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ISSN printed: 2178-5198
ISSN on-line: 2178-5201
Doi: 10.4025/actascieduc.v36i1.19012
Universidade Estadual de Maringá, Av. Colombo, 5790, 87020-900, Maringá, Paraná, Brasil. E-mail: elmajulia@hotmail.com
RESUMO. A metodologia comparada é um rico instrumento analítico dos sistemas educativos, pois,
auxiliando a identificar semelhanças e diferenças, amplia o campo de análise e de compreensão da realidade
nacional em face de outros países, particularmente no campo das políticas públicas e da gestão da educação.
Neste texto, procuramos analisar historicamente as diversas vertentes teórico-metodológicas dos estudos
comparativos e apontar as novas perspectivas da Educação Comparada na atualidade. O propósito é
demonstrar que vem tomando corpo a produção de uma nova perspectiva paradigmática, relacionada ao
abandono das tradicionais fronteiras nacionais como as únicas ou principais categorias de análise. Tal
perspectiva conduz os especialistas, por um lado, a tomar as referências internacionais na análise dos
sistemas e das políticas educacionais e, por outro, a destacar as diferenças regionais, abrindo novos
horizontes para a investigação.
Palavras-chave: estudos comparados, educação, novas perspectivas teórico-metodológicas.
dos fatores ou forças sociais que determinavam e ideológicos (humanismo, socialismo, nacionalismo e
condicionavam as diferenças de escolarização entre democracia). Adotando um ‘enfoque interpretativo
uma sociedade e outra (SADLER, 1964). Tais fatores antropológico’, sua proposta era destacar os fatores
seriam o Estado, a Igreja, a economia, a família, as exógenos e endógenos, detectar a diferença entre
minorias nacionais, a influência das universidades, dos eles, utilizá-los como fatores interpretativos da
interesses financeiros e políticos (MARQUEZ, 1972). educação praticada nos diferentes países; ele
Considerava Sadler que a educação deveria ser estudada procurava destacar a importância das influências
em sua relação com as condições socioculturais e não estrangeiras, do caráter nacional e da história na
somente como uma atividade escolar. explicação dos sistemas educativos (FERRÁN
Entre os anos de 1920 e 1940, com novos FERRER, 2002, p. 34).
enfoques teórico-metodológicos e tendo objeto, Schneider também se interessou pelos sistemas
objetivos, campos de ação, procedimentos e métodos nacionais de educação e, adotando o ‘enfoque
definidos, os estudos comparativos da educação explicativo antropológico’, procurou identificar e
adquiriram o status de ciência. As obras de Isaac analisar as implicações de cada fator em sua
Kandel (1933), Friedrich Schneider (1947) e estruturação. Segundo alguns autores, como
Nicholas Hans (1949), dentre outros, são Bonitatibus (1989), as contribuições mais originais
representativas desse período3. Fundamentados nas desse autor para a Educação Comparada são: a busca
ideias de Sadler, esses autores enfatizaram as relações do equilíbrio entre fatores exógenos (o caráter
entre educação e sociedade e a necessidade de nacional, o espaço geográfico, a cultura, a ciência, a
compreender a influência da história e da cultura na filosofia, a religião, a estrutura social e política, a
evolução da educação. economia, a história e as influências estrangeiras) e
Kandel, com um ‘enfoque explicativo histórico’, fatores endógenos (as influências decorrentes da
evolução da pedagogia) na análise dos sistemas
interessou-se não apenas pelos fatos educativos, mas,
educativos; a ideia de que o estudo histórico dos
sobretudo, por suas causas. Ao estudá-las, ele
sistemas educativos deveria encontrar na interação e
concedeu especial relevância aos fatos históricos,
no movimento dialético entre polaridades
sendo um dos primeiros a considerar que, para
fundamentais (problemas e soluções, passividade e
compreender os sistemas educativos nacionais, atividade, estabilidade social e mobilidade social,
deveriam ser levadas em consideração as forças dentre outras) as forças que determinam a evolução
políticas, sociais, culturais e o caráter nacional que dos sistemas; a comparação da educação a um
determinavam suas particularidades. Da perspectiva organismo vivo, no qual se podem observar fases de
de Kandel, os fatores explicativos das diferenças ou crescimento, seguidas por estagnação ou ‘paradas’,
semelhanças entre esses sistemas situavam-se fora da que representam a assimilação e a solidificação das
escola, de forma que as análises deveriam se revestir inovações; a especial atenção que ele deu à relação
de um caráter interdisciplinar (VEXLIARD, 1970). A cultura-educação. Assim, embora a perspectiva
metodologia de Kandel, segundo Kazamias, obedecia histórica continuasse sendo observada, ele
a três propósitos fundamentais: dispor de considerava também a influência da antropologia,
informações sobre os sistemas escolares (‘inventário atribuindo importância à cultura e aos processos de
descritivo’); investigar as causas de determinados aculturação na explicação dos fenômenos
problemas (‘histórico-funcional’); contribuir para o educacionais. Scheneider foi um dos poucos
aperfeiçoamento dos sistemas e fomentar o espírito comparatistas que, nesse período, assinalou a
de internacionalismo (MARQUEZ, 1972). importância dos fatores endógenos na estruturação
Na interpretação dos dados dos sistemas dos sistemas pedagógicos nacionais (MARQUEZ,
nacionais de educação, Nicolas Hans utilizou-se 1972).
