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DIREITO CONSTITUCIONAL E METODOLOGIA

JURÍDICA
28º CPR

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Sumário
1.a. Constitucionalismo: trajetória histórica. Constitucionalismo liberal e social. Constitucionalismo britânico, francês e norte-
americano. .................................................................................................................................................................................... 4
1.b. Poder Legislativo. Organização. Atribuições do Congresso Nacional. Competências do Senado e da Câmara. Legislativo e
soberania popular. A crise da representação política. ................................................................................................................... 7
1.c. Ministério Público: História e princípios constitucionais. Organização. As funções constitucionais do Ministério Público. ...... 9
2.a. Constituição e cosmopolitismo. O papel do direito comparado e das normas e jurisprudência internacionais na
interpretação da Constituição. ..................................................................................................................................................... 11
2.b. Poder Executivo. Histórico. Presidencialismo e Parlamentarismo. Presidencialismo de coalizão. Presidente da República:
estatuto. Competências. Poder normativo autônomo, delegado e regulamentar. Ministros de Estado. ....................................... 13
2.c. Hermenêutica e Teorias da argumentação jurídica. ............................................................................................................. 16
3.a. Divisão de poderes. Conceito e objetivos. História. Independência e harmonia entre poderes. Mecanismos de freios e
contrapesos. ................................................................................................................................................................................ 18
3.b. Poder Judiciário: organização e competência. Normas constitucionais respeitantes à magistratura. O ativismo judicial e
seus limites no Estado Democrático de Direito. .......................................................................................................................... 19
3.c. Estado-membro. Competência. Autonomia. Bens. ............................................................................................................... 24
4.a. Direitos sociais: enunciação, garantias e efetividade. Princípio da proibição do retrocesso. Mínimo existencial e reserva do
possível. ...................................................................................................................................................................................... 26
4.b. Normas constitucionais. Definição. Estrutura. Classificações. Princípios e regras. Preâmbulo. Efeitos das normas da
Constituição brasileira de 1988. .................................................................................................................................................. 28
4.c. Lacunas e Integração do Direito: analogia, costumes e equidade. ....................................................................................... 30
5.a. Poder Constituinte originário. Titularidade e características. ................................................................................................ 31
5.b. Supremo Tribunal Federal: organização e competência. Jurisdição constitucional. ............................................................. 32
5.c. Município: criação, competência, autonomia. Regiões metropolitanas. ................................................................................ 33
6.a. Poder constituinte derivado. Limitações à reforma constitucional. Cláusulas pétreas expressas e implícitas. As mutações
constitucionais. ............................................................................................................................................................................ 34
6.b. Federalismo. Concepções e características. Classificações. Sistemas de repartição de competência. Direito comparado. 37
6.c. Direitos fundamentais. Concepções. Características. Dimensões Objetiva e Subjetiva. Eficácia vertical e horizontal. ......... 39
7.a. Processo legislativo. Emenda constitucional, lei complementar, lei ordinária, lei delegada, medida provisória, decreto
legislativo e resolução. O processo de incorporação dos tratados internacionais. Devido processo legislativo. ......................... 41
7.b. União Federal: competência e bens. .................................................................................................................................... 43
7.c. Os Princípios gerais de direito. ............................................................................................................................................. 44
8.a. Poder constituinte estadual: autonomia e limitações. ........................................................................................................... 45
8.b. Política agrária na Constituição. Desapropriação para reforma agrária. ............................................................................... 46
8.c. Defesa do Estado e das instituições democráticas. Estado de defesa. Estado de sítio. Papel constitucional das Forças
Armadas. ..................................................................................................................................................................................... 48
9.a. Comunicação social. A imprensa na Constituição. Liberdades públicas, acesso à informação e pluralismo. ...................... 49
9.b. Norma jurídica e enunciado normativo. Características da norma jurídica. .......................................................................... 53
9.c. Segurança Pública na Constituição. O papel das instituições policiais. ................................................................................ 55
10.a. Interpretação constitucional. Métodos e princípios de hermenêutica constitucional. .......................................................... 58
10.b. Nacionalidade brasileira. Condição jurídica do estrangeiro. ............................................................................................... 60
10.c. Intervenção federal nos Estados e intervenção estadual nos Municípios. .......................................................................... 62
11.a. Liberalismo igualitário, comunitarismo, procedimentalismo e republicanismo. Suas projeções no domínio constitucional.63
11.b. Princípios constitucionais sobre a Administração Pública................................................................................................... 65
11.c. Colisão entre normas constitucionais. Ponderação e juízo de adequação. Princípios da Proporcionalidade e da
Razoabilidade. ............................................................................................................................................................................ 66
12.a. Controle de constitucionalidade: evolução histórica do sistema brasileiro. Direito comparado. Legitimidade democrática. 68
12.b - Critérios clássicos de resolução de antinomias jurídicas. .................................................................................................. 70
12.c. Princípios constitucionais do trabalho. Os direitos fundamentais do trabalhador. ............................................................... 71
13.a. Direito Constitucional Intertemporal. Teoria da recepção. Disposições constitucionais transitórias. ................................... 73

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13.b. Regime constitucional da propriedade. Função socioambiental da propriedade. Desapropriação e requisição. ................ 75
13.c. Princípio da isonomia. Ações afirmativas. Igualdade e diferença. Teoria do impacto desproporcional. Direito à adaptação
razoável....................................................................................................................................................................................... 77
14.a. Democracia. Conceito. História. Fundamentos. Democracia representativa e participativa. Teorias deliberativa e
agregativa da democracia. Instrumentos de democracia direta na Constituição de 1988............................................................ 79
14.b. Previdência e assistência social na Constituição. ............................................................................................................... 81
14.c. A evolução do constitucionalismo brasileiro: constituições de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969. A ditadura militar
e os atos institucionais. A assembleia constituinte de 1987/88. .................................................................................................. 82
15.a. Controle jurisdicional e social das políticas públicas. Serviços de relevância pública. O papel do Ministério Público. ........ 85
15.b. Direitos políticos. O papel da cidadania na concretização da Constituição. ....................................................................... 87
15.c. Regime constitucional dos parlamentares. Imunidades e incompatibilidades. .................................................................... 88
16.a. Direito fundamental à educação. A educação na Constituição Federal. ............................................................................. 90
16.b. Os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. ................................................................................... 92
16.c. Controle concreto de constitucionalidade. O Recurso Extraordinário. ................................................................................ 94
17.a. Proteção constitucional à família, à criança, ao adolescente e ao idoso. ........................................................................... 96
17.b. A metodologia jurídica no tempo. A Escola da Exegese. Jurisprudência dos conceitos, jurisprudência dos interesses e
jurisprudência dos valores. O realismo jurídico. Neoformalismo. O pós-positivismo jurídico. ...................................................... 99
17.c. Igualdade de gênero. Direitos sexuais e reprodutivos. ..................................................................................................... 102
18.a. Orçamento público: controle social, político e jurisdicional. .............................................................................................. 104
18.b. Direitos das pessoas portadoras de deficiência. A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e
seu Protocolo Facultativo. ......................................................................................................................................................... 107
18.c. Controle abstrato de constitucionalidade: Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Direta de Inconstitucionalidade por
Omissão, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. ..................... 109
19.a. Liberdade de expressão, religiosa e de associação. O princípio da laicidade estatal. Os direitos civis na Constituição de
1988. ......................................................................................................................................................................................... 115
19.b. Direitos das comunidades remanescentes de quilombos e de comunidades tradicionais. ............................................... 118
19.c. Direito à saúde. Sistema Único de Saúde na Constituição. Controle social. O direito de acesso às prestações sanitárias.
.................................................................................................................................................................................................. 120
20.a. Finanças públicas na Constituição. Normas orçamentárias na Constituição. ................................................................... 122
20.b. Índios na Constituição. Competência. Ocupação tradicional. Procedimento para reconhecimento e demarcação dos
territórios indígenas. Usufruto. .................................................................................................................................................. 124
20.c. Limites dos direitos fundamentais. Teorias interna e externa. Núcleo essencial e proporcionalidade. Os “limites dos
limites”. ...................................................................................................................................................................................... 127
21.a. Conselho Nacional do Ministério Público. História, composição, competência e funcionamento. ..................................... 128
21.b. Interpretação jurídica. Métodos e critérios interpretação. ................................................................................................. 130
21.c. Ordem constitucional econômica. Princípios constitucionais da ordem econômica. Intervenção estatal direta e indireta na
economia. Regime constitucional dos serviços públicos. Monopólios federais e seu regime constitucional. ............................. 132
22.a. O papel das pré-compreensões no Direito. Interpretação, moralidade positiva e moralidade crítica. ............................... 135
22.b. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Técnicas decisórias na jurisdição constitucional. ................................... 137
22.c. Direito fundamental à moradia e à alimentação. ............................................................................................................... 139
23.a. Direitos fundamentais culturais. Multiculturalismo e interculturalidade. Direito à diferença e ao reconhecimento. ............ 140
23.b. Súmula vinculante. Legitimidade e críticas. Mecanismos de distinção. ............................................................................ 142
23.c. Direitos fundamentais processuais: acesso à justiça, devido processo legal, contraditório, ampla defesa, vedação de uso
de provas ilícitas, juiz natural e duração razoável do processo. ................................................................................................ 143
24.a. Neoconstitucionalismo. Constitucionalização do Direito e judicialização da política. ........................................................ 146
24.b. Estatuto constitucional dos agentes políticos. Limites constitucionais da investigação parlamentar. Crimes de
responsabilidade. Controle social, político e jurisdicional do exercício do poder. O princípio republicano. ................................ 148
24.c. As funções essenciais à Justiça: Advocacia privada e pública. Representação judicial e consultoria jurídica da União, dos
Estados e do Distrito Federal. A Defensoria Pública. ................................................................................................................ 150
25.a. Pluralismo jurídico. As fontes normativas não estatais. ................................................................................................... 151
25.b. Inconstitucionalidade por omissão. Ação Direta e Mandado de Injunção. ........................................................................ 152
25.c. Conselho Nacional de Justiça. História, composição, competência e funcionamento....................................................... 154

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1.a. Constitucionalismo: trajetória histórica. Constitucionalismo liberal e social. Constitucionalismo
britânico, francês e norte-americano.

Constitucionalismo – conceito: Constitucionalismo é a teoria (ou a ideologia) que ergue o princípio do governo
limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma
comunidade.

Trajetória histórica: a ideia de constituição, tal como hoje é conhecida, é produto da modernidade, sendo tributária
do iluminismo e das revoluções burguesas dos sécuos XVII e XVIII, ocorridas na Inglaterra, nos EUA e na França. Ela
está profundamente associada ao constitucionalismo moderno, que preconiza a limitação jurídica do poder político, em
favor dos direitos dos governados. Não obstante, fala-se também em constitucionalismo antigo e constitucionalismo
medieval, para aludir a determinadas concepções sobre o poder político existentes na antiguidade greco-romana e na
idade média. Evidentemente, o constitucionalismo e as concepções sobre constituição que lhe são subjacentes têm
variado bastante ao longo do tempo, influenciadas pelas produndas mudanças sociais, políticas e econômicas que vêm
ocorrendo no mundo.
→ Constitucionalismo antigo e medieval: na Grécia, entre os séculos VI e IV a.C., floresceram algumas ideias
e instituições que podem ser vistas como correspondentes a um modelo antigo de constitucionalismo. A organização
política da polis era chamada politeia, expressão que muitos traduzem como “constituição”. Tratava-se, todavia, de um
conceito ora empírico, que designava a forma de ser da comunidade política, ora ideal, que indicava um modelo a ser
seguido para a realização do bem comum, mas que não se revestia de um conteúdo propriamente jurídico, que
caracterizaria a Constituição em sentido moderno, vista como norma de hierarquia superior, reguladora do processo
político e das relações entre indivíduos e estado. Em Roma, tampouco se cogitava de constitucionalismo em sentido
moderno, como fórmula de limitação do poder político em favor da liberdade dos governados. Sem embargo, algumas
instituições do período republicano romano já prenunciavam a concepção moderna de separação de poderes,
notadamente a sua repartição por instituições, como o Consulado, o Senado e a Assembleia, representativas de
estamentos diferentes da sociedade, de forma a propiciar o equilíbrio entre eles. Já a Idade Média, que se inicia com a
queda do Império Romano, correspondeu a um período caracterizado pelo amplo pluralismo político. Não havia qualquer
instituição que detivesse o monopólio do uso legítimo da força, da produção de normas ou da prestação jurisdicional. Não
existia nada semelhante ao estado moderno, titular de soberania no âmbito do seu território, e não havia como cogitar-se
em constituição no sentido moderno. Porém, essa própria dispersão do poder, ao limitar cada um dos seus titulares, é
tida por autores como FIORAVANTI como um componente do constitucionalismo medieval. Por outro lado, é no final da
idade média que se desenvolve uma ideia que antecipa, em alguns aspectos, o constitucionalismo moderno: surgem
pactos, celebrados entre reis e certos estamentos sociais superiores, que reconheciam aos integrantes desses
estamentos certos direitos e prerrogativas, erigindo limitações jurídicas ao exercício dos poderes políticos. Desses pactos
estamentais, o mais conhecido é a Carta Magna, firmada em 1215 pelo Rei João Sem Terra, pelo qual esse de
comprometia a respeitar determinados direitos dos nobres ingleses. A esses pactos faltava, contudo, a universalidade
que caracterizaria as constituições modernas, uma vez que eles não reconheciam direitos extensivos a todos os cidadãos,
mas apenas liberdades e franquias que beneficiavam os estamentos privilegiados.
→ Constitucionalismo moderno: sustenta a limitação jurídica do poder do estado em favor da liberdade
individual. Ele surgiu na modernidade, como forma de superação do estado absolutista, em que os monarcas não estavam
sujeitos ao direito. Alguns desenvolvimentos históricos foram essenciais para o surgimento do constitucionalismo
moderno, como a ascensão da burguesia como classe hegemônica; o fim da unidade religiosa na Europa, com a reforma
protestante; a cristalização de concepções de mundo racionalistas e antropocêntricas, legadas pelo iluminismo.
Ascensão da burguesia como classe hegemônica: o poder ilimitado dos governantes no estado absolutista significava
um entrave para a continuidade do desenvolvimento do capitalismo, uma vez que a burguesia emergente pretendia
proteger a liberdade, a propriedade e os contratos também do eventual arbítrio dos governantes; emerge a noção de que
também os governantes deveriam se submeter a ordenamentos jurídicos providos de estabilidade e racionalidade. Fim
da unidade religiosa na Europa: extingue a possibilidade de fundamentação do poder político na vontade divina; era
necessário fornecer uma base racional e secularizada para o poder político. Cristalização de concepções de mundo
racionalistas e antropocêntricas: passa-se a valorizar o indivíduo, concebido como um ser racional, titular de direitos,
cuja dignidade independia do lugar que ocupasse no corpo coletivo; a sociedade passa a ser concebida como um conjunto
de indivíduos, como uma sociedade atomizada, formada por unidades iguais entre si. Pilares do constitucionalismo
moderno: são três – (I) contenção do poder dos governantes, por meio da separação de poderes; (II) a garantia de direitos
individuais, concebidos como direitos negativos oponíveis ao estado; (III) necessidade de legitimação do governo pelo
consentimento dos governados, pela via democrática representativa.
→ Constitucionalismo pós-moderno: Ao final da II Guerra Mundial na Europa, diante das gravíssimas violações
de direitos humanos perpetradas pelo nazismo, emergiu a importância da criação de mecanismos de garantia de direitos
que não estivessem sujeitos às maiorias de ocasião. Nesse contexto, “uma das características marcantes do
constitucionalismo contemporâneo reside na judicialização da política. A emergência do constitucionalismo democrático
no segundo pós-guerra é percebida como uma ampliação do conceito de soberania, abrindo para os cidadãos novos
lugares de representação de sua vontade, a exemplo do que ocorre quando provocam o Judiciário para exercer o controle
das leis. O que se observa atualmente é uma tendência global à adoção do modelo de constitucionalismo em que as
constituições são vistas como normas jurídicas autênticas, que podem ser invocadas perante o Poder Judiciário e
ocasionar a invalidação de leis ou outros atos normativos. A conjugação do constitucionalismo social com o
reconhecimento do caráter normativo e judicialmente sindicável dos preceitos constitucionais gerou efeitos significativos

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do ponto de vista da importância da Constituição no sistema jurídico — ela assumiu uma centralidade outrora inexistente
—, bem como da partilha de poder no âmbito do aparelho estatal, com grande fortalecimento do Poder Judiciário, e,
sobretudo, das cortes constitucionais e supremas cortes, muitas vezes em detrimento das instâncias políticas majoritárias.
→ Novos rumos: O constitucionalismo moderno foi erigido a partir de um pressuposto fático, que hoje já não se
verifica plenamente o Estado nacional soberano, detentor do monopólio da produção de normas, da jurisdição e do uso
legítimo da força no âmbito do seu território, que não reconhece qualquer poder superior ao seu. Porém, com a
globalização, atualmente, o Estado nacional perdeu em parte a capacidade que tinha para controlar os fatores
econômicos, políticos, sociais e culturais que atuam no interior das suas fronteiras, pois esses são cada vez mais
influenciados por elementos externos, sobre os quais os poderes públicos não exercem quase nenhuma influência. Em
paralelo, surgem novas entidades internacionais ou supranacionais, no plano global ou regional, que exercem um poder
cada vez maior e tensionam a soberania estatal e a supremacia constitucional. Ao lado disso, se desenvolve na sociedade
global, desde o final da II Guerra Mundial, um “cosmopolitismo ético”, que cobra dos Estados mais respeito aos direitos
humanos, não aceitando a invocação da soberania ou de particularismos culturais como escusa para as mais graves
violações à dignidade humana. Nesse cenário, surgem fontes normativas e instâncias de resolução de conflitos alheias
ao Estado, que não se subordinam ao Direito estatal, inclusive ao emanado da Constituição. O constitucionalismo em
rede ou multinível toma o lugar da tradicional pirâmide Kelseniana; a emergência do Direito Comunitário, sobretudo no
contexto europeu; o fortalecimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos; e a difusão global de uma lex
mercatoria, composta por práticas aceitas pelos agentes do comércio internacional, que se situam às margens dos ordena
mentos estatais; o conflito entre o universalismo dos direitos fundamentais e o respeito às diferenças culturais, são
exemplos de questões colocadas à frente do constitucionalismo. Para que o constitucionalismo estatal não se torne
autista, Marcelo Neves sustenta o transconstitucionalismo para manutenção do diálogo constitucional entre diferentes
esferas, permitindo que as respectivas imperfeições e incompletudes sejam percebidas e eventualmente corrigidas.

Modelos de constitucionalismo moderno: O constitucionalismo moderno conheceu três versões mais influentes:
a inglesa, a francesa e a norte-americana.
→ Constitucionalismo britânico: Como na Inglaterra não chegou a haver propriamente absolutismo, a história
do constitucionalismo adquire um perfil próprio. Desde o final da Idade Média, o poder real encontrava-se limitado por
determinados costumes e pactos estamentais, como a Magna Carta de 1215, mas o constitucionalismo inglês só tem
início a partir da Revolução Gloriosa de 1968, quando foi deposta a dinastia dos Stuarts e foi assentado o princípio da
supremacia política do Parlamento inglês, em um regime pautado pelo respeito aos direitos individuais. No curso do século
XVII, foram editados três documentos constitucionais de grande importância: a Petition of Rights, de 1628; o Habeas
Corpus Act, de 1679; e o Bill of Rights, de 1689, que garantiam importantes liberdades para os súditos ingleses, impondo
limites à Coroa e transferindo poder ao Parlamento. A ideia central do constitucionalismo inglês é a de respeito às
tradições constitucionais, não havendo um texto constitucional único que os consolide e organize. Inexiste, portanto,
uma Constituição escrita. A ideia do exercício do poder constituinte, por meio de ruptura com o passado, com a refundação
do Estado e da ordem jurídica, é estranha ao modelo constitucional inglês, que se assenta no respeito às tradições
imemoriais. Nesse sentido, o constitucionalismo britânico é historicista, já que baseia a Constituição e os direitos
fundamentais nas tradições históricas do povo inglês. Desenvolveu-se na Inglaterra o princípio constitucional de
soberania do Parlamento, segundo o qual o Poder Legislativo pode editar norma com qualquer conteúdo. Não há a
possibilidade de invalidação das suas decisões por outro órgão. Contudo, há na Inglaterra contemporânea uma tendência
à alteração deste modelo de soberania irrestrita do Parlamento, pelo menos em matéria de direitos fundamentais. A mais
importante expressão desta inflexão foi a aprovação, em 1998, do Humans Rights Act, que possibilitou ao Judiciário
britânico a declaração de incompatibilidade de leis editadas pelo Legislativo com os direitos previstos naquele estatuto.
Tal declaração não acarreta a invalidação da lei, mas cria um relevante fato político, gerando forte pressão para a
revogação da norma violadora de direitos humanos.
→ Constitucionalismo francês: Tem como marco inicial a Revolução Francesa. Sob a perspectiva da teoria
constitucional, a vontade de ruptura com o passado se expressou na teoria do poder constituinte, elaborada
originariamente pelo Abade Emanuel Joseph Sieyès: o poder constituinte exprimiria a soberania da Nação, estando
completamente desvencilhado de quaisquer limites impostos pelas instituições e pelo ordenamento do passado; ele
fundaria nova ordem jurídica, criando novos órgãos e poderes — os poderes constituídos — que a ele estariam vinculados.
A Constituição deveria corresponder a uma “lei” escrita, ao contrário da fórmula inglesa. Ela pode romper com o passado
e dirigir o futuro da Nação, inspirando-se em valores universais centrados no indivíduo. O protagonista do processo
constitucional no modelo constitucional francês é o Poder Legislativo, que teoricamente encarna a soberania e é visto
como um garantidor mais confiável dos direitos do que o Poder Judiciário. Isto levou, na prática, a que a Constituição
acabasse desempenhando o papel de proclamação política, que deveria inspirar a atuação legislativa, mas não de
autêntica norma jurídica, que pudesse ser invocada pelos litigantes nos tribunais. Tal pensamento vem sendo superado.
→ Constitucionalismo norte-americano: O fato de a colonização dos Estados Unidos ter sido realizada em boa
parte por imigrantes que escapavam da perseguição religiosa na Europa contribuiu decisivamente para que se
enraizassem na cultura política norte-americana ideias como a necessidade de limitação do poder dos governantes e de
proteção das minorias diante do arbítrio das maiorias. A Constituição dos Estados Unidos foi aprovada pela Convenção
da Filadélfia, em 1787, e depois ratificada pelo povo dos estados norte-americanos, vigorando desde então. Inovou ao
instituir o presidencialismo e o sistema de freios e contrapesos, associado à separação de poderes. A plasticidade das
cláusulas constitucionais mais importantes abriu a possibilidade de atualização daquela Constituição pela via
interpretativa, para adaptá-la às novas demandas e valores que emergiam. O modelo constitucional dos Estados
Unidos representa a tentativa de conciliação entre dois vetores: de um lado, o vetor democrático, de autogoverno do
povo; do outro, o vetor liberal, preocupado com a contenção do poder das maiorias para defesa de direitos das
minorias. Uma ideia essencial do constitucionalismo estadunidense, derivada da sua matriz liberal, é a concepção de que
a Constituição é norma jurídica que, como tal, pode e deve ser invocada pelo Poder Judiciário na resolução de conflitos,

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mesmo quando isto implique em restrição ao poder das maiorias no Legislativo ou no Executivo. Desenvolveu-se no direito
norte-americano a noção de que os juízes, ao decidirem conflitos, podem reconhecer a invalidade de leis que contrariem
a Constituição, deixando de aplicá-las ao caso concreto.
Fases do constitucionalismo moderno:
→ Constitucionalismo liberal: baseou-se na ideia de que a proteção dos direitos fundamentais dependia,
basicamente, da limitação dos poderes do Estado. Naquele modelo, os direitos fundamentais eram concebidos como
direitos negativos, que impunham apenas abstenções aos poderes políticos. O Estado era visto como o principal
adversário dos direitos, o que justificava a sua estrita limitação, em prol da liberdade individual. Tal limitação era
perseguida também por meio da técnica da separação dos poderes, que visava a evitar o arbítrio e favorecer a moderação
na ação estatal. Na Economia Política era defendido o Estado mínimo, que confiava na “mão invisível do mercado” para
promover o bem comum. Combateu os privilégios estamentais do Antigo Regime e a concepção organicista de sociedade,
ignorando a opressão que se manifestava no âmbito das relações sociais e econômicas. A ideia de liberdade era muito
mais identificada à autonomia privada do indivíduo, compreendida como ação livre de interferências estatais, do que à
autonomia pública do cidadão, associada à soberania popular e à democracia. Além disso, a liberdade era concebida em
termos estritamente formais, como ausência de constrangimentos externos, impostos pelo Estado à ação dos indivíduos.
Ademais, o foco centrava-se mais sobre as liberdades econômicas do que sobre as liberdades existenciais.
→ Constitucionalismo Social: A pressão social dos trabalhadores e de outros grupos excluídos, aliada ao temor
da burguesia diante dos riscos e ameaças de rupturas revolucionárias inspiradas no ideário da esquerda, levaram a uma
progressiva mudança nos papéis do Estado, que ensejou a cristalização de um novo modelo de constitucionalismo. De
mero garantidor das regras que deveriam disciplinar as disputas travadas no mercado, o Estado foi se convertendo num
ator significativamente mais importante dentro da arena econômica, exercendo diretamente muitas atividades de produção
de bens e serviços, como a realização de grandes obras públicas. No plano teórico, a sua atuação passa a ser justificada
também pela necessidade de promoção da igualdade material, por meio de políticas públicas redistributivas e do
fornecimento de prestações materiais para as camadas mais pobres da sociedade, em áreas como saúde, educação e
previdência social. A proteção da propriedade privada é flexibilizada, passando a estar condicionada ao cumprimento da
sua função social. É relativizada a garantia da autonomia negocial, diante da necessidade de intervenção estatal em favor
das partes mais débeis das relações sociais. Há uma mudança, ainda, na leitura dos direitos, sendo desenvolvida a teoria
da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Emergem os direitos de segunda geração, prestacionais, para
efetivação da igualdade material. A mudança no perfil do Estado refletiu-se também na sua engenharia institucional: a
separação de poderes foi flexibilizada. A separação do poderes estática, vigente no constitucionalismo liberal-burguês
dá espaço à separação de poderes dinâmica, que se atenta para além da liberdade, para a efetividade, possibilitando
uma atuação mais forte dos poderes públicos na seara social e econômica. O arranjo federalista também muda: as
complexas tarefas assumidas pelo Estado não são exequíveis por um federalismo formal. É necessário o desenvolvimento
de um federalismo cooperativo, com a participação de todos os entes federados. OBS.: Estado Social ≠
Constitucionalismo Social: A necessidade de construção de um Estado mais forte, para atender às crescentes
demandas sociais, foi utilizada como pretexto a instauração de regimes totalitários (Alemanha e Itália) ou autoritários
(Brasil, no Estado Novo); nestas situações, pode-se falar em Estado Social, mas não em constitucionalismo social; o
constitucionalismo social não renega os elementos positivos do liberalismo (preocupação com os direitos individuais e
com a limitação do poder), mas pugna por conciliá-los com a busca da justiça social e do bem-estar coletivo.

OBS.: O problema da legitimidade intergeracional → a questão da legitimidade intergeracional diz respeito ao fato de
uma geração adotar decisões vinculativas para as outras que a sucederão, principalmente no que pertine às cláusulas
pétreas, cuja superação, como é cediço, só é possível através de uma ruptura da ordem jurídica. No entanto, o
constitucionalismo democrático, além de valorar positivamente o fato de a Constituição ser dotada de supremacia, procura
atribuir à importância devida às deliberações populares e às decisões da maioria dos representantes do povo. Contudo,
registre-se que cada geração tem o direito de viver de acordo com seus valores, de forma que, cabe ao poder constituinte
difuso, ou seja, a mutação constitucional deve ser a ferramenta para interpretar de forma a combinar com a realidade
vigente.

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1.b. Poder Legislativo. Organização. Atribuições do Congresso Nacional. Competências do Senado e
da Câmara. Legislativo e soberania popular. A crise da representação política.

Estrutura do Poder Legislativo.


Poder legislativo federal: no âmbito federal, vigora o bicameralismo: a câmara dos deputados, composta
por representantes do povo, e o senado federal, composta por representantes dos estados membros.
Poder legislativo estadual: é unicameral, sendo composto pela assembleia legislativa, composta por
deputados estaduais. De acordo com o art. 27, caput, da CF/88, o número de deputados da assembleia legislativa
corresponderá ao triplo da representação do estado na câmara dos deputados e, atingindo o número de 36, será acrescido
de tantos quantos forem os deputados federais acima de doze. Por expressa determinação constitucional (art. 27, §1º),
as regras da CF/88 sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença,
impedimentos e incorporação às forças armadas serão aplicadas aos parlamentares estaduais.
Poder legislativo municipal: é unicameral, sendo constituído pela câmara dos vereadores, composta por
vereadores municipais. De acordo com o art. 29 da CF/88, o número de vereadores do município será fixado
proporcionalmente à população, nos limites previstos no mesmo artigo (mínimo de 09, nos municípios com até 15 mil
habitantes, e máximo de 55, nos municípios com mais de 8 milhões de habitantes. Por expressa determinação
constitucional (art. 29, VIII), os vereadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e
na circunscrição do município.
Poder legislativo distrital: é unicameral, constituído pela câmara legislativa (art. 32, caput, da CF/88),
composta por deputados distritais. De acordo com o art. 32, §3º, da CF/88, aos deputados distritais e à câmara
legislativa aplica-se o disposto no art. 27, ou seja, todas as regras estabelecidas para os estados valem para o
distrito federal.
Poder legislativo dos territórios federais: de acordo com o art. 33, §3º, da CF/88, a lei disporá sobre as
eleições para a câmara territorial e sua competência deliberativa. Como não existem territórios federais, ainda não foi
regulamentado tal dispositivo constitucional. Deve-se observar, contudo, que, quando criados, de acordo com o art. 45,
§2º, da CF/88, cada território elegerá o número fixo de 4 deputados federais, para compor a câmara dos deputados
do congresso nacional.

Atribuições do congresso nacional.


Reservas legais: o art. 48 trata das atribuições conferidas ao congresso nacional para as quais se exige
sanção presidencial (são reservas legais, ou seja, atribuições materializadas por lei).
Competências exclusivas: já o art. 49 trata das matérias de competência exclusiva do congresso nacional,
sendo dispensada a manifestação do presidente da república através de sanção ou veto (são atribuições materializadas
por decreto legislativo).

Câmara dos deputados.


Composição: a câmara dos deputados é composta por representantes do povo.
Eleição: os deputados federais são eleitos pelo povo segundo o princípio proporcional, de acordo com o art.
45, §1º, da CF/88.Se os territórios federais vierem a ser criados, elegerão o número fixo de 04 deputados cada.
Atualmente, o número total de deputados federais é fixado pela LC78/93 em 513. OBS.: REDIMENSIONAMENTO DO
NÚMERO DE DEPUTADOS POR RESOLUÇÃO DO TSE E INCONSTITUCIONALIDADE – Por maioria de votos, o
Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucionais a Resolução TSE 23.389/2013, que definiu o
tamanho das bancadas dos estados e do Distrito Federal na Câmara dos Deputados para as eleições de 2014, e a Lei
Complementar (LC) 78/1993, que autorizou a corte eleitoral a definir os quantitativos. Para a ministra Rosa Weber, a
resolução do TSE invadiu a competência do Congresso Nacional. Para a ministra, a Lei Complementar 78/1993 não fixou
critérios de cálculo, nem delegou sua fixação ao TSE, que usou critérios próprios para determinar o quantitativo dessas
representações, introduzindo inovações legislativas para as quais não tem competência. “Ao TSE não compete legislar,
e sim promover a normatização da legislação eleitoral”, afirmou. Segundo a ministra, o Código Eleitoral confere
expressamente ao TSE poder para expedir instruções e tomar outras providências que julgar convenientes para execução
da legislação eleitoral. Entretanto, “da LC 78 não é possível inferir delegação a legitimar, nos moldes da Constituição
Federal e do Código Eleitoral, a edição da Resolução 23.389/2013”. Para o ministro Teori Zavascki, caso se entenda
indispensável a intervenção do Poder Judiciário para a regulamentação provisória do comando constitucional que
determina a proporcionalidade das bancadas, quem deverá promovê-la é o STF, e não o TSE. E, caso o Legislativo
permaneça omisso em relação à matéria, cabe a impetração de mandado de injunção.
Mandato: 04 anos, sendo permitida a reeleição.
Requisitos para a candidatura dos deputados: a) ser brasileiro nato ou naturalizado (art. 14, §3º, I, CF/88);
a exigência de ser brasileiro nato é apenas para ocupar a presidência da câmara (art. 12, §3º, II, CF/88); b) ser maior de
21 anos (art. 14, §3º, VI, c, CF/88); c) estar em pleno exercício dos direitos políticos (art. 14, §3º, II, CF/88); d) estar
alistado eleitoralmente (art. 14, §3º, III, CF/88); e) domicílio eleitoral na circunscrição (art. 14, §3º, IV, CF/88); f) filiação
partidária (art. 14, §3º, VI, CF/88).
Competências privativas da câmara: as matérias de competência privativa da câmara dos deputados estão
previstas no art. 51 da CF/88 e não dependem de sanção ou veto presidencial (são materializadas por meio de
resoluções). Obs.: a câmara tem apenas a iniciativa de projeto de lei que vise à fixação da remuneração dos cargos,
empregos e funções de seus serviços, devendo, necessariamente, depois de aprovada nas duas casas, a matéria ir à
sanção do presidente da república (trata-se de mudança realizada pela EC19/98, que retirou da câmara a competência
privativa para a fixação da referida remuneração, atribuindo-lhe tão somente a iniciativa da lei).

Senado federal.
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Composição: o senado é composto por representantes dos estados e do DF. Se criados, os territórios não
terão representação no senado, na medida em que não têm autonomia federativa.
Eleição: os senadores são eleitos pelo povo segundo o princípio majoritário, de acordo com o art. 46 da
CF/88. Cada estado e o DF elegerão o número fixo de 8 senadores, sendo que cada senador é eleito com 02 suplentes.
Mandato: é de 08 anos (duas legislaturas), permitindo-se a reeleição. A renovação dos senadores eleitos dar-
se-á a cada 04 anos, na proporção de 1/3 e 2/3.
Requisitos para a candidatura dos senadores: a) ser brasileiro nato ou naturalizado (art. 14, §3º, I, CF/88);
a exigência de ser brasileiro nato é apenas para ocupar a presidência do senado (art. 12, §3º, III, CF/88); b) ser maior de
35 anos (art. 14, §3º, VI, a, CF/88); c) estar em pleno exercício dos direitos políticos (art. 14, §3º, II, CF/88); d) estar
alistado eleitoralmente (art. 14, §3º, III, CF/88); e) domicílio eleitoral na circunscrição (art. 14, §3º, IV, CF/88); f) filiação
partidária (art. 14, §3º, VI, CF/88).
Competências privativas do senado: as matérias de competência privativa do senado estão previstas no art.
52 da CF/88 e não dependerão de sanção presidencial (são materializadas através de resolução). Obs.: o senado tem
apenas a iniciativa de projeto de lei que vise à fixação da remuneração dos cargos, empregos e funções de seus
serviços, devendo, necessariamente, depois de aprovada nas duas casas, a matéria ir à sanção do presidente da
república (trata-se de mudança realizada pela EC19/98, que retirou do senado a competência privativa para a fixação da
referida remuneração, atribuindo-lhe tão somente a iniciativa da lei).

Legislativo e Soberania Popular: Para José Afonso da Silva (2010, p. 131), a democracia repousa sobre dois princípios
fundamentais: (a) soberania popular (o povo é a única fonte de poder) e (b) participação, direta ou indireta, do povo no
poder (para que este seja a efetiva expressão da vontade popular). A forma pela qual o povo participa no poder dá origem
a três tipos de democracia: direta, indireta (ou representativa) e semidireta. O Brasil adota o tipo semidireto, ou seja,
democracia representativa, com alguns institutos de participação direta. Portanto, o Poder Legislativo, por meio dos
representantes legitimamente eleitos pelo povo, é o veículo primordial para o exercício da soberania popular. “Todo o
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”
(CF, art. 1º, parágrafo único).

A Crise da Representação Política: Nas democracias ocidentais, é possível identificar as assembleias parlamentares,
periodicamente eleitas, como expressão concreta da Representação política. Esta é um fenômeno complexo, cujo núcleo
consiste num processo de escolha dos governantes e de controle sobre sua ação através de eleições competitivas. É um
conceito multidimensional que abarca o fenômeno da seleção de lideranças, de delegação de soberania popular, de
controle, de participação indireta e de questionamento político. Atualmente, a democracia representativa encontra-se na
penumbra, diante da quebra global da confiança, marcada pela corrupção, descrédito quanto à capacidade das
instituições e dos agentes políticos de agir de modo funcionalmente adequado. A crise da representação política no
Brasil se insere no interior de um quadro mais amplo e que reflete, de forma quase planetarizada, os mesmos
problemas da (1) diminuição da participação eleitoral, (2) declínio da relação de identificação entre representantes
e representados e (3) o aumento das taxas de alienação eleitoral conjugado com o crescimento do processo de
exclusão social; para alguns autores ainda há as questões relativas à crise da democracia e o declínio da
importância dos partidos políticos nas democracias contemporâneas. Concomitantemente, é verificada uma
crescente crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade no âmbito do Legislativo, alimentando o Judiciário na
direção do ativismo judicial, em nome da Constituição, com a prolação de decisões que suprem omissões e, por vezes,
inovam na ordem jurídica, com caráter normativo geral. (BARROSO, Luís Roberto). Sobre o déficit democrático das
instituições representativas, SARMENTO afirma: “Em que pese a universalização do direito de voto alcançada ao longo
do século XX, hoje uma série de fatores - que vão da influência do poder econômico nas eleições, até a apatia e
distanciamento do cidadão em relação à res publica - tende a segregar os representantes dos representados, minando a
crença de que os primeiros vocalizariam na esfera política a vontade dos segundos. O problema é universal, mas, no
Brasil, há componentes que o agravam de forma exponencial, abalando profundamente a credibilidade das instituições
de representação popular. [...]. Neste quadro preocupante, a objeção democrática contra o ativismo judicial se arrefece,
sobretudo quando o Judiciário passa a agir em favor de causas “simpáticas” aos anseios populares, como a proteção dos
direitos sociais.”

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1.c. Ministério Público: História e princípios constitucionais. Organização. As funções constitucionais
do Ministério Público.

História. Há controvérsia sobre a origem do Ministério Público. Várias categorias de agentes com funções de
determinar o cumprimento da lei são apontados como “precursores” do que hoje é o Ministério Público. Tais agentes
existiriam desde a Idade Antiga (funcionários do Faraó do Egito, Tesmoteti, na Grécia; Praefectus urbi, em Roma) ou a
Idade Média. Mas foi na França, em 1302, que foi institucionalizado o MP, por meio da ordonnance do Rei Felipe,
constituindo os procureurs du roi. Em 1690, os membros do Parquet passaram a ter vitaliciedade. Há autores que, com
razão, consideram que o MP só passou a ter um perfil mais parecido com o atual a partir da Revolução Francesa. No
Brasil, não tendo sido mencionado na Constituição de 1824, o MP surgiu no Código de Processo Criminal de 1832, e
seus membros eram livremente escolhidos e demitidos. Em 1890, o MP é considerado instituição necessária (Decreto nº
1.030). A CF 1891 limita-se a dizer que o Presidente da República designará, dentre os Ministros do STF, o PGR. A CF
1934 institucionalizou o MP como órgão de cooperação nas atividades governamentais, na União, no DF, nos Territórios
e nos Estados. O PGR é escolhido livremente pelo Presidente da República, com aprovação do Senado, entre cidadãos
que preencham os requisitos para ser Ministros do STF, e é demissível ad nutum. Seus membros são estáveis e
escolhidos por concurso público. A CF 1937 só se refere ao MP a respeito da designação do PGR e do quinto
constitucional. A CF 1946 volta a organizar o MP, e, agora, em título especial, fora da estrutura dos demais Poderes. Ao
MPF compete também a representação judicial da União. Seus membros têm estabilidade, inamovibilidade e são
escolhidos por concurso público. A CF 1967 recolocou o MP dentro da estrutura do Poder Judiciário, mantendo as demais
regras. A CF 1969 voltou a posicionar o MP no Poder Executivo. A CF 1988 representa uma forte ascensão do MP, que
passa a estar situado fora da estrutura dos demais Poderes.
Definição: de acordo com o art. 127, caput, da CF/88, o ministério público é instituição permanente, essencial à
função jurisdicional do estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais
e individuais indisponíveis. Regulamentando a CF/88, foram editadas a Lei nº. 8.635 (Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público – LONMP, dispondo sobre normas gerais para a organização do MP dos estados) e a Lei Complementar nº. 75/93
(Lei Orgânica do Ministério Público da União – LOMPU, dispondo sobre a organização, atribuição e estatuto do MPU).
Organização: o art. 128, I, tratou do MP da união (MPU), enquanto o art. 128, II, tratou do MP dos estados (MPE).
Conforme se extrai da CF/88, há um ministério público que atua na justiça comum – tanto federal (MPF) quanto estadual
(MPE) – e outros que atuam perante os ramos especializados da justiça federal – justiça do trabalho (MPT), justiça militar
(MPM) e justiça eleitoral. Cabe observar, porém, que apesar de no âmbito federal existir uma carreira própria do MP com
atuação perante a justiça militar (MPM), no âmbito estadual, tanto no primeiro quanto no segundo grau, a atuação dar-se-
á por um membro do MPE, não havendo uma carreira própria e específica de ministério público militar estadual. Do mesmo
modo, o MP eleitoral não tem estrutura própria e a sua formação é mista, sendo composto de membros do MPF e do
MPE. Apesar disso, a função eleitoral desempenhada pelo Ministério Público tem natureza federal, de modo que, quando
atuam como órgãos eleitorais, os promotores de justiça os fazem como MPF, estando sujeitos à legislação que regre o
ministério público federal. Assim, nos termos da LC75/93 (que rege o MPU), as funções eleitorais do MPF perante os
juízes e juntas eleitorais serão exercidas pelo promotor eleitoral, que é membro de MPE; já as funções eleitorais nas
causas de competência dos tribunais eleitorais serão exercidas pelo MPF.
Princípios constitucionais: o art. 127, §1º, da CF/88, prevê como princípios institucionais do MP a unidade, a
indivisibilidade e a independência funcional. I)Unidade: sob a égide de um só chefe, o MP deve ser visto como uma
instituição única, sendo a divisão existente meramente funcional; II) Indivisibilidade: é possível que um membro do MP
substitua outro, dentro da mesma função, sem que, com isso, exista qualquer implicação prática; quem exerce os atos,
em essência, é a instituição, e não a pessoa do promotor ou procurador; III) Independência funcional: trata-se de
autonomia de convicção, na medida em que os membros do MP não se submetem a qualquer poder hierárquico no
exercício de seu mister, podendo agir, no processo, da maneira que melhor entenderem; a hierarquia existente restringe-
se às questões de caráter administrativo, materializada pelo chefe da instituição, mas nunca de caráter funcional.
Princípio do promotor natural: além de ser julgado por órgão independente e pré-constituído, o acusado também
tem o direito e a garantia constitucional de somente ser processado por um órgão independente do estado, vedando-se,
por consequência, a designação arbitrária, inclusive, de promotores ad hoc ou por encomenda. Depois de muito debate,
o STF aceitou a tese do promotor natural no HC 67.759. No referido julgamento, o Min. Celso de Mello estabeleceu que
o postulado do promotor natural repele, a partir da vedação de designações casuísticas efetuadas pela chefia da
instituição, a figura do acusador de exceção. Esse princípio consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a
proteger o membro do MP, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a
tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o promotor
cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e predeterminados, estabelecidos em lei.
Garantias do Ministério Público: I – Garantias institucionais: a) autonomia funcional – é inerente à instituição
como um todo e abrange todos os órgãos do MP, estando prevista no art. 127, §2º, da CF/88, no sentido de que, ao
cumprir seus deveres institucionais, o membro do MP não se submeterá a nenhum outro poder, órgão, autoridade pública,
etc., devendo observar apenas a constituição, a lei e a própria consciência; b) autonomia administrativa –prevista no
art. 127, §2º, a autonomia administrativa consiste na capacidade de direção de si próprio, autogestão, autoadministração,
um governo de si; assim, o MP poderá, observado o disposto no art. 169 da CF/88, propor ao poder legislativo a criação
e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a
política remuneratória e os planos de carreira; c) autonomia financeira –prevista no art. 127, §3º, ao MP assegurou-se
a capacidade de elaborar sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na LDO, podendo, autonomamente,
administrar os recursos que lhe forem destinados; a EC45/04 regulamentou o procedimento de encaminhamento da
proposta orçamentária do MP e a solução em caso de inércia; proibiu, outrossim, a realização de despesas ou a assunção
de obrigações que extrapolem os limites fixados na LDO, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de
créditos suplementares ou especiais. II – Garantias dos membros: a) vitaliciedade –adquire-se a vitaliciedade após a
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transcorrência do período probatório, ou seja, 02 anos de efetivo exercício do cargo, tendo sido admitido na carreira,
mediante aprovação em concurso de provas e títulos; a garantia da vitaliciedade assegura ao membro do MP a perda do
cargo somente por sentença judicial transitada em julgado; b) inamovibilidade –o membro do MP não poderá ser
removido ou promovido, unilateralmente, sem a sua autorização ou solicitação; excepcionalmente, contudo, por motivo
de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do MP (no caso, o CNMP), por voto da maioria
absoluta de seus membros, desde que lhe seja assegurada a ampla defesa, poderá vir a ser removido do cargo ou função;
c) irredutibilidade de subsídios – é assegurada ao membro do MP a garantia da irredutibilidade de subsídio (a garantia
é contra a irredutibilidade nominal, e não contra a corrosão inflacionária).
Impedimentos: de acordo com os arts. 128, §5º, II, §6º, e 129, IX, os membros do MP não poderão: a) receber,
a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais; b) exercer advocacia; c)
exercer representação judicial e consultoria jurídica de entidades públicas; d) participar de sociedade comercial, na forma
da lei; e) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério; f) exercer
atividade político-partidária, sem qualquer exceção, nos termos da restrição trazida pela EC45/04 – a res. TSE
22.095/2005 previu ser imediata e sem ressalvas a aplicação da EC45/04, abrangendo aqueles que adentraram nos
quadros do MP tanto antes quanto depois da referida EC; em igual sentido, o art. 13 da res. TSE 11.156/2006 estabeleceu
que os magistrados, membros dos tribunais de contas e membros do MP devem filiar-se a partido político e afastar-se
definitivamente de suas funções até 06 meses antes das eleições; em sentido contrário, porém, há julgado monocrático
do TSE que entendeu pela não aplicação da regra da EC45/04, que veda o exercício de atividade político-partidária por
membro do MP, por força do art. 29, §3º, do ADCT, àqueles que ingressaram na carreira antes da promulgação da CF/88;
destaca-se, ainda, o entendimento adotado pelo STF no RE 59.794, que assegurou a membro do MP que já exercia cargo
eletivo o direito a concorrer à reeleição; g) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas
físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; h) exercer a advocacia no juízo ou
tribunal do qual se afastou, antes de decorridos 03 anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.
Funções institucionais: as funções institucionais do MP estão previstas no art. 129 da CF/88 em rol
exemplificativo, uma vez que o inciso IX estabelece que compete, ainda, ao MP exercer outras funções que lhe forem
conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade
A tarefa de custos constitutionis: legitimidade e limitações. Em um sentido amplíssimo, pode-se considerar
que o MP funciona como fiscal da Constituição por meio de todas as suas atitudes, judiciais ou extrajudiciais, na medida
em que todas caminham no sentido de proteção direta ou ao menos indireta das normas da Constituição Federal. Num
sentido mais específico, fala-se em custos constitutionis como atividade do MP no âmbito do controle de
constitucionalidade. E em sentido restritíssimo – em simetria à designação de custos legis como sendo apenas a tarefa
de intervenção no processo, sem ter sido o autor da ação –, custos constitutionis é a tarefa de opinar nos processos de
controle de constitucionalidade em que não seja parte. O PGR detém legitimidade para ajuizar ADI, ADC e ADPF perante
o STF, tendo como parâmetro a CF, sendo sua legitimidade “universal”, abrangendo qualquer matéria passível de ser
objeto de tais ações, independentemente de pertinência temática. O PGR será previamente ouvido em todos os processos
de competência do STF, inclusive nas ações diretas de controle de constitucionalidade e naquelas em que a questão
constitucional chega ao STF pela via recursal, destacando-se o Recurso Extraordinário, devendo o PGR opinar livremente,
atuando com independência para defender a Constituição. Além disso, o MP pode manifestar-se em qualquer incidente
de inconstitucionalidade (observados os prazos e condições fixados no Regimento do Tribunal, CPC, art. 482, §1º), o que
faz com igual independência.

OBS.: PODER INVESTIGATÓRIO DO MP: O Supremo Tribunal Federal decidiu que o Ministério Público pode investigar.
A decisão da Suprema Corte foi proferida no Recurso Extraordinário 593.727/MG (com repercussão geral) e resulta de
uma adequada interpretação da Constituição e da lógica de qualquer sistema acusatório. O Ministério Público dispõe
de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza
penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado e qualquer pessoa sob
investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e,
também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso país, os advogados (lei 8906/94, artigo 7º,
incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado Democrático de Direito –
do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (súmula vinculante 14), praticados pelos
membros dessa instituição.

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2.a. Constituição e cosmopolitismo. O papel do direito comparado e das normas e jurisprudência
internacionais na interpretação da Constituição.

1. A ideia do Cosmopolitismo. O cosmopolitismo pressupõe o pensamento de que a humanidade segue as leis


do Universo (cosmos) — isto é, considera os homens como formadores de uma única nação, não vendo diferenças
entre as mesmas, avaliando o mundo como uma pátria. É o direito natural. A aceleração da globalização após o fim da
Segunda Guerra Mundial, e, principalmente, o fim da bipolaridade que caracterizou a política global durante grande parte
do século XX ampliou o espaço conceitual para se pensar o projeto cosmopolita. Tendo em vista que parte do
ressurgimento do pensamento cosmopolita, nos dias de hoje, se deve a transformações sociais por que passou a
humanidade. Esse pensamento é atrelado na ideia de que os Direitos Humanos são universais, e que a constituição
não pode retroagir direitos humanos, tal como se vê no principio da vedação do retrocesso.
Sarmento1: O princípio do cosmopolitismo não vincula de modo absoluto os intérpretes da Constituição aos
tratados internacionais, nem muito menos os obriga a se curvarem de maneira incondicional à orientação das cortes
internacionais e órgãos de monitoramento dos direitos humanos. O que o princípio do cosmopolitismo impõe é que se
atribua o devido peso argumentativo a fontes transnacionais na interpretação da Constituição, especialmente aos tratados
e à jurisprudência de cortes aos quais o país esteja vinculado. Não se discute que, no plano de proteção dos direitos
humanos, adotase o princípio pro persona ou pro homine, que leva a que o direito interno, se mais favorável à pessoa
humana, possa prevalecer sobre a normativa internacional, sem que se cogite de violação pelo Estado das suas
obrigações internacionais. Contudo, há casos, que não são infrequentes, em que pode surgir divergência sobre o que é
mais favorável à pessoa humana. (...) não é compatível com a democracia qualquer concepção que atribua supremacia
às normas e instituições internacionais em face das estatais, num cenário em que a esfera internacional não está
organizada de forma democrática e não é minimamente responsiva à população mundial.
Cumpre lembrar, neste particular, o problema da chamada “dificuldade contramajoritária” do Poder Judiciário. Outro
argumento é relativo às especificidades culturais. O relativismo cultural nega validade à proteção internacional dos direitos
humanos, aduzindo que se trata de imposição etnocêntrica de valores iluministas de procedência europeia sobre povos
que não os professam Não é essa a minha posição. Entende-se que existe um conteúdo mínimo de direitos que pode e
deve ser assegurado universalmente. Porém, deve, antes, ser o resultado de diálogos interculturais, com aberturas para
aprendizado recíproco entre os povos, Estados e culturas. Enfim, entendo que não é salutar atribuir a qualquer órgão –
nacional ou internacional – a prerrogativa de dar a última palavra sobre o sentido dos direitos humanos.
2. Cosmopolitismo x Comunitarismo nas Relações Internacionais. Para os liberais, ou cosmopolitas, o
indivíduo possui uma essência ou valor anterior à sociedade. Há uma precedência ontológica do indivíduo em relação ao
meio social. Para isto, compreende-se o indivíduo como uma abstração, algo desgarrado do contexto histórico-social,
dotado de uma significação própria, independentemente da sociedade em que vive. Assim, os liberais tendem a valorizar
o individualismo contra o coletivismo. A ideia é preservar o indivíduo como ser livre para fazer escolhas em um ambiente
político liberal e não considerá-lo como produto do meio, sem expressão individual própria para a condução de sua vida.
Os princípios de justificação que seguem assumem, assim, uma base neutra, dita universal. Neutra, universal e, portanto,
imparcial e objetiva, que garanta, a partir da compreensão do homem como ser anterior à sociedade e universal, a
elaboração e a defesa de princípios universalmente válidos. Se somos todos iguais onde quer que estejamos, é preciso
garantir princípios e ordenamento social universais. Daí advêm direitos universais como resposta mesmo à natureza
humana. O jusnaturalismo dos pensadores modernos está recuperado para fazer do indivíduo um Ser dotado de uma
natureza universal.
Ao contrário, os comunitaristas (MORRICE, 2000) apontam a precedência ontológica da sociedade em relação
ao indivíduo. Não é possível, agora, compreender o homem como esse ser abstrato, essencial, inexistente. Para os
comunitaristas, o homem é um ser social, dotado de características sociais como história, cultura, valores e princípios
comuns, constituído em uma determinada relação espaço-temporal. O homem existe concretamente como fruto de contra
dições e existências históricas. A essência do homem não pode ser aceita como fonte de legitimação de valores, princípios
e direitos, porque não há essência humana, mas existência concreta, cultural, histórica, geográfica, ideológica, valorativa.
Advém disso o relativismo cultural, a compreensão de diferenças e a exclusão de interferências outras que não as da
respectiva sociedade.
3. Peter Häberle e a “sociedade aberta” de interpretes. Haberle sustenta a canonização da comparação
constitucional como um quinto método de interpretação constitucional, além dos quatro desenvolvidos por Savigny
(gramatical, lógico, histórico e sistemático). Para ele, a interpretação dos institutos se implementa mediante comparação
nos vários ordenamentos jurídicos. Assim, o Estado constitucional cooperativo deve substituir o Estado
constitucional nacional. Para isso, o recurso ao direito comparado e às normas e jurisprudência internacionais deve ser
empregado como método de interpretação, de modo a promover a abertura da sociedade para fora. “Estado
Constitucional Cooperativo é o Estado que justamente encontra a sua identidade também no Direito Internacional, no
entrelaçamento das relações internacionais e supranacionais, na percepção da cooperação e responsabilidade
internacional, assim como no campo da solidariedade. Ele corresponde, com isso, à necessidade internacional de
políticas de paz” (HÄBERLE, 2007, p. 4). Eis o que requer a interpretação pluralista da Constituição, para moldar
uma cidadania que combina a igualdade de oportunidades com respeito à diferença, superando a cidadania
homogeneizante e negadora das diferenças: abertura para dentro, isto é, o reconhecimento da sociedade aberta
dos intérpretes da Constituição – todos os que vivem a norma, e não só os juízes constitucionais, acabam por
interpretá-la ou pelo menos co-interpretá-la –abertura ao mundo (ou cooperação), isto é, a interpretação do texto
constitucional como aberto, cooperante e integrante de uma rede de outros textos constitucionais e
internacionais com o mesmo propósito (especialmente no âmbito dos direitos fundamentais).

1
http://jota.info/interpretacao-constitucional-cosmopolita
11
4. O Direito comparado e a Constituição brasileira. A importância do direito comparado e das normas e
jurisprudência internacionais na interpretação da Constituição decorre da constatação de que, hoje, o direito
constitucional não começa onde termina o direito internacional, e o contrário também é válido. Lembre-se, a
propósito, o §3º do art. 5º da CRFB. Como diz Häberle (2007, p. 61): “A ideologia do monopólio estatal das fontes
jurídicas torna-se estranha ao Estado constitucional quando ele muda para o Estado constitucional cooperativo.
Ele não mais exige monopólio na legislação e interpretação: ele se abre –de forma escalonada – a procedimentos
internacionais ou de Direito Internacional de legislação, e a processos de interpretação”.
A CRFB abre-se ao mundo e ao Estado constitucional cooperativo em diversos dispositivos: (1) no art. 4º, inc. IX,
que erige a "cooperação entre os povos para o progresso da humanidade" em princípio reitor das relações
internacionais do País e, no parágrafo único, diz: "A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica,
política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana
de nações."; (2) nos §§ 2º, 3º e 4º do art. 5º, segundo os quais: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição
não excluem outros decorrentes [...] dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte", "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes
às emendas constitucionais"; "O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação
tenha manifestado adesão."
5. Interconstitucionalismo:
Kildare Carvalho (13º Ed., p. 277) faz menção ao que se denomina PODER CONSTITUINTE SUPRANACIONAL,
aquele que busca a fonte de validade na cidadania universal, no pluralismo de ordenamentos jurídicos, na
vontade de integração e em um conceito remodelado de soberania, buscando estabelecer uma Constituição
supranacional legítima, com capacidade, inclusive de submeter as diversas constituições nacionais ao seu poder
supremo. É supranacional, porque se distingue dos ordenamentos internos e, também, do direito internacional.
Diante desta tendência mundial de globalização do direito constitucional, Marcelo Neves alude à provável
superação do constitucionalismo provinciano ou paroquial pelo TRANSCONSTITUCIONALISMO, mais adequado
para as soluções dos problemas de direitos fundamentais e humanos (Lenza, esquematizado, 2012, p. 198). Neste
sentido, Canotilho chega a sugerir a formulação da denominada TEORIA DA INTERCONSTITUCIONALIDADE, na
busca de estudar as relações interconstitucionais, ou seja, a concorrência, a convergência, justaposição e conflito de
várias constituições e de vários poderes constituintes no mesmo espaço político. Marcelo Neves: “o
transconstitucionalismo é o entrelaçamento de ordens jurídicas diversas, tanto estatais como transnacionais,
internacionais e supranacionais, em torno dos mesmos problemas de natureza constitucional. Ou seja, problemas de
direitos fundamentais e limitação de poder que são discutidos ao mesmo tempo por tribunais de ordens diversas (...) O
fato de a mesma questão de natureza constitucional ser enfrentada concomitantemente por diversas ordens leva ao que
eu chamei de transconstitucionalismo”.
Prova oral – 27º CPR: 1) Fale sobre o tema Constituição e cosmopolitismo. Quais os dispositivos da CF que
expressamente permitiam a interação de nossa Constituição com as normas de direito internacional (citei o art. 5º, §§2º-
4º e o art. 4º, IX). 2) Qual a relação da competência do STF com a competência de cortes internacionais de DH na
aplicação dos DF/DH (gostou quando falei de “diálogo das cortes”).

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2.b. Poder Executivo. Histórico. Presidencialismo e Parlamentarismo. Presidencialismo de coalizão.
Presidente da República: estatuto. Competências. Poder normativo autônomo, delegado e
regulamentar. Ministros de Estado.

1. Histórico. O presidencialismo remete ao sistema implantado em 1787 nos EUA, com a criação de um Executivo
independente do Legislativo, e, ao mesmo tempo, sujeito ao sistema de pesos e contrapesos de Montesquieu. O
parlamentarismo surgiu na Inglaterra, a partir dos séculos XII e XIII, como resposta contra os privilégios monárquicos.
Origem do Presidencialismo => Convenção de Filadélfia nos Estados Unidos da América, influência da monarquia
limitada, ou constitucional, da revolução de 1688 na Grã-Bretanha, mas construído sobre o sistema Republicano.
Origem do Parlamentarismo => Construção lenta e histórica inglesa no século XVIII. Também possui como marco
a revolução de 1688 e a consequente separação de poderes. Em razão da quebra sucessória dos Stuarts (ramo católico),
o trono inglês foi assumido pela casa de Hanôver (Jorge I e II), de origem germânica sem identificação com a nação
inglesa. Assim, a figura do primeiro-ministro ganhou destaque como o verdadeiro governante (o primeiro foio Sr. Walpole).
Surgiu a figura do impeachment (procedimento penal) e da responsabilidade política (seguir a linha política do parlamento,
sob pena de renúncia forçada).
2. Sistema de governo é o modo como se dá a relação entre os Poderes dentro de um Estado; sobretudo entre
o Poder Executivo e o Poder Legislativo. Diferencia-se da forma de governo, que é definida como o modo em que se dá
a relação entre governantes e governados. As principais espécies de sistema de governo são: presidencialismo e
parlamentarismo. Quadro comparativo apresentado por Bernardo Gonçalves Fernandes:

Presidencialismo Parlamentarismo
Identidade entre chefia de estado e chefia de Há uma não identidade entre chefia de estado e
governo (são a mesma pessoa). chefia de governo. O chefe de estado pode ser um rei (um
Chefe de estado exerce função simbólica de monarca) ou um presidente, ao passo que o chefe de
representar internacionalmente o país e de corporificar governo é o 1º ministro, que exerce o governo
a sua unidade interna. conjuntamente com o seu gabinete (conselho de Ministros).
Chefe de governo executa as políticas públicas.
Ou seja, é quem efetivamente governa e também
exerce a liderança da política nacional.
Estabilidade de governo. Há a figura dos Estabilidade democrática, construída pelo povo nos
mandatos fixos para o cargo de presidente. processos democráticos. Pode até existir a figura do
mandato mínimo e do mandato máximo, todavia ele não é
fixo. Nesse sentido, tem por fundamento a existência dos
institutos: I) possibilidade de queda do gabinete pelo
parlamento (através da “moção de censura” ou “voto de
desconfiança”) e II) possibilidade cotidiana de dissolução do
parlamento pelo gabinete.

3. Poder Executivo. Poder Executivo é o órgão constitucional em que se concentram as funções de cunho
executivo nos moldes explicitados no art. 2º da Constituição de 1988, que delimita os poderes da União, cuja função está
atrelada ao exercício da atividade executiva na República Federativa do Brasil.
Função típica: chefia de Estado. Atípica: legislar por medida provisória (art. 62 CF) e julgar no “contencioso
administrativo” no caso da defesa de multa de trânsito, do IPEM, da SEMAB, do CADE, TIT, etc. *Crítica: A função
jurisdicional é marcada pelo caráter definitivo da decisão, inexistente no contencioso administrativo. Basicamente, suas
funções estão estabelecidas no art. 84 da Constituição. O Poder Executivo, nos termos do art. 76 da Constituição, é
exercido pelo Presidente da República com o auxílio dos Ministros de Estado (cargos de livre nomeação e exoneração do
Presidente da República).
As condições de elegibilidade estão no art. 14, § 5º, e é eleito mediante sufrágio universal, a partir do princípio da
maioria absoluta. A reeleição é possível parar um único período subseqüente, a partir da EC n. 16/97. A eleição é pelo
critério majoritário absoluto, que, se não for alcançado no primeiro turno, exige, só então, a realização de novo escrutínio.
A linha sucessória do Presidente da República será: Vice-Presidente, Presidente da Câmara, Presidente do
Senado e Presidente do STF (arts. 78 e ss. da CF). Na hipótese de a vacância do cargo operar-se nos dois primeiros
anos do mandato, far-se-á uma eleição 90 dias depois de aberta a última vaga (eleição direta); ocorrendo nos últimos dois
anos do período presidencial, haverá a eleição indireta promovida, em 30 dias, pelo Congresso Nacional. A perda do
mandato ocorrerá nas seguintes hipóteses:
1. Cassação (decorrente de decisão do Senado nos processos por crime de responsabilidade, ou de decisão
do STF em caso de crime comum);
2. Declaração de vacância do cargo pelo Congresso Nacional;
3. Extinção (renúncia, morte, suspensão dos direitos políticos);
4. Ausência do país, sem licença do Congresso, por mais de 15 dias.
Desde 1994, em sede de análise de Medida Cautelar na ADI n. 1057, o STF tem reiteradamente entendido que o
artigo 81, §1º, da Constituição Federal (regramento da sucessão presidencial no caso de dupla vacância) não é uma
norma de reprodução obrigatória pelos Estados e Municípios em suas respectivas Constituições/Leis Orgânicas. Segundo
o Supremo, compete aos entes federados, como decorrência do princípio federativo, o exercício da autonomia política
administrativa para estabelecerem as regras da sucessão na hipótese da dupla vacância na chefia do Poder Executivo.
Competência. José Afonso da Silva classifica as atribuições do Presidente da República em três funções básicas:
a) Chefia do Estado: art. 84, VII, VIII, XVIII, segunda parte, XV, XVI, primeira parte, XIX, XX, XXI e XXII. b) Chefia do

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Governo: art. 84, I, III, IV, V, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XVII, XVIII, primeira parte, XXIII, XXIV e XXVII. c) Chefia da
Administração Federal: art. 84, II, VI, XVI, segunda parte, XXIV e XXV.
Atribuições delegáveis → Apenas três são delegáveis aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da
República ou ao Advogado-Geral da União: a) Inciso VI (decretos autônomos); b) Inciso XII (conceder indulto e comutar
penas); c) Inciso XXV, primeira parte – prover (por lógica, abrange o desprover -exonerar)os cargos públicos na forma
da lei.
Estatuto: imunidades e prerrogativas. Imunidade formal: só poderá ser processado por crime comum ou de
responsabilidade após o juízo de admissibilidade da Câmara dos Deputados. E enquanto não sobrevier sentença
condenatória, nas infrações comuns, não se sujeita à prisão. Prerrogativa de foro: só poderá ser processado e julgado
pelo STF no caso de crimes comuns, e pelo Senado nos crimes de responsabilidade. Por fim, cabe referir a previsão
constante do § 4º do art. 86, o qual estabelece a irresponsabilidade pelas infrações que não se relacionam com o exercício
de suas funções. NÃO possui imunidades materiais, apenas imunidades processuais! Imunidade processual temporária
(por atos estranhos ao cargo, somente após o mandato –art. 86 §4 → consequências: prescrição fica suspensa, após o
mandato não haverá controle de admissibilidade pela CD).
Constituição, art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a
Constituição Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder
Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III – o exercício dos direitos
políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do País; V - a probidade na administração; VI - a lei orçamentária;
VII -o cumprimento das leis e das decisões judiciais. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as
normas de processo e julgamento, atualmente disciplinados na Lei n. 1079/50.

Crime Comum Crime de Responsabilidade


Natureza
Infração Penal (crime) Infração
Político-administrativa
Penas Possíveis
Reclusão, detenção, Perda do mandato
Perda de bens, etc. (impeachment) e inabilitação
para o exercício da função
Provocação
PGR por meio de denúncia Qualquer cidadão
Juízo prévio de admissibilidade
Câmara dos Deputados (2/3) Câmara dos Deputados (2/3)
Juízo definitivo de admissibilidade
STF (decisão de recebimento da denúncia ou Não há
queixa)
Competência
STF Senado Federal
Afastamento das funções
A partir da decisão de admissibilidade do STF A partir da instauração do processo pelo
Senado

Poder Normativo Autônomo: a EC n. 32/2001 positivou a figura dos decretos autônomos, estabelecendo que
compete ao Presidente da República dispor, mediante decreto, sobre: a) a organização e funcionamento da administração
federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou
cargos públicos, quando vagos (art. 84, inciso VI, da Constituição). A doutrina (veja-se Celso Antônio Bandeira de Mello)
criticou duramente essa inovação, mas o STF a respaldou" (ADI 2.564). Poder Regulamentar: previsto no art. 84, IV, da
Constituição. O regulamento de execução explicita a lei sem inovar a ordem jurídica, sem criar direitos e obrigações, em
face do princípio constitucional da legalidade. Segundo a doutrina, fixa as regras destinadas a colocar em execução os
princípios institucionais delimitados e estabelecidos na lei. Poder delegado: a delegação legislativa ao Presidente da
República tem seus limites e contornos previstos no art. 68 da Constituição. Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a
delegação pode ser retirada pelo Congresso Nacional a qualquer momento.

