainda que não constem da decisão recorrida ou
das razões de recurso. Não poderá, todavia, se pronunciar sobre quaisquer fundamentos
atinentes ao dano material, uma vez que este se encontra fora dos limites horizontais do
recurso, e assim já estará submetido ao efeito da preclusão” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim;
DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. Revista dos
Tribunais, 3ª ed., 2016, p. 389).
121

que prequestionadas, como já expostos no item 3.6 acima, quando se tratou


dos requisitos de admissibilidade do recurso especial.
Com exceção dos recursos que possuem a mencionada devolutividade
restrita, o efeito devolutivo encontrará limites também na vedação da reformatio
in pejus. Trata-se princípio que, em suma, proíbe que o julgamento do recurso
interposto coloque o recorrente em situação pior do que aquela em que estava
antes de sua interposição.
Isso tudo, inclusive, sem deixar de lado a relevante questão da
previsibilidade, o que foi bastante considerado na redação do atual Código de
Processo Civil. Diante disso, tem-se que afirmar que a parte tem o direito de
litigar em juízo com certo grau de previsibilidade acerca de sua situação. Por
exemplo, a própria restrição da análise pelo tribunal ao quanto objeto do
recurso (tantum devolutum quantum apellatum), pois não seria razoável para o
recorrente demonstrar seu inconformismo mediante recurso com um cenário
completamente incerto. Isto é, daquela situação, sair pior do que entrou, ou
seja, ter um resultado que lhe coloque em situação mais prejudicial do que
possuía se não tivesse recorrido.
Sobre esse ponto, vale relembrar a lição de Barbosa Moreira que, muito
embora dada enquanto discorria sobre a correlação entre o pedido e a
sentença, bem demonstrou a relevância da previsibilidade e da parte saber
exatamente a situação em juízo ou, em outras palavras, ter plena ciência de
qual a pior situação em que pode ser colocada em caso de derrota. Não se
pode ficar pior do que o acolhimento integral do pedido205; logo, também não
poderia ficar pior para o recorrente do que a simples manutenção da decisão
recorrida. O paralelo é fácil de se fazer.
É também nessa linha de raciocínio que se entende com relação à
limitação de análise das questões atinentes ao capítulo impugnado. Ora, se
apenas se recorreu da não fixação de indenização a título de danos morais,
não pode o tribunal negar provimento para afastar também a indenização

205
“(…) Significa que o resultado do processo não pode ser, para o réu, pior do que aquele que
decorrerá do acolhimento in totum do pedido. Essa é, creio eu, a razão fundamental da política
legislativa de toda essa sistemática: sempre a questão da previsibilidade. É preciso que o réu
possa prever quais as piores consequências concebíveis para ele no caso de derrota, a fim de
orientar-se, de tomar a decisão sobre a atitude que deve assumir em face da propositura da
ação” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Correlação entre o pedido e a sentença in Revista de
Processo, ano 21, n. 83, julho-setembro de 1996, p. 211).
122

material concedida em 1º Grau. Esta transitou em julgado se o réu não


recorreu.
E mais uma vez Barbosa Moreira é preciso: “com a ressalva já
formulada, a sentença citra petita, ultra petita ou extra petita é sempre, em
todas as hipóteses, uma sentença nula. Essa nulidade deve ser declarada de
ofício pelo órgão julgador da apelação, desde que a devolução tenha sido total.
O órgão julgador da apelação também tem de fazer a sua autocontenção. Não
pode pronunciar-se sobre coisa alguma que não esteja contida no efeito
devolutivo. Não se pode mexer naquilo que não foi objeto de recurso, ainda
que isso conduza a situações de contradição lógica. Se não houve recurso
contra uma parte da sentença, mas verificou-se que faltava um requisito de
validade do processo (por exemplo, o Ministério Público não foi chamado a
intervir quando o caso era de obrigatória intervenção), nem por isso se está
autorizado a anular a parte da sentença da qual não houve recurso. Essa já
transitou em julgado, e só com ação rescisória é possível atingi-la. Repito,
entretanto, que, desde que a devolução tenha sido total, é perfeitamente
possível ao tribunal, no julgamento do recurso, verificar de ofício e tirar daí as
consequências cabíveis, a existência de vício extra petita, ultra petita ou citra
petita”206.
Na prática, porém, as situações não se revelam tão simplórias, ainda
mais quando há certa contradição aparente, tendo em vista a essência da
questão de ordem pública ser a possibilidade de sua análise a qualquer tempo
e grau de jurisdição, antes do trânsito em julgado. Tais hipóteses são, também,
as exceções às regras acerca da limitação traçada pelos termos do recurso e a
própria reformatio in pejus, que geram as mais amplas discussões sobre os
limites do efeito devolutivo e da amplitude da atuação do Superior Tribunal de
Justiça. Estes pontos, porém, serão detidamente expostos e explorados no
capítulo que segue, de modo que se limitará nesse momento a ressaltar a
existência de exceções e controvérsias, que passam a ser tratadas no item 5
deste trabalho.
De todo modo, pode-se dizer, como regra geral, e como tal também
possui suas exceções, que o efeito devolutivo permite que se leve ao Poder

206
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Correlação entre o pedido e a sentença in Revista de
Processo, ano 21, n. 83, julho-setembro de 1996, pp. 214/215.
123

Judiciário novamente a análise de questões já apreciadas, usualmente por


órgão hierarquicamente inferior — com raras exceções, como os embargos de
declaração que permitem a verificação pelo mesmo órgão julgador —, além de
matérias que poderiam ser cognoscíveis de ofício (de ordem pública) ou que
estão postas nos autos, ainda que não tenham sido objeto de julgamento,
desde que, porém, sejam relativas aos capítulos efetivamente impugnados no
recurso.
Por fim, então, consigne-se que o efeito devolutivo está presente com
relação a todos os recursos existentes atualmente no sistema processual civil
brasileiro207, independente do grau de jurisdição.

207
“Para se caracterizar o efeito devolutivo, não há necessidade de que a matéria objeto do
recurso seja de mérito, sendo suficiente que a matéria impugnada seja submetida ao órgão ad
quem para novo julgamento. Os recursos têm a finalidade de provocar o reexame de decisões
em geral (embargos de declaração), de decisões interlocutórias (agravo), de sentenças
(apelação), de acórdãos (embargos infringentes, embargos de divergência, recurso especial,
recurso extraordinário, recurso ordinário). O efeito devolutivo existe, portanto, em todos os
recursos” (NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014, pp. 403/404). Muito embora o autor consigne no trecho destacado que a
matéria deva ser submetida ao órgão ad quem, em trecho pouco anterior em seu livro, faz
ressalva que parece ser mais assertiva: “A aptidão para provocar o reexame da decisão
impugnada por meio do recurso já é suficiente para caracterizar o efeito devolutivo do recurso.
Não há necessidade de que o órgão destinatário seja diverso daquele que proferiu o ato
impugnado. Assim, mesmo os embargos de declaração e os embargos infringentes da LEF 34,
dirigidos ao mesmo órgão de onde proveio a decisão recorrida, têm efeito devolutivo, que é
comum e existe em todos os recursos no sistema processual brasileiro, seja o da CF, do CPC
ou, ainda, o de leis processuais extravagantes” (ob. cit., p. 403).
124

5. A EXTENSÃO DO EFEITO DEVOLUTIVO DO RECURSO


ESPECIAL

Muito se tratou ao longo deste trabalho sobre a função que deve ser
exercida pelo Superior Tribunal de Justiça na qualidade de Corte que deve
zelar pela higidez e aplicação das leis pelos Tribunais Estaduais e Regionais
Federais, sempre atuando de modo a orientar a melhor forma de interpretação
da legislação federal infraconstitucional.
Já se abordou, também, a conceituação dos efeitos inerentes ao recurso
especial, inclusive o próprio devolutivo e o translativo, este que, de certa forma,
também permite ao Tribunal Superior a análise de determinadas questões em
sede de recurso especial.
É nesse momento, porém, que serão abordadas especificamente
questões que se entendem como polêmicas, ao se traçar, ou ao menos se
imaginar, os limites da atuação do Superior Tribunal de Justiça no caso
concreto posto a julgamento.

5.1. Premissa inicial: fracionamento da atuação do STJ

Inicialmente, é importante deixar absolutamente claro, porque importante


para a análise da extensão do julgamento, que a atuação dos Tribunais
Superiores em sede de recurso excepcional a eles direcionados pode se dar
em três momentos distintos: (i) no juízo de admissibilidade; (ii) no juízo de
cassação; e (iii) no juízo de rejulgamento, ou de revisão.
O primeiro deles se dá na revisão da análise do juízo de admissibilidade
do recurso interposto, seja revendo o juízo de admissibilidade positivo de
recurso especial; seja em sede de agravo de despacho denegatório para,
conforme o caso, rever, ou manter, a decisão que não admitiu o especial
interposto pela parte interessada. Nesse momento, o Ministro deverá se
restringir à verificação acerca da presença dos requisitos de admissibilidade no
recurso interposto, admitindo-o ou não. Insista-se, então, que “no juízo de
admissibilidade, fica o Tribunal Superior adstrito a verificar se estão ou não
presentes os requisitos de admissibilidade do recurso especial ou
125

extraordinário. Na falta de algum deles, o Tribunal não conhecerá do


recurso”208. Obviamente, o Superior Tribunal de Justiça não possui qualquer
vinculação à analise feita pelo órgão a quo, devendo, porém, em qualquer
hipótese, fundamentar a sua decisão209.
É importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal já fez questão de
abordar expressamente a distinção entre juízo de admissibilidade e juízo de
mérito dos recursos excepcionais, desvinculando completamente a primeira
análise da probabilidade de êxito do recurso ou de efetivamente existir uma
violação legal ou constitucional. O entendimento é irrepreensível: “Alteração da
tradicional orientação jurisprudencial do STF, segundo a qual só se conhece do
RE se for para dar-lhe provimento: distinção necessária entre juízo de
admissibilidade do RE — para o qual é suficiente que o recorrente alegue
adequadamente a contrariedade pelo acórdão recorrido de dispositivos da
Constituição nele prequestionados — e o juízo de mérito, que envolve a
verificação da compatibilidade ou não entre a decisão recorrida e a
Constituição, ainda que sob prisma diverso daquele em que se hajam baseado
o Tribunal a quo e o recurso extraordinário”210.
O juízo de cassação, por sua vez, muito comum em países da Europa,
vem em momento seguinte ao da análise da admissibilidade e permite a
cassação do acórdão recorrido — ou da decisão recorrida — para que outro
seja em seu lugar proferido. Muito embora a atuação do Superior Tribunal de

208
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso
Extraordinário e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016, p. 403.
209
“Seja na admissibilidade do recurso extraordinário, seja na admissibilidade do recurso
especial, é vedado o não conhecimento do recurso com base em fundamento genérico.
Embora o art. 1.029, § 2º, tenha sido revogado, permanece semelhante vedação. Trata-se de
solução decorrente do direito ao contraditório com direito de influência e do dever de
fundamentação como dever de debate (arts. 93, IX, CF e 7º, 9º, 10, 11 e 489, §§ 1º e 2º, CPC).
Assim, note-se que não é apenas no caso de recurso especial fundado em dissídio
jurisprudencial que existe vedação à inadmissibilidade genérica. Em todo e qualquer caso de
interposição de recurso extraordinário ou de recurso especial, a admissibilidade deve ser
examinada levando em consideração as peculiaridades do caso. Se, porém, o recorrente
alegar violação à Constituição ou à legislação federal apoiando-se em precedentes
constitucionais ou precedentes federais, a vedação à inadmissibilidade genérica ganha
contornos ainda mais precisos: nessa hipótese, a proibição de não conhecimento genérico
significa que o órgão jurisdicional tem o dever de examinar as circunstâncias fático-jurídicas do
caso para demonstrar a existência de distinção que impede o conhecimento do recurso. Trata-
se de decorrência dos arts. 93, IX, CF e 7, 9, 10, 11 e 489 § 1, CPC, do qual o art. 1.029, § 2º,
CPC, constituía simples explicitação” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz;
MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, pp.
564/565).
210
STF, Pleno, RE 298.695/SP, rel. Min, Sepúlveda Pertence, j. 06.08.2003. No exato mesmo
sentido o RE 298.694/SP, de mesma relatoria, j. 10.5.01.
126

Justiça possa se encerrar no juízo de cassação, o que acontece em algumas


específicas situações no direito brasileiro, não é a regra e nem a previsão legal.
Aqui, uma vez admitido o recurso, cassar-se-á o acórdão recorrido para que o
mérito impugnado seja julgado. Às vezes, porém, a consequência do
provimento do especial pode se limitar à cassação da decisão recorrida, como
pode acontecer no caso de reconhecimento da existência de violação ao art.
1.022 do Código de Processo Civil, determinando-se a remessa ao Tribunal a
quo para que analise determinado fundamento levantado pela parte 211. Seria a
hipótese, também, de se reconhecer cerceamento de defesa e determinar a
devolução dos autos para produção da prova requerida pelo interessado. A
decisão recorrida, nestes casos, seria exclusivamente cassada, não apenas
reformada.
É possível, nessa linha, muito embora a doutrina consagre não existir,
no Brasil, tribunal de cassação — o que de fato é verdadeiro, já que inexiste
Corte com esse intuito único —, afirmar que “o recurso extraordinário (e
também o especial) destina-se tanto a invalidar o julgamento impugnado como,
se necessário, rejulgar a causa. Vale dizer: entre nós, o Supremo Tribunal
Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm poder tanto de cassação como de
revisão do julgamento da causa”212.
O que acontece no Brasil, nesse sentido, é que o juízo de cassação
ocorre a partir do mesmo recurso que o juízo de revisão (rejulgamento), ainda
que não necessariamente no mesmo momento e, também, ainda que não se
possa sempre segregar detidamente os dois juízos, muitas vezes feitos em um
mesmo acórdão ou até em uma mesma decisão monocrática. Impugna-se a
decisão, seja com o intuito de cassar, seja de revisar, ou, ainda, de um e
subsidiariamente o outro, de modo que, admitido o recurso, será ele, assim
como seus fundamentos, julgados como um todo pelo Tribunal Superior.
Exatamente por tal razão, ou seja, após a cassação adentrar-se ao juízo de