tanto da história quanto da sociologia, podendo ser Nesse momento, já se observa a sistematização
considerado o predecessor do ‘enfoque comparativo desse ramo de estudos. Depois da Segunda Guerra,
funcional’, que será abordado adiante. Do mesmo mantém-se o empenho em elaborar o que se
modo que Kandel, ele considerava que as forças consideravam os novos, mais seguros e objetivos
externas à escola eram decisivas na configuração dos procedimentos de investigação comparada, bem
sistemas nacionais de educação. Dentre elas, como em definir seus objetos e temas. Tal debate
destacaram-se os fatores naturais (raça, língua, sobre o objeto e o método mais adequado aos
geografia e economia), religiosos (catolicismo, estudos em Educação Comparada, segundo Goergen
anglicanismo e puritanismo) e seculares ou (1991), perdura até hoje. As universidades tornaram-
se um centro desse debate: em seus departamentos,
3
No Brasil, Milton da Silva Rodrigues e José Quirino Ribeiro são os pioneiros. centros, grupos de trabalho e institutos foram
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desenvolvidos projetos e conferências relacionados científico, sendo que alguns investigadores tentaram
ao tema. Também a Unesco, especialmente a partir elaborar uma ‘ciência comparada da educação’, cuja
de 1960, transformou-se em “[...] centro finalidade seria orientar as decisões políticas.
permanente de informação e divulgação de Nessa fase, denominada de comparativa, a
documentos, fatos e problemas educacionais” dos tendência foi a construção de uma metodologia de
diferentes países (BONITATIBUS, 1989, p. 47). investigação baseada nas ciências sociais, sobretudo
Assim, a Educação Comparada se fortaleceu. na sociologia (cuja vertente predominante era o
À Unesco coube funcionalismo) e na economia. Quanto ao objeto, a
[...] suscitar e promover a criação de organismos
prioridade era as relações entre escola e sociedade. O
destinados à pesquisa, bem como traçar uma ação ‘funcionalismo’, de base positivista, concebia a
política internacional, através da educação, da ciência sociedade como um todo orgânico constituído por
e da cultura. Sob sua égide, organizaram-se pesquisas instituições mutuamente dependentes. Seu princípio
nacionais, internacionais ou regionais, como fundamental era manter o equilíbrio e a harmonia
congressos, conferências ou colóquios no sistema social, na busca de evitar o conflito para
(BONITATIBUS, 1989, p. 47). que a sociedade caminhasse em direção ao
Essas pesquisas foram utilizadas para orientar as progresso. Nesse processo, a educação
reformas dos sistemas educativos e para promover a desempenharia um papel de grande importância.
cooperação entre os países e as agências Assim, sob a influência do funcionalismo, a
internacionais. Outras organizações internacionais, Educação Comparada buscou compreender as
como o Banco Mundial, a Organização para o complexas inter-relações da educação e da sociedade
Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a por meio do estudo dos aspectos factuais ou das
Organização dos Estados Americanos (OEA), partes dos sistemas e práticas educativas dos
produziram estudos e publicações no campo da diferentes países, relacionando-os aos aspectos
Educação Comparada. Também as organizações supostamente universais.
voluntárias4, as associações de profissionais, os Ainda na década de 1960, os estudos comparados
sindicatos de professores, as sociedades de pedagogia ganharam um novo impulso com o surgimento da
comparada e as fundações particulares, a exemplo da corrente ‘estrutural-funcionalista’, segundo a qual as
Fundação Ford que subvencionou projetos de instituições educacionais teriam uma estrutura e
pesquisa, trouxeram contribuições importantes para desempenhariam uma ou mais funções. Dessa
a definição desse campo de estudos. perspectiva, existiria um relacionamento interno
As agências internacionais analisavam a educação entre estrutura e função e um relacionamento
de perspectivas diferentes, enfatizavam as questões externo com as demais instituições, igualmente
econômicas, como é o caso do BM e OCDE, ou interpretadas segundo o binômio de estrutura e
função.
questões humanistas, como a Unesco. Nestes casos,
Os enfoques histórico-filosóficos baseados em
se procurava aplicar os estudos comparativos à ação
uma perspectiva macrocósmica foram cedendo lugar
política, no sentido tanto de promover a paz, a
a enfoques de natureza microcósmica. Por meio de
solidariedade entre as nações e a segurança universal
exames mais restritos, analíticos e precisos dos
quanto de reduzir a pobreza e promover o
fenômenos (MARQUEZ, 1972), contemplava-se a
desenvolvimento econômico. Em outros termos, tais
educação como um sistema autônomo.
estudos pautavam-se na concepção de que se podia Considerava-se que os dados seriam mais facilmente
predizer o futuro e planejar modelos universais de abarcáveis e manipuláveis de forma a se conseguirem
educação, de forma a construir estratégias de estabelecer relações precisas e exatas, com base nas
intervenção válidas para diferentes contextos quais seria possível formular generalizações passíveis
nacionais e regionais. de comparação empírica.