Decreto Regulamentar (Art. 84, IV) Decreto Autônomo (Art. 84, VI)
Natureza
Secundário Primário
Inova no ordenamento
Não Sim
Hierarquia
Infralegal Legal
Matéria
Em tese, qualquer lei Taxativa (art. 84, VI CF)
Criação
CF/1988 EC 32/2001

5. Presidencialismo de Coalizão. O termo foi formulado pelo cientista político Sergio Abranches. A ideia se
assenta em dois pilares principais: o papel do presidente e a existência de coalizões partidárias que sustentam o governo.
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Ao colocar a fórmula em movimento, os partidos da coalizão participam do governo quase que de forma
semiparlamentarista e, ao mesmo tempo, oferecendo a maioria de que dispõem no Congresso para apoiar a
agenda do presidente. O termo, “coalizão” refere-se a acordos entre partidos (normalmente com vistas a ocupar cargos
no governo) e alianças entre forças políticas (dificilmente em torno de ideias ou programas) para alcançar determinados
objetivos.
Em sistemas multipartidários, nos quais há mais do que dois partidos relevantes disputando eleições e ocupando
cadeiras no Congresso, dificilmente o partido do presidente possuirá ampla maioria no Parlamento para aprovar seus
projetos e implementar suas políticas. Na maioria das vezes a coalizão é feita para sustentar um governo, dando-lhe
suporte político no Legislativo (em primeiro lugar) e influenciando na formulação das políticas (secundariamente). Assim,
partidos, dependendo da conjuntura política, se juntam para formar um consórcio de apoio ao chefe de governo. Essa
prática é muito comum no sistema parlamentarista, no qual uma coalizão interpartidária disputa as eleições para o
Legislativo visando obter a maioria das cadeiras e com isso indicar (“eleger”) o primeiro-ministro.
6. Ministros de Estado => Auxiliares do Presidente na direção superior da Administração Federal.
Requisitos→ nato ou naturalizado (salvo o Ministro de Estado da Defesa, nato, conforme o inciso VII do § 3 do
art. 12 da CF); maior de 21 anos e estar no exercício dos direitos políticos.
Atribuições→ exercer a orientação, coordenação e supervisão de sua área de competência; referendar os atos e
decretos assinados pelo Presidente (Michel Temer defende que os atos não referendados são nulos; já para o José
Afonso da Silva, os atos não referendados são plenamente válidos, a única possível consequência é a demissão do
Ministro); expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos (Instruções Normativas); apresentar
relatório anual de gestão e praticar os atos delegados pelo Presidente. Após a EC 32/2001, o art. 88 da CF determina que
lei disporá somente sobre a criação e extinção de Ministério, não mais exigindo lei em sentido estrito para a determinação
de estruturação e atribuições.
Crimes de responsabilidade sem conexão com o Presidente e nos crimes comuns são julgados pelo STF, nos
crimes de responsabilidade com conexão com o Presidente a competência é do Senado Federal.

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2.c. Hermenêutica e Teorias da argumentação jurídica.

1. Argumentação Jurídica. O que normalmente se entende hoje por teoria da argumentação jurídica tem sua
origem numa série de obras dos anos 50 (século XX), origem conectada com o problema das relações entre o direito e a
sociedade. As três concepções mais relevantes como precursoras das atuais teorias da argumentação jurídica são: a
tópica de Viehweg; a nova retórica de Perelman e a lógica informal de Toulmin. Estas têm em comum a rejeição do
modelo da lógica dedutiva. Seu papel fundamental consistiu em ter aberto um relativamente novo campo de investigação
e, ter servido como precursoras das atuais teorias da argumentação jurídica elaboradas por Mac. Cormick e Robert Alexy,
os quais representam o que se denomina de “teoria padrão da argumentação jurídica”.
2. Teoria clássica da argumentação jurídica:
A) A tópica de VIEHWEG: Viehweg resgata da Antiguidade Clássica o modelo jurídico utilizado pelos romanos
que construíam sua justiça a partir de decisões concretas das quais extraiam princípios que lhes servissem de fundamento
de validade. Na linha de Aristóteles e Cícero, Viehweg entende por tópica um processo especial por tratamento de
problemas, que se caracteriza pelo emprego de certos pontos de vista, questões e argumentos gerais, considerados
pertinentes, os tópicos. Os tópicos são pontos de vista, com validade geral, que servem para ponderação dos prós e dos
contras das opiniões e podem conduzir-nos ao que é verdadeiro. Sua tese é a de que a forma de pensar tópico-
problemática da jurisprudência romana, que construía sua justiça a partir de decisões concretas e daí extraia princípios
que lhe servissem de fundamento de validade. De acordo com Viehweg a tópica parte do problema em busca de
premissas, enquanto um raciocínio do tipo sistemático oferece suas próprias premissas, propondo unicamente,
um desenvolvimento dedutivo e linear. Sistema é a contraposição da tópica. A TÓPICA É O CONJUNTO DE
COISAS QUE PODERIAM VIR A SER PONTOS DE ARGUMENAÇÃO. Viehweg caracteriza a tópica por três elementos:
é uma técnica do pensamento problemático; opera com a noção de topos (pontos de vista aceitáveis em toda parte); sua
atividade é a busca e exame de premissas.
B) A nova retórica de PERELMAN: Perelman pretendia demonstrar a aptidão da razão para lidar também com
valores, organizar preferências e fundamentar, com razoabilidade, nossas decisões. Para ele as deliberações humanas
ou preferências razoáveis deixam de ser arbitrárias à medida que se apresentam por meio de justificativas. Perelman
apresenta como fórmula de justiça o tratamento igual para aqueles considerados iguais, segundo critérios estabelecidos
de acordo com os valores que venham a informar o que ele chama de “justiça concreta.” Para Perelman, raciocinar não
é somente deduzir e calcular, mas é também deliberar e argumentar. Essa argumentação será qualificada de
racional quando se achar que ela é válida para um auditório universal, constituído pelo conjunto das mentes
razoáveis. Perelman verifica que onde há controvérsia prevalecem, em vez da lógica, as técnicas da argumentação, que
se apresentam como via propícia ao acordo.
C) A lógica informal de TOULMIN: parte da mesma constatação de Viehweg e Perelman, a saber, a insuficiência
da lógica formal dedutiva para dar conta da maioria dos raciocínios; mas, a sua concepção se diferencia porque sua crítica
consiste em se opor a uma tradição que parte de Aristóteles que pretende fazer da lógica uma ciência formal comparável
a geometria. Toulmin, ao contrário, propõe deslocar o centro de atenção da teoria lógica para à prática lógica. A Toulmin
não interessa uma “lógica idealizada”, e sim uma lógica eficaz ou aplicada; e, para produzir essa eficácia ele escolhe
como modelo não a geometria, mas a jurisprudência. A lógica, podemos dizer, é jurisprudência generalizada. Segundo
Toulmin o modelo de análise tradicional da lógica é excessivamente simples. Enquanto a lógica só distingue entre
premissas e conclusão, para Toulmin parece essencial introduzir proposições para dar conta dos argumentos substanciais
e não formais. Estabelecendo critérios sobre a correção material dos argumentos, Toulmin pretende se aproximar mais
das argumentações que ocorrem na realidade, do que os esquemas habituais da lógica formal.
3. Teorias atuais da argumentação jurídica: As concepções desenvolvidas por Mac. Cormick e Alexy constituem
o que se poderia chamar de Teoria Padrão da Argumentação Jurídica. Nesta teoria, a perspectiva de análise das
argumentações jurídicas se situa num conceito de justificação dos argumentos. Haveria aqui uma justificação formal dos
argumentos (argumentos formalmente corretos) e uma justificação material (que se refere a aceitabilidade do argumento).
A) MAC. CORMICK: trata de construir uma teoria que dê conta tanto dos aspectos dedutivos da argumentação
jurídica quanto dos não-dedutivos, dos aspectos formais e dos materiais, que se situe a meio caminho entre uma teoria
ultra-racionalista do Direito (existência de uma única resposta correta para o caso) e uma irracionalista (decisões jurídicas
são produtos da vontade e não da razão). Para ele não se trata unicamente de mostrar em que condições uma
decisão jurídica pode ser considerada justa; ele pretende, além disso, que as decisões jurídicas, de fato, se
justifiquem precisamente de acordo com esse modelo. A justificação dedutiva obedece a pressupostos e limites. O
primeiro pressuposto é que o juiz tem o dever de aplicar as regras do direito válido. O segundo pressuposto é que o juiz
pode identificar quais são as regras válidas. A teoria foi objeto de algumas críticas, dentre outras podemos citar:
-crítica em relação ao caráter dedutivo do raciocínio jurídico quando se refere: a possibilidade de se chegar a
conclusões contraditórias quando se parte de premissas diferentes; a existência de conceitos indeterminados; ao âmbito
em que opera a dedução, pois o próprio Mac. Cormick admite a ampla zona de imprecisão entre os casos claros e os
difíceis;
-critica ao caráter ideologicamente conservador, quando: concentra-se nas decisões dos Tribunais Superiores;
sugere que decisões inovadoras (contra legem) nunca poderiam ser justificadas; afirma que é sempre possível fazer
justiça de acordo com o direito ( o que não parece tão óbvio ).
B) ROBERT ALEXY: coincide substancialmente com a de Mac Cormick. Ambos percorrem o mesmo caminho,
mas em sentidos opostos. Mac. Cormick parte das argumentações ou justificações das decisões tal e como, de fato elas
ocorrem nas instâncias judiciais e, a partir daí elabora uma teoria da argumentação jurídica que ele acaba por considerar
como fazendo parte de uma teoria geral da argumentação prática. Alexy, pelo contrário, parte de uma teoria da
argumentação prática geral que ele projeta, depois para o campo do Direito. Consiste em considerar o discurso jurídico,
a argumentação jurídica, como um caso especial do discurso prático geral. Isto é, do discurso moral. Alexy entende que
uma teoria da argumentação jurídica teria de ser capaz de unir dois modelos diferentes do sistema jurídico: o
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sistema jurídico como sistema de procedimento e o jurídico como sistema de normas (regras e princípios). A
característica da aplicação de regras é a subsunção; mas, a característica da aplicação dos princípios é a
ponderação, pois podem ser cumpridos em diversos graus. Os princípios são mais do que simples tópicos, levam
a formas de fundamentação das decisões jurídicas que não poderiam existir sem eles. Os princípios, diferentemente
das regras, são comandos que admitem relativização. Segundo Alexy, a fórmula da ponderação resumir-se-ia no seguinte:
“Quanto mais intensa se revelar a intervenção em um dado direito fundamental, maiores hão de se revelar os fundamentos
justificadores dessa intervenção”. Portanto, é nos fundamentos justificadores da violação a determinado direito (ou
princípio), em favor de outro que venha com ele colidir, que encontramos o ponto nodal do postulado da proporcionalidade.
4. TEORIA PRESCRITIVA DA ARGUMENTAÇÃO. Robert Alexy apresentou uma vasta teoria prescritiva da
argumentação. Ele distingue entre regras de justificação interna de uma sentença e regras de justificação externa. Na
justificação interna, trata-se de saber se a sentença é o resultado lógico das premissas mencionadas na fundamentação
da sentença. Na justificação externa, devem ser formuladas as regras que devem garantira correção das premissas (
interpretação semântica, histórica e teleológica ).
5. TEORIA INTERPRETATIVA DA ARGUMENTAÇÃO. As teorias interpretativas da argumentação tentam
esclarecer o que é “sentido” e “função” na argumentação jurídica. O máximo que se exige do conteúdo de verdade da
argumentação é que a fundamentação jurídica tenha a função de garantir a correção de uma decisão em especial, a
expressão normativa da sentença. O mínimo que se exige da argumentação jurídica é que ela garanta simplesmente a
aceitação da decisão. No primeiro caso, a teoria da argumentação jurídica tem de receber elementos da filosofia prática,
especialmente da teoria do discurso, e estabelecer critérios acerca da correção da argumentação jurídica. No último caso,
uma teoria da argumentação tem de elaborar os critérios que nos digam em que casos são aceitas as fundamentações
de sentenças.
Neoconstitucionalismo: não se trata de um modelo consolidado. O termo é usado na Espanha e Itália. Duas
vertentes:
(a) modelo constitucional (conjunto de mecanismos normativos e institucionais) – é o constitucionalismo
democrático pós-guerra, com a expansão da jurisdição constitucional;
(b) teoria, ideologia e método do direito. Neoconstitucionalismo:
b.1) teórico: limita-se a descrever os resultados da constitucionalização. Caracterizado por uma constituição
‘invasora’, catálogo de direitos fundamentais, onipresença de princípios e regras, peculiaridades na
interpretação/aplicação das suas normas. Afasta a estatalidade, o legicentrismo (a constituição passa a ser norma
jurídica vinculante) e o formalismo interpretativo. Há duas vertentes: mantém o método positivista com objeto
parcialmente modificado ou propõe uma mudança radical de método (pós-posivismos);
b.2) ideológico: põe em 1º plano a garantia dos direitos fundamentais, em detrimento do objetivo da
limitação do poder estatal (traço do constitucionalismo ‘clássico’), porque o poder estatal não é visto mais com
temor, mas como aliado e necessário à implementação dos direitos fundamentais. Não se limita a descrever, valora
positivamente e defende sua ampliação; b.3) Metodológico: especialmente em Alexy e Dworkin, conexão
necessária entre direito e moral (leitura moral da constituição). Entronização de valores na interpretação jurídica
com o reconhecimento da normatividade dos princípios, reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica
(Comanducci, 2005).
Nova hermenêutica. A “nova hermenêutica” propõe critérios específicos: 1) conceitos jurídicos indeterminados –
expressões abertas com início de significação a ser complementado pelo intérprete; 2) normatividade dos princípios –
normas que consagram valores ou fins públicos; que indicam estados ideais realizáveis por meio de variáveis condutas;
e são mandados de otimização, devendo ser aplicados na maior intensidade possível. Podem ter (a) eficácia direta –
positiva, simétrica, quando se aplica sobre os fatos à semelhança de uma regra; (b) eficácia interpretativa – para fixar a
correta interpretação das normas em geral; (c) eficácia negativa – invalidade da interpretação contrária; 3) colisões entre
normas constitucionais – o intérprete cria a norma jurídica para a resolução do caso a partir dos dados fáticos e das
balizas normativas por meio de ponderação, em que fará concessões recíprocas – concordância prática – procurando
preservar ao máximo o conteúdo dos interesses em conflito; ou, no limite, escolherá qual prevalecerá no caso, à luz da
razoabilidade (que normalmente é um “instrumento para a medida”, a par de às vezes fornecer um critério material);
Esquema da ponderação: (a) selecionar as normas relevantes e identificar eventuais conflitos; (b) examinar os fatos e sua
interação com os elementos normativos; (c) ponderar os pesos a serem atribuídos aos elementos normativos e fáticos
envolvidos para decidir qual grupo de normas deve prevalecer no caso e, se for possível, graduar a intensidade da solução
escolhida; a ponderação é vista como integrante da proporcionalidade ou como princípio autônomo; 4) argumentação
jurídica – quando é feita ponderação, aumenta-se a exigência de rigor na argumentação (justificação), segundo uma
“razão prática”, devendo o intérprete (a) fundamentar-se em norma jurídica; (b) manter a integridade do sistema (poder
generalizar a norma criada para casos equiparáveis); (c) considerar as consequências práticas no mundo fenomênico
(Barroso, 2010).

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3.a. Divisão de poderes. Conceito e objetivos. História. Independência e harmonia entre poderes.
Mecanismos de freios e contrapesos.

O poder político – ou a soberania – do Estado é uno e indivisível. A expressão “divisão (ou separação) de poderes”
não indica cisão no poder; denota a dupla ideia organizatória de divisão (a) de órgãos e (b) de funções do poder (singular)
estatal. Divisão orgânica do poder - estrutura estatal em centros de decisão e ação titularizados por agentes públicos cuja
conduta é imputada ao Estado; a divisão funcional do poder - atividades a serem desempenhadas pelo Estado.
A divisão funcional de poderes remonta a Aristóteles, em “Política”, que identificou três funções básicas exercidas
pelo poder político: assembleia-geral, corpo de magistrados e corpo judiciário; hoje equivalentes às funções legislativa,
administrativa e jurisdicional. Respectivamente, (a) inovar a ordem jurídica por meio de normas gerais, impessoais e
abstratas; (b) atuar concreta e individualizadamente, excetuada a função jurisdicional, por meio das funções de governo
e de administração; e (c) resolver conflitos intersubjetivos imparcial e desinteressadamente, com potencial de
definitividade.
História. A distinção de funções, que remonta à Antiguidade, prosseguiu durante a Idade Média e a modernidade.
Aqui já com Grotius e Puffendorf, Bodin e Locke, antes de Montesquieu. No absolutismo, à especialização funcional não
correspondia à independência de órgãos especializados. A par da experiência parlamentarista inglesa, que não
correspondia exatamente a uma separação de poderes, foi a obra de Montesquieu, de 1746, que sistematizou a separação
orgânica do poder como técnica de salvaguarda da liberdade “dos modernos” (concepção burguesa-liberal). Todo homem
que detém o poder tende a dele abusar, e o abuso vai até onde se lhe deparam limites; e apenas o poder contém o poder.
Então, a separação orgânica do poder consiste em se atribuir cada uma das funções estatais básicas a um órgão (corpo
funcional) distinto, separado e independente dos demais. Combina-se a especialização funcional com a independência
orgânica. No liberalismo, a separação de funções entre os órgãos independentes deveria ser bastante rígida, mas mesmo
Montesquieu já previa que o constante movimento dos órgãos os compele a atuar em concerto, harmônicos, e as
faculdades de estatuir (p.ex., aprovar um projeto de lei) e de impedir (veto presidencial) são prenúncios dos mecanismos
de freios e contrapesos desenvolvidos posteriormente. A rígida separação de poderes do liberalismo foi inicialmente
inserida nas constituições das ex-colônias inglesas na América, que seguiam a Declaração de Direitos de Virginia, de
1776. Após, constituição dos EUA, art. 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão e constituições
francesas seguintes, espalhando-se pelo “ocidente”. Benjamin Constant teorizou um quarto poder neutro, que faça com
os demais o que o poder judiciário faz com os indivíduos, que seria exercido pelo rei. A 1ª constituição do Brasil criou o
“poder moderador” do Imperador; porém, distorceu a teoria ao atribui-lo também o executivo (para Constant, o poder
neutro não poderia jamais coincidir com um dos demais), assim foi até surgir o parlamentarismo em 1846. Com o declínio
do liberalismo e a ascensão do Estado Social, a rígida separação dos poderes tornou-se “um desses pontos mortos do
pensamento político, incompatível com as formas mais adiantadas do processo democrático contemporâneo” (Bonavides,
2000) (a democracia efetivamente só surgiu no século XX com o sufrágio universal).
No estado atual, há uma divisão de funções do poder, de forma não exclusiva (não-incomunicável), entre órgãos
relativamente independentes entre si, que devem atuar em cooperação, harmonia e equilíbrio. Independência: não-
subordinação de um órgão aos demais e autonomia para exercer por si próprio suas funções. Cada órgão tem funções
típicas (que lhe caracterizam; eventualmente podem constituir controle sobre os demais, p.ex., judicial review) e atípicas
(para que sejam independentes, p.ex., autoadministração; e para controlar os demais órgãos). A separação vai ao nível
pessoal, de maneira a impedir quaisquer “uniões pessoais” dos órgãos, razão porque há regras de incompatibilidade que
impedem que uma pessoa possa titularizar órgãos reciprocamente independentes. Harmonia: respeito aos demais e às
suas funções, e aos mecanismos de balanceamento (freios e contrapesos). Estes são instrumentos de interdependência
e de controle recíproco entre os órgãos, pelos quais (a) cada um interfere diretamente em aspectos do outro órgão; ou
(b) cada um exerce funções que seriam típicas dos demais, mas que lhe são conferidas como atípicas. Justeza funcional:
atribui-se a cada órgão as funções que ele pode desempenhar de maneira mais adequada. Núcleo essencial: a
interpenetração das funções entre os órgãos é limitada pelo núcleo duro essencial; porém, quem estabelece esse desenho
é a própria constituição, que em seu texto originário é que define o que é o núcleo.

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3.b. Poder Judiciário: organização e competência. Normas constitucionais respeitantes à
magistratura. O ativismo judicial e seus limites no Estado Democrático de Direito.

Poder Judiciário. Tem por função típica o exercício da jurisdição, bem como funções atípicas de natureza
legislativa (art. 96, I, CF) e administrativa (art. 96, I, b, c e d, CF). O Poder Judiciário é uno e indivisível, tendo caráter
nacional. Seus órgãos estão elencados no artigo 92 da CF: STF, CNJ, STJ, Tribunais e Juízes Federais, Tribunais e
Juízes do Trabalho, Tribunais e Juízes Eleitorais, Tribunais e Juízes Militares. São órgãos de superposição o STF, STJ e
Tribunais Superiores da União.
CNJ: Apesar do CNJ integrar a estrutura do Poder Judiciário Nacional, não dispõe de função jurisdicional. Foi
criado pela EC n. 45/04 (Reforma do Judiciário), sendo órgão de natureza exclusivamente administrativa (ADI 3.367).
Obs. será abordado no Ponto 25.c.
STF: Órgão de cúpula do Poder Judiciário. Obs. Será abordado no ponto 5.b.
STJ: compete-lhe uniformizar a interpretação da lei federal e garantir sua observância e aplicação. Foi criado pela
atual CF para compreender a competência do ex-TFR e parte da competência do STF. Possui competência originária (art.
105, I), recursal (105, II) e especial (105, III). Anote-se a competência para julgar o incidente de deslocamento de
competência para a Justiça Federal, nos termos do artigo 109, §5º, CF. Trata-se de criação da Constituição de 1988,
concebido com o propósito de se tentar superar a propalada “crise do Recurso Extraordinário” (nas palavras do Min.
Moreira Alves), já que o Supremo Tribunal Federal, antes da Carta de Outubro, cumulava as competências de
uniformização da interpretação da Constituição de 1967/69 e do direito federal ordinário. Aliás, para tentar desafogar a
Corte Suprema, utilizava-se da argüição de relevância no julgamento dos recursos extraordinários que alegavam ofensa
à legislação federal, o que ensejava severas críticas da doutrina. Assim, ao STJ foi atribuída a relevante missão
constitucional de ser o Guardião do ordenamento jurídico federal. Composição. O STJ compõe-se de, no mínimo, 33
(trinta e três) Ministros, tem sede na Capital Federal e jurisdição em todo o território nacional (art. 92, parágrafo único, c/c
art. 104, caput, CF). O número mínimo de 33 Ministros poderá ser elevado por meio de lei. Investidura. Os seus Ministros
são nomeados pelo Presidente da República, após serem sabatinados pelo Senado Federal e aprovados pelo voto da
maioria absoluta (art. 104 § U), igualando-se ao quorum da sabatina para os Ministros do STF. Requisitos para o cargo:
ser brasileiro nato ou naturalizado, ter mais de 35 e menos de 65 anos, ter notável saber jurídico e reputação ilibada.
Composição dos Ministros: 1/3 de juízes dos Tribunais Regionais Federais; 1/3 de desembargadores dos Tribunais de
Justiça; 1/6 de advogados e 1/6 de membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios,
alternadamente. Procedimento: No caso dos juízes dos Tribunais Regionais Federais e dos desembargadores dos
Tribunais de Justiça, o STJ elaborará lista tríplice, enviando-a ao Presidente da República, que indicará um e o nomeará
após aprovação do Senado Federal. No caso dos advogados e membros do MP, serão eles indicados na forma das regras
para o quinto constitucional do art. 94 CF. EC 45/2004: Em relação à competência do STJ, destacam-se as novidades
introduzidas pela EC nº45/2004, quais sejam, a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão do exequatur, e
a preservação da competência para o julgamento de recurso especial quando a decisão recorrida julgar válido ato de
governo local contestado em face de lei federal. Perfeita a preservação desta competência já que, nessa hipótese, no
fundo, estamos diante da questão de legalidade e não constitucionalidade.
Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – Prescreveu o funcionamento, junto ao
STJ, da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, cabendo-lhe, dentre outras funções,
regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção na carreira (Art. 105, p.u., inciso I, CF).
Conselho de Justiça Federal – Previu, também, o funcionamento, junto ao STJ, do Conselho de Justiça Federal,
cabendo-lhe exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal de primeiro e segundo
graus, como órgão central do sistema e com poderes correicionais, cujas decisões terão caráter vinculante (Art. 105, p.u.,
inciso II, CF).
Tribunais e Juízes Federais: artigos 108 e 109 da CF. Ver Súmula 428 do STJ: compete ao tribunal regional
federal decidir os conflitos de competência entre juizado especial federal e juízo federal da mesma seção judiciária. A
Constituição de 1988 não só manteve a Justiça Federal, que fora reinstituída sob o Governo Militar, por meio do Ato
Institucional n. 2, de 1965, como também ampliou as suas competências. Os Tribunais Regionais Federais são compostos
por, no mínimo, sete juízes, recrutados, se possível, na respectiva região, e nomeados pelo Presidente da República
dentre brasileiros com mais de 35 e menos de 65 anos, sendo: (a) um quinto dentre advogados com mais de dez anos de
efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público Federal com mais de dez anos de carreira; (b) e os demais
mediante promoção de juízes federais com mais de cinco anos de exercício, por antiguidade e merecimento,
alternadamente.
Cada Estado, bem como o Distrito Federal, constituiu uma seção judiciária da Justiça Federal, que terá por sede
a capital, e varas localizadas segundo o estabelecido em lei. A partir da Constituição de 1988, vem-se implementando a
interiorização da Justiça Federal. A Emenda Constitucional n. 45/2004 autoriza, nesse sentido, que os TRFs instalem a
Justiça itinerante, em locais situados nos limites territoriais de sua jurisdição. Facultou-se, igualmente, o funcionamento
descentralizado dos TRFs, com a possibilidade de constituição de Câmaras regionais.
A Justiça Federal é, por definição, o órgão judicial competente para as causas que tenham com partes a União,
suas autarquias e empresas públicas federais. Em linhas gerais, compete-lhe julgar: (a) as causas em que a União,
entidade autárquica ou empresa pública forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, exceto
as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; (b) as causas entre
Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País; (c) as causas
fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional; (d) a execução de carta
rogatória, após o exequatur, e de sentença estrangeira, após a homologação; as causas referentes à nacionalidade,
inclusive a respectiva opção e à naturalização; (e) as causas relativas a direitos humanos deslocadas da Justiça estadual
para a Justiça Federal (IDC); (f) os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou
interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a
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competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; (g) os crimes: 1) previstos em tratado ou convenção, quando, iniciada
a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; 2) contra a organização
do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira; 3) cometidos
a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar; 4) de ingresso ou permanência irregular de
estrangeiros; (h) os habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de
autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição, os mandados de segurança e os habeas datas
contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais; (i) a disputa sobre direitos
indígenas.
Dentre as competências eminentes da Justiça Federal insere-se a de decidir sobre a existência de interesse
jurídico que justifique a presença, no processo, da União, de suas autarquias ou empresas públicas (Súmula 150 do STJ).
A decisão de juiz federal que excluir da relação processual ente da federação não pode ser reexaminada no juízo estadual.
Mencione-se, também, a atuação dos juizados especiais federais, competentes para julgar as causas cíveis de menor
complexidade (até 60 salários mínimos) e as infrações penais de menor potencial ofensivo.
Quanto à competência dos TRFs, além dos recursos nas causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes
estaduais no exercício de competência federal, na área de sua jurisdição, ela abrange: (a) o processo e julgamento de
juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e
de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral; (b) as
revisões criminais e as ações rescisórias de julgados seus ou dos juízes federais da região; (c) os mandados de segurança
e os habeas data contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal e os habeas corpus, quando a autoridade coatora for
juiz federal; (d) os conflitos de competência entre juízes federais vinculados ao Tribunal.
Reconhece-se, igualmente, serem os TRFs os órgãos jurisdicionais originariamente competentes para processar
e julgar, no caso de crimes da competência da Justiça Federal, autoridades estaduais e municipais, que gozam de
prerrogativa de foro junto ao Tribunal de Justiça estadual. Configuram também competências não expressas dos TRFs o
processo e julgamento das ações rescisórias movidas por ente federal contra acórdão de Tribunais de Justiça ou sentença
de juiz de direito e os mandados de segurança impetrados por ente federal contra ato de juiz estadual.
Justiça do Trabalho: Trata-se de Justiça especializada em razão da matéria, com competência taxativamente
prevista na Constituição. A CF/88 estruturou a Justiça do trabalho com os seguintes órgãos: 1) TST; 2) TRT's; 3) Juízes
do Trabalho (CF, art. 116). As Varas do Trabalho são criadas por lei, podendo ser atribuída jurisdição aos Juízes de Direito
nas comarcas não abrangidas por elas, mas o recurso será para o TRT respectivo. Tribunal Superior do Trabalho. A EC
24/1999 alterou a composição da Justiça do Trabalho, pois eliminou a representação classista e substituiu as Juntas de
Conciliação e Julgamento por Varas do Trabalho. Os juízes dos TRT's são indicados pelo próprio TST, sem exigir
formação de lista tríplice, conforme inc. II do novo art. 111-A da CF. Competência da Justiça do Trabalho: processo e
julgamento:
a) de ações decorrentes de relação de trabalho entendida esta como toda aquela submetida ao regime
jurídico celetista. Na ADI n. 3.395, o STF deu interpretação conforme ao artigo 114, I, da CF, com a redação dada
pela EC 45/04, para suspender toda e qualquer interpretação dada ao inciso, que inclua na competência da Justiça
do Trabalho a apreciação de causas que sejam instauradas entre o Estado e seus servidores, a ele vinculados por
típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. Da mesma foram, excluem-se contratos
de prestação de serviço regidos pelo CDC ou CC.
b) Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério
Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.
c) A EC 45/04 incluiu na competência da Justiça do Trabalho julgar as ações que versem sobre
representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores.
d) Mandados de segurança quando envolver relação de trabalho, independente de quem seja a autoridade
coatora. A EC 45/04 acrescentou a competência da Justiça do Trabalho para julgar habeas corpus e habeas data,
quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição.Falta à Justiça do Trabalho competência
criminal.
e) Súmula Vinculante n. 22: “A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações de
indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra
empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíam sentença de mérito em primeiro grau quando da
promulgação da EC N. 45/04”.
f) A Justiça do Trabalho também passou a ser competente para julgar as ações relativas às penalidades
administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho.
g) Executar, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, “a”, e II, e seus acréscimos legais,
decorrentes das sentenças que proferir. Essa competência foi conferida pela EC 20/98 – antes exercida pela
Justiça Federal. Não será competente no caso de acordo extrajudicial não homologado em juízo. Se houver
homologação, sim (STJ, CC n. 41233/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 29.11.2004).
h) Súmula Vinculante n. 23: A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação possessória
ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada.
Justiça Eleitoral. São órgãos da Justiça Eleitoral: o Tribunal Superior Eleitoral; os Tribunais Regionais Eleitorais;
os Juízes Eleitorais e as Juntas Eleitorais. Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais,
dos juízes de direito e das juntas eleitorais.
Tribunal Superior Eleitoral. Será composto, no mínimo, por sete membros, escolhidos: (a) três juízes dentre os
Ministros do Supremo Tribunal Federal, mediante eleição, pelo voto secreto de seus próprios membros; (b) dois juízes
dentre os Ministros do Superior Tribunal de Justiça, mediante eleição, pelo voto secreto de seus próprios membros; (c)
por nomeação do Presidente da Republica, dois juízes dentre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidade
moral, indicados pelo Supremo Tribunal Federal, sem participação da OAB. O TSE elegerá seu Presidente e o Vice-
Presidente dentre os Ministros do Supremo Tribunal Federal, e o Corregedor Eleitoral dentre os Ministros do Superior

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Tribunal de Justiça. São irrecorríveis as decisões do TSE, salvo as que contrariarem a Constituição e as denegatórias de
habeas-corpus ou mandado de segurança, que se sujeitam a recurso extraordinário e ordinário para o STF,
respectivamente.
Tribunais Regionais Eleitorais. Haverá um TRE na Capital de cada Estado e no Distrito Federal. Compor-se-ão
mediante eleição, pelo voto secreto, de dois juízes dentre os desembargadores do Tribunal de Justiça e de dois juízes,
dentre juízes de direito, escolhidos pelo Tribunal de Justiça; de um juiz do Tribunal Regional Federal com sede na Capital
do Estado ou no Distrito Federal, ou, não havendo, de juiz federal, escolhido, em qualquer caso, pelo Tribunal Regional
Federal respectivo. Além disso, por nomeação, pelo Presidente da Republica, de dois juízes dentre seis advogados de
notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Tribunal de Justiça. Elegerá seu Presidente e o Vice-Presidente
dentre os desembargadores. Os juízes dos tribunais eleitorais, salvo motivo justificado, servirão por dois anos, no mínimo,
e nunca por mais de dois biênios consecutivos, sendo os substitutos escolhidos na mesma ocasião e pelo mesmo
processo, em numero igual para cada categoria.
Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá recurso quando: a) forem proferidas contra
disposição expressa desta Constituição ou de lei; b) ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tribunais
eleitorais; c) versarem sobre inelegibilidade ou expedição de diplomas nas eleições federais ou estaduais; d) anularem
diplomas ou decretarem a perda de mandatos eletivos federais ou estaduais ou e) denegarem habeas corpus, mandado
de segurança, habeas-data ou mandado de injunção. Obs.: O MP não participa da composição dos tribunais eleitorais.
Justiça Militar. A Justiça Militar se compõe do Superior Tribunal Militar, os Tribunais e Juízes Militares instituídos
por lei, que disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência. O Superior Tribunal Militar compor-se-á de
quinze Ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal,
sendo três dentre oficiais-generais da Marinha, quatro dentre oficiais-generais do Exercito, três dentre oficiais-generais
da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira, e cinco dentre civis. Os Ministros civis serão escolhidos
pelo Presidente da Republica dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, sendo três dentre advogados de notório
saber jurídico e conduta ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e dois, por escolha paritária, dentre
juízes auditores e membros do Ministério Publico da Justiça Militar. A Justiça Militar compete processar e julgar os crimes
militares definidos em lei.
Justiça Estadual. Artigos 125 a 126 da CF. A competência da Justiça Estadual é residual, compreendendo tudo
o que não for de atribuição da Justiça Federal, do Trabalho ou Eleitoral.
Juizados Especiais e de Paz. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão juizados
especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução
de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos
oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de
juízes de primeiro grau. Lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal. Também
criarão justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de
quatro anos e competência para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de oficio ou em face de impugnação
apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras
previstas na legislação. (art. 98)
Garantias do Poder Judiciário. O Poder Judiciário restou fortalecido pela CF/88, sendo-lhe asseguradas
garantias institucionais e funcionais. São garantias institucionais a autonomia orgânico-administrativa (art. 96) e autonomia
financeira (art. 99, §§ 1º a 5º). De outro lado, as garantias funcionais ou da magistratura visam a assegurar a
independência e imparcialidade dos juízes (art. 95), quais sejam: vitaliciedade, estabilidade, inamovibilidade e
irredutibilidade de subsídios. São igualmente garantias dos magistrados as três vedações constitucionais: Impossibilidade
do exercício, ainda que em disponibilidade, de outro cargo ou função, salvo uma de magistério (inclusive de natureza
privada, Resolução n. 10/2005, CNJ); veda receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;
proíbe o exercício de atividade político-partidária. Para exercer atividade político-partidária, deverá o magistrado filiar-se
à partido político e afastar-se definitivamente de suas funções (exoneração ou aposentadoria) até seis meses antes das
eleições, prazo de desincompatibilização previsto na LC 64/90. A EC 45/04 acrescentou duas novas vedações,
consistente na impossibilidade de receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas,
entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; e exercer a advocacia no juízo ou tribunal do
qual se afastou, antes de decorridos 3 anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração. Para ingresso
na carreira da magistratura é exigido o tempo mínimo de três anos de atividade jurídica do bacharel em Direito (art. 93, I,
CF), após a conclusão do curso. A comprovação da prática jurídica é disciplinada pela Resolução n. 75/2009 do CNJ.
Quinto constitucional: A CF reserva 1/5 dos lugares dos TRF's, TJ's, TST e TRT's aos membros do MP com mais
de 10 anos de carreira e aos advogados, indicados em lista sêxtupla, com notório saber jurídico, reputação ilibada e mais
de 10 anos de efetiva atividade profissional. São requisitos exaustivos, vedada a estipulação de outros por Constituições
Estaduais (ver artigos 94, 111-A,I, e 115, I, todos da CF). Para o STF, seu número total não for divisível por cinco,
arredonda-se a fração restante para o número inteiro seguinte. O STF também decidiu que o Tribunal pode recusar a
indicação de um ou mais dos componentes da lista sêxtupla, no caso de faltar requisito para a investidura, com base em
razões objetivas, declinadas na deliberação do Tribunal. O que não pode é o Tribunal substituir a lista encaminhada pela
respectiva entidade. A solução é a devolução motivada da lista sêxtupla à corporação para que refaça total ou
parcialmente. No STJ, 1/3 da composição deve caber, em partes iguais, aos advogados e membros do MP (art. 104,
parágrafo único, CF).
Órgão especial: pode ser criado nos Tribunais com mais de 25 julgadores para exercer atribuições administrativa
e jurisdicionais delegadas da competência do pleno (art. 93, XI, CF). Não podem ser delegadas atribuições políticas, com
eleições de dirigente, e legislativas, como elaboração de regimento interno (art. 96, I, “a”, CF). Essa composição poderá
variar entre 11 e 25 membros, sendo metade das vagas providas por antiguidade e a outra por eleição do Tribunal pleno.
Estatuto da Magistratura. Dirley da Cunha Júnior leciona que “O Estatuto da Magistratura consiste num conjunto
de normas constitucionais e legais, destinadas à disciplina da carreira da magistratura, forma e requisitos de acesso,

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critérios de promoção, aposentadoria, subsídio, vantagens, direitos, deveres, responsabilidades, impedimentos e outros
aspectos relacionados à atividade do magistrado” (CUNHA JÚNIOR/2011, p. 1073). Lei Complementar, de iniciativa do
STF, disporá sobre o Estatuto da Magistratura (art. 93, CF). Lei Complementar 35/79 trata do Estatuto da Magistratura
Nacional. Importante a leitura do Código de Ética da Magistratura Nacional, aprovado pelo CNJ.
Ativismo Judicial2. Conceitos. Para Luís Roberto Barroso, a “idéia de ativismo judicial está associada a uma
participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior
interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes
condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto
e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos
normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da
Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas
públicas”. Para Daniel Sarmento, o conceito de ativismo é objeto de controvérsia, mas ele prefere adotar um uso neutro
do termo, em que o ativismo denota uma atuação mais enérgica e proativa da Corte, que pode ser ou não legítima,
dependendo do caso e de uma série de variáveis.
De acordo com Barroso, o “oposto do ativismo é a auto-contenção judicial, conduta pela qual o Judiciário procura
reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes. Por essa linha, juízes e tribunais (i) evitam aplicar diretamente a
Constituição a situações que não estejam no seu âmbito de incidência expressa, aguardando o pronunciamento do
legislador ordinário; (ii) utilizam critérios rígidos e conservadores para a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos
normativos; e (iii) abstêm-se de interferir na definição das políticas públicas”.
Contextualização. Para Sarmento, ao tratar do neoconstitucionalismo, as “mudanças, que se desenvolvem sob a
égide da Constituição de 88, envolvem vários fenômenos diferentes, mas reciprocamente implicados, que podem ser
assim sintetizados: (a) reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e valorização da sua importância no
processo de aplicação do Direito2; (b) rejeição ao formalismo e recurso mais frequente a métodos ou “estilos” mais abertos
de raciocínio jurídico: ponderação, tópica, teorias da argumentação etc.3; (c) constitucionalização do Direito, com a
irradiação das normas e valores constitucionais, sobretudo os relacionados aos direitos fundamentais, para todos os
ramos do ordenamento4; (d) reaproximação entre o Direito e a Moral, com a penetração cada vez maior da Filosofia”.
Críticas. Aponta-se que o paradoxo do ativismo, além da ausência de mandato popular conferido ao STF, está
centrado no fato de ser questionável que, diante da indeterminação das disposições constitucionais, deva o Judiciário
atribuir o que ele pensar ser o correto (BERMAN, 2009). Sarmento também apresenta críticas ao ativismo, pois esse
modelo “tem dado ensejo ao excessivo arbítrio judicial, através do que chamo de ‘carnavalização dos princípios
constitucionais’”. Ele não nega o fenômeno da judicialização da política, mas prefere uma outra linha teórica, que, apesar
de reconhecer o papel importante do Judiciário na defesa dos direitos fundamentais e proteção da democracia, afirma a
centralidade dos movimentos sociais e da sociedade civil na arena constitucional. Não se trata de apenas afirmar que tais
atores podem participar da jurisdição constitucional – como amici curiae ou expositores em audiências públicas – mas de
reconhecer que há muito Direito Constitucional fora dos tribunais. Nesta questão, o seu pensamento se aproxima de uma
corrente que é conhecida nos Estados Unidos como constitucionalismo democrático – que não se confunde com
o constitucionalismo popular, de autores como Mark Tushnet, Larry Kramer e Jeremy Waldron, refratários controle
jurisdicional de constitucionalidade. Ademais, considera que a postura mais ativista do STF foi correta em alguns casos,
e equivocada em outros. A decisão sobre a união homoafetiva, por exemplo, seria ativista, pois o STF se baseou em
princípios constitucionais abstratos, de elevado teor moral, para resolver uma questão altamente controvertida na
sociedade, não dando tanto peso aos elementos literal e histórico da interpretação constitucional. Já a decisão de Raposa
Serra do Sol, na parte em que impôs condicionantes às futuras demarcações de terras indígenas, também foi ativista,
mas ele entende que há ilegitimidade: o STF praticamente atuou como legislador e impôs graves restrições a direitos
básicos de uma minoria étnica vulnerável, que estão em total desacordo com o texto constitucional e com a normativa
internacional sobre direitos humanos. Ao julgar os embargos declaratórios opostos contra tal decisão, o lado negativo das
condicionantes foi em certa medida suavizado, já que o Supremo esclareceu que elas não são vinculantes para outros
casos, mas não foi eliminado, uma vez que tais restrições aos direitos indígenas foram confirmadas, tendendo a pautar a
atuação do Judiciário brasileiro em outros processos.
Habermas aponta outros aspectos que lhe faz rechaçar o ativismo judicial, dentre os quais se destaca os seguintes:
a) interesse público na coerência interna do direito; b) relativo distanciamento do direito em relação à política; e c)
direcionamento ao autoritarismo quando o judiciário é conduzido preliminarmente pelos valores constitucionais.
Riscos: conflito de atribuições entre Judiciário e Legislativo, com possível perda do efeito da norma parlamentar e
extinção da harmonia entre os poderes, necessidade de estabilidade jurídica, e necessidade de segurança jurídica,
politização da Justiça. Riscos para a legitimidade democrática e dificuldade contramajoritária. Capacidade institucional e
aos efeitos sistêmicos, devendo o Judiciário verificar se, em relação à matéria tratada, um outro Poder, órgão ou entidade
não teria melhor qualificação para decidir.
Judicialização da política. Para Luiz Roberto Barroso, “a judicialização envolve uma transferência de poder para
juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade.
O fenômeno tem causas múltiplas”, tais como a redemocratização, a constitucionalização abrangente, o sistema de
controle de constitucionalidade. Ademais, a “judicialização e o ativismo judicial são primos”, mas não têm as mesmas
origens. A judicialização “decorre do modelo de Constituição analítica e do sistema de controle de constitucionalidade
abrangente adotados no Brasil, que permitem que discussões de largo alcance político e moral sejam trazidas sob a forma

2 Fontes: Entrevista com Daniel Sarmento (http://www.osconstitucionalistas.com.br/o-stf-nao-e-o-centro-do-constitucionalismo); O Neoconstitucionalismo no

Brasil: riscos e possibilidades (Daniel Sarmento); Ativismo judicial e Estado democrático de direito (texto do Graal 27º CPR); O Ativismo Judicial e o Estado
Democrático de Direito: A atuação do STF na Súmula 11 frente ao princípio de Separação dos Poderes (http://www.webartigos.com/artigos/o-ativismo-
judicial-e-o-estado-democratico-de-direito-a-atuacao-do-stf-na-sumula-11-frente-ao-principio-de-separacao-dos-poderes/122226/#ixzz3f7Tsd2JJ); A
Proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos (Daniel Sarmento); Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática
(Luis Roberto Barroso).
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de ações judiciais. Vale dizer: a judicialização não decorre da vontade do Judiciário, mas sim do constituinte”, e o “ativismo
judicial, por sua vez, expressa uma postura do intérprete, um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição,
potencializando o sentido e alcance de suas normas, para ir além do legislador ordinário”.
SÚMULA VINCULANTE 37: Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos
de servidores públicos sob o fundamento de isonomia.
SÚMULA VINCULANTE 53: A competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114, VIII, da Constituição
Federal alcança a execução de ofício das contribuições previdenciárias relativas ao objeto da condenação constante das
sentenças que proferir e acordos por ela homologados.
Prova oral – 27º CPR: O que o Sr. acha do julgamento de civis por cortes militares em tempos de paz?

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3.c. Estado-membro. Competência. Autonomia. Bens.

I - ESTADO-MEMBRO
I.I Natureza jurídica dos Estados-membros
Os Estados-membros são organizações jurídicas das coletividades regionais para o exercício, em caráter
autônomo, das competências que lhes são deferidas pela Constituição Federal, por isso se diz que são coletividades
federais autônomas. Os Estados-membros não possuem soberania (que é um dos fundamentos da República), mas mera
autonomia, como ocorre com a própria União. Entre Estados e União não há hierarquia, convivendo todos em um mesmo
nível jurídico.
I.II Formação dos Estados
A divisão político-administrativa interna do país poderá ser alterada com a constituição de novos Estados-
membros, pois a estrutura territorial interna não é perpétua. A Constituição prevê essa possibilidade no art. 18, §3º.
Portanto, temos as seguintes hipóteses:
-Fusão (ou incorporação entre si): dois ou mais Estados se unem com outro nome, perdendo sua personalidade
por integrarem um novo Estado.
-Cisão: um Estado divide-se em vários novos Estados-membros, todos com personalidades diferentes,
desaparecendo por completo o Estado originário.
-Desmembramento: consiste em separar uma ou mais partes de um Estado-membro, sem que ocorra a perda
da identidade do ente federativo primitivo. O Estado originário será desfalcado de parte de seu território e de parte de
sua população, mas NÃO desaparece. Temos duas modalidades de desmembramento:
-Desmembramento anexação: a parte desmembrada anexa-se a um outro Estado-membro, quando então
não haverá criação de um novo ente federativo, mas somente alteração de seus limites territoriais;
-Desmembramento formação: decorre da possibilidade da parte desmembrada constituir um novo Estado
ou formar um Território Federal.
Para a formação de Estados há requisitos no art. 18, § 3º, que devem ser conjugados com outro requisito do art.48,
VI: (i) realização de plebiscito (condição prévia, essencial e prejudicial à 2ª fase); (ii) lei complementar; (iii) audiência das
Assembleias Legislativas (cujo parecer não é vinculativo, ao contrário da consulta plebiscitária); (iv) aprovação pelo
Congresso Nacional (quorum de maioria absoluta – lei complementar).
A concordância dos interessados permite que o projeto de lei complementar seja discutido no Congresso Nacional,
sem, contudo, vinculá-lo, pois esse deverá zelar pelo interesse geral da República e não somente pelos interesses das
populações diretamente interessadas.
II. COMPETÊNCIA
A competência dos Estados-membros divide-se em:
1. Não legislativa, administrativa ou material. 1.1 Comum, cumulativa ou paralela: trata-se de
competência não legislativa comum aos quatro entes federativos. 1.2 Residual, remanescente ou reservada: são
as que não lhes sejam vedadas, que não sejam próprias dos outros entes federativos.
2. Legislativa. 2.1 Expressa: capacidade de auto-organização, pela Constituição e leis que adotarem. Art.
25 caput. 2.2 Residual, remanescente ou reservada: são as que não lhes sejam vedadas, que não sejam próprias
dos outros entes federativos. Art.25 § 1°.
3. Delegada pela União: Tal autorização dar-se-á através de lei complementar. Art. 22, p.u.. Concorrente:
cabe à União legislar sobre normas gerais e aos Estados sobre normas específicas.
4. Suplementar. Art. 24. No caso da legislação concorrente, se houver inércia legislativa da União, os
Estados poderão suplementá-la, regulamentando as regras gerais sobre o assunto, sendo que na superveniência
de lei federal, a aludida norma estadual geral suplementar terá sua eficácia SUSPENSA, no que for contrária.
Desse modo, subdivide-se essa competência em SUPLEMENTAR COMPLEMENTAR, na hipótese de já existir lei
federal sobre a matéria, cabendo aos Estados e DF na competência estadual apenas completá-las e em
SUPLEMENTAR SUPLETIVA, na hipótese da inexistência da lei federal.
5. Tributária expressa: art. 155.
6. Pedro Lenza afirma ainda que os serviços de gás canalizado serão explorados diretamente pelos
Estados, ou mediante concessão, na forma da lei, vedando-se a regulamentação da referida matéria por MP,
conforme expressamente previsto no art. 25 § 2° e em decorrência do art. 246.
II.I Regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões.
Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e
microrregiões, constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a
execução de funções públicas de interesse comum.
III. AUTONOMIA
A autonomia dos Estados federados se consubstancia na sua capacidade de auto-organização, autogoverno,
autolegislação e auto-administração.
III.I Auto-organização
Derivada do Poder Constituinte Decorrente, com lastro no qual são promulgadas as Constituições Estaduais. Está
consagrada no caput do art. 25, segundo o qual “os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que
adotarem, observados os princípios desta Constituição”. Os referidos princípios são:
-Princípios constitucionais sensíveis – assim denominados, pois sua inobservância pelos Estados no exercício
de suas competências legislativas, administrativas ou tributárias, pode acarretar a sanção politicamente mais grave
existente em um Estado Federal, a intervenção na autonomia política. Estão previstos no art. 34, VII da CF.
-Princípios federais extensíveis – são normas centrais comuns à União, Estados, Distrito Federal e Municípios,
portanto de observância obrigatória no poder de organização do Estado. A Constituição vigente, em prestígio do

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federalismo, praticamente eliminou estes princípios, restando apenas a regra segundo a qual os vencimentos dos
magistrados não podem exceder aos dos Ministros do STF.
-Princípios constitucionais estabelecidos – consistem em determinadas normas que se encontram espalhadas
pelo texto da Constituição, e, além de organizarem a própria federação, estabelecem preceitos centrais de observância
obrigatória aos Estados-membros em sua auto-organização. Subdividem-se em normas de competência (ex.: arts. 23;
24; 25 etc.) e normas de preordenação (ex.: arts. 27; 28; 37, I a XXI etc.). Segundo Raul Machado Horta, são os que
limitam a autonomia organizatória dos Estados. Exemplo: preceitos constantes dos arts. 37 a 41, referentes à
administração pública.
III.II Autogoverno:
Os Estados possuem Poder Legislativo, que se expressa por Assembleias Legislativas; Poder Executivo, exercido
pelo Governador; e Poder Judiciário, que repousa no Tribunal de Justiça e outros tribunais e juízes, com fundamento
explícito nos arts. 27, 28 e 125 da Constituição.
III.III Auto-administração e autolegislação.
Regras de competência legislativas e não-legislativas. Arts. 18 e 25-28.
IV. BENS. Nos termos do artigo 26 da Constituição Federal, incluem-se entre os bens dos Estados: a) as águas
superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes
de obras da União; b) as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob
domínio da União, Municípios ou terceiros; c) as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União; d) as terras devolutas
não compreendidas entre as da União.
Súmula 649 – STF: é inconstitucional a criação, por constituição estadual, de órgão de controle administrativo do
poder judiciário do qual participem representantes de outros poderes ou entidades.
STF: O princípio federativo brasileiro reclama, na sua ótica contemporânea, o abandono de qualquer leitura
excessivamente inflacionada das competências normativas da União (sejam privativas, sejam concorrentes), bem como
a descoberta de novas searas normativas que possam ser trilhadas pelos Estados, Municípios e pelo Distrito Federal,
tudo isso em conformidade com o pluralismo político, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (CRFB, art.
1º, V) 2. A competência da União para legislar sobre registros públicos (CRFB, art. 22, XXV) alcança apenas as atividades-
fim dos notários e registradores(...) Cabe aos Estados-membros editar as normas e fixar os critérios para o concurso de
remoção para outorga de serventia extrajudicial (MS 33046, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em
10/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-091 DIVULG 15-05-2015 PUBLIC 18-05-2015)
STF: A competência legislativa do Estado-membro para dispor sobre educação e ensino (CRFB, art. 24, IX)
autoriza a fixação, por lei local, do número máximo de alunos em sala de aula, no afã de viabilizar o adequado
aproveitamento dos estudantes. 5. O limite máximo de alunos em sala de aula não ostenta natureza de norma geral, uma
vez que dependente das circunstâncias peculiares a cada ente da federação (ADI 4060, Relator(a): Min. LUIZ FUX,
Tribunal Pleno, julgado em 25/02/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-081 DIVULG 30-04-2015 PUBLIC 04-05-2015)

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4.a. Direitos sociais: enunciação, garantias e efetividade. Princípio da proibição do retrocesso. Mínimo
existencial e reserva do possível.
Historicamente os direitos sociais se inserem entre aqueles de segunda dimensão (direitos de igualdade), cujo
marco histórico é a constituição mexicana de 1917 e a de Weimar de 1919. A construção mostra-se bastante artificial e
merece críticas. (o melhor argumento nesse sentido foi o surgimento de tratados e instituições internacionais de proteção
dos direitos sociais dos trabalhadores – OIT – antes de qualquer preocupação internacional com a enunciação de direitos
básicos de liberdade).
Em nosso histórico constitucional apenas a Constituição de 1891 não declarou nenhum direito social. A
Constituição de 1834 inaugurou entre nós o constitucionalismo social, associando-o ao autoritarismo e ao populismo da
Era Vargas. A CF foi pródiga na declaração de direitos sociais5, elencando-os formalmente dentre as 5 espécies de
direitos e garantias fundamentais do Título II da CF (Capítulo I – Direitos e deveres individuais e coletivos; Capítulo II –
Direitos sociais; Capítulo III – Direitos de nacionalidade; Capítulo IV – Direitos políticos e Capítulo V – Partidos políticos).
Também tratou heterotopicamente de alguns direitos sociais específicos no Titulo VIII, que cuida da ordem social,
destacando-se o trato da seguridade e da educação.
Há 3 posições sobre a fundamentalidade dos direito sociais:6 a) todos os direitos sociais são formal e
materialmente fundamentais: por isso a sua mera enunciação na CF seria suficiente lhes atribuir um regime diferenciado
de aplicabilidade imediata (art. 5º, § 1º) e de limite material para a reforma da constituição (art. 60, § 4º, IV); b) todos os
direitos sociais são apenas formalmente fundamentais, e, por isso, são normas programáticas que não geram direitos
subjetivos e não limitam o constituinte derivado; c) direitos sociais são apenas formalmente fundamentais, sendo
materialmente fundamentais apenas no que tange ao seu núcleo essencial (mínimo existencial): posição amplamente
aceita pela maior parte da doutrina e jurisprudência.
GARANTIAS: Conforme clássica classificação de Barroso (BARROSO, 2006, p. 119), há 3 espécies de garantias
para a efetivação dos direitos sociais: a) sociais: relacionam-se com a participação do indivíduo no controle do processo
político e no exercício do direito de petição (art. 5º, XXIV); b) políticas: destaca-se principalmente o controle externo da
administração pelo Congresso, com auxílio do Tribunal de Contas (art. 70 CF); e c) jurídicas: são aqueles buscados
principalmente pela via jurisdicional, destacando-se o mandado de segurança (art. 5o, LXIX e LXX); a ação popular (Art.
5o, LXXIII); o dissídio coletivo (art. 114, § 2º); o mandado de injunção (art. 5o, LXXI); o habeas data (art. 5o, LXXII); a
ação civil pública (art. 129, inc. III) as ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade (art. 102, I, a), a
ADPF (art. 102, § 1º), a ação de declaratória de inconstitucionalidade de por omissão (art. 103, § 2º).
EFETIVIDADE NORMATIVA: É a perfeita correspondência entre a prescrição normativa e a realidade fática. Não
se confunde com os planos da existência, validade e eficácia jurídica (aptidão genérica para produzir efeitos). Equivale à
eficácia social da norma, dimensão desprezada como não jurídica pela tradição positivista que prevaleceu entre nós.
PRINCÍPIO DO NÃO RETROCESSO: A discussão sobre a vedação de retrocesso está diretamente relacionada
com os direitos sociais, mas não apenas com eles. Em essência traz mais uma limitação à liberdade de conformação do
legislador, de modo que o núcleo essencial dos direitos sociais, efetivados por medidas legislativas, não mais poderia ser
violado, sem o oferecimento de medidas compensatórias. No STF o princípio não ganha força, tendo sido refutado na ADI
2.065/DF, na qual se questionava a constitucionalidade de MP que, dentre outras coisas, revogava dispositivos da lei de
custeio de seguridade social (Lei 8.213/91), extinguindo o Conselho Estadual e Municipal da previdência social.
Mínimo Existencial – para que se possa usufruir dos direitos de liberdade (direitos individuais), antes se faz
necessário a implementação e garantia de um piso mínimo de direitos. SARMENTO: (a) dimensão negativa: opera num
limite, impedindo a prática de atos pelo estado ou por particulares que subtraiam do individuo as condições materiais
indispensáveis a uma vida digna; (b) dimensão positiva: conjunto essencial (mínimo) de direito prestacionais a serem
implementados e concretizados que possibilitam ao individuo uma vida digna.
Reserva do Possível – compreende a possibilidade material (financeira) para prestação dos direitos sociais por
parte do Estado, uma vez que tais prestações positivas são dependentes de recursos presentes nos cofres públicos. No
estudo da reserva do possível, fica claro que o uso do argumento de racionalidade econômica (escassez) desvia o curso
e obscurece os argumentos jurídicos por que ainda se pautam numa concepção de liberdade (conveniência) do
Administrador Público de aplicação dos recursos financeiros públicos. A ausência de um espaço capaz de institucionalizar
procedimentos de formação da vontade coletiva – à luz de um princípio democrático – acaba por legitimar posturas
paternalistas e autoritárias por parte do Judiciário brasileiro, que assume o papel taumaturgo de decisão – a semelhança
de um Poder Moderador ou de um Poder Constituinte Permanente -, confundindo fiscalização com usurpação do espaço
e espectro de decisões dos demais Poderes Constituídos (FERNANDES, p. 583 e ss).
Judicialização de direitos3. Observa-se um fenômeno tratado por alguns autores como de “judicialização dos
direitos”, que nada mais é do que a busca por respostas imediatas para fazer cessar uma situação de inaplicabilidade dos
valores fundamentais do Estado. Quanto à judicialização de direitos sociais, para Sarmento, cabe inicializar uma fase de
racionalização, a qual passa por dois pontos principais: (a) a superação de uma certa “euforia judicialista”, com o
reconhecimento de que o Poder Judiciário, apesar da relevância da sua função, não é, nem tem como ser, por suas
limitações institucionais, o grande protagonista no cenário de afirmação dos direitos sociais, que dependem muito mais
das políticas públicas formuladas e implementadas pelo Legislativo e Executivo e da mobilização da sociedade civil; e (b)

3
Fontes: Entrevista com Daniel Sarmento (http://www.osconstitucionalistas.com.br/o-stf-nao-e-o-centro-do-constitucionalismo); O Neoconstitucionalismo
no Brasil: riscos e possibilidades (Daniel Sarmento); Ativismo judicial e Estado democrático de direito (texto do Graal 27º CPR); O Ativismo Judicial e o
Estado Democrático de Direito: A atuação do STF na Súmula 11 frente ao princípio de Separação dos Poderes (http://www.webartigos.com/artigos/o-
ativismo-judicial-e-o-estado-democratico-de-direito-a-atuacao-do-stf-na-sumula-11-frente-ao-principio-de-separacao-dos-poderes/122226/#ixzz3f7Tsd2JJ);
A Proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos (Daniel Sarmento); Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade
Democrática (Luis Roberto Barroso).

26
o traçado de parâmetros ético-jurídicos para as intervenções judiciais nesta seara. Afinal, deve-se refletir sobre o potencial
de universalização do que foi pedido sempre que estivessem em jogo pretensões sobre recursos escassos, considerando-
se a reserva do possível e as limitações orçamentárias, com uma análise de “macrojustiça”, que envolve a legitimidade
do atendimento de determinados pleitos num quadro de escassez de recursos. Ademais, não se devem ignorar as
deficiências da capacidade institucional do Judiciário para tutelar os direitos sociais, motivo pelo qual se deve adotar um
parâmetro adicional para o exercício da proteção judicial: quanto mais a questão discutida envolver aspectos técnicos de
políticas públicas, mais cautelosa e reverente em relação às decisões dos demais poderes deve ser a atuação do
Judiciário. Este parâmetro deve ser conjugado com outros, como a razoabilidade da universalização da pretensão do
titular do direito, e a essencialidade da prestação social demandada no caso específico. Em suma, delimitação de
aplicação: (a) fático: razoabilidade da universalização da prestação exigida, considerando os recursos existentes; (b)
jurídico: dois aspectos: 1. Admissão que os poderes públicos precisam fazer escolhas de prioridades. 2. Que os direitos
sociais fiquem absolutamente vinculados às escolhas exercidas. Assim, o autor é pela possibilidade excepcional da
atuação do Judiciário para a concretização de direitos sociais (essenciais) previstos constitucionalmente, nos
moldes e parâmetros acima.
ADPF 45(controle judicial das politicas publicas) e RE 410.715/SP – Análise do STF sob o mínimo existencial. Na
decisão monocrática do Min. Celso de Mello, este entendeu inicialmente pela possibilidade de controle judicial das
políticas públicas, como medida necessária para a garantia da efetividade dos direitos sociais, em razão da omissão dos
demais Poderes Constituídos.
Inf. 780 do STF: “Os ideais da democracia e do constitucionalismo – não obstante caminhem lado a lado – vez
por outra revelam uma tensão latente entre si. É que, de um lado, a democracia, apostando na autonomia coletiva dos
cidadãos, preconiza a soberania popular, que tem na regra majoritária sua forma mais autêntica de expressão. De outro
lado, o constitucionalismo propugna pela limitação do poder através de sua sujeição ao direito, o que impõe obstáculos
às deliberações do povo. (...) O problema consiste em saber até que ponto é que a excessiva constitucionalização não se
traduz em prejuízo do princípio democrático” (MOREIRA, Vital. “Constituição e Democracia”. In: MAUÉS, Antonio G.
Moreira (Org.) Constituição e Democracia. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 272). Essa aparente contradição entre os
valores albergados pelo Estado Democrático de Direito impõe um dever de cautela redobrado no exercício da jurisdição
constitucional. Com efeito, é certo que os tribunais não podem asfixiar a autonomia pública dos cidadãos, substituindo as
escolhas políticas de seus representantes por preferências pessoais de magistrados não eleitos pelo povo (...) a
Constituição não pode ser vista como repositório de todas as decisões coletivas, senão apenas dos lineamentos básicos
e objetivos fundamentais da República. Deve-se, portanto, rechaçar qualquer leitura maximalista das cláusulas
constitucionais que acabe por amesquinhar o papel da política ordinária na vida social. (...) Na lição irretocável de Daniel
Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto, “de um lado, deve-se reconhecer o importante papel do Judiciário na garantia
da Constituição, especialmente dos direitos fundamentais e dos pressupostos da democracia. Mas, de outro, cumpre
também valorizar o constitucionalismo que se expressa fora das cortes judiciais, em fóruns como os parlamentos e nas
reivindicações da sociedade civil que vêm à tona no espaço público informal” (SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO,
Cláudio Pereira de. Direito Constitucional. Teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, 240)”.
Prova oral: explicar o princípio do não retrocesso, surgimento, aplicabilidade nos direitos sociais e nas liberdades
públicas.

27
4.b. Normas constitucionais. Definição. Estrutura. Classificações. Princípios e regras. Preâmbulo.
Efeitos das normas da Constituição brasileira de 1988.

Normas materialmente constitucionais, segundo a doutrina majoritária, são as que regulam os seguintes temas:
forma de governo, forma de Estado, separação de poderes, obtenção e exercício do poder e direitos fundamentais;
Normas formalmente constitucionais são aquelas que, sem regular os aspectos acima mencionados, são consideradas
constitucionais pelo simples fato de terem sido consignadas no texto da Constituição pelo legislador, adquirindo assim
status constitucional. Ex.: Art. 242, § 2º - “O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na
órbita federal”.
Normas definidoras de direito e normas de organização: “(...) refletindo a clássica dicotomia Estado/indivíduo,
as disposições constitucionais podem ser classificadas em normas de organização, de estrutura ou de competência, e
normas definidoras de direitos, sendo as primeiras aquela que dispõe sobre a ordenação dos poderes do Estado, sua
estrutura, competência, articulação recíproca e o estatuto dos seus titulares; as outras, as que definem os direitos
fundamentais dos jurisdicionados.” (MENDES, COELHO e BRANCO, 2008: 30).
Normas autoaplicáveis (autoexecutáveis, segundo MENDES, COELHO e BRANCO): “(...) consideram-se
autoexecutáveis as disposições constitucionais bastantes em si, completas e suficientemente precisas na sua hipótese
de incidência e na sua disposição, aquelas que ministram os meios pelos quais se possa exercer ou proteger o direito
que conferem, ou cumprir o dever e desempenhar o encargo que elas impõe; não-aplicáveis, ao contrário, são as
disposições constitucionais incompletas ou insuficientes, para cuja execução se faz indispensável a mediação do
legislador, editando normas infraconstitucionais regulamentadoras.”
Normas de eficácia limitada: “são aquelas que apresentam aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque
somente incidem totalmente sobre esses interesses, após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a
aplicabilidade.” (SILVA, 1999). Norma de eficácia contida (ou restringível, segundo Maria Helena Diniz e Michel
Temer): "normas de eficácia contida (...) são aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os
interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva da competência discricionária do
poder público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciando" (SILVA, 1999).
Normas de eficácia plena: “aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem ou têm possibilidade de
produzir todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações que o legislador
constituinte, direta e normativamente, quis regular.” (SILVA, 1999). Normas programáticas: “definem objetivos cuja
concretização depende de providências situadas fora ou além do texto constitucional.” (MENDES, COELHO e BRANCO,
2008: 28). Observar que esta classificação, trazida para o Brasil por José Afonso da Silva, vem sofrendo críticas da
moderna hermenêutica constitucional e do movimento neoconstitucionalista, que afirma, grosso modo, que todas
as normas constitucionais são dotadas de algum grau de eficácia, ao mesmo tempo que nenhuma possui eficácia plena,
já que sempre são passíveis de restrição em face de outras normas constitucionais, situação em que ocorre colisão de
direitos. Luis Roberto Barroso e Virgílio Afonso da Silva (filho de José Afonso) são alguns dos críticos da classificação
apontada alhures.
Princípios, regras e postulados: Diversas teorias e concepções buscam estabelecer distinção entre princípios e
regras. As mais comumente aceitas afirmam as normas constitucionais distinguem-se em princípios e regras e que “aquilo
que caracteriza particularmente o princípio – e isto constitui sua diferença com a regra de direito (...) – é, de um lado, a
falta de precisão e, de outro, a generalização e abstração lógica.” (STARI, apud MENDES, COELHO e BRANCO: 31).
Some-se a isto o fato de que os princípios são aplicados segundo juízo de ponderação, ao passo que as regras segundo
critério do “tudo ou nada”. Ao lado das normas (gênero que divide-se em princípios e regras), há também os postulados10,
os quais, segundo ÁVILA (2003: 80), distingue-se dos princípios pois estes “estabelecem fins a serem buscados”. Para
Ávila, os postulados não seriam normas, mas sim metanormas, “situam-se num segundo grau e estabelecem a estrutura
de aplicação de outras normas, princípios e regras”, ou seja, os postulados “(...) não impõe a promoção de um fim, mas,
em vez disso, estruturam a aplicação do dever de promover um fim”, além disso “(...) não prescrevem comportamentos,
mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos.”
(Idem). Para Ávila, são exemplos de postulados a ponderação, a concordância prática e a proibição de excesso, bem
como a igualdade, razoabilidade e proporcionalidade.
Preâmbulo: “Na expressão de Peter Häberle, os preâmbulos são ‘pontes do tempo’, exteriorizando as origens, os
sentimentos, os desejos e esperanças que palmilharam o ato constituinte originário” (BULOS, 2008: 283). Portanto, o
preâmbulo não possui força normativa, não servindo, portanto, como parâmetro para o exercício do controle de
constitucionalidade. Esta tese já foi sedimentada pelo STF: ADI 2.076.
Efeitos das normas da Constituição brasileira de 1988. O estudo da dinâmica constitucional diz respeito aos
efeitos das normas constitucionais no tempo (passado – presente - futuro). Certo é que o surgimento de uma nova
Constituição traz uma série de consequências para o ordenamento jurídico do Estado. Sem dúvida, a teoria da
Constituição desenvolveu uma gama de institutos para lidar com essas consequências. Assim, diante dessas premissas,
são seus possíveis efeitos em relação a normas pré-existentes:
(a) Recepção: as normas que forem incompatíveis com a nova Constituição serão revogadas por ausência de
recepção. A contrario sensu, a norma infraconstitucional que não contrariar a nova ordem será recepcionada, podendo,
inclusive, adquirir uma nova “roupagem”. Pode ocorrer de forma expressa ou tácita
(b) Revogação: nos casos de normas infraconstitucionais produzidas antes da nova Constituição, incompatíveis
com as novas regras, não se observará qualquer situação de inconstitucionalidade, mas, apenas de revogação da lei
anterior pela nova constituição, por falta de recepção.
(c) Represtinação: normas infraconstitucionais elaboradas (e em vigor) sob a base de um ordenamento
constitucional não são recepcionadas por um novo ordenamento constitucional (ocorrendo a revogação o normativa) e,
posteriormente, em virtude de uma nova Constituição, essas normas voltariam a vigorar. Os requisitos para essa

28
possibilidade seriam: (i) não contrariedade à nova Constituição; (ii) disposição expressa do poder constituinte, já que, a
represtinação não poderia ocorrer de forma automática (defesa da segurança jurídica).
(d) Recepção material das normas constitucionais: consiste na possibilidade de normas de uma constituição
anterior serem recepcionadas pelo novo ordenamento constitucional (pela nova constituição) “ainda” como normas
constitucionais (com o status de normas constitucionais). Nessecaso, os requisitos seriam: (i) não contrariedade com as
normas da nova constituição; (ii) disposição expressa do Poder Constituinte Originário; (iii) prazo determinado (prazo
certo) de tal prática devido ao seu caráter precário, sobretudo em razão de que as normas da constituição anterior vão
permanecer no novo ordenamento constitucional ainda como normas de cunho constitucional, o que, obviamente, só
poderia se dar de forma temporária e excepcional. Como exemplo desse fenômeno, temos o art. 34 do ADCT da CF/88.
Graus de retroatividade da norma constitucional: máximo, médio ou mínimo. O STF entende que as normas
constitucionais, fruto da manifestação do poder constituinte originário, têm, por regra geral, retroatividade mínima, ou
seja, aplicam-se a fatos que venham a ocorrer após a sua promulgação, referentes a negócios passados.