211
Essa prática era bastante usual na vigência do Código de Processo Civil de 1973, mas
ainda não se sabe se será mantida com o atual diploma, que prevê o julgamento do recurso
imediatamente após a sua admissão (art. 1.034).
212
THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I, Ed. 52ª. Rio de
Janeiro: Forense, 2011, pp. 670 e 674.
127

revisão, que se diz no Brasil não existir, propriamente dito, um Tribunal de


cassação, ou melhor, que tenha essa exclusiva função213.
Assim, “não há no processo civil brasileiro, como existe em outros
países, recurso de cassação, onde o tribunal superior cassa o acórdão do
tribunal inferior e lhe devolve os autos para que seja proferida nova decisão
(juízo de cassação separado do de revisão). Os nossos recursos
constitucionais têm aptidão para modificar o acórdão recorrido. O provimento,
tanto do recurso especial quanto do extraordinário, tem como consequência
fazer com que o STF ou o STJ reforme ou anule o acórdão recorrido”214.
É exatamente isso que está refletido no art. 1.034 do Código de
Processo Civil: “admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, o
Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça julgará o processo,
aplicando o direito”. Tal redação não passa de adaptação da Súmula 456 do
Supremo Tribunal Federal, que assim dispõe: “O Supremo Tribunal Federal,
conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa aplicando o direito à
espécie”, deixando agora expressa a sua aplicação, na prática já corrente, ao
recurso especial215.

213
“Há basicamente dois modelos, diferenciados pela função, de cortes de superposição no
mundo: as que cassam e substituem (chamadas de cortes de revisão) e as que cassam sem
substituir (daí, meras cortes de cassação). As primeiras enunciam a tese jurídica correta e, no
julgamento da causa, aplicam-na elas próprias ao caso concreto. As cortes de cassação, por
sua vez, após fixarem a solução jurídica a prevalecer no caso, devolvem os autos à instância
de origem ou os remetem a outro órgão judiciário de mesma hierarquia que a sua, para que a
tese fixada seja aplicada concretamente. No Brasil, como já dito, a Constituição Federal
determina a natureza de corte de revisão do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal
de Justiça, na medida em que prevê o julgamento da causa, em recurso extraordinário (art.
102, inc. III) e especial (art. 105, inc. III). Por isso, a princípio, se o tribunal de superposição
conhece e dá provimento a um recurso, ele deve (a) anular a decisão impugnada e remeter o
caso para a instância de origem, se verificar vício de inobservância de exigência processual
(erro in procedendo; vício de atividade); ou (b) julgar a causa, substituindo o acórdão recorrido,
se corrigir erro relativo a norma de direito material (erro in iudicando, vício de juízo”. FONSECA,
João Francisco Naves da. A profundidade do efeito devolutivo nos recursos extraordinário e
especial in Processo nos Tribunais e Meios de Impugnação às Decisões Judiciais, Coord.
Fredie Didier Jr. Salvador: JusPodivm. 2ª ed., livro 6, 2016, p. 1.011.
214
NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2014, p. 422.
215
Há quem defenda ser, inclusive, desnecessária a previsão do art. 1.034 de que o Superior
Tribunal de Justiça aplicará o direito à espécie, já que é isso que ele, invariavelmente, fará ao
julgar o mérito do recurso: “O art. 1.034 fala apenas em admissão do recurso, sem declarar,
por desnecessário, os modos pelos quais se afirma a admissão. Ao juízo positivo de
admissibilidade segue-se o julgamento do mérito do recurso, que pode constituir, não apenas a
reforma da decisão recorrida como ainda a anulação dela com a ordem de que outra se profira.
É dispensável a gerundial ‘aplicando o direito’ por que isto sempre fará a corte ao julgar o
recurso” (BERMUDES, Sergio. CPC de 2015 Inovações, vol. 1. Rio de Janeiro: GZ Editora,
2016).
128

Desse modo, o fluxo216 de um recurso especial já no Superior Tribunal


de Justiça é previamente determinado e conhecido. Logo, se positivo o juízo de
admissibilidade, passar-se-á à análise do mérito do recurso. Obviamente, a
admissão do recurso não significa, e nem implica, em seu acolhimento
posterior, já que esse primeiro juízo se restringe, exclusivamente, à presença
dos requisitos necessários para processamento do inconformismo na
competente Corte Superior.
Admitido o recurso, se a ele for negado provimento, resta mantida
incólume a decisão recorrida. Se, por outro lado, for provido o recurso, ele pode
o ser, única e tão somente, para ser anulada (cassada) a decisão do recurso,
para que outra seja proferida em seu lugar. É possível, portanto, que em certas
hipóteses a atuação do Tribunal Superior cesse após a cassação do acórdão
recorrido.
Usualmente, porém, mais relevante agora com a disposição do art.
1.034 do Código de Processo Civil, uma vez cassada a decisão recorrida, já se
inicia o juízo de revisão, no qual o Superior Tribunal de Justiça rejulgará a
lide217. É no juízo de revisão que a Corte irá efetivamente analisar o mérito do
recurso posto, dando a ele, se o caso, provimento para reformar a decisão
recorrida. Para se chegar ao juízo de revisão, no entanto, sempre se passará
previamente pela cassação da decisão recorrida, assim entendido o seu
afastamento para que nenhum outro efeito mais produza.
Essa distinção dos momentos de atuação do Superior Tribunal de
Justiça no julgamento de um recurso especial a ele direcionado é bastante
relevante, pois distingue a amplitude e a forma que deve a Corte agir nos
216
O Supremo Tribunal Federal bem abordou o assunto, obviamente não quanto ao recurso
especial, mas em entendimento que a ele se encaixa com perfeição: “o julgamento do recurso
extraordinário comporta, a rigor, três etapas sucessivas, cada uma delas subordinada à
superação positiva da que lhe antecede: (a) a do juízo de admissibilidade, semelhante à dos
ordinários; (b) a do juízo sobre a alegação de ofensa a direito constitucional (que na
terminologia da Súmula 456 do STF também compõe o juízo de conhecimento); e, finalmente,
se for o caso, (c) a do julgamento da causa, ‘aplicando o direito à espécie’ (STF, AgRg no EDcl
em RE 346.736/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, 2ª T., j. 04.06.13).
217
“(…) O juízo de cassação é o juízo de censura que sofre a decisão ou acórdão impugnado
quando, por exemplo, negar vigência a dispositivo constitucional ou de lei federal. O
provimento do RE ou do REsp, no que tange a esse juízo de cassação, implica a rescisão da
decisão inconstitucional ou ilegal. No entanto, esses recursos têm, também, o juízo de revisão,
que se constitui no segundo momento do julgamento do RE e do REsp, ou seja, na
consequência do provimento dos recursos excepcionais. Provido o recurso com a cassação da
decisão ou acórdão, é necessário que o STF ou STJ passem a julgar a lide em toda a sua
inteireza (revisão).” (NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2014, pp. 422/423)
129

limites do exercício de sua atividade em cada uma das hipóteses, como se


passa a explorar.

5.2. Extensão da atuação conforme o juízo realizado

Ao longo do presente trabalho foi possível notar que não há o objetivo de


prestigiar tal ou qual doutrinador, mas sim trazer importantes citações e
opiniões que contribuam com o debate e com os elementos que são aqui
expostos sobre o Superior Tribunal de Justiça e o recurso especial.
Com relação ao tema de recursos e efeito devolutivo, porém, não se
pode deixar de fazer diversas menções ao Professor Nelson Nery, um dos
maiores expoentes da atualidade sobre o tema de recursos. Especificamente
com relação ao efeito devolutivo, o posicionamento do Professor chama
atenção e gera constantes debates, o que justifica a sua menção específica
nesse momento, com as respostas, em concordância ou não, aos pontos
elencado e explorados no capitulo que seguirá a este.
Para o autor, então, em sede de recurso especial, as limitações formais
já tratadas nesse trabalho, como requisitos para cabimento, são todas
exclusivamente analisadas em um primeiro juízo do recurso interposto. Isto é, o
cabimento, prequestionamento, matérias de fatos e provas, enfim, todo e
qualquer requisito ou óbice ao processamento do recurso deve ser verificado
no juízo de admissibilidade.
Admitido o recurso, as restrições permanecerão no juízo de cassação,
isto é, quando o Superior Tribunal de Justiça verificará se houve, pelo Tribunal
a quo uma violação legal, tal como manda a Constituição Federal para o seu
efetivo cabimento. Se, porém, se atestar pela afronta à lei e prover o especial
para cassar o acórdão recorrido, inicia-se, nos termos do autor, o juízo de
revisão, momento em que as limitações formais da Corte serão esvaziadas e
deixarão de incidir218. É nessa linha que o autor afirma, em diversas

218
“(…) É verdade que somente as quaestiones iuris é que podem ser objeto de RE e REsp, ou
seja, podem se constituir no mérito desses recursos. Daí o acerto do STF 279 e do STJ 7, que
proíbem a interposição de RE e do REsp para simples reexame da prova. Essa matéria –
exame da prova – não pode ser objeto do juízo de cassação dos recursos excepcionais. O
juízo de cassação é o juízo de censura que sofre a decisão ou acórdão impugnado quando, por
exemplo, negar vigência a dispositivo constitucional ou de lei federal. O provimento do RE ou
REsp, no que tange a esse juízo de cassação, implica a rescisão da decisão inconstitucional ou
130

oportunidades, que, superadas a admissibilidade e cassado o acórdão, o


Superior Tribunal de Justiça julgará a lide em toda a sua inteireza.
O entendimento, muito embora trabalhado e publicado na vigência do
Código de Processo Civil de 1973, se mantém com o atual diploma, em
especial pela disposição do art. 1.034 da sistemática vigente, já que para o
autor “aplicar o direito à espécie é exatamente julgar a causa, examinando
amplamente todas as questões suscitadas e discutidas nos autos, inclusive as
de ordem pública que não tiverem sido examinadas pelas instâncias ordinárias.
É que, removido o óbice constitucional da causa decidida (CF 102 III e 105 III),
o que só se exige para o juízo de cassação dos RE e REsp, o STF e o STJ
ficam livres para, amplamente, rever a causa”219.
Em outras palavras, a partir do entendimento ora reproduzido, o Superior
Tribunal de Justiça, uma vez admitido e provido o recurso especial para afastar
o acórdão recorrido, atuaria como uma nova instância, com portas abertas para
analisar a causa como um todo, com competência recursal ampla, incidindo a
ele a teoria geral dos recursos, já que superadas as formalidades do especial,
recurso de fundamentação vinculada e extremamente formal.
O próprio autor afirma que “na segunda fase do julgamento, vale dizer,
no juízo de revisão, os tribunais superiores passam a ter a mesma competência
dos tribunais de apelação (TJ e TRF), podendo rejulgar a causa inclusive com
reexame de prova, do direito local (estadual e municipal). No juízo de revisão
incide o regime jurídico da teoria geral dos recursos como um todo, inclusive
com a incidência do efeito translativo: exame pelo STF e STJ, ex officio, das
matérias de ordem pública”220.
Entendimento nesse sentido era a rotina do Supremo Tribunal Federal
nas décadas de 1960 e 1970, entretanto, talvez inclusive pelo excesso de
trabalho e a consequente crise do Supremo, isto foi gradativamente modificado.
Há, entretanto, dois julgamentos bastante relevantes sobre a discussão do

ilegal. No entanto, esses recursos têm, também, o juízo de revisão, que se constitui no
segundo momento do julgamento do RE e do REsp, ou seja, na consequência do provimento
dos recursos excepcionais. Provido o recurso com a cassação da decisão ou acórdão, é
necessário que o STF ou STJ passem a julgar a lide em toda a sua inteireza (revisão).” (NERY
JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pp.
422/423 – destaques no original).
219
Ob. Cit., p. 423.
220
Ob. Cit., p. 466.
131

tema. São os já mencionados recursos extraordinários 298.694 e 298.695, de


relatoria do Min, Sepúlveda Pertence.
Na oportunidade, o Ministro Relator insistiu no posicionamento de que,
“mesmo no RE, a, ao Supremo Tribunal é dado manter o dispositivo do
acórdão recorrido, ainda que por fundamento diverso daquele que o tenha
lastreado”. Ou seja, para ele, o Supremo Tribunal Federal poderia atuar
amplamente no juízo de revisão, mantendo ou reformando acórdão ainda que
por fundamento que dele, e nem do recurso, constasse221. A atuação da Corte,
portanto, seria bastante ampla.
O Ministro Moreira Alves, em uma das últimas sessões antes de sua
aposentadoria, levantou questão de ordem exatamente acerca da possibilidade
da atuação do Supremo com tanta extensão. Foi então que consignou, na sua
visão, que “o recurso extraordinário se destina a julgar a tese jurídica do
acórdão recorrido. Por isso, se o acórdão recorrido não ataca-la, mas versar
sobre outra tese jurídica, não pode ele ser conhecido e provido (pela letra ‘a’ do
inciso III do artigo 102 da Constituição, o conhecimento do recurso implica
necessariamente o seu provimento) por falta de prequestionamento dessa
questão; o acórdão recorrido, porém, se basear numa tese jurídica (assim, por
exemplo, na existência de direito adquirido) e o recurso extraordinário nessa
mesma letra ‘a’ ataca-la indicando o dispositivo constitucional do direito
adquirido como tendo sido mal aplicado, terá ele de ser julgado com base
nessa questão (existir, ou não, direito adquirido) e não com base em outra
questão (como a irredutibilidade de vencimentos) que não foi versada nem no
acórdão nem no recurso extraordinário”.