Desde o final da guerra até os anos de 1960, a Os principais representantes dessa fase, seja com
Educação Comparada passou por uma nova fase de enfoque funcionalista ou estrutural funcionalista,
debates, na qual os educadores se agruparam em são Kazamias, Anderson, Ferning, King e Kneller,
torno de fundamentos e enfoques histórico- Bereday, dentre outros.
filosóficos bastante diversificados. Novas tendências Para Arnold Anderson (1961), com seu ‘enfoque
se articularam em meio às tentativas de reformular tipológico’, um dos principais expoentes da corrente
seus objetivos e de lhe angariar maior rigor ‘estrutural-funcionalista’, a investigação comparativa
deveria abarcar duas dimensões: a análise
4
A mais antiga é a New Education Fellowship (1920), que posteriormente foi intraeducativa e a análise societal educativa. A
denominada Word Education Fellowship; outra organização voluntária é a
Fundação Europeia Cultural. primeira consiste na análise dos dados puramente
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Estudos comparados em educação 133
educativos; a segunda, nas relações entre as tinha “[...] um caráter microcósmico mais analítico e
características educativas e as variáveis do contexto fundamentava-se especialmente em técnicas
social. Seu objetivo era detectar as correlações entre empiristas” (ORTH, 1996, p. 79). Ao tema ou tópico
educação e estrutura social, para que, além de de estudo, que deveria ser importante e urgente,
subsidiar a tomada de decisão política, “[...] se possa seria aplicado um exame de sua perspectiva e
avaliar com segurança seus efeitos e conseqüências” variabilidade e seus resultados deveriam oferecer
(BONITATIBUS, 1989, p. 66). Anderson adotou informações consistentes e contribuir para a
como referência o ‘tipo ideal’, “[...] um construto melhoria e o aperfeiçoamento dos sistemas
racional, elaborado com elementos essenciais do educacionais (MARQUEZ, 1972).
fenômeno para uma posterior comparação com os Do ponto de vista metodológico, seus estudos
fatos reais” (ORTH, 1996, p. 80). pautavam-se na: 1) descrição dos dados do sistema
Kazamias (1961) considerava que o objetivo da educativo das respectivas sociedades; 2)
Educação Comparada era descobrir as funções que interpretação à luz das forças sociais atuantes; 3)
as escolas, como instituições sociais, visualização ou justaposição das principais
desempenhavam em cada país. Com base no semelhanças e diferenças entre os países e elaboração
‘enfoque funcional’, ele afirmava que, para se chegar de hipóteses com base no exame dos contextos; 4)
a uma melhor compreensão dos sistemas, é comparação propriamente dita, teste das hipóteses
necessário fazer correlações funcionais entre as (BONITATIBUS, 1989, p. 65). Nesse
variáveis educativas e variáveis externas da educação procedimento, tomavam-se determinadas funções
(MARQUEZ, 1972). Fernig (1959), Kazamias como corretas porque elas estariam de acordo com
(1961), Kneller (1964) e Foster (1965) enfatizavam a modelos estabelecidos teoricamente ou considerados
necessidade de os estudos transcenderem o âmbito como ‘tipos ideais’. A comparação se fundamentava
nacional, não tomando como único marco de em aspectos isolados ou partes dos sistemas
referência o próprio país para entender os problemas educativos dos diferentes países, os quais eram
universais e as soluções nele propostas e adotadas destituídos das condições históricas e dos conteúdos
(BONITATIBUS, 1989). Ferning, pautando-se no sociais, políticos e econômicos que lhes atribuíam
‘enfoque comparativo global’, chega a sugerir que significado, homogeneizando-os e comparando-os
sejam estabelecidas normas internacionais de em termos quantitativos.
referência para a comparação, propondo a Harold J. Noah e Max A. Eckstein (1969)
‘desnacionalização’ dos estudos comparados em representam outra variante do estruturalismo-
educação (MARQUEZ, 1972). funcionalista. Seu ‘enfoque empírico-quantitativo’
Segundo Ferrán Ferrer (2002, p. 38), sem tomar foi desenvolvido com a intenção particular de
como marco de referência o próprio país, quantificar, controlar rigorosamente e ter precisão na
[...] o enfoque de L. Ferning pretende separar as investigação. Neste caso, a hipótese seria
características educativas fundamentais que se dão solidamente fundamentada em uma teoria e a
em nível mundial nos diferentes âmbitos comparação seria realizada mediante a evidência
geográficos, como o fim de estudar e reformar os objetiva dos fatos. Investigando-se empiricamente as
sistemas educativos específicos debaixo de uma relações causais entre os fenômenos educacionais e
pauta internacional. Para essa tarefa propõe utilizar, sociais, ter-se-ia uma ciência da Educação
por exemplo, a documentação das Conferências
Comparada capaz de explicar e prever (FURTER,
Internacionais de Educação patrocinadas pela
UNESCO (FERRÁN FERRER, 2002, p. 38). 1982). Ao utilizar dados internacionais5, esta
perspectiva ampliou o campo de investigação da
No entanto, cabe destacar que sua proposição Educação Comparada.