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4.c. Lacunas e Integração do Direito: analogia, costumes e equidade.

A teoria jurídica tradicional afirma que o ordenamento jurídico é dotado de completude. Isto porque dele seria
possível extrair a resposta para qualquer problema jurídico que viesse a surgir. Porém, mesmo de acordo com esta
concepção, as leis, diferentemente do ordenamento, podem conter lacunas, quando não indicarem soluções para
questões juridicamente relevantes. Diante de uma lacuna, o Poder Judiciário, que tem a obrigação institucional de resolver
os conflitos de interesse submetidos à sua apreciação, não pode recusar-se a julgar, proferindo um non liquet.
A Constituição é uma norma fragmentaria, que não trata de todos os temas, mas tão somente daqueles escolhidos
pelo poder constituinte, pela sua singular importância, ou por outras razões atinentes à conveniência de seu
entrincheiramento. Mesmo nestes temas, a Constituição, no mais das vezes, não exaure a respectiva disciplina, mas
apenas fixa as suas principais coordenadas normativas, deixando a complementação para o legislador.
A jurisprudência do STF reconhece a existência de lacunas constitucionais. Um caso recente foi discutido no
julgamento relativo às exigências profissionais para a nomeação de advogados para o exercício da função de juiz de
Tribunal Regional Eleitoral (RMS 24.334/PB).
As principais formas de integração de lacunas são a analogia, os costumes e a equidade. O art. 4o da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro não alude à equidade, mas menciona os princípios gerais de Direito, os quais
são arrolados também pela doutrina mais convencional como meios de colmatação de lacunas.
A analogia. A analogia consiste em técnica para colmatação de lacunas por meio da qual se aplica à hipótese não
regulada uma norma jurídica que trata de questão similar. A norma em questão não seria inicialmente aplicável ao caso,
que não está compreendido na sua hipótese de incidência. Mas, diante da lacuna, ela incide, para resolvê-lo.
O principal fundamento da analogia é a igualdade, pois se parte da premissa de que hipóteses simulares devem
receber o mesmo tratamento do ordenamento.
Os Costumes. O costume também é uma fonte do Direito, que não se esgota nas normas jurídicas produzidas
pelo Estado. O costume contribui para a abertura do sistema jurídico, intensificando a sua conexão com a realidade social
subjacente. A doutrina, em geral, caracteriza o costume jurídico pela confluência de dois elementos: o elemento objetivo,
que é a repetição habitual de um determinado comportamento; e o elemento subjetivo, que é a consciência social da
obrigatoriedade desse comportamento. A doutrina aponta como exemplo de costume constitucional no Brasil a aprovação
de algumas leis, de caráter mais consensual, por meio do chamado “voto de liderança”.
É certo, porém, que a rigidez e a força normativa da Constituição não se compatibilizam com os costume contra
legem (que também pode ser chamado decontra constitutionem).Portanto, o costume, por mais enraizado que seja, jamais
pode ser invocado como escusa para a violação da Constituição, nem enseja a revogação de preceitos constitucionais.
Isto confere ao costume constitucional uma posição singular no sistema das fontes do Direito, já que ele se situa acima
das normas infraconstitucionais, mas, mesmo quando superveniente, não tem o condão de alterar o texto da Constituição.
A equidade. A equidade é o instituto jurídico que autoriza o intérprete a adaptar o direito vigente a particularidades
que não foram previstas pelo legislador, buscando retificar injustiças ou inadequações mais graves. Pode ser empregada
para auxiliar na interpretação das normas legais e para corrigir a lei, quando a aplicação dessa se revelar profundamente
injusta ou inadequada às singularidades do caso concreto. Neste último sentido, ela é associada à suavização dos
comandos legais, de forma benéfica aos seus destinatários. Mas a equidade também pode ser utilizada para preencher
as lacunas da lei, integrando o ordenamento. Esta distinção entre equidade secundum legem, contra legeme praeter
legem, clara na teoria, não é tão nítida na prática, pois as lacunas a que a equidade é convocada a colmatar são quase
sempre lacunas ocultas. Ou seja, são aquelas lacunas que não decorrem propriamente da ausência da norma legal
disciplinando a hipótese, mas da percepção pelo intérprete de que a norma incidente deixou de contemplar um aspecto
essencial do caso, cuja consideração pelo legislador teria conduzido a tratamento jurídico distinto. A equidade não está
prevista no art. 4o da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro como meio de integração de lacunas. No
ordenamento infraconstitucional brasileiro, a principal alusão à equidade se encontra no art. 127 do CPC, segundo o qual
“o juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei”. Esta reticência do nosso legislador infraconstitucional em
relação à equidade se explica diante do predomínio, até não muito tempo atrás, de uma concepção jurídica formalista.
Contudo, ao longo do século passado, floresceram, em diferentes contextos históricos e com impostações político-
filosóficas heterogêneas, várias correntes que valorizaram ao extremo a liberdade decisória do juiz na busca da solução
mais justa ou adequada para casa caso, como a Escola do Direito Livre na França, o realismo jurídico norte-americano,
a tópica jurídica alemã, e, no Brasil, algumas versões do movimento conhecido como “Direito Alternativo”. Tais correntes,
contudo, incorreram em excessos, por não atribuírem a importância devida à exigência de previsibilidade e segurança
jurídica, inerente ao Estado de Direito, nem tampouco à necessidade de legitimação democrática do processo de criação
do Direito.
A equidade pode ser usada para suprir lacunas da Constituição ou temperar, em circunstâncias excepcionais, o
rigor das suas regras (p.ex. ADI 1289 e MS 26.690).

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5.a. Poder Constituinte originário. Titularidade e características.

Conceito: é a força política consciente de si que resolve disciplinar os fundamentos do modo de convivência
na prática política. É o poder de instaurar uma nova ordem jurídica rompendo com a ordem jurídica precedente.
Origem: O conceito de poder constituinte originário é derivado dos estudos do abade de Sieyès (“O que é o
terceiro estado?”). Sieyès enfatiza que a constituição é produto do poder constituinte originário, que gere e organiza os
poderes do estado (poderes constituídos), sendo, até por isso, superior a eles. Sieyès se propunha a superar o modo de
legitimação do poder que vigia, baseado na tradição, pelo poder político de uma decisão originária, não vinculada ao
direito preexistente, mas à nação, como força que cria a ordem primeira da sociedade. Para ele, o povo é soberano para
ordenar seu próprio destino e o da sua sociedade, expressando-se por meio da constituição.
Classificação: o poder constituinte originário pode ser dividido em histórico (seria o verdadeiro poder
constituinte originário, estruturando, pela primeira vez, o estado) e revolucionário (seriam todos os posteriores ao histórico,
rompendo por completo com a antiga ordem e instaurando um novo estado).
Características: é inicial, autônomo, ilimitado juridicamente, incondicionado, soberano na tomada de suas
decisões, um poder de fato e político, permanente: a) inicial – está na origem do ordenamento; é o ponto de partida;
assim, o poder constituinte originário não pertence à ordem jurídica, não está regido por ela; b) autônomo – a estrutura
da nova constituição será determinada autonomamente, por quem exerce o poder constituinte originário; c) ilimitado
juridicamente – não tem de observar os limites postos pela ordem anterior; o caráter ilimitado, porém, deve ser entendido
em termos; diz respeito à liberdade do poder constituinte originário com relação a imposições da ordem jurídica que existia
anteriormente, mas haverá limitações políticas inerentes ao exercício do poder constituinte (se o poder constituinte é a
expressão da vontade política da nação, não pode ser entendido sem a referência a valores éticos, religiosos, culturais,
que informam essa mesma nação e que motivam as suas ações; assim, um grupo que se arrogue a condição de
representante do poder constituinte originário e redija uma constituição que hostilize esses valores dominantes não haverá
de obter o acolhimento de suas regras pela população e não terá êxito no empreendimento revolucionário, não sendo
reconhecido como poder constituinte originário); além disso, pode-se falar em limitações intrínsecas do poder constituinte
originário sob outro ângulo – não há espaço para decisões caprichosas ou totalitárias do poder constituinte originário, já
que ele existe para ordenar juridicamente o poder o estado, devendo, assim, sempre instituir um estado com poderes
limitados; d) incondicionado e soberano na tomada de decisões – não se submete a qualquer forma pré-fixada de
manifestação; e) poder de fato e poder político – pode ser caracterizado como uma energia ou força social, tendo
natureza pré-jurídica, sendo que, por essas características, a nova ordem jurídica começa com a sua manifestação, e não
antes dela; f) permanente – o poder constituinte originário não se esgota com a edição da nova constituição, sobrevivendo
a ela e fora dela como forma de expressão da liberdade humana, em verdadeira ideia de subsistência.
Formas de expressão: o poder constituinte originário pode ser expressar através da outorga (imposição) ou
da promulgação (forma democrática) da nova constituição.

Prova oral – 27º CPR: Características do poder constituinte originário.

31
5.b. Supremo Tribunal Federal: organização e competência. Jurisdição constitucional.

I. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. O STF é órgão de cúpula do poder judiciário, exercendo primordialmente a
função de guardião da constituição, tendo a atribuição de julgar questões constitucionais, a fim de que prevaleça a
supremacia Constitucional em todo o Brasil. Entretanto, a corte não é exclusivamente constitucional, pois outras matérias
também lhes foram atribuídas pela Carta Magna.
I.I. COMPOSIÇÃO E INVESTIDURA. Composição: 11 Ministros. Investidura: o Presidente da República escolhe e
indica o nome para compor o STF, devendo ser aprovado pelo Senado Federal, pela maioria absoluta (sabatina no Senado
Federal). Aprovado, passa-se à nomeação, momento em que o Ministro é vitaliciado. Requisitos para ocupar o cargo de
Ministro do STF: (a) Ser brasileiro nato (art. 12, § 3º, IV da CF); (b) Ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade (art. 101
CF); (c) Ser Cidadão (art. 101, estando em pleno gozo dos direitos políticos); (d) Ter notável saber jurídico e reputação
ilibada (art. 101)
I.II. ORGANIZAÇÃO. Segundo o Regimento interno do STF, este organiza-se através do plenário, turmas e do
presidente. Cada turma tem 5 ministros, sendo que o mais antigo, integrante da turma, preside a mesma. Ressalte-se que
o Presidente e o Vice são eleitos pelo Tribunal.
II. COMPETÊNCIA – ART. 102 CF. As competências do STF podem ser divididas, em: “a) originária (art. 102, I,
“a” até “r”); b) recursal ordinária (art. 102, II) e c) recursal extraordinária (art. 102, III)”. Em relação as competências,
destacam-se as modificações introduzidas pela EC nº 45/2004: 1) A transferência de competência do STF para o STJ no
tocante à homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias (art. 102, I, “h”,
revogada; 105, I, “i” e art. 9º da EC 45/2004); 2) A criação do requisito da repercussão geral das questões constitucionais
discutidas no caso para o conhecimento do recurso extraordinário
III. JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL. A jurisdição constitucional emergiu historicamente como um instrumento de
defesa da Constituição, não da Constituição considerada apenas em sentido formal, mas da Constituição tida como
expressão de valores sociais e políticos. O Brasil adotou inicialmente o sistema norte-americano, evoluindo para um
sistema misto e peculiar que combina o critério de controle difuso por via de defesa com critério de controle concentrado
por via de ação direta.
III.I. ÓRGÃOS DE CONVERGÊNCIA E SUPERPOSIÇÃO. O Supremo Tribunal Federal (STF) e os Tribunais
Superiores (STJ, TST, TSE e STM) são órgãos de convergência, têm sede na Capital Federal e exercem jurisdição sobre
todo o território nacional, nos termos do art. 92 § 2º da CRFB/88. Denominam-se órgãos ou centros de convergência na
medida em que, conforme ensina Dinamarco, “cada uma das Justiças Especiais da União (Trabalhista, Eleitoral e Militar),
tem por cúpula seu próprio Tribunal Superior, que é o responsável pela última decisão nas causas de competência dessa
Justiça, ressalvado o controle de constitucionalidade, que sempre cabe ao Supremo Tribunal Federal. Quanto às causas
processadas na Justiça Federal ou nas locais, em matéria infraconstitucional a convergência conduz ao Superior Tribunal
de Justiça, que é um dos Tribunais Superiores da União embora não integre Justiça alguma; em matéria constitucional,
convergem diretamente ao STF. Todos Tribunais Superiores convergem unicamente ao STF, como órgão máximo da
Justiça brasileira e responsável final pelo controle de constitucionalidade de leis, atos normativos e decisões judiciárias.
O STJ e o STF são também denominados de órgãos de superposição, na medida que não pertencem a qualquer Justiça.
Isso porque, embora não pertençam a qualquer Justiça, as suas decisões se sobrepõem às decisões proferidas pelos
órgãos inferiores das Justiças comum e especial. As decisões do STJ se sobrepõem àquelas da Justiça Federal comum,
da Estadual e daquela do Distrito Federal e Territórios (o único que existia acabou, pois anexou-se a Pernambuco), ao
passo que as decisões do STJ se sobrepõem a todas as Justiças e Tribunais.
Prova oral – 27º CPR: Fale sobre jurisdição constitucional.

32
5.c. Município: criação, competência, autonomia. Regiões metropolitanas.

Natureza jurídica do Município: Pessoa jurídica de direito público interno. Arts.1º e 18 da CF estabelecem que o
Município integra a Federação. Mas há divisão na doutrina quanto ao seu papel, José Afonso estabelece que não se trata
de entidade territorial essencial ao conceito de Federação (os motivos para o referido entendimento são: a Federação não
é de Municípios, mas sim de Estados; A intervenção neles é estadual e não federal; Sua criação, incorporação, fusão e
desmembramento se dá por lei estadual, não há Câmara de representantes dos Municípios)11. Em sentido contrário, Hely
Lopes12, L.A. David Araújo e Vidal Serrano13. Hely Lopes entende que a CF de 88 outorgou ao Município, dentro do
âmbito da Federação, a qualificação de “entidade político-administrativa de terceiro grau”.
Criação: previsão no art.18, §4º, da CF (lei complementar federal, estudo de viabilidade municipal, plebiscito (é
condição de procedibilidade) e lei estadual). Trata, ainda, da incorporação, fusão e desmembramento. Trata-se de
procedimento administrativo vinculado – pode ser alvo de controle pelo Judiciário. A Lei Estadual que cria o Município
pode ser objeto de ADI “Ainda que não seja em si mesma uma norma jurídica, mas ato com forma de lei, que
outorga status municipal a uma comunidade territorial, a criação de Município, pela generalidade dos efeitos que
irradia, é um dado inovador, com força prospectiva, do complexo normativo em que se insere a nova entidade
política: por isso, a validade da lei criadora, em face da Lei Fundamental, pode ser questionada por ação direta
de inconstitucionalidade (MC na ADI 2.381-RS, rel. Min. Sepulveda Pertence, j. 20/06/2001). EC 57/08 (art.96 dos
ADCT) convalidou os Municípios (criados até 31/12/06), embora fosse inexistente a lei complementar federal
regulamentadora (ADI 2381 AgR/RS). Lei que altera limites geográficos do município também tem que se submeter ao
plebiscito (ADI 1262).
Competência: Legislativa se divide em duas: interesse local (art.30, I, da CF, ex. tempo máximo de fila em banco
– RE 610221 RG/SC) e suplementar a legislação federal e estadual (II). Materiais estão previstas no art.23 (comum) e III
a IX, do art.30 (privativa), da CF.
Autonomia: é a capacidade ou poder de gerir os próprios negócios, dentro de um círculo prefixado por entidade
superior (difere de soberania). O município detém auto-organização (elaboração de lei orgânica), autogoverno,
autolegislação e auto-administração. Assim, detém autonomia política, normativa, administrativa e financeira. Elaboração
de lei orgânica: requisitos no art.29, caput, da CF. Lei Orgânica não representa Poder Constituinte Decorrente. Autonomia
Municipal é princípio sensível (art.34, VII, “c”, da CF).
Regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. Os Estados poderão, mediante lei
complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de
Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.
Regiões metropolitanas: A região metropolitana é um conjunto de municípios cujas sedes se unem com certa
homogeneidade urbana em torno de um município-pólo.
Microrregiões: São formadas de grupos de municípios com certa homogeneidade e problemas administrativos
comuns, cujas sedes não estão unidas por continuidade urbana.
Aglomerações urbanas: Segundo José Afonso da Silva, a expressão carece de conceituação, mas pode-se
perceber que se trata de áreas urbanas, sem um pólo de atração urbana, quer tais áreas sejam das cidades sedes dos
municípios. Segundo Alexandre de Moraes, são requisitos comuns às três hipóteses: (i) lei complementar estadual; (ii)
tratar-se de um conjunto de municípios limítrofes; (iii) finalidade: organização, o planejamento e a execução de funções
públicas de interesse comum.
OBS.: As regiões metropolitanas, criadas por LCE, não se confundem com as regiões administrativas previstas
no art. 43 da CF/1988, criadas por LCF, a exemplo da SUDAM, SUDENE, SUDECO e SUFRAMA, cujo escopo é o
fomento ao desenvolvimento dessas regiões e redução das desigualdades regionais, compreendendo, cada uma, um
mesmo complexo geográfico e social.
Jurisprudência do STF:
(1)STF, ADI 2809/RS. Objeto: LCE/RS n.º 11.539, de 01/11/2000, que incluiu o Município de Arroio dos Ratos na
Região Metropolitana de Porto Alegre. CONCLUSÃO DO STF: A LCE não é de iniciativa exclusiva do Governador do
Estado(art. 61, §1º, II “e” da CF/1988), sendo constitucional a LCE cuja iniciativa foi deflagrada pela Assembleia
Legislativa15.
(2)STF, ADI 1841/RJ. Objeto: Art. 357, parágrafo único da CE/RJ: “a participação de qualquer município em uma
região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião dependerá de prévia aprovação pela respectiva Câmara
Municipal”. CONCLUSÃO DO STF: É inconstitucional a previsão em CE de requisito não previsto na CF/1988(LCE
e Municípios limítrofes) para a instituição de região metropolitana, tal como a necessidade de prévia aprovação pela
Câmara Municipal interessada16.
(3)STF, ADI 796/ES. Objeto: Art. 216, §1º da CE/ES: “a criação de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas
dependerá de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações interessadas”. CONCLUSÃO DO STF: É
inconstitucional a previsão em CE de requisito não previsto na CF/1988(LCE e Municípios limítrofes) para a
instituição de região metropolitana, tal como a necessidade de prévia consulta plebiscitáriaàs populações
interessadas17.
SÚMULA VINCULANTE 38: É competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento
comercial.
SÚMULA VINCULANTE 49: Ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de
estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área.

Prova oral – 27º CPR: Fale sobre municípios como entes da federação.

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6.a. Poder constituinte derivado. Limitações à reforma constitucional. Cláusulas pétreas expressas e
implícitas. As mutações constitucionais.

Poder constituinte derivado.


Conceito: é poder criado e instituído pelo poder constituinte originário. Neste sentido, o poder derivado deve
obedecer às regras colocadas e impostas pelo originário, sendo, assim, limitado e condicionado aos parâmetros a ele
impostos.
Poder constituinte derivado decorrente: é poder jurídico e encontra os seus parâmetros de manifestação
nas regras estabelecidas pelo poder originário. É o poder que intervém para exercer uma tarefa nitidamente constituinte,
qual seja, a de estabelecer a organização fundamental de entidades componentes do estado federal. Tem o poder
constituinte decorrente um caráter de complementaridade em relação à constituição – destina-se a perfazer a obra do
poder constituinte originário nos estados federais, para estabelecer a constituição de seus estados componentes. De
acordo com Uadi Lâmego Bulos, o poder constituinte derivado decorrente tem como limites os princípios constitucionais
sensíveis (apontados ou enumerados), os princípios constitucionais estabelecidos (organizatórios) e os princípios
constitucionais extensíveis: a) princípios constitucionais sensíveis (apontados ou enumarados) – os estados-
membros, ao elaborar as suas constituições e leis, deverão observar os limites fixados no art. 34, VII, a – e, da CF/88,
sob pena de, declarada a inconstitucionalidade da referida norma e sua suspensão insuficiente para o reestabelecimento
da normalidade, ser decretada intervenção federal no estado (forma republicana, sistema representativo e regime
democrático; direitos da pessoa humana; autonomia municipal; prestação de contas da administração pública direta e
indireta; aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de
transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde); b) princípios
constitucionais estabelecidos (organizatórios) – são aqueles que limitam, vedam ou proíbem a ação indiscriminada
do poder constituinte derivado decorrente; assim, funcionam como balizas reguladoras da capacidade de auto-
organização dos estados, podendo ser extraídos da interpretação do conjunto das normas centrais da CF; podem ser de
três tipos: i) limites explícitos vedatórios (proíbem os estados de praticar atos ou procedimentos contrários aos fixados
pelo poder constituinte originário); ii) limites inerentes (implícitos ou tácitos, vedam qualquer possibilidade de invasão de
competência por parte dos estados-membros); iii) limites decorrentes (decorrem das disposições expressas); c)
princípios constitucionais extensíveis – são aqueles que integram a estrutura da federação brasileira, relacionando-
se, p. ex., com a forma de investidura em cargos eletivos, com o processo legislativo, com os orçamentos e com os
preceitos ligados à administração pública.
→ Distrito Federal: o DF é regido por lei orgânica diretamente vinculada à CF. Assim, é possível dizer que se
verifica a manifestação do poder constituinte derivado decorrente na competência que o DF tem para elaborar sua lei
orgânica (verdadeira constituição distrital). Por esse motivo, é perfeitamente possível o controle concentrado no âmbito
do TJDFT tendo como parâmetro a lei orgânica do DF, com a mesma natureza das constituições estaduais. →
Municípios: o poder constituinte decorrente, conferido aos estados-membros, não foi estendido aos municípios. O poder
constituinte derivado deve ser de segundo grau, isto é, encontrar sua fonte de legitimidade direta na constituição federal.
No caso dos municípios, porém, se descortina um poder de terceiro grau, porque mantém relação de subordinação com
o poder constituinte estadual e o federal, ou seja, observa necessariamente dois graus de imposição legislativa
constitucional. Por essa razão, ato local questionado em face da lei orgânica municipal enseja controle de legalidade, e
não de constitucionalidade.
→Territórios: de acordo com o art. 18, §2º, da CF/88, integram a União, não se falando em autonomia e,
portanto, não se cogitando de manifestação de poder constituinte.
Poder constituinte derivado revisor: é poder jurídico, condicionado e limitado às regras instituídas pelo
originário. O art. 3º do ADCT determinou que a revisão constitucional seria realizada após 05 anos, contados da
promulgação da constituição federal, pelo voto da maioria absoluta dos membros do congresso nacional, em sessão
unicameral. Tal artigo do ADCT introduziu verdadeira competência de revisão para atualizar e adequar a CF às realidades
que a sociedade apontasse como necessárias, a realizar-se uma única vez. Tratando-se de poder derivado, os limites
foram estabelecidos pelo constituinte originário, tendo prevalecido a teoria que fixou como limite material o mesmo
determinado ao poder constituinte derivado reformador, ou seja, as cláusulas pétreas (forma federativa de estado, o voto
direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes, direitos e garantias individuais).
Poder constituinte derivado reformador: para prevenir os efeitos nefastos de um engessamento de todo o
texto constitucional, o próprio poder constituinte originário prevê a possibilidade de um poder por ele instituído vir a alterar
a constituição. Aceita-se, então, que a constituição seja alterada, justamente com a finalidade de regenerá-la, conservá-
la em sua essência, eliminando as normas que não mais se justificam política, social e juridicamente, adicionando outras
que revitalizem o texto, para que possa cumprir mais adequadamente a função de conformação com a sociedade. As
mudanças são previstas e reguladas na própria constituição que será alterada. Sendo um poder instituído, o poder de
reforma está sujeito a limitações de forma e de conteúdo: a) limitações formais – exige-se quórum especialmente
qualificado para a aprovação de emendas à constituição; é preciso que a proposta de emenda reúna o voto favorável de
3/5 dos membros de cada casa do congresso nacional e em dois turnos de votação cada uma; a CF também aponta quem
pode apresentar proposta de emenda à CF: 1/3, no mínimo, dos membros da câmara dos deputados ou do senado federal,
o presidente da república, mais da metade das assembleias legislativas das unidades da federação (manifestando-se,
cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros); não há previsão de iniciativa popular de emenda constitucional;
proíbe-se a reapresentação, na mesma sessão legislativa, de proposta de emenda nela rejeitada ou tida por prejudicada;
o poder de emenda também se submete a restrições circunstanciais: proíbe-se a mudança em certos momentos históricos
adversos à livre deliberação dos órgãos constitucionais, como a intervenção federal, o estado de sítio e o estado de
defesa; b) limitações materiais – o poder constituinte originário pode estabelecer que certas opções que tomou são
intangíveis, consagrando o que se denomina cláusula pétrea; o que justifica a consagração dessas cláusulas de
perpetuidade é o argumento de que elas perfazem um núcleo essencial do projeto do poder constituinte originário, o que
34
ele intenta preservar de quaisquer mudanças institucionalizadas, e o poder constituinte pode estabelecer essas restrições
justamente por ser superior juridicamente ao poder de reforma.
→ Cláusulas pétreas: i)natureza – as cláusulas pétreas, além de assegurarem a imutabilidade de certos
valores, e além de preservarem a identidade do projeto do constituinte originário, participam, elas próprias, como tais,
também da essência inalterável desse projeto; no Brasil, não é aceita a teoria da dupla revisão, defendida pelos que
entendem que as normas que impedem a revisãode certos preceitos básicos são juridicamente vinculantes, mas não
seriam elas próprias imunes a alteração e revogação, de modo que, se forem suprimidas, num primeiro momento, abre-
se o caminho para, em seguida, serem removidos os princípios petrificados; ii) finalidade – o objetivo é prevenir um
processo de erosão da constituição; assim, a cláusula pétrea existe não apenas para remediar situação de destruição da
carta, mas também para inibir a mera tentativa de abolir o projeto básico; iii) alcance da proteção das cláusulas pétreas
– a cláusula pétrea não tem por escopo proteger dispositivos constitucionais, mas os princípios nele modelados; assim, a
mera alteração redacional de uma norma componente do rol das cláusulas pétreas não importa, por isso somente, em
inconstitucionalidade, desde que não seja afetada a essência do princípio protegido e o sentido da norma; há quem aceite
que mesmo as cláusulas pétreas não estabelecem a absoluta intangibilidade do bem constitucional por ela alcançado;
diz-se que, conquanto fiquei preservado o núcleo essencial dos bens constitucionais protegidos, ou seja, desde que a
essência do princípio permaneça intocada, elementos circunstanciais ligados ao bem tornado cláusula pétrea poderiam
ser modificados ou suprimidos; em suma, a garantia de permanência em que consiste a cláusula pétrea imuniza o sentido
dessas categorias constitucionais protegidas contra alterações que reduzam seu núcleo básico ou debilitem a proteção
que fornecem; iv) controle de constitucionalidade de emendas em face de cláusula pétrea – segundo o STF, é cabível
mandado de segurança em que se ataque proposta de emenda constitucional desrespeitosa de cláusula pétrea,
apontando-se que a inconstitucionalidade já existe antes de a proposta se transformar em emenda, uma vez que seu
próprio processamento já desrespeita a constituição frontalmente; a legitimidade para o ajuizamento do mandado de
segurança é reconhecida apenas ao parlamentar federal, pois é ele quem tem o direito subjetivo ofendido (direito de não
ser convocado para participar de votação inconstitucional); depois que a emenda constitucional haja sido promulgada, o
controle pode ser feito pelo judiciário (em casos concretos por qualquer juiz ou em abstrato pelo STF).
→ cláusulas pétreas em espécie – 1) forma federativa do estado: não é passível de deliberação a proposta
de emenda que desvirtue o modo de ser federal do estado criado pela constituição, em que se divisa uma organização
descentralizada, tanto administrativa quanto politicamente, erigida sobre uma repartição de competência entre o governo
central e os locais, consagrada na lei maior, onde os estados federados participam das deliberações da União, sem dispor
do direito de secessão; no entanto, não há obstáculo à transferência de competências de uma esfera da federação para
outra, desde que resguardado certo grau de autonomia de cada qual; 2) separação dos poderes: a emenda que suprima
a independência de um dos poderes ou que lhe estorve a autonomia é imprópria, inconstitucional; 3) voto secreto, direto,
universal e periódico: a escolha dos agentes políticos pelo voto direto é assegurada, impedindo-se as eleições indiretas;
a garantia do voto secreto, entendida como elemento fundamental do sistema democrático, tampouco pode ser suprimida
por meio de emenda; além disso, ao tornar o voto universal cláusula pétrea, o constituinte cristalizou também o universo
dos indivíduos que entendeu aptos a votar; impede-se, assim, que emenda constitucional venha a excluir o voto do
analfabeto ou do menor entre 16 e 18 anos, que o constituinte originário facultou; por fim, a periodicidade dos mandatos
é consequência do voto período estabelecido como cláusula pétrea; uma emenda não está legitimada a transformar os
cargos políticos que o constituinte originário previu como suscetíveis de eleição em cargos vitalícios ou hereditários; 4)
direitos e garantias individuais: no tocante aos direitos e garantias individuais, mudanças que minimizem a sua
proteção, ainda que topicamente, não são admissíveis.
→ cláusulas pétreas implícitas – as limitações materiais ao poder de reforma não estão exaustivamente
enumeradas no art. 60, §4º, da CF; o que se puder afirmar como ínsito à identidade básica da constituição idealizada pelo
poder constituinte originário deve ser tido como limitação ao poder de emenda, mesmo que não haja sido explicitado no
dispositivo; segundo Nelson de Souza Sampaio, são intangíveis à ação do revisor constitucional: 1) normas
concernentes ao titular do poder constituinte; 2) normas referentes ao titular do poder reformador, porque não pode ele
mesmo fazer delegação dos poderes que recebeu sem cláusula expressa que o autorize; 3) normas que disciplinem o
próprio procedimento de emenda, já que o poder delegado não pode alterar as condições da delegação que recebeu.
Mutação constitucional. É a alteração da constituição sem alteração de seu texto, em razão de mudanças fáticas
(dados da realidade subjacentes ou âmbito normativo) ou hermenêuticas (percepção do Direito); procedida (a) pela
jurisprudência lato sensu (diretamente por órgãos públicos), (b) pela edição de atos normativos infraconstitucionais (que
alterem o sentido até então conferido à constituição), ou (c) pelos costumes (pela ação das pessoas em sociedade,
chancelada expressamente ou não pelo Poder Público). É exercício de um poder constituinte difuso, cuja legitimidade
depende de que (a) não ultrapasse os sentidos possíveis do texto e (b) respeite a identidade da constituição (os limites
às mudanças formais do texto, que também se aplicam aqui).

Prova oral – 27º CPR: O Min. Gilmar defende ter havido uma mutação constitucional quanto ao papel do recurso
extraordinário. Qual a crítica que é feita a esse entendimento? Para ela, é a principal objeção é a relativa à separação de
poderes. RESPOSTA: (Recl. 4335): Após uma sucessão de votos-vista e quase sete anos, o STF concluiu em março de
2014 o julgamento em que se propôs a rediscutir o papel do Senado Federal no domínio do controle incidental de
constitucionalidade. Confrontado com a decisão de um juiz que se recusava a seguir a orientação do STF em tema
relevante, mas fixada em habeas corpus, o relator, ministro Gilmar Mendes, propôs uma releitura da matéria: o artigo 52,
X teria passado por uma mutação constitucional, de modo que todas as decisões tomadas pelo Plenário do STF no
exercício da jurisdição constitucional teriam, por si mesmas, eficácia geral e vinculante; a atribuição do Senado deixaria
de ser a ampliação da eficácia e passaria a ser, tão somente, uma forma de conferir publicidade ao que restou decidido.
Tal orientação foi acompanhada pelo ministro Eros Grau, mas foi rejeitada pelos ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim
Barbosa, que endossavam a compreensão tradicional. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro
Ricardo Lewandowski, cujo voto posterior juntou-se à divergência e foi seguido por novo pedido de vista, agora do ministro

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Teori Zavascki. Na retomada do julgamento, o ministro Teori procurou construir um meio-termo. De início, destacou a
importância dos precedentes, sobretudo do STF, e a necessidade de que sejam observados pelas instâncias inferiores,
sob pena de a corte deixar de cumprir a sua função institucional de guardiã da Constituição. Por outro lado, considerou
impossível abrir a via da reclamação para a garantia de todas as decisões do STF, o que acabaria transformando-o em
um tribunal executivo, encarregado da implementação capilarizada das suas decisões. Linha semelhante foi adotada pelo
ministro Luís Roberto Barroso, que ressaltou a importância de se criar, no Brasil, uma cultura de respeito aos precedentes
e destacou o mérito teórico da interpretação proposta pelo ministro Gilmar Mendes, mas considerou que ela seria
incompatível com os limites semânticos do artigo 52, X. Com ligeiras variações, tal orientação foi reiterada nos votos
subsequentes. Ao fim e ao cabo, portanto, manteve-se o convencimento convencional, pontuado pela mensagem
institucional de que o respeito à jurisprudência dos tribunais, e do Supremo em particular, é pressuposto para a efetividade
e racionalidade do acesso à Justiça.

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6.b. Federalismo. Concepções e características. Classificações. Sistemas de repartição de
competência. Direito comparado.

1. Noções Gerais: No Brasil, a federação surge provisoriamente através do Decreto n. 1, de 15.11.1889,


juntamente com a forma republicana de governo, tomando assento constitucional na Carta de 1891. As Constituições
posteriores mantiveram a forma federativa de Estado, embora o federalismo nas Constituições de 1937 e de 1967, bem
como durante a vigência da Emenda n. 1/69, tenha sido apenas nominal (“federalismo de fachada”).
No Federalismo clássico, ou dual, a repartição do poder é rigidamente dividida entre a União (Poder Central) e os
Estados (Poder Regional). O federalismo brasileiro atual é tricotômico, pois engloba a União (Poder Central), os Estados
(Poder Regional), o Distrito Federal e os Municípios (Poder local). Os territórios não são entidades federais.
Segundo José Afonso da Silva, para que haja autonomia federativa, são necessários os seguintes elementos: 1.
órgãos próprios de cada entidade (união, estados e municípios); e 2. posse de competências exclusivas de cada entidade.
a) União. A União, pessoa jurídica de direito público, possui uma visão interna, relativa aos demais estados
federados, e uma visão externa, em face dos demais Estados estrangeiros. Internamente, age a União em pé de igualdade
com os outros entes da Federação, sendo detentora de deveres e obrigações. No âmbito externo, ela representa todo o
Estado Federado na figura da República Federativa do Brasil, como se fosse ele unitário, já que o direito internacional
não reconhece a personalidade jurídica dos estados-membros e municípios, naquele âmbito.
b) Estados federados. São coletividades regionais autônomas, sem soberania, porém com mera autonomia. Entre
os Estados e a União não há hierarquia, convivendo todos num mesmo nível jurídico. A autonomia define-se como
condição “de gerir os negócios próprios dentro dos limites fixados por poder superior”, caracterizando-se pela capacidade
de autogoverno, auto-organização, autolegislação, autoadministração e autonomias tributária, financeira e orçamentária.
c) Municípios. A CF/88, inovadoramente, considerou os municípios como componentes da estrutura federativa, e
o fez em dois momentos (arts. 1º e 18). Anteriormente eram componentes dos Estados, que decidiam a sua organização.
Saliente-se que José Afonso da Silva defende que os municípios não passaram a ser entidades federativas. Apenas
teriam ganhado autonomia político-constitucional (entre outros argumentos, porque não há intervenção federal nos
municípios). Paulo Branco enumera quatro motivos para os municípios não integrarem o Estado Federal: a) não participam
da vontade federal, visto que não têm representantes no Senado; b) não mantêm um Poder Judiciário, como ocorre com
os estados –membros e União; c) a intervenção nos municípios situados em estado-membro está a cargo deste; d) a
competência originária do STF para resolver conflitos entre entes federativos não abrange os casos em que os municípios
estão em um dos polos da lide. Grande parte da doutrina, acompanhada da jurisprudência, no entanto, sustenta que a
clássico ou dual (lembrete: na CF/88 adota-se, majoritariamente, o modelo tricotômico de federalismo). Possuem os
municípios, autonomia política, administrativa e financeira, sendo detentores das capacidades acima delineadas para os
Estados, guardadas as peculiaridades.
d) Distrito Federal. Antes considerado uma autarquia territorial, foi erigido pela CF/88 à condição de pessoa
política, integrante da federação. Sua autonomia está consagrada no art. 32 da CF, que lhe confere as capacidades de
auto-organização, autogoverno, autolegislação e autoadministração, embora sofram limitações em questões essenciais,
como as dos incisos XIII e XIV do art. 21 (ex. compete a União organizar e manter o TJ/DFT, MP/DFT e DP/DFT). A
competência legislativa do DF compreende as que são atribuídas aos Estados e Municípios, o Poder Legislativo é exercido
pela Câmara Legislativa (no regime anterior o era pelo Senado Federal), o Poder Executivo pelo Governador e o Poder
Judiciário na verdade não é dele, mas da União.
e) Territórios. São pessoas jurídicas de direito público interno com capacidade administrativa e de nível
constitucional, ligadas à União e tendo nela a fonte de seu regime jurídico infraconstitucional. Não são pessoas políticas
(não legislam), possuindo mera capacidade administrativa (natureza jurídica de meras autarquias ou descentralizações
administrativo-territoriais). Não integram a federação. Compete ao Congresso Nacional disciplinar sua atividade e
organização administrativa e judicial, e é o governador escolhido pelo Presidente da República. Conforme Novelino, “a
criação de territórios, disciplinada pela LC n. 20/74 e recepcionada parcialmente pela CF/88, poderá ocorrer em duas
hipóteses. A primeira pelo desmembramento de parte de Estado-membro já existente, no interesse da segurança nacional.
A segunda quando a União nela executar plano de desenvolvimento econômico ou social, com recursos superiores, pelo
menos, a um terço do orçamento de capital do Estado atingido pela medida. A criação de território federal a partir do
desmembramento de um Estado necessita de aprovação da população interessada, mediante a realização de plebiscito
(CF, art. 18, §3⁰). A CF/88 transformou os territórios existentes em Estados, à exceção de Fernando de Noronha, que foi
reincorporado a Pernambuco (ADCT, artigos 14 e 15)”.
2. Concepções e características: O Estado Federal expressa um modo de ser do Estado (daí se dizer que é uma
forma de Estado) em que se divisa uma organização descentralizada, tanto administrativa quanto politicamente, erigida
sobre uma repartição de competências entre o governo central e os locais, consagrada na Constituição Federal, em que
os Estados federados participam das deliberações da União, sem dispor do direito de secessão. No Estado Federal, de
regra, há uma Suprema Corte, com jurisdição nacional (lembrete: STF e STJ são órgãos de superposição) e é previsto
um mecanismo de intervenção federal, como procedimento assecuratório da unidade física e da identidade jurídica da
Federação.
A soberania é atributo do Estado Federal como um todo representado pela República Federativa do Brasil. Os
Estados-membros dispõem de autonomia, que importa, necessariamente, a descentralização administrativa e política.
Eles não apenas podem, por suas próprias autoridades, executar leis, como também lhes é reconhecido elaborá-las.
Disso resulta na percepção de que no Estado Federal há uma dúplice esfera de poder normativo – a da União e a do
Estado-membro - sobre um mesmo território e sobre as pessoas que nele se encontram. A autonomia política dos Estados-
membros abrange também a capacidade de dotar-se de uma Constituição própria (lembrete: Poder Constituinte Derivado
Decorrente), sujeita embora a certas diretrizes impostas pela Constituição Federal.
O federalismo é uma sociedade de Estados autônomos com aspectos unitários porque é, enquanto Estado Federal,
uma unidade territorial, unidade de representação e unidade nacional. Outra característica do federalismo é a de que os
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Estados-membros tenham voz ativa na formação da vontade da União – vontade que se expressa sobretudo por meio
das leis. Para esse fim, historicamente foi concebido o Senado Federal, com representação paritária, em homenagem ao
princípio da igualdade jurídica dos Estados-membros. Esses Estados participam da formação da vontade federal, na
mesma linha, quando são admitidos a apresentar emendas à Constituição Federal. Na medida em que os Estados-
membros não são soberanos, é comum impedir que se desliguem da União, no que o Estado federal se distingue da
confederação, em que se preserva o direito a secessão. Como regra inexiste, portanto, no federalismo, o direito de
secessão. Os conflitos que venham a existir entre os Estados-membros ou entre qualquer deles com a União, assumindo
feição judiciária, são levados ao deslinde de uma corte nacional. Falhando a solução judiciária ou não sendo o conflito de
ordem jurídica meramente, o Estado dispõe do instituto da intervenção federal, para se autopreservar da desagregação,
bem como para proteger a autoridade da Constituição Federal.
3. Classificações e sistema de repartições de competência. A distribuição (ou repartição) constitucional de
poderes (ou de competências) é um dos pontos mais importantes no estudo do Estado Federal. Consoante José Afonso
da Silva, o princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades federativas é o da predominância
de interesses, pelo qual cabe à União as matérias e questões de predominante interesse geral, nacional; aos Estados-
membros cabem as matérias e assuntos de predominante interesse regional; e aos municípios concernem os assuntos
de interesse local. Só que atualmente essa distinção não é fácil de ser feita. A regra principal da federação, consoante
Celso Ribeiro Bastos, é a seguinte: nada será exercido por um poder mais amplo quando puder ser decidido pelo poder
local, pois os cidadãos moram nos municípios, e não na União.
Dada a existência de ordens central e parcial, a repartição de competência (e de rendas) entre essas esferas,
realizada pela Constituição Federal, favorece a eficácia da ação estatal. O modo de repartição indica que tipo de
federalismo é adotado. A concentração de competências no ente central aponta para um modelo centralizador
(centrípeto); uma opção pela distribuição mais ampla de poderes em favor dos Estados-membros configura um modelo
descentralizador (centrífugo). Havendo uma dosagem contrabalançada de competências, fala-se em federalismo de
equilíbrio.
Outra classificação dos modelos de repartição cogita das modalidades de repartição horizontal e repartição vertical.
Na primeira não se admite concorrência de competência entre os entes federados. Esse modelo apresenta três soluções
possíveis para o desafio de distribuição de poderes entre as órbitas do Estado Federal. Uma delas efetua a enumeração
exaustiva da competência de cada esfera da Federação; outra discrimina a competência da União deixando aos Estados-
membros os poderes reservados (ou não enumerados); a última discrimina os poderes dos Estados-membros, deixando
o que restar para a União.
Na repartição vertical de competências, realiza-se a distribuição da mesma matéria entre a União e os Estados-
membros. Essa técnica, no que tange às competências legislativas, deixa para a União os temas gerais, os princípios de
certos institutos, permitindo aos Estados-membros afeiçoar a legislação às suas peculiaridades locais. A técnica da
legislação concorrente estabelece um verdadeiro condomínio legislativo.
Quanto aos critérios de distribuição de competência, tem-se que o Brasil adota um sistema complexo, que busca
realizar o equilíbrio federativo por meio de uma distribuição que se fundamenta na técnica de enumeração dos poderes
da União (21 e 22), com poderes remanescentes para os Estados (25, §1º) e poderes definidos indicativamente para os
Municípios (30), mas combina com essa reserva de campos específicos (nem sempre exclusivos, mas às vezes apenas
privativos) possibilidades de delegação (22, parágrafo único), áreas comuns em que se preveem atuações paralelas da
União, Estados, DF e Municípios (23), e setores concorrentes entre a União e Estados, em que a competência para
estabelecer políticas, diretrizes e normas gerais cabe à União, enquanto que se defere aos Estados e até os Municípios
a competência suplementar. Segue-se, a respeito, gráfico do professor Alexandre de Moraes:
4. Direito comparado. No direito comparado, as formulações constitucionais em torno da repartição de
competências podem ser associadas a dois modelos básicos – o clássico, vindo da Constituição norte-americana de 1787,
e o modelo moderno, que se seguiu à Primeira Guerra Mundial. O modelo clássico conferiu à União poderes enumerados
e reservou aos Estados-membros os poderes não especificados. Para mitigar os rigores dessa fixação taxativa, nos EUA
elaborou-se a doutrina dos “poderes implícitos”. O modelo moderno responde às contingências da crescente
complexidade da vida social, exigindo ação dirigente e unificada do Estado, em especial para enfrentar crises sociais e
guerras. Isso favoreceu uma dilatação dos poderes da União com nova técnica de repartição de competências, em que
se discriminam competências legislativas exclusivas do poder central e também competência comum ou concorrente,
mista, a ser explorada tanto pela União como pelos Estados-membros.

Prova oral – 27º CPR: Falar sobre federalismo e pluralismo.

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6.c. Direitos fundamentais. Concepções. Características. Dimensões Objetiva e Subjetiva. Eficácia
vertical e horizontal.

Direitos e garantias fundamentais: conceito, noções gerais e concepções.


Conceito: Direitos fundamentais são direitos ou posições jurídicas que investem os seres humanos, individual
ou institucionalmente considerados, de um conjunto de prerrogativas, faculdades e instituições imprescindíveis a
assegurar uma existência digna, livre, igual e fraterna a todas as pessoas. Têm como núcleo essencial a dignidade
humana e encontram-se reconhecidos no texto da Constituição (fundamentalidade formal) ou, por sua importância e
conteúdo, são admitidos e equiparados pela própria Constituição aos direitos que formalmente reconhece, embora dela
não façam parte (fundamentalidade material).
Garantias fundamentais: são também direitos, chamados “direitos-garantia”, pois são destinados à proteção
de outros direitos. Não existem por si mesmas, mas para amparar, tutelar e efetivar direitos. Segundo Ferreira Filho, há
três espécies de garantias: a) Garantias-limite: destinam-se a limitar o poder, são defesas postas a direitos especiais e
visam prevenir violações a direitos, como a proibição de censura para proteger a liberdade de expressão e a proibição de
confisco para garantir a propriedade. b) Garantias-institucionais: consistem no sistema de proteção organizado para a
defesa e efetivação dos direitos: o sistema judiciário, as defensorias públicas e todas as instituições organizadas para a
proteção dos direitos. c) Garantias-instrumentais: além das garantias gerais destinadas à proteção dos direitos
fundamentais, a CF previu um conjunto especial de garantias instrumentais com que a pessoa pode reivindicar do Poder
Judiciário a prevenção e correção de ilegalidades que ameaçam ou ferem direitos individuais e coletivos. São as
denominadas ações constitucionais ou remédios constitucionais: habeas corpus, mandado de segurança, mandado de
segurança coletivo, mandado de injunção, habeas data, ação popular e a ação civil pública.
Concepções: Para Sampaio, as concepções sobre os direitos humanos são materiais e formais. As concepções
materiais procuram formular um sentido para a expressão “direitos humanos” que se vincule ao conteúdo desses direitos,
nas perspectivas positivista, não positivista e eclética. Na perspectiva positivista, os direitos humanos incluem em seu
núcleo de significado o reconhecimento pelo direito. São apenas aqueles interesses ou bens reconhecidos como básicos
ou fundamentais e tutelados pela ordem jurídica, segundo seu sistema instrumental. Já na perspectiva não positivista
(religiosos e jusnaturalistas), os direitos humanos são identificados como aspirações morais ou necessidades humanas
maiores, referidas tanto à dignidade do homem, expressa nos direitos de liberdade, igualdade, segurança e propriedade,
quanto aos seus interesses sociais e econômicos. Por fim, na perspectiva eclética, procura-se reunir uma dimensão
jusnaturalista ou histórica com a dimensão positivista. As concepções formais procuram definir a forma ou a estrutura
lógica dos direitos, sem a preocupação em identificar quais seriam os conteúdos desses direitos em um ordenamento
concreto, nas perspectivas teórica e dogmática. Na perspectiva teórica, os autores procuram identificar nos direitos
atributos que deem a ele a qualidade de direitos humanos ou fundamentais. Referidos atributos podem ser: direitos
universais, inatos, originários, inalienáveis, pré-estatais. Por outro lado, na perspectiva dogmática, os aspectos definidores
dos direitos, tomam como referência um sistema de direito determinado, de âmbito interno ou internacional. A dogmática
do consenso é a concepção que vincula o sentido dos direitos ao que for definido pelo consenso de uma sociedade
concreta. A dogmática metodológica ou analítica é a linha de estudo que se ocupa com o exame da estrutura da norma
de direito fundamental e da perspectiva desse direito como uma categoria jurídica própria.

Dimensões/gerações dos direitos fundamentais:


→ 1ª Dimensão - direitos civis e políticos: são direitos voltados à tutela das liberdades públicas, tais como:
direito à vida, à liberdade, à propriedade, à segurança e à igualdade. Expressam poderes de agir, reconhecidos e
protegidos pela ordem jurídica a todos os seres humanos, independentemente da ingerência do estado, correspondendo
ao status negativo (negativus ou libertatis) da Teoria de Jellinek, em que ao indivíduo é reconhecida uma esfera individual
de liberdade imune à intervenção estatal;
→ 2ª Dimensão - direitos sociais, econômicos e culturais: são direitos que exigem prestações positivas do
Estado para a realização da justiça social, do bem estar social e das liberdades sociais, tais como: a liberdade de
sindicalização, o direito de greve e os direitos trabalhistas. São pretensões do indivíduo ou do grupo frente ao Estado,
exigindo-se sua intervenção para atendimento das necessidades do indivíduo, correspondendo ao status positivo
(positivus ou civitatis) da Teoria de Jellinek, em que ao indivíduo é possível exigir do Estado determinadas prestações
positivas;
→ 3ª Dimensão - direitos de solidariedade ou de fraternidade: são direitos que visam à proteção do homem
em coletividade social, cuja titularidade do direito poderá ser difusa e/ou coletiva, tais como: direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, direito à segurança, direito à paz, direito à solidariedade universal, direito ao
desenvolvimento, direito à comunicação e à autodeterminação dos povos. Não têm por finalidade a liberdade ou igualdade
individual, mas sim a preservação da existência do grupo;
→ 4ª Dimensão - direitos de globalização e universalização: são direitos embasadores de uma possível
globalização política rumo a uma sociedade universal aberta ao futuro. Alguns deles são: direito à democracia direta,
direito ao pluralismo, direito à informação e os direitos relacionados à biotecnologia.

Características dos direitos fundamentais. Dirley da Cunha Júnior apresenta as seguintes características dos direitos
fundamentais: a) Historicidade e universalidade: são resultado da evolução, afirmação e reconhecimento ao longo da
história (DUDH); b) Inalienabilidade: são intransferíveis e inegociáveis, pois são desprovidos de conteúdo econômico-
financeiro e seus titulares não podem deles despojar-se; c) Imprescritibilidade: não se perdem com o tempo, não
prescrevem porque são sempre exigíveis; d) Irrenunciabilidade: são irrenunciáveis, pois não são disponíveis, mas seus
titulares podem deixar de exercê-los; e) Limitabilidade: não são absolutos, pois podem ser limitados pelas leis e por outros
direitos; f) Proibição de retrocesso: impede a revogação de normas garantidoras de direitos fundamentais e a

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implementação de políticas públicas de enfraquecimento de direitos fundamentais; g) Concorrência: podem ser exercidos
cumulativamente por um mesmo titular;
Características funcionais dos direitos fundamentais: “teoria dos quatro status” de Jellinek: 1) status
passivo (subjectionis): o indivíduo está subordinado aos poderes estatais – ordens e proibições; 2) status negativo
(negativus ou libertatis): ao indivíduo é reconhecida uma esfera individual de liberdade imune à intervenção estatal; 3)
status positivo (positivus ou civitatis): ao indivíduo é possível exigir do Estado determinadas prestações positivas; 4) status
ativo (activus): possibilita ao indivíduo participar ativamente da formação da vontade política estatal. Segundo Sampaio,
são características funcionais dos direitos fundamentais: a) desempenham um papel central de legitimidade da ordem
constitucional, considerado como um centro ligado, funcional e normativamente, com as outras partes do Direito
Constitucional; b) operam como elemento limitador da ação estatal ou como demandante da política estatal de
intervenção, importando em direção exegética tendente a ampliá-los, na hipótese de entendimento duvidoso, segundo a
máxima in dubio pro libertate; c) devem ser tomados em sua base antropocêntrica, ainda que não necessariamente no
sentido de individualismo possessivo; d) apresentam um conteúdo aberto à ampliação e projetado para o futuro; não há
uma tutela ou garantia numerus clausus de direitos fundamentais, porque não há um numerus clausus de perigos; e) não
admitem retrocessos, criam obstáculos às mudanças de conformação que devem reproduzir, no mínimo, a efetividade ou
fruição anterior (efeito cliquet); f) projetam-se nas relações entre os cidadãos e os poderes públicos (eficácia vertical), mas
também nas relações entre particulares (eficácia horizontal); g) são titularizados não apenas por pessoas físicas, mas
também por pessoas jurídicas e entes despersonalizados, sempre e quando a sua natureza permita a aplicação dos
direitos fundamentais; excluem-se as pessoas jurídicas de Direito Público, às quais se reservam competências, interesses
legítimos ou direitos constitucionais, que não podem ser subsumidos sob o rótulo de direitos fundamentais; h) são fatores
decisivos de integração social ou pontos de partida para se tomar e ter parte nos processos políticos, econômicos e
culturais de uma comunidade.

Dimensão subjetiva e dimensão objetiva dos direitos fundamentais.


Dimensão objetiva: os direitos fundamentais operam como elementos objetivos fundamentais que sintetizam
os valores básicos da sociedade e os expandem para toda a ordem jurídica (eficácia irradiante), que os identifica como
diretrizes ou vetores para a interpretação e aplicação das normas infraconstitucionais. Enseja um dever de proteção do
Estado.
Dimensão subjetiva: Os direitos fundamentais são posições jurídicas subjetivas essenciais de proteção da
pessoa. São direitos subjetivos conferidos não apenas a pessoas físicas, mas também a pessoas jurídicas e entes
despersonalizados, sempre e quando a sua natureza permita a aplicação dos direitos fundamentais, excluindo-se as
pessoas jurídicas de direito público interno às quais se reservam competências, interesses legítimos ou direitos
constitucionais, que não podem ser subsumidos sob o rótulo de direitos fundamentais.

Eficácia vertical e horizontal:


Eficácia vertical dos direitos fundamentais: os direitos fundamentais se projetam nas relações entre os
cidadãos e os poderes públicos;
Eficácia horizontal, privada ou externa dos direitos fundamentais: os direitos fundamentais se projetam nas
relações entre particulares de forma indireta (mediata) ou direta (imediata), a depender da teoria adotada. Segundo a
“teoria da eficácia indireta ou mediata” (Alemanha), a Constituição não investe os particulares em direitos subjetivos
privados, mas ela contém normas objetivas, cujos efeitos de irradiação levam à impregnação das leis civis por valores
constitucionais. Com efeito, os direitos fundamentais são protegidos no campo privado não por normas constitucionais,
mas por meio de mecanismos típicos do próprio Direito Privado. Ao Judiciário restaria o papel de preencher as cláusulas
indeterminadas criadas pelo legislador, levando em consideração os direitos fundamentais ou rejeitar, por
inconstitucionalidade, a aplicação de normas privadas incompatíveis com tais direitos. A “teoria da eficácia direta e
imediata” dos direitos fundamentais na esfera privada foi defendida, inicialmente, na Alemanha na década de 50.
Poderiam, dessa forma, os direitos fundamentais serem invocados diretamente nas relações privadas,
independentemente de qualquer mediação por parte do legislador, ressalvando-se, apenas, a necessidade de ponderar
o direito fundamental em jogo com a autonomia privada dos particulares envolvidos no caso. No Brasil predomina a teoria
da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais na esfera privada, com a vinculação direta dos particulares aos
direitos fundamentais, aceita pela maioria da doutrina (José Adércio, Sarmento, Barroso). Sobre a eficácia horizontal dos
direitos fundamentais, existem ainda as seguintes teorias alternativas: a) Teoria dos deveres de proteção (Canaris e
Isensee): consideram que o Estado tem a obrigação não apenas de abster-se de violar os direitos fundamentais, mas
também de protegê-los diante de lesões e ameaças provenientes de terceiros, inclusive particulares; b) Teoria da
convergência estatista (Jurgen Schwabe): o Estado é sempre o último responsável por lesões a direitos fundamentais
que têm origem nas relações privadas, ou seja, a atividade dos particulares, mesmo quando desenvolvida no âmbito de
sua esfera de autonomia privada juridicamente protegida, é sempre imputável ao Estado, pois decorre de uma prévia
autorização explícita ou implícita da ordem jurídica estatal (Sarmento, 2008). c) Teoria mista (Robert Alexy): tenta-se
conciliar as teorias, na medida em que todas reconhecem que as gradações da eficácia dos direitos decorrem da
ponderação de interesses, propondo um modelo de três níveis de efeitos: 1) deveres do Estado; 2) direitos frente ao
Estado; 3) relação entre os particulares.
Doutrina das liberdades preferenciais: o constituinte tratou as liberdades existenciais como atividades
preferenciais, devendo haver, quanto a estas, menor restrição do Estado; nas liberdades econômicas, o Estado poderia
intervir um pouco mais.
State action (EUA): os direitos fundamentais impõem limitações apenas para os Poderes Públicos e não atribuem
aos particulares direitos frentes a outros particulares, com exceção da proibição de escravidão. Desta forma, somente as
atividades de natureza essencialmente estatal (mesmo se exercidas por particulares) devem submeter-se integralmente
aos direitos fundamentais previstos na Constituição. É a chamada “teoria da state action” (da ação estatal).

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7.a. Processo legislativo. Emenda constitucional, lei complementar, lei ordinária, lei delegada, medida
provisória, decreto legislativo e resolução. O processo de incorporação dos tratados internacionais.
Devido processo legislativo.

O processo legislativo tem início quando alguém ou algum ente toma a iniciativa de apresentar uma proposta
de criação de novo direito. O projeto de lei deve ter início na Câmara dos Deputados, se não resulta de iniciativa de
senador ou de comissão do Senado. A iniciativa pode ser comum (ou concorrente), se a proposição normativa puder ser
apresentada por qualquer membro do Congresso Nacional ou por comissão de qualquer de suas Casas, bem assim pelo
Presidente da República, e, ainda, pelos cidadãos, no caso de iniciativa popular; ou reservada, que visa subordinar ao
seu titular a conveniência e oportunidade da deflagração do debate legislativo em torno do assunto.
Depois de apresentado, o projeto é debatido (fase da discussão) nas comissões e nos plenários das Casas
Legislativas. Podem ser formuladas emendas (proposições alternativas) aos projetos. A emenda cabe ao parlamentar e,
em alguns casos, sofre restrições. Uma delas, colhida na jurisprudência do STF, é a de que, nos projetos de iniciativa
reservada do Chefe do Executivo, a emenda deve guardar pertinência o tema proposto, para prevenir fraude a essa
mesma reserva.
Findo o período de debates, segue-se a votação, que deverá seguir o quorum estabelecido especificamente para
a proposição a ser debatida. Em não se exigindo quorum especial, a proposição será aprovada por maioria simples. Não
há aprovação de projeto sem votação, tampouco se prevê hipótese de aprovação por decurso de prazo, mas o prazo para
a votação pode ser acelerado, a requerimento do Presidente da República, nos projetos da sua iniciativa. Nesse rito de
urgência, o projeto terá prazo de 45 dias de tramitação em cada Casa, para que seja incluído na ordem do dia, sob pena
de sobrestamento da deliberação de outros assuntos, exceto os que também tenham prazo constitucional determinado.
O regime de urgência, que caracteriza esse procedimento sumário, não se aplica a projeto de código.
O Presidente da República participa do processo legislativo tanto quanto toma a iniciativa de provocar o Congresso
Nacional a deliberar como também ao ser chamado para, terminada a votação, sancionar ou vetar ou projeto. A sanção
pode ser expressa ou tácita (se o projeto não é vetado no prazo constitucional). Hoje, tem-se por certo que a súmula 5 do
STF não é aplicável, de modo que, mesmo vindo o Chefe do Executivo a sancionar lei com vício de iniciativa, o diploma
será inválido.
O veto, que é irretratável, deve ser expresso e fundamentado na inconstitucionalidade do projeto (veto jurídico) ou
na contrariedade ao interesse público (veto político). O Presidente dispõe de 15 dias úteis para apor o veto, que pode ser
total, quando abarca todo o projeto, ou parcial, desde que não recaia apenas sobre palavras ou conjunto de palavras de
uma unidade normativa (a menor é a alínea). É possível a rejeição do veto, em sessão conjunta, pela maioria absoluta
dos deputados e maioria absoluta dos senadores. Não há veto ou sanção na emenda à Constituição, em decretos
legislativos e em resoluções, nas leis delegadas e na lei resultante da conversão, sem alterações, de medida provisória.
Com a promulgação se atesta a existência da lei, que passou a existir com a sanção ou com a rejeição do veto, e se
ordena a sua aplicação. A publicação torna de conhecimento geral a existência do novo ato normativo, sendo relevante
para fixar o momento da vigência da lei.
Quanto a questões políticas, não se reconhece indenidade aos atos ou decisões políticas se elas afetam ou
ameaçam direitos individuais. Essa é orientação pacífica do Supremo Tribunal Federal desde os primórdios da Republica.
A doutrina das questões políticas chegou ao Supremo Tribunal com o famoso e polêmico julgamento do HC 300, impetrado
por Rui Barbosa em 1892, em que o jurista se amparou na doutrina norte-americana da political questions, criada por
influência da decisão do Justice Marshall no caso Marbury vs Madison. Apesar da derrota naquele julgamento, os
ensinamentos de Rui Barbosa influenciaram decisivamente a formulação do art. 141, §4°, da Constituição de 1946,
precedente remoto do atual art. 5º, XXXV, da CRFB/88.
Alternando momentos de maior e menor ativismo judicial, o STF, ao longo de sua história, tem entendido que a
discricionariedade das medidas políticas não impede o seu controle judicial, desde que haja violação a direitos
assegurados pela Constituição. Nesse sentido, a Corte admite o exame jurisdicional de atos de CPI sempre que, de seu
eventual exercício abusivo, derivarem injustas lesões ao regime de liberdades públicas. Em igual linha, é reconhecida a
sindicabilidade judicial dos atos da Comissão de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, quando, em
processo disciplinar e de cassação de parlamentar, não se observam as garantias da ampla defesa, do contraditório e do
devido processo legal. Quanto ao tema das medidas provisórias, por outro lado, o Tribunal tem admitido o controle judicial
dos pressupostos de relevância e urgência apenas nos casos em que esteja objetivamente evidenciado patente excesso
de poder por parte do Executivo. Igualmente, a Corte evita, em regra, interferir na competência do Congresso para
conceder anistia a seus próprios membros, dada a natureza interna corporis da matéria, sujeita à avaliação política do
Parlamento.
Processo de incorporação dos tratados internacionais. Segundo Portela, “o direito internacional não vincula
apenas no âmbito internacional, regulando somente as relações entre Estados e organizações internacionais, mas
também obriga no âmbito interno dos entes estatais. A execução das normas internacionais é facilitada a partir de sua
incorporação ao Direito interno, também conhecida como “internalização”, que é o processo pelo qual os tratados passam
a também fazer parte do ordenamento jurídico nacional dos entes estatais”.
“A jurisprudência reconhece que o procedimento de internalização do tratado no Brasil é complexo, como evidencia
a seguinte ementa: “o exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados
internacionais e sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato
subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do CN, que resolve,
definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do
Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe
– enquanto Chefe de Estado que é da competência para promulgá-los mediante decreto” (ADI-MC 1480/DF, rel. Min.
Celso de Mello, 18.05.01)”.