221
“A solução contrária, data máxima vênia, implicaria impor ao Tribunal – ao qual se confiou,
‘precipuamente, a guarda da Constituição’ (CF, art. 102) – constrangimento ao qual não se
submetem outras instâncias. Basta pensar no caso do Superior Tribunal de Justiça, como
recordei ao indicar o adiamento desta decisão. Com efeito, não cabe àquela alta Corte superior
julgar o recurso fundado na arguição de inconstitucionalidade de lei. Não obstante, no
julgamento do recurso especial por contrariedade à lei federal, se o STJ, malgrado o
reconhecimento de sua violação, entender que a norma ordinária é incompatível com a
Constituição, ninguém lhe contesta a autoridade para declarar incidentemente a
inconstitucionalidade da lei invocada e, por isso, manter a decisão recorrida. Constituiria
paradoxo verdadeiramente ‘Kafkaniano’ que, diferentemente, ao STF – guarda da Constituição
– não fosse dado, no julgamento do RE, declarar que a lei questionada é, sim, inconstitucional,
embora por fundamento diverso do acolhido pelo acórdão recorrido, e, em consequência,
estivesse vinculado a aplicar a norma legal que considera incompatível com a Carta Magna”
(STF, Pleno, RE 298.695/SP, rel. Min, Sepúlveda Pertence, j. 06.08.2003 – destaques no
original).
132

O assunto gerou discussões e controvérsias, mas o voto do Relator


acabou prevalecendo, com a possibilidade de se julgar o recurso extraordinário
com base em fundamento distinto daqueles constantes do acórdão e objeto
precisamente do recurso extraordinário. Tal julgamento quase significou uma
reviravolta no entendimento do Supremo, retornando para as décadas de 60 e
70. Isto, porém, não chegou a se concretizar, mantendo-se a alteração que já
havia se consolidado, no sentido de se limitar a atuação da Corte Suprema,
ainda que no juízo de revisão, aos contornos da lide dados pelo acórdão
recorrido e pelo extraordinário interposto pelo interessado.
Assim, rendendo as merecidas homenagens, esse trabalho não se
alinha ao nível de amplitude da atuação das Cortes altas do país,
especialmente do Superior Tribunal de Justiça considerado pelo Prof. Nelson
Nery e nos recursos acima mencionados em julgamento do Supremo Tribunal
Federal, cuja competência específica continuará a ter certas limitações,
inclusive no chamado juízo de revisão, sob pena de se ter uma grave violação
da segurança jurídica e permitir que as Cortes, efetivamente, selecionem aquilo
que queiram julgar e se tornem, em tais casos, uma verdadeira terceira
instância revisora.
Nos subitens que se seguem serão expostos detalhadamente os temas
e os fundamentos ora debatidos, justificando-se as posições que são adotadas
nesse trabalho, explicando-se detidamente as razões de eventuais
discordâncias com as ilustres lições que ora foram reproduzidas, em especial
para justificar um posicionamento intermediário que aqui se adota, no sentido
de permitir ao Superior Tribunal de Justiça, no juízo de revisão, rejulgar a
causa levada a ele, a partir das delimitações postas pelo recurso interposto e
pelo acórdão recorrido.

5.3. Capítulos da decisão judicial

O art. 1.034 do Código de Processo Civil é muito claro ao dispor que,


uma vez admitido o recurso especial, deverá o Superior Tribunal de Justiça,
“julgar o processo, aplicando o direito”. Logo em seguida, em seu parágrafo
único, consigna que “admitido o recurso especial por um fundamento, devolve-
133

se ao tribunal o conhecimento dos demais fundamentos para a solução do


capítulo impugnado”.
Há, aqui, duas questões que merecem ser tratadas: (i) a devolução da
análise dos demais fundamentos de defesa; e (ii) a sua restrição ao capítulo
impugnado. A mera leitura da letra da lei dá margem para dúvidas e é
importante traçar os conceitos que, ao menos para o autor do trabalho,
parecem ser aqueles que refletem a melhor interpretação da norma.
A conceituação parte do princípio básico e geral dos recursos, no
sentido de que as suas razões é que delimitam a análise do órgão ad quem, de
modo que a ele é devolvido o que se impugnou no recurso interposto. Seria a
ilustração do princípio do quantum devolutum quantum apellatum.
Nesse momento do trabalho, porém, sabe-se que tal limitação não é
absoluta e a própria interposição do recurso gera outras várias consequências.
Dentre elas, para fins de compreensão da disposição do art. 1.034, deve-se
focar naquilo que a doutrina explora como reflexos do efeito devolutivo, isto é, a
sua extensão e sua profundidade, sendo que esta “só se verifica depois de
delimitada a extensão da incidência da devolução, não sendo lícito ao juízo ad
quem examinar questões discutidas e não decididas sobre capítulo da
sentença que não foi impugnado”222.
Isso se reflete, como comenta a autora da obra cujo trecho se
transcreveu, no próprio art. 1.013, ao dispor “que a apelação devolverá ao
tribunal o conhecimento da matéria impugnada (dimensão horizontal do efeito
devolutivo), sendo objeto de apreciação também as questões suscitadas e
discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que
relativas ao capítulo impugnado. Nesta parte final, vê-se com nitidez que a
dimensão horizontal delimita o âmbito de extensão da profundidade do efeito
devolutivo”223.
A melhor forma de se explicar o conceito, porém, ainda é por meio de
exemplos. Imagine-se que A moveu uma ação contra B pleiteando
indenizações material e moral, mas teve ambos os pedidos julgados
improcedentes. Ao recorrer, porém, A não tinha mais interesse nos irrisórios

222
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso
Extraordinário e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016, p. 388.
223
Ob. Cit., p. 388/389
134

danos materiais e impugnou tão somente a rejeição da indenização moral, já


que se sentiu por demais ofendido. Ao fazer essa limitação, está A restringindo
a atuação do órgão ad quem aos danos morais (extensão do efeito devolutivo)
e afastando, portanto, qualquer discussão sobre os danos materiais.
Para fundamentar a indenização moral, A havia exposto em sua inicial
que B teria ofendido a sua honra e maculado a sua imagem. São dois
fundamentos distintos e independentes, mas ao recorrer, A optou apenas por
desenvolver o prejuízo à sua imagem, deixando de lado a honra, já que com
ela não estava mais tão preocupado. O órgão ad quem, então, ao analisar os
danos morais, terá a prerrogativa de verificar todos os fundamentos — tanto de
defesa, como da parte autora — com relação à configuração, ou não dos danos
morais. Logo, A pode receber dano moral se o Tribunal entender que houve
ofensa à sua honra, ainda que em seu recurso não tenha explorado este ponto.
Não poderá o Tribunal, por outro lado, abordar questões relacionadas aos
danos materiais224, já que com relação a essa questão houve o trânsito em
julgado.
Logo, quando o parágrafo único do art. 1.034 menciona que haverá a
devolução nos limites do capítulo impugnado, está a norma refletindo a
extensão do efeito devolutivo. Quando, no caput do dispositivo se fala em
devolução dos demais fundamentos, está-se refletindo a profundidade do efeito
devolutivo, sempre limitada à extensão alcançada pela limitação apresentada
pelo próprio recorrente225, tal como exposto no presente capítulo.
Nesse sentido, portanto, a interposição do recurso especial, quando
admitido pelo Superior Tribunal de Justiça, permitirá a ele a análise dos
fundamentos que envolvem o capítulo impugnado, ainda que não constem
expressamente do recurso interposto ou da decisão recorrida, mas nada

224
“(…) supondo que o autor tenha apelado da sentença exclusivamente em relação ao dano
moral, o tribunal pode apreciar, no âmbito delimitado peal extensão do recurso, as mais
diversas questões agitadas no primeiro grau como fundamentos do pedido ou da defesa, ainda
que não constem da decisão recorrida ou das razões de recurso. Não poderá, todavia, se
pronunciar sobre quaisquer fundamentos atinentes ao dano material, uma vez que este se
encontra fora dos limites horizontais do recurso, e assim já estará submetido ao efeito da
preclusão” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso
Extraordinário e Ação Rescisória. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2016, p 389).
225
Com exceção das matérias de ordem pública, como será abaixo exaustivamente tratado.
135

deverá analisar sobre capítulos não impugnados, sob risco de se extrapolar os


limites da extensão delimitada no especial interposto.
Isto porque a opção do recorrente de interpor recurso apenas contra
uma parte da decisão recorrida (um capítulo), equivale à sua renúncia com
relação ao restante de sua pretensão, rejeitada naquele momento. Afinal, “se a
parte podia renunciar ao direito fora do âmbito judicial, não há razão para supor
que ela deixe de poder fazê-lo também em juízo”226.
Mais do que isso, o Código de Processo Civil buscou permitir à Corte
Superior que, ao analisar os fundamentos de defesa, ou mesmo as diversas
causas de pedir, julgue o processo de uma boa vez, eliminando-se idas e
vindas. Isto é, se afastado um fundamento de defesa ou uma causa de pedir,
mas existam outras a ser analisadas, o Superior Tribunal de Justiça pode de
pronto elas julgar, não tendo que devolver os autos ao Tribunal a quo para
assim fazê-lo, com consequente e posterior interposição de novo especial227.
Abram-se parêntesis para ressaltar que se retirou uma etapa do
procedimento, acelerando o término do processo, ainda que eventualmente
possa se ter diminuído a segurança jurídica, haja vista ser a Corte Superior a
única que, eventualmente, analisará o assunto. Há, todavia, que se achar um
meio termo razoável entre a segurança jurídica e a celeridade processual, que
nos parece ter sido o objetivo do legislador na hipótese. Resta verificar, na
prática, se ele será alcançado228.

226
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Correlação entre o pedido e a sentença in Revista de
Processo, ano 21, n. 83, julho-setembro de 1996, p. 208.
227
“Permite-se, no CPC atual, que o próprio Tribunal Superior decida as demais causas de
pedir. Assim como se permite expressamente que se analise eventual outro fundamento de
defesa. Portanto, se o réu alega pagamento e prescrição, em ação em que lhe é cobrada
determinada quantia, e o juiz acolhe o pagamento, julgando improcedente a ação, e o Tribunal
de segundo grau confirma integralmente esta sentença, sem analisar o outro fundamento da
defesa, o Tribunal Superior pode, para suprir a falha do segundo grau, segundo o CPC
projetado, afastado o pagamento, conhecer da prescrição.” (OLIVEIRA, Pedro Miranda de.
Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil, coord. Teresa Arruda Alvim Wambier,
Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini e Bruno Dantas. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016, p. 2.568).
228
“Fala-se que o tempo é a dimensão fundamental da vida humana, desempenhando no
processo idêntico papel. Sendo o processo uma entidade da vida social, a demora em sua
conclusão corre em detrimento da própria eficácia do direito material que visa proteger. Na
verdade, a tutela jurisdicional dos direitos e interesses legítimos não é útil senão quando obtida
em espaço razoavelmente rápido de tempo, sendo por isso indiscutível que a lentidão do
aparelho judiciário provoca o que se tem chamado de fenômeno da compressão dos direitos
fundamentais do cidadão. O fato tempo sobressai como elemento determinante para garantir e
realizar o acesso à justiça.” (MELO, Gustavo de Medeiros, O acesso adequado à justiça na
perspectiva do justo processo, in Processo e Constituição, Estudos em Homenagem ao
136

Fechando-se os parêntesis, conclui-se que a interposição de recurso


especial devolve ao Supremo Tribunal Federal apenas a análise do capítulo
impugnado no recurso, em toda a sua profundidade, isto é, com todos os
fundamentos dele inerentes e as causas de pedir a ele referentes, ocorrendo o
trânsito em julgado com relação aos demais capítulos, não impugnados, cuja
execução poderá ser definitiva, inclusive por analogia ao que prevê o art. 356,
§§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil229.
Inclusive, a conceituação de trânsito em julgado dada pela melhor
doutrina italiana bem ilustra o quanto exposto: “Allo scopo di porre fine alle liti e
di dare certeza ai diritti, il legislatore ha fissato un momento in cui è ineterdetta
ogni nuova pronuncia su ciò che fu giudicato. Giunto il processo a quel punto,
non solo la sentenza non è più impugnabile in via ordinaria ma la decisione è
vincolante per le parti e per l’ordinamento e nessun giudice può novamente
giudicare lo stesso oggetto nei confronti dele stesse parti (…)”230.