não significava uma mera transposição de um Conforme Kelly e Altbach (1990), outro enfoque
sistema para o outro. Para Kazamias, por exemplo, as de natureza empírico-quantitiva dos anos 60 era
estruturas e instituições equivalentes em dois ou sobre o rendimento acadêmico. Segundo eles, as
mais países podem não necessariamente investigações realizadas pela Associação
desempenhar funções equivalentes. Nesse sentido, o Internacional para o Estudo do Rendimento
objetivo da Educação Comparada deveria ser o de Educativo – IEA exerceram influência considerável
descobrir as funções que as escolas, como estruturas sobre a investigação comparada na direção dos
sociais, desempenham em cada país (FERREIRA,
1999). 5
Segundo Gomes (1989, p. 33), “[...] O melhor exemplo dessa tendência foi a
George Bereday (1964), pautando-se no ‘enfoque ampla pesquisa, realizada entre 1962 e 1976, pela International Association for
the Evolution Achievement (IEA). O projeto abrangeu 21 países, incluindo a
comparativo de problemas’, atribui uma importância aplicação de testes para a avaliação de conhecimentos e habilidades conceituais
em matemática, ciências, compreensão da leitura, educação cívica e línguas
considerável aos problemas de ensino. Seu estudo estrangeiras”.
resultados da escola. Esse era um terreno até então sobre a outra10. A Teoria da Reprodução, ao buscar
bastante ignorado, mas que trouxe grandes explicitar, em nível nacional, os mecanismos de
repercussões no campo da educação e, em muitos efetivação da dominação de classes, considerava que,
países, contribuiu para determinar a política com a intermediação da escola, as massas seriam
educativa. sistematicamente controladas e a escola funcionaria
Relacionadas ao estruturalismo-funcionalista, na como principal instrumento de reprodução das
década de 1960, as denominadas Teoria relações capitalistas ou como um dos mais
Desenvolvimentista, Teoria do Capital Humano6 e Teoria importantes aparelhos ideológicos do Estado,
da Modernização Social7 atribuíram à educação um conforme denominação de Althusser (1970).
papel de destaque para o Em síntese, nesse período, os estudos
[...] desenvolvimento sócio-econômico, a formação comparados foram assumindo diferentes enfoques
de recursos humanos para a arrancada metodológicos.
desenvolvimentista, a mobilidade individual e social De um lado, a abordagem macrossociológica,
e a modernização da sociedade (BONITATIBUS, adotada pelos que consideram que a educação de um
1989, p. 63). país deve ser analisada em sua interseção com as
Dessa maneira, essas teorias repercutiram nos relações capitalistas internacionais, considerando os
debates, resultando em uma vasta bibliografia sobre aspectos macroestruturais do subdesenvolvimento e
Educação Comparada. da dependência dos países da periferia em relação aos
A partir da década de 1970, a abordagem países centrais e os interesses imperialistas que
funcionalista e os modelos de análise positivista permeiam o processo de reprodução social. Com
passaram a enfrentar muitas críticas. Considerava-se esse enfoque, aparecem também as críticas às ações
que o seu caráter microssociológico restringia a dos organismos internacionais e às suas influências
pesquisa e levava a Educação Comparada a na formulação das políticas educativas dos diferentes
desconsiderar aspectos relevantes da realidade social países, especialmente os de Terceiro Mundo. Tais
(MARTINI, 1996). A abordagem funcionalista críticas chamam a atenção para a imposição de
modelos estrangeiros, para os programas de ajuda, de
pretendeu fornecer um quadro interpretativo mais
cooperação e de assistência técnica e financeira
fidedigno: procurando não dissociar estrutura e
oferecidos pelas organizações internacionais em
função e trabalhar com os aspectos manejáveis da
detrimento das especificidades nacionais.
realidade, tinha a finalidade de formular
De outro, os que, centrando-se apenas nos
generalizações passíveis de convalidação. No
contextos nacionais, propõem estudos da
entanto, na perspectiva de seus críticos, ao ignorar a
singularidade da cultura local, regional, dos grupos
dimensão histórica, ideológica e os conflitos sociais
(minorias: étnicas, culturais e linguísticas), bem
no seio da educação, ela se revelou claramente
como dos aspectos intraescola e até intraclasse. Seus
descritiva, artificial e incapaz de oferecer
procedimentos são estudos de caso, pesquisa
informações ‘objetivas’ para guiar as políticas
participativa e pesquisa-ação, baseados nos métodos
educativas.
qualitativos da perspectiva dialética
Como alternativa ao funcionalismo, surgem
(BONITATIBUS, 1989). Assim, as investigações,
outras perspectivas, como as relacionadas à Teoria da
em lugar da comparação entre países em suas
Dependência8 e à Teoria da Reprodução9. Baseadas no dimensões sociais e políticas, optam pelo que se
‘paradigma do conflito’ ou na teoria neomarxista, tais ensina nas escolas e nas experiências escolares das
teorias adotavam uma postura crítica em relação ao minorias. Ao mesmo tempo, os estudos chamam a
papel social da educação. Do ponto de vista da atenção para a imposição de modelos estrangeiros,
Teoria da Dependência, pautando-se no jogo dos realizada por meio de programas de ajuda, de
interesses internacionais, a educação deixa de ser um cooperação e de assistência técnica e financeira
agente de desenvolvimento e de modernização da oferecidos pelas organizações internacionais.
sociedade e se torna um instrumento de A partir do final década de 1970, as teorias da
dominação/subordinação dos países desenvolvidos dependência e da reprodução passaram a receber
sobre os não desenvolvidos e de uma classe social inúmeras críticas, por parte, por exemplo, de autores
como Noah e Eckstein (1987) e de outros marxistas
6
O maior representante dessa tendência na Educação Comparada foi Adams
(1977). ou neomarxistas. Para Snyders (1977), por exemplo,
7
Entre os defensores dessa perspectiva, Nóvoa (1998) destaca Neave, Husén, tais abordagens ignoram um dos principais pilares do
Heyneman, Psacharopoulos, Coombs e Hopper.