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Assim, “o primeiro passo após a assinatura do tratado é a preparação de uma Exposição de Motivos, dirigida ao
PR pelo MRE (Ministro das Relações Exteriores), dando ciência da assinatura do ato internacional e pedindo o
encaminhamento do acordo ao CN, para fins de providenciar sua eventual ratificação. No CN, o tratado será examinado
na CD e, em seguida, no SF. A discussão da matéria envolverá as comissões competentes das duas Casas e votação no
plenário de cada uma delas, em turno único, devendo sua aprovação seguir os termos do art. 47 da CF”. Ou, ainda, ser
aprovado por 3/5, em dois turnos, se seguir o rito do art. 5⁰, §3⁰, da CF, nos tratados de direitos humanos.
“Aprovado o acordo, o Presidente do Senado emitirá um Decreto Legislativo, que aqui consiste em mero
instrumento de encaminhamento do tratado ao PR, a quem cabe decidir sobre a ratificação. Nesta hipótese (aprovação),
o DL não tem o efeito de ordenar (ao PR) o cumprimento do tratado. Caso o CN não aprove o ato internacional, o PR fica
impossibilitado de ratificá-lo, sob pena de violação ao livre exercício do Poder Legislativo (CF, art. 85, II). Por fim, quando
o tratado entrar em vigor no âmbito internacional, o PR pode concluir o processo de incorporação por meio da
promulgação, ato pelo qual ordena a publicação do acordo e sua execução em território nacional. A promulgação é feita
por meio de Decreto, publicado no DOU”.
Por último, “quanto à hierarquia, os tratados de direitos humanos internalizados antes da vigência da EC 45/04,
sem o quórum qualificado do CN de 3/5, em dois turnos de votação, consoante entendimento do STF (RE 466.343), têm
status supralegal, estando abaixo da égide Constitucional e acima da lei infraconstitucional. Os tratados de direitos
humanos internalizados após a EC 45/04 e sob o rito qualificado do art. 5⁰, §3⁰, da CF, têm equivalência à norma
constitucional em sentido formal e material”. Por sua vez, tratando-se de acordo internacional cuja matéria seja diversa
do tema “direitos humanos”, sua hierarquia, após internalização ao ordenamento pátrio, terá status de lei ordinária. Já que
“o Excelso Pretório tem adotado o sistema paritário ou monismo moderado, segundo o qual tratados e convenções
internacionais têm status de lei ordinária (STF –ADI 1.480-3/DF e ADI 1.347/DF, ambas relatadas pelo Min. Celso de
Mello)” (Koehler).

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7.b. União Federal: competência e bens.

1. Introdução. Segundo Novelino, “fruto de uma aliança entre Estados, a União é uma pessoa jurídica dotada de
capacidade política existente apenas em Estados federais. Possui competência para atuar em nome próprio e em nome
da federação. A União, pessoa jurídica de direito público interno, não se confunde com a República Federativa do Brasil,
que é uma pessoa jurídica de direito público internacional formada pela união dos Estados, DF e Municípios. Por fim, a
União, assim como os demais entes que compõem a federação brasileira, possui apenas autonomia, apesar de exercer
as atribuições decorrentes da soberania do Estado brasileiro”.
2. Competência. “A competência consiste na capacidade jurídica de agir atribuída aos entes estatais, seja para
editar normas primárias capazes de inovar o ordenamento jurídico (competências legislativas), seja para executar
atividades de conteúdo individual e concreto, previstas na lei, voltadas à satisfação do interesse público (competências
administrativas)”. Vejamo-las:
a) Competências administrativas. “A sistemática de repartição de competências administrativas seguiu fielmente
o modelo dualista norte-americano, adotando como base o princípio da execução direta pela pessoa competente para
legislar sobre o tema. Dentre as competências enumeradas, a União possui duas espécies de competências
administrativas: i) comum material ou material concorrente -exercida pela União, Estados, DF e Municípios (CF, art.
23); ii) exclusiva – exercitável somente pela União, abrange temas que envolvem o exercício soberano, ou que, por
motivo de segurança ou eficiência devem ser objeto de atenção do governo central (CF, art.21)”.
b) Competência legislativa exclusiva. “Atribuída a apenas um determinado ente da federação, caracteriza-se
por ser indelegável e não admitir competência suplementar. É o caso das competências do CN a serem regradas mediante
Decreto Legislativo (CF, art. 49), as matérias da União a serem regulamentadas por lei (CF, art. 48), e as competências
da CD (CF, art. 51) e do SF regulamentáveis por Resolução”.
c) Competência legislativa privativa. Prevista no art. 22 da CF, pode ser objeto de delegação. “Inspirada no
modelo germânico, a Constituição permitiu que a União, por LC, autorize os Estados a legislar sobre questões específicas
das matérias de sua competência privativa”, conforme parágrafo único de citado artigo.
d) Competência legislativa concorrente. Nos moldes do art. 24 da CF, “competência legislativa concorrente é
aquela exercitável pela União, Estado ou DF, cabendo à União estabelecer as normas gerais”, conforme parágrafo único
de referido artigo. Dessa forma, aduz Mendes que “a Constituição Federal prevê, além de competências privativas, um
condomínio legislativo, de que resultarão normas gerais a serem editadas pela União e normas específicas, a serem
editadas pelos Estados-membros”.
3. Bens da União. Aduz Novelino que, “os bens públicos pertencentes à União podem ser agrupados em três
categorias: i) bens de uso comum–permitem o livre acesso e a utilização de todos; ii) bens de uso especial–destinam-
se à utilização da AP e ao funcionamento do governo federal; iii) bens dominicais–são aqueles passíveis de alienação,
porquanto têm natureza jurídica semelhante à dos bens privados, já que não afetos a nenhum interesse público. Tais
bens estão relacionados no art. 20 da CF, tais como, os recursos naturais da plataforma continental e da ZEE; o mar
territorial; as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos; as terras tradicionalmente
ocupadas pelos índios”.
Súmula 722 – STF: são da competência legislativa da união a definição dos crimes de responsabilidade e o
estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento.
SÚMULA VINCULANTE 39: Compete privativamente à União legislar sobre vencimentos dos membros das
polícias civil e militar e do corpo de bombeiros militar do Distrito Federal.
SÚMULA VINCULANTE 46: A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas
normas de processo e julgamento são da competência legislativa privativa da União.

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7.c. Os Princípios gerais de direito.

Introdução. Nas palavras de Chaves e Rosenvald, “toda vez que o intérprete não localizar no sistema jurídico
norma aplicável ao caso concreto, verifica-se uma lacuna que necessita de preenchimento, colmatação. É que tem guarida
entre nós a vedação ao non liquet. A própria lei (LINDB, art.4⁰), partindo da real possibilidade de omissão normativa,
indica os meios pelos quais serão supridas as lacunas”. Note-se que, “a integração das normas serve para colmatar as
lacunas do sistema, mas não tem caráter normativo (obrigatório), não vinculando outras decisões em casos análogos”.
Métodos de integração. “Os métodos de integração estão contemplados na LINDB (Lei de Introdução às Normas
do Direito Brasileiro –DL 4.657/42), art. 4⁰, que estabelece uma ordem preferencial e taxativa. Assim, são mecanismos
de integração: a) a analogia (consiste em aplicar a alguma hipótese, não prevista especialmente em lei, disposição
relativa a caso semelhante); b) os costumes (norma criada e afirmada pelo uso social, de maneira espontânea, sem
intervenção legislativa); c) os princípios gerais de direito (postulados extraídos da cultura jurídica, fundando o próprio
sistema da ciência jurídica)” (Chaves e Rosenvald).
Princípios gerais de direito. Os princípios gerais de direito, classificados como princípios monovalentes
segundo Miguel Reale em seu livro Lições preliminares de Direito “são enunciações normativas de valor genérico, que
condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico em sua aplicação e integração ou mesmo para a
elaboração de novas normas”. Ou, nas palavras de Francisco Amaral, “são as formulações gerais do ordenamento
jurídico, alinhavando pensamentos diretores de uma regulamentação jurídica, que como diretrizes gerais e básicas,
fundamentam e dão unidade a um sistema ou a uma instituição”.
Chaves e Rosenvald afirmam ainda que, “apesar de seu caráter abstrato, indeterminado, é de se notar que os
princípios realizam importante função positiva, influindo na formulação de determinadas decisões, além da induvidosa
função negativa, impedindo decisões contrárias a seus postulados fundamentais”.
“Dos velhos princípios gerais do Direito Romano (suun cuique tribuere, honeste vivere e neminem laedere, isto é,
dar a cada um o que é seu, viver honestamente e não lesar ninguém) extrai-se um substrato mínimo do que o ordenamento
reputa fundamental em termos axiológicos, independentemente de expressa previsão legal. São os chamados princípios
informativos que inspiram todo o sistema jurídico sem prender-se ao texto normativo”.
Finalmente, “a previsão para a aplicação dos princípios gerais de direito, na omissão da lei, vem encartada em
diversos ordenamentos jurídicos, como no Direito português (CC, art. 1⁰), no Direito espanhol (CC, art. 1⁰) e no Direito
argentino (CC, art. 16)”.

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8.a. Poder constituinte estadual: autonomia e limitações.

A Constituição assegura AUTONOMIA aos Estados, como entes federativos, que se consubstancia na sua
capacidade de auto-organização, autolegislação, autogoverno e auto-administração. (arts. 18, 25 e 28)
Auto-organização: Poder Constituinte Estadual: capacidade de dar-se a própria Constituição. (art.25)
Poder Constituinte Decorrente: constituinte de segundo grau, limitado juridicamente, subordinado,
secundário e condicionado.
Poder Constituinte Originário é soberano enquanto o Poder Constituinte Decorrente é AUTÔNOMO. Autonomia é
o poder próprio dentro de um círculo traçado por outro, pressupõe ao mesmo tempo uma zona de autodeterminação, que
é propriamente autônomo e um conjunto de limitações e determinantes jurídicas extrínsecas, que é heterônomo.
Forma de expressão do Constituinte Estadual: Assembleia Constituinte Estadual (art. 11 ADCT). LIMITES: (por
limitarem a autonomia organizatória devem ser interpretados restritivamente)
1) Princípios constitucionais SENSÍVEIS: art. 34, VII CF.
2) Princípios constitucionais EXTENSÍVEIS: consubstanciam regras de organização da União cuja aplicação
se estende aos Estados. (ex. art. 93, V).
3) Princípios constitucionais ESTABELECIDOS: limitam a autonomia organizatória dos Estados, regras que
revelam, previamente, a matéria de sua organização e as normas constitucionais de caráter vedatório, e princípios de
organização política, social e econômica. Assim, se subdividem em:
3.1) Limitações EXPRESSAS: são consubstanciadas em dois tipos de regra: umas de natureza vedatória e
outras de natureza mandatória. As primeiras proíbem explicitamente os Estados de adotar certos atos ou
procedimentos (ex. arts. 19, 150 e 152). As segundas consistem em disposições que determinam aos Estados a
observância de princípios que limitam sua liberdade organizatória (ex. arts. 29, 18§4°, 31, 37, 42, 98, 125)
3.2) Limitações IMPLÍCITAS: também se subdividem em regras vedatórias e mandatórias. (ex. art. 21, 22,
30)
3.3) Limitações DECORRENTES do sistema constitucional adotado: geradas pelos princípios que defluem
do sistema constitucional adotado: a) do princípio federativo (da igualdade das unidades federadas); b) do mesmo
princípio federativo (uma unidade não pode exercer coerção sobre outra) c) do Estado Democrático de Direito; d)
do princípio democrático; e) dos princípios da ordem econômica e social.
Súmulas: Súmula 637/STF e Súmula 721/ STF
ADI 541: Constituição Estadual ao estabelecer a competência dos tribunais, podem estabelecer competência
originária para processar e julgar em crimes comuns ou de responsabilidade certos agentes públicos.
STF: Constituições Estaduais não podem tornar os governadores imunes à perseguição criminal por atos estranhos
ao exercício da suas funções.
ADI 1.060: os Estados são obrigados a seguir as regras básicas do processo legislativo, notadamente as regras
referentes a iniciativa reservada previstas na Constituição Federal.
ADI 276: se a Constituição Federal estabelece matérias de iniciativa exclusiva do Presidente da República, não
podem elas serem versadas na Constituição Estadual.
ADI 676: não se pode subordinar a eficácia dos convênios celebradas por secretários de Estado ou de seus atos
e contratos à aprovação da Assembleia Legislativa.
ADI 41: a Constituição do Estado não pode exigir autorização legislativa para que o Estado contraísse dívida.
ADI-MC 1.2228: Constituição estadual não pode determinar a participação da Assembleia Legislativa na escolha
do Procurador-Geral da Justiça.
ADI 687: Constituição estadual não pode impor ao prefeito dever de comparecimento perante a Câmara de
Vereadores.
ADI 978: Constituição estadual não pode prever imunidade a prisão cautelar a governadores.
ADI 1.722: Constituição estadual não pode prever revisão constitucional.
Prova oral 27º CPR: 1) Poder constituinte estadual. Limitações. 2) Perguntou sobre há extensão obrigatória a os
Estados da regra constitucional da imunidade do Presidente à prisão para beneficiar também os governadores (usei todos
os argumentos contrários de um parecer dela sobre isso em ADI).

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8.b. Política agrária na Constituição. Desapropriação para reforma agrária.

Política é um conjunto de diretrizes, princípios e instrumentos destinados a uma finalidade. A política agrária é
diferente da política agrícola. Na primeira, há uma dimensão mais ampla, englobando a política agrícola. Nesta, há uma
maior predominância de interesses econômicos (reforma agrária pelo imóvel ser improdutivo). A política agrária possui
uma perspectiva mais social, tratando de questões trabalhistas e previdenciárias no campo. A CF optou pela palavra
agrícola, evidenciando o eixo econômico da relação do homem no campo. A doutrina critica esta denominação, tendo em
vista que o Direito que regula estas relações possui fortes contornos sociais. Elemento ou eixo econômico da política
agrária: melhoria da utilização da terra. Ex: Previsão na CF da desapropriação por improdutividade. Elemento ou eixo
social na política agrária: melhoria da qualidade de vida do homem do campo. Ex: previsão no ET de dispositivos sobre
colonização, contratos. A reforma agrária é o principal instrumento da política agrícola, pois atua sob um eixo econômico,
bem como sob um eixo social. Instrumentos da PA: os instrumentos creditícios e fiscais; os preços compatíveis com os
custos de produção e a garantia de comercialização (subsídios); o incentivo à pesquisa e à tecnologia; a assistência
técnica e extensão rural (assistência técnica pelo INCRA); o seguro agrícola; o cooperativismo; a eletrificação rural e
irrigação; a habitação para o trabalhador rural.
Os instrumentos constitucionais do art. 187 não são taxativos, mas garantem a implementação mínima do projeto
constitucional de política agrícola. Princípios da PA: Definição: Princípio é uma norma de maximização do sistema,
utilizado como baliza hermenêutica (Robert Alexy). Princípio da função social da propriedade: a função social é tratada
na CF e é o centro gravitacional do estudo da propriedade no direito moderno. Surgimento da função social: 1ª fase: O
primeiro dado histórico da função social remonta a Aristóteles, para ele a apropriação individual de bens não se justifica
se os mesmos não tiverem uma destinação social. Ter-se algo só para ter é pernicioso. 2ª fase: São Tomás de Aquino
desenvolve a tese da função social em sua Suma Teológica, nela, é desenvolvida a noção do bem comum. É direito de
todos adquirir coisas para garantir sua dignidade desde que o bem comum seja atendido. 3ª fase: Para Leon Duguit, todo
o direito está subordinado a uma finalidade. Se o direito possuído pelo indivíduo não tiver finalidade, cabe desapropriação.
A CF trata da função social em seu art. 186 e para estar caracterizada deve preencher todos os requisitos constantes
naquele dispositivo: 1º requisito: aproveitamento racional e adequado da terra. Para ser atingido, devem ser atendidos
níveis fixados pelo órgão responsável quanto à eficiência na exploração e o grau de utilização da terra. (obs: são garantidos
os incentivos fiscais referentes ao Imposto Territorial Rural relacionado com os graus de utilização e de eficiência na
exploração. Obs2: não são consideradas áreas aproveitáveis no cálculo do grau de utilização da terra as áreas de efetiva
preservação permanente e demais áreas protegidas por legislação ambiental). 2º requisito: adequada utilização dos
recursos naturais e da preservação do meio ambiente. Isto tem por finalidade o respeito à vocação natural da terra,
através da manutenção do seu potencial produtivo. A preservação do meio ambiente é a manutenção das
características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida adequada à
manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas. 3º
requisito: observância às normas relativas às relações de trabalho. Estas possuem abrangência elástica, pois
permitem a inclusão de relações de emprego e de contratos agrários (parceria e arrendamento). 4º requisito: bem estar
dos proprietários (ou possuidores) e dos trabalhadores. O bem estar está ligado à dignidade da pessoa humana. É
cumprido pelo atendimento das necessidades básicas dos que trabalham a terra, pela observância das normas de
segurança do trabalho e por não provocar conflitos e tensões sociais no imóvel. A função social na CF tem uma perspectiva
econômica, social e ecológica. Princípio da justiça social: é a justiça distributiva. A política agrária visa à alteração da
estrutura fundiária vigente. Princípio da prevalência do interesse coletivo sobre o individual: A política agrária é
composta por normas cogentes de forte interferência no domínio privado. A política agrária visa ao atingimento de
interesses coletivos sobre interesses individuais. Princípio da reformulação da estrutura fundiária: É base da política
agrícola, permitindo ao Estado uma série de programas para alteração do homem no campo. Há órgãos específicos para
cuidar desta reformulação. Ex: INCRA e Ministério da Reforma Agrária. Princípio do progresso econômico e social:
visa ao aumento da produtividade da propriedade rural, garantindo uma melhoria das condições de vida do
proprietário/possuidor e um aumento na produção primária do país.
Desapropriação: Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o
imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária,
com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua
emissão, e cuja utilização será definida em lei. As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro (O STF
entende que devem ser pagos por precatório. RE 247866). O decreto que declarar o imóvel como de interesse social,
para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação. Cabe à lei complementar estabelecer
procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação. (O STF entende que
prescinde da intimação feita pessoalmente a ambos os cônjuges para validade da vistoria no imóvel). São isentas de
impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma
agrária. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: a propriedade produtiva e a pequena (de 1 a 4
módulos fiscais) e média (de 4 a 15 módulos fiscais) propriedade rural (ainda que improdutiva), assim definida em lei,
desde que seu proprietário não possua outra. Não se confunde latifúndio e minifúndio com pequena e média propriedade,
pois estas são fixadas em módulos fiscais e aquelas em módulos rurais. Para ser latifúndio, basta ter no mínimo 1 MR e
ser improdutiva. É preciso que o proprietário da pequena ou média propriedade não possua outro imóvel RURAL. Se o
sujeito tiver 40 imóveis urbanos e 1 média propriedade, ela não poderá ser desapropriada, pois a lei veda este benefício
àquele que possuir outro imóvel rural e não urbano. (Na usucapião especial rural, não pode o indivíduo ter qualquer
outro imóvel).
Usucapião: será usucapido aquele imóvel rural não superior a cinquenta hectares, desde que o seu possuidor não
tiver o domínio de outro imóvel, seja rural ou urbano, e que nele morasse e trabalhasse com sua família a fim de garantir
a sua subsistência, tornando-o produtivo. Exigiu a Constituição que a posse fosse contínua e sem oposição, mas
prescindiu o justo título e a boa-fé. Veja-se que a intenção da usucapião agrária, ao lado da conotação social de se
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garantir a manutenção na terra daqueles que nela labutam, também foi a de estimular a produtividade no setor agrícola.
Diz-se especial este tipo de usucapião, pois o prazo para a sua constituição é bem inferior à usucapião geral, a qual,
segundo o Código Civil, necessita de um prazo de 15 anos, no caso de inexistir título ou boa-fé, podendo ser reduzido
para 10 anos se o possuidor constituir atividade produtiva ou estabelecer moradia no imóvel. Conforme a lei substantiva
civil, caso o possuidor detenha título e boa fé, o prazo é reduzido de 15 para 10 anos, salvo, se o possuidor detinha título
expedido por Cartório e que foi anulado, pois reduzirá para 5 anos. A lei 6969/81 não foi totalmente recepcionada pela
CF/88, mas sim a parte que dispõe acerca das normas processuais para o reconhecimento da usucapião judicialmente.
Previu esta norma o foro como o da situação do imóvel, a adoção de rito sumaríssimo, com participação do Ministério
Público e possibilidade de realização de audiência preliminar em que, constatada a posse do requerente, seria ele nela
mantido liminarmente até final decisão.
Prova oral – 27º CPR: Fale sobre reforma agrária e quilombolas.

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8.c. Defesa do Estado e das instituições democráticas. Estado de defesa. Estado de sítio. Papel
constitucional das Forças Armadas.

A Constituição de 1988 trouxe dois grupos: um voltado para fornecer instrumentos (medidas excepcionais) para
manutenção ou restabelecimento da ordem em momentos de anormalidade, e, com isso, configurou o sistema
constitucional de crises, composto tanto pelo estado de defesa quanto pelo estado de sítio; assim como se preocupou
em institucionalizar a defesa do país por meio das forças armadas e da segurança pública. Em monografia
especializada, Aricê Moacyr Amaral Santos identificou que o sistema constitucional de crise é amparado por um conjunto
de princípios, com destaque para a excepcionalidade, a necessidade, a temporalidade, a obediência estrita à
Constituição e o controle político/judicial.
O estado de defesa é uma medida excepcional menos gravosa que o estado de sítio, decretada pelo Presidente
da República com posterior aprovação do Congresso Nacional, e que visa a restabelecer a normalidade em locais
restritos e determinados. São duas as suas hipóteses: (i) questão estrita do restabelecimento da normalidade, no que diz
respeito à ordem pública ou paz social ameaçada por grave instabilidade institucional no país; (ii) calamidade pública,
de grandes proporções na natureza. A determinação do estado de defesa tem seu ato de instauração por iniciativa e
titularidade do Presidente da República, que determina que sejam ouvidos o Conselho da República e o Conselho de
Defesa (manifestações meramente opinativas). Se o decretar, o ato deverá ser submetido ao Congresso em 24 hs (em
caso de recesso, deverá ser convocado em 5 dias para se reunir). Na sequência, o Parlamento terá 10 dias para votar a
medida, cuja aprovação requer maioria absoluta de seus membros. Se não aprovada, a medida tem de ser cessada
imediatamente, sob pena de o Presidente ser responsabilizado (crime de responsabilidade – impeachment). O estado de
defesa terá duração de no máximo 30 dias, que podem ser prorrogados por igual período. A prorrogação deverá ser
submetida ao Congresso. Não resolvida a situação, é possível a utilização do remédio mais gravoso (estado de sítio). O
estado de defesa não tem abrangência nacional, e, sim, restrita a logradouros especificados pelo decreto presidencial.
Poderá haver medidas restritivas de direito de (a) reunião; (b) sigilo de correspondência; (c) sigilo de comunicação
telegráfica e telefônica. Poderá haver, ainda, ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de
calamidade, bem como prisão por crime contra o Estado, determinada pelo executor da medida e que será por este
comunicada imediatamente ao juiz.
O estado de sítio, por sua vez, assume feição de maior gravidade. Estamos falando de situações (i) que
acarretam grave comoção nacional, (ii) conflito armado envolvendo um Estado estrangeiro, ou mesmo quando for
detectado (iii) que as medidas assumidas no estado de defesa se mostraram insuficientes ou inadequadas. A providência
é tão gravosa que, em regra, o Presidente dependerá de autorização prévia do Congresso. Veja-se o procedimento.
Após ouvir os Conselhos da República e de Defesa Nacional, que emitirão posição não vinculante, o Presidente enviará
solicitação fundamentada ao Congresso, para manifestar-se pela maioria absoluta de seus membros. O decreto
presidencial deverá trazer a duração do estado de sítio (no caso de comoção de grave repercussão nacional ou ocorrência
de fatos que comprovem a ineficácia das medidas tomadas durante o estado de defesa), as medidas necessárias à sua
execução e as garantias constitucionais que deverão estar suspensas. Após a publicação do decreto, o Presidente da
República irá designar o executor das medidas e as áreas abrangidas (é possível abrangência nacional). O prazo do
estado de sítio ante ineficácia do estado de defesa será de no máximo 30 dias, sempre prorrogáveis por no máximo 30
dias (quantas vezes forem necessárias). Toda prorrogação depende de autorização do Congresso. Na hipótese de guerra,
o estado de sítio poderá ter a duração do conflito. Certos direitos e garantias podem sofrer restrições, v.g., (a) obrigação
de permanência em localidade determinada; (b) detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por
crimes comuns; (c) restrições relativas à inviolabilidade de correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de
informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei; (d) suspensão de liberdade de reunião;
(e) busca e apreensão em domicílio; (f) intervenção nas empresas de serviços públicos; (g) requisição de bens. Apenas
no estado de sítio as imunidades parlamentares podem ser relativamente suspensas, observados os requisitos
constitucionais.
Sob o título de Forças Armadas se integram a Marinha, a Aeronáutica e o Exército, instituições nacionais,
regulares e de caráter permanente, destinadas à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa
de qualquer destes, da lei e da ordem. A organização militar tem por base a hierarquia e a disciplina, sob autoridade e
comando supremos do Presidente da República, que tem a atribuição constitucional de nomear seus comandantes, além
de promover os oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos. As punições disciplinares não estão
sujeitas a habeas corpus no que concerne aos aspectos materiais (de mérito), restringindo-se o cabimento do writ aos
questionamentos de natureza formal.
Prova oral – 27º CPR: 1) O rol dos órgãos de segurança pública é taxativo?

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9.a. Comunicação social. A imprensa na Constituição. Liberdades públicas, acesso à informação e
pluralismo.
Comunicação social: Segundo Uadi Lammêgo Bulos (apud Leo Van Holthe), comunicação, em sentido lato, é
toda forma de exteriorização do pensamento escrito ou oral. Em sentido estrito, porém, é o ato de emitir ideias, veiculadas
em jornais, revistas, rádios, televisões, dentre tantos instrumentos técnicos que propiciam a manifestação do pensamento,
quer através da criação e expressão, quer por intermédio da informação. O qualificativo social designa o meio pelo qual
a comunicação se veicula, isto é, através dos meios de informação de massa, atingindo pessoas indeterminadas e em
número ilimitado.
Há quem defina comunicação social como o ramo da comunicação que tem por objeto os meios de comunicação
de massa (também chamados de Mídia) principalmente o Jornalismo e a Comunicação Organizacional (Publicidade,
Propaganda, Relações Públicas, Comunicação de Marketing) de empresas e de organizações governamentais ou não
governamentais.
Para se ter uma ideia da importância da matéria, o legislador constituinte inseriu um capítulo específico para a
comunicação social, no qual pormenoriza garantias apontadas no art. 5º, quais sejam, as da liberdade de manifestação
do pensamento, da criação, da expressão e da informação (art. 220, caput), proibindo a edição de leis contendo embaraço
à liberdade de informação jornalística (art. 220, § 1º) e vedando qualquer censura política, ideológica e artística (art. 220,
§ 2º).
Nesse capítulo, se vê que a publicação em veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade
(art. 220, §6º). Por outro lado, os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagem deverão ser explorados diretamente
pela União ou mediante autorização, concessão ou permissão (arts. 21, XII, a, e 223).
A comunicação social também é orientada por uma série de princípios, dentre os quais se destacam: a) inexistência
de restrição: a manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou
veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto na CF. Isto significa que as restrições e limites só poderão
ser aqueles previstos na CF; b) plena liberdade de informação jornalística: nenhuma lei conterá dispositivo que possa
embaraçar a plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto
no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV, CF. Lembrar aqui que, em 17.06.2009, o STF derrubou a exigência de diploma para o
exercício da profissão de jornalista, entretanto, tramita no congresso um projeto de Lei prevendo a necessidade do diploma
para o exercício da profissão.
A imprensa na Constituição: Como já referido, a Constituição de 1988 reservou um capítulo específico para a
comunicação social (arts. 220 a 224). Ele trata de temas relevantes para a sociedade, ao disciplinar a liberdade de
expressão, a liberdade de imprensa, a censura, a propriedade das empresas jornalísticas e a livre concorrência.
Nesse contexto, a Constituição assegurou a mais ampla liberdade de manifestação do pensamento (arts. 5º, inciso
IV e 220). No que tange especificamente à liberdade de imprensa, a Constituição é expressa: “nenhuma lei conterá
dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de
comunicação social, observado o disposto no art. 5º, incisos IV, V, X, XIII e XIV” (art. 220, § 1º).
Registre-se que a liberdade de imprensa e a Democracia encontram-se em posição de reciprocidade. Onde houver
liberdade de imprensa haverá espaço favorável para o exercício e a consolidação do regime democrático. Ao reverso,
onde estiver estabelecido um regime democrático, ali a imprensa encontrará campo propício para sua atuação. Nutrem-
se, portanto, uma da outra, fortalecendo-se ambas em um processo contínuo, cujos benefícios serão colhidos pelo povo.
A Constituição de 1988 distingue censura de controle. A censura é um instrumento odioso utilizado pelos regimes
ditatoriais. Não é compatível, portanto, com o regime democrático.
Conhecedor dessa realidade, o constituinte de 1988 adotou posição firme na proibição de qualquer tipo de censura:
“é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou
licença” (art. 5º, inciso IX); “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” (art. 220, § 2º).
Logo, nenhuma espécie normativa reconhecida pelo Direito brasileiro poderá instituir a censura.
Se, por um lado, a Constituição proíbe a censura, por outro, admite a realização de certos tipos de controle dos
meios de comunicação e, especialmente, da televisão. Entre os principais, podem ser citados: a) o controle administrativo
(art. 21, inciso XVI); b) o controle judicial (art. 5º, inciso XXXV, e art. 223, § 5º); c) o controle realizado pelas próprias
emissoras ou autorregulação; d) o controle social (art. 224).
Principais classificações do direito de expressão. (i) Direito de informar, se informar, e ser informado: O §1º do
art. 220 da CF prevê o direito de informar; tem relação com o direito de “ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a
arte e o saber” (art. 206, II, da CF) e com o direito de antena, pois “através das ondas eletromagnéticas a pessoa humana
encontra uma nova possibilidade de repartir, partilhar e trocar informações” (Fiorillo:2004, p. 22). O direito de se informar
é pressuposto lógico do direito de informar, e tem previsão no art. 5º, XIV, da CF: “é assegurado a todos o acesso à
informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. O direito de ser informado se
refere ao dever do Estado de dar publicidade aos seus atos (art. 5º, XXXIII, art. 37, “caput”, e § 3º, II), e ao dever-poder
de informação que recai sobre os veículos de comunicação em atenção à sua função social. A função social dos veículos
de radiodifusão, direito difuso que pode ser objeto de ACP (Barbosa Moreira:1995, p. 45-56) tutelável pelo MP (art. 129,
III, da CF), e que pode afetar outros direitos de dimensão coletiva (meio ambiente cultural, art. 216 da CF), é
expressamente prevista no art. 221 da CF, que adotou o “fairness doctrine” (Supreme Court of the US:Red Lion
Broadcasting Co. v. FCC), alvo de tutela administrativa pela classificação indicativa (art. 220, § 3º, da CF). Entretanto, na
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ADI 2404, em 30/11/2011, houve quatro votos a favor da inconstitucionalidade da expressão "em horário diverso do
autorizado" do art. 254 do ECA, o que tornará a classificação indicativa meramente informativa. (ii) Direito de crônica,
crítica, de expressão de ideias, de expressão artística. Trata-se da “tradicional distinção das mensagens informativas em
fatos, opiniões e idéias, para os quais corresponderiam diferentes modalidades de liberdade de expressão: liberdade de
crônica, liberdade de crítica e liberdade de expressão de idéias” (Döring Pereira:2002, p. 15). A crônica consiste na
narrativa de fatos, sua tônica é a veracidade das informações, e o seu desvirtuamento característico consiste na
inidoneidade da informação, embora inexista obrigação de resultado: “não se considera que houve desobediência ao
critério da verdade, se demonstrado que o comunicador fez uso de todos os meios que estavam ao seu alcance para
difundir uma informação correta” (Edilsom Farias:2004, p. 92), admitindo-se a verdade putativa e o erro de boa-fé
(Pereira:2002, p. 99). Na liberdade de crítica há um “predomínio de ‘contextualização’ das informações e de valoração dos
dados de uma determinada realidade” (Idem, p. 236), sendo assegurado “ao jornalista, o direito de expender crítica, ainda
que desfavorável e em tom contundente, contra quaisquer pessoas ou autoridades [...] por mais dura que seja, [desde
que] revele-se inspirada pelo interesse público e decorra da prática de legítima de uma liberdade pública” (Celso de Mello:
ADPF 130-7/DF). Na liberdade de crítica, o ilícito decorre dos excessos e da inobservância de outros valores
constitucionais (v.g., racismo, injúria etc.): “publicações que extravasam, abusiva e criminosamente, o exercício ordinário
da liberdade de expressão e de comunicação, degradando-se ao nível primário do insulto, da ofensa e, sobretudo, do
estímulo à intolerância e ao ódio público, não merecem a dignidade da proteção constitucional [...] pois o direito à livre
expressão não pode compreender [...] exteriorizações revestidas de ilicitude penal ou de ilicitude civil” (Mello:ADPF 130-
7). A liberdade de expressão de ideias consiste em conteúdos mais abstratos: “concepções gerais, como teorias,
doutrinas, opiniões, não sobre o particular e concreto, mas precisamente sobre o não-particular e abstrato” (Pereira:2002,
p. 246), sua licitude apura-se pelo conteúdo, cuja abstração pode inclusive afetar uma coletividade de pessoas (causando
danos morais coletivos). O direito de expressão artística é voltado ao lazer e criação artística (Pereira:2002, p. 52), não
sendo dado ao Estado definir o que é arte, mas este direito não compreende o conteúdo obsceno (Supreme Court of the
US: Miller v. Califórnia).
Direito de resposta: é de um lado tutela específica dos direitos individuais, oriunda da “eficácia horizontal dos
direitos fundamentais nas relações entre particulares” (Celso de Mello:ADPF 130-7), que exige contraditório e ampla
defesa; e de outro é uma tutela do direito difuso de acesso à verdade (de ser informado), pois a informação inverídica que
afeta a coletividade pode ser corrigida por meio do direito de resposta.
Censura: trata-se do exame prévio e de caráter administrativo do conteúdo. Decisões judiciais não configuram
tecnicamente censura: “afirma-se, muitas vezes de forma categórica, que tendo a constituição estabelecido a proibição
de censura, não poderia a autoridade pública, no caso, órgão do Poder Judiciário, intervir para evitar a divulgação de
notícias ou obra artística lesiva aos direitos de personalidade de qualquer cidadão [...] Diante dos termos peremptórios
em que se encontra formulado o art. 5º, X, da Constituição – são invioláveis à intimidade, à vida privada, à honra e imagem
das pessoas [...] A referência que consta da parte final do dispositivo – assegurado o direito a indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação – somente pode dizer respeito aos casos em que não foi possível obstar a
divulgação ou a publicação da matéria lesiva aos direitos da personalidade" (Gilmar Mendes:1994, p. 297-301).
Colisão dos direitos fundamentais: “Alexy argumenta em favor de uma teoria que considera vários princípios
que, embora não possam ser rigidamente hierarquizados, podem ser colocados em ordem mediante uma relação de
prioridade “prima facie”. Ou seja, não é possível hierarquizar os princípios de modo a permitir a que se chegue a um único
resultado – ou se ter uma “ordem dura”-, mas é viável uma “ordem mole” [...] Admite-se, assim, que os princípios da
liberdade e da igualdade jurídicas têm uma prioridade prima facie” (Marinoni: 2010, p. 72). É por este motivo que, “quando,
por exemplo, o direito de liberdade de expressão colide com o direito à honra, já existe em favor do direito da liberdade
uma carga argumentativa implícita. Assim, caso a argumentação em favor do direito da personalidade não seja capaz de
demonstrar que o direito de liberdade deva ceder, isso não ocorrerá. Para que um princípio possa se sobrepor ao princípio
da liberdade é preciso uma argumentação mais forte do que a necessária para sustentá-lo” (Idem, p. 130).
Liberdade empresa jornalística: como não há democracia em uma economia planificada (sem mercado e
autonomia privada), e só há liberdade de expressão em uma democracia, a liberdade de expressão depende
necessariamente da garantia de liberdade de empresa jornalística, tutelada pela liberdade de associação; porém, a própria
CF limita esta liberdade ao dispor que a empresa jornalística e de radiodifusão sonora ou audiovisual compete
privativamente aos brasileiros natos, ou aos naturalizados há mais de dez anos, ou às pessoas jurídicas constituídas sob
as leis brasileiras com “pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de
radiodifusão [...] deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos” (art.
222, § 1º, da CF).
Relação entre liberdade de reunião e de expressão: consoante a ADI 4274 (j. em 23/11/2011), decidiu-se que
a “marcha da maconha” não pode ser considerado crime pelo art. 33, § 2º, da Lei de Drogas, pois seria afrontoso aos
direitos de reunião e de livre expressão do pensamento, previstos na Constituição Federal; outrossim, na ADPF 187 (j.
em 15/06/2011) já se havia estabelecido que o art. 287 do CP mereceria interpretação conforme a constituição.
Jurisprudência do STF: (1) ADPF 130-7/DF: não recepção “in totum” da Lei de Imprensa, porquanto a não
recepção dos seus institutos centrais descaracterizaria o microssistema; (2) RE 511961: dispensou o diploma para o
exercício profissional do jornalismo, aplicando o princípio da proporcionalidade; (3) RE 414426: a profissão de músico não
está condicionada ao prévio registro ou licença de entidade de classe, em razão do direito de expressão artística; (3) ADI
4274 e ADPF 187: liberdade de reunir e expressar-se pela abolição penal sem que configure alusão criminosa; (4) ADI
2404: classificação indicativa informativa (pendente de julgamento).
Esfera pública e discursividade: “O regime democrático é uma garantia geral à realização dos direitos humanos
fundamentais” (Afonso da Silva:2001, p. 237), inclusive a liberdade de expressão, mas esta também é ao mesmo tempo

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uma garantia recíproca da democracia: “[...] a locução liberdade de expressão e comunicação denota um direito
fundamental de dimensões subjetiva (garante a auto-realização da dignidade da pessoa humana) e institucional (assegura
a formação da opinião pública independente, o pluralismo político e o bom funcionamento do regime democrático)”
(Farias:2004, p. 17-18); “é convicção comum [...] que esse papel [papel político da imprensa] tem duas vertentes principais:
de um lado, subministrar aquele conjunto de informações acerca da coisa pública, em todos os seus aspectos, necessárias
para um responsável exercício dos direitos de cidadania, muito especialmente o de voto; e de outro, exercer constante
monitoramente do poder, isto é, atuar como fiscal permanente do governo” (Pereira:2002, p. 42).
Liberdade religiosa: “compreende três formas de expressão [...]: (a) liberdade de crença [...] mas também
compreende a liberdade de não aderir a religião alguma [...]. (b) liberdade de culto [...] na prática dos ritos, no culto, com
suas cerimônias, manifestações [...] na forma indicada pela religião escolhida [...]. (c) Liberdade de organização religiosa
[...] diz respeito à possibilidade de estabelecimento e organização das igrejas e suas relações com o Estado” (Silva:2001,
p. 251-254). Neste último aspecto, impende destacar a característica laica do Estado e a imunidade tributária como
garantia da liberdade religiosa. Resguarda-se o ensino fundamental religioso com matrícula facultativa (art. 210, § 1º)”.
Liberdade de associação: objeto do art. 5º, XVII até XXI, da CF. Conceito: “no dizer de Pontes de Miranda – ‘toda
coligação voluntária de algumas ou de muitas pessoas físicas, por tempo longo, com o intuito de alcançar algum fim (lícito),
sob direção unificante’ [...] Seus elementos são: base contratual, permanência (ao contrário da reunião), fim lícito [...] a
ausência de fim lucrativo não parece ser elemento da associação [...] inclui tanto as associações em sentido estrito ([...]
de fim não lucrativo) e as sociedades [...] contém quatro direitos: o de criar associação (e cooperativas), que não depende
de autorização; o de aderir a qualquer associação [...]; o de desligar-se [...]; o de dissolver espontaneamente a associação
[...] Duas garantias coletivas [...]: (a) veda-se a interferência estatal no funcionamento [...] (b) as associações só poderão
ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso,
trânsito em julgado [...] Há duas restrições expressas: [...] não seja para fins lícitos ou de caráter militar. E é aí que [...]
autoriza a dissolução por via judicial” (Silva:2001, p. 269-271).
O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou não recepcionada pela Constituição de 1988 a Lei de Imprensa (Lei
n. 5.250/67), que regulava a liberdade de manifestação do pensamento e de informação. Publicada em plena ditadura
militar, esta lei foi extirpada do ordenamento jurídico brasileiro em 2009. Eis a ementa da decisão do STF:
“Incompatibilidade material insuperável entre a Lei n° 5.250/67 e a Constituição de 1988. Impossibilidade de conciliação
que, sobre ser do tipo material ou de substância (vertical), contamina toda a Lei de Imprensa: a) quanto ao seu entrelace
de comandos, a serviço da prestidigitadora lógica de que para cada regra geral afirmativa da liberdade é aberto um leque
de exceções que praticamente tudo desfaz; b) quanto ao seu inescondível efeito prático de ir além de um simples projeto
de governo para alcançar a realização de um projeto de poder, este a se eternizar no tempo e a sufocar todo pensamento
crítico no País. São de todo imprestáveis as tentativas de conciliação hermenêutica da Lei 5.250/67 com a Constituição,
seja mediante expurgo puro e simples de destacados dispositivos da lei, seja mediante o emprego dessa refinada técnica
de controle de constitucionalidade que atende pelo nome de ‘interpretação conforme a Constituição’. Total procedência
da ADPF, para o efeito de declarar como não recepcionado pela Constituição de 1988 todo o conjunto de dispositivos da
Lei federal nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967” (ADPF 130/DF).
Em face da não recepção da Lei n. 5.250/67, inexiste, no Brasil, neste momento, uma lei que trate especificamente
da liberdade de imprensa. A falta da lei, contudo, não significa que esta liberdade esteja comprometida, já que amplamente
assegurada pela Constituição Federal.
O STF, recentemente, na ADI 4815 (j. 10.06.2015), por unanimidade, afastou a exigência de autorização prévia
para biografias. A relatora, ministra Cármen, Lúcia destacou que a Constituição prevê, nos casos de violação da
privacidade, da intimidade, da honra e da imagem, a reparação indenizatória, e proíbe “toda e qualquer censura de
natureza política, ideológica e artística”. Assim, uma regra infraconstitucional (o Código Civil) não pode abolir o direito de
expressão e criação de obras literárias. “Não é proibindo, recolhendo obras ou impedindo sua circulação, calando-se a
palavra e amordaçando a história que se consegue cumprir a Constituição”, afirmou. “A norma infraconstitucional não
pode amesquinhar preceitos constitucionais, impondo restrições ao exercício de liberdades”. O ministro Luís Roberto
Barroso destacou que o caso envolve uma tensão entre a liberdade de expressão e o direito à informação, de um lado, e
os direitos da personalidade (privacidade, imagem e honra), do outro – e, no caso, o Código Civil ponderou essa tensão
em desfavor da liberdade de expressão, que tem posição preferencial dentro do sistema constitucional. Essa posição
decorre tanto do texto constitucional como pelo histórico brasileiro de censura a jornais, revistas e obras artísticas, que
perdurou até a última ditadura militar. Barroso ressaltou, porém, que os direitos do biografado não ficarão desprotegidos:
qualquer sanção pelo uso abusivo da liberdade de expressão deverá dar preferência aos mecanismos de reparação a
posteriori, como a retificação, o direito de resposta, a indenização e até mesmo, em último caso, a responsabilização
penal.
Liberdades públicas, acesso à informação e pluralismo: Além dos direitos fundamentais, a Constituição de 88
garantiu com vigor as liberdades públicas, que são pressupostos diretos para o estabelecimento e funcionamento da
democracia, como as liberdades de expressão, de associação e o direito à informação.
Segundo Daniel Sarmento, a liberdade de expressão há de ser entendida como gênero, ou “direito-mãe”, de forma
a abranger todas as liberdades comunicativas que lhe são correlatas, como liberdade de imprensa, liberdade de
manifestação do pensamento, direito à informação, etc.
A liberdade de expressão e a igualdade são direitos essenciais para a proteção de todos os direitos humanos. O
pluralismo e a diversidade são marcas da liberdade de expressão, pois a efetivação da liberdade de expressão torna
possível o debate de interesse publico vibrante, o direito de todos a serem ouvidos, falarem e participarem da vida política,
artística e social, o que, consequentemente, mantém o pluralismo e a diversidade vivos. O pluralismo é condição e
consequência da liberdade, e o pluralismo não deve medir-se apenas pela variedade de comentários e opiniões, deve
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também traduzir-se em pluralismos de olhares jornalísticos, em pluralismo de agendas midiáticas, em pluralismo de
abordagens.
Ao Estado incumbe a função de efetivar medidas positivas que promovam a diversidade e o pluralismo. Porém,
existe a possibilidade de o Estado realizar abusos, de modo que fica evidente que estruturas democráticas sólidas são
imprescindíveis para a realização mais plena dos objetivos do pluralismo e da diversidade, bem como da prevenção de
abusos.
Desse modo, pode-se concluir que não há liberdade sem acesso à informação. Não há boa informação sem
liberdade. Um mundo de homens livres é um mundo de homens informados que fazem as suas opções em consciência,
não na ignorância. Um mundo de livre acesso à informação é um mundo onde se considera que o pluralismo é a condição
natural do ser humano, e que é a sua riqueza, por derivar do seu caráter único.
Thomas Jefferson, um dos fundadores dos Estados Unidos e que era muito crítico da qualidade dos jornais, disse
certa vez que se tivesse de decidir entre ter um governo sem jornais ou jornais sem governo, não vacilaria em preferir o
último. E disse-o porque sabia que o bom governo só existe quando está sob pressão da opinião pública bem informada.
Questão objetiva – 26 CPR – Para o STF, a proibição de tratamento caricatural e humorístico a candidatos
a cargos eletivos no período eleitoral, não constitui ofensa à liberdade de imprensa. Assertiva incorreta.
Questão subjetiva – 28 CPR – Liberdade de expressão. Dimensão subjetiva, objetiva e instrumental.

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9.b. Norma jurídica e enunciado normativo. Características da norma jurídica.
Norma jurídica e enunciado normativo. “Enunciado normativo corresponde a uma proposição jurídica no papel,
a uma expressão linguística, a um discurso prescritivo que se extrai de um ou mais dispositivos. Enunciado normativo é
o texto ainda por interpretar. Já a norma é o produto da incidência do enunciado normativo sobre os fatos da causa, fruto
da interação entre texto e realidade. Da aplicação do enunciado normativo à situação da vida objeto de apreciação é que
surge a norma” (Roberto Barroso: 2009, p. 194). O Edital utilizou o termo “enunciado normativo” como equivalente a “texto
legal”, dito isto, “norma jurídica é a significação que obtemos a partir da leitura dos textos do direito positivo. Trata-se de
algo que se produz em nossa mente [...] Por analogia aos símbolos linguísticos quaisquer podemos dizer que o texto
escrito está para a norma jurídica tal qual o vocábulo está para sua significação. Nas duas situações, encontraremos o
suporte físico que se refere algum objeto do mundo (significado) do qual extratamos um conceito ou juízo (significação)
[...] a norma é um juízo hipotético-condicional (se ocorrer o fato X, então deve ser a prestação Y)” (Barros Carvalho:2007,
p. 8-9). Segundo a concepção clássica, “a norma funciona como esquema de interpretação [...].
O texto não pode ser dissociado do contexto. Na aplicação e interpretação, tudo se dá no mesmo âmbito, em que
se conhece e interpreta, conforme o neoconstitucionalismo – norma jurídica é enunciado interpretado, tendo em vista que
todo processo de contextualização, já vai ter sido interpretado.

A teoria da norma, para o positivismo jurídico, se baseia na Teoria Coativa do Direito, em que o direito é um
conjunto de normas coativas; na Teoria da Lei como Fonte do Direito, que tem a lei como fonte hierarquicamente superior
às demais, recebendo a qualificação jurídica; e, por fim, a Teoria Imperativa da Norma Jurídica, em que a norma jurídica
tem a estrutura de um comando, proveniente de alguém investido de autoridade e destinado a impor-se de modo
subordinante, sob pena de sanção. A Teoria do Ordenamento Jurídico defende a coerência e completude das normas
jurídicas, visando conferir unidade, com uma unidade formal, e em caso de conflitos deve uniformizar por meio dos critérios
de hierarquia, cronologia e especialidade (regras).

Enunciado ou proposição normativa é um enunciado descritivo que se refere a uma ou várias normas jurídicas.
Enquanto as normas são expressões de uma linguagem (prescritiva), qualificando-se de justas ou de injustas, eficazes
ou ineficazes, as proposições normativas são meras descrições; uma metalinguagem, qualificando-se de verdadeiras ou
falsas.

Kelsen também distinguia proposições ou enunciados de normas jurídicas. Nas proposições ou enunciados, a
ciência jurídica descreve as relações constituídas através das normas jurídicas entre os fatos por ela determinados. As
proposições jurídicas são juízos hipotéticos, que enunciam ou traduzem que devem intervir certas consequências fixadas
pelo ordenamento. As normas jurídicas não são juízos, porque não são enunciados sobre um objeto dado ao
conhecimento. São mandamentos. Só mandamentos, e, como tais, são comandos, são imperativas. Mas não são apenas
comandos, não são apenas imperativos. Elas também traduzem permissões, atribuições de poder e/ou competência. As
normas jurídicas, para Kelsen, são produzidas por órgãos jurídicos, a fim de por eles serem aplicadas e serem observadas
pelos destinatários do direito. Essa produção de normas jurídicas não é apenas monopólio do Legislador. O juiz produz
norma de decisão.
Qual a importância dessa distinção? Qual a sua razão? Ela vai realçar papéis da ciência jurídica e dos órgãos
jurídicos (ordem jurídica). A ciência jurídica tem por missão conhecer de fora o direito e descrevê-lo com base no seu
conhecimento. Os órgãos jurídicos têm autoridade jurídica e, em razão desta, eles têm por missão produzir o
direito. Ciência jurídica visa conhecer o direito, ao passo que os órgãos jurídicos têm por missão produzir o direito para
que ele possa ser conhecido e discutido pela ciência jurídica. Então, Kelsen identifica o dever-ser da norma jurídica como
sentido prescritivo e o dever-ser das proposições jurídicas como sentido descritivo. A normas jurídicas traduzem comando
e as proposições jurídicas têm a função de conhecer o direito de fora e, por isso, tem sentido descritivo. Segundo a
concepção clássica, “a norma funciona como esquema de interpretação [...] Com o termo ‘norma’ se quer significar que
algo deve ser ou acontecer, especialmente que um homem se deve conduzir de determinada maneira [...]” (Kelsen:2000,
p. 4-6)
Herbert Hart considera a visão de Kelsen como limitada àqueles enunciados que preveem sanção, contemplando
o direito exclusivamente do ponto de vista de descumprimento da lei, esquecendo que o normal é que estas sejam
cumpridas espontaneamente. Ademais, no ordenamento jurídico existe um importante número de normas que não
preveem sanção. Nem todos os enunciados que compõem o direito tem esta mesma estrutura, existindo outros que
conferem autorizações ou ordens. Existem dois tipos de regra: (i) o tipo básico ou primário que prescreve que os seres
humanos façam ou omitam certas ações, impondo deveres. As regras do outro tipo (ii) são as secundárias, que
estabelecem que os seres humanos podem extinguir ou modificar regras anteriores, ou determinar de diversas maneiras
o efeito delas, ou controlar sua atuação. Conferem faculdades, públicas ou privadas. Dentre as regras secundárias, para
Hart, destacam-se as regras de conhecimento, as regras de alteração e as regras de julgamento. A regra de conhecimento
criaria um critério formal (critério da fonte) para decidir quando uma regra é válida e obrigatória ou não. A regra de
alteração definiria o procedimento e as pessoas competentes para criar novas regras e revogar as antigas. Por fim, a
regra de julgamento ou aplicação definiria as pessoas dotadas de autoridade e responsáveis por julgar controvérsias entre
membros da comunidade, bem como do poder de imporem suas decisões, se necessário, mediante o uso de uma coerção
organizada, limitada e regulada. Para Hart, as regras secundárias (conhecimento, alteração e julgamento) resolveriam os
três problemas (incerteza, caráter estático e ineficácia das regras) das comunidades que se tornaram grandes e
complexas demais para serem reguladas apenas por regras primárias. (COELHO, 2011).

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Realidade dúplice das normas: Hodiernamente, a norma é vista sob uma realidade dúplice: “Alexy afirma que os
princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas
e fáticas existentes, ao passo que as regras são normas que podem ser cumpridas ou não, uma vez que, se uma regra é
valida, há de ser feito exatamente o que ela exige [...] Os princípios apresentam razões que podem ser superadas por
razões opostas. A realização dos princípios depende das possibilidades jurídicas e fáticas, que são condicionadas pelos
princípios opostos, e assim exigem consideração dos pesos dos princípios em colisão segundo as circunstâncias do caso
concreto” (Marinoni: 2010, p. 49-50); “em suma, os princípios são mandados de otimização que se caracterizam pelo fato
de poderem ser cumpridos proporcionalmente às condições reais e jurídicas existentes” (Edilsom Farias:2004, p. 48).
Ronald Dworkin considera que o direito não é composto unicamente por normas, mas também e,
fundamentalmente, por princípios. Rafael Simioni observa que, para Dworkin, “Os princípios abrangem tanto os princípios
morais quanto os objetivos políticos do governo. Assim, dentro do gênero princípios, Dworkin (1978) observa inicialmente
que existem duas espécies muito importantes na prática das decisões judiciais e que são bastante recorrentes nas
decisões sobre casos difíceis: o uso de argumentos baseados em princípios morais e o uso de argumentos baseados na
conformidade da decisão com os objetivos das políticas públicas do governo – que Dworkin (1978, p. 22) chama de
policies.” (p. 208). Portanto, “Ao contrário de Castanheira Neves, Alexy (1993) e outros, os princípios, em Dworkin, não
são espécies do gênero norma. Os princípios são questões de fundamento e não precisam estar necessariamente
positivados em leis – ou em precedentes, para o caso do common law.” (p. 206).

Características da norma jurídica. As normas jurídicas possuem as seguintes características:


• Bilateralidade: essa característica tem relação com a própria estrutura da norma, pois, normalmente, a norma é
dirigida a duas partes, sendo que uma parte tem o dever jurídico, ou seja, deverá exercer determinada conduta em favor
de outra, enquanto que, essa outra, tem o direito subjetivo, ou seja, a norma concede a possibilidade de agir diante da
outra parte. Uma parte, então, teria um direito fixado pela norma e a outra uma obrigação, decorrente do direito que foi
concedido.
• Generalidade: é a característica relacionada ao fato da norma valer para qualquer um, sem distinção de qualquer
natureza. Ela obriga a todos que se achem em igual situação jurídica. Essa característica consagra um dos princípios
basilares do Direito: igualdade de todos perante a lei.
• Abstratividade: a norma não foi criada para regular uma situação concreta, mas para regular de forma abstrata,
abrangendo o maior número possível de casos semelhantes. A norma vai tão somente formular os modelos de situação,
com as características fundamentais, sem mencionar as particularidades de cada caso.
• Imperatividade: a norma, para ser cumprida e observada por todos, deverá ser imperativa, ou seja, impor aos
destinatários a obrigação de obedecer. É obrigatória. Não depende da vontade dos indivíduos. Norma não é conselho,
mas ordem a ser seguida. a) são cogentes as normas que excluem “qualquer arbítrio individual. São aplicadas ainda que
pessoas eventualmente beneficiadas não desejasse delas valer-se” (Venosa:2010, p. 13), não podendo ser derrogadas
pela vontade das partes; (b) as normas dispositivas podem ser permissivas, quando delegam aos beneficiados o
regramento integral da questão por convenção particular; ou supletivas em relação a eventual omissão das partes, caso
em que estas normas assumirão caráter de obrigatoriedade, como que reproduzindo uma vontade presumida em razão
da omissão. Obs.: (1) a distinção por vezes depende da objetividade jurídica; (2) uma das características do fenômeno da
publicização do direito civil refere-se à imperatividade.

• Coercibilidade: possibilidade do uso da força para garantir o cumprimento da norma. Essa força pode se dar
mediante coação, que atua na esfera psicológica, desestimulando o indivíduo a descumprir a norma, ou por sanção
(penalidade), que é o resultado do efetivo descumprimento. Pode-se dizer que a Ordem Jurídica também estimula o
cumprimento da norma pelas sanções premiais. Essas sanções seriam a concessão de um benefício ao indivíduo que
respeitou determinada norma.
Classificação quanto à sanção ou autorizamento: (a) são perfeitas as normas que importam em sanção de
nulidade ou de anulação do ato jurídico; (b) são mais que perfeitas quando estabelecem tanto a nulidade absoluta ou
relativa (que possibilitam o retorno ao “status quo ante”), como importam em aplicação de pena ao infrator, como é o caso
dos ilícitos civis que constituem infração penal; (c) menos que perfeitas “são as que autorizam, na sua violação, a aplicação
de uma sanção ao violador, mas não a nulidade do ato” (Gagliano e Pamplona:2004, p. 15); (d) as leis imperfeitas
“prescrevem uma conduta sem impor sanção. Não existe nulidade para o ato, nem qualquer punição [...] exemplo é o das
dívidas prescritas e de jogo (obrigações naturais). Essas dívidas devem ser pagas, porém o ordenamento não concede
meio jurídico de obrigar o pagamento” (Venosa:2010, p. 15). Obs.: O art. 166, VII, do CC, estabelece hipótese de nulidade
virtual quando a lei “proibir-lhe a prática, sem cominar sanção”.

54
9.c. Segurança Pública na Constituição. O papel das instituições policiais.

Segurança pública é a manutenção da ordem pública interna do Estado. A ordem pública interna é o inverso da
desordem, do caos, desarmonia social. Ao contrário das Cartas anteriores4, a Constituição de 1988 lhe destinou capítulo
específico (art. 144), em que a consta como “dever do Estado” e como “direito e responsabilidade de todos”, com finalidade
na “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”.
Por essa razão, as políticas públicas de segurança pública deve se harmonizar com o princípio republicano e
democrático, com os direitos fundamentais e com a dignidade da pessoa humana. O art. 5º, caput, da CRFB eleva a
segurança à condição de direito fundamental, que, como os demais listados, devem ser universal,5 igual, não seletivo e
não sujeitos ao retrocesso social; e passível de atuação jurisdicional nas políticas públicas de segurança. É implementada
por meio da polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpo de
bombeiros.
Desde o contratualismo dos séculos XVII e XVIII, preservar a “ordem pública” e a “incolumidade das pessoas e do
patrimônio” é a função primordial que justifica a própria instituição do poder estatal. Na Era Moderna, a segurança era o
elemento mais básico de legitimação do Estado, o mínimo que se esperava da política. Na retórica novecentista do laissez
faire, a segurança chegava a ser concebida como a única função do Estado “guarda-noturno” (Estado “Gendarme”). O
Estado Social não só mantém a preocupação central com a segurança pública, como amplia o seu escopo, concebendo
– a como “segurança social” contra os infortúnios da própria economia de mercado.
Atividades policiais: O texto constitucional de 1988 faz referência a seis modalidades, nas respectivas funções:
a) a polícia ostensiva: prevenir e de reprimir de forma imediata a prática de delitos6; b) a polícia de investigação: realiza
investigação criminal7; c) polícia judiciária: executar as diligências solicitadas pelos órgãos judiciais; d) polícia de fronteiras,
marítima, aeroportuária: controle do fluxo de pessoas e de bens.8
Órgãos: plano federal: a) a Polícia Federal9, b) a Polícia Rodoviária Federal e c) a Polícia Ferroviária Federal10;
Estadual: Polícia Civil, Polícia Militar e Corpos de bombeiros militares (incêndios e defesa civil).
Rol de órgãos policiais: o rol do art. 144 é taxativo. Aos Estados é vedado atribuir função policial, por exemplo,
ao departamento policial ou criar polícia penitenciária.11 As polícias militares e o corpos de bombeiros militares são forças
auxiliares e reserva do Exército, sendo subordinados, juntamente com a polícias civis, aos Governadores dos Estados,
do DF e dos Territórios, aos quais compete a direção administrativa, financeira e funcional da polícia.
Limitação das Forças Armadas: A Constituição não prevê sua participação. Segundo Alexandre de Moraes, a
multiplicidade dos órgãos de defesa da segurança pública, pela nova Constituição, teve dupla finalidade: atendimento aos
reclamos sociais e a redução da possibilidade de intervenção das Forças Armadas na segurança interna. Pela
interpretação sistemática dos arts. 142 e 144 e outros dispositivos, conclui-se que a atuação das Forças Armadas nas
políticas de segurança está limitada às seguintes circunstâncias excepcionais: a) estado de defesa (art. 136); b) estado
de sítio (art. 137); c) intervenção federal(art. 34, III); d) realização de investigações criminais no âmbito de inquérito policial
militar (artigos 7º e 8º, b, do Código de Processo Penal Militar (CPPM); e) operações de policiamento ostensivo no
interesse nacional, em casos de visitas de chefes de estados estrangeiros(no art. 5º do Decreto nº 3.897/2001)12; f) ações
de policiamento ostensivo por solicitação do Governador de Estado, quando os meios no Estado se mostrarem

4
Constituições de 1891 e 1824 eram omissas. As Constituições de 1934, no seu art. 159 e a de 1937, no seu Art. 162, especificavam o seguinte: "Todas as questões relativas à
Segurança Nacional serão estudadas e coordenadas pelo Conselho Superior de Segurança Nacional e pelos órgãos especiais criados para atender às necessidades da mobilização..
A Constituição de 1946, no seu Art. 179 especificava que: "Os problemas relativos à defesa do país serão estudados pelo Conselho de Segurança Nacional pelos órgãos especiais
das Forças Armadas incumbidos de prepará-las para a mobilização e as operações militares.". A Constituição de 1967, Art. 89 e a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, Art. 86
dizia que: "Toda pessoa natural ou jurídica é responsável pela Segurança Nacional, nos limites definidos em lei”.

5
Por ser um serviço universal, inespecífico e indivisível, seu financiamento deve ser por impostos, não por taxas (ADI nº 2.424- STF).

6
A atividade de polícia ostensiva é desempenhada, em geral, pelas polícias militares estaduais (CF, art. 144, §5º)Mas o patrulhamento ostensivo das rodovias e ferrovias federais
deve ser realizado, respectivamente, pela Polícia Rodoviária Federal (art. 144, §2º) e pela Polícia Ferroviária Federal (art. 144, §3º).

7
A função é confiada às polícias civis estaduais e à Polícia Federal, no que se refere aos crimes comuns (art. 144, §1º, I, e §4º). 20 Todas exercidas pela Polícia Federal.

8
Todas exercidas pela Polícia Federal.

9
“Art. 144 § 1º: A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I - apurar infrações penais
contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja
prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III - exercer as funções de polícia marítima,
aeroportuária e de fronteiras; IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.”(Para ELA WIECKO a polícia estadual não pode investigar crime federal, mas
o contrário é possível – vide questão 113 da prova objetiva do 24CPR)

10
Patrulhamento ostensivo de rodovias e ferrovias federais, respectivamente.

11
STF: ADI nº 1.182, Rel. Min. Eros Grau, DJ 10 03. 2006; ADI nº 236, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 01.06 2001. No entanto, isso não impede os Estados de instituírem órgão
de coordenação de políticas de segurança.

12
“Art. 5º- O emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, que deverá ser episódico, em área previamente definida e ter a menor duração possível, abrange,
ademais da hipótese objeto dos arts. 3º e 4º, outras em que se presuma ser possível a perturbação da ordem, tais como as relativas a eventos oficiais ou públicos, particularmente os
que contem com a participação de Chefe de Estado, ou de Governo, estrangeiro, e à realização de pleitos eleitorais, nesse caso quando solicitado. Parágrafo único. Nas situações
de que trata este artigo, as Forças Armadas atuarão em articulação com as autoridades locais, adotando-se, inclusive, o procedimento previsto no art. 4º.”

55
indisponíveis, inexistentes ou insuficientes (LC nº 97/1999, art. 15, §2)º13. Destinação constitucional principal: a defesa da
soberania territorial, e de forma subsidiária, a defesa da lei e da ordem.
Guardas municipais:. Não são órgãos policiais. Possuem a função de guarda patrimonial, destinam-se à proteção
dos bens, serviços e instalações dos Municípios sem a possibilidade de exercício das funções de polícia ostensiva ou
judiciária. Além dessa prerrogativa, os municípios podem atuar na segurança pública por meio de restrições
administrativas: horário de fechamento de bares e restaurantes ou espaços de venda de bebidas alcoólicas, por exemplo.
Segurança viária: A EC 82/2014 incluiu o §10 no artigo 144, dispondo que: “§ 10. A segurança viária, exercida
para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas: I -
compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem
ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente; e II - compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na
forma da lei.” A expressão “segurança viária” refere-se ao conjunto de ações destinadas a proteger a integridade física e
patrimonial das pessoas que utilizam as vias públicas.
Participação popular: por ser “direito e responsabilidade de todos”, a sociedade pode participar na formulação e
no controle da gestão das políticas de segurança. É o que acontece, por exemplo, nos conselhos de segurança pública.
O tema no Supremo: “O direito a segurança é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a
implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o
efetivo acesso a tal serviço. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente,
de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder
discricionário do Poder Executivo.” (RE 559.646-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 7-6-2011, Segunda Turma,
DJE de 24-6-2011);
“Lei 18.721/2010 do Estado de Minas Gerais, que dispõe sobre o fornecimento de informações por concessionária
de telefonia fixa e móvel para fins de segurança pública. Competência privativa da União para legislar sobre
telecomunicações. Violação ao art. 22, IV, da Constituição. Precedentes." (ADI 4.401-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes,
julgamento em 23-6- 2010, Plenário, DJE de 1º-10-2010). Vide: ADI 4.369-MC-REF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento
em 23-6-2010,Plenário, DJE de 4-5-2011.
Órgão Policial do Senado brasileiro: com as a seguintes atribuições: a segurança do Presidente do Senado
Federal, em qualquer localidade do território nacional e no exterior; a segurança dos Senadores e autoridades brasileiras
e estrangeiras, nas dependências sob a responsabilidade do Senado Federal; a segurança dos Senadores e de servidores
em qualquer localidade do território nacional e no exterior, quando determinado pelo Presidente do Senado Federal; o
policiamento nas dependências do Senado Federal; o apoio à Corregedoria do Senado Federal; as de revista, busca e
apreensão; as de inteligência; as de registro e de administração inerentes à Polícia; as de investigação e de inquérito.
Órgão da Câmara dos Deputados: responsável por exercer as funções de polícia judiciária e apuração de
infrações penais, com exclusão das que mantiverem relação de subsidiariedade, conexão ou continência com outra
cometida fora das dependências da Câmara dos Deputados, além das atividades de polícia ostensiva e preservação da
ordem e do patrimônio, nos edifícios da Câmara dos Deputados e em suas dependências externas; efetuar a segurança
do Presidente da Câmara dos Deputados em qualquer localidade do território nacional e no exterior; efetuar a segurança
dos Deputados Federais, servidores e quaisquer pessoas que eventualmente estiverem a serviço da Câmara dos
Deputados, em qualquer localidade do território nacional e no exterior, quando assim determinado pelo Presidente da
Câmara dos Deputados; atuar como órgão de apoio à Corregedoria da Câmara dos Deputados, sempre que solicitado;
planejar, coordenar e executar planos de segurança física dos Deputados Federais e demais autoridades que estiverem
nas dependências da Câmara dos Deputados.
Força Nacional de Segurança Pública (FNSP): criada em 2004 e localizada no entorno do Distrito Federal, no
município de Luziânia, é um programa de cooperação de Segurança Pública brasileiro, coordenado pela Secretaria
Nacional de Segurança Pública (SENASP), do Ministério da Justiça (MJ). É um órgão que foi criado durante a gestão do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, idealizado pelo Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos.
Polícia das Forças Armadas: Polícia do Exército (Brasil), Polícia da Aeronáutica e Companhia de Polícia do
Batalhão Naval. Polícia do Exército (PE) - constituída de unidades de infantaria às quais compete assegurar o respeito à
Lei e ordem, bem como o cumprimento dos regulamentos militares. Polícia da Aeronáutica (PA) - integra os Batalhões de
Infantaria da Aeronáutica Especiais (BINFAE) e possui as mesmas atribuições da Polícia do Exército no âmbito da Força
Aérea Brasileira. Companhia de Polícia do Batalhão Naval - Exerce as mesmas atribuições das organizações policiais do
Exército e da Força Aérea no âmbito da Marinha de Guerra.