5.4. Questões de ordem pública

É mais do que sabido que as questões de ordem pública podem ser


analisadas em sede recursal, independente de seu questionamento pela parte
interessada, haja vista o seu caráter, que lhes assegura serem apreciáveis de
ofício. O racional desse entendimento reside no interesse coletivo (público) de
que a questão seja efetivamente analisada, o que deveria prevalecer sobre o
interesse das partes, permitindo então que haja julgamento e acolhimento, se o
caso, independente de sua impugnação ou levantamento por algum dos
litigantes. Logo, sobre essas matérias específicas, basicamente pressupostos
processuais e condições da ação, não se operaria a preclusão231.

Professor José Carlos Barbosa Moreira, coordenado por Luiz Fux, Nelson Nery Jr. e Teresa
Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 691).
229
Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados
ou parcela deles: (…) § 2º. A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação
reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independente de caução, ainda que
haja recurso contra essa interposto. § 3º. Na hipótese do § 2º, se houver trânsito em julgado da
decisão, a execução será definitiva”.
230
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile. Sexta Edizione. Milano: Goiffrè
Editore, 2002, p. 265.
231
Como é sabido e ressabido, as matérias de ordem pública podem e devem ser conhecidas
ex officio pelo órgão jurisdicional, não se operando a preclusão (CPC, art. 301, § 4º e art. 303,
137

Assim, de um modo geral, “o efeito devolutivo da apelação sempre


devolveria ao órgão ad quem a matéria impugnada, no mínimo, por força do
princípio dispositivo (ou demanda), e, igualmente, as questões que, ocorra
controvérsia ou não, ao juiz seja dado conhecer de ofício, por força do princípio
inquisitório”232.
No que toca à apelação, o assunto é, de fato, menos controverso. As
discussões ficam mais acaloradas quando se está diante de recurso especial,
cuja fundamentação é vinculada e que possui diversos requisitos de
admissibilidade. Nessa linha, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça, muito
embora alterando entendimento anterior que prevalecia há anos233, consolidou
sua jurisprudência no sentido de que “para a abertura da instância especial, é
necessário o cumprimento do requisito do prequestionamento das matérias de
ordem pública”234.
O tema foi objeto do Informativo de Jurisprudência n. 329 (27 a 30 de
agosto de 2007) que assim expôs: “Não obstante, ainda que se trate de
questão chamada de ‘ordem pública, isto é, nulidade absoluta – passível,
segundo respeitável doutrina, de conhecimento a qualquer tempo, em qualquer
grau de jurisdição -, este Superior Tribunal de Justiça já cristalizou seu
entendimento pela impossibilidade de se conhecer de matéria de ofício, quando
inexistente o necessário prequestionamento”.

inc. II). O fenômeno da preclusão nada mais é que (i) um acontecimento ou, simplesmente, um
fato ‘resultado de outro (inércia durante o tempo útil destinado ao desempenho de certa
atividade)’ – preclusão temporal; ou (ii) a ‘consequência de determinado fato que, por ter sido
praticado na ocasião oportuna, consumou a faculdade (para a parte) ou o poder (para o juiz) de
praticá-lo uma segunda vez’ – preclusão consumativa; ou ainda (iii) a ‘decorrência de haver
sido praticado (ou não) algum fato, incompatível com a prática de outro’ – preclusão lógica”.
232
ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.
286.
233
A título exemplificativo: “As matérias de ordem pública, ainda que desprovidas de
prequestionamento, podem ser analisadas excepcionalmente em sede de recurso especial,
cujo conhecimento e deu por outros fundamentos, à luz do efeito translativo dos recursos, (…)
Superado o juízo de admissibilidade, o recurso especial comporta efeito devolutivo amplo, já
que cumprirá ao Tribunal ‘julgar a causa aplicando o direito à espécie’ (Art. 257 do RISTJ;
Súmula 456 do STF)” (STJ, Edcl no AgRg no REsp 1.043.561/RO, rel. p/ acórdão Min. Luiz
Fux, 1ª T., j. 15.02.11).
234
Trecho do voto no AgRg nos EREsp 947.231/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE
NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 23/04/2012, DJe 10/05/2012. No mesmo sentido:
AgRg nos EAg. N. 723.222/SP, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, DJe de
17.6.2008; AgRg nos EDcl nos EREsp n. 508.173/SC, relator Ministro Teori Albino Zavascki,
Primeira Seção, DJ de 15.5.2006.
138

A doutrina vinha caminhando no mesmo sentido, ao considerar que


mesmo nas hipóteses de matéria de ordem pública o tema deveria estar
prequestionado no acórdão recorrido e, por consequente, fazer parte dos
fundamentos do especial interposto, caso contrário ao Superior Tribunal de
Justiça não seria possível a análise235.
Para apimentar um pouco mais a já calorosa discussão, o Código de
Processo Civil de 2015 trouxe significativa alteração à previsão legal sobre o
tema, ao dispor no art. 485, § 3º, que “o juiz conhecerá de ofício da matéria
constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição,
enquanto não ocorrer o trânsito em julgado”236.
A alteração feita ao final da disposição legal, com a inclusão da frase
“enquanto não ocorrer o trânsito em julgado”, retirando a previsão anterior que
limitava expressamente a “enquanto não proferida a sentença de mérito” 237, dá
a entender, e assim o fez com a esmagadora maioria da doutrina, que inclusive
nos recursos excepcionais, as matérias de ordem pública podem e devem ser
analisadas, ainda que não suscitadas pelas partes.
Logo, a “orientação mais recente do STJ (…) tende a ser abandonada,
tendo em vista a redação do parágrafo único do art. 1.034 do CPC/2015,
devendo voltar a ganhar força o entendimento que antes prevalecia” 238.
O entendimento que vem prevalecendo do lado doutrinário, portanto,
reflete a disposição legal, desenvolvendo o raciocínio a partir do fato que “o

235
“Questão interessante é a de saber como se coloca a exigência do prequestionamento em
face de questões de ordem pública, que devam ser conhecida ex officio pelo juiz. Tal é o caso,
por exemplo, da falta de condições da ação, vício que, segundo preceitua o art. 267, § 3º, do
CPC, deve ser conhecido de ofício e em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não
proferida sentença (ou acórdão, em se tratando de tribunal). Parece-nos que, também neste
caso, haverá a necessidade de prequestionamento, porque, caso contrário, não se fará
presente o requisito constitucional ensejador do cabimento do recurso especial pela alínea a do
inc. III do art. 105 da CF/88, que alude a ‘causas decididas’. Ou seja, será sempre preciso que
o tribunal local tenha apreciado a questão federal objeto do recurso, para viabilizar o acesso ao
Superior Tribunal de Justiça pela via do recurso especial” ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito
Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 876/877).
236
Os incisos mencionados são os seguintes: “Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:
(…) IV – verificar a ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e
regular do processo; V – reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa
julgada; VI – verificar a ausência de legitimidade ou de interesse processual; (…) IX – em caso
de morte da parte, a ação for considerada intrasmissível por disposição legal”.
237
O Código de Processo Civil de 1973 previa o seguinte em seu art. 267: “§ 3º O juiz
conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a
sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e VI”.
238
MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado, com remissões e
notas comparativas ao CPC/1973. 4ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016; p. 1.559.
139

NCPC menciona expressamente dever o magistrado conhecer destes vícios e


proferir sentença sem resolução de mérito a qualquer tempo enquanto não
ocorrer o trânsito em julgado”, o que reflete “tendência que vinha se esboçando
principalmente no plano da doutrina, no sentido de que estes vícios (nulidades
absolutas/matérias de ordem pública) deveriam ser conhecidos também
quando o processo estiver no STF ou no STJ, como decorrência da
interposição de recurso extraordinário ou especial”239.
Há ainda quem defenda o oposto, em uma corrente quase isolada, ao
insistir na previsão constitucional acerca da indispensabilidade da causa
decidida como requisito de admissibilidade do recurso especial. Nesse modo
de raciocínio, as matérias de ordem pública, ainda que reconhecíveis de ofício,
assim não poderiam ser nas Cortes Superiores, se não tratadas no acórdão
recorrido, pois iriam exatamente de encontro à exigência constitucional da
causa ter sido efetivamente decidida pelo Tribunal a quo. Não se eliminaria,
eventualmente, a possibilidade do prejudicado ter uma ação rescisória ou
questionar posteriormente em juízo, entretanto, para essa corrente, o recurso
especial não ultrapassaria o juízo de admissibilidade, esbarrando no óbice do
prequestionamento240.
Vale citar aqui julgado do Superior Tribunal de Justiça, já citado
rapidamente acima, que bem ilustra esse posicionamento:

239
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo
Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código
de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, 2ª ed., p. 861, destaques o original.
240
“Sempre entendi, a despeito da literalidade do enunciado [Súmula 456 do STF] e, mais do
que ele, da própria textualidade do novel art. 1.034, que a questão só pode ser analisada na
perspectiva constitucional. Os incisos III dos arts. 102 e 105 da CF são limites intransponíveis
para o legislador infraconstitucional: o recurso extraordinário e o recurso especial pressupõem
causa decidida, razão pela qual entendo que questões não decididas, ainda que de ordem
pública, não podem ser julgadas ex novo pelo STF e pelo STJ naquelas sedes recursais.
Não se trata de sustentar a aplicação do princípio da eficiência processual
expressamente agasalhado no inciso LXXVIII do art. 5º da CF. Trata-se, bem diferentemente,
de invocar regra de competência estrita, que preserva, como escrevo no n. 9, supra, a
competência recursal extraordinária e especial do STF e do STJ e, em última análise, o papel
que se espera daqueles Tribunais no modelo constitucional que, nesses casos, não são e não
podem se comportar como órgãos de revisão ampla.
Nem mesmo a lembrança do § 3º do at. 485 que, também na sua literalidade, insinua
que questões de ordem pública são cognoscíveis ‘em qualquer tempo e grau de jurisdição
enquanto não ocorrer o trânsito em julgado’. Evidentemente, não nego que o texto da regra
permite infirmar o que acabei de criticar. Nego, contudo, que ela possa querer significar o que,
na perspectiva do que aqui defendo, é inviável sem agredir o modelo constitucional”. (BUENO,
Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, 2ª ed., p.
720).
140

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE


DIVERGÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL. DISCUSSÃO ACERCA DA
APLICAÇÃO DE REGRA TÉCNICA RELATIVA AO CONHECIMENTO
DO RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA DE ORDEM
PÚBLICA. PREQUESTIONAMENTO. IMPRESCINDIBILIDADE.
SÚMULA N. 168/STJ.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, na linha do
entendimento do Supremo Tribunal Federal, é firme quanto à
impropriedade de debate, em embargos de divergência, sobre a
aplicação de regra técnica relativa ao conhecimento do recurso
especial.
2. Para a abertura da instância especial, é necessário o cumprimento do
requisito do prequestionamento das matérias de ordem pública.
3. Incidência da Súmula n. 168/STJ.
4. Agravo regimental desprovido." (AgRg nos EREsp 947.231/SC, Rel.
Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado
em 23/04/2012, DJe 10/05/2012)

Há que se concordar, no entanto, com a doutrina majoritária, até porque


o intuito do Código de Processo Civil hoje vigente pareceu exatamente trazer a
tona, de maneira expressa, o entendimento que já vinha prevalecendo na
doutrina, mas que era repelido pelo Judiciário, ou seja, de que as matérias de
ordem pública podem ser reconhecidas efetivamente a qualquer tempo, até
pelas Cortes Superiores.
Como já mencionado brevemente, o objetivo de um entendimento como
esse é fazer prevalecer o interesse maior, coletivo, do Estado e da sociedade,
de não se manter eventual vício insanável porque não suscitado pela parte ou,
como é mais comum, pelo advogado contratado. Até por isso tais matérias são
reconhecidas como de ordem pública, no intuito exato de demonstrar que a
carga que carregam é muito maior do que o interesse das duas partes litigantes
no processo específico.
Por tal razão, alinha-se aqui à corrente que reconhece a possibilidade
(dever-poder), até pela expressa dicção do art. 485, § 3º, do Código de
Processo Civil, do Superior Tribunal de Justiça reconhecer de ofício matérias
de ordem pública, quando do julgamento do recurso especial.
Entretanto, essa atuação não é irrestrita, encontrando limites inclusive
na fragmentação da decisão recorrida em capítulos, tal como acima exposto e
abaixo melhor se explorará. Além disso, até a análise das matérias
reconhecíveis ex officio não pode ser feita em qualquer momento e sem
141

quaisquer limites, sob pena de se encerrar por completo com o princípio da


segurança jurídica, além do contraditório e ampla defesa241.

5.5 Questões de ordem pública só podem ser analisadas após a


admissão do recurso especial?