8
Na aplicação da teoria da dependência à educação, destaca-se o trabalho de
Berger (1976). 10
Martin Carnoy, Robert Arnove, Philip Altbach, Gail P. Kelly e Michael Apple são
9
Althusser (1970) é o seu maior expoente. os representantes mais conhecidos desta linha de investigação (NÓVOA, 1998).
sistema mundial, enfoque sócio-histórico, enfoque particularidade das práticas escolares cotidianas, a
feminista, teoria pós-moderna, teoria do pós- organização e o funcionamento interno das
colonialismo, teoria da cartografia social, teoria pós- instituições educativas, a cultura escolar, o currículo,
estruturalista, teorias pós-marxista e neomarxistas, a relação pedagógica entre professores e alunos.
teoria crítica, teoria da racionalização cultural, dentre Esses estudos procuram explicar como os modelos
outras (FERRÁN FERRER, 2002; PAULSTON, mundiais foram elaborados e reapropriados nos
1993). Em que pese essa diversidade de enfoques, diferentes contextos nacionais, por meio da análise
métodos e teorias, observamos que tais investigações das práticas discursivas, das dinâmicas informais e de
como os discursos moldam os fatos.
podem ser agrupadas e caracterizam-se, grosso
De outro lado, de uma perspectiva global,
modo, por duas grandes tendências.
internacional ou transnacional, com um enfoque
De um lado, a dos comparatistas educacionais
macroanalítico, estão os comparatistas que
que, com base em um enfoque microanalítico, privilegiam os efeitos da globalização, como um
privilegiam uma perspectiva intranacional, regional, fenômeno político e econômico, sobre a educação e
local ou subnacional (RUST, 1991; PAULSTON, a análise mundial dos sistemas (ARNOVE;
2000; MALET, 2004) para a investigação dos TORRES, 1999; DALE, 2002; MEYER; RAMÍREZ,
sistemas educativos. Adotando os referenciais 2002).
teóricos da antropologia, da história cultural, da Nesses estudos, considera-se que a explicação
sociologia e dos debates pós-modernos, eles dos sistemas educativos não se encontra apenas no
mostram a possibilidade de se adotar novos enfoques contexto nacional; por essa razão, a maioria deles
na análise da educação em sua relação com o busca analisar a natureza da globalização e suas
processo de globalização. Com finalidade de resgatar implicações para a educação, bem como a maneira
a singularidade dos sistemas educativos nacionais, pelas quais elas podem ser registradas pela Educação
boa parte desses trabalhos investiga, no âmbito Comparada. Centrando-se no papel que os
organismos internacionais desempenham na
particular das instituições, a natureza subjetiva do
elaboração e na implantação das políticas educativas
ato educacional e os sentidos que lhe são atribuídos
nacionais, grande parte desses estudos expressa a
pelos próprios atores. Seu objetivo é oferecer oposição à influência ou à interferência dos
subsídios para sistematizar e encaminhar políticas organismos internacionais nas decisões políticas
que contemplem as particularidades e locais. Considera-se que os processos de
especificidades das diferentes culturas que compõem transferência ou imposição de modelos educacionais
a sociedade, de forma a lhes oferecer alternativas. universalizantes e de padrões operacionais
Por isso, suas análises se voltam para a vida uniformes (diagnósticos, estratégias de ação,
cotidiana, para o estudo de caso, para a descrição da procedimentos de avaliação), por corresponderem a
realidade na perspectiva dos que as vivem, para a parâmetros alheios ao nacional nos quais se
diversidade de culturas, para as diferenças locais e desconsideram as condições em que os sistemas se
regionais. organizam, conduzem à padronização das políticas
Dessa maneira, resgatam-se a heterogeneidade educacionais.