13
“§ 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em
ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art.
144 da Constituição Federal.” Essa hipótese tem sua constitucionalidade questionada por alguns juristas. Segundo Barroso (2007) a atuação das Forças Armadas nas ações
de segurança deve ser interpretada de forma restritiva. A LC 97/1999, art. 15, não prevê o controle pelo Poder Legislativa, tal como para os casos os casos de estado de
defesa, estado de sítio e intervenção federal. Por essa razão, significa permitir medidas excepcionais sem observâncias de restrições constitucionais definidas e sem adoção
de veículos formais adequados.( BARROSO, Luís Roberto. Forças Armadas e ações de segurança pública: possibilidades e limites à luz da Constituição, Revista de Direito do
Estado, v.2 n. 7, 2007). O Ministro Lewandowski (2004,pag.4), quando então desembargador do TJ/SP, em entrevista, disse que o emprego das Forças Armadas deve se limitar
às hipóteses de decretação de estado de defesa, estado de sítio e intervenção federal: “A utilização das Forças Armadas para combater a violência urbana, em caráter
permanente, é, portanto, inconstitucional, embora seja lícito o seu emprego temporário e limitado, em situações de emergência, claramente caracterizadas. A decisão,
entretanto, subordina-se ao prudente arbítrio do Presidente da República, que deverá buscar o respaldo do Legislativo, assim que possível, sob pena de incorrer em crime de
responsabilidade. (...) Não se pode esquecer que a função primordial da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, segundo o texto constitucional, é assegurar a defesa da Pátria.
A rigor, só quando os órgãos constitucionalmente responsáveis pela preservação da lei e da ordem entrarem em colapso é que as Forças Armadas poderão incumbir-se da
tarefa”. (Forças Armadas no combate à violência, RT Informa, n. 31, maio-jun., 2004, p.4).

56
Lei n.° 13.060/2014: disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança
pública. Âmbito federal: tema já era tratado, de forma mais detalhada, pela Portaria Interministerial 4226/2010, que
vinculava o Departamento de Polícia Federal, o Departamento de Polícia Rodoviária Federal, o Departamento
Penitenciário Nacional e a Força Nacional de Segurança Pública. Algumas das regras da portaria passaram ao status de
lei, valendo para todos os órgãos de segurança pública do país, incluindo polícias civis e militares dos Estados-membros.

O uso subsidiário e moderado da força por órgãos de segurança pública é também tratado nos seguintes
documentos internacionais: I) Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotado pela
Assembleia Geral das Nações Unidas na sua Resolução 34/169, de 17 de dezembro de 1979; II) Princípios orientadores
para a Aplicação Efetiva do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pelo
Conselho Econômico e Social das Nações Unidas na sua resolução 1989/61, de 24 de maio de 1989; III) Princípios
Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pelo
Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em
Havana, Cuba, de 27 de Agosto a 7 de setembro de 1999; IV) Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas
Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em sua XL Sessão, realizada
em Nova York em 10 de dezembro de 1984 e promulgada pelo Decreto nº 40, de 15 de fevereiro de 1991.

Principal regra da Lei 13.060/2014: uso prioritário de instrumentos de menor potencial ofensivo (IMPO). Art. 2o.

Vedação do uso de arma de fogo: Não é legítimo o uso de arma de fogo: I - contra pessoa em fuga que esteja
desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros;
e II - contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou
lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros (art. 2o, p.u.).

57
10.a. Interpretação constitucional. Métodos e princípios de hermenêutica constitucional.

As regras hermenêuticas tradicionais (Savigny) aplicar-se-iam nos “casos fáceis”, em que a resposta pode ser
encontrada por meio de ato cognitivo pela subsunção, utilizando-se dos cânones gramatical, sistemático, histórico,
genético e teleológico.

1) Meio gramatical: o primeiro ao qual se recorre. Leva em conta o sentido das palavras (via de regra, seu
sentido ordinário; em alguns casos, seu sentido técnico/científico).
2) Meio sistemático: leva em conta o ordenamento jurídico como um todo, partindo da premissa de que ele é
harmônico e lógico. Ex.: “quem pode mais, pode menos”.
3) Meio histórico: intenção do legislador ao elaborar a lei.
4) Meio teleológico: Busca a intenção, a finalidade da lei.

Já os “casos difíceis” envolvem normas de conteúdo “aberto” ou princípios antagônicos, de modo que pode haver
respostas diferentes para o mesmo caso. Assim, além das regras tradicionais, aplicar-se-iam também critérios específicos
da interpretação constitucional, não aplicáveis à interpretação jurídica em geral. Mesmo no âmbito da dogmática
tradicional, já havia critérios específicos da interpretação constitucional: supremacia da constituição, presunção de
constitucionalidade, interpretação conforme, unidade, razoabilidade/proporcionalidade, máxima eficácia/efetividade.
Hermenêutica Constitucional ou Nova Hermenêutica: É uma nova forma de entender e prever a interpretação do
direito para além da hermenêutica clássica, criada na época da primazia do Código Civil e quando a sociedade era mais
homogênea. A nova hermenêutica é consequência da jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão e um dos
precursores da nova hermenêutica constitucional foi Konrad Hesse. No Brasil, Canotilho, Paulo Bonavides, Barroso.
A “nova hermenêutica” propõe também outros critérios específicos:

1) conceitos jurídicos indeterminados – expressões abertas com início de significação a ser complementado pelo
intérprete;
2) normatividade dos princípios – normas que consagram valores ou fins públicos, ou que indicam estados ideais
realizáveis por meio de variáveis condutas. São mandados de otimização, devendo ser aplicados na maior intensidade
possível. Podem ter (a) eficácia direta – positiva, simétrica, quando se aplica sobre os fatos à semelhança de uma regra;
(b) eficácia interpretativa – para fixar a correta interpretação das normas em geral; (c) eficácia negativa – invalidade da
interpretação contrária;
3) colisões entre normas constitucionais – o intérprete cria a norma jurídica para a resolução do caso a partir dos
dados fáticos e das balizas normativas por meio de ponderação, em que fará concessões recíprocas – concordância
prática – procurando preservar ao máximo o conteúdo dos interesses em conflito; ou, no limite, escolherá qual prevalecerá
no caso, à luz da razoabilidade (que normalmente é um “instrumento para a medida”, a par de às vezes fornecer um
critério material). Esquema da ponderação: (a) Selecionar as normas relevantes e identificar eventuais conflitos; (b)
examinar os fatos e sua interação com os elementos normativos; (c) ponderar os pesos a serem atribuídos aos elementos
normativos e fáticos envolvidos para decidir qual grupo de normas deve prevalecer no caso e, se for possível, graduar a
intensidade da solução escolhida. A ponderação é vista como integrante da proporcionalidade ou como princípio
autônomo;
4) argumentação jurídica – quando é feita ponderação, aumenta-se a exigência de rigor na argumentação
(justificação), segundo uma “razão prática”, ou seja, a argumentação deve ser racional levando-se em conta o caso
concreto a ser resolvido. Para tanto, deve o intérprete: (a) fundamentar-se em norma jurídica; (b) manter a integridade do
sistema (poder generalizar a norma criada para casos equiparáveis); (c) considerar as consequências práticas no mundo
fenomênico (Barroso, 2010).

Neste contexto, os métodos de interpretação constitucional são:

1) método jurídico ou hermenêutico-clássico: preconiza que a Constituição seja interpretada com os mesmo
recursos interpretativos das demais leis (regras hermenêuticas tradicionais): interpretação sistemática, histórica, lógica e
gramatical. O método hermenêutico-clássico tem aplicabilidade às normas constitucionais de alto grau de densidade
normativa, com estrutura normativa assemelhada às leis, já que ele não foi concebido para os dispositivos constitucionais
com alto grau de abstração que estipulam parâmetros e procedimentos para a ação política;
2) método da tópica ou tópico-problemático: toma a Constituição como um conjunto aberto de regras e princípios,
dos quais o aplicador deve escolher aquele mais adequado para a promoção de uma solução justa ao problema concreto
que se analisa. Parte-se de um problema concreto para a norma, atribuindo-se à interpretação um caráter prático na
busca da solução dos problemas concretizados;
3) método hermenêutico-concretizador: diferentemente do método tópico-problemático, que parte do caso concreto
para a norma, o método hermenêutico-concretizador parte da Constituição para o problema. Na atividade interpretativa,
o intérprete vale-se de suas pré-compreensões, situadas numa dada situação histórica e realidade social, para obter o
sentido da norma, além de atuar como mediador (tendo como pano de fundo essa situação histórica e a realidade social)
entre o texto e a situação em que ele se aplica (contexto). Essa constante relação entre o texto e o contexto com a
mediação criadora do intérprete transforma a interpretação em um movimento de ir e vir (círculo hermenêutico);
4) método científico-espiritual: a Constituição é um sistema cultural e de valores de um povo, cabendo à
interpretação aproximar-se desses valores subjacentes à Constituição. Tais valores, entretanto, estão sujeitos a
flutuações, tornando a interpretação da Constituição fundamentalmente elástica e flexível, fazendo com que a força de
decisões fundamentais submeta-se às vicissitudes da realidade cambiante;

58
5) método jurídico-estruturante: a norma não se confunde com o seu texto, mas tem a sua estrutura composta
também pelo trecho da realidade social em que incide, sendo esse elemento indispensável para a extração do significado
da norma. Não é o teor literal da norma (seu texto) que efetivamente regulamenta um caso concreto, mas sim o órgão
legislativo, o órgão governamental, o funcionário da administração pública, os juízes e todos aqueles que elaboram,
decidem e fundamentam a decisão reguladora do caso concreto.

Há também os princípios de interpretação constitucional:

1) Unidade e concordância prática: O sistema pressupõe coerência e unidade, sob pena de se tornar inaplicável
(Bobbio). Assim, deve haver concordância prática entre as normas, a ser buscada pelo intérprete. A interpretação a ser
adotada deve ser a que dá mais unidade à constituição.
2) Força normativa da constituição ou máxima efetividade: o cumprimento das normas constitucionais é exigível,
inclusive perante os Tribunais, devendo-se dar efetividade ao texto constitucional.
3) Princípio da correção funcional/da conformidade: Decorre da separação de poderes. Existem matérias que
são exclusivas da atuação de cada Poder (reserva administrativa, reserva legislativa e reserva judiciária).
4) Razões públicas: em uma sociedade plural, argumentos de índole exclusivamente particular (ex.: religiosos)
e que não poderiam ser aceitos por todos não podem ser invocados em um debate na esfera pública.
5) Cosmopolitismo: ideias constitucionais migram entre os países, devendo ser levadas em conta na
interpretação (embora não sejam vinculantes).
6) Interpretação conforme a constituição: o ordenamento jurídico deve ser interpretado de acordo com a
constituição. Este princípio deriva da unidade do sistema e da supremacia constitucional.
7) Presunção graduada de constitucionalidade: a lei passa por diversos filtros antes de ser aprovada, de modo
que há a presunção relativa de sua constitucionalidade.

Além da interpretação constitucional, há a lacuna constitucional, que deve ser preenchida (processo de integração,
e não de interpretação). Isso ocorre quando há reserva de constituição, ou seja, um determinado assunto pode ser tratado
apenas pela Constituição. Ante o non liquet, cabe ao juiz preenchê-la, pelos seguintes meios:

1) Analogia: aplica-se à situação não regulada norma jurídica que trata de questão similar.
2) Costume constitucional: Há a prática e a crença de que esta é vinculante. Ex.: voto de liderança (o líder vota
pela bancada inteira) para a aprovação de leis. Isso não está previsto na CF. É judicialmente exigível e pode fundamentar
o controle de constitucionalidade.
3) Convenção constitucional: existem práticas que são consideradas obrigatórias, mas estas não são
judicialmente exigíveis. As consequências pelo descumprimento são políticas.
4) Equidade: não pode gerar a anulação de certas normas. A equidade é uma dimensão da razoabilidade, por
meio da qual se adapta o direito vigente, buscando retificar injustiças ou inadequações mais graves. Pode ser usada para
colmatar lacunas ou temperar, excepcionalmente, o rigor das regras constitucionais.

Por fim, ressalte-se que os métodos de interpretação e integração constitucional não podem ser hierarquizados e
não se excluem. Pelo contrário, devem ser utilizados de forma adequada a cada situação, para se buscar a melhor solução
ao caso concreto.

59
10.b. Nacionalidade brasileira. Condição jurídica do estrangeiro.

Nacionalidade brasileira. A nacionalidade é um vínculo político e pessoal entre o Estado e o indivíduo. O direito
à nacionalidade é consagrado como direito humano em diversos diplomas internacionais, como a DUDH (art. 15), a
Convenção de São José da Costa Rica (art. 20) e o Pacto de Direitos Civis e Políticos (art. 24.3), além de ser matéria
constitucional no plano doméstico. O artigo 1º da Convenção de Haia de 1930 proclama a liberdade do Estado para
determinar quais são seus nacionais, mas tal determinação só é oponível aos demais Estados quando revestida de um
mínimo de efetividade (idioma, filiação, residência, etc), sob pena de poder ser negado o reconhecimento do vínculo patrial
(REZEK, 2010, p. 293).
Neste sentido, o caso Nottebohm é um importante precedente. Friedrich Nottebohm nasceu em Hamburgo,
Alemanha, em 16 de setembro de 1881, e se mudou para a Guatemala em 1905, onde estabeleceu residência e o centro
de suas atividades empresariais. Em 1939, um mês depois da invasão da Polônia pela Alemanha, Nottebohm requereu e
obteve a nacionalidade lichtensteinense. Em 1943, autoridades policiais guatemaltecas prenderam Nottebohm e
extraditaram-no para os Estados Unidos. Ao ser libertado, tentou retornar para a Guatemala, mas o governo guatemalteca,
que já havia expropriado os bens de Nottebohm, impediu sua entrada. Nottebohm se dirigiu, então, para Lichtenstein,
onde passou a residir. Em dezembro de 1951, o governo lichtensteinense propôs ação contra a Guatemala em Haia, na
qual requereu à Corte Internacional de Justiça que declarasse que a Guatemala teria violado suas obrigações sob o Direito
Internacional e, conseqüentemente, deveria pagar indenização. No caso Nottebohm, a nacionalidade foi conceituada
como ‘um laço jurídico que tem como fundamento um fato social de ligação, uma solidariedade efetiva de existência,
interesses e sentimentos, juntamente com direitos e deveres recíprocos’. Na visão da Corte, para ser aceita por outros
Estados, a nacionalidade deve ser efetiva e real, o que se verifica a partir de fatores distintos, cuja importância pode variar
em cada caso. Assim, a CIJ concluiu que faltava um elo entre Nottebohm e o Liechtenstein e, por outro lado, verificou a
existência de uma conexão longa e íntima entre ele e a Guatemala. Portanto, a Guatemala não teria ‘qualquer obrigação
de reconhecer uma nacionalidade que foi conferida nestas circunstâncias’ e, conseqüentemente, Liechtenstein não teria
o direito de proteger Nottebohm. (SALIBA, Aziz Tuffi. Nacionalidade brasileira e Direito Internacional: Um breve comentário
sobre a Emenda Constitucional no 54/2007, in BRASIL. Revista de informação legislativa. Brasília, v. 45 n. 180 out./dez.
2008, pp. 78-79).
A CR/88, fundada no critério territorial (jus soli), considera brasileiros natos (nacionalidade originária), em seu art.
12, os nascidos no Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país (o serviço
deve ser público e afeto ao país da nacionalidade dos pais). Adotou o sistema jus sanguinis ao prever como brasileiros
natos os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço do Brasil
(compreende todo encargo derivado dos poderes da União, Estados e Municípios, suas autarquias, e o serviço de
organização internacional de que a República faça parte – REZEK, 2010, p. 192-3). São, ainda, brasileiros natos os
nascidos no estrangeiro de pai ou mãe brasileira, desde sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham
a residir no Brasil e optem, a qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira (EC 54/2007). São brasileiros naturalizados
(nacionalidade derivada) aqueles que venham a adquirir a nacionalidade brasileira, possuindo todos os direitos do
brasileiro nato, salvo o acesso a cargos públicos eminentes (CF, art. 12, §3º) e a garantia de não extraditabilidade (CF,
art. 5º, LI). Para a naturalização, exigem-se dos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano
ininterrupto e idoneidade moral (CF, art. 12, II, a); dos estrangeiros de qualquer nacionalidade, residência no Brasil há
mais de 15 anos ininterruptos e inexistência de condenação criminal (CF, art. 12, II, b); dos estrangeiros que não
cumprirem tais requisitos, reclamam-se quatro anos de residência no Brasil, idoneidade, boa saúde e domínio do idioma,
podendo o prazo de residência ser reduzido para 1 ano se o naturalizado tiver filho ou cônjuge brasileiro, for filho de
brasileiro ou houver prestado ou puder prestar serviço relevante ao Brasil (Lei 6.815/80, arts. 112 e 113). A perda da
nacionalidade, que pode atingir brasileiro nato e naturalizado, ocorre com a aquisição voluntária de outra nacionalidade,
salvo no caso de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente no exterior como condição
de permanência em seu território ou para exercício de direitos civis. O naturalizado pode perder sua nacionalidade em
razão de exercício de atividade contrária ao interesse nacional, mediante decisão judicial transitada em julgado (CF, art.
12, par. 4º). Aos portugueses com residência permanente no Brasil, se houver reciprocidade em favor de brasileiros
(Decreto 3.927/01), serão atribuídos os direitos inerentes aos brasileiros, ressalvados os casos nele previstos (MENDES,
2010, p. 845).
Natureza jurídica dos direitos de nacionalidade: têm natureza de direito público, sendo considerados normas
materialmente constitucionais, ainda que não estejam dentro da constituição formal.
Importante ressaltar aspectos a respeito da opção pela nacionalidade brasileira (art. 12, I, “c” da CF + art. 95 do
ADCT, introduzido pela EC 54/2007 + art. 32 da Lei 6.015/73). Modificações pelas quais o art. 12, I, “c”, passou:

c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição
brasileira competente, ou venham a residir na República Federativa do Brasil antes da maioridade e, alcançada esta,
optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira;
c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa
do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira;(Redação dada pela Emenda Constitucional de
Revisão nº 3, de 1994)
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição
brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de
atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 54, de 2007)

Assim, (i) para os brasileiros nascidos antes da EC 3/94 e depois da EC 54/07, basta o registro perante a repartição
diplomática competente, com sua transcrição junto ao cartório de registro de pessoas no Brasil, para que a nacionalidade
surta efeitos no país (art. 32 da Lei 6.015/73). (ii) Para os brasileiros nascidos entre a EC 3/94 e a EC 54/07: se registrados
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perante a repartição diplomática competente, são brasileiros natos e podem apenas transcrever esta certidão brasileira
junto ao cartório de registro de pessoas no Brasil. Brasileiros que não tenham sido registrados perante a repartição
diplomática competente devem ajuizar ação para opção pela nacionalidade brasileira, após atingida a maioridade. Até a
maioridade, são brasileiros natos. Caso venham a residir no país e não entrem com esta demanda, a nacionalidade
brasileira fica com sua eficácia submetida a condição suspensiva. Uma vez exercida a opção pela nacionalidade brasileira
(ato personalíssimo e direito potestativo), ela tem efeitos ex tunc, desde o nascimento (STF, Tribunal Pleno, AC-QO n.
70, DJ 12.3.2004).

Condição jurídica do estrangeiro. Além dos direitos e garantias da pessoa humana, reconhece-se ao estrangeiro
o gozo dos direitos civis, com exceção do direito a trabalho remunerado - restrito aos estrangeiros residentes -, e dos
direitos políticos.

(i) A EC 19/98 permitiu a admissão de estrangeiros no serviço público nos termos da lei,
especialmente nas instituições universitárias de ensino e pesquisa (CF, art. 37, I, e 207, §1º).
(ii) A aquisição de imóvel por estrangeiro, embora condicionada, é assegurada até mesmo na faixa
de fronteira (CF, art. 190).
(iii) O direito de pesquisa e lavra de recursos minerais e aproveitamento dos potenciais de energia
hidráulica é exclusivo de brasileiro ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e
administração no país (CF, art. 176, §1º).
(iv) Da mesma forma, a propriedade de empresa de radiodifusão sonora de sons e imagens
restringe-se a brasileiro nato ou naturalizado há mais de 10 anos (CF, art. 222, par. 4º) ou a pessoa jurídica
constituída sob as leis brasileiras e que tenha sede no país.
(v) Ainda, o art. 5º, XXXI, da CF estabelece que a sucessão de bens de estrangeiros situados no
País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, salvo se lhes for mais
favorável a lei pessoal do morto.

Exemplos em âmbito infraconstitucional:


(i) Art. 205 do Decreto 9.760/46 (terrenos da União);
(ii) Art. 11 da Lei 7.102/83 (empresas de segurança);
(iii) Art. 106, I e V, do Estatuto do Estrangeiro + art. 203 do Código Brasileiro de Aeronáutica
(embarcações e aeronaves);

*O art. 106 do Estatuto do Estrangeiro estabelece diversas vedações de caráter econômico ao estrangeiro,
enquanto que o art. 107 traz restrições às atividades políticas.

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10.c. Intervenção federal nos Estados e intervenção estadual nos Municípios.

Intervenção Federal nos Estados e no DF: hipóteses previstas taxativamente no art. 34 da CF, que devem ser
interpretadas restritivamente, por se tratarem de situação excepcional.
Espécies:
- espontânea – Presidente da República age de ofício (art. 34, I, II, III e V);
- provocada por solicitação (arts. 34, IV e 36, I, primeira parte) – depende de solicitação do Poder Legislativo ou
Executivo.
- provocada por requisição (arts. 34, IV, VI, segunda parte, e 36, I, segunda parte) – depende de requisição do
STF, STJ ou TSE. (i) Decisão judicial não precisa ter transitado em julgado (STF, IF 94). (ii) Se for decisão da Justiça do
Trabalho, é competente o STF (IF 230, 231, 232), assim como se for decisão da Justiça Militar da União. (iii) Se a decisão
não tiver sido apreciada em instância extraordinária, deve ser requerida ao Presidente do TJ, que, se entender pertinente,
remete a questão ao STF (IF 105-QO). (iv) O STF será competente para apreciar o pedido de intervenção se a causa em
que a decisão ou ordem judicial desrespeitada fundamentar-se em normas constitucionais; caso a decisão tenha se
fundado em normas infraconstitucionais, a competência será do STJ, tribunal para o qual convergem a Justiça Comum
estadual e federal.
- ADI Interventiva (arts. 34, VII, e 36, III, primeira parte) - tutela os chamados princípios sensíveis. STF entende
que o princípio da dignidade da pessoa humana pode servir de base, mas o desrespeito não pode se cuidar de fato isolado
(IF 114/MT).
Diferenças com as demais ações de controle de constitucionalidade: Legitimidade apenas do PGR - Gilmar Mendes
entende que atua como representante judicial da União (MENDES, 2008, p. 1.226). Não se trata de processo de controle
abstrato de normas. Não é processo objetivo, há uma relação processual contraditória entre União e Estado-membro.
Provimento de representação do PGR perante o STF no caso dos arts. 34, VI, 1ª parte e 36, III, 2ª parte: a
intervenção para execução de lei federal se refere àquela recusa à aplicação da lei que gera prejuízo generalizado e em
que não cabe solução judiciária para o problema. Não é qualquer descumprimento que enseja a intervenção.
Competência para decretação: privativa do Presidente da República (art. 84, X, da CF), com previsão de oitiva
(sem vinculação), a intervenção espontânea, dos Conselhos de República (art. 90, I, da CF) e Defesa Nacional (art.91,
§1º, II, da CF). No caso de provimento de representação do PGR perante o STF, este deverá encaminhar a decisão ao
Presidente, que, em até 15 dias, expeça decreto de intervenção e nomeie, nesse mesmo decreto, o interventor, se couber
(Lei 12.562/2011, art. 11).
Controle político: exercido em 24 horas pelo Congresso Nacional, que, se rejeitar a intervenção, vincula o
Presidente, sob pena de prática de crime de responsabilidade por este. O controle é dispensado nas hipóteses do art. 36,
§3º, da CF. Nestas hipóteses, o decreto limita-se a suspender o ato impugnado, se esta medida for suficiente. Caso não
seja, decreta-se a intervenção federal e, neste caso, incide o controle.
Nas hipóteses de intervenção por solicitação e espontânea, o Presidente exerce juízo discricionário. Nas demais,
encontra-se vinculado.

Intervenção estadual nos Municípios: as hipóteses estão previstas nos incisos do art. 35 da CF. Em regra, o
procedimento é o mesmo da intervenção federal (aplicado o princípio da simetria – p. ex.: competência privativa do
Governador).
Súmula 637 do STF: não cabe recurso extraordinário contra acórdão de TJ que defere pedido de intervenção
estadual em município.
ADI Interventiva Estadual: competência do TJ local. Legitimidade ativa do PGJ. Controle político realizado pela
Assembleia Legislativa, sendo dispensado na hipótese de provimento à representação interventiva.
*Intervenção da União nos Municípios sediados em Territórios Federais: embora caracterize intervenção federal,
as suas hipóteses de incidência são as mesmas da intervenção estadual (art. 35, I a IV da CF/1988, ressaltando a
inaplicabilidade da 1ª parte do inciso IV, já que o Território não possui CE que indiquem os aludidos princípios a serem
observados).

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11.a. Liberalismo igualitário, comunitarismo, procedimentalismo e republicanismo. Suas projeções
no domínio constitucional.

Liberalismo Igualitário: A tradição liberal de defesa da liberdade manifesta-se tanto na esfera política quanto no
campo econômico. Na esfera política, o liberalismo está vinculado à defesa de liberdades públicas e existenciais, como a
liberdade de expressão, de religião e a privacidade. Já na esfera econômica, o liberalismo significa rejeição à intervenção
estatal no mercado e defesa da livre iniciativa e da propriedade privada. O liberalismo político pode endossar ou não as
teses do liberalismo econômico. É possível, por exemplo, defender intransigentemente as liberdades públicas, mas apoiar,
simultaneamente, enérgicas intervenções do Estado no campo econômico voltadas à promoção da igualdade material.
Essa é a característica central do liberalismo igualitário, que tem como grandes expoentes o filósofo John Rawls e o
jurista Ronald Dworkin, ambos norte-americanos.
O liberalismo igualitário contemporâneo legitima o “Estado de Direito”, não o “Estado mínimo” (defendido pela
corrente do liberalismo chamada de libertarianismo). Portanto, quanto à intervenção estatal no domínio econômico, ele
está muito mais próximo da socialdemocracia europeia do que do liberalismo clássico/libertarianismo ou do
neoliberalismo. Nada obstante, o liberalismo igualitário, como antes consignado, é uma vertente do liberalismo político.
Daí a sua dimensão liberal, que se exprime no reconhecimento da prioridade dos direitos individuais diante dos interesses
do Estado ou da coletividade. O liberalismo igualitário sustenta que não é papel do Estado promover os valores
hegemônicos na sociedade, interferindo nas liberdades individuais. Cada pessoa deve ter a liberdade para eleger os seus
planos de vida, além do acesso aos meios necessários para persegui-los, desde que isso não fira direitos de terceiros.
Uma premissa básica é a de que as pessoas são sujeitos morais autônomos, que devem ter a possibilidade de fazer
escolhas, responsabilizando-se por elas.
Na sua dimensão institucional, o liberalismo igualitário tende a defender a jurisdição constitucional como um
mecanismo importante para a proteção de direitos morais diante das maiorias. Autores liberais, como Dworkin e Rawls,
propõem um papel ativo para os juízes, que devem pautar a sua atuação pela defesa de princípios morais liberais,
associados ao respeito às liberdades básicas e à igualdade. Mas a atuação legítima do Judiciário nessa área deve se
limitar ao campo dos direitos individuais, não se permitindo que juízes se substituam aos agentes políticos na avaliação,
por exemplo, sobre a conveniência ou eficiência de políticas públicas.
Comunitarismo: O liberalismo contemporâneo é objeto de duras críticas no debate filosófico. O mais influente
grupo de críticas é proposto pelos chamados “comunitaristas”. De acordo com os comunitaristas, o liberalismo veria no
indivíduo um ser desenraizado (unencumbered self), por desprezar o fato de que as pessoas já nascem no interior de
comunidades que estão impregnadas de valores e sentidos comuns compartilhados e são socializadas neste contexto,
nele forjando as suas identidades. Por isso, as cosmovisões e os planos de vida não estão à disposição das pessoas,
que não são meros “consumidores num mercado de ideias”, mas seres engajados em contextos culturais específicos, que
partilham valores, objetivos, interesses e afetos com seus concidadãos.
Para os comunitaristas, a visão liberal não só estaria errada do ponto de vista descritivo, mas também pecaria do
ponto de vista normativo, pelo seu tom excessivamente individualista, que fragilizaria os vínculos sociais e incentivaria o
egocentrismo. A ênfase no indivíduo, dada pelo liberalismo, é substituída no comunitarismo pela valorização da
comunidade; o foco nos direitos individuais é alterado para o destaque às tradições e valores compartilhados. Enfatizando
a importância da lealdade à comunidade e do respeito às tradições, os comunitaristas combatem a ideia de neutralidade
estatal em relação aos projetos de vida, afirmando que um dos papéis do Estado é exatamente o de reforçar os liames
existentes na sociedade, avalizando e promovendo as concepções morais coletivamente compartilhadas. Dessa forma,
os comunitaristas aceitam mais facilmente restrições às liberdades individuais motivadas por valores socialmente
compartilhados ou por preocupações paternalistas.
O comunitarismo sustenta que as normas jurídicas devem expressar a cultura do povo em que vigoram. O Direito
deve exprimir o ethos do grupo social ao qual se dirige; deve refletir os seus valores sociais. Uma teoria constitucional
comunitarista enfatiza a singularidade de cada Constituição como expressão dos valores da comunidade concreta em
que vigora. A interpretação constitucional deixa de se inspirar, como no liberalismo, por princípios de justiça de natureza
tendencialmente universal, e passa a se nortear pelos valores coletivos compartilhados pela sociedade.
Republicanismo: O republicanismo possui longa tradição e suas origens podem ser identificadas no pensamento
da Antiguidade. Trata-se de corrente de pensamento que se associa à forma republicana de governo. O Estado é res
publica (coisa pública), em oposição à monarquia. No Estado republicano, os governantes são escolhidos pelo povo por
mandatos certos e respondem por seus atos, enquanto que, na monarquia clássica, o governo é exercido por governantes
escolhidos por critérios hereditários, com investidura vitalícia, não respondendo pelos próprios atos.
No modelo republicano, o cidadão está enraizado em uma cultura pública que o estimula à participação ativa na
vida da comunidade. O cidadão, neste quadro, não tem apenas direitos, mas também deveres em relação à sua
comunidade política. Dá-se ênfase às “virtudes republicanas” dos cidadãos. Deles se espera alguma orientação para o
interesse público; a atuação pautada não apenas nos interesses individuais de cada um ou das suas facções, mas voltada
também para o bem comum. O republicanismo enfatiza a importância da esfera pública como local de troca de razões,
exercendo importante papel de supervisão sobre o funcionamento das instituições políticas formais.
O republicanismo tem em comum com o comunitarismo a crítica à visão atomizada e individualista de sociedade
própria ao liberalismo. Porém, há distinções importantes entre as correntes. O foco do comunitarismo está no respeito às
tradições e valores compartilhados, enquanto que, no republicanismo, ele se desloca para a participação do cidadão na
coisa pública. Enquanto comunitaristas justificam restrições à deliberação coletiva fundadas no respeito às tradições do
passado, os republicanos buscam dar mais poder ao povo, estimulando a cidadania a tomar parte ativa nessas
deliberações.
O republicanismo formula uma concepção própria de liberdade, que não se identifica com aquela do liberalismo
clássico - que a via como ausência de constrangimento à ação do agente. A liberdade, para o republicanismo, é vista
como “não dominação”. Nessa perspectiva, a dependência de um indivíduo pode comprometer a sua liberdade tanto ou

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mais do que alguma interferência externa sobre a sua conduta. Por outro lado, para o republicanismo, leis gerais e
abstratas, compatíveis com a lógica do Estado de Direito (rule of law), não devem ser vistas como limitações à liberdade.
O conceito de liberdade do republicanismo dá mais espaço para atuação estatal em prol do bem comum do que o liberal,
mas é mais exigente, ao demandar que se garanta a cada cidadão as condições necessárias para a sua independência
em face dos poderes sociais.
O republicanismo contemporâneo dá grande ênfase à igualdade. Perante a res publica, todos devem ser tratados
com igual respeito. Nesse sentido, uma das maiores bandeiras republicanas é o combate aos privilégios conferidos aos
governantes ou à elite. A igualdade é afirmada também como exigência no campo socioeconômico, para que a democracia
possa prosperar. Uma das tônicas do pensamento republicano é enfatizar que o surgimento na sociedade de um “nós”,
de uma “vontade geral”, depende de certo nível de igualdade econômica, na ausência da qual se formam grupos que
possuem interesses antagônicos. O argumento já estava presente, por exemplo, em Rousseau, que é um dos principais
precursores do republicanismo moderno.
A Constituição de 88 contém vários elementos que convergem com o ideário republicano. O voto, por exemplo, foi
tratado, em regra, não apenas como um direito subjetivo, como prefeririam os liberais, mas também como dever cívico: é
por isso que ele é obrigatório (art. 14, §1º, I). Foram instituídos mecanismos de participação direta do cidadão nas
deliberações coletivas, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de leis (art. 14 e 61, §2º). Atribuiu-se ao
cidadão a possibilidade de fiscalizar a gestão da coisa pública, por meio de instrumentos como direito de receber dos
órgãos públicos informações de interesse geral ou coletivo (art. 5º, XXXIII), de peticionar aos poderes públicos contra
ilegalidade ou abuso de poder (art. 5º, XXXIV, “a”), e de defender em juízo o patrimônio público, a moralidade
administrativa, o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural, por meio da ação popular (art. 5º, LXXIII).
Procedimentalismo: Uma das clivagens mais importantes da teoria constitucional contemporânea é a que
distingue as concepções procedimentalistas das substancialistas. Essa distinção é empregada em dois contextos
diferentes, que se interpenetram: ela pode ser usada para discutir o papel da Constituição na sociedade, bem como para
debater o espaço adequado da jurisdição constitucional.
No primeiro sentido, as teorias procedimentais sustentam que o papel da Constituição é definir as regras do jogo
político, assegurando a sua natureza democrática. Isso inclui também a defesa de determinados direitos, que são tidos
como pressupostos para o funcionamento da democracia, como as liberdades de expressão e de associação política. O
procedimentalismo defende que as decisões substantivas sobre temas controvertidos no campo moral, econômico,
político etc., não devem estar contidas na Constituição, cabendo ao povo em cada momento deliberar sobre esses temas.
O principal fundamento desta posição é o princípio democrático, pois se parte da premissa de que a constitucionalização
de uma decisão, por importar na supressão do espaço de deliberação das maiorias políticas futuras, deve ser vista com
muita cautela.
Já o substancialismo adota posição inversa, sustentando a legitimidade da adoção de decisões substantivas pelas
constituições, sobretudo no que concerne aos direito fundamentais — inclusive direitos que não estão diretamente ligados
ao funcionamento da democracia. O neoconstitucionalismo e a teoria da constituição dirigente se situam claramente no
campo do substancialismo, por conceberem papéis bastante ambiciosos para as constituições, que vão muito além da
garantia dos pressupostos do funcionamento da democracia.
Essa distinção entre posições procedimentalistas e substancialistas não é relevante apenas no momento de
elaboração das constituições. Ela assume importância também no contexto de interpretação constitucional. No campo
hermenêutico, um substancialista tende a buscar respostas para um grande número de controvérsias na Constituição,
interpretando-a de forma abrangente, enquanto um procedimentalista adota posição mais cautelosa, no afã de preservar
um maior espaço para a política majoritária, a não ser no que se refira aos pressupostos para funcionamento da própria
democracia.
Como dito acima, o procedimentalismo e o substancialismo também se manifestam no debate sobre o papel da
jurisdição constitucional. Os procedimentalistas defendem um papel mais modesto para a jurisdição constitucional,
sustentando que ela deve adotar uma postura de autocontenção, a não ser quando estiver em jogo a defesa dos
pressupostos de funcionamento da própria democracia. Nessa hipótese, estaria justificada uma atuação mais agressiva
da jurisdição constitucional, que não poderia ser tachada de antidemocrática por se voltar exatamente à garantia da
própria democracia. Já os substancialistas advogam um papel mais ativo para a jurisdição constitucional mesmo em
casos que não envolvam os pressupostos da democracia. Numa questão altamente polêmica, como o aborto, um
procedimentalista tenderia a defender a não intervenção jurisdicional na matéria, enquanto um substancialista se inclinaria
pela atuação do Judiciário na resolução desse complexo conflito moral.
No caso brasileiro, há um problema com o procedimentalismo. A Constituição de 88 é profundamente substantiva,
eis que pródiga na consagração de valores materiais. O procedimentalismo tem como um dos seus objetivos centrais
limitar o ativismo jurisdicional em nome da democracia. Contudo, para abraçarem esta teoria, os juízes teriam que passar
por cima das orientações valorativas já contidas na Constituição, sobrepondo a sua teoria constitucional àquela, mais
substantiva, adotada pelo constituinte.

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11.b. Princípios constitucionais sobre a Administração Pública.

A Constituição consagra, no art. 37, a ideia de que a Administração Pública está submetida, entre outros, ao
princípio da legalidade, que abrange o postulado da supremacia da lei e o princípio da reserva legal. A supremacia da
lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal
é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de
liberdade ou ao direito de propriedade) seja autorizada por lei (art. 5°, II). A utilização de fórmulas legais exageradamente
genéricas e a outorga de competência para a sua concretização a órgãos administrativos, mediante expedição de atos
regulamentares, podem configurar ofensa ao princípio da legalidade estrita, caracterizando, ademais, ilegítima delegação
legislativa.
Tendência atual: alargamento do princípio da legalidade, com maior limitação à discricionariedade administrativa
(em decorrência da submissão da Adm. Pública a princípios e valores) e com a ampliação do controle judicial. Na CF
1891, a Adm. Pública podia fazer tudo que a lei não proibia (vinculação negativa). A partir da CF de 1934, o princípio da
legalidade adquiriu a feição de hoje – vinculação positiva. Com a CF 1988, os princípios e valores são dirigidos aos 3
poderes do Estado: há vinculação da Administração a princípios e regras (legalidade ampla, vinculada a princípios), o que
significa a ampliação do controle judicial. Legalidade Ampla é base do Estado Democrático de Direito.
O princípio da impessoalidade consubstancia, por sua vez, a ideia de que a Administração, enquanto estrutura
composta de órgãos e de pessoas incumbidos de gerir a coisa pública, tem de desempenhar esse múnus sem levar em
conta interesses pessoais, próprios ou de terceiros, a não ser quando o atendimento de pretensões parciais constitua
concretização do interesse geral. Afinal de contas, a otimização da ordem jurídica objetiva não raro se concretiza,
precisamente, no respeito e na satisfação de pretensões subjetivas albergadas pelo ordenamento.
A reverência que o direito positivo presta ao princípio da moralidade decorre da necessidade de pôr em destaque
que, em determinados setores da vida social, não basta que o agir seja juridicamente correto; deve, antes, ser também
eticamente inatacável. Sendo o direito o mínimo ético indispensável à convivência humana, a obediência ao princípio da
moralidade, em relação a determinados atos, significa que eles só serão considerados válidos se forem duplamente
conformes à eticidade, ou seja, se forem adequados não apenas às exigências jurídicas, mas também às de natureza
moral, sob pena da possibilidade de configuração de improbidade administrativa, com as sanções daí decorrentes (art.
37, §4°, da CRFB/88).
Norberto Bobbio proclama que, idealmente, democracia é o governo do poder visível ou o governo cujos atos se
desenvolvem em público, sob controle da opinião pública. No plano jurídico-formal, o princípio da publicidade aponta
para a necessidade de que todos os atos administrativos estejam expostos ao público, que se pratiquem à luz do dia, já
que os agentes estatais não atuam para a satisfação de interesses pessoais, nem sequer da própria Administração, que,
sabidamente, é apenas um conjunto de pessoas, órgãos, entidades e funções, uma estrutura, enfim, a serviço do interesse
público.
Além do art. 37 da CF, existem outros dispositivos na CF que confirmam ou restringem o princípio da publicidade.
Exceções ao princípio: intimidade e vida privada (art. 5º, X); segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XXXIII);
publicidade dos atos processuais pode ser restringida para defesa da intimidade e do interesse social (art. 5º, LX, segredo
de Justiça, em processos judiciais e administrativo disciplinar).
Introduzido no texto da Constituição de 1988 pela Emenda n. 19/98, o princípio da eficiência consubstancia a
exigência de que os gestores da coisa pública não economizem esforços no desempenho dos seus encargos, de modo a
otimizar o emprego dos recursos que a sociedade destina para a satisfação das suas múltiplas necessidades; numa
palavra, que pratiquem a "boa administração” de que falam os publicistas italianos. Nos Estados burocráticos-cartoriais,
o princípio da eficiência configura um brado de alerta, uma advertência mesmo, contra os vícios da máquina administrativa,
sabidamente tendente a privilegiar-se, na medida em que sobrevaloriza os meios, em que, afinal, ela consiste, sacrificando
os fins em razão dos quais vem a ser instituída.
Possui dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera
o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de
organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores
resultados na prestação do serviço público.
Ao lado dos princípios gerais expostos, a doutrina reconhece outros princípios, como os da livre concorrência
aos cargos públicos; da motivação; da razoabilidade e proporcionalidade; da segurança jurídica e proteção da
confiança; da continuidade das atividades da administração; da licitação/concorrência para a realização de obras
e serviços públicos; da responsabilidade civil do Estado.
Quanto à natureza contratual e dialógica da Administração, Gustavo Justino de Oliveira e Cristiane Schwanka
explicam que, “com a ascensão de fenômenos como o Estado em rede e a Governança Pública, emerge uma nova forma
de administrar, cujas referências são o diálogo, a negociação, o acordo, a coordenação, a descentralização, a cooperação
e a colaboração. Assim, o processo de determinação do interesse público passa a ser desenvolvido a partir de uma
perspectiva consensual e dialógica, a qual contrasta com a dominante perspectiva imperativa e monológica, avessa à
utilização de mecanismos comunicacionais internos e externos à organização administrativa.
Trata-se da Administração Consensual, a qual marca a evolução de um modelo centrado no ato administrativo
(unilateralidade) para um modelo que passa a contemplar os acordos administrativos (bilateralidade e multilateralidade).
Sua disseminação tem por fim nortear a transição de um modelo de gestão pública fechado e autoritário para um modelo
aberto e democrático, habilitando o Estado contemporâneo a bem desempenhar suas tarefas e atingir os seus objetivos,
preferencialmente, de modo compartilhado com os cidadãos.”

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11.c. Colisão entre normas constitucionais. Ponderação e juízo de adequação. Princípios da
Proporcionalidade e da Razoabilidade.

Colisão entre normas constitucionais: O ordenamento jurídico, de acordo com a clássica formulação de Kelsen
(2002), é um sistema hierárquico de normas. Isto significa dizer que uma norma, para ser válida, deve buscar seu
fundamento de validade em uma norma superior, de maneira que, em última instância, todas as normas retirem sua
validade de uma mesma norma fundamental. Por tal razão, é a Constituição, como fonte de validade de todas as normas,
que confere a necessária coesão ao ordenamento.
É também a Constituição que contém um sistema aberto de princípios e regras que vão orientar todo um sistema.
Neste ponto, é interessante analisar a distinção doutrinária existente entre princípios e regras. Afinal, quando nos
deparamos com duas regras contraditórias entre si que aparentemente incidem sobre uma determinada hipótese fática –
a chamada antinomia – a questão é solucionada pelos três critérios clássicos apontados por Bobbio e aceitos quase
universalmente, quais sejam, o critério cronológico, o critério hierárquico e o critério da especialidade. Deste modo, no
caso de duas regras em conflito, aplica-se um desses três critérios, na forma do “tudo ou nada”, como ensina Canotilho
(1992, p. 642).
No caso de colisão de princípios constitucionais, porém, não se aplicam estes critérios, vez que não se pode
simples e aleatoriamente afastar a aplicação de um dos princípios. Do ponto de vista jurídico, é forçoso admitir que não
há hierarquia entre os princípios constitucionais, isto é, todas as normas têm igual dignidade.
Então, partindo-se dessa constatação de que não existe hierarquia entre os princípios constitucionais, surge um
problema a ser resolvido: o que fazer quando dois ou mais princípios constitucionais ou direitos fundamentais entram em
colisão? Como dizer qual será o utilizado ou qual será o mais correto?
É certo que a colisão entre princípios não se desenrola no campo da validade, mas sim na dimensão do peso.
Quando dois princípios constitucionais ou direitos fundamentais entram em colisão, não significa que um deva ser
desprezado. O que ocorrerá é que, devido a certas circunstâncias, um prevalecerá sobre o outro naquele caso, mas
sempre de forma a se buscar a concordância de ambos de uma maneira harmônica e equilibrada.
Neste contexto, a doutrina estrangeira, seguida por doutrinadores pátrios, procurou resolver o problema com a
utilização do chamado princípio da proporcionalidade. Tal é tido como “meta-princípio”, isto é, o “princípio dos princípios”,
visando, da melhor forma, preservar os princípios constitucionais em jogo. Isso ocorre por meio da ponderação como
método para adoção de uma decisão de preferência entre direitos ou bens em conflito.
Ponderação e juízo de adequação: A doutrina mais recente subdividiu o princípio da proporcionalidade em três
subprincípios, quais sejam: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Com relação ao subprincípio da adequação - que muitas vezes também é denominado de princípio da idoneidade
ou princípio da conformidade -, este traduz a ideia de que os fins buscados pelo Estado devem ser legítimos e qualquer
medida restritiva deve ser idônea à consecução da finalidade pretendida. Isto é, deve haver a existência de relação
adequada entre um ou vários fins determinados e os meios com que são perseguidos.
O subprincípio da necessidade, por sua vez, pondera a respeito da eventual existência de medidas menos
gravosas para que se atinja o resultado pretendido. Em outras palavras, deve ser adotada a ação que menos restrinja a
eficácia dos direitos fundamentais ou princípios constitucionais.
Já o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito se debruça sobre os benefícios obtidos por meio da
medida, tendo em vista as restrições aos direitos fundamentais ou aos princípios constitucionais que se operaram. O custo
ao sistema constitucional de valores justifica o benefício que a ação traz?
Sendo assim, tem-se que é a partir desta tríplice dimensão que se utiliza o princípio da proporcionalidade, isto é,
por meio de um juízo de adequação da medida adotada, para que esta possa alcançar o fim proposto; de uma reduzida
interferência sobre direitos fundamentais individuais, limitando-se ao estritamente necessário para atingir a finalidade que
a justifica; e de uma justa medida de ponderação de valores e interesses ao caso concreto.
Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade: Os institutos da proporcionalidade e razoabilidade podem
ser diferenciados pelo menos quanto à origem histórica, ao desenvolvimento, à finalidade e à aplicação distinta dos
institutos, bem como quanto à ausência de perspectiva procedimental na razoabilidade. A proporcionalidade, de origem
alemã, desenvolve-se como regra procedimental inerente à solução de reais colisões entre direitos fundamentais, como
decorrência lógica da estipulação de tais direitos como mandamentos de otimização (princípios) e como expressa
determinação de que competiria ao TCF fazê-lo. Já a criação e o desenvolvimento da razoabilidade nos EUA tiveram por
finalidade imediata não a solução de restrições de direitos fundamentais, mas sim a fundamentação do controle
jurisdicional sobre os demais atos do Poder Público. Basta para a sua aplicação a consideração meramente subjetiva do
juiz quanto à adequação do ato questionado em relação ao senso comum de aceitabilidade social da medida eleita para
se alcançar o fim pretendido.
Assim, a razoabilidade pode ser considerada como um princípio material implícito que poderá ser confrontado com
outros princípios para afastar medidas arbitrárias ou irrazoáveis segundo um senso comum do que é social, jurídica,
política e economicamente aceitável. Por sua vez, a proporcionalidade deve ser considerada como uma regra
procedimental, com aplicação subsidiária restrita às hipóteses de colisões entre princípios ou direitos fundamentais, a
serem solucionadas pela aferição de argumentos fáticos e jurídicos que fundamentem a prevalência de um direito
fundamental ou princípio sobre outro de igual envergadura.
Essa forma de diferenciar a proporcionalidade e a razoabilidade não é uma posição original entre nós, vez que, na
doutrina brasileira, já se detectou que, “enquanto a razoabilidade exige que as medidas estatais sejam racionalmente
aceitáveis e não arbitrárias”, a proporcionalidade “determina que as mesmas, além de preencherem tal requisito,
constituam instrumentos de maximização dos comandos constitucionais, mediante a menor limitação possível aos bens
juridicamente protegidos”.
Alguns autores (Gilmar Mendes, Barroso), assim como o STF, trabalham os conceitos como sinônimos, enquanto
outros o trabalham como sendo diferentes (Sarmento). Para este autor, a razoabilidade envolve quatro dimensões: (i) o

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uso de razões públicas pelo Estado e (ii) de coerência na atuação deste; (iii) a congruência (exigência de que os atos
estatais tenham um mínimo suporte empírico) e (iv) a equidade (quando a aplicação da norma gerar grande injustiça, ela
pode ser afastada ou adequada ao caso concreto).
Há quem diga que a ponderação se dá na proporcionalidade em sentido estrito, sendo esta um instrumento de
solução de conflito entre dois ou mais princípios. Já a razoabilidade teria conteúdo próprio: há um princípio, de um lado,
e a própria razoabilidade do outro.

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12.a. Controle de constitucionalidade: evolução histórica do sistema brasileiro. Direito comparado.
Legitimidade democrática.

Controle de Constitucionalidade: em sua concepção tradicional, é a verificação da compatibilidade vertical entre


o ato questionado e a Constituição. Pressupostos do Controle de Constitucionalidade: supremacia e rigidez da
Constituição; existência de órgão competente para o exercício do controle. Elementos do Controle de Constitucionalidade:
Parâmetro (paradigma, referência) é a norma, princípio, regra ou valor em relação a qual o objeto é questionado. O objeto
é a norma, princípio, regra ou valor cuja constitucionalidade é questionada. Bloco de constitucionalidade: as normas de
envergadura constitucional dotadas de parametricidade (no Brasil: CF, suas emendas e os princípios destas normas
derivados + tratados internalizados pelo procedimento do art. 5º, par. 3º, da CF).
A Constituição de 1824 não contemplava qualquer sistema assemelhado aos modelos hodiernos de controle de
constitucionalidade. A influência francesa ensejou que se outorgasse ao Poder Legislativo a atribuição de “fazer leis,
interpretá-las, suspendê-las e revogá-las”, bem como “velar na guarda da Constituição” (art. 15, n. 8° e 9°). Era a
consagração de dogma da soberania do Parlamento, à sombra da existência do Poder Moderador. Não havia lugar, nesse
sistema, para o mais incipiente modelo de controle judicial de constitucionalidade.
O regime republicano inaugura uma nova concepção. A influência do direito norte-americano parece ter sido
decisiva para a consolidação do modelo difuso, consagrado já na chamada Constituição provisória de 1890 (Decreto n.
848, de 11-10-1890) e incorporado à Constituição de 1891. Consolidou-se amplo sistema de controle difuso no Direito
brasileiro, sendo inequívoca, à época, a consciência de que esse exame não se havia de fazer in abstracto.
A Constituição de 1934 introduziu profundas e significativas alterações no nosso sistema de controle de
constitucionalidade. A par de manter as disposições contidas na Constituição de 1891, o constituinte determinou que a
declaração de inconstitucionalidade somente poderia ser realizada pela maioria da totalidade dos membros dos tribunais
(reserva de plenário). Por outro lado, consagrava a competência do Senado para “suspender a execução, no todo ou em
parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder
Judiciário”, emprestando efeito erga omnes à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Talvez a mais fecunda e
inovadora alteração introduzida pelo Texto Magno de 1934 se refira à representação interventiva, confiada ao
Procurador-Geral da República nas hipóteses de ofensa a específicos princípios elencados na Constituição. A Carta de
1937 traduz um inequívoco retrocesso no sistema de controle de constitucionalidade. Embora não tenha introduzido
qualquer modificação no modelo difuso, o constituinte rompeu com a tradição jurídica brasileira, consagrando princípio
segundo o qual, no caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República,
fosse necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa do interesse nacional de alta monta, poderia o Chefe do
Executivo submetê-la novamente ao Parlamento. Confirmada a validade da lei por 2/3 dos votos em cada uma das
Câmaras, tornava-se insubsistente a decisão do Tribunal.
O Texto Magno de 1946 restaura a tradição do controle judicial no Direito brasileiro. Preservou-se a exigência da
maioria absoluta dos membros do Tribunal para a eficácia da decisão declaratória de inconstitucionalidade. Manteve-se,
também, a atribuição do Senado para suspender a execução da lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal. A
Constituição de 1946 emprestou, ademais, nova conformação à ação direta de inconstitucionalidade, introduzida,
inicialmente, no Texto Magno de 1934. Atribuiu-se ao Procurador-Geral da República a titularidade da representação de
inconstitucionalidade, para os efeitos de intervenção federal, no caso de violação de princípios sensíveis. A intervenção
subordinava-se, nessa hipótese, à declaração de inconstitucionalidade do ato pelo Supremo Tribunal Federal.
A Emenda n. 16, de 26-11-1965, instituiu, ao lado da representação interventiva, e nos mesmos moldes, o controle
abstrato das normas estaduais e federais. Consagrou-se o modelo de exame in abstracto, sob a forma de uma
representação que haveria de ser proposta pelo Procurador-Geral da Republica. Somou-se, pois, aos mecanismos já
existentes um instrumento destinado a defender diretamente o sistema jurídico objetivo.
A Constituição de 1967 não trouxe grandes inovações ao sistema de controle de constitucionalidade. Manteve-
se incólume o controle difuso. A ação direta de inconstitucionalidade subsistiu, tal como prevista na Constituição de 1946,
com a Emenda n. 16/65.
A Constituição de 1988 amplia significativamente os mecanismos de proteção judicial, e assim também o controle
de constitucionalidade das leis. Preservou a representação interventiva, destinada à aferição da compatibilidade de direito
estadual com os princípios sensíveis. Combina o modelo tradicional de controle incidental de normas, os vários
instrumentos de defesa de direitos individuais, como o habeas corpus, mandado de segurança, habeas data, mandado
de injunção, com as ações diretas de inconstitucionalidade e de constitucionalidade, a ação direta por omissão e a
arguição de descumprimento de preceito fundamental.
A grande mudança vai se verificar no âmbito do controle abstrato de normas, com a ação direta de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou federal. O constituinte ampliou o rol de legitimados ativos, de
modo a contemplar o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa
de uma Assembleia Legislativa, o Governador do Estado, o Procurador-Geral da República o Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, as confederações sindicais e as
entidades de classe de âmbito nacional (art. 103 da CF).

Direito Comparado: Podemos reduzir as principais matrizes ou sistemas de controle existentes mundialmente em
três, quais sejam: matriz americana (1803), matriz austríaca (1920) e matriz francesa (1958).
Matriz americana: deflagrada no célebre caso Marbury x Madison, decidido pela Suprema Corte Americana em
1803. Nesse julgado, restou consignada a doutrina da supremacia da Constituição, bem como a criação do controle de
constitucionalidade das leis. As principais características são: 1) esse controle de atos normativos em relação à
Constituição seria feito pelo Poder Judiciário e, no caso norte-americano, por todos os seus membros (todos os juízes e
Tribunais) de forma hodiernamente chamada de difusa; 2) seria afeto sempre a casos concretos a serem solvidos pelo
Poder Judiciário no desempenho comum de sua função jurisdicional, controlando-se a constitucionalidade de modo
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incidental, com efeitos tradicionalmente intitulados de interpartes (pelo menos a priori); 3) a declaração de
inconstitucionalidade no que tange à perspectiva temporal geraria efeitos, em regra, ex tunc (retroativos).
Matriz austríaca: teve como marco a Constituição da Áustria de 1920. Esse sistema foi delineado por Hans Kelsen.
O controle também é realizado pelo Poder Judiciário, que atuaria como uma espécie de “legislador negativo”, tendo como
principais características: 1) criação de um órgão próprio e específico de controle de constitucionalidade, denominado
“Corte” ou “Tribunal Constitucional”, que seria o único dotado de legitimidade para realizar o controle (controle
concentrado); 2) controle realizado de modo direto pela intitulada via principal, na qual a Corte analisa se um ato normativo
em tese contraria ou não a Constituição (processo objetivo e com efeitos erga omnes); 3) a declaração de
inconstitucionalidade geraria efeitos ex nunc. A declaração anularia o ato normativo, produzindo uma sentença
constitutiva. Obs.: a regra que negava qualquer retroatividade às decisões e pronunciamentos da Corte Constitucional foi
atenuada, fixando-se a possibilidade de atribuição de efeitos retroativos à decisão anulatória.
Matriz francesa: desenvolvida a partir da Constituição da V República de 1958. Não tem o Poder Judiciário como
órgão de controle, mas um órgão de cunho político intitulado Conselho Constitucional. Tem como características centrais:
1) ser um controle, em regra, prévio e realizado sobre o ato normativo em tese; 2) em regra, depende de provocação pelo
presidente da República, primeiro ministro, presidente da Assembleia Nacional, Presidente do Senado ou de 50 deputados
ou 50 senadores franceses. Em julho de 2008, em virtude de reforma constitucional, a França passou a trabalhar com a
possibilidade de apreciação de constitucionalidade de leis e atos normativos mediante um controle abstrato e repressivo.
Esse controle repressivo passou a ser usado como regra (e não só como exceção).

Legitimidade democrática: Democracia significa que o governo será legítimo se respeitar a vontade popular. Mas
o foco não está na limitação do poder e, sim, na sua legitimação, na sua origem. Se a lei foi aprovada pelos representantes
eleitos do povo e declarada inconstitucional por juízes, há o risco de uma decisão ilegítima sob o aspecto democrático
(“governo de juízes”). Essa é a chamada "dificuldade contramajoritária do Poder Judiciário" ou "problema da legitimidade
do controle jurisdicional". Tanto é assim que, durante todo o séc. XIX, entendeu-se na Europa que o controle de
constitucionalidade pelo Judiciário era ilegítimo, pois este Poder era tradicionalmente ligado à aristocracia.
Hoje, a discussão não é se o controle de constitucionalidade é legítimo, mas, sim, em que casos ele é legítimo. A
fim de se diminuir o problema da legitimidade judicial, há a admissão de figuras como o amicus curiae, o uso de audiências
públicas pelo STF e o aumento dos legitimados à propositura de ações para controle concentrado de constitucionalidade.
Isso é feito com o objetivo de aumentar a participação popular no processo (importante mencionar Häberle – “sociedade
de intérpretes”) e fornecer mais subsídios aos magistrados, para que estes possam tomar uma decisão melhor
fundamentada.

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12.b. Critérios clássicos de resolução de antinomias jurídicas.

As antinomias são classificadas pela doutrina clássica, quanto à sua solução, como antinomias aparentes e
antinomias reais, estas últimas também chamadas de lacunas de conflito. Antinomias aparentes são os conflitos de
normas ocorridos durante o processo de interpretação que podem ser solucionados através da aplicação dos critérios
clássicos de solução de conflitos, quais sejam, os critérios hierárquico, cronológico e da especialidade. O critério
cronológico (lex posterior derrogat priori) é aquele segundo o qual, entre duas normas incompatíveis, deve permanecer a
posterior. O critério hierárquico (lex superior derrogat inferiori), por sua vez, determina que, no confronto entre regras
jurídicas inconciliáveis, deve ser aplicada a de estatura superior. O critério da especialidade (lex especialis derogat legi
generali) impõe que, na colisão entre duas regras, prevaleça a especial em detrimento da geral. Dos três critérios, o
cronológico é o mais fraco, o da especialidade é o intermediário e o da hierarquia o mais forte (vide, por exemplo, a
prevalência da Constituição Federal em face das leis).
A Carta Magna é um conjunto ou sistema de ideias políticas, sociais, econômicas, religiosas, etc. distintas, muitas
vezes com direcionamentos opostos sobre determinado assunto - o que invariavelmente causará conflitos. Ocorre que os
critérios clássicos mencionados não são hábeis a solucionar os conflitos surgidos entre princípios radicados no corpo
normativo da CR/88. O conflito entre princípios constitucionais não pode ser reputado uma singela antinomia jurídica. É
que a teoria das antinomias jurídicas foi desenvolvida com base na interpretação jurídica tradicional, que tem como
principal instrumento de trabalho a figura normativa da regra. Com efeito, os critérios clássicos de resolução das
antinomias jurídicas foram desenvolvidos para solucionar o problema do conflito entre regras jurídicas, e não entre
princípios jurídicos.
Com relação ao critério cronológico, é óbvio não se prestar à solução das tensões constitucionais, uma vez que as
normas da CR são editadas em um único momento, com a promulgação da Lei Maior. A única exceção possível é
representada pelas emendas constitucionais, que são editadas após o advento da Constituição. É possível que uma
emenda introduza um novo princípio constitucional, que se afigure total ou parcialmente incompatível com outro princípio
albergado no texto originário da Lei Maior. Nesse caso, o novo princípio poderá revogar, no todo ou em parte, o cânone
anterior com ele inconciliável, desde que este não consubstancie cláusula pétrea. Caso, porém, trate-se de cláusula
pétrea, prevalecerá, para a solução do caso, o critério hierárquico, o que desencadeará a rejeição, por
inconstitucionalidade, do princípio instituído pela emenda constitucional.
O critério da especialidade também é de reduzida valia no confronto entre princípios constitucionais, já que ele só
pode ser utilizado quando se evidenciar entre as normas em antagonismo uma relação do tipo geral-especial. Observe-
se, a propósito, que as antinomias podem ter três classificações: total-total, nas quais as normas em contradição possuem
exatamente o mesmo âmbito de validade, de modo que qualquer aplicação dada a uma delas contraria necessariamente
a outra; parcial-parcial, onde cada norma tem uma aplicação conflituosa com a outra e um campo sem a ocorrência de
conflitos; e total-parcial, que ocorre quando o âmbito de validade de uma das normas está compreendida no âmbito de
validade da outra. Ocorre que somente nas antinomias do tipo total-parcial pode-se utilizar o método de especialidade,
visto que existe uma relação do tipo geral-especial. Esta antinomia, no entanto, não é muito comum no campo
constitucional.
O critério hierárquico tampouco pode ser utilizado, pois todas as normas constitucionais desfrutam formalmente
da mesma estatura, afigurando-se arbitrário conceder a qualquer uma delas primazia absoluta em relação às demais.
Entretanto, não há como negar que algumas normas são mais importantes do que outras, destacando-se na sociedade.
Porém, daí não decorre que, sem autorização expressa da Constituição, possa-se escalonar, em diferentes graus
hierárquicos, as normas editadas pelo Poder Constituinte originário. A inexistência de hierarquia absoluta entre as normas
radicadas na CR configura corolário inafastável do princípio da unidade da Constituição. Existem, basicamente, duas
concepções de hierarquização das normas constitucionais: estática e dinâmica. A hierarquia estática prega que, quando
há o conflito entre duas normas constitucionais, a de estatura inferior deve ser eliminada do sistema (ex: tese das normas
constitucionais inconstitucionais, de Otto Bachof). A estatura da norma, no caso, seria definida com relação à sua origem:
“as que resultam de uma ordem de valores transcendental e preexistente seriam superiores àquelas que têm a sua origem
no ato volitivo do legislador constituinte”. O STF não admite essa tese (Ver ADIn 815-DF). Já a hierarquia dinâmica não
aceita a possibilidade de haver normas constitucionais inconstitucionais, preconizando a subsistência, no ordenamento,
de todas as regras e princípios albergados na norma fundamental, ainda que potencialmente conflituosos entre si.
Já as antinomias reais são definidas por Tércio Ferraz como “a oposição que ocorre entre duas normas
contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, que colocam
o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos
quadros de ordenamento dado”. Assim, as antinomias reais são conflitos entre normas que não são resolvidos com a
utilização dos critérios mencionados. A solução de uma antinomia real é feita pelo intérprete autêntico, com a utilização
da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de Direito, nos termos do art. 4º da Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro. Defende-se, ainda, no caso de princípios constitucionais, a utilização da técnica de ponderação de
interesses.

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12.c. Princípios constitucionais do trabalho. Os direitos fundamentais do trabalhador.

Princípios constitucionais do trabalho. A Constituição da República elegeu o valor social do trabalho como um
dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso IV) e um dos pilares da ordem econômica (art. 170,
caput), reconhecendo o trabalho como um direito social do ser humano (art. 6º, caput).
Atualmente, não resta mais dúvida que os direitos sociais previstos no Capítulo II do Título II da Constituição
compõem o denominado catálogo de direitos fundamentais previstos na Carta Magna. O direito a um trabalho digno
caracteriza-se como um direito fundamental de 2ª dimensão, exigindo, para a sua implementação, uma atuação positiva
por parte do Estado (caráter prestacional). E foi justamente com essa finalidade, qual seja, assegurar o direito a um
trabalho digno, que a Constituição estabeleceu uma série de princípios aplicáveis à relação de trabalho.
De acordo o Ministro do TST Maurício Godinho Delgado, os princípios constitucionais do trabalho podem ser
classificados em três grandes grupos. O primeiro rol diz respeito a efetivos princípios constitucionais do trabalho. Trata-
se de diretrizes afirmativas do labor humano na ordem jurídico-cultural brasileira: a da valorização do trabalho, em especial
do emprego; a da justiça social; a da submissão da propriedade à sua função socioambiental; a diretriz da dignidade da
pessoa humana.
O segundo rol diz respeito a princípios constitucionais de amplo espectro, não exatamente originados em função
da ideia e realidade do trabalho, mas que hoje também atuam, de modo importante, no plano justrabalhista. Não se
construíram e se desenvolveram em função de temas juslaborativos, mas, sim, originalmente, em matérias distintas
daquelas relacionadas ao ramo especializado do Direito do Trabalho. Contudo, por diferentes razões, passaram a ter
influência no campo trabalhista contemporâneo, afetando sua realidade normativa. Trata-se, em especial, das diretrizes
da proporcionalidade, da não-discriminação e da inviolabilidade do direito à vida.
O terceiro rol abrange, finalmente, princípios clássicos do Direito do Trabalho, preexistentes à Carta de 1988, mas
que foram por ela absorvidos. Na medida desta absorção, tais diretrizes adquiriram status constitucional, fortalecendo seu
poder de projeção na ordem jurídica do País. Este grupo de princípios diz respeito não somente à dimensão coletiva,
como também à individual trabalhista. Trata-se dos princípios da liberdade e autonomia associativas e sindicais e da
interveniência sindical na negociação coletiva, no plano do Direito Coletivo do Trabalho. No plano do Direito Individual do
Trabalho, os princípios da norma mais favorável, da continuidade da relação de emprego e da irredutibilidade salarial.
Verifica-se, portanto, que a Constituição, ao estabelecer uma série de princípios informadores da relação de
trabalho procura proteger a parte hipossuficiente na relação empregatícia (o empregado), visando atenuar, no plano
jurídico, o desequilíbrio existente no plano fático.