Uma vez interposto o recurso especial, devidamente processado com a


abertura de prazo para apresentação de resposta pela outra parte e/ou
interessados, o primeiro passo é o seu juízo de admissibilidade. Neste
momento, como já tratado, será analisada a regularidade formal do recurso
interposto, isto é, se preenche rigorosamente todos os requisitos necessários
para permitir o seu devido processamento perante o Superior Tribunal de
Justiça.
Em outras palavras, o momento de se analisar a admissibilidade do
recurso especial, deverá ser restrito às formalidades, isto é, requisitos tidos por
objetivos, como a tempestividade, preparo, poderes do advogado, como todos
os demais já explorados no item 3.2 desse trabalho, como, a título de exemplo,
eis que o tema foi objeto do mencionado item, o prequestionamento, não versar
sobre matérias de fato e provas, ser o acórdão recorrido final (não ser possível
a interposição de outro recurso).
Assim, sendo indispensável o prequestionamento para a admissão do
recurso especial, a matéria de ordem pública não versada no acórdão recorrido
não pode ser objeto de análise no momento do juízo de admissibilidade 242.

241
Ainda que se trate de matéria de ordem pública, não deve ser ignorado o princípio do
contraditório: “Entretanto, mesmo quando é o caso de conhecer e decidir questão de ordem
pública, o que o juiz ou o tribunal têm o dever de ofício de resolver, com ou sem provocação da
parte, não lhe será lícito fazê-lo, sem antes cumprir o contraditório, assegurado aos litigantes
pela Constituição como direito fundamental (CF, art. 5º, LV). Por isso, deparando-se com o
problema dessa natureza, cabe ao julgador abrir oportunidade para prévia manifestação das
partes, para só depois pronunciar-se. Assim, no art. 9º do NCPC vem disposto que ‘não se
proferirá decisão contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida’. O art. 10, por
sua vez, aduz que ‘o juiz não pode decidir, em qualquer grau de jurisdição, com base em
fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar,
ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício’. Dessa maneira, o
contraditório efetivo (assegurado pelo art. 7º) é visto, além de sua dimensão tradicional, como
garantia de não surpresa, seja no tocante às questões novas, seja em relação aos
fundamentos novos aplicados à solução das questões velhas”. (THEODORO JR., Humberto.
Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 48ª ed., 2016, pp. 966).
242
“Assim, poderá o STF ou STJ analisar matéria que não foi examinada na instância a quo,
pois o pré-questionamento diz respeito apenas ao juízo de admissibilidade. O juízo de
142

Aqui, repita-se: deve ser o juízo restrito às formalidades do recurso interposto,


sem qualquer valoração de seu mérito.
Se existir um vício insanável, que poderia ser analisado por força de seu
caráter de ordem pública, mas o recurso especial não preenche os requisitos
mínimos para que seja admitido, essa matéria especificamente não poderá ser
analisada pelo Superior Tribunal de Justiça243, de forma que o vício irá
prevalecer, particularmente, naquela ação. Nesta hipótese, a parte ainda
poderia arguir o referido vício em eventual ação rescisória, mas o assunto não
poderia ser tratado nos próprios autos pelo óbice formal que impediu a
superação do juízo de admissibilidade de seu recurso especial interposto244.
Uma vez realizado o juízo de admissibilidade de maneira positiva,
assegurando-se o trânsito ao recurso especial interposto e, em seguida,
cassado o acórdão recorrido245, no momento de se exercer o juízo de revisão,
o Superior Tribunal de Justiça poderá — e deverá — analisar eventuais

rejulgamento da causa é diferente do juízo de admissibilidade do recurso extraordinário: para


que se admita o recurso, é indispensável o pré-questionamento, mas, uma vez admitido, no
juízo de rejulgamento não há qualquer limitação cognitiva, a não ser a limitação horizontal
estabelecida pelo recorrente (extensão do efeito devolutivo). Conhecido o recurso excepcional,
a profundidade do seu efeito devolutivo não tem qualquer peculiaridade. Nada há de especial
no julgamento de um recurso excepcional; o ‘excepcional’ em um recurso extraordinário ou
especial está em seu juízo de admissibilidade, tendo em vista as suas estritas hipóteses de
cabimento.” (DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual
Civil. Salvador: JusPodivm, 2016, 13ª ed., pp. 322/323).
243
“Conforme entendimento sedimentado nesta Corte, inviável a análise do mérito do recurso
especial quando este sequer ultrapassou a barreira de admissibilidade recursal, ainda que se
trate de matéria de ordem pública. Precedentes” (AgRg no AREsp 413.730/GO, rel. Min. Sérgio
Kukina, 1ª T., j. 08.04.2014.
244
“Opera-se o efeito translativo nos recursos ordinários (apelação, agravo, embargos
infringentes, embargos de declaração e recurso ordinário constitucional), mas não na primeira
fase de julgamento dos recursos excepcional (recurso extraordinário, recurso especial e
embargos de divergência), isto é, no juízo de cassação destes recursos. (…) Não há o efeito
translativo na primeira fase de julgamento dos recursos excepcionais (extraordinário, especial e
embargos de divergência) – juízo de cassação -, porque seus regimes jurídicos estão no texto
constitucional que diz serem cabíveis das causas decididas pelos tribunais inferiores (CF 102
III e 105 III). Caso o tribunal não tenha se manifestado sobre questão de ordem pública, o que
acórdão somente poderá ser impugnado por ação autônoma (ação rescisória), já que incidem
na hipótese os STF 282 e 356, que exigem o prequestionamento da questão constitucional ou
federal suscitada, para que seja conhecido o recurso constitucional excepcional”. (NERY JR.,
Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pp.
465/466).
245
“(…) Apenas nesta última etapa (isto é, após ultrapassada a primeira etapa do julgamento
do mérito, relacionada ao acerto da decisão recorrida quanto à aplicação da norma
constitucional ou federal) é que estará autorizado o Tribunal superior a, p.ex., conhecer de
matérias de ordem pública. Entendemos, assim, que o efeito translativo somente ocorre, em
relação a estes recursos excepcionais, após ultrapassado o juízo de admissibilidade e,
também, ultrapassada a primeira fase do julgamento do mérito” (MEDINA, José Miguel Garcia.
Novo Código de Processo Civil Comentado, com remissões e notas comparativas ao
CPC/1973. 4ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, pp. 1.559/1.560).
143

matérias de ordem pública, inclusive no intuito de atender à previsão legal do


art. 1.034, combinada com a do art. 485, § 3º, ambos do Código de Processo
Civil246. Logo, “conhecido e provido o recurso excepcional (RE, REsp e
EmbDiv), isto é, cassada a decisão recorrida, os tribunais passam a ter
competência plena para julgar a causa, aplicando o direito à espécie (…”) 247.
Nesse sentido, uma vez admitido o recurso e provido para cassar o
acórdão recorrido, poderá atuar o Superior Tribunal de Justiça em toda a
profundidade do efeito devolutivo no julgamento da lide (aplicando-se o direito
à espécie). Estará ele limitado, inclusive para fins de efeito translativo, ou seja,
de matérias de ordem pública, à extensão atribuída pela parte ao seu recurso.
Não deverá, nessa linha de raciocínio, fazer incidir questões de ordem pública
a capítulos não impugnados. É o que melhor se passa a expor.

5.6. Princípio da vedação à reformatio in pejus

Falando-se simploriamente, a reformatio in pejus ocorre quando,


interposto recurso por apenas uma das partes, no julgamento de sua
irresignação, o órgão ad quem acaba por, sem provocação da parte adversa,
tornar a situação do recorrente pior do que seria se não houvesse interposto o

246
Exige-se, nos recursos excepcionais, o pré-questioanamento da questão de direito que se
pretenda levar à apreciação dos tribunais superiores, conforme já visto. Sucede que, se o
recurso extraordinário ou especial for interposto por outro motivo, e for conhecido, poderá o
STF ou STJ, ao julgá-lo, conhecer ex officio ou por provação de todas as matérias que podem
ser alegadas a qualquer tempo (aquelas previstas no § 3º do art. 485, além da prescrição ou da
decadência), bem como de todas as questões suscitadas e discutidas no processo,
relacionados ao capítulo decisório objeto do recurso extraordinário (art. 1.034, par. ún., CPC),
mesmo que não tenham sido enfrentadas no acórdão recorrido. (…) Para fins de impugnação
(efeito devolutivo), somente cabe recurso extraordinário ou especial se for previamente
questionada, pelo tribunal recorrido, determinada questão jurídica. Para fins de julgamento
(profundidade do efeito devolutivo), porém, uma vez conhecido o recurso extraordinário ou
especial, poderá o tribunal examinar todas as matérias que possam ser conhecidas a qualquer
tempo, inclusive a prescrição, a decadência e as questões de que trata o § 3º do art. 485 do
CPC, ‘porque não é crível que, verificando a nulidade absoluta ou até a existência do processo
[ou do próprio direito, acrescente-se], profira decisão eivada de vício, suscetível de
desconstituição por meio de ação rescisória ou declaratória de inexistência de decisão judicial’”
(DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil.
Salvador: JusPodivm, 2016, 13ª ed., pp. 321/323).
247
E continua o autor: “Na segunda fase do julgamento, vale dizer, no juízo de revisão, os
tribunais superiores passam a ter a mesma competência dos tribunais de apelação (TJ e TRF),
podendo rejulgar a causa inclusive com reexame de prova, do direito local (estadual e
municipal). No juízo de revisão incide o regime jurídico da teoria geral dos recursos como um
todo, inclusive com a incidência do efeito translativo: exame pelo STF e STJ, ex officio, das
matérias de ordem pública” (NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª Ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2014, pp. 465/466).
144

recurso. Em outras palavras, “a noção de reformatio in pejus reside na


descrição da situação jurídica de uma das partes ser piorada pelo julgamento
de um recurso mesmo sem o pedido do recorrente. O agravamento da
situação, destarte, deriva da atuação oficiosa do órgão ad quem, e não na
resposta dada ao pedido respectivo formulado pelo recorrente”248.
O princípio que proíbe a reforma prejudicial ao recorrente tem sua
essência exatamente no efeito devolutivo do recurso, de modo que esse
prejuízo só adviria de um julgamento que fosse além dos limites traçados pela
pretensão recursal. Afinal, o recurso certamente não seria interposto no intuito
de prejudicar a própria parte que recorre.
Isso tudo porque “é ao recorrente que cabe delimitar o âmbito do mérito
recursal, devendo deduzir razões de impugnação e formular pedido de reforma
da decisão (âmbito de devolutividade do recurso). O órgão ad quem deve
examinar a questão posta nestes limites e não pode piorar a situação do
recorrente, a não ser que esta piora decorra da cognição de matéria de ordem
pública, de ofício ou acolhendo preliminar(es) alegada(s) pelo recorrido em
contrarrazões. Este é o significado do princípio da proibição da reformatio in
pejus”249.
Claramente, portanto, o princípio da reformatio in pejus comporta
determinadas exceções, que igualmente possuem limites e geram diversas
discussões outras, como algumas hipóteses que ainda serão exploradas ao
longo desse trabalho.
É importante esclarecer, indo um pouco mais além, que a efetiva
verificação da reforma para pior deve se dar na prática. Nesse sentido, caso
248
O autor ainda complementa: “A reformatio in pejus, portanto, vincula-se intimamente ao
“efeito devolutivo” dos recursos e, consequentemente, de forma mais ampla, ao “princípio
dispositivo. O sistema processual brasileiro, por isso mesmo, nega a possibilidade da
reformatio in pejus. Sem o pedido do recorrente, o julgamento do recurso não pode ser
modificado para prejudicar o recorrido. Se não há pedido para o agravamento de sua situação,
é necessário entender que houve, em idêntica medida, aquiescência com a decisão e, por isto,
fica afastada a possibilidade de atuação oficiosa do órgão ad quem. O princípio que veda a
reformatio in pejus é implícito no ordenamento jurídico nacional, derivando do próprio papel que
é exercido pelo “efeito devolutivo” no âmbito dos recursos. Como é vedado que o órgão
julgador do recurso deixe de observar os limites de sua atuação, impostos pelo âmbito de
devolutividade recursal, ele não pode, sem o pedido do recorrente, piorar a situação criada pela
decisão ao recorrido” (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual
Civil 5. São Paulo, 3ª edição, 2011, págs. 64/65).
249
MEDINA, José Miguel Garcia e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações
autônomas de impugnação: teoria geral e princípios fundamentais dos recursos. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 3ª edição, 2013, página 73.
145

haja a manutenção da sentença, com alteração apenas das razões de decidir


que em nada modificam o resultado final, não se estaria diante de hipótese de
reformatio in pejus.
A regra, como se disse, não é absoluta e há casos em que a mera
alteração de fundamento pode acarretar uma reforma para pior na situação do
recorrente. “É o caso da ação civil pública julgada improcedente por falta de
provas, caso em que se permite a repropositura da ação (cf. art. 16, Lei
7.347/1985; art. 18, Lei 4.717/1965; art. 101, I, do Código de Defesa do
Consumidor). Havendo apelação, se o tribunal mantiver a decisão de
improcedência, mas porque o fato não é lesivo a direito difusos, estará
incidindo em reformatio in pejus, considerando que não será mais possível a
repetição da ação”250.
Situação semelhante ocorreria com a ação julgada extinta por abandono
por parte do autor, que recorre para arguir que não houve requerimento do réu,
na linha da exigência do § 6º do art. 485 do atual Código, e o Tribunal afasta a
extinção por abandono, mas julga improcedentes os pedidos. Ora, o autor
recorreu contra um abandono, logrou êxito neste ponto, mas teve sua
pretensão inicial afastada por completo pelo Tribunal. A possibilidade de propor
novamente a ação — ou mesmo de produzir provas nos mesmos autos a fim
de demonstrar a procedência — não mais existem com o julgamento do órgão
a quo. Ainda assim não haveria reformatio in pejus?
Apesar de parecer razoável o raciocínio que aqui se expõe, não é a linha
que vem prevalecendo na doutrina, em especial pelo que dispunha o art. 515, §
3º, do Código de Processo Civil de 1973 e o que dispõe o art. 1.013, § 3º 251, do
atual diploma. Entende-se, costumeiramente e muitas vezes apenas
genericamente, que uma vez afastada a sentença terminativa, até pela
disposição de tais artigos, poderia o órgão ad quem, em especial os Tribunais