[gênero, raça, etnia, grupo social] e a singularidade Alguns estudos, em face do processo acelerado de
das experiências vividas e das visões de mundo, em integração econômica supranacional, problematizam
oposição ao etnocentrismo cultural ou à hegemonia o desaparecimento das políticas específicas do
dos modelos únicos e universalizados, apoiados nas Estado-nação e sua repercussão nas políticas e
‘metanarrativas’12. A preocupação predominante já práticas educativas nacionais. Outros investigam o
não incide sobre os fatos ou os dados estruturais crescente abandono dos propósitos sociais da
(rankings, hierarquias, taxas), mas sobre os sistemas educação, relacionando-o com a submissão das
educativos nacionais, nos quais se destaca a políticas educativas aos imperativos economicistas e
à lógica do mercado globalizado. Outros, ainda,
12
As metanarrativas são amplos discursos interpretativos produzidos pela
abordam a relação entre a educação e o processo de
modernidade com o objetivo de explicar/legitimar a condição histórica do homem
ocidental. O termo é empregado pelo filósofo francês Jean-François Lyotard
globalização e, não dispensando a análise dos efeitos
(1924-1998) que, em sua obra A condição pós-moderna (1979), manifesta uma das ‘forças globais’ sobre a educação nacional,
“[...] incredualidade em relação aos metarrelatos” (LYOTARD, 2011, p. xvi),
desconfia dos consensos universais e das visões ‘totalizantes’ da história. O afirmam que os fenômenos globais não afetam do
abandono das grandes narrativas, acompanhado pela recusa da visão
‘totalizante’ de mundo e da mensagem unificada/universalista, abre caminho
mesmo modo os sistemas educativos dos diferentes
para “[...] o reconhecimento da heteregeneidade dos jogos de linguagem”, “[...] países e que tampouco a globalização conduz à
para a multiplicidade de metaargumentações” (LYOTARD, 2011, p. 118-119) e
para o entendimento dos fenômenos históricos de forma plural, ou seja, para o homogeneização dos sistemas educativos estatais. A
intercâmbio de narrativas modestas ou ‘pequeno relato’, conforme expressão
empregada pelo autor. ideia de que seus efeitos sobre os sistemas educativos
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Estudos comparados em educação 137
seriam parciais implica a possibilidade de construção Cabe lembrar que, embora as iniciativas comuns
de estratégias distintas para problemas similares. estejam presentes em vários países, elas podem se
Considerando que a globalização, como uma caracterizar por conteúdos e alcances diferentes.
nova fase do capitalismo mundial, afeta os sistemas Como forma de
educativos nacionais, o desafio que se coloca para
que a Educação Comparada alcance novas [...] evitar a simples importação de agenda de
dimensões é o da análise dos fenômenos educativos investigação e a reprodução descontextualizada das
análises e críticas produzidas noutros contextos, e de
para além dos processos nacionais. Por um lado, isso
igual modo ao recusar a sobredeterminação de factores
tem levado alguns autores a defender que a análise racionais e locais (LIMA; AFONSO, 2002, p. 7-8).
da educação deve ser realizada com base em sua
inserção no contexto do capitalismo mundial e, ao Os autores sugerem uma postura que procure
mesmo tempo, a considerar que o processo se faz identificar simultaneamente aquilo que é comum,
acompanhar por novas formas de identidade e de ou idêntico, e aquilo que é único, específico.
autoexpressão cultural local. Por outro lado, esse Nessa identificação, portanto, as semelhanças e
mesmo processo leva outros autores a defender as diferenças não seriam tratadas como estanques,
diferenças culturais, sociais, políticas e ideológicas e, como cópia ou reprodução, mas como resultado da
procurando preservar a identidade de cada nação, ‘relação dialética’ entre os níveis global e local.
tecer críticas ao etnocentrismo. Procurando a inter-relação desses dois níveis na
organização dos novos sistemas de ensino, é possível
Por uma proposta de análise dialética no campo da iluminar as particularidades e as tendências globais,
Educação Comparada distinguir o que é próprio/específico do que
Face aos novos enfoques, nesta parte do texto, manifesta a tendência universal, o que demandaria
teceremos algumas considerações quanto às um enfoque de investigação que articula o micro e o
possibilidades de aplicação do método dialético no macro13.
campo da Educação Comparada. Assim, sem desconsiderar que comparar os
Inicialmente, consideramos importante retomar sistemas educacionais implica uma opção entre
a ideia de Franco (1992, p. 14) de que o estudo diferentes métodos e a consciência de que eles
comparado dos fenômenos educativos permite, expressam os antagonismos presentes nas relações
[...] o reconhecimento do outro e de si mesmo pelo sociais e as diferentes visões de mundo e de
outro. A comparação é um processo de perceber as sociedade, entendemos que a Educação Comparada
diferenças e semelhanças e de assumir valores nessa seria beneficiada pela ‘perspectiva dialético-
relação de mútuo reconhecimento. Trata-se de materialista’. Entendemos que esse enfoque nos
entender o outro a partir dele mesmo e, por exclusão, se oferece mais possibilidades de evitar uma análise
perceber na diferença (FRANCO, 1992, p. 14). unidimensional, já que nos incentiva a buscar as
Dessa definição depreende-se que a compreensão origens das diferenças e semelhanças entre os países
das políticas e das reformas educativas na atualidade nos processos sociais e históricos. São estes que lhes
dão significado, especialmente quando as diferenças
[...] exige do investigador uma atitude favorável ao
estudo comparado, de modo a identificar os tópicos e semelhanças são analisadas como expressão não de
recorrentes, as semelhanças nas retóricas produzidas partes isoladas e sim de uma totalidade, de uma
e nas soluções propostas, mas também as realidade social contraditória, cuja transformação
dessemelhanças significativas e os traços particulares pode se dar pela ação dos sujeitos sociais. Dessa
de âmbito nacional (LIMA; AFONSO, 2002, p. 7). perspectiva, concordamos com Martini (1996, p. 34-
Para Lima e Afonso (2002), a atenção aos fatores 35), quando diz que, para analisar o fenômeno
externos não pode ser menor do que a concedida às educativo, é necessário:
especificidades internas. Desse modo, [...] colocar em evidência as relações internas do
[...] parece, portanto, necessário apostar numa certa processo educativo em análise. Essas relações
tensão entre aquilo que pode ser reconhecido como internas podem ser buscadas através do estudo dos
comum e como distinto, como influência, mas não aspectos e/ou elementos contraditórios do
necessariamente como uma cópia ou reprodução, fenômeno. Na contradição consideramos todos os
contrariando quer a produção singular das imagens antagonismos, as ligações com a realidade
puramente reflectidas de modelos exógenos, quer a
singularidade sistemática, única e incontaminada, das 13
Importa ressaltar que, em diversos estudos publicados no campo da Educação
Comparada a partir dos anos de 1990, os autores têm manifestado interesse em
realidades interpretadas como próprias ou abarcar simultaneamente em seu objeto de estudo dimensões globais e locais
reconhecidas como endógenas (LIMA; AFONSO, (ARNOVE; TORRES, 1999; NÓVOA, 1994; SCHRIEWER, 1995). Ou seja, em
centrar os estudos “[...] nas comunidades de referência dos actores locais e nos
2002, p. 11-12). processos de regulação ao nível internacional” (NÓVOA, 1994, p. 105).