Os direitos fundamentais do trabalhador. Os direitos fundamentais do trabalhador podem ser diferenciados dos
princípios. Estes são ideias que definem padrões a serem adotados pelo Direito do Trabalho, tanto na legislação, quanto
na atividade interpretativa e integradora. Os direitos fundamentais, por sua vez, dirigem-se ao trabalhador em sua relação
de emprego. Os direitos fundamentais do trabalho, na vertente história da democracia no Ocidente e na matriz
constitucional mais avançada (inclusive no plano da atual Constituição da República brasileira) confundem-se com o
Direito do Trabalho, principalmente em seu plano regulatório do contrato bilateral entre empregador e empregado (a par
de outros trabalhadores legalmente especificados – como os portuários avulsos, por exemplo). É que esse plano
normativo de regulação do contrato de emprego assegura o mais elevado padrão de afirmação do valor-trabalho e da
dignidade do ser humano em contextos de contratação laborativa.
Em primeiro plano, os direitos fundamentais do trabalhador estão consagrados em regras e princípios trabalhistas
inseridos na Constituição da República. Ilustrativamente, em seu “Preâmbulo”, em seus “Princípios Fundamentais” – arts.
1º a 4º –, em algumas dimensões normativas de seu art. 5º; nos arts. 6º e 7º, especificadores de inúmeros direitos sociais
fundamentais. Também está presente em certos dispositivos de Direito Coletivo, regulatórios de direitos fundamentais,
constantes dos arts. 8º ao 11 - embora não se possa dizer que todo o modelo coletivo constitucional corresponda a direito
fundamental do trabalho, em especial na parte de inspiração e dinâmica não necessariamente democráticas.
Os direitos fundamentais do trabalhador também estão presentes na Constituição por meio dos princípios, valores
e fundamentos das ordens econômica e social que sejam afirmativos da dignidade da pessoa humana e da valorização
do trabalho. É o que consta, por exemplo, dos arts. 170 (“Princípios Gerais da Atividade Econômica”), 193 (“Disposição
Geral” relativa à “Ordem Social”), 196 e 197, além dos arts. 200, II e VIII (todos tratando da saúde), 205 (tratando da
educação), 225 e 227, que tratam das garantias a crianças e adolescentes no País (em acréscimo à regra protetora já
lançada no art. 7º, XXXIII, da mesma Constituição).
Os direitos fundamentais do trabalho estão dados também pelos tratados e convenções internacionais subscritos
pelo Brasil, “[...] naquilo que não reduzam o patamar de garantias asseguradas internamente no próprio pais” (art. 5º, §
2º, CF/88).
Tais direitos fundamentais do trabalho também constam da legislação infraconstitucional, a qual completa o padrão
mínimo de civilidade nas relações de poder e de riqueza inerentes à grande maioria do mercado laborativo próprio do
capitalismo (caput do art. 7º, CF/88). Há um equívoco em se entender, de uma forma absoluta, direitos fundamentais
como direitos constitucionais. De fato, muitas vezes os direitos fundamentais encontram-se reconhecidos
constitucionalmente, mas nem sempre. Há direitos infraconstitucionais fundamentais, embora formalmente
constitucionais.
Exemplos:

(i) Direitos da personalidade, tutelados em razão da necessidade de interferência estatal no


âmbito da autonomia da vontade (a limitação ao poder de fiscalizar a atividade do empregado; a liberdade de
pensamento, de convicção filosófica e política; a livre filiação sindical).

(ii) A dignidade moral do empregado, como o dano moral, o assédio moral e o assédio sexual.
Existe, ainda, o direito de não ser discriminado, direito que resguarda a mulher trabalhadora, o trabalhador
71
estrangeiro, o trabalhador portador de necessidades especiais, o trabalhador portador do vírus HIV, dentre
outros.

(iii) Por fim, a proteção jurídica da vida, da saúde, da integridade física do trabalhador e do meio
ambiente do trabalho.

72
13.a. Direito Constitucional Intertemporal. Teoria da recepção. Disposições constitucionais
transitórias.

Direito constitucional intertemporal. Segundo Daniel Sarmento, o papel da teoria do direito constitucional
intertemporal é resolver conflitos relacionados ao surgimento de uma nova Constituição, sobretudo quando não há
disciplina no ADCT. Para referido autor, “o direito intertemporal lida com o conflito de leis no tempo” (Direito constitucional.
Teoria, história e métodos de trabalho, p. 549).
Direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Ainda segundo Sarmento, “o poder constituinte originário
não é obrigado a respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, podendo até mesmo dispor sobre
o passado. Esta posição pode ser fundamentada na concepção tradicional do poder constituinte como juridicamente
ilimitado. Contudo, não é preciso adotar a tese da ilimitação do poder constituinte originário para avalizar tal conclusão. É
possível entender, como nós, que existem limitações jurídicas ao exercício do poder constituinte originário, mas não situar
dentre elas o respeito a todos os direitos adquiridos ou judicialmente reconhecidos no passado”. Prossegue o mencionado
autor: “quando o próprio constituinte, por meio de regra expressa, definir a solução para a questão intertemporal, prevendo
ou vedando a incidência de norma constitucional sobre os efeitos de situações ocorridas no passado, a sua vontade tem
de prevalecer. Contudo, diante do silêncio do texto constitucional, há que se sopesar caso a caso o grau de desvalor
constitucional dos direitos surgidos ou reconhecidos antes da Constituição com a proteção da segurança jurídica” (Direito
constitucional. Teoria, história e métodos de trabalho, item 14.2).
O tema do direito constitucional intertemporal envolve também a revogação, a desconstitucionalização, a teoria da
recepção, da constitucionalização superveniente, da repristinação e da mutação constitucional.
Revogação: a revogação de uma Constituição pela outra pode ser expressa ou tácita. A revogação tácita acontece
por incompatibilidade entre as Constituições ou quando a Carta nova regula inteiramente o assunto, como se deu com as
Constituições de 1988 e 1967. Finalmente, pode a revogação ser total (ab-rogação) ou parcial (derrogação).
Desconstitucionalização: teoria criada por Smend, a partir da concepção política de Carl Schmitt, segundo a qual
dentro de uma Constituição existem as leis constitucionais e a Constituição propriamente dita, que seriam as decisões
políticas fundamentais. Para essa teoria, uma nova Constituição revoga apenas a Constituição propriamente dita, e não
as leis materialmente constitucionais, que podem ser recebidas pelo novo ordenamento com status infraconstitucional.
Não é aceita no Brasil.
Teoria da constitucionalidade superveniente: prega a possibilidade de uma lei originariamente inconstitucional vir
a se constitucionalizar com o advento de uma nova Constituição. Também não é aceita no Brasil, ante a nulidade do ato
inconstitucional.
Repristinação: repristinação é fenômeno que ocorre quando a lei revogada volta a ter vigência pela revogação da
lei que a revogou. São, portanto, três leis. De acordo com a LINDB, a repristinação expressa é admitida, mas a tácita,
não. O efeito repristinatório tácito ocorre, segundo a doutrina, em três hipóteses: medida cautelar em ADI; revogação da
lei federal que havia suspendido a eficácia da norma estadual editada em competência concorrente; e julgamento de
mérito da ADI pela declaração de inconstitucionalidade da lei revogadora, a fim de se evitar lacuna legislativa.
Mutação constitucional: é o processo informal de alteração da Constituição, conforme teoria criada por LABAND e
aprimorada por JELLINEK. É uma teoria que se contrapõe aos processos formais de alteração da Constituição por meio
de emendas constitucionais. Essa mutação advém da alteração da forma de interpretação da norma constitucional e da
mudança dos costumes e valores da sociedade.

Teoria da recepção. É a revalidação de normas que não desafiam materialmente a Constituição. Ou, segundo
Kelsen, é um procedimento abreviado de criação jurídica. Isto porque apenas o conteúdo dessas normas permanece o
mesmo, não o fundamento de sua validade. Do ponto de vista jurídico, as leis não continuam válidas, e sim passam a ser
leis novas, com fundamento de validade na nova CF, cujo sentido coincide com a leis anteriores. A recepção pode ser
expressa (art. 183 da CF/37) ou implícita. A diferença de forma não repercute negativamente quanto a um juízo de
recepção. A forma é regida pela lei da época do ato (tempus regit actum), sendo irrelevante para a recepção. Basta,
assim, que o tema, quanto ao seu conteúdo, seja acolhível sob o prisma da nova ordem constitucional. Por isso, apesar
de não existir mais o decreto-lei, ainda são aplicáveis várias normas que foram concebidas sob esta forma (ex: CP, CPP).
Isto porque não há inconstitucionalidade formal superveniente. Da mesma forma, o CTN foi recebido como lei
complementar, o que significa dizer que ele, no que concerne a normas gerais de direito tributário, só pode ser modificado
por lei complementar. Importante: deve haver compatibilidade formal e material da lei pré-constitucional à CF anterior.
Não-recepção: revogação ou inconstitucionalidade superveniente? Entende o STF que a hipótese de não-recepção
corresponde a uma revogação (ADI nº 2, Rel. Min. Paulo Brossard). O raciocínio do Ministro se baseou no fato de que
não há nulidade absoluta, pois a lei anterior não é nula desde sempre, já que ela era válida sob a égide da CF anterior,
mas passou a ser incompatível com a nova CF; logo, não caberia falar em inconstitucionalidade. O voto vencido foi o do
Min. Sepúlveda Pertence, que sustentava ser caso de inconstitucionalidade superveniente, já que a incompatibilidade da
lei anterior com a nova CF não se resolveria pelo critério cronológico, e sim pelo critério hierárquico (posição do direito
italiano e português).
A importância desse entendimento reside nas seguintes consequências práticas:

a)Não cabe ADI contra a lei anterior à nova CF. Como a ADI se presta a declarar a inconstitucionalidade, não se
mostra instrumento apto para atacar aquela lei anterior;
b) Não é necessária a apreciação da não-recepção por quórum especial (art. 97 da CF – cláusula de reserva de
plenário). Se fosse caso de inconstitucionalidade, toda vez que houvesse essa possibilidade, deveria haver o
deslocamento ao plenário. Considerando ser caso de revogação, o problema se resumirá a um juízo sobre a persistência
da norma no tempo;

73
c) Por se tratar de revogação, o STF entende que não é cabível a modulação dos efeitos da não-recepção.

ADCT. Luís Roberto Barroso, ao falar das disposições transitórias, diz que as mesmas significam: “a influência do
passado com o presente, a positividade que se impõe com aquela que se esvai” (BARROSO, 1993, p. 310). Pelas palavras
do referido autor, a função maior da ADCT é justamente fazer uma transição entre o ordenamento jurídico que se vai com
o ordenamento jurídico que chega, ou seja, fazer um elo entre duas constituições, evitando, assim, um colapso decorrente
da referida transição.
Natureza Jurídica. Os dispositivos do ADCT têm natureza jurídica de normas constitucionais de transição, sejam
temporárias ou não. Mas não há dúvida de que as mesmas são normas constitucionais, não só porque foram elaboradas
e promulgadas pelo poder constituinte, como também por só poderem ser alteradas por emenda constitucional, e, ainda,
em função do princípio da unidade da constituição. Revestem-se, portanto, do mesmo valor jurídico da parte permanente
da Constituição.
Classificação. Vale ressaltar, ademais, que as normas do ADCT, segundo José Afonso da Silva, integram os
elementos formais de aplicabilidade, que, junto com o preâmbulo, são os que trazem regras para aplicação da
Constituição, ajudando a garantir-lhe eficácia.

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13.b. Regime constitucional da propriedade. Função socioambiental da propriedade. Desapropriação
e requisição.

Regime constitucional da propriedade. A propriedade é um direito fundamental previsto no art. 5º, caput, XXII e
XXIII, da CF. Como se denota destes dispositivos, o direito de propriedade está intimamente relacionado à sua função
social, de modo a se racionalizar o aproveitamento econômico dos bens, maximizando-se o atendimento às necessidades
humanas. Como se não bastasse, a propriedade privada e a função social da propriedade são princípios da ordem
econômica (art. 170, II e III, da CF).
A Constituição Federal busca concretizar o exercício do direito de propriedade de acordo com sua função social,
dentre outros instrumentos, por meio dos tributos. Ex.: art. 153, par. 4º, inc. I, que estabelece que o ITR “será progressivo
e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas”. Outrossim, o texto
constitucional prevê a função social da propriedade de bens imateriais (ex.: art. 5º, XXIX).
A propriedade é direito fundamental de âmbito marcadamente normativo, com necessidade de conformação
legal. A função social da propriedade assume relevo no estabelecimento, na conformação ou limitação desse direito.
Apresenta-se como garantia institucional e como direito subjetivo.
Âmbito de proteção: a base da subsistência e do poder de autodeterminação do homem moderno não é mais a
propriedade em sentido tradicional, mas o próprio trabalho e o sistema previdenciário e assistencial instituído e gerido
pelo Estado (Hesse). Proteção que vai além da propriedade privada em sentido estrito, abrangendo também relações
patrimoniais de uma maneira geral.
Definição e limitação: disposições legais têm caráter constitutivo (conformação). O poder de conformação não é
absoluto por parte do legislador, que deve observar o núcleo essencial desse direito (limites dos limites –
proporcionalidade). Núcleo essencial: utilidade privada e poder de disposição.

Função socioambiental da propriedade. Pode ser extraída da CF e do Código Civil (art. 1.228, § 1º). Propõe que
o exercício da propriedade não pode gerar prejuízos a terceiros e, muito menos, ao meio ambiente, permitindo-se a
estipulação de limitações administrativas. Segundo o art. 186, II, da CR/88, por exemplo, a função social da propriedade
rural é cumprida quando ela atende à utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e à preservação do meio
ambiente.
STF: A própria Constituição da República, ao impor ao poder público o dever de fazer respeitar a integridade do
patrimônio ambiental, não inibe a promoção da desapropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária,
especialmente porque um dos instrumentos de realização da função social da propriedade consiste na submissão do
domínio à necessidade de o seu titular utilizar adequadamente os recursos naturais disponíveis e de fazer preservar o
equilíbrio do meio ambiente (CF, art. 186, II). Em descumprindo esses encargos, o titular poderá expor-se à
desapropriação-sanção a que se refere o art. 184 da Lei Fundamental. (MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento
em 30-10-95, DJ de 17-11-95)

Desapropriação. Desapropriação administrativa é o procedimento administrativo não executório (precisa do


auxílio do Judiciário) por meio do qual o Poder Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse
social, compulsoriamente despoja alguém de um bem certo, normalmente adquirindo-o para si, em caráter originário,
mediante indenização prévia, justa e pagável em dinheiro. Nos casos de certos imóveis urbanos ou rurais, por estarem
os referidos imóveis em desacordo com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização far-se-á em
títulos da dívida pública, resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas, preservado seu valor real (Celso Antônio Bandeira
de Mello, p. 872 e 873).
Espécies: a) Comum (art. 5º, XXIV, CF e Lei 4.132/1962): por necessidade ou utilidade pública ou por interesse
social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro. Para a maioria da doutrina, a necessidade relaciona-se com a
urgência, e a utilidade, com o juízo de conveniência. CABM não faz tal distinção. b) Urbanística ou por descumprimento
da função social urbana (art. 182, § 4º, III, CF e Lei 10.257/2001): adotada a titulo de penalização ao proprietário do
solo urbano que não atender à exigência de promoção do adequado aproveitamento de sua propriedade, nos termos do
plano diretor (o expropriante é exclusivamente o Município) e da prévia legislação municipal regulando o assunto (a
desapropriação é a última das medidas possíveis a serem tomadas previamente pelo município). Pode ser realizada a
qualquer tempo, desde que decorridos 5 anos de infrutífera aplicação da tributação progressiva (art. 8º do Estatuto da
Cidade). A indenização é paga com títulos da dívida pública aprovados previamente pelo Senado Federal e com prazo de
resgate de até 10 anos. c) Rural (art. 184, CF): incide sobre imóveis rurais para fins de reforma agrária. Trata-se de
modalidade específica da desapropriação por interesse social que objetiva a perda da propriedade quando esta não
estiver cumprindo sua função social (art. 186, CF). São desapropriáveis: os latifúndios improdutivos e as propriedades
improdutivas, mesmo que não configurem latifúndios, quando seu proprietário possuir mais de uma. A expropriante é
exclusivamente a União e a indenização é paga em títulos da dívida agrária resgatáveis no prazo de até 20 anos, a partir
do segundo ano de sua emissão. As benfeitorias úteis e necessárias serão pagas em dinheiro. Efetuada a desapropriação,
a União terá três anos, a partir do registro do titulo translativo de domínio, para destinar a área aos beneficiários da reforma
agrária (art. 16, Lei 8.629/93). Estados-membros e Municípios podem promover desapropriação de imóvel rural, desde
que por interesse social. Não podem promovê-la para reforma agrária, a qual é privativa da União (RDA 152/122 e RT
595/266). d) Confiscatória ou expropriatória (art. 243, CF): a perda da propriedade tem como pressuposto o fato de
que nela estão localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas (JSCF, p. 752 a 754). A área será destinada ao
assentamento de colonos para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos. CABM entende que a indenização
é um dos requisitos de qualquer expropriação, razão pela qual entende que o art. 243 trata de confisco, e não de
desapropriação. STF (RE 543.974/MG): toda a propriedade será suprimida, e não apenas o local da plantação.

75
Requisição. “Requisição é o ato pelo qual o Estado, em proveito de um interesse público, constitui alguém, de
modo unilateral e autoexecutório, na obrigação de prestar-lhe um serviço ou ceder-lhe transitoriamente o uso de uma
coisa ‘in natura’, obrigando-se a indenizar os prejuízos que tal medida efetivamente acarretar ao obrigado”. Para José dos
Santos Carvalho Filho, ocupação temporária é a forma de intervenção pela qual o Poder Público usa transitoriamente
imóveis privados, como meio de apoio à execução de obras e serviços públicos (ex.: utilização de terrenos particulares
contíguos a estradas). Difere da requisição pelo fato de que, nesta, há uma situação emergencial de perigo público. Na
ocupação vinculada à desapropriação, haverá indenização (art. 36, Decreto-lei 3.365/41) e o ato não terá
autoexecutoriedade; na desvinculada, somente indeniza-se havendo comprovado prejuízo.
São comumente conhecidos os casos de requisição de serviços – para a prestação de serviço militar a que se
sujeitam todos os jovens do sexo masculino que completem 18 anos (art. 5º, Lei 4.375/64), ou para a prestação de serviço
eleitoral nas mesas receptoras de votos (art. 120 e §4º do Código Eleitoral) – e os de requisição de bens – para a instalação
de mesas receptoras de votos (art. 135, §§2º e 3º do Código Eleitoral). Não obstante, existem outras hipóteses menos
conhecidas de requisição de serviços. É o caso da obrigação, que alcança qualquer pessoa, de prestar assistência, desde
que possa fazê-lo sem risco, em caso de acidente com aeronave, assistência essa que pode consistir em simples
informação do evento (arts. 51 e 52 do Código Brasileiro de Aeronáutica). Também o dever previsto no art. 80 e parágrafo
único do Decreto-lei 5.405/43, segundo o qual o veículo que passe por local em que veículo transportador de mala postal
haja se acidentado, sem possibilidade de prosseguir, deverá conduzir tal mala para a agência mais próxima no sentido
de sua marcha.

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13.c. Princípio da isonomia. Ações afirmativas. Igualdade e diferença. Teoria do impacto
desproporcional. Direito à adaptação razoável.

Princípio da isonomia. Igualdade e diferença. 1ª fase: igualdade formal - prevaleceu no constitucionalismo


liberal. Igualdade perante a lei. É a ideia de lei igual para todos – não existem mais distinções em razão de privilégios de
berço. Deu-se primeiro no plano das ideias, depois no plano prático. 2ª fase: igualdade material - prevaleceu no
constitucionalismo social. Igualdade na lei (no seu conteúdo). Exemplo clássico de luta em torno da igualdade: direitos do
trabalhador. É a ideia de desigualar, de forma a equiparar os econômica ou culturalmente mais fracos aos mais
privilegiados. Há mudança profunda acerca do conceito de pessoa. Tratam-se desigualmente os desiguais, observado o
princípio da proporcionalidade. 3ª fase: igualdade como reconhecimento - segundo essa visão, há direito a ser igual
quando a desigualdade inferioriza. Fala-se em um direito à equiparação. Por outro lado, há o direito a ser diferente quando
a igualdade descaracteriza. Aqui está, por exemplo, o fundamento da proteção dos índios: tratá-los como iguais
descaracteriza sua cultura.

Ações afirmativas. O Min. Ricardo Lewandowski, no julgamento da ADPF 186/DF, elucidou o conceito de ações
afirmativas, afirmando “que seriam medidas especiais e concretas para assegurar o desenvolvimento ou a proteção de
certos grupos, com o fito de garantir-lhes, em condições de igualdade, o pleno exercício dos direitos do homem e das
liberdades fundamentais”.
Deborah Duprat: A CR/88 insere-se no modelo do constitucionalismo social, no qual não basta, para observância
da igualdade, que o Estado se abstenha de instituir privilégios ou discriminações arbitrárias. Pelo contrário, “parte-se da
premissa de que a igualdade é um objetivo a ser perseguido através de ações ou políticas públicas, que, portanto,
demanda iniciativas concretas em proveito dos grupos desfavorecidos” (Sarmento).
Muitos dos preceitos relacionados com a igualdade foram redigidos de forma a denotar a necessidade de ação. A
própria Constituição, aliás, consagrou expressamente políticas de ação afirmativa em favor de segmentos sociais em
situação de maior vulnerabilidade. Para citar os dois exemplos mais evidentes, o art. 7º, XX, da Carta (incentivo para
inserção da mulher), bem como o seu art. 37, VIII (reserva de vagas a pessoas com deficiência).
Direito antidiscriminação: (i) perspectiva antidiferenciação - combater a discriminação com tratamento neutro –
sem ações afirmativas. (ii) perspectiva antisubordinação - combater a discriminação com atuação apta a superá-la, com
ações afirmativas. Esta é mais harmônica com o sistema de valores em que se assenta a Constituição e com a nossa
realidade.
Cotas para negros nas universidades: há 2 teses: (i) as cotas promovem a isonomia porque são uma reparação
por injustiças históricas. Além disso, há necessidade de promoção de igualdade de oportunidades; (ii) as cotas estimulam
o ódio racial; o critério meritocrático é o que envolve o acesso à universidade pública; como definir quem é negro?
O fato de haver uma única raça não significa que o racismo não existe. Isso porque ele remanesce a partir de
concepções sociais, culturais e políticas. Promoção do pluralismo: vivemos em um país que tem como uma das suas
maiores riquezas a diversidade étnica e cultural. Porém, para que todos se beneficiem dessa valiosa riqueza, é preciso
que haja um contato real e paritário entre pessoas de diferentes etnias. É necessário romper com o modelo informal de
segregação, que exclui o negro da universidade, confinando-o a posições subalternas na sociedade, especialmente no
ensino. As políticas de ação afirmativa baseadas em critérios raciais no ensino superior também são positivas na medida
em que quebram estereótipos negativos.
Ativismo judicial: quando o Judiciário se depara com normas e medidas que visam a favorecer grupos minoritários
e hipossuficientes, a sua postura deve ser diferente. Não deve o Poder Judiciário frear as iniciativas inclusivas,
convertendo-se no guardião de um status quo de assimetria e opressão, a não ser quando haja patente afronta à
Constituição.
Portanto, as políticas de cotas não ofendem a nenhum dos subprincípios em que se desdobra o princípio da
proporcionalidade. Quanto à adequação, é evidente que, se o objetivo é promover a inclusão dos negros no ensino
superior, a medida encetada é idônea, porque se propõe exatamente a tal fim. No que tange à necessidade, não se
vislumbra, a priori, qualquer outra medida que promova, com a mesma intensidade, a finalidade perseguida. Quanto à
proporcionalidade em sentido estrito, cumpre atentar para o valor que tem o acesso ao ensino superior na emancipação
real dos afrodescendentes no Brasil. Em um quadro social de brutal exclusão do negro, e no marco de uma Constituição
que tem como meta a conquista do pluralismo e da igualdade material e o combate ao preconceito e ao racismo, deve-se
reconhecer a extraordinária importância da promoção dos interesses subjacentes à medida em discussão, na escala dos
valores constitucionais.

Teoria do impacto desproporcional. Essa teoria (“disparate impact doctrine”) é muito utilizada por Daniel
Sarmento e Deborah Duprat em ações ajuizadas pelo MPF. A teoria atua no plano da aplicação do Direito, e não no plano
propriamente do conteúdo das normas. As violações à igualdade não são tão flagrantes, por isso precisamos aguçar
nossa percepção para perceber se uma norma tem conteúdo genérico e abstrato, mas sua aplicação desfavorece
sistematicamente uma minoria estigmatizada. Em outras palavras, a teoria do impacto desproporcional prega a
necessidade de se analisar os efeitos concretos de certos atos que, em princípio, seriam neutros, mas que revelam,
indiretamente, discriminação contra minorias.
Na ADIN 1946, o STF, embora sem citar diretamente a teoria, entendeu que o teto da Previdência em relação a
benefícios previdenciários, embora fosse, a princípio, neutro, prejudicaria as mulheres ao ser aplicado à licença-
maternidade. Isso desestimularia a sua contratação, pois os empregadores teriam que arcar com a diferença salarial
enquanto a empregada usufrui do benefício.

77
Direito à adaptação razoável. Amplamente ligado às ações afirmativas, o direito à adaptação razoável encontra
previsão expressa no bloco de constitucionalidade brasileiro, eis que previsto no art. 2º da Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência da ONU, que assim dispõe:

“‘Adaptação razoável’” significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem
ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com
deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais”.

O direito à adaptação razoável, de origem estadunidense, se faz presente naquelas situações em que a normativa
geral de entes públicos ou particulares é excepcionada para superar obstáculos advindos da condição física ou mental de
determinados sujeitos. Um exemplo prático ocorre na necessidade de os empregadores provarem que apenas não
contratarão pessoas com deficiência se não tiverem condições de recebê-los e acomodá-los de forma razoável, sem ônus
desproporcional ou indevido, nos ambientes de trabalho. Em contraposição ao direito de adaptação ou acomodação
razoável, surge o ônus indevido imposto pelo Estado à autonomia privada, que é tema de debates calorosos na
jurisprudência internacional. Todavia, no Brasil, como a adaptação razoável tem sede constitucional, sua concretização
se faz a partir da hermenêutica inclusiva que permeia todos os debates constitucionais, não havendo que se falar na
imposição de limites ou condicionamentos que esvaziem o próprio direito. Assim, a discussão sobre o ônus indevido,
principalmente na democracia substancial que vige no Brasil, deve ser reduzida, para que se fortaleça o direito à
adaptação razoável de minorias nos espaços públicos e privados, abandonando-se a cultura assimilacionista.

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14.a. Democracia. Conceito. História. Fundamentos. Democracia representativa e participativa.
Teorias deliberativa e agregativa da democracia. Instrumentos de democracia direta na Constituição
de 1988.

Democracia. Conceito. Regime político em que o poder repousa na vontade do povo. Princípio da soberania
popular: o poder emana do povo. Ideia de autogoverno. Regra da maioria (premissa majoritária). Igualdade de voto (um
homem, um voto).
Atualmente, prevalece uma releitura do conceito clássico de democracia: a maioria deve respeito às minorias,
havendo limites à vontade daquela. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade como instrumentos de
preservação da democracia.

História. A democracia surgiu no período axial da Grécia antiga (começa do século 6 A.C.). Daniel Sarmento
explica que o foco principal da Grécia era a legitimação do exercício do poder por meio da democracia direta (exercitada
pelo próprio cidadão), pois a ideia essencial era de atribuição de igual capacidade para que todos os cidadãos
participassem das deliberações tomadas em praça pública (ágora), ou seja, ali deliberavam, participando do processo de
elaboração das leis e das opções administrativas, e até mesmo julgando. Com o advento do Império Romano, esta ideia
ficou esquecida e veio a ser retomada com o Iluminismo por alguns filósofos, em especial Rousseau (O Contrato Social,
em que defendia o modelo grego). Para Rousseau, não há legitimidade da sociedade política através de representação
delegada, pois o termo democracia é por ele empregado como um governo no qual todas as leis são feitas por todo o
povo reunido em assembleias gerais. Norberto Bobbio leciona que o modo de exercer a democracia foi alterado na
passagem da democracia dos antigos para a democracia moderna. Os autores do livro “Federalista” (John Jay; Alexander
Hamilton e James Madison) e os constituintes franceses reconheciam a democracia representativa como o único governo
popular possível num grande Estado. O abade Emmanuel Joseph Sieyès, em seu livro “Qu’est-ce que le Tiers État?” (O
que é o terceiro estado?), estabelece a ideia de representação nacional e sua influência balizará as fases inicial e final da
Revolução Francesa. Para Sieyès, o princípio de toda soberania reside essencialmente na nação.

Fundamentos. 1) Regra da maioria: vale a decisão da maioria do povo. 2) Igualdade: todos os membros da
sociedade têm a mesma condição perante a lei. 3) Liberdade: livre-arbítrio da escolha de voto, escolha. 4) Princípio da
soberania popular: a vontade do povo é que determina. 5) Participação direta ou indireta do povo.

Democracia representativa e participativa. A democracia é dividida em: a) direta: o povo exerce, por si, os
poderes de Governo, fazendo leis, administrando e julgando; b) indireta ou representativa: o povo outorga a direção dos
negócios governamentais a seus representantes, eleitos periodicamente e com mandato temporário; c) semidireta: trata-
se de uma modalidade em que se alteram as formas clássicas da democracia representativa, para aproximá-la cada vez
mais da democracia direta. O povo decide, de maneira definitiva, a respeito das matérias mais importantes da vida pública
por meio de instrumentos como o referendo (submissão de ato do Poder Público a aprovação popular), o plebiscito
(consulta prévia direta ao povo sobre uma questão) e a iniciativa popular (apresentação de projeto de lei pelo povo
diretamente ao Poder Legislativo). Neste sentido, a democracia semidireta, ou participativa, consiste na democracia
representativa (participação popular indireta, periódica e formal, eleição de representantes) + instrumentos de democracia
direta.
O plebiscito e o referendo são convocados mediante decreto legislativo, por proposta de um terço, no mínimo, dos
membros que compõem qualquer das Casas do Congresso Nacional (art. 3º da Lei 9709/1998). A iniciativa popular
consiste na apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado
nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um
deles. Este projeto só poderá tratar de um único assunto e não poderá ser rejeitado por vício de forma. A Câmara dos
Deputados tem legitimidade para corrigir as impropriedades de técnicas legislativas e, por ela, o projeto inicia seu trâmite
(arts. 13 e 14 da Lei 9.709/1998).
A eleição, mais do que simples escolha de representantes, representa instrumento por meio do qual o povo adere
a uma política governamental, outorgando legitimidade à autoridade eleita. O sufrágio é o direito político subjetivo de
participar ativamente nos destinos políticos da nação, por meio da escolha dos governantes ou da própria candidatura.
Já o voto representa o exercício concreto do direito de sufrágio. O voto no Brasil é direto (eleitor escolhe pessoalmente
seus representantes), periódico (se dá em espaços definidos de tempo), igualitário (não há diferença de “peso” entre os
votos/voto de qualidade) e secreto, consistindo-se em cláusula pétrea (art. 60, par. 4º, II, da CF). Escrutínio: forma de
exercício do voto ou da apuração do resultado da eleição, podendo designar também a urna onde os votos são
depositados.

Teorias deliberativa e agregativa da democracia. A teoria deliberativa afirma que o processo de decisão do
governo deve se sustentar em deliberação dos indivíduos racionais em fóruns amplos de debate e negociação. Há
discussão acerca de qual o melhor desenho institucional para operacionalizar a deliberação.
Habermas é preocupado com o modo pelo qual os cidadãos fundamentam as regras do jogo democrático. Para a
teoria democrática “convencional”, a fundamentação do governo democrático se dá por meio do voto, mas, para
Habermas, este não é um instrumento suficiente para legitimar a democracia. Ele define a política deliberativa por meio
de duas vias: (i) a formação da vontade democraticamente constituída em espaços institucionais e (ii) a construção da
opinião informal em espaços extra-institucionais. A partir da interrelação entre esses dois espaços é que se encontra a
possibilidade de governo legítimo.

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Já a teoria agregativa (espécie de democracia liberal) pressupõe que a eleição coletiva vinculante outorgue igual
consideração aos interesses de cada pessoa que será vinculada à decisão. As decisões na forma agregativa de
democracia, apesar de serem reconhecidas como legítimas e poderem ser revogadas a qualquer tempo, são baseadas,
pois, nas decisões de maioria, o que torna difícil lidar com as questões de exclusão de que sofrem as minorias. Para o
modelo de democracia agregativa, a existência de um regime democrático significa apenas a concessão de capacidade
política ativa aos cidadãos – ou seja, apenas direito ao voto – a fim de que estes pudessem selecionar e, desta forma,
legitimar seus governantes. Essa ideia baseia-se na premissa de que o povo não possui discernimento suficiente para
lidar com a coisa pública, além do fato de que os cidadãos devem ser deixados livres para buscar sua felicidade em seus
negócios particulares.
Para lidar com esta questão, surge a democracia substancial, que consubstancia a proteção dos direitos das
minorias (v.g., reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo; demarcação de terras indígenas). Jürgen
Habermas e Friedrich Muller ensinam que a democracia exige mais do que eleições livres, com sufrágio universal e
possibilidade de alternância do poder, pressupondo, outrossim, a fruição de direitos básicos por todos os cidadãos, de
modo a garantir que cada um forme livremente sua convicção e participe dos diálogos políticos.

Instrumentos de democracia direta na CRFB/88. O voto, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular estão
previstos no art. 14 da CF. Além de se dar por estes instrumentos tradicionais, a CF prevê instrumentos de participação
direta como: 1) reconhecimento da competência do Tribunal do Júri, de caráter eminentemente popular, como participação
da sociedade no Poder Judiciário (Art. 5°, XXXVIII - CF); 2) legitimidade de qualquer cidadão para propor ação popular,
em defesa de direito difuso, objetivando anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe,
à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (Art. 5°, LXXIII – CF); 3) participação
da comunidade nas ações de seguridade social (Art. 194, VII – CF); 4) participação dos trabalhadores e empregadores
nos órgãos colegiados dos órgãos públicos, para defesa de interesses profissionais ou previdenciários (Art. 10 – CF); 5)
colocação das contas dos municípios à disposição dos cidadãos, que poderão questionar-lhes a legitimidade e a
legalidade (Art. 31, § 3º – CF); 6) viabilização de corregedorias e ouvidorias, no âmbito do Legislativo, para receber
petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou
entidades públicas (Art. 58, IV – CF).

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14.b. Previdência e assistência social na Constituição.

A previdência social e a assistência social fazem parte da seguridade social. Estão localizadas no artigo 6º da
Constituição Federal como direitos sociais e destinam-se à redução das desigualdades sociais e regionais. A seguridade
social, regida pelo artigos 194 ao 204 da Constituição e organizada pelo Poder Público com base nos princípios do par.
ún. do art. 194, compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade,
destinadas a assegurar os direitos à saúde, à previdência e à assistência social. A Seguridade Social é um mecanismo
de igualdade social, alimentado por todos, na medida de suas possibilidades, para a proteção social dos doentes, inativos
e desamparados. É um instrumento de promoção da justiça distributiva, pela qual se repartem, proporcionalmente,
segundo as necessidades, os benefícios e malefícios da vida comum. A CR não se limitou a declarar os direitos sociais
visados pela Seguridade Social, prevendo recursos mínimos para sua efetividade (art. 195).
De fato, a efetividade dos direitos sociais exige significativo gasto de recursos públicos, os quais são escassos em
face das necessidades humanas. “Ao Parlamento incumbe definir as ‘escolhas trágicas’ e delimitar a ‘reserva do possível’
para o atendimento das necessidades públicas através do uso dos recursos públicos” (NUNES e SCAFF, 2011, p. 101).
Não obstante, a discricionariedade parlamentar é limitada pelas vinculações obrigatórias da receita às despesas sociais
previstas na Constituição. Também é limitada a discricionariedade do Poder Público pela obrigação de o Estado garantir
direitos fundamentais sociais quanto ao mínimo existencial. Ver, p. ex.: art. 203, V; 201, § 2º; 195, II; 40, § 18 (contribuição
social não incide sobre os proventos de aposentadoria e pensão até o limite do RGPS) (LOBO TORRES, 2009, p. 258).
A previdência social é prevista nos artigos 201 e 202 da CF/88 e a assistência social, nos artigos 203 e 204 da
CF/88. A Constituição estabeleceu as seguintes diretrizes para a previdência social: a) proibição de adoção de requisitos
e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria no Regime Geral da Previdência Social - RGPS (exceção
para atividades exercidas sob condições especiais, art. 201, §1º); b) renda mensal nunca inferior ao salário mínimo; c)
correção de todos os salários de contribuição utilizados para o cálculo da renda mensal do benefício; d) preservação do
valor real dos benefícios (STF, AgRg no RE 322348/SC – impõe somente irredutibilidade nominal); e) vedação de filiação
ao RGPS, na qualidade de segurado facultativo, de pessoa filiada a regime próprio de previdência; f) gratificação natalina
para aposentados e pensionistas; g) aposentadoria por tempo de contribuição e idade (EC 20/98 excluiu a aposentadoria
proporcional); h) contagem recíproca do tempo de serviço/tempo de contribuição para fins de aposentadoria; i) cobertura
do risco de acidente do trabalho; j) incorporação dos ganhos habituais do empregado; k) sistema de inclusão
previdenciária para trabalhadores de baixa renda (EC 47/05). O plano de benefícios da previdência social é regido pela
Lei 8.213/91, o regime tributário, pela Lei 8.213/91 e o Regulamento da Previdência Social é feito pelo Decreto nº.
3.048/99.
Enquanto a previdência social garante recursos ao trabalhador e dependentes quando ausente a capacidade
laboral e tem por base um sistema solidário e contributivo, com observação de critérios que preservem o equilíbrio
financeiro e atuarial, a assistência social objetiva — de forma subsidiária à previdência e, também, à assistência privada
— a proteção de todos os desamparados, independentemente de contribuição (art. 203 da CF). O art. 203 da CF/88 foi
regulamentado pela Lei 8.747/93 (lei orgânica da assistência social – LOAS), que foi alterada pela Lei 12.435/11. A LOAS
é regulamentada pelo Decreto 6.214/07, que foi alterado pelo Decreto 7.617/11.
Proteção previdenciária obrigatória: “O art. 201 da CF traz o desenho do regime geral de previdência social,
aplicado, obrigatoriamente, a todos os trabalhadores, excetuando-se os servidores públicos titulares de cargos efetivos
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que possuem preceito específico no art. 40, e os militares,
que também são excetuados do regime geral, haja vista o inc. X do art. 142 da CF e art. 42, §§ 1º e 2º” (PIERDONÁ,
2007, 297). Já a proteção facultativa se faz pelo regime de previdência privada, com organização autônoma. Enquanto a
proteção facultativa visa a manter o padrão de vida do trabalhador, a obrigatória visa a amenizar as situações de
necessidade pelos benefícios previdenciários, preservando o mínimo existencial.

A seguridade social como mecanismo de igualdade social e como problema orçamentário. Como
mecanismo de igualdade material, a seguridade social assenta-se no princípio da solidariedade. Especificamente quanto
à previdência social, destaca-se o princípio da responsabilidade, cujo núcleo essencial impõe a todos agir de modo que
as consequências das nossas decisões presentes sejam compatíveis com uma futura existência humanamente digna.
Como corolário deste postulado, ressai o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, que aponta para uma necessária
correlação entre os benefícios e serviços da previdência social, como sistema de seguro, e as respectivas fontes de
custeio, em ordem a lhe garantir continuidade e certeza de longo alcance. O artigo 195, §5º, da CF/88 estabelece que
“nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte
de custeio total”. A Lei Complementar nº. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), no seu art. 24, repete o mencionado
artigo da Constituição e prevê, no seu art. 17, as medidas de compensação, ou seja, as condições sobre as despesas
obrigatórias de caráter continuado. O §1º do art. 24 da LRF dispõe os casos em que não serão exigidas as medidas de
compensação do art. 17: a) concessão de benefício para pessoas que satisfaçam as condições previstas na legislação
correspondente; b) expansão quantitativa do atendimento dos serviços prestados; c) reajustamento do valor do benefício
ou serviço, a fim de preservar seu valor real.

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14.c. A evolução do constitucionalismo brasileiro: constituições de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967,
1969. A ditadura militar e os atos institucionais. A assembleia constituinte de 1987/88.

A evolução do constitucionalismo brasileiro: constituições de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969.
Conceito de constitucionalismo: Daniel Sarmento ensina que o constitucionalismo moderno “preconiza a limitação
jurídica do poder político, em favor dos direitos dos governados”.
Constituição de 1824: A ideologia subjacente à Constituição do Império corresponde a uma fórmula de
compromisso entre o liberalismo conservador e o semi-absolutismo. A sua principal influência foi a Constituição francesa
de 1814, outorgada por Luís XVIII no contexto da Restauração. Todavia, o constitucionalismo liberal, importado da
Inglaterra e da França, não se aclimatara bem à atmosfera cultural brasileira, influenciada pela herança antiliberal da
colonização portuguesa. Os traços liberais da Carta de 1824 se revelam sobretudo na garantia de um amplo elenco de
direitos individuais (art.179). Mas essa faceta é temperada pelo elitismo conservador da Constituição, que se observa na
adoção de um modelo censitário de direitos políticos (arts. 92 a 96). A Constituição de 1824 consagrava como forma de
governo a monarquia hereditária (art. 3º), atribuindo à dinastia de Pedro I a linhagem real da Coroa brasileira (art. 4º). A
pessoa do Imperador era considerada sagrada e inviolável, e o monarca não estava sujeito a qualquer mecanismo de
responsabilização (art. 99). Mantinha-se como religião oficial a católica, embora se permitisse o culto doméstico e
particular de outras crenças (art. 5º). Ao invés dos tradicionais três poderes, a Constituição de 1824 consagrava quatro:
Legislativo, Judiciário, Executivo e Moderador, sendo este último a principal inovação no desenho institucional da Carta,
decorrente de uma leitura enviesada da teoria de Benjamin Constant. O Poder Moderador, originalmente concebido para
resolver conflitos entre os três outros Poderes, foi incluído na Constituição de 1824 como forma do monarca intervir nas
decisões daqueles.
As eleições eram indiretas: os votantes escolhiam os eleitores (eleição de primeiro grau), que, por sua vez, elegiam
os titulares dos cargos disputados (eleição de segundo grau). A forma de Estado adotada foi a unitária. Sob o verniz da
Constituição, mantinha-se e se alimentava o patrimonialismo, o desprezo pelos direitos fundamentais e a escravidão. As
paulatinas limitações à escravidão e a sua posterior abolição foram as mais importantes mudanças do 2º reinado.
Constituição de 1891: A Constituição de 1891 era a encarnação, em texto legal, do liberalismo republicano e
moderado que havia se desenvolvido nos EUA, embora a sociedade brasileira nada tivesse de liberal. O pensamento de
Ruy Barbosa se impusera quase integralmente na Constituinte, diante de outras correntes de pensamento, como o
positivismo, que tinha então grande força na sociedade brasileira. Adotou-se o federalismo, cujo modelo era o dual,
também vigente nos Estados Unidos, de pronunciada separação entre as esferas federal e estadual, com reduzido espaço
para a cooperação entre elas. O sistema de governo era o presidencialista. O Poder Legislativo era bicameral. O Poder
Judiciário também foi organizado pela Constituição em bases federativas, com uma Justiça Federal e outra Estadual. Na
cúpula de todo o sistema, o Supremo Tribunal Federal, que fora criado um ano antes, pelo Decreto nº 510, com inspiração
na Suprema Corte norte-americana. Os direitos políticos foram concedidos aos cidadãos brasileiros maiores de 21 anos,
excluindo-se os analfabetos, os mendigos, os praças militares e os integrantes de ordens religiosas que impusessem
renúncia à liberdade individual (art. 70). Manteve-se a abolição do voto censitário, que já fora determinada pelo Decreto
nº 200-A do Governo Provisório. Não houve qualquer referência restritiva expressa às mulheres no texto constitucional,
mas a discriminação de gênero era tão enraizada que sequer se discutia se elas podiam ou não votar ou se candidatar.
Tratava-se de uma Constituição perfeitamente liberal, bastante comprometida, no seu texto, com o Estado de Direito. Na
prática, porém, a vida constitucional na República Velha esteve muito distante do liberalismo, marcada pelo coronelismo,
pela fraude eleitoral e pelo arbítrio dos governos.
Constituição de 1934: A Constituição de 1934 inaugurou o constitucionalismo social no Brasil. Rompendo com o
modelo liberal anterior, ela incorporou uma série de temas que não eram objeto de atenção nas constituições pretéritas,
voltando-se à disciplina da ordem econômica, das relações de trabalho, da família, da educação e da cultura. Do ponto
de vista institucional, ela manteve o federalismo, a separação de poderes e o regime presidencialista. Contudo, houve
mudanças significativas no desenho das instituições. O federalismo passou a adotar o modelo cooperativo, inspirado na
Constituição de Weimer. A Justiça Eleitoral ganhou assento constitucional. A maior novidade no campo dos direitos foi a
previsão de direitos sociais. O nacionalismo era um traço marcante no regime então estabelecido.
Constituição de 1937 (Estado Novo): A filosofia geral da Carta de 1937 baseava-se numa rejeição às técnicas da
democracia liberal: (i) o sufrágio direto foi desprezado porque se entendia que o povo não tinha interesse e não estava
preparado para participar da tomada de decisões na sociedade de massas; (ii) a separação de poderes também foi
relegada a segundo plano, pois se considerava que o desenvolvimento e a modernização nacionais deveriam ser
perseguidos por um governo forte, capitaneado por um Presidente em contato direto com as massas, sem os entraves da
política parlamentar e partidária. Apesar disso, ela impunha limites significativos ao exercício do poder. O que teve lugar
durante o período foi, porém, a manifestação do poder sem a observância de limites jurídicos. Até 1945, o país viveu sob
estado de emergência, com o Congresso fechado, numa genuína ditadura. Enquanto não fosse eleito o novo Parlamento,
caberia ao Presidente da República expedir decretos-leis sobre todas as matérias da competência legislativa da União
(art. 180). O Presidente tinha ainda o poder de confirmar ou não o mandato dos governadores dos Estados então em
exercício, nomeando interventores nos casos de não confirmação (art. 176, caput e Parágrafo único). Foi decretado
estado de emergência por tempo indeterminado no país (art. 186), com a suspensão de inúmeras garantias
constitucionais. O MS perdeu seu status de garantia constitucional, passando a ser disciplinado apenas pela legislação
ordinária, e a Constituição vedou ao Judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas (art. 94). Como o
Parlamento não funcionou durante o Estado Novo, o Presidente da República arvorou-se à condição de constituinte
derivado, modificando unilateralmente a Carta de 1937, por meio da edição de “leis constitucionais”. Portanto, na prática,
a Carta de 1937 funcionou como uma Constituição flexível, pois não havia qualquer diferença entre o processo de edição
de normas infraconstitucionais e o de alteração da Constituição.

82
Constituição de 1946: Houve, sob a sua égide, momentos de democracia e estabilidade institucional, bem como
outros extremamente conturbados, em que a Constituição teve pouca importância. O primeiro momento se estende de
1946 até setembro de 1961, quando, no contexto de séria crise política, foi aprovada a Emenda nº 4, que instituiu o
parlamentarismo após a eleição de João Goulart. O segundo momento vai de 1961 até o golpe militar de 1964 e passa
pela volta ao presidencialismo, com a edição da Emenda nº 6, em janeiro de 1963, após a manifestação da vontade
popular por plebiscito. O terceiro momento corresponde ao período em que a Constituição conviveu com o arbítrio militar,
estendendo-se de abril de 1964 até a sua revogação, em janeiro de 1967. Na primeira fase, o Brasil experimentou, pela
primeira vez na sua história, uma vida política razoavelmente democrática, com eleições livres e regulares e relativo
respeito às liberdades públicas, apesar das diversas turbulências políticas por que passou.
Constituição de 1967: A sua elaboração refletiu o propósito do grupo moderado das Forças Armadas —
hegemônico durante o governo de Castelo Branco, que era um dos seus maiores líderes — de reconstitucionalizar o país.
Um dos traços característicos da Constituição de 1967 foi a concentração do poder, tanto no sentido vertical —
centralização no pacto federativo —, como no horizontal — hipertrofia do Executivo. Sem embargo, houve preocupação
com a preservação de uma fachada liberal, que se verifica, por exemplo, no extenso capítulo de direitos e garantias
individuais, inserido no art. 150. Manteve-se o federalismo bidimensional. As eleições presidenciais eram indiretas, por
maioria absoluta, realizadas por colégio eleitoral formado pelo Congresso Nacional e por delegados das Assembleias
Legislativas (arts. 76, caput e §1º, e 77, §1º). O Poder Legislativo seguia o modelo bicameral, composto pela Câmara
dos Deputados e pelo Senado (art. 29). Quanto ao Poder Judiciário, não houve mudanças significativas em relação à
Constituição de 1946, com as alterações impostas pelo AI-2. As garantias da magistratura foram preservadas (art. 108),
mas foram conservadas as cláusulas que excluíam da apreciação judicial os atos praticados pelo “Comando Supremo da
Revolução”, dentre os quais os expedidos por força dos atos institucionais (art. 173). A sistemática de controle de
constitucionalidade, com as mudanças introduzidas pela Emenda nº 16/65, foi mantida.
Constituição de 1969: Fruto do trabalho da “linha dura” das Forças Armadas. A Constituição de 1969 foi outorgada
pela Junta Militar que governava o Brasil, sob a forma de emenda constitucional: era a Emenda Constitucional nº 1.
Invocou-se, como fundamento jurídico da outorga, o AI-5 e o AI-16. O primeiro estabelecia, no seu art. 2º, §1º, que,
enquanto o Congresso estivesse em recesso, o Presidente poderia legislar sobre todas as matérias; e o segundo
dispunha, no seu art. 3º, que, até a posse do novo Presidente da República, a Chefia do Executivo seria exercida pelos
Ministros militares. Para justificar a medida, afirmou-se, nos consideranda da Carta outorgada, que, tendo em vista os
referidos atos institucionais, “a elaboração de emendas à Constituição, compreendida no processo legislativo (art. 49, I),
está na atribuição do Poder Executivo Federal”. O sistema e as principais instituições da Carta de 1969 coincidem, no
geral, com as da Constituição de 1967, com algumas alterações, tais como: a) o Vice-Presidente deixou de cumular sua
função com a de Presidente do Congresso, como ocorria na Constituição de 1967; b) o Congresso seria presidido pelo
Presidente do Senado Federal; c) restrição à imunidade parlamentar material; d) introdução de hipótese de perda de
mandato por infidelidade partidária; e) retrocessos no campo dos direito fundamentais; f) retirada da iniciativa das
Assembleias Legislativas. Manteve-se expressamente o AI-5, bem como seus atos complementares (art. 182). Daniel
Sarmento entende que não se tratou de simples emenda, mas de Constituição — se é que merece esse nome uma norma
editada de forma tão ilegítima. Isto não apenas pela extensão das mudanças promovidas, como também pelo seu
fundamento de validade. É que as emendas, como emanação de um poder constituinte derivado, têm o seu fundamento
na própria Constituição que modificam. Porém, a assim chamada Emenda nº 1 não foi outorgada com fundamento na
Constituição de 1967, mas sim com base no suposto poder constituinte originário da “Revolução vitoriosa”, que se
corporificava, mas não se exauria, nos atos institucionais editados pelos militares.

A ditadura militar e os atos institucionais. A formalização do golpe deu-se por meio do Ato Institucional nº 1 (AI-
1), editado em 9 de abril de 1964, e assinado pelos comandantes das Forças Armadas. Com base nos poderes
excepcionais concedidos pelo AI-1, o governo passa a perseguir os adversários do regime, realizando tortura e prisões
arbitrárias. No Congresso, cinquenta parlamentares tiveram o seu mandato cassado. Com a edição do AI-5, desfez-se a
expectativa de que a Constituição pudesse institucionalizar o regime. Tornara-se claro que o governo militar só seguiria
a Constituição se e quando isso lhe conviesse. Com base no AI-5, abriu-se um amplo ciclo de cassações de mandatos e
expurgos no funcionalismo, que atingiu em cheio as universidades. Três Ministros do STF foram cassados — Victor Nunes
Leal, Evandro Lins e Silva e Hermes Lima — e outros dois deixariam a Corte em solidariedade aos colegas. A censura
aos meios de comunicação se institucionalizou, atingindo também a atividade artística. Nada mais podia ser publicado ou
veiculado que pudesse desagradar ao governo, ou que ameaçasse a moral tradicional e conservadora (de que os militares
se faziam porta-vozes). Embora não houvesse no AI-5 nenhuma autorização legal para tortura, desaparecimento forçado
de pessoas ou assassinatos, tais práticas tornaram-se os métodos corriqueiros de trabalho das forças de repressão.
Foram editados outros doze atos institucionais até a outorga da Constituição de 1969 — do AI-6 ao AI-17 —, impondo
medidas diversas, como a mudança do número de Ministros do STF de 11 para 16 (AI-6) e a suspensão de eleições (AI-
7). Em agosto de 1969, o Presidente Costa e Silva sofre um derrame que o deixa paralisado. Era necessário substituí-lo,
mas os ministros militares não cogitavam em seguir as regras do jogo, que indicavam a sua sucessão pelo Vice-Presidente
Pedro Aleixo - que, além de civil, deixara de ser confiável, ao votar contra a decretação do AI-5. A solução veio por meio
da decretação do AI-12, que investiu os Ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica — respectivamente, Augusto
Rademaker, Aurélio Lyra Tavares e Márcio de Souza e Mello — na Chefia do Executivo, “enquanto durar o impedimento
temporário do Presidente da República” (art. 1º). Desfechava-se um verdadeiro golpe dentro do golpe. Dias depois, a
Junta Militar decretou outros dois truculentos atos institucionais: o AI-13, possibilitando o banimento de brasileiro que se
tornasse “inconveniente, nocivo ou perigoso à Segurança Nacional”, e o AI-14, estendendo a possibilidade de aplicação
da pena de morte à guerra “psicológica adversa”, “revolucionária ou subversiva”. Em 14 de outubro de 1969, é editado o
AI-16, declarando a vacância dos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República e marcando eleições indiretas
para escolha dos sucessores para o dia 25 do mesmo mês. Até lá, a Junta Militar continuou à frente do governo. O

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Congresso, que estava de recesso desde a decretação do AI-5, foi convocado às pressas para referendar o nome do
General Emílio Garrastazu Médici — mais um da “linha dura” — que os militares já haviam escolhido.
Ato Institucional-5 (editado em 13 de dezembro de 1968): Um dos principais editados pelo regime militar. a)
suspende a garantia do habeas corpus para determinados crimes; b) dispõe sobre os poderes do Presidente da República
de decretar estado de sítio, nos casos previstos na Constituição Federal de 1967; c) intervenção federal, sem os limites
constitucionais; d) suspensão de direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de dez anos e restrição ao exercício
de qualquer direito público ou privado; e) cassação de mandatos eletivos; f) recesso do Congresso Nacional, das
Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores; g) exclusão da apreciação judicial atos praticados de acordo
com suas normas e Atos Complementares decorrentes.

A assembleia constituinte de 1987/88. De acordo com a Emenda Constitucional nº 26/85, os membros do


Congresso reunir-se-iam “unicameralmente, em Assembleia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro
de 1987, na sede do Congresso Nacional” (art. 1º). Seria instalada pelo Presidente do STF, que presidiria a eleição do
seu Presidente (art. 2º). A nova Constituição seria promulgada “depois da aprovação de seu texto, em dois turnos de
discussão e votação, pela maioria absoluta dos membros da Assembleia Nacional Constituinte” (art. 3º). Foi elaborado
um regimento interno para elaboração da Constituição, o qual previu a possibilidade de a Constituinte sobrestar qualquer
medida que pudesse ameaçar os seus trabalhos e a sua soberania. Previu-se a criação de 24 subcomissões temáticas,
que elaborariam textos sobre os temas de sua competência. Uma das consequências decorrentes da fórmula adotada foi
o caráter analítico da Constituição, já que, ao se criar uma subcomissão dedicada a tratar de determinado assunto, esse,
naturalmente, se tornava objeto de disciplina constitucional. As Subcomissões eram regimentalmente obrigadas a realizar
entre 5 e 8 audiências públicas, tendo algumas organizado caravanas para outros Estados, visando a facilitar o contato
com as respectivas populações. Finalmente, em 22 de setembro de 1988, ocorreu a derradeira votação da Assembleia
Nacional Constituinte, que apreciou o texto final da Constituição de 1988, depois das mudanças ocorridas no âmbito da
Comissão de Redação. A nova Constituição foi aprovada por 474 votos contra 15, contando-se 6 abstenções. Em 5 de
outubro de 1988, em clima de comoção, a Constituição de 1988 foi finalmente promulgada.
Do ponto de vista histórico, a Constituição de 1988 representa o coroamento do processo de transição do regime
autoritário em direção à democracia. Apesar da forte presença de forças que deram sustentação ao regime militar na
arena constituinte, foi possível promulgar um texto que tem como marcas distintivas o profundo compromisso com os
direitos fundamentais e com a democracia, bem como a preocupação com a mudança das relações políticas, sociais e
econômicas, no sentido da construção de uma sociedade mais inclusiva, fundada na dignidade da pessoa humana. As
maiores influências externas sobre a Carta de 88 foram as constituições de Portugal, de 1976, e da Espanha, de
1978. Tanto Portugal como a Espanha haviam atravessado, cerca de uma década antes, processos de redemocratização,
com a superação do autoritarismo — pela via revolucionária, no caso de Portugal, ou por meio de um processo de
transição pactuada, no caso da Espanha. Ambos os países tinham optado pela reorganização estatal em bases
democráticas, com a manifestação do poder constituinte originário, da qual resultaram constituições que priorizaram os
direitos fundamentais, revestidas de forte teor social.

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15.a. Controle jurisdicional e social das políticas públicas. Serviços de relevância pública. O papel do
Ministério Público.

INTRODUÇÃO: Na clássica definição de Dworkin as normas podem ser classificadas como princípios, regras e
políticas (policy). Estas últimas caracterizar-se-iam por estabelecem metas a serem alcançadas, geralmente relacionados
a um incremento econômico, político ou social de exigências da sociedade. Isso as diferenciariam dos princípios, cuja
observância decorre do fato de serem exigências da moralidade e não servir para incrementar bem-estar social. A
categoria das policies não foi adotada por Alexy, autor cuja obra influenciou toda a tradição brasileira, o que explica,
parcialmente, o atraso no estudo do tema. Na tradição de Dworkin, o art. 3º III CF traz um claro exemplo de política, ao
passo que os direitos individuais do art. 5º CF seriam exemplos de princípios. A Política pública é instituto multidisciplinar,
geralmente estudado entre os cientistas políticos. BUCCI oferece um conceito operacional para o campo do direito:
“Política pública é o programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos
juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário,
processo legislativo, processo administrativo, processo judicial – visando coordenar os meio dispostos à disposição
do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente
determinados. Como tipo ideal, a política pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a
seleção de prioridades, a reserva de meios necessários à sua consecução e o intervalo de tempo em que se espera
o atingimento dos resultados.” (BUCCI, 2006, p. 39) Em resumo: i) conjunto organizado e planejado de ações; ii) visando
a consecução de objetivos coletivos relevantes.
CONCEITO: Por políticas públicas entende-se o conjunto de atividades do Estado tendentes a seus fins, de acordo
com metas a serem cumpridas, ou seja, trata-se de um conjunto de normas (Poder Legislativo), atos (Poder Executivo) e
decisões (Poder Judiciário) que visam à realização dos fins primordiais do Estado. Como toda atividade política (políticas
públicas) exercida pelo Legislativo e pelo Executivo deve compatibilizar-se com a Constituição, mesmo os chamados “atos
de governo” ou “questões políticas” estão sujeitos ao controle do Poder Judiciário, sob o prisma do atendimento aos fins
do Estado. (art. 3°, CRFB).
NOGAMI, 2013 - 'política ou polícia pública' ('policy') - programa de ação governamental - conjunto ordenado de
meios e instrumentos (pessoais, institucionais e financeiros) destinado a, em prazo fixado, melhorar alguma
característica econômica, social ou política da comunidade (meta). O que organiza e dá sentido para a complexa
atividade da política pública (prestações de fato e normativas) é sua finalidade, que pode ser eleita pela Administração
Pública ou a ele imposta pela Constituição Federal e pelas leis. As metas fixadas podem ser, inclusive, negativas,
implicando na proteção de determinado standard (padrão de conduta) contra uma mudança hostil.
As 'políticas públicas' configuram um conjunto de decisões administrativas dirigidas a satisfazer as necessidades
sociais e individuais, com menor esforço, diante de um quadro de carência de meios, exteriorizadas por meio de atos ou
omissões administrativas". Nessa linha de raciocínio, as políticas públicas devem buscar a justiça distributiva.
CICLO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: Em ciência política, as fases de desenvolvimento das políticas públicas são:
i) formulação (definição de necessidades e projetos); ii) execução ; iii) fiscalização (que pode ser prévia, concomitante e
posterior).
INSTRUMENTOS: Do ponto de vista jurídico as políticas públicas são um conjunto heterogêneo de medidas,
podendo se expressar em distintos suportes, v.g, disposições constitucionais, leis, em normas infralegais (decretos,
portarias) e até mesmo em instrumentos jurídicos de outra natureza como contratos de concessão.
OBJETIVOS E ÂMBITO: Na CF, o Capítulo II do Título VI, que cuida das finanças públicas, trazendo as normas
gerais sobre os instrumentos orçamentários, é considerado expressão jurídica de políticas públicas por excelência; b) O
Título VII também traz regras gerais sobre campos de manifestação das políticas públicas, quer seja no tocante à política
urbana (art. 182 e ss), que seja em relação à política rural (art. 184 e ss); c) o Título VIII (Da ordem social), delineia, ratione
materiae, diversas políticas públicas no campo social. (seguridade, educação, cultura e desporto, ciência e tecnologia...).

CONTROLE JURISDICIONAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: o STF, inicialmente, não se mostrou favorável ao
controle de políticas públicas, sob vários argumentos: normas programáticas (STF, RE 264.269 - corroborando
entendimento do STJ (ROMS 6.564/RS), entendeu que o direito à saúde é norma programática de eficácia limitada, não
gerando direito subjetivo), violação à separação dos poderes, teoria das questões políticas e discricionariedade
administrativa (STF, ADI 4/DF - considerou não auto-aplicável a antiga norma do art. 192, § 3º, que limitava a taxa de
juros reais em 12% a.a.), inutilizando o mandado de injunção (STF, MI 107 - o único efeito possível da decisão seria a
conferição de ciência ao órgão legislativo responsável). Desde a ADPF 45 a corte firmou o entendimento pela possibilidade
de controle das políticas públicas, o que chegou ao paroxismo no caso da saúde. Exatamente nesse campo verifica-se
hoje em dia uma tentativa de maior diálogo com a administração e o estabelecimento de standards capazes de não
permitir uma judicialização excessiva. (cf. tópico 19 c)
STF, ADPF n. 45-9, Min. Celso de Mello, - “não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do
P. Judiciário e nas desta Suprema Corte, em especial – a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (José
Carlos Vieira de Andrade, ‘Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 207, item n.05, 1987,
Almeida, Coimbra), pois nesse domínio, o encargo reside, primeiramente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal
incumbência [...] poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem
os encargos políticos-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a
integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas
revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto – consoante já proclamou esta Suprema
Corte – que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política ‘não pode converter-se em promessa
constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela
coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de
infidelidade governamental ao que determina a própria Lei do Estado”. O Poder Judiciário poderá interferir em políticas
85
públicas, quando provocado, mas a intervenção requer, como um imperativo ético-jurídico, a presença dos seguintes
requisitos: (a) o limite fixado pelo mínimo existencial a ser garantido ao cidadão; (b) razoabilidade da pretensão
individual/social deduzida em face do Poder Público; (c) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar
efetivas as prestações positivas dele reclamadas.
CONTROLE SOCIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: Tem bases na teoria de Rousseau que atribuiu ao povo o
poder de controlar as ações do Executivo. Entende-se por controle social das políticas públicas o compartilhamento do
poder de decisão entre Estado e sociedade sobre as políticas, um instrumento e uma expressão da democracia e da
cidadania, ou seja, é a possibilidade de a sociedade intervir nas políticas públicas. O direito à participação popular na
formulação de políticas públicas e no controle das ações do Estado está consagrado na Carta Constitucional e em leis
específicas. Exemplos de normas com previsão de instâncias de consulta e deliberação cidadãs: (a) Artigos 29, XII, 194,
VII, 198, III, 204, II, da CR; (b) ECA; (c) Estatuto da Cidade; (d) LOAS; (e) Política da Saúde (Lei n. 8.080/90); (f) LRF –
art. 48 (Orçamento Participativo); (g) Conselhos gestores de políticas públicas (Leis n. 8.142/90, 9.424/96, etc.). Há,
também, outras formas de participação não institucionalizada na gestão, como os Fóruns e as Audiências Públicas.
Junto ao controle social encontramos o que a doutrina denomina de accountability, que é um atributo inerente ao Estado
e fundamental para qualquer sistema político democrático, onde a sociedade ou o indivíduo possui o direito e o dever de
conhecer os passos dados em seu nome pelo Poder Público, devendo funcionar como um mecanismo hábil no combate
ao desvio de conduta da gestão pública. Será horizontal quando realizada por órgãos do próprio Estado; vertical, quando
realizada pela própria sociedade.
NOGAMI, 2013 - o controle social ainda não é efetivo no Brasil porque a participação do povo na gestão da coisa
pública não está plenamente consolidada, por conta de déficits educacional, social e até mesmo econômico, fazendo
com que a atuação do Ministério Público no controle de políticas públicas seja mais relevante do que em outros países.
SERVIÇOS DE RELEVÂNCIA PÚBLICA: Os direitos cuja observância constitui objetivo fundamental (art. 3°, CR),
e cuja implementação exige a formulação de políticas públicas, apresentam um núcleo central, ou núcleo duro, que
assegure o mínimo existencial necessário a garantir a dignidade da pessoa humana. Para Ana Paula de Barcellos, o
mínimo existencial é formado pelas condições básicas para a existência e corresponde à parte do princípio da dignidade
da pessoa humana à qual se deve reconhecer eficácia jurídica e simétrica. Costuma-se incluir no denominado mínimo
existencial, entre outros, o direito à educação, o direito à saúde básica, a concessão de assistência social, a tutela do
ambiente, o acesso à justiça.
MINISTÉRIO PÚBLICO, JUDICIÁRIO E POLÍTICAS PÚBLICAS: Sendo as políticas públicas instrumento por
excelência para a promoção dos direitos fundamentais e incumbindo ao MP a proteção dos direitos sociais e individuais
indisponíveis, assim como zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos
direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia (art. 127 e 129, II CF),
afigura-se clara a importante missão do MP na fiscalização, controle e promoção das políticas públicas estatais. No campo
não judicial destacam-se os instrumentos de negociação/preventivos do MP, tais quais: a) instauração inquéritos civis e
de procedimento administrativos correlatos (art. 129, inc. III CF, art. 7o, inc. I da LC 75/93, art. 9o da Lei 7.347/85 e Res.
23 CNMP); b) expedição de notificação a autoridades (art. 8º, I, LC 75/93), c) requisição de instauração de providências
investigatórias e procedimentos administrativos (art. 7º, II e III LC 75/93) e de informações e documentos de entidades
pública e privadas (Art. 8, II e IV da LC 75/93), d) expedição de recomendações (6º, inc. XX da LC 75/93 e art. 80 da Lei
8.625/93), e) celebração de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) (art. 5o, § 6o da Lei 7.347/85 LACP), f) realização
de audiências públicas e participação em grupos interinstitucionais, além do diálogo e interlocução direta com
parlamentares, representantes da sociedade civil e demais setores interessados. No campo judicial, vide o exposto acima
em Controle jurisdicional das políticas públicas.
O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO: Cabendo ao Ministério Público, como uma das funções essenciais à
Justiça, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, assim
como zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na
Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia (art. 127 e129, II, CR), afigura-se clara sua importante
missão na fiscalização, controle e promoção das políticas públicas, em especial na intervenção em diversos segmentos,
cobrando dos órgãos estatais a implantação de direitos garantidos pela Carta Constitucional de 1988.
OBSERVAÇÃO: a fim de não violar o princípio democrático, não cabe ao Ministério Público formular políticas
públicas, mas sim fiscalizar e controlar sua execução, pautando-se na "reserva da consistência" (a política pública deve
ter cuidadosa fundamentação jurídica e fática). Nessa esteira, basta que a política pública desenvolvida ou omitida seja
ilegítima, ilícita ou inconstitucional para ser controlada.
Se a finalidade da política pública for eleita pela Administração Pública, estaremos tratando de controle de
gestão. Acaso a finalidade perseguida pela política pública seja imposta pela Constituição e pelas leis, tratar-se-á de
controle de legalidade. A atuação do Ministério Público no controle de legalidade não possui maiores novidades. O
Ministério Público fiscaliza se a política pública cumpre o determinado constitucionalmente/legalmente. Noutro passo,
quando do controle de gestão, deve-se perquirir se a política pública implementada vem alcançando o objetivo ao qual se
prontificou, cabendo ao MP expurga-la do sistema quando ineficiente.
Ressalte-se que, neste ponto, não estamos tratando apenas da atuação judicial do Parquet, haja vista que esse
tipo de comportamento pode ser adequado às disposições legais através de Recomendações e Termos de Ajuste de
Conduta, ou seja, atuação extrajudicial ou não judicial.