250
MIRANDA, Gilson Delgado. SHIMURA, Sergio. Há vedação à reformatio in pejus no novo
CPC? in Questões Relevantes sobre Recursos, Ações de Impugnação e Mecanismos de
Uniformização da Jurisprudência após o primeiro ano de vigência do novo CPC. Coord. Bruno
Dantas, Cassio Scarpinella Bueno, Cláudia Elisabete Shwerz Cahali e Rita Dias Nolasco. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 73.
251
“A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. (…) § 3º Se o
processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o
mérito quando: I – reformar sentença fundada no art. 485 (…)”.
146

estaduais e regionais federais, já que a norma expressa fala em apelação,


julgar o mérito ainda que desfavoravelmente ao próprio recorrente252.
Caminhando lado a lado com tal entendimento, há ainda quem considere
que, uma vez sendo a sentença recorrida terminativa, o seu afastamento para
julgar o mérito da lide não poderia ser considerado como reformatio in pejus, já
que tal ponto sequer foi apreciado pela decisão objeto do recurso 253. O
raciocínio é, na nossa visão, excessivamente simplista: não é o fato da
sentença recorrida ter ou não apreciado o mérito que abre a possibilidade da
reforma para pior no tribunal. O que caracterizará a reformatio in pejus, na
opinião deste autor, é o resultado prático final do julgado, ou seja, se a situação
do recorrente restou efetivamente pior, ou não.
Inquestionavelmente a regra processual autoriza, de maneira expressa,
o afastamento da sentença terminativa e o julgamento do mérito pelo Tribunal
se a causa estiver já madura. Isto não se discute, mas há que se ponderar que
são diferentes as situações de uma extinção por abandono e uma ilegitimidade
afastada, já que nesta a mesma ação não poderia ser proposta, salvo se
corrigido o vício (aí já não seria exatamente a mesma ação).
O entendimento que tem prevalecido no Superior Tribunal de Justiça é
também genérico e, previsivelmente, reflete a disposição legal, talvez com base
na linha de se buscar a celeridade processual para permitir o julgamento da
252
“O que pode ocorrer sem a violação ao princípio aqui discutido e com observância ao
sistema processual civil é que, nos casos em que incide o “efeito translativo” do recurso,
manifestação do mais amplo “princípio inquisitório”, o órgão ad quem, profira decisão mais
gravosa ao recorrente e a despeito da ausência de recurso do recorrido quando a hipótese
admitir a sua atuação oficiosa. Assim, por exemplo, não há reformatio in pejus no sentido
repudiado pelo sistema processual civil brasileiro, na hipótese de o órgão ad quem anular
sentença por reputar uma das partes ilegítima, a despeito de somente o autor ter se voltado da
sentença que acolhera integralmente o seu pedido mas fixara ínfimos honorários advocatícios.
A atuação do tribunal é correta por força do que lhe autoriza o §3º do art. 267.” (BUENO,
Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil 5. São Paulo, 2008, págs.
33/34)
253
“Uma questão interessante surgiu a partir da introdução do §3º no art. 515 do CPC pela Lei
n. 10.352, de 26 de dezembro de 2001, que estabelece: “Nos casos de extinção do processo
sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar
questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento”. Ao julgar o
mérito, o tribunal poderá decidir pela procedência ou improcedência do pedido. Se decidir pela
improcedência, não haverá reformatio in pejus, embora seja inegável que, para o autor, ela é
pior que a extinção sem resolução do mérito, já que impede a repropositura da demanda. Mas
só há reformatio in pejus quando a sentença de primeiro grau tenha sido de mérito, isto é,
tenha apreciado a lide. Se foi meramente extintiva, o juiz nem sequer apreciou a pretensão
formulada pelas partes, e o tribunal poderá acolhê-la ou rejeitá-la.” (GONÇALVES, Marcus
Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil, volume 2. São Paulo. Editora Saraiva,
2010. Páginas 68/69)
147

causa madura, ainda que o resultado possa vir a prejudicar a parte recorrente.
Veja-se um julgado bastante exemplificativo:

"PROCESSUAL CIVIL. PROCESSO. EXTINÇÃO. SENTENÇA


TERMINATIVA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. APELAÇÃO.
TRIBUNAL. MÉRITO. JULGAMENTO. POSSIBILIDADE. PEDIDO
EXPRESSO. DESNECESSIDADE. MATÉRIA DE FATO. CAUSA
MADURA.
1 - Extinto o processo, sem julgamento de mérito, por ilegitimidade
passiva ad causam, pode o tribunal, na apelação, afastada a causa de
extinção, julgar o mérito da contenda, ainda que não haja pedido
expresso nesse sentido, máxime se, como no caso concreto, as razões
de apelação estão pautadas na procedência do pedido inicial, porque
demonstrado o fato constitutivo do direito e não contraposta causa
extintiva desse mesmo direito. Deficiência técnica que não tem força
bastante para se opor à mens legis, fundada na celeridade, economia e
efetividade.
2 - Por outro lado, a sistemática dos julgamentos desse jaez não pode
ficar adstrita à literalidade do dispositivo de regência, notadamente na
expressão "exclusivamente de direito", devendo haver espaço para sua
incidência toda vez que estiver o processo em "condições de imediato
julgamento", o que significa versar a demanda não somente matéria de
direito, mas versando também matéria de fato, já tiverem sido
produzidas (em audiência) todas as provas necessárias ao deslinde da
controvérsia, estando a demanda, a juízo do tribunal, madura para
julgamento.
3 - Recurso especial não conhecido." (REsp 836.932/RO, Rel. Ministro
FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 06/11/2008,
DJe 24/11/2008)254

Além da expressa disposição legal, que autoriza de maneira genérica o


afastamento da sentença proferida com fundamento no art. 485 do Código de
Processo Civil, há que se render para argumento de lógica utilizado pelo Min.
Hélio Quaglia Barbosa255, citando o Professor Cândido Rangel Dinamarco,
quando consigna que não haveria que se falar em reformatio in pejus quando
se afasta a sentença terminativa e julga-se o mérito, pois “o julgamento de
meritis que o tribunal fizer nessa oportunidade será o mesmo que faria se
houvesse mandado o processo de volta ao primeiro grau, lá ele recebesse

254
Há ainda diversos outros precedentes como, por exemplo: AgRg no REsp 1117861 / SC,
Ministro RAUL ARAÚJO (1143), T4 - QUARTA TURMA, j. 10/05/2016, DJe 30/05/2016; AgRg
no REsp 704218 SP 2004/0164627-3, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, T4 – Quarta
turma, j. 15/03/2011, DJe 18/03/2011; Apelação Cível Nº 70060380698, Décima Oitava Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Heleno Tregnago Saraiva, Julgado em 17/07/2014.
255
AgRg no Ag 867885/ MG, Quarta Turma, j. 25/09/2007, DJ 22/10/2007, p. 297).
148

sentença, o autor apelasse contra esta e ele, tribunal, afinal voltasse a julgar o
mérito”256.
O entendimento não deve se aplicar de maneira indiscriminada.
Hipóteses em que o beneficiado pela sentença recorre, por exemplo, para
majorar ou buscar a fixação de honorários, se a outra parte não recorreu, ele
não pode ver julgado contra si qualquer dos demais aspectos da sentença,
como o reconhecimento de sua ilegitimidade passiva ou a improcedência dos
pedidos, por exemplo. Aqui se aplica estritamente a definição de capítulos da
sentença: se apenas se recorreu dos honorários, os demais capítulos da
decisão transitaram em julgado e, portanto, não podem alterados, nem em se
tratando de matéria de ordem pública. É o que se passa a tratar.

5.7. Matérias de ordem pública e a vedação da reformatio in pejus


no recurso especial

Está mais do que consolidada a possibilidade do Superior Tribunal de


Justiça analisar matérias de ordem pública, reconhecíveis ex officio por sua
essência, no juízo de revisão (rejulgamento) do recurso especial, ou seja,
depois do juízo de admissibilidade ser positivo e restar cassado o acórdão
recorrido por violação a dispositivo de lei ou, ainda, divergência jurisprudencial.
Resta saber, porém, quais seriam os limites, se é que existem, para a análise
de tais matérias em sede de recurso especial.
Logo, nesse momento, a principal questão que surge é se poderia o
Superior Tribunal de Justiça analisar matéria de ordem pública ainda que isso
afronte o princípio da vedação da reformatio in pejus, ou seja, em prejuízo do
próprio recorrente.
Referido princípio, como mencionado acima, nada mais reflete do que a
proibição da situação do recorrente, após a análise de seu recurso, restar pior
do que aquela que estava consignada com a decisão recorrida. Em outras
palavras, se apenas uma das partes interpôs recurso, estaria o órgão ad quem
impossibilitado de, no julgamento, colocar o recorrente em uma situação mais

256
DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros,
2007, pp. 177/181.
149

desfavorável do que aquela que estava no momento em que prevalecia a


decisão (ou acórdão) alvo da insurgência do interessado. A situação do
recorrente, por referido princípio, deve restar melhor ou pelo menos idêntica
após o julgamento de seu recurso257.
Grande parte da doutrina entende que, tratando-se de questões de
ordem pública, reconhecíveis de ofício pelos magistrados, “não constitui
embaraço para o tratamento da matéria a falta de provocação da parte, nem
tampouco incide na vedação de reformatio in pejus a deliberação que redunde
em prejuízo para o recorrente”258. Afinal, “não se pode cogitar de reforma para
pior quanto às questões sobre as quais o tribunal pode e deve conhecer de
ofício, como os pressupostos processuais e condições da ação”259.
Em outras palavras, ainda que apenas uma das partes tenha interposto
o recurso, se houver alguma questão de ordem pública não analisada pelo
Tribunal a quo, poderá o ad quem dela fazer análise, mesmo para julgar de
maneira completamente contrária ao recorrente. Diz-se, inclusive, que sequer
seria reformatio in pejus propriamente dita, já que se trata de possibilidade
inerente ao efeito translativo, não do devolutivo260.

257
“Outro princípio importante para o sistema processual brasileiro diz respeito à proibição de
que o julgamento do recurso, interposto exclusivamente por um dos sujeitos, venha a tornar a
sua situação pior do que aquela existente antes da insurgência. Ora, se o recurso é mecanismo
previsto para que se possa obter a revisão de decisão judicial, é intuitivo que sua finalidade
deve cingir-se a melhorar (ou pelo menos manter idêntica) a situação vivida pelo recorrente.
Como remédio voluntário, o recurso é interposto no interesse do recorrente. Não pode, por
isso, a interposição do recurso piorar a condição da parte, trazendo para ela situação mais
prejudicial do que aquela existente antes do oferecimento do recurso. Tal é a formulação do
princípio em exame, que proíbe a reformatio in pejus” (MARINONI, Luiz Guilherme;
ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015, p. 514).
258
THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. III. Rio de Janeiro:
Forense, 48ª ed., 2016, pp. 965/966.
259
MIRANDA, Gilson Delgado. SHIMURA, Sergio. Há vedação à reformatio in pejus no novo
CPC? in Questões Relevantes sobre Recursos, Ações de Impugnação e Mecanismos de
Uniformização da Jurisprudência após o primeiro ano de vigência do novo CPC. Coord. Bruno
Dantas, Cassio Scarpinella Bueno, Cláudia Elisabete Shwerz Cahali e Rita Dias Nolasco. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 75.
260
“(…) é perfeitamente lícito ao tribunal, por exemplo, extinguir o processo sem resolução de
mérito, em julgamento de apelação contra sentença de mérito interposta apenas pelo autor,
não ocorrendo aqui a reformatio in peius proibida: há, em certa medida, reforma para pior, mas
permitida pela lei, pois o exame das condições da ação é matéria de ordem pública a respeito
da qual o tribunal deve pronunciar-se ex officio, independentemente de pedido ou requerimento
da parte ou interessado (CPC 267 VI e § 3º). Dizemos em certa medida porque, na verdade,
nem se poderia falar em reformatio in peius, instituto que somente se coaduna com o princípio
dispositivo, que não é o caso das questões de ordem pública transferidas ao exame do tribunal
destinatário por força do efeito translativo do recurso” (NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos
Recursos. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pp. 462/463).
150