circundante, reencontrando sua unidade e seu não o são, pois tudo depende das relações entre o
movimento [...] Ao estudarmos um determinado local e o global, o que deve ser levado em conta na
fenômeno educativo, tendo como guia o método comparação? Como as particularidades devem ser
dialético, precisamos evidenciar suas contradições,
abordadas no estudo comparado? Como considerar a
seu movimento interno, suas qualidades, suas
diversidade sem cair no particularismo e no
transformações. Só depois de concluída a espiral de
análise dialética, terá início o processo de relativismo?
comparação, buscando compreender criticamente os Tais questionamentos têm origem na
resultados e comparando-os, também, a luz da compreensão de que não é suficiente o estudo
totalidade do real em que se inserem [...] Assim, o isolado de organizações e processos específicos. A
estudo comparativo, partindo da totalidade histórica, esse respeito Gohn (2005) afirma que:
possibilitará a apropriação detalhada dos fenômenos
educativos comparados. Do tratamento das [...] a forma como os problemas se apresentam na
categorias essenciais inseridas em um projeto de realidade assemelha-se ao conjunto de relações
compreensão do real, constroem-se as abstrações e organizadas que resultam das interações dinâmicas,
teorizações sobre o fenômeno investigado, que nos internas e externas, e fazem com que o
permitirão voltar ao real a fim de transformá-lo comportamento da parte seja diverso se, porventura,
(MARTINI, 1996, p. 34-35). for analisado isoladamente no interior de um todo
(GOHN, 2005, p. 256).
Portanto, para proceder à investigação comparada
Não se trata, portanto, de simplesmente buscar
da educação numa perspectiva dialética, é essencial
as particularidades de um fenômeno, o destaque para
recorrer à categoria da totalidade, entendida como
suas diferenças, mas também de apreender
unidade concreta das contradições, pois permite
dialeticamente sua especificidade, sua relação com
perceber que a unidade não se explica por si mesma,
outros fenômenos e sua diferenciação qualitativa.
mas se constrói e reconstrói em meio às relações Em outros termos, a proposta é operar com uma
sociais, que, por sua vez, possuem um caráter espécie de codificação dupla.
histórico e, portanto, transitório. Entendemos que desvelar a relação dialética entre
Metodologicamente, concebe-se que a contradição os níveis global e local e reconhecer a inter-relação e
social reside na relação recíproca das partes, no interdependência desses dois níveis na organização
embate das forças e tendências distintas que se dos atuais sistemas de ensino é fundamental para o
relacionam. Isso implica que, é necessário, por um avanço da Educação Comparada; que o sistema
lado, estudar o que há de específico em cada mundial moderno de produção é o suporte teórico
elemento da contradição, reconhecer sua essência para compreender e analisar as políticas locais de
particular; por outro, reconhecer que isto é educação; que as estruturas locais, nacionais e
impossível sem que se considere o que existe neles globais possuem relações ‘mutuamente
de universal. Por isso, compreender a contradição constitutivas’, que a globalização não é um processo
significa descobrir a relação recíproca entre o uniforme e que “[...] o capitalismo é extremamente
específico e o universal no seio do mesmo fato. Em flexível em termos de arranjos institucionais através
outras palavras, implica compreender não apenas as do qual ele pode operar” (DALE, 2004, p. 455). Em
ideias, mas reconstruir o terreno social de disputas e outros termos, como as repercussões do capitalismo
lutas políticas, de correlação de forças contraditórias estão associadas às formas distintas de regionalização,
da sociedade. Para tanto, é necessário analisar as é necessário analisar os fenômenos não apenas em
formas de vida que estão se opondo, os conflitos de sua dimensão singular, mas também em suas
ordem econômica, as relações de trabalho, de relações sociais e históricas. Distinguindo, assim, suas
sobrevivência, os distintos princípios e valores que particularidades e especificidades e o que manifesta a
envolvem todos os membros da sociedade e dão tendência universal, é possível compreender melhor as
dinamismo à história. semelhanças e diferenças entre os sistemas educativos.