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15.b. Direitos políticos. O papel da cidadania na concretização da Constituição.

DIREITOS POLÍTICOS: os direitos políticos formam a base do regime democrático, sendo que a expressão ampla
se refere ao direito de participação no processo político como um todo, ao direito ao sufrágio universal e ao voto periódico,
livre, direto e igual, à autonomia de organização do sistema partidário, à igualdade de oportunidade dos partidos. Nos
termos da Constituição, a soberania popular se exerce pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto e, nos termos
da lei, mediante plebiscito, referendo e a iniciativa popular (art. 14, CR). Podem ser positivos, aqueles que permitem a
participação do indivíduo na vida política do Estado: (a) sufrágio; (b) alistabilidade; (c) elegibilidade; ou negativos, que
são circunstâncias que restringem a elegibilidade: (a) inelegibilidade; (b) perda/suspensão dos direitos políticos.
O PAPEL DA CIDADANIA NA CONCRETIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO: após a CR/88 se encontra superada a
doutrina segundo a qual cidadania significa a prerrogativa de votar e ser votado, ou seja, de quem tem direitos políticos.
A concepção contemporânea de cidadania, incorporada no Texto Constitucional, foi introduzida pela Declaração
Universal de 1948 e reiterada pela Conferência de Viena de 1993. De acordo com José Afonso da Silva, citado por
Mazzuoli, a cidadania, atualmente, “consiste na consciência de pertinência à sociedade estatal como titular dos direitos
fundamentais, da dignidade da pessoa humana, da integração participativa no processo do poder, com a igual consciência
de que essa situação subjetiva envolve também deveres de respeito à dignidade do outro e de contribuir para o
aperfeiçoamento de todos”. OBS.: alguns doutrinadores ainda referem-se à cidadania apenas como o direito de votar e
ser votado (cidadania ativa e passiva), mas a atual Constituição, ao elencar a cidadania como fundamento do Estado
Democrático de Direito, demonstra uma maior elasticidade de seu conteúdo, como consignado por José Afonso da Silva.
Sobre o tema, esclareça-se que o STF referendou a abertura do conceito de cidadania no julgamento do RE 436.966/2005
(INF 407), no qual assegurou para as crianças de zero a cinco anos o direito à educação, considerando ser um “direito
fundamental à cidadania”.
Sobre o tema, por ocasião do término dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte que elaborou o texto
constitucional de 1988, Ulisses Guimarães já exortava o papel fortemente participativo que se imaginava proporcionar ao
cidadão com a nova Constituição: “Pela Constituição, os cidadãos são poderosos e vigilantes agentes de fiscalização
através do mandado de segurança coletivo; do direito de receber informações dos órgãos públicos, da prerrogativa de
petição aos poderes públicos, em defesa de direitos contra a ilegalidade ou abuso do poder, da obtenção de certidões
para defesa dos direitos; da ação popular, que pode ser proposta por qualquer cidadão, para anular ato lesivo ao
patrimônio público, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico, isento de custas judiciais; da fiscalização das contas dos
municípios por parte do contribuinte; podem peticionar, reclamar, representar ou apresentar queixas junto às comissões
das Casas do Congresso Nacional; qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicado são partes legítimas e
poderão denunciar irregularidades perante o Tribunal de Contas da União, do estado ou do município. A gratuidade facilita
a efetividade dessa fiscalização. A exposição panorâmica da lei fundamental que hoje passa a reger a Nação permite
conceitua-la, sinteticamente, como a Constituição coragem, a Constituição cidadã, a Constituição federativa, a
Constituição representativa e participativa, a Constituição síntese Executivo-Legislativo, a Constituição fiscalizadora”. (Ata
da Assembleia Nacional Constituinte. Diário da Assembleia Nacional Constituinte ano II, n. 308, 05.10.1988).
A respeito dos instrumentos postos na constituição em prol da cidadania cita-se, ainda, o mandado de injunção,
que, segundo Häberle, é uma prova da correção de sua tese da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, porque,
nesse caso, o cidadão torna-se legislador indiretamente mediante sua reclamação ao STF. O citado autor ainda esclarece
que o paradigma da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição significa que cada cidadão e cada partido político
que vive na Constituição são co-intérpetes desta Constituição, mormente porque o Poder Judiciário possui legitimação
democrática apenas indireta, sendo que primeiro poder da República é o Parlamento. O legislador parlamentar tem
legitimidade direta, pois é eleito pelo povo e, por isso, é importante que a sociedade também tenha espaço para participar
da interpretação da Constituição.
Assim, além do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, a participação do cidadão é uma peça fundamental na
concretização e na efetivação dos direitos.
OBSERVAÇÃO: Em que pese o resumo afirmar que a cidadania estaria sendo elastecida, insta rememorar que o
cidadão é um dentre os legitimados a ajuizar ação popular. Entretanto, conforme jurisprudência pacífica, a prova de
cidadania (legitimidade ativa) se dá com a simples juntada de cópia do Título Eleitoral.

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15.c. Regime constitucional dos parlamentares. Imunidades e incompatibilidades.

O Estatuto dos congressistas representa o regime jurídico dos membros do Congresso Nacional, em que a
Constituição estabelece um conjunto de normas instituidoras de direitos e prerrogativas e também deveres e
incompatibilidades.
As imunidades ocupam posição relevante, uma vez que os membros do Legislativo devem atuar com ampla
independência no desempenho de suas atribuições constitucionais, bem como para preservar a independência entre os
Poderes.
As imunidades apresentam dupla figuração: i) imunidade material (substancial ou de conteúdo) ou denominada
de inviolabilidade: garante a liberdade de opinião, palavras e votos dos parlamentares. Elas podem tornar o parlamentar
insuscetível de ser punido por certos fatos; ii) imunidade formal (processual, instrumental ou de rito): evita prisões,
oriunda de processos.
Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, o fundamento das imunidades não consiste na proteção do
parlamentar nas relações privadas, porque não são privilégios pessoais, muito menos abrigo para práticas ilícitas, mas
sim pela função exercida no Poder Legislativo. (STF, RE 299109 AgR – a prerrogativa indisponível da imunidade material
[...] constitui garantia inerente ao desempenho da função parlamentar, não traduzindo, por isso mesmo, qualquer privilégio
de ordem pessoal).

Características:
a) imunidade material: i) histórico: desde da Constituição do Império, de 1824. A Imunidade civil tornou-se
expressa com EC 35/2001, embora já fosse admitida pelo STF (RE 210.917, Rel. Min. Sepúlveda Pertence) ii) objeto: de
inviolabilidade quanto ao cometimento de crimes e contravenções; iii) objetivo: proteger a função parlamentar, em nome
da representatividade do povo (art. CR/88, art. 1º, parágrafo único); iv) natureza jurídica: a doutrina diverge, considera
como causa excludente do delito (Pontes de Miranda e Nelson Hungria); causa pessoa ou funcional de isenção de penal
(Aníbal Bruno); causa pessoal de exclusão de pena (Heleno Cláudio Fragoso); causa de irresponsabilidade penal por
motivos políticos (José Frederico Marques) e causa de exclusão da tipicidade (Zaffaroni e Pierangeli, Fernando Capez);
v) funcionamento: exclui a responsabilidade penal, civil, disciplinar e política do congressista, ou ex- congressista, por
suas opiniões palavras e votos. vi) nexo de causalidade: deve-se comprovar o liame entre as manifestações políticas e o
exercício do mandato; vii) extensão: abrange opiniões, palavras e votos (responsabilidade criminal ( não constitui crime
seus atos), civil ( não pode ser responsabilizado por perdas e danos a responsabilidade administrativa (não sofrerá
sanções disciplinares) e política ( não poderá ser destituído pelos eleitores ou pelo partido que o elegeu). viii) âmbito
espacial: recinto parlamentar (tribuna); externa corporis, é necessário vinculo com a atividade política; na CPI, na
divulgação pela imprensa de fatos protegidos pela inviolabilidade; ix) irrenunciável: por ser garantia institucional deferida
ao Poder Legislativo e, portanto, por decorrer da função que os seus membros exercem, a imunidade é irrenunciável. Seu
início ocorre com a diplomação, perdurando até o término do mandato; x) efeitos temporais: se prolonga no tempo, o que
significa que o deputado/senador não poderá sofrer sanção. xi) abuso da prerrogativa: sujeitar-se-á o parlamentar as
regras disciplinares da Casa a que pertencer ( CF, art. 55, p; 1º).
b) imunidade processual: i) histórico: desde da Carta de 11824 (art.27); ii) objetivo: garante ao parlamentar não
ser ou permanecer preso, bem como a possibilidade de sustar o processo penal em curso contra ele. iii) termo inicial:
data da diplomação; vi) conteúdo:, os parlamentares, assim que forem diplomados, podem ser processados sem prévia
licença da Casa a que pertence. Eles podem ser presos em flagrante por crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão
remetidos dentro de24 horas à Casa respectiva, para que a maioria absoluta dos parlamentares, delibere sobre a prisão.
v) abrangência: impede a prisão penal e a civil, o que significa que o parlamentar não poderá sofrer constrição privativa
de liberdade, salvo em crime inafiançável. No entanto, nada impede a execução dessa pena, se definitivamente imposta.
(INQ 510/DF, Min. Celso De Mello - a garantia jurídico-institucional da imunidade parlamentar formal não obsta, observado
o "due process of law", a execução de penas privativas da liberdade definitivamente impostas ao membro do Congresso
Nacional) vi) desnecessidades de licença: embora não necessite de autorização da Casa para o processo, essa pode
determinar a sustação dele, depois de acolhida a denúncia ou queixa pelo Tribunal (enquanto o processo estiver suspenso
a prescrição penal não corre, voltando o seu curso no dia que o mandato encerra. Nos casos em que o processo estava
suspenso antes da EC 35, o prazo prescricional torna a correr da data da promulgação da emenda); vii) aspecto temporal:
ao contrário da material, ela é limitada, porque protege o congressista somente no período do exercício do mandato; viii)
prerrogativa de foro por infrações penais comuns: desde a expedição do diploma, os parlamentares serão submetidos ao
julgamento pelo STF. “Regra da Atualidade” (Alexandre de Moraes) - Cessado o mandato, termina também a missão da
Corte. No caso de extinção do mandato por Renúncia: é legítima a renúncia, que produz efeito de remeter o processo
para o juízo criminal de primeiro grau (AP 333/PB, Min. Joaquim Barbosa), salvo se julgamento já tiver sido iniciado (INQ
2295, Min. Menezes Direito) ou houver fraude processual (caso Natan Donadon, AP 396/RO, Min. Cármen Lúcia – no
caso concreto, a renúncia se deu um dia antes do início do julgamento, caracterizando fraude processual na fixação de
competência, mas ATENÇÃO: STF ainda não fixou marco temporal específico); ix) isenção de testemunho: os
deputados/senadores não são obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do
mandado, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou delas receberam informações (CF, art. 53, p. 6º); x) durante o
Estado de sítio: as imunidades material e formal podem ser suspensas por meio do voto de 2/3 dos membros da Casa
respectiva, nos casos de atos praticados fora do Congresso, que sejam incompatíveis com a execução da medida (CF,
art. 53, p. 8º)
Deputados estaduais e distritais: seguem a mesma sistemática de imunidades (art. 27, p 1º). Vereadores
somente possuem imunidade material (art. 29, VIII), porém é limitada territorialmente à circunscrição do Município.
Incompatibilidades (CF, art. 54): são impedimentos ou restrições relacionados a atividade política, que impedem
o parlamentar de exercer certas funções ou praticar atos sucessivos com o mandato. A finalidade é evitar que o
parlamentar se comprometa com interesses distintos daquele que o elegeu, ou que ele obtenha favorecimentos especiais
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em razão desse mandato.
Classificação das incompatibilidades: i) contratuais ou negociais (art. 54, I, a): não poderão, desde a
expedição do diploma, firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública,
sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a
cláusulas uniformes; ii) funcionais (art. 54, I, b e II b): não poderão, desde a expedição do diploma, aceitar ou exercer
cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis ad nutum, nas entidades constantes no
item anterior. Também não poderão ocupar cargo ou função de que sejam demissíveis ad nutum, nas entidades referidas
no item “i”; iii) profissionais (art. 54, II, a e II c): não poderão, desde a posse, ser proprietários, controladores ou diretores
de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função
remunerada. Do igual modo, não poderão patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entidades citadas no
item “i”; iv) políticas (art.54, II, d); não poderão, desde a posse, ser titulares de mais de um cargo ou mandato eletivo.

Direito comparado e origem imunidades parlamentares


Originada na Inglaterra, no século XVII, as imunidades possibilitaram aos políticos discursarem sem o arbítrio sob
a monarquia. A partir de então o instituto se disseminou em todas as nações democráticas do mundo, como decorrência
de dois corolários do direito constitucional inglês: o freedom of speech (liberdade de palavra) e o freedom from arrest
(liberdade à prisão arbitrária). Ambos incluídos no Bill of Rights de 1688, transmitiam a mensagem de que a liberdade de
expressão e o debate de opiniões no Parlamento são invioláveis.
Depois, mais tarde, as imunidades parlamentares foram inscritas na Constituição dos Estados Unidos da América
de 1787 (art. 1º seção 6). Nesse país, se um congressista cometesse crime fora do exercício da atividade, recebia o
mesmo tratamento de qualquer cidadão comum, sendo investigado, indiciado, processado e julgado, porque a
inviolabilidade só alcança os estritos limites do cargo. Fora da função parlamentar todos são iguais.
Nos países latinos, o instituto sofre distorções, sendo desfigurado. Enquanto na Inglaterra, nos EUA, no Canadá e
na Alemanha a imunidade parlamentar se restringe ao âmbito de atuações políticas, no Brasil, na Itália, na Espanha, na
Argentina, ela figura como abrigo de criminosos, protegendo os parlamentares nos delitos comuns.

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16.a. Direito fundamental à educação. A educação na Constituição Federal.

Conceito: a educação é direito fundamental social, básico e de caráter geral, expresso no artigo 6º, com
regulamentação mais detalhada no âmbito constitucional nos artigos 205 a 214 da CF/88. Segundo a CF, a educação é
direito de todos e dever do Estado e da família e será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Aqui,
segundo SARMENTO, há consagração da eficácia horizontal dos direitos fundamentais (a educação não só dever do
Estado, mas também da família). São considerados fundamentais os dispositivos constitucionais referentes à educação,
além do artigo 6° que é inserido no capítulo próprio dos direitos fundamentais, os artigos 205 a 208 (complexo normativo
constitucional essencial em educação). Já os artigos 209 a 211 da CR estabelecem as condições, organização e estrutura
das instituições públicas e privadas no âmbito do sistema nacional de educação, ao passo que o art. 212 estabelece
regras de participação dos diversos entes federativos no financiamento do sistema de ensino, além de conter normas
voltadas a metas, prioridades e diretrizes para a aplicação dos recursos públicos na esfera educacional, tal como o artigo
213. Por fim, o artigo 214 prevê a instituição do plano nacional de educação e seus objetivos.
Princípios constitucionais orientadores do ensino: (a) igualdade de condições para o acesso e permanência
na escola; (b) liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Questão controversa
é a possibilidade de home schooling (ensino doméstico), prática comum nos EUA, onde é aceita com algumas restrições
(Stateof Wisconsin, Petitioner vs. Jonas Yoderetal). No Brasil há uma decisão do STJ não admitindo tal possibilidade (MS
7407/DF). OBS: O MPF, na referida ação, manifestou favoravelmente à possibilidade de os pais educarem os filhos em
casa admitindo ser possível afastar determinações específicas da legislação ordinária especialmente quanto à frequência
em sala de aula em respeito ao fim maior prestigiado pelo legislador constituinte: o direito subjetivo à educação; (c)
pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; (d)
gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. Os estabelecimentos oficiais de ensino não podem cobrar
nada do aluno, sendo que esta gratuidade abrange o ensino em toda a sua extensão, desde a pré-escola até o doutorado.
(e) valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso
exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (f) gestão democrática do ensino público,
na forma da lei; (g) garantia do padrão de qualidade; (h) piso salarial profissional nacional para os profissionais da
educação escolar pública, nos termos da lei federal (valorização dos profissionais).
Deveres do Estado: (a) garantir a educação básica obrigatória e gratuita dos 04 (quatro) aos 17 (dezessete) anos
de idade, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para quem não teve acesso na idade própria. O acesso à educação
básica é direito público subjetivo e o seu não oferecimento, ou oferecimento irregular, importa responsabilidade da
autoridade responsável, devendo o Poder Público, inclusive, recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes
a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola (art.208, §§ 1º, 2º e 3°). Importante: Até a
EC 59/09 apenas era direito público subjetivo o acesso ao ensino fundamental. Após a emenda ampliou-se a
obrigatoriedade e a gratuidade para toda educação básica, de modo que é possível afirmar que o mínimo existencial em
matéria de educação estendeu-se. De acordo com Ana Paula de Barcellos, a educação básica obrigatória integra o
mínimo existencial e constituiu pressuposto básico para a participação no âmbito do Estado, para o exercício da cidadania
e para o ingresso no mercado produtivo; (b) garantir a progressiva universalização do ensino médio gratuito; (c)
atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. Aqui
é ínsita a ideia de inclusão social; (d) educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade.
Na jurisprudência do STF e STJ predomina o entendimento no sentido da obrigatoriedade de os municípios oferecerem
o ensino infantil, configurando hipótese legítima de controle de políticas públicas a ingerência do Judiciário nas demandas
que pleiteiam a construção de creches. (RE 410.715-5). Entretanto, atente-se para a situação de o Poder Público
permanecer em carência orçamentária para atender todas as demandas, mesmo alocando recursos para o atendimento
do mínimo existencial, porquanto nesta situação limítrofe não há como o Poder Judiciário imiscuir-se nos planos
governamentais. (REsp 1185474/SC); (e) garantir o acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação
artística, segundo a capacidade de cada um; (f) garantir a oferta de ensino noturno regular, adequado ás condições do
educando; (g) garantir atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas
suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
Conteúdo do ensino: no ensino fundamental serão fixados conteúdos mínimos, de forma a assegurar formação
básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. Deve também ser garantido (a) o ensino
religioso, de matrícula facultativa; e (b) a adoção da língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também
a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem (art. 210 c/c 231). Atente-se, ainda, para o
disposto no artigo 242, §1º, CR, segundo o qual o ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições culturais
e etnias par a formação do povo brasileiro.
Ensino superior: Quanto ao direito à educação superior, a Constituição apenas assegura o acesso segundo a
capacidade de cada um, sem tecer maiores considerações e, inclusive, não o considera como direito subjetivo público.
Entretanto, em sintonia com o dever de progressiva realização dos direitos sociais, econômicos e culturais, é possível
sustentar, além do direito subjetivo de igual acesso às vagas já disponibilizadas, um dever constitucional de progressiva
criação de cursos e vagas ou da criação de outros meios de acesso efetivo ao ensino superior, como dá conta, por
exemplo, considerando o seu impacto positivo em termos quantitativos e qualitativos a experiência do PROUNI. A respeito
do ensino superior, a CR garante a autonomia didático-científica, administrativa e de gestão patrimonial, das
universidades, e a possibilidade de admitirem, em seus quadros, técnicos e cientistas estrangeiros (art. 207). Entretanto,
a autonomia não significa independência absoluta em face do Estado, de modo especial no que diz respeito com a
possibilidade da edição de atos normativos autônomos.
Gratuidade: o ensino público será gratuito nos estabelecimentos oficiais (art. 206, IV). Portanto, a cobrança de
taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição da República. (SV n° 12).
OBS. Referida gratuidade não se aplica às instituições educacionais oficiais criadas por lei estadual ou municipal e
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existentes na data da promulgação da Constituição, que não sejam total ou preponderantemente mantidas com recursos
públicos. Artigo 242, CRFB/88.
Exploração privada: A exploração privada e onerosa é possível, não sendo necessário qualquer tipo de outorga
pelo poder público, nos moldes do que ocorre no campo da saúde. (art. 209). Entretanto, submete-se à autorização e
avaliação de qualidade pelo Poder Público.
Organização do sistema de ensino: é comum a competência para propiciar meios de acesso à educação (art.
23, CR), e concorrente para legislar sobre educação e ensino (art. 24, IX, CR). Vigora o princípio do federalismo
cooperativo entre os entes federados (art. 211,caput e § 4º, CR). Municípios atuam prioritariamente no ensino fundamental
e infantil. Estados atuam prioritariamente no ensino médio e fundamental. A União organizará o sistema federal de ensino
e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino público Federal e exercerá, em matéria educacional, função
redistributiva e supletiva. (art. 211, §§ 1º, 2º e 3º CF)
Financiamento: Se faz de forma direta pelas receitas orçamentárias dos entes federados, havendo sistemática
de vinculação que excepciona o princípio da não afetação. O descumprimento de aplicação mínima dos recursos pode
ensejar intervenção federal, por violação aos princípios constitucionais (União: no mínimo 18% da receita de impostos;
Estados: no mínimo 25% de impostos, compreendida as transferências; Municípios: no mínimo 25% de impostos,
compreendida as transferências). A educação básica tem como fonte adicional a contribuição social do salário educação,
de competência da União, cujas cotas são distribuídas proporcionalmente ao número de alunos matriculados nas redes
públicas de ensino. (art. 212, §§ 5º e 6º)
Aplicação dos recursos públicos: embora os recursos públicos sejam destinados às escolas públicas, podem,
também, ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que (a) comprovem
finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação; (b) assegurem a destinação de seu
patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de
suas atividades. Tais recursos poderão, ainda, ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na
forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da
rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na
expansão de sua rede na localidade. Também poderão receber apoio financeiro do Poder Público as atividades
universitárias de pesquisa e extensão. Art. 213, CR.

OBS.: ENSINO REGILIOSO EM ESCOLAS PÚBLICAS (ADI4439): A PGR propôs que o STF interprete o decreto
7.107/2010 à luz da Constituição Federal e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Em seu art. 33, a
LDB estabeleceu que "o ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e
constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade
cultural religiosa do Brasil e vedadas quaisquer formas de proselitismo". A PGR defende a tese de que a única forma de
compatibilizar o caráter laico do Estado brasileiro com o ensino religioso nas escolas públicas consiste na adoção de
modelo não confessional. Para a PGR, a disciplina deve ter como conteúdo programático a exposição das doutrinas,
práticas, história e dimensões sociais das diferentes religiões, incluindo posições não religiosas, sem qualquer tomada de
partido por parte dos educadores. Ainda de acordo com argumentação contida na ADI, a disciplina deve ser ministrada
por professores regulares da rede pública de ensino, e não por "pessoas vinculadas às igrejas ou confissões religiosas".

91
16.b. Os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade.

Princípio da dignidade da pessoa humana.


Conceito: a dignidade humana consiste na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano, que o protege
contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa, bem como assegura condições materiais mínimas de
sobrevivência. Consiste em atributo que todo indivíduo possui, inerente à sua condição humana, não importando qualquer
outra condição referente à nacionalidade, opção política, orientação sexual, credo, etc. (ACR, Curso de direitos humanos,
2014, p. 74)
Evolução histórica: dentro de um caminho histórico marcado por avanços e retrocessos, podemos mencionar
quatro momentos fundamentais: (a) Cristianismo: ideia do homem criado à imagem e semelhança de Deus, a doutrina
cristã e do amor incondicional ao próximo e o reconhecimento da igualdade entre os povos perante Deus; (b) Iluminismo-
humanista: desalojou a religiosidade do centro do sistema do pensamento, substituindo-a pelo próprio homem –
preocupação com os direitos individuais do homem e o exercício democrático do poder; (c) a obra de Immanuel Kant: a
filosofia kantiana mostra que o homem, como ser racional, existe como fim em si, e não simplesmente como meio,
enquanto os seres, desprovidos de razão, têm um valor relativo e condicionado, o de meios, eis porque se lhes chamam
coisas. A concepção de Kant continua a valer como axioma no mundo ocidental, embora com acréscimos decorrentes da
evolução; (d) os reflexos dos horrores da Segunda Guerra Mundial: consagração da dignidade da pessoa humana no
plano internacional e interno como valor máximo dos ordenamentos jurídicos e princípio orientador da atuação estatal e
dos organismos internacionais.
Previsão constitucional: a CF/88 estabelece que um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito é a
dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Além disso, a CF/88 afirma que toda a ação econômica tem como finalidade
assegurar a todos uma existência digna (art. 170). Por sua vez, no art. 226, §7, ficou determinado que o planejamento
familiar é livre decisão do casal fundado no princípio da dignidade da pessoa humana. Já o art. 227 determina que cabe
à família, à sociedade e ao estado assegurar a dignidade à criança, ao adolescente e ao jovem. No art. 230, a CF/88
prevê que a família, a sociedade e o estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, defendendo sua dignidade e bem
estar.
Documentos internacionais que fazem referência ao princípio: (a) Carta das Nações Unidas de 1945. (b)
Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948; (c) Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966.
(d) Estatuto da Unesco, de 1945.
Natureza jurídica: tanto nos diplomas internacionais quanto nacionais, a dignidade humana é inscrita como
princípio geral ou fundamental, mas não como direito autônomo. De fato, a diginidade humana é uma categoria jurídica
que, por estar na origem de todos os direitos humanos, confere-lhes conteúdo ético (ACR, Curso de direitos humanos,
2014, p. 74). Positivado na Constituição, o princípio da dignidade da pessoa humana costura e unifica todo o sistema
pátrio de direitos fundamentais e “representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando seus
efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas também toda a miríade
de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade civil e no mercado” (SARMENTO).
Considerações: a dignidade da pessoa humana constitui um valor que atrai a realização dos direitos fundamentais
do homem, em todas as suas dimensões. É um valor fundamental que se viu convertido em princípio jurídico de estatura
constitucional, seja por sua positivação em norma expressa seja por sua aceitação como mandamento jurídico extraído
do sistema. Serve, assim, tanto como justificação moral quanto como fundamento normativo para os direitos
fundamentais. O princípio da dignidade da pessoa humana pode ser classificado, de acordo com a modalidade de
eficácia, em três categorias: direta (incide à semelhança de uma regra), interpretativa (os valores e fins nele abrigados
condicionam o sentido e o alcance das normas jurídicas em geral) e negativa (implica na paralisação de qualquer norma
ou ato jurídico que com ele seja incompatível).
Conteúdo essencial da dignidade: (a) valor extrínseco da pessoa humana – elemento ontológico da dignidade,
traço distintivo da condição humana, do qual decorre que todas as pessoas são um fim em si mesmas, e não meios para
a realização de metas coletivas ou propósito de terceiros; (b) autonomia da vontade – elemento ético da dignidade da
pessoa humana, associado à capacidade de autodeterminação do indivíduo, ao seu direito de fazer escolhas existenciais
básicas; e (c) valor social da pessoa humana (valor comunitário) ou dignidade como heteronomia – elemento social
da dignidade humana, identificando a relação entre o indivíduo e o grupo.
OBSERVAÇÃO: SARLET (2009) entende que a dignidade é uma construção histórico-cultural. Neste aspecto a
dignidade da pessoa humana é concebida como uma construção que vem sendo feita durante os vários períodos
históricos, também fruto de uma cultura de cada país. Referida construção tem sido levada a cabo por cada indivíduo
particularmente, sendo que aos direitos fundamentais não lhes são cometidos assegurar a dignidade, mas sim dar
condições para que esta se materialize. Por conseguinte, a dignidade apresenta dupla dimensão: positiva e negativa. A
positiva seria a do ser humano se autodeterminar, fazer suas escolhas. A segunda (negativa) seria uma dimensão
protetiva, aquela em que, não havendo a primeira, deveria o Estado e os outros indivíduos lhe assegurar o reconhecimento
dessa dignidade. E, através destas dimensões que é possível afirmar que: "É justamente neste sentido que assume
particular relevância a constatação de que a dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos
poderes estatais e, no nosso sentir, da comunidade em geral, de todos e de cada um, condição dúplice esta que também
aponta para uma paralela e conexa dimensão defensiva e prestacional da dignidade. Como limite, a dignidade implica
não apenas que a pessoa não pode ser reduzida à condição de mero objeto da ação própria e de terceiros, mas também
o fato de a dignidade gerar direitos fundamentais (negativos) contra atos que a violem ou a exponham a graves ameaças.
Como tarefa, da previsão constitucional (explícita ou implícita) da dignidade da pessoa humana, dela decorrem deveres
concretos de tutela por parte dos órgãos estatais, no sentido de proteger a dignidade de todos, assegurando-lhe também
por meio de medidas positivas (prestações) o devido respeito e promoção" (SARLET, 2009, p. 32) Ao final, Sarlet pugna
pelo reconhecimento de um conceito multicultural, secularizado e universalizado de dignidade da pessoa humana,
através de uma "[...] superação de qualquer visão unilateral e reducionista e a promoção e proteção da dignidade de todas
92
as pessoas em todos os lugares" (SARLET, 2009, p. 39), conceituando-a como: "[...] a qualidade intrínseca e distintiva
reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da
comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto
contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais
mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da
própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos". (SARLET, 2009, p. 37)
Usos possíveis da dignidade humana: de acordo com ACR (Curso de direitos humanos, 2014, p. 75/78), é
possível identificar quatro usos habituais da dignidade humana na jurisprudência brasileira: (I) fundamentação da
criação jurisprudencial de novos direitos ou eficácia positiva do princípio da dignidade da pessoa humana – ex.:
o STF reconheceu o “direito à busca da felicidade”, sustentando que este resulta da dignidade humana (RE 477.554);
GILMAR MENDES defende que, para se reconhecer um novo direito fundamental, deve ser provado um vínculo com a
dignidade humana (derivação direta) ou pelo menos ser o novo direito vinculado a direito por sua vez decorrente da
dignidade humana (derivação indireta). (II) formatação da interpretação adequada das características de um direito
– ex.: o STF reconhece que a prestação jurisdicional é uma das formas de concretizar o princípio da dignidade da pessoa
humana, o que torna imprescindível seja ela realizada de forma célere, plena e eficaz (recl. 5758). (III) criação de limites
à ação do estado ou eficácia negativa do princípio da dignidade da pessoa humana – ex.: a dignidade humana foi
repetidamente invocada para traçar limites ao uso desnecessário de algemas em vários casos no STF. (IV)
fundamentação do juízo de ponderação e escolha da prevalência de um direito em prejuízo de outro – ex.: o STF
utilizou a dignidade humana para fazer prevalecer o direito à informação genética em detrimento do direito à segurança
jurídica, afastando o trânsito em julgado de uma ação de investigação de paternidade (RE 363.889).

Princípio da solidariedade.
Princípio da solidariedade: a ideia de solidariedade tem raízes na teologia cristã e na ética estóica. Entretanto,
na modernidade ela se laiciza, enriquecida pelas contribuições dos utopistas do renascimento e mais tarde dos autores
socialistas. Assim, de virtude ética desprovida de dimensão jurídica ela passou à condição de um dos fundamentos dos
direitos humanos, sobretudo depois da superação da leitura liberal-burguesa, a partir do advento do Estado do Bem-
Estar. A solidariedade, num conceito mínimo, é a ação concreta em favor do bem do outro. Na verdade, a
solidariedade implica o reconhecimento de que, embora cada um de nós componha uma individualidade, irredutível ao
todo, estamos também todos juntos, de alguma forma irmanados por um destino comum. Ela significa que a sociedade
não deve ser o locus da concorrência entre indivíduos isolados, perseguindo projetos pessoais antagônicos, mas sim um
espaço de diálogo, cooperação e colaboração entre pessoas livres e iguais, que se reconheçam como tais.
Realidade brasileira: em nosso ordenamento, a Constituição da República quando estabelece como um de seus
objetivos fundamentais a construção de “uma sociedade justa, livre e solidária”, expressa um princípio jurídico que,
apesar da abertura e indeterminação semântica, é dotado de algum grau de eficácia imediata e que pode atuar, no mínimo,
como vetor interpretativo da ordem jurídica como um todo, e não em mero e vago programa político ou algum tipo de
retoricismo. Nos dizeres de Celina Bodin, o princípio constitucional da solidariedade identifica-se com o conjunto de
instrumentos voltados para garantir uma existência digna, comum a todos, em uma sociedade que se desenvolva
livre e justa, sem excluídos ou marginalizados.
Funções específicas do princípio da solidariedade: (a) Na doutrina, a partir da contribuição de Karel Vasak, a
solidariedade vem sendo utilizada para fundamentar os direitos transindividuais, conhecidos como direitos de 3ª
dimensão, como o direito ao meio ambiente. (b) Justificação de políticas intervencionistas do Estado, baseadas na
concepção de justiça distributiva. (c) Reconhecimento de uma eficácia horizontal dos direitos sociais e econômicos, ao
sedimentar a ideia de que cada um de nós é também, de certa forma, responsável pelo bem-estar dos demais.
Aplicação na jurisprudência: (a) MS 22.164-0/SP – desapropriação sanção – o STF considerou o dever de
respeito à integridade do meio ambiente como um ‘típico direito de terceira geração’, que consagra o princípio da
solidariedade e constitui um ‘momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos
direitos humanos’. (b) ADI 240/RJ – solidariedade financeira como um dos princípios da seguridade social. (c) ADIMC
1003/DF – solidariedade social no âmbito dos seguros obrigatórios de danos pessoais causados por veículos automotores
de vias terrestres. (d) RE 363.999-AgR/RJ – Contaminação de pacientes hemofílicos com o vírus da AIDS em hospital da
rede pública. (e) AI 764.794-AgR/SP – COFINS – pessoa jurídica sem empregados – conceito de referibilidade mitigado
pelo princípio da solidariedade social.

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16.c. Controle concreto de constitucionalidade. O Recurso Extraordinário.

Controle concreto de constitucionalidade:


Origem: o controle concreto, difuso ou incidental, data de 1803, nos Estados Unidos, no famoso precedente
“Marbury vs. Madison”, julgado pelo magistrado Marshall (judicial review). No Brasil foi introduzido no ordenamento jurídico
brasileiro através do Decreto n° 848/1890, que criou a Justiça Federal, sendo, em seguida, consagrado na Constituição
da República de 1891 e mantido em todas as constituições seguintes. Era, até a Constituição da República de 1988, o
controle predominante no sistema brasileiro.
Conceito: o controle difuso, repressivo ou posterior, é também chamado de controle pela via de exceção ou
incidental ou de defesa, sendo realizado por qualquer juízo ou tribunal do poder judiciário. Verifica-se em um caso
concreto, e a declaração de inconstitucionalidade dá-se de forma incidental (incider tantum), prejudicialmente ao exame
do mérito (a alegação de inconstitucionalidade será a causa de pedir processual). A inconstitucionalidade pode ser
questionada em qualquer ação (ACP, MS), desde que seja a causa de pedir e não o pedido da demanda. A questão da
constitucionalidade deve ser suscitada pelas partes ou pelo ministério público, podendo vir a ser reconhecida de ofício
pelo juiz ou pelo tribunal.
Cláusula de reserva de plenário: perante o tribunal, a declaração de inconstitucionalidade somente poderá ser
pronunciada pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do órgão especial (art. 97, CF/88 –
“cláusula de reserva de plenário” – cisão funcional horizontal da competência: o plenário apenas aprecia a questão
envolvendo a inconstitucionalidade e devolve o processo para o órgão fracionário julgar o mérito; a decisão do plenário é
irrecorrível e vincula o órgão fracionário no caso concreto, incorporando-se ao julgamento do recurso ou da causa como
premissa inafastável).
Súmula Vinculante 10: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de
tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta
sua incidência, no todo ou em parte"; O mesmo procedimento deve ser adotado no caso de interpretação conforme e de
declaração parcial de nulidade sem redução de texto. Entretanto, dispensa-se a remessa ao órgão especial ou pleno do
Tribunal correspondente se já houver pronunciamento destes ou do STF (art. 481, PU, CPC). E, no caso do STF, há
precedente no sentido de que a ele não se aplica o art. 97: “O STF exerce, por excelência, o controle difuso de
constitucionalidade quando do julgamento do recurso extraordinário, tendo os seus colegiados fracionários competência
regimental para fazê-lo sem ofensa ao art. 97 da CF.” (RE 361.829-ED, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJE de
19-3-2010).
Participação do amicus curiae: o CPC, no art. 482, admite a manifestação, no incidente de inconstitucionalidade,
do Ministério Público, das pessoas jurídicas responsáveis pela edição do ato e dos titulares do direito de propositura de
ADI. Faculta-se ao relator a possibilidade de admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou
entidades. A mesma norma é reproduzida ainda em dispositivo legal que disciplina especificamente o controle difuso de
constitucionalidade, como é o caso do RExt – o CPC estabelece que o relator poderá admitir, na análise da repercussão
geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado (art. 543-A, §6º).
Parâmetro de controle: o controle concreto de constitucionalidade pode se exercido em relação a normas
emanadas dos três níveis de poder, de qualquer hierarquia, inclusive as anteriores à Constituição. (RE 148.754 e RE
269700)
Efeitos: A declaração de inconstitucionalidade no controle difuso produz efeitos, em regra, ex tunc e inter partes.
A inconstitucionalidade declarada como questão prejudicial não transita em julgado (limite objetivo da coisa julgada), nem
afeta terceiros estranhos ao processo (limite subjetivo). A doutrina majoritária no Brasil situa a inconstitucionalidade no
campo da nulidade, em razão da supremacia da constituição. A decisão que a reconhece tem natureza declaratória, e
retroage até o nascimento do ato viciado. Entretanto, o STF tem admitido, em casos excepcionais, mitigação da retroação
de efeitos, mediante ponderação de princípios e aplicação analógica do art. 27 da Lei 9868/99 (modulação temporal). Ex.
Caso Mira Estrela. RE 197.917.
Abstrativização do controle difuso (objetivação, abstração, dessubjetivação das formas processuais): o
procedimento designado abstrativização do controle concreto, expressão cunhada pelo doutrinador Fredie Didier Júnior,
por ocasião da análise das transformações ocorridas no Recurso Extraordinário, consiste na possibilidade de conferir
efeitos erga omnes a decisões proferidas em sede de controle difuso/concreto de constitucionalidade. Essa possibilidade
encontra amparo, inclusive, na própria Constituição: (a) artigo 52, X, CRFB/88: compete privativamente ao Senado, por
resolução, suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo
Tribunal Federal; tem prevalecido o entendimento no sentido de que a resolução tem eficácia ex nunc, embora Barroso
sustente que deveria ser ex tunc, porque a norma é inconstitucional desde o início. (b) EC n° 45/04 – art. 103-A, CRFB/88:
após reiteradas decisões acerca da validade, interpretação ou eficácia de uma norma sobre a qual paire controvérsia
atual, judicial ou administrativa, o STF pode editar súmula vinculante pelo voto de 2/3 dos seus membros, que vinculará
os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública. OBS: o STF não fica vinculado à súmula, podendo,
inclusive de ofício, revisá-la ou cancelá-la. (c) o STF importou princípio de controle conhecido como transcendência dos
motivos determinantes (os motivos que fundamentam a declaração de inconstitucionalidade extrapolam os limites da
demanda para alcançar situações idênticas ou semelhantes). OBS. O STF não adota essa Teoria, apesar de o Ministro
Gilmar Mendes ser um de seus expoentes. (d) repercussão geral (art. 102, §3°, CR): com a EC 45/04 (Reforma do
Judiciário) mudou radicalmente o modelo de controle incidental, uma vez que os recursos extraordinários terão de passar
pelo crivo da admissibilidade referente à repercussão geral. Assim, com a adoção desse novo instituto haverá uma
maximização da feição objetiva do recurso extraordinário, que passou a ser um instrumento de molecularização de
julgamento em massa.
Art. 52, X, da CF/88 e mutação constitucional (Recl. 4335): Após uma sucessão de votos-vista e quase sete
anos, o STF concluiu em março de 2014 o julgamento em que se propôs a rediscutir o papel do Senado Federal no
domínio do controle incidental de constitucionalidade. Confrontado com a decisão de um juiz que se recusava a seguir a
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orientação do STF em tema relevante, mas fixada em habeas corpus, o relator, ministro Gilmar Mendes, propôs uma
releitura da matéria: o artigo 52, X teria passado por uma mutação constitucional, de modo que todas as decisões tomadas
pelo Plenário do STF no exercício da jurisdição constitucional teriam, por si mesmas, eficácia geral e vinculante; a
atribuição do Senado deixaria de ser a ampliação da eficácia e passaria a ser, tão somente, uma forma de conferir
publicidade ao que restou decidido. Tal orientação foi acompanhada pelo ministro Eros Grau, mas foi rejeitada pelos
ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa, que endossavam a compreensão tradicional. O julgamento foi
interrompido por pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski, cujo voto posterior juntou-se à divergência e foi
seguido por novo pedido de vista, agora do ministro Teori Zavascki. Na retomada do julgamento, o ministro Teori procurou
construir um meio-termo. De início, destacou a importância dos precedentes, sobretudo do STF, e a necessidade de que
sejam observados pelas instâncias inferiores, sob pena de a corte deixar de cumprir a sua função institucional de guardiã
da Constituição. Por outro lado, considerou impossível abrir a via da reclamação para a garantia de todas as decisões do
STF, o que acabaria transformando-o em um tribunal executivo, encarregado da implementação capilarizada das suas
decisões. Linha semelhante foi adotada pelo ministro Luís Roberto Barroso, que ressaltou a importância de se criar, no
Brasil, uma cultura de respeito aos precedentes e destacou o mérito teórico da interpretação proposta pelo ministro Gilmar
Mendes, mas considerou que ela seria incompatível com os limites semânticos do artigo 52, X. Com ligeiras variações,
tal orientação foi reiterada nos votos subsequentes. Ao fim e ao cabo, portanto, manteve-se o convencimento
convencional, pontuado pela mensagem institucional de que o respeito à jurisprudência dos tribunais, e do Supremo em
particular, é pressuposto para a efetividade e racionalidade do acesso à Justiça.

Recurso Extraordinário
Recurso Extraordinário: delineado pelo artigo 102, III, da CR, o recurso extraordinário, cujo julgamento compete
exclusivamente ao STF, é cabível nas causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida (a)
contrariar dispositivo da Constituição; (b) declarar a constitucionalidade de tratado ou lei federal; (c) julgar válida lei ou ato
de governo local contestado em face da Constituição; (d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. A
interposição do RE requer o esgotamento das vias ordinárias, o prequestionamento da questão constitucional e a
demonstração da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, somente podendo ser recusado
pela manifestação de 2/3 de seus membros, cuja análise é feita através do chamado plenário virtual. Ressalva-se que se
existir na Turma (a quem compete à apreciação do recurso extraordinário) no mínimo quatro votos pela presença da
repercussão geral, o recurso será admitido, dispensando-se a remessa do caso ao Plenário. A decisão contrária à súmula
ou jurisprudência dominante do STF tem presunção absoluta de repercussão geral. A repercussão geral de questões
econômicas, políticas, sociais e jurídicas é um conceito aberto e serve como filtro recursal para reforçar a força
vinculativa das decisões do STF, resultando numa objetivação do controle difuso, sendo admitida a participação de amicus
curiae na discussão sobre a existência da repercussão geral. No tribunal de origem é feita uma análise por amostragem,
encaminhando-se ao STF os recursos extraordinários escolhidos e sobrestando-se os demais. Com a decisão sobre o
RE paradigmático há um efeito regressivo, pois o Tribunal de origem pode retratar-se da decisão contrária ao STF ou,
então, encaminhar o RE. Neste último caso, o STF pode reformar liminarmente o acórdão contrário à decisão
paradigmática. A repercussão geral somente passou a ser aplicada após a alteração do RISTF, em maio de 2007. No
início os tribunais deixavam de exercer o Juízo de retratação e encaminhavam os recursos sobrestados sem qualquer
decisão. O STF não aceita mais isso. O Tribunal deve fundamentar o motivo de não haver exercido o juízo de retratação.

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17.a. Proteção constitucional à família, à criança, ao adolescente e ao idoso.

TUTELA CONSTITUCIONAL DA FAMÍLIA: A família foi reconhecida como base da sociedade e recebe proteção
do Estado, nos termos do art. 226 e ss. GUSTAVO TEPEDINO: na CR/88, "a milenar proteção da família como instituição,
unidade de produção e reprodução dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, dá lugar à tutela essencialmente
funcionalizada à dignidade de seus membros, em particular no que concerne ao desenvolvimento da personalidade dos
filhos". Em suma, família é a base da sociedade e possui especial proteção do Estado. A Constituição estabelece deveres
entre seus membros, tais quais o dos pais de criar, educar e assistir os filhos menores, e o dos filhos de ajudá-los e
ampará-los na velhice, carência ou enfermidade (art. 229 CF). Trata-se da expressão eloquente da adoção de
características comunitaristas em nosso ordenamento, havendo regulamentação infraconstitucional do dispositivo, como
na criminalização de condutas que atentem contra a família (Título VII do CP) e na regulamentação da obrigação alimentar
entre familiares (art. 1.696 e 1.697 CC).
A CR/88 abandona a concepção tradicional de família, antes formada apenas pelo casamento, e passa a conferir
proteção a arranjos monoparentais (art. 226, § 4º). Também reconheceu a proteção à união estável (art. 226, § 3º). Tudo
assentado à luz dos seguintes princípios: 1) Princípio do pluralismo familiar ou da liberdade de constituição de uma
comunhão de vida familiar: a norma constitucional abrange a família matrimonial, bem como quaisquer outras entidades
familiares, como a união estável e família monoparental; 2) Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e
companheiros: os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela
mulher; 3) Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos: decorre do princípio da dignidade da pessoa humana,
iguala a condição dos filhos havidos ou da relação do casamento, ou por adoção, não mais admitindo-se qualquer
diferenciação entre os mesmos); e 4) Princípio da paternidade responsável e planejamento familiar: o planejamento
familiar é livre decisão do casal, fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável.
EXPULSÃO DO ESTRANGEIRO CASADO OU EM UNIÃO ESTÁVEL: (a) O óbice à expulsão, previsto na
alínea a do inciso II do art. 75 da Lei 6815/80 (“Não se procederá à expulsão: II - quando o estrangeiro tiver: (a) Cônjuge
brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, e desde que o casamento tenha sido celebrado
há mais de 5 (cinco) anos”), pressupõe esteja o estrangeiro casado há mais de cinco anos e, em se tratando de união
estável, não haver impedimento para a transformação em casamento (HC 100.793, Min. Marco Aurélio); (b) "O fato de o
expulsando ter sido visitado pela amásia na prisão, durante certo período, enquanto esteve cumprindo pena, não configura
a hipótese prevista no art. 75, II, a, da Lei 6.815/1980, alterada pela Lei 6.964/1981, nem a união estável de que trata o
§ 3º do art. 226 da CF, de modo a obstar, no caso, a expulsão." (HC 80.322, Min. Sydney Sanches)
UNIÃO HOMOAFETIVA: ADI 4277 e ADPF 132. A despeito de a redação do art. 226, § 6º falar de união estável
entre homem e mulher, e de uma interpretação histórica demonstrar que o constituinte não pretendeu estender aos pares
homossexuais a proteção conferida à união estável, o STF reconheceu que os pares formados de pessoas do mesmo
sexo podem constituir união estável e, por conseguinte, fazerem jus aos mesmos direitos conferidos às famílias
heterossexuais. Os principais argumentos foram: a) a igualdade entre homo e heterossexuais e a liberdade de manifestar
a respectiva sexualidade (art. 5º da CF); b) a família é núcleo de afetividade, que não se diferencia entre pessoas de
diferentes sexualidades; c) o art. 226, § 3º traz norma de inclusão, que não visa restringir a proteção das famílias
homoafetivas. Com base nessa decisão o STJ, ao decidir o REsp 1183378/RS avançou no tema e entendeu possível o
casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, entendendo inexistente no ordenamento pátrio qualquer vedação à
habilitação para o casamento de pessoas do mesmo sexo.
“O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à
instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal
ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de
1988, ao utilizar-se da expressão ‘família’, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária,
celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas
adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal
lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por ‘intimidade e vida
privada’ (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de
sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou
continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não reducionista do conceito de família como
instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da CF de 1988 no plano dos costumes.
Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do STF para manter,
interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de
preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.” (ADI 4.277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, 5-5-2011,
Plenário) No mesmo sentido: RE 687.432-AgR, rel. min. Luiz Fux, 18-9-2012, 1ª Turma; RE 477.554-AgR, Rel.
Min. Celso de Mello, 16-8-2011, 2ª Turma.
Nessa linha, deve-se conferir interpretação conforme a Constituição ao art. 1.723 do CC, assegurando que o
reconhecimento seja feito segundo as mesmas regras e com idênticas consequências da união estável heteroafetiva.
DIVÓRCIO: a partir da EC 66/10, fruto da denominada “PEC do Amor” (PEC 28/09), o casamento civil pode ser
dissolvido pelo divórcio, sem haver a previsão de cumprimento de lapso temporal como requisito. O divórcio, portanto,
tendo em vista que a emenda entrou em vigor na data de sua publicação, poderá ser imediatamente implementado.
TRANSFERÊNCIA DE PRESÍDIO: o simples fato de o paciente estar condenado a delitos tipificados como de
gravidade elevada não obstaria, por si só, a possibilidade de ser transferido para um presídio não distante de sua família,
considerada a base da sociedade e dotada de especial proteção por parte do Estado (CF, art. 226). HC 101540, Rel. Min.
Ayres Britto (Inf. 605).

TUTELA CONSTITUCIONAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: Sobressai da ordem social preconizada na


CR/88, Capítulo VII, Título VIII, a explícita priorização na proteção da criança e do adolescente, com a previsão de uma
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ordem de proteção máxima e especial que lhes fora atribuída, conforme se constata do caput do art. 226, “A Família, base
da sociedade, tem especial proteção do Estado” combinado com o art. 227, e § 3º: “É dever da família, da sociedade e
do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao laser, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão” e “o direito à proteção especial abrangerá os seguintes aspectos. Tal função garantista da CF deve ser
compreendida com a convocação do metaprincípio da dignidade da pessoa humana, em face da condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento em que se encontram as crianças e adolescentes. Criança é aquela com idade de 0 a 12
anos incompleta; adolescentes são aqueles com idade de 12 anos completos aos 18 incompletos. Excepcionalmente, o
ECA aplica-se àqueles que já completaram 18 anos, como na aplicação de medidas socioeducativas e de proteção, antes
do advento dos 21 anos (art. 122, § 5º e STJ HC 27.363). Dentre os princípios:
Princípio da proteção integral: Impõe ao Estado, à família e à sociedade, com absoluta prioridade, assegurar ao
jovem, à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência comunitária, à proteção contra a negligência, à discriminação,
à exploração, à violência, à crueldade e à opressão;
Princípio do melhor interesse da criança: Impõe, que no caso concreto, o dever de busca da solução que
proporcione maiores benefícios para a criança, adolescente ou jovem. Este princípio foi argumento decisivo na decisão
do STJ sobre a possibilidade de casal homossexual adotar menor (REsp 889.852), porquanto atenderia ao melhor
interesse da criança. Na ADI 2404 está em discussão o art. 254 do ECA, que dispõe sobre a infração administrativa de
transmitir espetáculos fora do horário indicado pelo Ministério da Justiça e a liberdade de expressão (Informativo 650). No
âmbito da cooperação jurídica internacional em matéria civil destaca-se a convenção de Haia de 1980 sobre o aspecto
civil do seqüestro internacional de crianças, que toma como objetivo concretizador do melhor interesse da criança o
retorno imediato da criança ilicitamente transferida para qualquer estado contratante (art. 1º). Autoridade central brasileira
para o tema é a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência.
EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO COM FILHO BRASILEIRO: “Habeas corpus. Medida liminar. Expulsão de
estrangeiro. Paternidade sobre filho menor impúbere brasileiro nascido após a prática do delito ensejador do ato de
expulsão. O status quaestionis na jurisprudência do STF. Condições de inexpulsabilidade: dependência econômica ou
vínculo socioafetivo. Considerações em torno do afeto como valor constitucional irradiador de efeitos jurídicos. A
valorização desse novo paradigma como núcleo conformador do conceito de família. A relação socioafetiva como causa
obstativa do poder expulsório do Estado. Dever constitucional do Estado de proteger a unidade e de preservar a
integridade das entidades familiares fundadas em relações hetero ou homoafetivas. Necessidade de proteção integral e
efetiva à criança e/ou ao adolescente nascidos no Brasil. Plausibilidade jurídica da pretensão cautelar. Configuração
do periculum in mora. Medida cautelar deferida.” (HC 114.901-MC, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, 26-
11-2012)
ALIENAÇÃO PARENTAL: A Lei 12.318/2010 dispôs sobre a alienação parental. De acordo com o seu art. 2.º,
considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida
ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda
ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com
este.
ADOÇÃO INTERNACIONAL: regulada pelo ECA (e não pelo CC, nos termos dos arts. 51 e 52 do ECA) e, também,
pela Convenção Relativa à Proteção e Cooperação Internacional em Matéria de Adoção Internacional (Dec. n. 3.087/99).
Caracteriza-se como o único modo de colocação em família substituta estrangeira. De acordo com o art. 31 do ECA,
trata-se de medida excepcional, sendo preferível a adoção por brasileiro ou estrangeiro residente no País àquela para
fora do Brasil (internacional). No âmbito da cooperação jurídica internacional, destaca-se a convenção de Haia de 1980,
sobre o aspecto civil do sequestro internacional de crianças, que toma como objetivo concretizador do
melhor interesse da criança, o retorno imediato da criança ilicitamente transferida para qualquer estado contratante.
(art. 1º). A autoridade central brasileira para o tema é a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência.
INIMPUTABILIDADE: Por disposição constitucional os menores são inimputáveis (art. 228), aplicando-se aos
menores que praticam atos equiparados a crimes medidas de proteção e aos adolescentes medidas de proteção e
medidas sócio-educativas. Muito se discute na doutrina se o art. 228 é cláusula pétrea que impediria a redução da
maioridade penal.
LIMITE TEMPORAL DA SEMILIBERDADE: coincide com a data em que o menor infrator completar vinte e um
anos, em analogia ao limite para a medida de internação [art. 120, §2º], salvo nas situações específicas dos arts. 121, §3º
e 122, §1º do ECA. O objetivo maior do ECA é a proteção integral à criança e ao adolescente, aí compreendida a
participação na vida familiar e comunitária, sendo que Estado tem o dever de assegurar à criança e ao adolescente o
direito à convivência familiar [artigo 227, caput, da CF]. O artigo 120 do ECA garante a realização de atividades externas
independentemente de autorização judicial Restrições a essas garantias somente são possíveis em situações extremas,
decretadas com cautela em decisões fundamentadas, HC 98518, Min. Eros Grau

TUTELA CONSTITUCIONAL DO IDOSO: No Capítulo destinado à família, o art. 229 da CRFB reconheceu o
princípio da solidariedade nas relações familiares, incumbindo os pais do dever de ampararem os filhos menores e
estes ampararem aqueles na velhice, carência ou enfermidade. E como desdobramento natural do princípio da
solidariedade, a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação
na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida (art.230, CF).
Ao idoso, considerado para fins legais o maior de 60 anos, foi conferida especial proteção pela constituição, tema
regulamentado pela Lei 10.741/03. Dentre os direitos garantidos, vários deles para os maiores de 65 anos, destaca-se:
a) o recebimento de benefício de prestação continuada (LOAS), quando não possuir meios para prover, por si ou por sua
família, sua manutenção (art. 34); b) o direito de gratuidade nos transportes coletivos urbanos (art. 39 c/c 230, § 2º CF),

97
dispositivo cuja constitucionalidade já foi afirmada pelo STF (ADI 3.768); c) direito, nos termos do regulamento, a certas
vantagens nos transportes coletivos interestaduais (art. 40).
Com vistas assegurar a afirmação dos direitos fundamentais da pessoa idosa e tutelar em diplomas legislativos
próprios, foram publicadas as Política Nacional do Idoso (Lei 8.842/94) e o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), atribuindo
a guarda da integridade dos idosos à família, à sociedade e ao Estado. Tais diplomas trouxeram princípios e garantias
assecuratórios da dignidade humana na terceira idade (ex.: a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar
ao idoso todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-
estar e o direito à vida.).
CELERIDADE PROCESSUAL EM CRIMES PRATICADOS CONTRA IDOSOS: art. 94 do Estatuto do Idoso -
crimes previstos na referida Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 anos, aplica-se o procedimento
previsto na Lei 9.099/95 e, subsidiariamente, no que couber, as disposições do CP e do CPP. Esse dispositivo foi
questionado na ADI 3.096, ajuizada pelo PGR, pois seria mais benéfico ao infrator praticar crime contra o idoso (máxima
de 4 anos admite JECRIM) do que crime comum (máxima de 2 anos). Entendeu o STF: a aplicação da Lei 9.099/95 é
apenas em relação aos aspectos processuais, buscando que este termine mais rapidamente em benefício da vítima idosa.
Nesse sentido:
“(...). Art. 94 da Lei n. 10.741/2003: interpretação conforme à Constituição, com redução de texto, para suprimir a
expressão ‘do Código Penal e’. Aplicação apenas do procedimento sumaríssimo previsto na Lei 9099/95: benefício
do idoso com a celeridade processual. Impossibilidade de aplicação de quaisquer medidas despenalizadoras e de
interpretação benéfica ao autor do crime. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente para
dar interpretação conforme à Constituição do Brasil, com redução de texto, ao art. 94 da Lei 10741/03” (ADI 3096, R. Min.
Cármen Lúcia).

98
17.b. A metodologia jurídica no tempo. A Escola da Exegese. Jurisprudência dos conceitos,
jurisprudência dos interesses e jurisprudência dos valores. O realismo jurídico. Neoformalismo. O
pós-positivismo jurídico.

1. A METODOLOGIA JURÍDICA NO TEMPO: A metodologia jurídica dimensiona a forma de pensar o Direito


contextualizado no binômio tempo-espaço. Segundo ensina Barroso, o plano metodológico compreende a construção
racional da decisão, o itinerário lógico percorrido entre a apresentação do problema e a formulação da solução (caminhos
para chegar a um fim). Ao longo dos últimos dois séculos, uma multiplicidade de teorias jurídicas foram concebidas e
propagadas, que podem ser reunidas em 4 grandes categorias: a) formalismo; b) reação antiformalista; c) positivismo; d)
volta aos valores (neopositivismo).
O FORMALISMO JURÍDICO (século XIX) é marcado pela concepção mecanicista do Direito, pela qual a
interpretação jurídica seria uma atividade acrítica de subsunção. Pregava o apego à literalidade do texto legal e à intenção
do legislador, e via com desconfiança o Judiciário, ao qual não reconhecia a possibilidade de qualquer atividade criativa.
Exemplos do formalismo jurídico foram a ESCOLA DA EXEGESE (França) e a JURISPRUDÊNCIA DOS CONCEITOS
(Alemanha).
A REAÇÃO ANTIFORMALISTA foi capitaneada por Rudolph von Ihering, para quem a verdade subjacente aos
conceitos jurídicos era relativa. Dentre os movimentos desenvolvidos sob esse estandarte podem ser citados: o
Movimento para o Direito Livre, na Alemanha, e o REALISMO JURÍDICO, nos EUA e na Escandinávia. Essas Escolas de
pensamento tinham como características comuns: a) reação à crença de que o Direito poderia ser encontrado
integralmente no texto legal e nos precedentes judiciais; b) rejeição da tese de que a função jurisdicional seria meramente
declaratória, reconhecendo que em diversas situações o juiz desempenha um papel criativo; c) reconhecimento da
importância dos fatos sociais, das ciências sociais e da necessidade de interpretar o Direito de acordo com a evolução da
sociedade e visando à realização de suas finalidades.
Sarmento aponta as seguintes críticas em face das concepções radicalmente anti-formalistas: a) sob o prisma
descritivo, acabam negando qualquer diferença entre as esferas política e jurídica; b) do ponto de vista prescritivo, o anti-
formalismo peca por não dar o devido peso à segurança jurídica e à necessidade de legitimação democrática da atividade
jurisdicional. Por outro lado, a reação anti-formalista serviu como contraponto importante ao formalismo, atuando como
antítese, em um processo dialético que gerou o avanço em direção a teorias hermenêuticas mais equilibradas.
O POSITIVISMO JURÍDICO aparece na virada do século XIX para o XX. Com a pretensão de criar uma ciência
do Direito objetiva e neutra, o positivismo compartilhou muitas das premissas teóricas do formalismo, caracterizando-se
pela separação entre o Direito e a Moral, entre a lei humana e o direito natural. Nada obstante, nas formulações mais
sofisticadas desenvolvidas ao longo do século XIX, como a Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen, e O conceito de
Direito, de Herbert Hart, afastou-se da perspectiva estritamente mecanicista. Assim, mostra-se como um ponto
intermediário entre o formalismo jurídico e o anti-formalismo.
Por fim, a VOLTA AOS VALORES é a marca do pensamento jurídico que se desenvolve a partir da segunda
metade do século XX. No pós-guerra, em âmbito internacional, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948). No âmbito interno, diferentes países reconheceram a centralidade da dignidade da pessoa humana e dos direitos
fundamentais. Marcam a nova época a normatividade dos princípios, a argumentação jurídica e a racionalidade prática.
Trata-se do debate contemporâneo sobre a interpretação jurídica, denominada “virada kantiana”

2. A ESCOLA DA EXEGESE: também conhecida como Escola filológica, é uma corrente de pensamento jurídico
que floresceu no início do século XIX, a partir do código de Napoleão (1804). A escola da exegese afirmava que a
interpretação deveria ser mecânica, de acordo com a intenção do legislador. Sustentava que o Código de Napoleão
resolveria qualquer problema concretamente deduzido. A Escola da Exegese também pregava o Estado como a única
fonte do Direito, pois todo o ordenamento jurídico seria originado da lei e, esta, por ser proveniente do legislador, teria
como origem o Estado, ou seja, somente a lei era admitida como fonte do Direito. Quanto à aplicação do Direito, a Escola
da Exegese pregava a concepção silogística. Tal entendimento, influenciado pelas ideias de Montesquieu, via o direito
como possuidor de três elementos básicos: o fato, a norma e a sentença.
Nas palavras de Daniel Sarmento, “Segundo essa Escola, todo o Direito estaria compreendido no sistema
composto pelas normas ditadas pelo legislador, e o papel do intérprete se resumiria a fazer com que a vontade legislativa,
gravada nos textos legais, incidisse nos casos concretos. Não se concebia, portanto, que a interpretação operasse
construtivamente”.

3.a. JURISPRUDÊNCIA DOS CONCEITOS (Begriffjurisprudenz): formulada por Puchta, para quem a norma
escrita deve refletir conceitos, quando de sua interpretação. Derivada do formalismo jurídico, foi a precursora da ideia de
que o direito provém de fonte dogmática, imposição do homem sobre o homem e não consequência natural de outras
ciências ou da fé metafísica. Entre as principais características da jurisprudência dos conceitos estão: o formalismo, com
a busca do direito na lei escrita; a sistematização; o Direito deveria, prevalentemente, ter base no processo legislativo.
Sarmento explica que “A Jurisprudência dos Conceitos também buscava construir um ordenamento sistemático e unitário,
sem deixar espaço para a criação judicial do Direito. Porém, a construção do sistema não caberia ao legislador, mas à
Ciência do Direito, por meio da formulação de conceitos jurídicos altamente abstratos.
3.b. JURISPRUDÊNCIA DOS INTERESSES: a tendência da hermenêutica jurídica foi a superação do formalismo.
Para essa Escola, a norma escrita deve refletir interesses, quando de sua interpretação. Seu principal representante
foi Philipp Heck. Na jurisprudência dos interesses, interpreta-se a norma, basicamente, tendo em vista as finalidades às
quais esta se destina. Ela abre espaço para o desenvolvimento do Direito diante das necessidades sociais.
3.c. JURISPRUDÊNCIA DOS VALORES: Esta escola representa, no processo da evolução do direito, um passo
na superação das contradições do positivismo jurídico e, por tal razão, é considerada por alguns como semelhante à

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escola do pós-positivismo. Esta forma de pensar o direito tem várias características e reflexos em vários campos da vida
jurídica das sociedades, estando entre eles uma significativa evolução concernente ao respeito e cumprimento
de princípios constitucionais. A jurisprudência dos valores caracteriza uma forma de se entenderem os conceitos de
incidência e interpretação da norma jurídica, bem como sua divisão em regras e princípios, além de conceitos
como igualdade, liberdade e justiça. Esta corrente é amplamente citada em inúmeras fontes, de diversas origens. A
chamada de Jurisprudência dos Valores vem sofrendo críticas ácidas, especialmente pelo grande risco de que o Tribunal
revista suas próprias decisões valorativas com o manto de um procedimento racionalmente orientado, o que aumenta a
capacidade de persuasão das decisões sem aumentar o seu grau de racionalidade. Habermas critica a jurisprudência dos
valores porque considera que essa redução dos princípios a valores conduz a uma argumentação jurídica inconsistente.
Na medida em que os princípios têm um caráter deontológico e os valores um caráter teleológico, os argumentos
fundados em princípios não têm a mesma função e a mesma estrutura dos argumentos fundados em valores. Por esses
motivos, Habermas conclui que: "A transformação conceitual de direitos fundamentais em bens fundamentais significa
que direitos foram mascarados pela teleologia, escondendo o fato de que em um contexto de justificação, normas e
valores têm diferentes papéis na lógica da argumentação. Porque normas e princípios, em virtude do seu caráter
deontológico, podem pretender ser universalmente obrigatórios e não apenas especialmente preferíveis, eles possuem
uma maior força de justificação que os valores. Valores devem ser postos em uma ordem transitiva com outros valores,
caso a caso. Como não há padrões racionais para isso, esse sopesamento acontece arbitrariamente ou sem maior
reflexão, de acordo com os padrões e hierarquias costumeiras. A partir do momento em que uma corte constitucional
adota a doutrina de uma ordem objetiva de valores e fundamenta seu processo de decisão em uma forma de realismo ou
convencionalismo moral, o perigo de decisões irracionais cresce, porque os argumentos funcionais ganham precedência
sobre os normativos. Certamente, há vários princípios ou bens coletivos que representam perspectivas cujos argumentos
podem ser introduzidos em um discurso jurídico em casos de colisão de normas [...]. Mas argumentos baseados em tais
bens e valores coletivos apenas contam na mesma medida que as normas e princípios pelas quais esses objetivos podem,
a seu turno, ser justificados. Em última instância, apenas direitos podem ser invocados em um jogo argumentativo. [...]
Um julgamento orientado por princípios precisa decidir qual pretensão e qual ação em um dado conflito é correta - e não
como ponderar interesses ou relacionar valores. [...] A validade jurídica do julgamento tem o caráter deontológico de um
comando, e não o caráter teleológico de um bem desejável que nós podemos alcançar até um certo nível."
4. REALISMO JURÍDICO: surge, inicialmente, nos EUA, na década de 20 e, posteriormente, na Escandinávia,
como um desdobramento da jurisprudência sociológica de Ihering. Integra a corrente não-formalista, e traz três críticas
ao formalismo: a) crítica lógica (conceitos gerais não resolvem casos concretos, e menos ainda produz decisões unívocas,
permitindo ao juiz a escolha do resultado); b) crítica psicológica (a decisão judicial, frequentemente, ocultava sua
motivação real, funcionando como uma racionalização a posteriori da decisão tomada por outras razões); c) crítica
sociológica (fatos sociais por trás da decisão judicial é que forneciam sua verdadeira motivação). O realismo volta-se
contra o formalismo, sustentando que o Direito não é o que está nas leis ou nos precedentes, nem se baseia na lógica e
na razão abstrata. Ele consiste naquilo que os juízes dizem. Tenta demonstrar que, apesar de frequentemente negarem
que o façam, os juízes decidem os casos que lhe são apresentados com base em uma série de fatores psicológicos e
sociológicos, consistentes ou não, que têm pouco ou nenhuma relação com as fontes normativas reconhecidas em um
dado sistema. Para o realismo, a interpretação do direito é sempre um ato de criação judicial, impregnado de conteúdo
político.