Logo, se ajuizada uma ação por “A” contra “B”, pleiteando danos
materiais e morais, ambos procedentes em 1º Grau de jurisdição, mas estes
em valor menor do que o requerido inicialmente, em um recurso interposto
apenas por “A”, seria permitido ao órgão ad quem simplesmente extinguir a
ação, contrariamente ao recorrente, por força de alguma matéria de ordem
pública, como coisa julgada ou prescrição, por exemplo.
Questão bastante ilustrativa do tema se refere à matéria reconhecível de
ofício, que é a prescrição. Muito se explora, na linha das questões de ordem
pública em essência, que a prescrição deve ser reconhecida de ofício a
qualquer tempo e momento, ainda que implique, na prática, em reformatio in
pejus. Na verdade, entendimento intermediário caminha no sentido de que o
seu reconhecimento pode ocorrer de ofício, ainda que em prejuízo ao
recorrente, mas o seu afastamento não. Isto é, se extinta ação pela prescrição,
com fundamento, portanto, no art. 485, II, do Código de Processo Civil, mas
apenas o réu recorrer com o intuito de majorar os honorários, o
reconhecimento da prescrição não pode ser de ofício afastado pelo Tribunal
para julgar o mérito propriamente dito da ação.
Com o devido respeito aos entendimentos divergentes, ainda que
majoritários, a permissão indiscriminada para julgamento por órgãos superiores
de matéria de ordem pública em prejuízo do recorrente (ou seja, independente
da vedação à reformatio in pejus) não parece ser a melhor solução. Todo o
processo civil é construído pautado no princípio da segurança jurídica que se
constitui, muito basicamente, pela previsibilidade. Ora, a parte litigante deve
saber o que esperar do Poder Judiciário e, mais do que isso, deve ter
consciência de qual seria a pior situação a que ela poderia restar submetida ao
praticar determinado ato em juízo.
Em exemplo muito didático, embora feito para hipótese de 1º Grau, o
mestre Barbosa Moreira ilustra a questão: “Se me permitem comparação muito
atual, um técnico de futebol que esteja preparando a sua seleção para
determinado jogo precisa saber o que está em disputa naquele jogo. Se se
trata de jogo meramente classificatório, ele vai preparar a equipe de certa
maneira; se se trata de jogo eliminatório, poderá adotar outra tática. O mesmo
acontece com o réu: é preciso que ele possa avaliar quais são as suas chances
e qual a pior coisa que lhe pode acontecer se for derrotado. Dependendo das
151

circunstâncias, o réu poderá optar conscientemente entre diversas atitudes,


inclusive a de não defender-se, desde que esteja seguro do limite máximo do
prejuízo que poderá vir a sofrer, se derrotado. Esse elemento de previsibilidade
é absolutamente essencial para que o réu possa exercer amplamente o seu
direito de defesa”261.
A situação na esfera recursal é a mesma. O recorrente, ao optar por
interpor o recurso cabível, deve ter plena ciência da pior situação possível a
que poderá estar sujeito com o julgamento de sua irresignação. Não seria
razoável que ele saia em situação significativamente pior do que aquela em
que estaria se não tivesse recorrido.
Não se está argumentando, obviamente, que as matérias de ordem
pública não devam ser analisadas, muito pelo contrário. Devem sim ser e de
ofício, como manda a lei, mas a sua aplicação deve ficar restrita ao capítulo
impugnado no recurso, não devendo alcançar outros que já transitaram em
julgado quando uma das partes optou por não recorrer262, inclusive com o
reforço da lógica trazida pelo julgamento parcial de mérito, como consta do art.
356 do Código de Processo Civil e que prevê o trânsito em julgado da parte
não recorrida da decisão263.

261
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Correlação entre o pedido e a sentença in Revista de
Processo, ano 21, n. 83, julho-setembro de 1996, p. 209.
262
“Mesmo a constatação da existência de questões de ordem pública contrárias ao recorrente
não permite a reformatio in pejus. A profundidade do efeito devolutivo opera nos limites da sua
extensão. Isso está claramente explicitado no art. 1.013, § 1º, parte final, do CPC/2015 (‘desde
que relativas ao capítulo impugnado’). Se, no exemplo que se acabou de dar, o tribunal
constatasse existir coisa julgada material advinda de uma anterior sentença que havia rejeitado
todos os mesmos pedidos do autor, ainda assim, esse fundamento apenas serviria de base
para o desprovimento do recurso interposto, ou seja, apenas ensejaria a negativa de ampliação
do valor condenatório que havia sido recursalmente pleiteada. Os capítulos condenatórios que
não foram objeto de recurso pelo réu permaneceriam incólumes, por estarem fora da extensão
do efeito devolutivo do recurso interposto pelo autor”. (WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI,
Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 16ª ed., vol. 2,
2016, pp. 492/493).
263
“Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados
ou parcela deles: I - mostrar-se incontroverso; II - estiver em condições de imediato julgamento,
o
nos termos do art. 355. § 1 A decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a
o
existência de obrigação líquida ou ilíquida. § 2 A parte poderá liquidar ou executar, desde logo,
a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de
o o
caução, ainda que haja recurso contra essa interposto. § 3 Na hipótese do § 2 , se houver
o
trânsito em julgado da decisão, a execução será definitiva. § 4 A liquidação e o cumprimento
da decisão que julgar parcialmente o mérito poderão ser processados em autos suplementares,
o
a requerimento da parte ou a critério do juiz. § 5 A decisão proferida com base neste artigo é
impugnável por agravo de instrumento.”
152

Por facilidade, vamos a outro exemplo: imagine-se, como mencionado


há pouco, que na ação movida por “A” contra “B”, pleiteando indenizações
moral e material, ambos os pedidos sejam julgados procedentes, mas a fixação
moral foi inferior à pretensão posta na inicial. “B” opta por não recorrer,
conformando-se com a condenação a ele imposta, mas “A” insurge-se contra a
decisão em 1º e 2º Graus, indo ao Superior Tribunal de Justiça (considere-se
superada a barreira de admissibilidade) no intuito de ver majorada a sua
indenização moral.
Nessa situação, então, se o Tribunal Superior, no juízo de revisão notar
um vício insanável, como a ilegitimidade passiva, por exemplo, pode e deve
analisar essa matéria de ordem de pública, ainda que nunca suscitada
anteriormente no curso do processo (art. 485, § 3º). Agora, o reconhecimento
de tal ilegitimidade deve ficar restrito ao capítulo impugnado no recurso.
Assim, no exemplo, poderá o Superior Tribunal de Justiça afastar por
completo a indenização moral fixada diante da ilegitimidade passiva, haja vista
estar o capítulo pendente de julgamento. Note-se que a situação do recorrente
é pior do que a anterior, no sentido de que a indenização fixada originariamente
também foi afastada, mas ao optar por recorrer, assumiu o risco, eis que ciente
da possibilidade do capítulo como um todo ser revisto pela eventual existência
de alguma matéria de ordem pública não analisada.
Muito embora “B” não tenha recorrido também da indenização moral
objeto do recurso de “A”, pode o Superior Tribunal de Justiça afastar por
completo referida verba, por força da profundidade do efeito devolutivo. Isso
porque a análise pelo Tribunal do objeto do recurso passa, invariavelmente,
pelas condições de ação daquele pedido específico, de forma que o
reconhecimento da carência de uma delas, a extinção (ou a improcedência a
depender da hipótese) seria, de fato, a medida de rigor. Disso, como dito, o
recorrente tinha plena ciência — era, portanto, previsível, ainda que,
eventualmente, improvável264.

264
Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior: “Discute-se sobre ser, ou não, o
prequestionamento condição para que o Superior Tribunal de Justiça examine questão de
ordem pública não enfrentada pelo acórdão impugnado por meio de recurso especial, havendo
correntes em ambos os sentidos. O entendimento que se coloca numa posição intermediária
parece ser bem mais razoável: o STJ poderia apreciar de ofício, questão de ordem pública
como as condições da ação, desde que tenha sido conhecido o especial em que lhe cabe
aplicar o direito à espécie. O tema incluir-se-ia no efeito devolutivo em profundidade, que
153

O que não poderia fazer o Tribunal Superior, ao jugar o recurso especial,


é reconhecer a ilegitimidade também para a indenização material, nunca
recorrida e transitada em julgado. Para esta hipótese, “B” teria sempre a opção
da ação rescisória, mas a condenação naquele processo, em que não se
interpôs nenhum recurso sobre o capítulo da sentença que fixou a indenização
material, a condenação era absolutamente final.
Nessa linha de raciocínio, repita-se a lição de Barbosa Moreira, para
quem “o órgão julgador da apelação [assim como o Superior Tribunal de
Justiça] também tem de fazer a sua auto-contenção. Não pode pronunciar-se
sobre coisa alguma que não esteja contida no efeito devolutivo. Não se pode
mexer naquilo que não foi objeto do recurso, ainda que isso conduza a
situações de contradição lógica. Se não houve recurso contra uma parte da
sentença, mas verificou-se que faltava um requisito de validade do processo
(por exemplo: o Ministério Público não foi chamado a intervir quando o caso era
de obrigatória intervenção), nem por isso se está autorizado a anular a parte da
sentença da qual não houve recurso. Essa já transitou em julgado, e só com
ação rescisória é possível atingi-la (…)265”.
Dessa forma, mesmo estando-se diante de matérias de ordem pública,
deve-se respeitar a limitação feita pelo próprio art. 1.034 do Código de
Processo Civil, restringindo-se a análise pelo Superior Tribunal de Justiça aos
capítulos impugnados pelo recurso interposto, ou seja, à sua extensão,
mantendo-se certa previsibilidade e segurança jurídica ao jurisdicionado.
Quanto aos capítulos que não foram objeto de recurso, se efetivamente houver
alguma matéria de ordem pública que sobre eles devesse ter sido considerada,
a parte interessada terá ainda a possibilidade de propor a competente ação
rescisória, nos termos do art. 966, especialmente incisos IV e V266, do atual

abrange os pressupostos do julgamento a ser examinado” (aut. cit., Curso de Direito


Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 48ª ed., 2016, pp. 1.126/1.127).
265
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Correlação entre o pedido e a sentença in Revista de
Processo, ano 21, n. 83, julho-setembro de 1996, pp. 214/215.
266
“Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente;
III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda,
de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar manifestamente norma jurídica;
154

diploma processual, mas naqueles autos o tema não mais poderá ser
analisado.
Esse entendimento, inclusive, já vinha sendo refletido por parte da
doutrina na vigência do Código de Processo Civil de 1973, como se vê do
seguinte exemplificativo e elucidativo trecho: “(…) se houver recurso especial
versando apenas o mérito, o STJ não poderá apreciar questão preliminar,
ainda que essa fosse apreciável de ofício pelas instâncias ordinárias, tal como
sucede no caso do recurso de apelação, por exemplo. E não poderá fazê-lo
mesmo que essa preliminar se encontre decidida pelo acórdão, salvo recurso
que, contra essa parte da decisão, se dirija. Às instâncias extraordinárias não
se aplica o § 3º do art. 267 (…). Por isso mesmo, se houver recurso especial
versando a questão de mérito, o recorrido, que alegara preliminar, rejeitada, se
pretender o prevalecimento eventual dessa preliminar (pois o julgamento de
mérito, em tese, pode ser invertido em seu desfavor), deverá interpor recurso
especial sob a forma adesiva (condicionada)”267.

5.8. Fatos e provas perante o Superior Tribunal de Justiça

Um dos mais notórios entraves para a admissibilidade do recurso


especial é aquele óbice refletido na Súmula nº 7 do Superior Tribunal de
Justiça, segundo a qual “a pretensão de simples reexame de prova não enseja
recurso especial”. Há casos óbvios de mera pretensão de reforma, tal e qual
fosse a Corte Superior uma terceira instância revisora, mas há, também,
situações em que a discussão pode gerar dúvidas e a decisão acaba recaindo
para um caráter subjetivo de quem faz a análise.
Previamente a qualquer questão sobre o assunto, deve-se ao menos
buscar a conceituação de matéria de direito e de matéria de prova. Nesse
sentido, a melhor doutrina discorre que “consiste a questão de fato em verificar
se existem as circunstâncias baseado nas quais deve o juiz, de acordo com a

VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a
ser demonstrada na própria ação rescisória”;
VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava
ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;
VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.
267
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008, pp. 883/884.
155

lei, considerar existentes determinados fatos concretos (ex.: - ficou provada a


aposta entre Tício e Cáio durante a corrida?) (…)”268. A questão de direito,
então, seria prévia e consistiria, basicamente, na verificação se a norma, a que
o autor se refere existe no ordenamento jurídico. Obviamente, a conceituação
aqui feita é propositalmente simplista, mas atende ao objetivo proposto que é
distinguir, abstratamente, as matérias de fato das de direito que envolvem a
lide.
De toda forma, superada a conceituação, é claro que não deve ser
admitido recurso especial que vise, única e tão somente, a análise de fatos e
provas ou, até mesmo, aqueles em que a verificação de todo o conjunto fático-
probatório dos autos é indispensável para o julgamento, exatamente por
esbarrarem frontalmente no óbice acima transcrito.
A discussão sobre o tema reside, então, no juízo de revisão, acerca dos
limites da atuação do Superior Tribunal de Justiça quando estiver a julgar o
mérito de recurso especial já admitido. Poderia a corte Superior, então, atuar
regularmente como um Tribunal qualquer e fazer uma análise geral do
processo a ela remetido para aplicar o direito à espécie?
A resposta mais sensata parece ser negativa, de modo que “os Tribunais
Superiores receberão os fatos tais como foram postos no acórdão recorrido e
rejulgarão as questões decididas na instância de origem”269.
Nessa linha de raciocínio, não significa dizer que o Tribunal Superior
deva simplesmente fechar os olhos para os fatos e as provas tratados nos
autos, mas sim que deve ele se ater àqueles delimitados pelo acórdão
recorrido. Parece impossível a segregação completa entre os fatos, as provas e
o direito pleiteado em determinada ação, eles estão rigorosamente interligados,
de forma que, invariavelmente, o recurso especial irá abordar não apenas a
formalidade da matéria de direito, mas eventuais fatos e provas que existam
para demonstrar exatamente o direito almejado.
Embora não se revele factível a segregação completa, é possível buscar
a delimitação da atuação da Corte na reanalise dos fatos e provas já