Essa perspectiva nos induz a questionar: é Desse modo, do ponto de vista metodológico os
possível construir uma ‘agenda globalmente estudos comparativos numa perspectiva dialética não
estruturada para a educação’ (DALE, 2004); pensar devem se restringir à análise dos aspectos descritivos
em uma ‘cultura educacional mundial comum’ ou mais restritivos e delimitados dos sistemas, como
(MEYER; RAMÍREZ, 2002); existiriam alternativas? se os dados pudessem falar por si. É necessário
Quanto ao papel da Educação Comparada, se o considerar que a educação como uma atividade
processo de globalização não é homogêneo e, humana participe da totalidade social. Com efeito,
portanto, seus impactos sobre a reformulação dos isso implica em explicitar as múltiplas determinações
sistemas educativos dos diferentes países também históricas, materiais e culturais, uma vez que é na
Acta Scientiarum. Education Maringá, v. 36, n. 1, p. 129-141, Jan.-June, 2014
Estudos comparados em educação 139
materialidade que se produz o ser social e as ideias, cada vez mais, as políticas e práticas educativas,
teorias, concepções e políticas educacionais. Implica tendo determinantes comuns, são cada vez mais
também em analisar educação no processo das semelhantes. Esse reconhecimento não significa a
relações de classe, determinadas pelas relações de negação das especificidades dos diferentes países,
produção, e que igualmente possui um caráter mas sim que estas precisam ser investigadas sob uma
contraditório. perspectiva de que o específico é, de forma
Trata-se, portanto, de captar as múltiplas contraditória, a forma de manifestação do
determinações e significados dos fenômenos, bem movimento geral/universal. O que estamos
como o lugar que eles ocupam na totalidade. Para querendo afirmar fica claro na seguinte formulação
tanto, deve-se ter em conta que o conteúdo social é de Alves (2006, p. 13):
construído pelos próprios homens, pelas relações
estabelecidas entre si, resultado da multiplicidade de [...] o modo de produção capitalista integrou o
mercado mundial e plasmou as relações sociais, no
interesses/necessidades conflitantes, e, ao mesmo
universo, à imagem e semelhança do capital. Se
tempo, da reprodução do existente e da capacidade dessas considerações emerge o reconhecimento do
de criação do novo. Por isso, na análise, devem-se caráter universal dos fenômenos que ocorrem sob a
considerar as relações mutuamente constitutivas, as égide do modo de produção capitalista, elas não
ambiguidades, os conflitos e as contradições entre as excluem o fato de que as formas singulares de
forças nacionais e supranacionais. Significa também realização do capital, em distintas nações do universo,
pensar que o processo de globalização não é produzem manifestações peculiares daqueles mesmos
fenômenos, que necessitam ser apreendidas pela
homogêneo, como não o são os impactos sobre a
pesquisa científica.
reformulação dos sistemas educativos dos diferentes
países. Tal reflexão permite conhecer os Isso é teoricamente relevante, já que implica a
fundamentos das diferenças/particularidades, ao compreensão de que o comum e o específico são
mesmo tempo em que revela que o movimento de dois lados de uma mesma moeda. Em outros
contraposição/resistência está presente no termos, implica que o universal existe no
desenvolvimento da realidade. particular, que o universal não é algo diferente ou
Assim, uma análise comparativa dos aspectos oposto ao particular, mas sim o próprio paradigma
educacionais, particularmente da política dele.
educacional, numa perspectiva dialética, implicaria
Isso quer dizer que as categorias científicas mais
considerar não apenas a dinâmica do movimento do gerais não podem ser exclusivas e nem excludentes
capital, mas também seus meandros, suas no processo de investigação científica, pois o singular
articulações e os processos mediadores entre o geral não é uma forma de realização reflexa do universal.
e específico. Mesmo sendo a única forma sob a qual o universal
se realiza, ‘o singular é, sempre, uma forma de
Considerações finais realização peculiar do universal.’ Por conter,
inclusive, aspectos que fogem às formas mais
Tendo analisadas as diversas vertentes teórico- desenvolvidas do universal, o singular exige,
metodológicas dos estudos comparativos e apontadas também, a construção de categorias científicas
as novas perspectivas da Educação Comparada na apropriadas à sua apreensão plena (ALVES, 2006,
p. 13, grifos do autor).
atualidade, é importante destacar o gradativo
abandono das tradicionais fronteiras nacionais como Enfim, já que muitas questões ainda precisam
as únicas ou principais categorias de análise dos ser analisadas e que não existe consenso sobre a
sistemas e das políticas educacionais e sua interferência do processo de globalização nas
substituição por referências ou internacionais ou políticas educativas, queremos destacar algumas
regionais. Esse processo abriu novos horizontes para das possibilidades da perspectiva dialética. Por
as discussões educacionais, especialmente quanto à meio dela, se pode esclarecer o que engendra o
utilização de uma metodologia dialética nos estudos próprio processo de globalização, o que articula
comparativos. ou dissolve o local, o nacional e o global. Ela
Tal metodologia não se limita a identificar as favorece a elucidação das mediações e interações
semelhanças e diferenças entre os fenômenos, mas dinâmicas, mostrando o lugar que os fatores locais
abrange a explicação do porquê de elas ocorrerem ou ocupam no movimento mais geral da sociedade e,
o quê faz com que o comportamento da parte seja ao mesmo tempo, o que há de universal no
diverso. Isso implica reconhecer que existe um particular, bem como as forças contraditórias
processo de internacionalização do capital, no qual, atuantes nesse movimento relacional.
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