268
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
1965, pp. 175/176.
269
OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil,
coord. Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini e Bruno Dantas. 3ª
Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 2.568.
156

considerados pelo acórdão recorrido. É possível que se faça uma nova


qualificação de determinado ato frente ao ordenamento jurídico, ou seja, nova
verificação ou valoração da prova em sua subsunção à norma 270. Essa é a
possibilidade de atuação no campo da prova, já que efetivamente não caberia,
por exemplo, reconhecer como inexistente ato tido por existente pelo órgão a
quo, ou vice-versa. As linhas divisórias são tênues, mas perceptíveis.
Portanto, considerando que fato e direito estão invariavelmente
interligados, “o que não é possível é rediscutir a existência ou inexistência dos
fatos em recurso extraordinário e em especial (Súmula 279 do STF, e Súmula
7ª do STJ). Vale dizer: o recorrente tem que trabalhar com o caso em seu
recurso partindo da narrativa fática estabelecida pela decisão recorrida.
Consequentemente, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de
Justiça não podem considerar existente fato considerado inexistente e

270
Vale transcrever trecho de voto do Min. Vicente Cernicchiaro que, muito embora antigo, bem
aborda o assunto: A valoração da prova é relativa ao ato jurídico perfeito. A adequação da
prova à Constituição e à lei ordinária. Compreende admissibilidade de formação consoante o
ordenamento jurídico. A primeira é consentimento, constatável em plano meramente normativo.
A segunda porque relacionada com os princípios de realização, própria também da experiência
jurídica, não se confunde com a interpretação da prova, ou seja, a avaliação dos dados fáticos
elaborados pelo Magistrado. (...) A valoração da prova distingue-se da análise da prova. essa
distinção amolda-se perfeitamente ao campo teorético. O instituto, porém, na experiência, para
caracterização fenomênica pode exigir análise, realização de provas. Sem dúvida, confissão é
narração, reconhecimento de autoria de fato. Por sua natureza, reclama espontaneidade,
deliberação sem qualquer constrangimento. Com efeito, confissão e tortura são termos
contraditórios. Todavia, a livre opção ou a coação dependem de prova. em sendo assim, a
confissão ou a extorsão de palavras no campo fático, não pode ser dirimida na ação de habeas
corpus” (REsp. 112087/DF; 6ª Turma; DJ 27.10.1997; p. 54.843). Reproduzam-se, ainda,
outros julgados do Superior Tribunal de Justiça que refletem o entendimento: Consoante
jurisprudência da Corte, ‘a revaloração da prova delineada no próprio decisório recorrido,
suficiente para a solução do caso, é, ao contrário do reexame, permitida no recurso
especial”(REsp 723147/RS, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJ de 24.10.2005;
AgRg no REsp 757012/RJ, desta relatoria, Primeira Turma, DJ de 24.10.2005; REsp
683702/RS, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJ de 02.05.2005; “AGRAVO
REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - ROUBO DE CARGA - DEMANDA REGRESSIVA
DE SEGURADORA CONTRATADA PELO PROPRIETÁRIO DOS BENS EM FACE DA
TRANSPORTADORA - DECISÃO MONOCRÁTICA PROVENDO O RECLAMO DA
DEMANDADA, PARA ISENTA-LA DO DEVER DE INDENIZAR. INSURGÊNCIA DA AUTORA -
1. A REDEFINIÇÃO DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FATOS EXPRESSAMENTE
MENCIONADOS NO ACÓRDÃO HOSTILIZADO CONSTITUI MERA REVALORAÇÃO DA
PROVA - DELIBERAÇÃO UNIPESSOAL EM CONFORMIDADE AO ENTENDIMENTO
CRISTALIZADO NA SÚMULA N. 7 DO STJ - 2. SUBTRAÇÃO DA CARGA, MEDIANTE AÇÃO
ARMADA DE ASSALTANTES - CAUSA INDEPENDENTE, DESVINCULADA À NORMAL
EXECUÇÃO DO CONTRATO DE TRANSPORTE, QUE CONFIGURA FATO EXCLUSIVO DE
TERCEIRO, EXCLUDENTE DA RESPONSABILIDADE CIVIL - ENTENDIMENTO
CONSOLIDADO NESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - ALUSÃO, ADEMAIS, NO
ARESTO ATACADO, DA ADOÇÃO DE PROVIDÊNCIAS CONCRETAS POR INICIATIVA DA
TRANSPORTADORA VISANDO À PREVENÇÃO DA OCORRÊNCIA - 3. RECURSO
DESPROVIDO.” (AgRg no REsp 1036178/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA,
julgado em 13/12/2011, DJe 19/12/2011).
157

considerar inexistente fato considerado existente pela decisão recorrida. Essa


perspectiva teórica explica a razão pela qual, por exemplo, é possível obter do
Superior Tribunal de Justiça pronúncia voltada ao adequado dimensionamento
da reparação de danos civis, notadamente de danos morais. Em situações
dessa ordem, discute-se o caso em todos os seus aspectos, mas não se
interfere na conformação do caso outorgada pela decisão recorrida”271.
Caso entenda a Corte Superior ser falha a delimitação do conjunto
fático-probatório do acórdão objeto do especial, não poderá ela, ainda que sob
justificativa das previsões do art. 1.034 e seu parágrafo único, tentar julgar
desde logo o mérito da lide, fazendo uma análise absolutamente completa do
processo. Não é essa a função do Superior Tribunal de Justiça e nem tem o
Tribunal mão de obra suficiente para atuar dessa maneira, o que colocaria em
risco, novamente, a prestação jurisdicional minimamente célere.
O que deve ser feito, portanto, é a determinação de retorno dos autos ao
órgão a quo para que, corrigindo as premissas fáticas e probatórias, julgue
novamente a ação272.
Assim, quando superada a barreira da admissibilidade de um recurso
especial, a atuação do Superior Tribunal de Justiça deve ser feita pautada nos
limites fáticos e probatórios estabelecidos no acórdão recorrido. Dentro dessa
moldura pode a Corte analisar amplamente as questões para melhor aplicar o
direito à espécie. O que estaria além dos limites de sua atuação é a verificação
do processo como um todo, inclusive fatos e provas, independente de qualquer
consideração feita pelo órgão a quo, situação em que atuaria efetivamente
como uma terceira instância.
Na hipótese de não constarem do acórdão recorrido elementos
suficientes para o julgamento do especial admitido, ou estarem as premissas
fático-probatórias equivocadas, deve o Superior Tribunal de Justiça prover a
insurgência, determinando-se a devolução do caso para que, corrigindo-se os
erros ou incluindo-se os elementos necessários, o Tribunal de origem julgue
novamente a questão.
271
DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil.
Salvador: JusPodivm, 2016, 13ª ed., p. 308.
272
WAMBER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo
Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código
de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, 2ª ed., p. 1.483.
158

CONCLUSÃO

O presente trabalho seria rigorosamente supérfluo se o intuito único


fosse evidenciar a essencialidade da função exercida pelo Superior Tribunal de
Justiça por meio do recurso especial. A inconstância da atuação da Corte, no
entanto, justifica a elaboração de uma dissertação dedicada exclusivamente a
esse recurso excepcional e sua função dentro da estrutura judiciária brasileira.
Nesse sentido, ao final, algumas são as conclusões que se extraem das
exposições aqui feitas. A primeira delas é a reafirmação de ponto já largamente
abordado pela doutrina, de que a função do Superior Tribunal de Justiça não
deve, efetivamente, se restringir à resolução do caso concreto a ele posto a
julgamento. É muito mais do que isso.
Na qualidade de uma Corte Superior, o objetivo do Tribunal deve ser —
e efetivamente é — muito maior. Ainda que sua função primordial, de
uniformização de jurisprudência e orientação de interpretação das normas
legais no âmbito federal, seja exercida casuisticamente, por meio de casos
individuais que até a Corte chegam, a sua atuação possui uma relevância que
se destaca e escapa à exclusividade das partes do processo e influencia, em
determinas hipóteses com caráter vinculativo, todos os Tribunais Estaduais e
Regionais Federais.
Desse modo, a forma de atuar da Corte não deve se restringir à
resolução do caso concreto ou mesmo à resolução da questão de direito
pendente de análise. Há que existir, especialmente, uma preocupação e
sempre uma relevante ponderação acerca das consequências que a tomada de
uma determinada decisão irá gerar, não apenas na esfera jurídica, mas
igualmente em âmbito extrajudicial. As decisões do Superior Tribunal de
Justiça têm o poder de afetar a sociedade civil como um todo, exemplificando-
se esta hipótese com o caso dos planos econômicos tratado no item 1.7 desse
trabalho.
Não apenas isso, a relevância da função do Superior Tribunal de Justiça
envolve ainda duas outras questões que mereceram atenção ao longo da
exposição aqui feita: (i) o volume de recursos que chegam à Corte e impedem
a atuação qualitativa do Tribunal; e (ii) os limites dessa atuação, afinal, não é
pela manifesta importância de sua função que não devam existir restrições.
159

Com relação ao primeiro ponto, já são diversos os requisitos de


admissibilidade hoje existentes, muitas vezes utilizados como pretexto para
fazer frente a uma precipitada jurisprudência defensiva do Superior Tribunal de
Justiça, o que acaba por diminuir os recursos, mas, muitas vezes, afasta sua
intervenção em casos indispensáveis ou, outras vezes, encerram graves
injustiças: a prática já demonstrou, por exemplo, que dois recursos especiais
sobre o exato mesmo tema, com os precisos mesmo fundamentos, não
necessariamente terão assegurados o mesmo trânsito. Um pode ser admitido e
outro não.
Isto não deve ocorrer em um sistema judiciário organizado. É por isso
que a implementação de novas formalidades, ou filtros, como a repercussão
geral da fundamentação do recurso especial, tal como para o recurso
extraordinário, parece ser medida salutar.
Restam ser estabelecidos critérios razoáveis e sensatos para se verificar
a existência, ou não, da repercussão geral. O mesmo se espera, com a
redução de trabalho da Corte, como os números mostram ter ocorrido no
Supremo Tribunal Federal com a implementação de tal filtro, da aplicação dos
demais requisitos e dos julgamentos de mérito. Afinal, lembre-se, o Superior
Tribunal de Justiça orienta a intepretação infraconstitucional, de modo que
deve ser o exemplo não apenas na aplicação do direito, mas também em
critério de funcionalidade e efetividade do Tribunal.
Sempre rendendo as homenagens necessárias ao Tribunal Superior,
não se pode deixar de ressaltar, com relação ao segundo ponto acima
mencionado, os limites para atuação da Corte. Ora, é exatamente porque a
relevância de sua função é notória, que devem ser ainda mais claros limites
para tais intervenções.
É por isso que, ao final, se defende inicialmente que o único momento
em que o Superior Tribunal de Justiça aplicará o direito ao caso concreto, tal
como preceitua o art. 1.034 do Código de Processo Civil, é no juízo de revisão.
Isto é, apenas depois de admitido o recurso especial, em respeito a todas as
formalidades inerentes a tal inconformismo excepcional, e cassado o acórdão
recorrido, é que haverá o julgamento de mérito da lide. Antes desse terceiro
momento da intervenção do Tribunal, ele ficará restrito às formalidades
inerentes à sua atuação pontual e de Corte Superior.
160

O Superior Tribunal de Justiça não é uma terceira instância revisora das


questões levadas ao Judiciário. Não apenas por isso os requisitos de
admissibilidade são severos, mas também se evidencia que, na visão deste
autor, nem no juízo de revisão está a Corte livre para atuar como bem
entender. Continuará ela presa aos limites fáticos e probatórios da decisão
recorrida e não poderá intervir em matérias decididas e não impugnadas, ou,
em outras palavras, sobre as quais operou o trânsito em julgado.
Logo, a intervenção dos ministros deve se restringir aos limites impostos
pelo acórdão recorrido e pelo recurso interposto, especificamente aos capítulos
da decisão impugnados, ainda que sua análise recaia sobre matérias de ordem
pública, reconhecíveis de ofício e a qualquer tempo e grau de jurisdição, desde,
obviamente, que não transitada a questão em julgado, o que terá ocorrido com
o capítulo não impugnado pelo interessado.
Resumidamente, portanto, a essência da atuação do Superior Tribunal
de Justiça — que deve sempre vir acompanhada de indispensável
preocupação com as consequências da decisão a ser tomada — se manifesta
em suas intervenções em recursos especiais devidamente admitidos, em que
foram cassados os acórdãos recorridos por violação de lei ou dissídio
jurisprudencial, dentro dos limites fáticos e probatórios traçados pelo acórdão
recorrido e apenas com relação aos capítulos impugnados no recurso
apresentado. Esta limitação abrange, inclusive, matérias de ordem pública, em
respeito aos princípios da previsibilidade e da segurança jurídica.
161

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