5. NEOFORMALISMO: Sarmento ensina que a reação neoformalista “alerta a comunidade jurídica para os riscos
envolvidos na adoção de teorias excessivamente otimistas em relação à capacidade dos intérpretes de produzirem
sempre as melhores decisões, quando se lhes concede maior amplitude para valorações. Se a redução do intérprete a
um servo da lei não se justifica, a sua idealização, como semideus sábio e virtuoso, pode também não ser a melhor
solução, na perspectiva da otimização dos objetivos do constitucionalismo democrático”.

6. PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO: é o retorno da Ética normativa ao campo das reflexões dos


pensadores. Segundo Sarmento: Até a II Guerra Mundial, prevalecia no velho continente uma cultura jurídica
essencialmente legicêntrica, que tratava a lei editada pelo parlamento como a fonte principal
do Direito, e não atribuía força normativa às constituições. Estas eram vistas basicamente como programas políticos
que deveriam inspirar a atuação do legislador, mas que não podiam ser invocados perante o Judiciário, na defesa de
direitos. Os direitos fundamentais valiam apenas na medida em que fossem protegidos pelas leis, e não envolviam, em
geral, garantias contra o arbítrio ou descaso das maiorias políticas instaladas nos parlamentos. No pós-guerra, na
Alemanha e na Itália, e algumas décadas mais tarde, na Espanha e em Portugal, assistiu-se a uma mudança significativa
deste quadro. A percepção de que as maiorias políticas podem perpetrar ou acumpliciar-se com a barbárie, como ocorrera
no nazismo alemão, levou as novas constituições a criarem ou fortalecerem a jurisdição constitucional, instituindo
mecanismos potentes de proteção dos direitos fundamentais mesmo em face do legislador. Sob esta perspectiva, a
concepção de Constituição na Europa aproximou-se daquela existente nos EUA, onde, desde os primórdios do
constitucionalismo, entende-se que a Constituição é autêntica norma jurídica, que limita o exercício do Legislativo e pode
justificar a invalidação de leis. Mas com uma diferença: enquanto a Constituição norte-americana é sintética e se limita a
definir os traços básicos de organização do Estado e a prever alguns poucos direitos individuais, as cartas europeias
foram, em geral, muito além disso: formam documentos repletos de normas impregnadas de elevado teor axiológico, que
contêm importantes decisões substantivas e se debruçam sobre uma ampla variedade de temas que outrora não eram
tratados pelas constituições, como a economia, as relações de trabalho e a Família. A interpretação extensiva e
abrangente das normas constitucionais pelo Judiciário deu origem ao fenômeno de constitucionalização da ordem
jurídica, que ampliou a influência das constituições sobre todo o ordenamento, levando à adoção de novas leituras de
normas e institutos nos mais variados ramos do Direito. Como boa parcela das normas mais relevantes destas
constituições caracteriza-se pela abertura e indeterminação semânticas – são, em grande parte, princípios e não regras

100
- a sua aplicação direta pelo Poder Judiciário importou na adoção de novas técnicas e estilos hermenêuticos, ao lado da
tradicional subsunção. A necessidade de resolver tensões entre princípios constitucionais colidentes deu espaço ao
desenvolvimento da técnica da ponderação, e tornou frequente o recurso ao princípio da proporcionalidade na esfera
judicial. Neste contexto, cresceu muito a importância política do Poder Judiciário. De poder quase “nulo”, mera “boca que
pronuncia as palavras da lei” (Montesquieu), o Judiciário se viu alçado a uma posição muito mais importante no desenho
institucional do Estado contemporâneo. As teorias neoconstitucionalistas buscam construir novas grades teóricas que se
compatibilizem com os fenômenos acima referidos, em substituição àquelas do positivismo tradicional, consideradas
incompatíveis com a nova realidade. Ao invés da insistência na subsunção e no silogismo do positivismo formalista, ou
no mero reconhecimento da discricionariedade política do intérprete nos casos
difíceis, na linha do positivismo moderno de Kelsen e Hart, o neoconstitucionalismo se dedica à discussão de métodos
ou de teorias da argumentação que permitam a procura racional e intersubjetivamente controlável da melhor resposta
para os “casos difíceis” do Direito. Para o neoconstitucionalismo, não é racional apenas aquilo que possa ser comprovado
de forma experimental. A ideia de racionalidade jurídica aproxima-se da ideia do razoável, e deixa de se identificar à lógica
formal das ciências exatas. A leitura clássica do princípio da separação de poderes, que impunha limites rígidos à atuação
do Judiciário, cede espaço a outras visões mais favoráveis ao ativismo judicial em defesa dos valores Constitucionais.
No lugar de concepções estritamente majoritárias do princípio democrático, são endossadas teorias de democracia mais
substantivas, que legitimam amplas restrições aos poderes do legislador em nome dos direitos fundamentais e da
proteção das minorias, e possibilitem a sua fiscalização por juízes não eleitos. Ao invés de uma teoria das fontes do Direito
focada no código e na lei formal, enfatiza-se a centralidade da Constituição no ordenamento, a ubiquidade da sua
influência na ordem jurídica, e o papel criativo da jurisprudência. Ao reconhecer a força normativa de princípios revestidos
de elevada carga axiológica, como dignidade da pessoa humana, a igualdade e solidariedade social, o
neoconstitucionalismo abre as portas do Direito para o debate moral. É aqui que reside uma das maiores divergências
internas no neoconstitucionalismo.

101
17.c. Igualdade de gênero. Direitos sexuais e reprodutivos.

IGUALDADE DE GÊNERO: A igualdade de gênero está formalmente expressa na Constituição, erigida a direito
fundamental, sendo o primeiro direito fundamental expresso no rol do art. 5° da CR/88 (inc. I: “homens e mulheres são
iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”). De outro lado, a legislação está repleta de leis
específicas que buscam dar a esta igualdade de gênero formalmente reconhecida na Carta, um conteúdo material,
tornando-a efetiva. Por ex., a legislação que regula as relações de trabalho (CLT), que tenta tornar efetiva a igualdade de
gênero. Nos arts. 372 e ss da CLT há dispositivos especialmente protetivos à mulher trabalhadora, buscando extirpar as
diferenças injustificáveis existentes entre homens e mulheres nas relações de trabalho. Corroborando essa proteção que
busca a igualdade material, a Lei 9.029/95 que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras
práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência nas relações de trabalho. Igualmente, no âmbito
internacional, o Brasil é signatário da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher,
promulgada pelo Decreto 4.377/02. Também é válido mencionar a Lei Maria da Penha, como mais um instrumento de
dignidade da mulher, que busca dar concretude material ao comando constitucional mencionado. FORO ESPECIAL
PARA A MULHER: “O inc. I do art. 100 do CPC, com redação dada pela Lei 6.515/1977, foi recepcionado pela CF/88. O
foro especial para a mulher nas ações de separação judicial e de conversão da separação judicial em divórcio não ofende
o princípio da isonomia entre homens e mulheres ou da igualdade entre os cônjuges, RE 227114, Min. Joaquim Barbosa
DIREITOS SEXUAIS - BARSTED, 2010: “O controle da sexualidade sempre esteve presente no ordenamento
jurídico brasileiro como garantidor da constituição da família heterossexual e da procriação legítima (..). Tal controle levou
à criminalização de um conjunto de comportamentos considerados ‘atentatórios’ à família (adultério), à saúde (contágio
de doença venérea) e liberdade sexual, assim como acarretou a criminalização da prática do aborto, exceto quando
resulta de violência sexual [...] O direito brasileiro, em linhas gerais, apresenta duas possibilidades no que refere ao
exercício da sexualidade: um exercício estimulado para procriação e constrangido ao âmbito familiar, e um exercício
proibido e, por consequência, criminalizado.” Essa realidade sofreu, e sofre, questionamentos por parte de
movimentos feministas e LGBTs, passando o Estado, paulatinamente, a incorporar nas políticas públicas cuidados com
temas como a prevenção e promoção da saúde, contra o contágio de DSTs; a aprovação de lei de planejamento familiar
(Lei 9.263/96) e ao acolhimento, pelo Ministério da Saúde e pelo SUS, da cirurgia de mudança de sexo, fruto de ACP
movida pelo MPF, que resultou na edição da Portaria do Ministério da Saúde nº 1.707/08, fixando que a cirurgia para
mudança de sexo (transgenitalização) faria parte da lista de procedimentos do SUS. “Em relação especificamente às
mulheres, a Constituição Federal de 1988 as discriminações na vida familiar e, em 2003, o novo Código Civil suprimiu as
referências ‘as expressões ‘comportamento desonesto da filha’ e ‘ virgindade da mulher’, inseridas no Código Civil de
1916. [...] No campo da proteção contra violação de direitos, a ratificação de diversas convenções internacionais, como a
Convenção de Belém do Pará para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher (...). A partir de 2003, novas
demandas por proteção foram introduzidas na legislação penal, que implicaram o reconhecimento da ilicitude do assédio
sexual, do tráfico de pessoas, da tipificação explícita do estupro marital e de maior severidade para os crimes sexuais.”
(Idem). “Em 2005, a Lei 11.106 alterou diversos artigos do CP, na maioria claramente discriminatórios. Assim, por ex., o
art. 5º dessa lei declara revogados os incisos VII e VIII do art. 107, que considerava extinta a punibilidade do estuprador
que se casasse com a vítima. [...] No terreno da descriminalização, os avanços foram poucos. Assim, a legislação penal
restringiu-se apenas à descriminalização do adultério, deixando de fora a demanda pela descriminalização do aborto
voluntário
Segundo PIOVESAN, quatro princípios devem orientar direitos sexuais e reprodutivos: (a) universalidade (b)
indivisibilidade (c) diversidade e (d) democrático.
DIREITOS REPRODUTIVOS: SIEGEL afirma que “(...) a abordagem baseada na igualdade de gênero para direitos
reprodutivos considera o controle sobre quando ser mãe como crucial para o status e bem-estar das mulheres”. Nos
termos do art. 226, § 7.º, fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o
planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos
para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. De
acordo com o art. 2.º da Lei n. 9.263/96 (regula o § 7.º do art. 226 da CF/88), entende-se por planejamento familiar “... o
conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole
pela mulher, pelo homem ou pelo casal”. Nesse sentido, destacamos duas ações do Estado: a) distribuição de
preservativos: não só no carnaval, mas durante todo o ano, o que materializa o comando do art. 226, § 7.º; b)
distribuição da “pílula do dia seguinte”: A pílula anticoncepcional de emergência é um recurso anticoncepcional para
evitar uma gravidez indesejada. Não é abortiva, pois não interrompe uma gravidez estabelecida e seu uso deve se dar
antes da gravidez. Os estudos disponíveis atestam que ela atua impedindo o encontro do espermatozoide com o óvulo,
seja inibindo a ovulação, seja espessando o muco cervical ou alterando a capacitação dos espermatozoides. Portanto, o
seu mecanismo de ação é basicamente o mesmo de outros métodos anticoncepcionais hormonais (pílulas e injetáveis).
(Nota Técnica do Ministério da Saúde).
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E REPROPOSITURA DA AÇÃO: STF reconheceu repercussão geral na
possibilidade da repropositura de ação de investigação de paternidade, quando anterior demanda idêntica entre as
mesmas partes foi julgada improcedente por falta de provas em razão da parte interessada não dispor de condições
econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova. Há relativização da
coisa julgada estabelecida nesses casos. Não devem ser impostos óbices de natureza processual à busca da identidade
genética (direito fundamental), que emana do direito de personalidade, e envolve a efetividade do direito à igualdade entre
os filhos, do princípio da paternidade responsável. Hipótese em que não há disputa de paternidade de cunho biológico,
em confronto com outra, de cunho afetivo. Busca-se o reconhecimento de paternidade com relação a pessoa identificada.
(RE 363889, Dias Toffoli, 2.6.11, Plenário)
ADPF 54: Inf. STF 661: “inescapável o confronto entre, de um lado, os interesses legítimos da mulher em ver
respeitada a sua dignidade e de outro, os de parte da sociedade que desejasse proteger todos os que a integrariam,
102
independente da condição física ou viabilidade de sobrevivência. [...]o tema envolveria a dignidade humana, o usufruto
da vida, a liberdade, a autodeterminação, a saúde e o reconhecimento pleno de direitos individuais, especificamente os
direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”. Ao final, o STF julgou procedente a ADPF para dar aos dispositivos do CP
que proíbem o aborto, interpretação conforme, impendido qualquer leitura dos aludidos dispositivos da lei penal, que
pudessem entender como criminosa a conduta da mulher que promove a interrupção terapêutica do parto em face da
anencefalia do feto devidamente diagnosticada. É importante frisar ainda que a questão conta com parecer de DEBORAH
DUPRAT pela procedência da demanda. Quanto à questão da autonomia reprodutiva da mulher, consignou a
examinadora que “a questão em debate nestes autos envolve a autonomia reprodutiva da mulher, que tem como
fundamento constitucional nos direitos à dignidade, à liberdade e à privacidade. É evidente que essa autonomia não é de
natureza absoluta. Entendo que a ordem constitucional também proporciona proteção à vida potencial do feto – embora
não tão intensa quanto à tutela da vida após o nascimento -, que deve ser ponderada com os direitos humanos das
gestantes para o correto equacionamento das questões complexas que envolvem o aborto”.

103
18.a. Orçamento público: controle social, político e jurisdicional.

LEGISLAÇÃO BÁSICA: CF: Art. 5º, 7º, 165/167, 203, 227 Lei n. 8.142/90; LRF; Lei 7.853/89; Decreto
3.298/99; Lei 8.112/90; Lei 8.213/91; Loas; Lei 10.098/00; Lei 10.216/01; Lei 8.899/94; Lei 9.868/99.
NOÇÕES GERAIS: Em uma democracia, a ideia essencial é que as decisões políticas mais importantes sejam
tomadas pelo próprio povo ou seus representantes. Tais decisões envolvem o dilema entre necessidades infinitas e
recursos escassos. Em especial, a implementação de políticas sociais demandam custos, razão pela qual é preciso
contextualizar o tema da efetividade destes direitos à luz dos problemas orçamentários. A escassez moderada de recursos
é um fato da vida que não pode ser ignorado, motivo pelo qual é possível o argumento da reserva do possível, conquanto
seja patente a possibilidade do judiciário controlar excessos (ex: invertendo o ônus da prova - REsp 764.085). Temos
aqui uma questão de dosagem, uma vez que ao princípio majoritário se impõem limites (ex: proteção às minorias, garantia
de direitos básicos), mas o exagero na intervenção externa ao Legislativo pode revelar-se antidemocrático, por cercear
além da razoabilidade o poder do povo de se autogovernar.
ORÇAMENTO: O orçamento é instrumento de planejamento (intervenção indireta/função planejadora
determinante para o setor público e indicativa para o setor privado), e é o local por excelência para a realização de
escolhas trágicas, tanto no que toca às fontes de financiamento dos direitos sociais, quanto no que se refere às prioridades
de gastos. . Orçamento prevê receitas e autoriza gastos, sendo meramente autorizativo no Brasil. O orçamento é
instrumento de intervenção do Estado na economia, por meio do qual o Estado exerce função planejadora (art. 174 da
CF), determinante para o setor público e indicativa para o setor privado. Além disso, o orçamento é instrumento poderoso
para a realização das atividades redistributivas do Estado, concretizando princípios tributários de equidade como a
progressividade fiscal e as imunidades, na medida em que destina as verbas arrecadadas aos mais pobres. Na sistemática
orçamentária constitucional (PPA, LDO e LOA), destaca-se o orçamento da seguridade social, que integra finalisticamente
a LOA (princípio da unidade orçamentária, art. 165, § 5º).
FINANCIAMENTO: As principais fontes de financiamento dos direitos sociais são os tributos, receitas derivadas e
correntes. O financiamento pode se dar de forma direta, por meio da receita dos impostos que vão para o caixa único de
cada ente federativo, ou de forma direita, por meio das contribuições sociais, de competência da União (art. 149 CF).
DESPESAS, VINCULAÇÃO E DESVINCULAÇÃO: Para garantir a destinação dos recursos arrecadados para a
efetivação dos direitos sociais utiliza-se a técnica da afetação, o que representa exceção constitucionalmente autorizada
(art. 167, IV CF). Sobre os percentuais para saúde e educação cf. tópicos 19.c e 16.a. Sob o argumento de que a maior
parte do orçamento é engessado pelas vinculações constitucionais e pelas despesas correntes de caráter obrigatório, o
que impede o Governo de executar seus programas, criou-se a DRU (desvinculações de receitas da União), por meio da
qual se desvinculam recursos de impostos e contribuições sociais e de intervenção afetados, no percentual de 20% (art.
76 ADCT). O STF já se manifestou pela sua constitucionalidade (RE 537.310). A prorrogação da DRU até dezembro de
2015, foi aprovada em 7 de dezembro de 2011.
CRIAÇÃO DE CRÉDITOS EXTRAORDINÁRIOS POR MEDIDA PROVISÓRIA: Ainda é majoritário o
entendimento de que as leis orçamentárias ainda possuem natureza jurídica de lei formal, de lei temporária, porque a)
não tem densidade normativa; e b) exteriorizam plano de governo (orçamento programa - planejamento que é
determinante para o setor público e indicativo para o setor privado e, portanto, não caberia Ação Direta de
Inconstitucionalidade em face destas. Entretanto, ante a evolução doutrinária e os excessos de nossos representantes,
podemos exemplificar com a ADI 4048 MC (Informativo 502 - STF), em que o STF entendeu que não restavam
preenchidos os requisitos da urgência e relevância que autorizariam a criação de créditos extraordinários, por Medida
Provisória.

CONTROLE SOCIAL: A participação popular pode ocorrer através de mecanismos próprios institucionais ou não.
Indiretamente e institucionalmente, o controle social do orçamento se dá por meio da comissão mista, composta
de deputados e senadores (art. 166, § 1º CF: II - examinar e emitir parecer sobre os planos e programas nacionais,
regionais e setoriais previstos nesta Constituição e exercer o acompanhamento e a fiscalização orçamentária, sem
prejuízo da atuação das demais comissões do Congresso Nacional e de suas Casas, criadas de acordo com o art. 58.),
a quem cabe exercer o acompanhamento e fiscalização orçamentária.
De forma direta podemos mencionar todos os mecanismos de participação política, como a presença em
audiências públicas, o voto, o direito de petição e de ajuizar ação popular. Para um exemplo mais específico, podemos
citar a participação e controle social institucional nos Conselhos e Conferências de Saúde, nos termos dos §1º e 2º do art.
1º, Lei n. 8.142/90, ou mesmo não institucional nas Plenárias Nacionais de Saúde . A LRF foi alterada em 2009 com o
intuito de incentivar a transparência e fomentar a participação popular na gestão fiscal. Há obrigação estatal de divulgação
(inclusive na internet) de diversos documentos fiscais (art. 48 LRF); a faculdade de participação popular em audiências
públicas (art. 48, I); o amplo direito de petição de informações (art. 48-A).
LRF: Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive
em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de
contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e
as versões simplificadas desses documentos.
Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante (Redação dada pela Lei Complementar nº
131, de 2009):
I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e
discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos; (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações
pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público; (Incluído pela Lei
Complementar nº 131, de 2009).

104
III – adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade
estabelecido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no art. 48-A. (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da Federação
disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a: (Incluído pela Lei Complementar
nº 131, de 2009).
I – quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no
momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo,
ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao
procedimento licitatório realizado; (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
II – quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a
recursos extraordinários. (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).

CONTROLE POLÍTICO: O controle político é exercido pelo Poder Legislativo em dois momentos: na aprovação
do orçamento anual e, posteriormente, na análise e aprovação ou não das contas apresentadas pelo Poder Executivo.
Representa verdadeira imposição de limites sobre a autoridade que tem a incumbência de arrecadar e de gastar os
recursos arrecadados da sociedade.
Nesse aspecto, o controle político tem sua origem no sistema orçamentário da Grã-Bretanha, instituído,
inicialmente, com a preocupação de controlar o poder de arrecadação do rei. Nesse sentido, o art. 12 da Magna Carta:
“Nenhum tributo ou auxílio será instituído no Reino, senão pelo seu conselho comum, exceto com o fim de resgatar a
pessoa do Rei, fazer seu primogênito cavaleiro e casar sua filha mais velha uma vez, e os auxílios para esse fim serão
razoáveis em seu montante”.
Hodiernamente, e tendo por fundamento o sistema de freios e contrapesos (check and balance system) o
orçamento constitui instrumento utilizado pelo Poder Legislativo (com o auxílio dos tribunais de contas) para controle
político de quanto e em que o Executivo gastará os recursos públicos.

CONTROLE JURISDICIONAL: A intervenção do Judiciário em questões orçamentárias é alvo de enorme cizânia


doutrinária e jurisprudencial.
Por muitos anos, o Orçamento foi visto como lei de meios, ou como ato administrativo ligado à atividade
discricionária do poder público, sem qualquer força vinculativa quanto à fixação de despesas e a efetivação dos interesses
sociais.
Com a mudança de paradigma do Estado Liberal para o Estado Social, e, principalmente, a partir das perspectivas
do direito constitucional contemporâneo, que estabelece a necessidade de constitucionalização do direito e máxima
efetivação dos direitos fundamentais, o cenário da lei orçamentária sofre drástica metamorfose: de mera peça de ficção
jurídica, o orçamento passa a ser instrumento fundamental ao exercício democrático da cidadania e à garantia da
dignidade da pessoa humana. Assim, a natureza da lei orçamentária deve ser considerada tanto no aspecto formal, quanto
no material.
Por certo, cabem ao Legislativo e ao Executivo, prioritariamente, a deliberação sobre o destino dos recursos
orçamentários. Todavia, há limites constitucionais formais e materiais à liberdade de conformação destes poderes, que
vinculam determinadas fixações de despesas. A margem de discricionariedade da Administração, no momento da escolha
orçamentária, precisa estar adstrita aos valores e objetivos constitucionais, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.
Quer se dizer com isso que, em caso de inobservância dos preceitos da Constituição, bem como de omissão total
ou parcial do legislador, o Poder Judiciário estará legitimado a intervir para preservar a supremacia constitucional.
A intervenção do Judiciário manifesta-se como uma salvaguarda institucional, a fim de garantir a existência de um
modo de vida capaz de respaldar os direitos fundamentais dos cidadãos.
Nesse sentido, os seguintes acórdãos:
EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA N°
405, DE 18.12.2007. ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE
LEGISLATIVA EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS. I. MEDIDA
PROVISÓRIA E SUA CONVERSÃO EM LEI. Conversão da medida provisória na Lei n° 11.658/2008, sem alteração
substancial. Aditamento ao pedido inicial. Inexistência de obstáculo processual ao prosseguimento do julgamento. A lei
de conversão não convalida os vícios existentes na medida provisória. Precedentes. II. CONTROLE ABSTRATO DE
CONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS ORÇAMENTÁRIAS. REVISÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O Supremo Tribunal
Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos
quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral
ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao
controle abstrato de constitucionalidade. III. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA
EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS PARA ABERTURA DE CRÉDITO
EXTRAORDINÁRIO. Interpretação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea "d", da Constituição. Além dos
requisitos de relevância e urgência (art. 62), a Constituição exige que a abertura do crédito extraordinário seja feita apenas
para atender a despesas imprevisíveis e urgentes. Ao contrário do que ocorre em relação aos requisitos de relevância e
urgência (art. 62), que se submetem a uma ampla margem de discricionariedade por parte do Presidente da República,
os requisitos de imprevisibilidade e urgência (art. 167, § 3º) recebem densificação normativa da Constituição. Os
conteúdos semânticos das expressões "guerra", "comoção interna" e "calamidade pública" constituem vetores para a
interpretação/aplicação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea "d", da Constituição. "Guerra", "comoção interna"
e "calamidade pública" são conceitos que representam realidades ou situações fáticas de extrema gravidade e de
consequências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social, e que dessa forma requerem, com a devida urgência,
a adoção de medidas singulares e extraordinárias. A leitura atenta e a análise interpretativa do texto e da exposição de
motivos da MP n° 405/2007 demonstram que os créditos abertos são destinados a prover despesas correntes, que não

105
estão qualificadas pela imprevisibilidade ou pela urgência. A edição da MP n° 405/2007 configurou um patente
desvirtuamento dos parâmetros constitucionais que permitem a edição de medidas provisórias para a abertura
de créditos extraordinários. IV. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA (ADI 4048 MC, Relator: Min. GILMAR MENDES,
Tribunal Pleno, julgado em 14/05/2008);
ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS –
POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTOS A
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO – MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO ESTADO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO
DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO-OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO
EXISTENCIAL. (…) 3. A partir da consolidação constitucional dos direitos sociais, a função estatal foi profundamente
modificada, deixando de ser eminentemente legisladora em pró das liberdades públicas, para se tornar mais ativa com a
missão de transformar a realidade social. Em decorrência, não só a administração pública recebeu a incumbência de criar
e implementar políticas públicas necessárias à satisfação dos fins constitucionalmente delineados, como também, o Poder
Judiciário teve sua margem de atuação ampliada, como forma de fiscalizar e velar pelo fiel cumprimento dos objetivos
constitucionais. 4. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido
com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização
dos direitos sociais, igualmente fundamentais. Com efeito, a correta interpretação do referido princípio, em matéria de
políticas públicas, deve ser a de utilizá-lo apenas para limitar a atuação do judiciário quando a administração pública atua
dentro dos limites concedidos pela lei. Em casos excepcionais, quando a administração extrapola os limites da
competência que lhe fora atribuída e age sem razão, ou fugindo da finalidade a qual estava vinculada, autorizado
se encontra o Poder Judiciário a corrigir tal distorção restaurando a ordem jurídica violada. (Segunda Turma do
STJ, Recurso Especial n. 1041197 – MS)

106
18.b. Direitos das pessoas portadoras de deficiência. A Convenção da ONU sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo.

ORIGEM: A história da construção dos direitos humanos das pessoas com deficiência compreende quatro fases:
a fase da intolerância; a fase da invisibilidade; a fase assistencialista, marcada pela perspectiva médica e biológica de
que a deficiência era uma “doença a ser curada”; e uma quarta fase, orientada pelo paradigma dos direitos humanos, em
que emerge o direito à inclusão social e a necessidade de eliminar obstáculos e barreiras culturais, físicas e sociais que
embaraçam a dignidade dos portadores de deficiência.
Como instrumentos de reconhecimento e promoção da inclusão social dos portadores de deficiência, podemos
citar as seguintes normas: CF, arts. 7º, XXXI (veda discriminação no tocante a salário e critérios de admissão) e 37, VIII
(reserva mercado de trabalho para os portadores de deficiência); Lei 7.853/89 (criou a Coordenadoria Nacional para
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE, instituindo, ainda, diversos direitos e garantias); Decreto
3.298/99 (regulamentou a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, que inclusive dispõe
sobre aspectos institucionais e formas de incentivo ao acesso de portadores de deficiência à educação e ao trabalho); Lei
8.112/90, art. 5º, § 2º (percentual das vagas de cada concurso público destinado às pessoas com deficiência, desde que
as atribuições do cargo postulado sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras); Lei 8.213/91, art. 93
(obrigatoriedade de as empresas preencherem percentuais de seus cargos com beneficiários reabilitados e pessoas
portadoras de deficiência habilitadas); Lei 10.216/01 (regulamenta a proteção e os direitos das pessoas com transtornos
mentais, redimensionando o modelo de assistência à saúde mental no Brasil), dentre outras.
CONVENÇÃO DA ONU: Sob essa inspiração, foi adotada pela ONU a Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência (2006), reconhecendo que todas as pessoas devem ter a oportunidade de alcançar de forma plena o seu
potencial.
A Convenção e seu Protocolo Facultativo foram os primeiros tratados internacionais de direitos humanos
aprovados nos termos do art. 5º, §3º, da CR/88, possuindo, desta forma, equivalência material e formal à Constituição. A
Convenção contempla as vertentes repressiva (proibição de discriminação) e promocional (promoção de igualdade),
enunciando deveres aos Estados para viabilizar a dignidade, a autonomia individual, a efetiva participação e inclusão na
sociedade, a não discriminação, o respeito pela diferença, a igualdade de oportunidades e a acessibilidade da pessoa
com deficiência (PIOVESAN, 2011, p. 277-281).
A Convenção elenca oito princípios gerais. São eles: 1º) O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual,
inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas; 2º) A não-discriminação; 3º) A plena
e efetiva participação e inclusão na sociedade; 4º) O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência
como parte da diversidade humana e da humanidade; 5º) A igualdade de oportunidades; 6º) A acessibilidade; 7º) A
igualdade entre o homem e a mulher; e 8º) O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência
e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade.
A Convenção traz uma série de “direitos básicos”, tais como: reconhecimento igual perante a lei; acesso à justiça;
liberdade e segurança da pessoa; prevenção contra tortura ou tratamentos ou penas cruéis; prevenção contra a
exploração, a violência e o abuso; proteção da integridade da pessoa; liberdade de movimentação e nacionalidade; vida
independente e inclusão na comunidade; mobilidade pessoal; liberdade de expressão e de opinião e acesso à informação;
respeito à privacidade; respeito pelo lar e pela família; direito à educação; direito à saúde; direito à habilitação e
reabilitação; direito ao trabalho e emprego; direito a um padrão de vida e proteção social adequados; direito à participação
na vida política e pública e o direito à participação na vida cultural e em recreação, lazer e esporte.
Também é prevista a instituição de um órgão fiscalizador do cumprimento, pelos Estados, dos deveres ali
acordados. Trata-se do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que seria constituído, inicialmente, de 12
peritos, acrescido de seis membros, perfazendo o total de 18 membros, quando a Convenção alcançasse 60 adesões.
O Protocolo Facultativo à Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência tem por escopo principal a
disciplina das questões referentes ao Comitê. Há a menção à competência para receber e considerar comunicações
submetidas por pessoas ou grupos de pessoas, ou em nome deles, sujeitos à sua jurisdição, alegando serem vítimas de
violação das disposições da Convenção pelo referido Estado Parte, lembrando que o Comitê não receberá comunicação
referente a qualquer Estado Parte que não seja signatário do Protocolo.
Merece destaque no texto do Protocolo as hipóteses em que o Comitê considerará inadmissível a comunicação:
a) A comunicação for anônima; b) A comunicação constituir abuso do direito de submeter tais comunicações ou for
incompatível com as disposições da Convenção; c) A mesma matéria já tenha sido examinada pelo Comitê ou tenha sido
ou estiver sendo examinada sob outro procedimento de investigação ou resolução internacional; d) Não tenham sido
esgotados todos os recursos internos disponíveis, salvo no caso em que a tramitação desses recursos se prolongue
injustificadamente, ou seja improvável que se obtenha com eles solução efetiva; e) A comunicação estiver precariamente
fundamentada ou não for suficientemente substanciada; ou f) Os fatos que motivaram a comunicação tenham ocorrido
antes da entrada em vigor do presente Protocolo para o Estado Parte em apreço, salvo se os fatos continuaram ocorrendo
após aquela data.

NO ÂMBITO DOMÉSTICO: após o texto constitucional contemplar diversas regras e princípios de proteção dos
portadores de deficiência, adveio a Lei 7.853/89, que criou a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência - CORDE, instituindo, ainda, diversos direitos e garantias. Posteriormente, o Decreto 3.298/99
regulamentou a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolidando normas
conceituais, de proteção, organização e assistência, além de dispor sobre aspectos institucionais e formas de incentivo
ao acesso de portadores de deficiência à educação e ao trabalho. Objetivando inserir o deficiente no mercado de trabalho,
como agente co-participante da produção nacional, a Lei Maior, além de vedar qualquer discriminação no tocante a salário
e critérios de admissão (CF, art. 7º, XXXI), prescreve a reserva de mercado de trabalho para os portadores de deficiência
(CF, art. 37, VIII). Na seara pública, a Lei 8.112/90 (art. 5º, § 2º) conferiu o percentual máximo de 20% das vagas de cada
107
concurso público às pessoas com desde que as atribuições do cargo postulado sejam compatíveis com a deficiência de
que são portadoras. No campo da iniciativa privada, a Lei 8.213/91 (art. 93) prevê a obrigatoriedade de as empresas
preencherem percentuais de seus cargos com beneficiários reabilitados e pessoas portadoras de deficiência habilitadas.
Para tanto, a assistência social dispõe de serviços de habilitação e reabilitação de pessoas com deficiência, garantindo
aos que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família o benefício
mensal de um salário mínimo (CF, art. 203, IV e V; LOAS, art. 20 a 21-A). A aposentadoria do portador de deficiência,
tanto no regime próprio como no regime geral de previdência, foi ressalvada da vedação constitucional contida nos arts.
40, §4º, e 201, §1º, podendo lei complementar prever a adoção de requisitos e critérios diferenciados para sua concessão
(Lei 8.213/91, art. 57, extensível aos servidores públicos cf. STF: MI 1613, MI 1737, MI 1967). O constituinte garantiu o
atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino (CF,
art. 208, III), tendo a Lei 9.394/96 (arts. 58 a 60), ao regulamentar a educação especial, atentado para currículos, métodos,
técnicas e recursos educativos específicos, bem como professores especializados e capacitados para a integração dos
educandos portadores de deficiências nas classes comuns. O direito à integração social e à acessibilidade também foram
previstos na CF/88, que determina a criação de programas estatais de prevenção, atendimento especializado, treinamento
para o trabalho e a convivência e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos
arquitetônicos e de todas as formas de discriminação dos portadores de deficiência (CF, art. 227, §1º, II). Considerando
que a falta de acessibilidade traduz forma de preconceito contra as pessoas com deficiência, pois lhes retira a autonomia
e independência inerentes à dignidade humana, a Carta Republicana incumbiu o legislador infraconstitucional da
elaboração de normas sobre construção e adaptação de logradouros, de edifícios de uso público e de fabricação de
veículos de transporte coletivo (CF, arts. 227, §2º, e 244). Papel este cumprido pela Lei 10.098/00, que trouxe critérios
básicos para a promoção da acessibilidade, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços
públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma dos edifícios e nos meios de transporte e de comunicação. A Lei
8.899/94 dispõe sobre a concessão de passe livre às pessoas com deficiência no transporte coletivo interestadual e é
regulamentada pelo Decreto 3.691/00. A Lei 10.048/00, por sua vez, prioriza o atendimento às pessoas portadoras de
deficiência, exigindo a prestação de um serviço diferenciado oferecido pelas repartições públicas e concessionárias de
serviço público, incluindo-se as instituições financeiras. A Lei 10.216/01 regulamenta a proteção e os direitos das pessoas
com transtornos mentais, redimensionando o modelo de assistência à saúde mental no Brasil (BOLONHINI JUNIOR,
2010). PALAVRAS-CHAVE: DIREITOS HUMANOS; FASES; CONVENÇÃO DA ONU - STATUS CONSTITUCIONAL;
IGUALDADE; TRABALHO; APOSENTADORIA; EDUCAÇÃO; ACESSIBILIDADE.

REsp 1.107.981: Lei 10.098/00 e o Decreto 5.296/04 estabelecem que as instituições financeiras deverão
dispensar atendimento prioritário às pessoas deficientes ou com mobilidade reduzida e, ao definir acessibilidade, prevê a
possibilidade de utilização dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, com segurança e autonomia, total ou
assistida. Equipamentos e mobiliários de agências bancárias devem seguir às determinações da regulamentação
infralegal, por questões relacionadas não apenas ao conforto dos usuários, mas também à segurança do sistema
bancário. Não há direito à instalação de terminal de autoatendimento para melhor atender às condições pessoais do autor,
se aquele já existente se encontra em conformidade com os parâmetros legalmente fixados.
REsp 1.179.987: exame médico admissional concluiu pela incompatibilidade entre as funções a serem
desenvolvidas e a deficiência do candidato, que foi excluído do concurso. Entretanto, a Lei 7.853/89 estabelece as regras
gerais sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua integração social. Assim, conforme a lei, o poder público
assume a responsabilidade de fazer valer a determinação constitucional de desenvolvimento de políticas públicas voltadas
ao portador de deficiência física, bem como é vedado qualquer tipo de discriminação ou preconceito. O Dec. 3.298/99,
que regulamentou a lei, determinou que o exame da compatibilidade no desempenho das atribuições do cargo seja
realizado por equipe multiprofissional durante o estágio probatório. Isso porque o poder público deve assegurar aos
deficientes condições necessárias previstas em lei e na CF, para que possam exercer suas atividades conforme as
limitações que apresentam.
REsp 1.013.060: art. 111 do CTN apenas permite a interpretação literal às disposições sobre isenção. Em recurso
repetitivo, o STJ entendeu que o rol de moléstias que defere isenção de IR (art. 6º, XVI, da Lei 7.713/88) é taxativo
("numerus clausus"). Assim, não é possível conceder isenção à surdez por interpretação analógica aos casos de cegueira.

108
18.c. Controle abstrato de constitucionalidade: Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Direta de
Inconstitucionalidade por Omissão, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental.

*Sobre controle de constitucionalidade: vide ponto 12.a


1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONCEITO: Tem por objeto principal a própria declaração
de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em tese. OBJETO: a) Leis (art. 59 da CF): emendas constitucionais (por
emanarem do poder constituinte derivado reformador), leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas
provisórias (por terem força de lei, mas desde que em plena vigência, ou seja, não convertidas ainda em lei ou não tendo
perdido a sua eficácia por decurso de prazo), decretos legislativos e resoluções (esses dois últimos somente se estiverem
revestidos de generalidade e abstração). b) Atos normativos: qualquer ato revestido de indiscutível caráter normativo,
como as resoluções administrativas dos Tribunais, os regimentos internos dos Tribunais, as deliberações administrativas
dos órgãos judiciários, as deliberações dos Tribunais Regionais do Trabalho (salvo as convenções coletivas de trabalho)
etc. c) Tratados internacionais: c.1) Tratados internacionais sobre direitos humanos e aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em 2 turnos, por 3/5 dos votos de seus respectivos membros (art. 5, § 3º, da CF) equivalem a
emendas constitucionais e, portanto, podem ser objeto de controle de constitucionalidade. c.2) Tratados internacionais
sobre direitos humanos aprovados pela regra anterior à EC 45/2004 têm natureza supralegal (abaixo da Constituição,
porém acima da legislação ordinária) e, portanto, podem ser objeto de controle de constitucionalidade. c.3) Tratados
internacionais de natureza diversa equivalem a meras leis ordinárias e podem, portanto, ser objeto de controle de
constitucionalidade. d) Políticas públicas: desde que configurada hipótese de evidente e arbitrária abusividade
governamental, em violação a concretização dos direitos mínimos existenciais do ser humano (direitos sociais,
econômicos e culturais), devendo ainda se verificar, no caso concreto, a razoabilidade da pretensão, bem como a
disponibilidade financeira do Estado para a implementação da referida política pública. OBS: Lei - conceito amplo: a)
todo ato normativo primário (art. 59, CF/88); b) EC - desde que: (i) viole uma das limitações; (ii) apenas as que versem
sobre cláusulas pétreas; (iii) poderes implícitos; c) não cabe contra ato do poder constituinte originário - ADI 815 - princípio
da unidade da Constituição; d) de efeito meramente formal - ex: orçamento, doação de bens para as forças armadas: ADI
1716 - não cabe ADI em face de lei meramente formal; ADI 2925 - LOA/2013 - CIDE - o dispositivo tinha caráter material
não podendo o fato de estar inserta em lei meramente formal ser óbice para ADI; ADI's 4047 e 4048 - crédito suplementar
por MP; se a lei de efeitos concretos já exauriu seus efeitos, não cabe ADI; e) decreto presidencial: e1) autônomo - art.
84, VI, CF/88: cabe ADI; e2) regulamentar: não cabe ADI; se decreto for contrário à lei e esta for conforme à CF/88 - é
ilegalidade e não inconstitucionalidade (inconstitucionalidade reflexa/por via oblíqua, que não pode ser analisada por ADI,
nem por RE); se decreto de acordo com a lei e esta estiver contra a CF/88 - ADI deve ser proposta contra lei e não contra
decreto, mas a este será reconhecida a inconstitucionalidade por arrastamento; f) leis anteriores à CF/88 - não cabe ADI,
mas cabe ADPF - 130; ADI 2: natureza jurídica da não recepção é de revogação; f2) pois se ela for incompatível com a
CF/88, será caso de não recepção - revoção e não inconstitucionalidade superveniente; g) tratado internacional - ADI
1480. Ato normativo (todo aquele que vincula ou obriga um determinado grupo): a) ADI 1694 - TCU – consulta; b) parecer
AGU aprovado pelo Presidente da República; c) resolução do CNJ que interprete diretamente a Constituição - ADC 12 -
ADI - férias coletivas - ADI 3367; d) Resolução do TSE; e) súmulas do Poder Judiciário: e1) Súmulas vinculantes - não
cabe - questão de legitimidade - 2/3 para aprovar súmula vinculante, enquanto para a ADI necessita apenas da maioria
absoluta; e2) súmulas persuasivas - não cabe; e3) súmulas obstativas de recurso - não cabe. NÃO PODEM SER OBJETO
DE CONTROLE CONCENTRADO: a) Súmulas: por não possuírem grau de normatividade qualificada pela generalidade
e abstração, mesmo no caso de súmula vinculante. No caso de SV, há procedimento de revisão. b) Regulamentos ou
decretos regulamentares expedidos pelo Executivo e demais atos normativos secundários: por não estarem revestidos
de autonomia jurídica. Trata-se, no caso, de questão de legalidade, por inobservância do dever jurídico de subordinação
normativa à lei. Decreto que não regulamente lei alguma: poderá haver ADI para discutir observância do princípio da
reserva legal. c) Normas constitucionais originárias: pois são sempre constitucionais, devendo os aparentes conflitos entre
as suas normas ser harmonizados através de uma interpretação sistemática do caso concreto (princípio da unidade,
concordância prática). d) Normas anteriores à Constituição: são recepcionadas, ou não, e, nesse caso, são revogadas,
pelo novo ordenamento jurídico, não se podendo falar em inconstitucionalidade superveniente. (Conflito de leis no tempo,
e não hierárquico). A ADPF pode ser utilizada para, de forma definitiva e com eficácia geral, solver controvérsia relevante
sobre a legitimidade do direito ordinário pré-constitucional em face da nova Constituição. e) Atos estatais de efeitos
concretos: por não possuírem densidade jurídico-material (densidade normativa). f) Atos normativos já revogados ou de
eficácia exaurida: porque a sua eventual declaração teria valor meramente histórico. OBS: Se a revogação ou a perda de
vigência da lei ou ato normativo ocorrer já no curso da ação de inconstitucionalidade: STF entende pela perda do objeto,
com a prejudicialidade da ação, devendo os efeitos residuais concretos que possam ter sido gerados pela aplicação da
lei ou ato normativo não mais existente ser questionados na via ordinária, por intermédio do controle difuso de
constitucionalidade. Gilmar Mendes tem posição diferente: princípios da máxima efetividade e da força normativa da CF.
g) Respostas emitidas nas consultas ao TSE: por se tratar de ato de caráter meramente administrativo, não possuindo
eficácia vinculativa aos demais órgãos do Poder Judiciário; h) Leis orçamentárias: por se tratar de lei com objeto
determinado e destinatário certo, sendo, praticamente, um ato administrativo, em sentido material. Excepcionalmente, se
demonstrar que referida lei tem certo grau de abstração e generalidade, o STF tem admitido seja ela objeto de controle
abstrato de constitucionalidade. No caso de MP sobre crédito extraordinário, o STF admite controle. Razões: a) CF não
diferencia as leis, e sim tão-somente os atos (só cabem atos normativos); b) estudos e análises no plano da teoria do
direito apontariam a possibilidade tanto de se formular uma lei de efeito concreto de forma genérica e abstrata quanto de
se apresentar como lei de efeito concreto regulação abrangente de um complexo mais ou menos amplo de situações.

109
LEGITIMIDADE (art. 103, CR):

ESTATAL - não necessita de


NÃO ESTATAL - necessita de
advogado por já possuir capacidade
advogado com poderes específicos
postulatória
Presidente da República
Conselho Federal da OAB
Procurador-Geral da República
LEGITIMIDADE ATIVA
UNIVERSAL Mesa da Câmara dos Deputados Partido Político com representação
(TODA A COLETIVIDADE) no Congresso Nacional
Mesa do Senado Federal (representação só necessária no
momento da propositura)
Governador do Estado/DF Confederação Sindical
Entidade de classe de âmbito
LEGITIMIDADE ATIVA ESPECIAL
nacional: a) representante de uma
(PARCELA DA COLETIVIDADE) Mesa da Assembleia
categoria;
"PERTINÊNCIA TEMÁTICA": Legislativa/Câmara Distrital
b) presente em pelo menos 9 UF
(1/3)

OBS: Mesa do Congresso Nacional não tem legitimidade para a propositura de ADI; Partido político: a
representação do partido político no Congresso Nacional se configura com apenas um parlamentar, em qualquer das
Casas Legislativas; a representação do partido político na ADI será pelo Diretório Nacional ou pela Executiva do Partido,
de acordo com a sua constituição (Diretório Regional ou Executiva Regional não podem representar partido na ADI); STF
mudou entendimento - a perda de representação política do partido no Congresso Nacional posterior ao ajuizamento da
ação, não mais extingue a sua legitimidade ativa, não sendo óbice ao prosseguimento da ADI; Entidade de classe:
categoria profissional, organizadas em, pelo menos, 9 Estados. Exceção: se atividade econômica se restringir a menos
de 9 Estados – ex. sal; Confederação sindical: constituída por no mínimo 03 Federações Sindicais; STF mudou
entendimento: pode ADI por Associação de Associação (Ex.: ADEPOL). COMPETÊNCIA: STF: Lei ou ato normativo
federal ou estadual em face da CF; TJ local: Lei ou ato normativo estadual ou municipal em face da CE; tramitação
simultânea de ações (lei estadual perante a CF no STF e perante a CE no TJ local - norma da CF repetida na CE:
suspender a ação no TJ local até o julgamento da ADI no STF. Lei ou ato normativo municipal em face da CF: Não há
controle concentrado, só difuso. Há possibilidade de ADPF. Caso haja repetição de norma da CF na CE: possível controle
perante o TJ local, confrontando lei municipal em face da CE que repetiu norma da CF. Lei ou ato normativo distrital de
natureza estadual em face da CF: STF. Lei ou ato normativo distrital em face da Lei Orgânica Distrital: TJ local; Lei ou ato
normativo municipal em face da Lei Orgânica do Município: Não há controle de constitucionalidade, tratando-se, pois, de
simples caso de legalidade. PROCEDIMENTO: art. 103, §1º e 3°, art. 103, CF; arts. 169 a 178, RISTF; Lei n° 9.868/99 -
Quando imprescindível advogado, procuração com poderes especiais, indicando objetivamente lei ou ato normativo
atacados pela ADI; Se petição inicial for inepta por (i) não indicar dispositivo da lei ou ato normativo impugnado, (ii) não
for fundamentada ou (iii) manifestamente improcedente, relator pode indeferir liminarmente, cabendo recurso de agravo.
Não havendo indeferimento liminar, relator pede informações aos órgãos ou entidades das quais emanou a lei ou ato
normativo impugnado, que devem ser prestadas em 30 dias do recebimento do pedido. Após informações, ouvidos,
sucessivamente, o AGU e o PGR, que devem se manifestar, cada qual, em 15 dias. PAPEL DO AGU – art. 103, §3º, CF
diz que AGU será citado para defender o ato impugnado, mas hoje se diz que há direito de manifestação, sem
obrigatoriedade de defesa do ato impugnado, notadamente quando há um interesse da União na inconstitucionalidade da
lei. AGU não necessitará defender o ato impugnado quando: a) já houver caso análogo em que o STF tenha entendido
que a norma era inconstitucional - ADI 1616; b) quando o AGU subscrever a ADI; c) quando a norma impugnada fere os
interesses da União; ADI 3916 e 4309. Ademais, CF não prevê sanção para o caso de o AGU não defender o ato
impugnado (ADI 3916). Gilmar Mendes: AGU não deve ser entendido como parte, mas sim como instituição chamada
para se manifestar, podendo dizer o que entende (um parecer concorrente ao do PGR).
Possível excepcionalmente, manifestação de outros órgãos ou entidades, se relator considerar relevante a matéria
e a representatividade dos postulantes. Amicus curiae: ingresso até a entrada do processo na pauta.Também se houver
necessidade de esclarecimentos de matéria ou de circunstância de fato ou houver notória insuficiência de informações
existentes nos autos, pode o relator requisitar outras, designar perito para emitir parecer sobre a questão, ou designar
audiência pública para ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria. Art. 9º, § 1º, Lei 9.868/99.
Relator pode solicitar informações aos Tribunais Superiores, aos Tribunais Federais e Tribunais Estaduais acerca da
aplicação da norma impugnada no âmbito de sua jurisdição. Declaração de inconstitucionalidade pelo voto da maioria
absoluta dos membros do STF (mínimo de 6), observado quorum para a instalação da sessão de julgamento (mínimo de
8). Arts. 22 e 23, Lei 9.868/99. Sobre o controle de constitucionalidade não recai qualquer prazo prescricional ou
decadencial (atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo - princípio da nulidade das leis
inconstitucionais). Não se admite assistência jurídica, nem intervenção de terceiros, ressalvados nos caso já citados em
que o relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, admite a manifestação de
outros órgãos ou entidades. Vedada a desistência da ação já proposta (Art. 5°, caput, Lei 9.868/99). Decisão é irrecorrível
(salvo a interposição de embargos declaratórios) e irrescindível (Art. 26, Lei 9.868/99). Causa de pedir aberta: não fica o
STF condicionado à causa petendi apresentada pelo postulante, mas apenas ao seu pedido, motivo pelo qual ele poderá
declarar a inconstitucionalidade da norma impugnada por teses jurídicas diversas. Medida cautelar na ADI: será
concedida, salvo no período de recesso, por decisão da maioria absoluta dos membros do STF, observado o quorum
mínimo para a sua instalação, após audiência (exceto nos casos de excepcional urgência) dos órgãos ou autoridades dos
quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que se pronunciarão no prazo de 5 dias. Ouvidos AGU e PGR, no prazo
de 3 dias cada, se relator julgar indispensável (Art. 10, caput e §§, Lei 9.868/99). Facultada sustentação oral aos
110
representantes judiciais da parte requerente e dos órgãos ou autoridades responsáveis pela expedição do ato, na forma
do RISTF. Efeitos da Medida cautelar: dotada de eficácia contra todos (erga omnes), será concedida com efeito ex nunc,
salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa (ex tunc). Ademais, a concessão da medida
cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário (Artigo
11, §§ 1º e 2º, da Lei nº 9.868/99). Procedimento “sumário” (art. 12): em face da relevância da matéria e de seu especial
significado para a ordem social e a segurança jurídica: poderá o relator, após a prestação das informações, no prazo de
10 dias, e a manifestação do AGU e do PGR, sucessivamente, no prazo de 5 dias, submeter o processo diretamente ao
Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação. Art. 12 da Lei nº 9.868/99. AMICUS CURIAE: Regra geral
é vedada a intervenção ordinária de terceiros nos processos de ação direta de inconstitucionalidade. Excepcionalmente
poderá o relator considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes admitir por despacho
irrecorrível a manifestação de outros órgãos ou entidades (art. 7º, § 2º, Lei 9.868/99). Fator de legitimação social das
decisões do STF, pois democratiza o debate constitucional (Celso de Mello). Natureza jurídica diversa das modalidades
ordinárias de intervenção de terceiro previstas no CPC, já que amicus curiae é mero colaborador, sendo considerado
modalidade sui generis de intervenção de terceiros inerente ao processo objetivo de controle concentrado de
constitucionalidade. Cabe ao relator, verificando a presença dos requisitos necessários, admitir ou não a intervenção do
amicus curiae. Mesmo sendo admitido pelo relator, poderá o Tribunal deixar de referendá-lo, afastando a sua intervenção.
Decisão que admite ou não o amicus curiae é irrecorrível, a fim de evitar tumulto processual. Requisitos para admissão:
a) relevância da matéria; b) representatividade dos postulantes.Prazo para ingresso: até momento em que processo é
encaminhado pelo relator para inclusão na pauta de julgamentos (STF). Não são cabíveis os recursos interpostos por
terceiros estranhos à relação processual nos processos objetivos de controle de constitucionalidade, nesses incluídos os
que ingressam na qualidade de amicus curiae e os legitimados para a ação que não sejam parte da mesma. Amicus
curiae tem direito de apresentar sustentação oral, nos termos do RISTF.
EFEITOS DA DECISÃO: A ação em comento possui caráter dúplice ou ambivalente, nos termos do artigo 24 da
Lei nº 9.868/99, segundo o qual, in verbis: “Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou
procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou
improcedente eventual ação declaratória.” Por sua vez, regra geral, a decisão proferida na ADI possui os seguintes efeitos:
(a) erga omnes (b) ex tunc (c) efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Judiciário e à Administração.
Excepcionalmente, por motivos de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o STF, por
manifestação qualificada de 2/3 de seus membros (8 Ministros), declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
sem a pronúncia de sua nulidade, restringindo os efeitos da referida declaração ou decidindo que ela só tenha eficácia a
partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, ou seja, atribuindo-lhe efeito ex nunc, nos
termos do artigo 27 da Lei nº 9.868/99. Ademais, ressalte-se que, nesse último caso, os referidos efeitos só se iniciarão
a partir do trânsito em julgado da decisão (e não a partir da publicação da ata de julgamento no DJU). Possível:
Interpretação conforme a Constituição; Declaração de nulidade parcial sem redução de texto (v. tópico 12.a).
RECLAMAÇÃO: finalidade de garantir a autoridade da decisão proferida em sede de ADI pelo Supremo Tribunal Federal.
(serve também para reafirmar a competência da Corte). Não cabe reclamação contra ato judicial que tenha transitado em
julgado. Recl 1880: ampliou legitimados para a propositura de reclamação, não mais se restringindo ao rol constante no
artigo 103 da CF e no artigo 2º da Lei nº 9.868/99, para considerar todos aqueles que forem atingidos por decisões dos
órgãos do Poder Judiciário ou por atos da Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual, municipal
e distrital contrários ao entendimento firmado pela Suprema Corte em ADI (Art. 28, §ú, Lei 9.868/99; art. 102, § 2º, CF).
EC 45/2004: art. 103-A, § 3º: cabe reclamação para exigir observância das súmulas vinculantes. Natureza jurídica da
reclamação: Há controvérsia na doutrina (ação; sucedâneo de recurso; remédio incomum; incidente processual; medida
de Direito Processual Constitucional; medida processual de caráter excepcional). STF: como instrumento de caráter
constitucional, com dupla finalidade: preservar a competência e garantir a autoridade das decisões; Ada Pelegrini: simples
direito de petição (5º, XXXIV). STF adotou esse entendimento ao permitir a reclamação no âmbito estadual (TJ).
Reclamação no âmbito estadual: é possível, desde que haja previsão da CE, pois se trata de direito de petição.
Reclamação e tribunal superior: STF: não é cabível a previsão, unicamente por regimento interno de Tribunal Superior,
deste instituto, fazendo-se necessária a existência de lei (ou previsão constitucional).

PROCEDIMENTOS
ART. 12 DA LEI
MÉRITO CAUTELAR
9868/99 (SUMÁRIO)
Petição Inicial Petição Inicial Petição Inicial
Informações (30d) Informações (5d) Informações (10d)
AGU (15d) AGU/PGR(3d): ouvidos apenas se Relator AGU (5d)
Amicus considerar necessário; se entender necessário,
PGR (15d) PGR (5d)
Curiae prazo é comum.
Perícias, Audiências
Públicas, Informações - -
adicionais - ADI 855
Julgamento:
a) Deferida: efeito vinculante; requisitos para
deferimento da cautelar: 1) norma aparentemente
Julgamento Julgamento
inconstitucional; e 2) aplicação geraria insegurança.
b) Indeferida - sem efeito vinculante, mas não quer
dizer que a norma seja inconstitucional.

111
2. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. CONCEITO: Omissão Inconstitucional:
ausência de norma ou ato infraconstitucional que impede a ampla aplicação da norma constitucional; apenas quando se
tratar de norma de eficácia limitada - precisa de regulamentação para ser amplamente aplicada - efeito cliquet - princípio
da proibição do retrocesso; garantia do mínimo existencial e dignidade da pessoa humana. FINALIDADE: tornar efetiva
norma constitucional de eficácia limitada, não regulamentada por omissão do Poder Público ou órgão administrativo.
Omissão pode ser total (não houver o cumprimento constitucional do dever de legislar; Ex.: Art. 37, inciso VII, da CF); ou
parcial (há lei infraconstitucional integrativa, porém insuficiente). Omissão parcial propriamente dita: lei existe, mas
regula de forma deficiente (Ex.: Art. 7º, inciso IV, da CF); Omissão parcial relativa (ou “exclusão de benefício
incompatível com o princípio da igualdade”): lei existe, outorgando determinado benefício a uma certa categoria, deixando
de conceder a outra que também deveria ter sido contemplada (Ex.: Súmula 339 do STF). MI x ADI por omissão: a) MI é
restrito, pois trata apenas de direitos que envolvam cidadania, direitos fundamentais, etc.; b) qualquer pessoa pode propor
MI; e c) os efeito do MI são inter partes. Não há fungibilidade entre ADI por Omissão e Mandado de Injunção: diversidade
de pedidos. OBJETO: amplo – a) inércia do Legislativo em editar atos normativos primários; b) inércia do Executivo em
editar atos normativos secundários, como regulamentos e instruções; c) inércia do Judiciário em editar os seus próprios
atos. STF: perda de objeto da ADI por omissão pendente de julgamento se: norma que não tinha sido regulamentada é
revogada; é encaminhado projeto de lei ao Congresso Nacional sobre a referida matéria (desencadeado o processo
legislativo, não há que se cogitar de omissão inconstitucional do legislador). Contudo, a inercia deliberandi das Casas
Legislativas pode ser objeto da ADI por omissão: STF reconhece a mora do legislador em deliberar, declarando a
inconstitucionalidade por omissão. COMPETÊNCIA: (Art. 103, § 2º, CF, c.c., analogicamente, art. 102, I, “a”, CF) - STF.
Gilmar Mendes: Inconstitucionalidade por omissão de órgãos legislativos estaduais em face da CF/88 - STF.
LEGITIMIDADE: São os mesmos legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade (Art. 103 da CF),
inclusive, com as observações sobre a pertinência temática para alguns deles. PROCEDIMENTO: Lei 9868/99:
praticamente idêntico ao da ADI, com peculiaridades: a) relator poderá solicitar a manifestação do AGU, a ser
encaminhada em 15 dias (art. 12-E, §2º), após a manifestação das autoridades responsáveis pela omissão. Citação do
AGU não é obrigatória. b) Possível concessão de medida cautelar: excepcional urgência e relevância da matéria
podem ensejar tal concessão, após audiência das autoridades responsáveis pela omissão inconstitucional, que deverão
se pronunciar em 5 dias. Medida cautelar poderá consistir em: suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo
questionado, no caso de omissão parcial; suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos;
outra providência a ser fixada pelo Tribunal. Em caso de omissão de órgão administrativo: providências deverão ser
adotadas no prazo de 30 dias, ou em prazo razoável estipulado excepcionalmente pelo Tribunal. Em caso de omissão do
Poder Legislativo: a) Teoria não concretista: o Poder Judiciário não pode regular a matéria pois, se o fizesse, estaria
invadindo a competência do Poder Legislativo - MI 712; b) Teorias Concretistas: b1) direta: de plano Judiciário regula a
matéria; b2) intermediária: primeiro constitui em mora o legislador para, após, regular a matéria, dividindo-se em: b2.1)
geral: a regulação feita pelo Judiciário vale para todos - adotada pelo STF; e b2.2) individual: regulação feita pelo Judiciário
vale para o indivíduo ou grupo. Admite-se ainda a figura do amicus curiae na ADC (mesmo tendo sido vetado art. 18, §
2º, Lei 9.868/99) em aplicação analógica do art. 7º, § 2º, Lei 9.868/99, considerando que ADI e ADC são ações dúplices
(ou ambivalentes). EFEITOS DA DECISÃO: tradicionalmente, STF entendia que ADI por omissão serve para comunicar
ao Congresso o dever de legislar; isso vem mudando: ex. caso da criação dos Municípios, em que se fixou um prazo.
Caso da criação dos Municípios (art. 18, § 4º): Congresso não editou LC necessária para criação de Municípios. Muitos
foram criados de forma inconstitucional. Houve várias ADIs contra leis que criaram Municípios, e ADI por omissão em
relação ao art. 18, §4º, CF. STF declarou omissão inconstitucional e inconstitucionalidade, sem pronúncia de
nulidade, das leis municipais (com modulação de efeitos). Fixou prazo de 18 meses para a LC, e 24 meses para a
subsistência das leis municipais. Raciocínio: criada a LC, as leis municipais poderiam ser criadas no prazo. Congresso
não criou a LC, mas fez EC para ratificar a criação dos Municípios. FUNGIBILIDADE (Gilmar Mendes): há certa
fungibilidade entre ADI por omissão parcial e ADI. Diferença são as técnicas de decisão: na primeira, será determinada
complementação; na segunda, declarada a nulidade.

3. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. CONCEITO: introduzida pela EC 03/93, que alterou


arts. 102 e 103, CF; regulamentada pela Lei nº 9.868/99. FINALIDADE: declarar constitucionalidade de lei ou ato
normativo (apenas federal), transformando presunção relativa (iuris tantum) em absoluta (iure et iure), afastando quadro
de incerteza sobre a validade ou aplicação da aludida lei. COMPETÊNCIA: originária do STF (art. 102, I, a, CF).
LEGITIMIDADE: mesmos para a ADI. PROCEDIMENTO: praticamente mesmo da ADI, com observações: petição inicial
deve indicar: a) dispositivo da lei ou ato normativo questionado e fundamentos jurídicos do pedido; b) pedido, com
especificações; c) existência de controvérsia judicial relevante sobre aplicação da disposição objeto da ADC (ADC 1:
controvérsia judicial relevante: a) STF: controvérsia dentro do Poder Judiciário (jurisprudencial); b) Gilmar Mendes:
controvérsia jurídica; c) a lei possui presunção de constitucionalidade. Se alguns juízes a tem declarado inconstitucional,
já está caracterizada a controvérsia; d) relevância: possibilidade de ocasionar insegurança jurídica em boa parte do
território nacional). Deve conter cópias do ato normativo questionado e dos documentos necessários para comprovar
procedência do pedido de declaração de constitucionalidade (art. 14, da Lei nº 9.868/99). Petição inicial será
liminarmente indeferida pelo relator se: for inepta, não for fundamentada, ou for manifestamente improcedente. Contra
essa decisão cabe agravo. O AGU não será citado, pois não há ato ou texto a ser defendido. Vista dos autos ao PGR,
para se pronunciar em 15 dias (art. 19, Lei nº 9.868/99). Havendo pedido cautelar, decisão sobre a liminar pode ser antes
da manifestação do PGR. Caso haja necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato; ou de notória
insuficiência das informações existentes nos autos: pode relator requisitar informações adicionais, inclusive, a Tribunais
Superiores, Tribunais federais e estaduais acerca da aplicação da norma questionada no âmbito de sua jurisdição,
designar perito ou comissão de peritos ou fixar data para ouvir depoimentos em audiência pública (art. 20, §1º a 3º, Lei
9.868/99). Decisão será dada pela maioria absoluta dos membros do STF (6), presente o número mínimo de 2/3 dos
ministros (8). Vedada intervenção de terceiros e desistência da ação após sua propositura. Decisão é irrecorrível, salvo

112
pela interposição de embargos de declaração, não podendo ser objeto de ação rescisória. Medida cautelar consistirá na
determinação de que juízes e Tribunais suspendam julgamento de processos envolvam aplicação da lei ou do ato
normativo objeto da ação até o seu julgamento definitivo (art. 21, Lei 9.868/99). Suspensão perdurará apenas por 180
dias, contados da publicação da parte dispositiva de decisão no DOU, sendo esse prazo definido pela lei para que STF
julgue ADC. Gilmar Mendes: a despeito da lei não prever prorrogação do prazo da cautelar, se a questão não tiver sido
decidida no prazo prefixado, poderá o STF autorizar a prorrogação do prazo. Decisão de deferimento da medida cautelar
será dada pela maioria absoluta dos membros do STF (6) e terá efeito vinculante e erga omnes (entendimento majoritário),
em vista do poder geral de cautela inerente ao poder jurisdicional, cabendo reclamação. EFEITOS DA DECISÃO: Regra
geral, decisão proferida em ADC será: (a) erga omnes (contra todos); (b) ex tunc; (c) vinculante em relação aos demais
órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública, direta ou indireta, federal, estadual, municipal e distrital. Lei pode
ser ABSTRATAMENTE CONSTITUCIONAL, mas no caso concreto ser tida como INCONSTITUCIONAL, assim o
julgamento abstrato de constitucionalidade não impede que em determinado caso concreto haja reconhecimento da
inconstitucionalidade (ADI 223 - plano Collor). Gilmar Mendes: tese da dupla revisão judicial ou duplo controle de
constitucionalidade: mesmo após o controle concentrado de constitucionalidade, ainda persiste espaço para controle
difuso de constitucionalidade pelas instâncias judiciárias inferiores. Ex. ADC/04: reconheceu constitucionalidade da lei
que proíbe antecipação de tutela contra fazenda pública, mas tribunais vêm entendendo que em determinados casos
concretos pode existir inconstitucionalidade pela proibição de antecipação de tutela contra a fazenda.

PROCEDIMENTO
MÉRITO CAUTELAR
Petição Inicial Petição Inicial
AMICUS CURIAE:
PGR (15d) PGR (3d) - se o relator considerar necessário
ingresso sem
Perícias, audiências
previsão legal -
públicas.
Julgamento: tanto concessão quanto denegação tem efeito
Julgamento
vinculante

4. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. LOCALIZAÇÃO: Encontra previsão


no §1º do art. 102 da CF, com redação dada pela EC 03/93, regulamentado pela Lei nº 9.882/99. Saliente-se que, antes
do advento da aludida lei, entendia o STF que o art. 102, §1º, da CF encerrava norma constitucional de eficácia limitada.
Sendo assim, enquanto inexistente lei regulamentando o referido dispositivo constitucional, não podia o STF sequer
apreciar as ações de arguição de descumprimento de preceito fundamental. HIPÓTESES DE CABIMENTO: Na hipótese
de arguição autônoma, prevista no art. 1º, caput, da Lei nº 9.882/99, tem-se por objeto evitar (preventivo) ou reparar
(repressivo) lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público, qualquer que seja esse ato administrativo.
Já na hipótese de arguição por equivalência ou equiparação, disciplinada pelo parágrafo único do art. 1º da Lei nº
9.882/99, tem-se por objeto a existência de controvérsia (divergência jurisprudencial) constitucional, com fundamento
relevante, sobre lei ou ato normativo federal, estadual, municipal e distrital, incluídos os anteriores à Constituição de 1988,
violadores de preceito fundamental. A previsão se deu por lei – competência originária do STF – há quem diga que seria
inconstitucional. (Para GM, decorre da jurisdição constitucional). Convém advertir ainda que, por ora, não cabe ADPF
incidental (cisão funcional vertical), em relação a controvérsias constitucionais concretamente já postas em juízo, salvo
se vier a ser editada emenda constitucional com previsão expressa a esse respeito. GM defende isso na ACP. Hoje,
porém, se admite a impugnação de decisões judiciais por meio da ADPF, antes mesmo de estarem maduras para um
RE. Leva-se uma questão constitucional presente no debate de 1ª instância para abreviá-lo. Nesse ponto, há uma certa
semelhança com o incidente de inconstitucionalidade do controle concreto europeu. Ex: importação de pneus usados.
Admite-se também o controle de leis revogadas. PRECEITO FUNDAMENTAL: Constituição e lei regulamentadora
deixaram de conceituar preceito fundamental. Doutrina: preceito fundamental: preceitos que informam sistema
constitucional, estabelecendo comandos basilares e imprescindíveis à defesa dos pilares da Constituição originária,
veiculando princípios e servindo de vetores de interpretação das demais normas constitucionais. Como exemplo:
princípios fundamentais dos artigos 1º a 4º; cláusulas pétreas do artigo 60, §4º; princípios constitucionais sensíveis do
artigo 34, inciso VII; direitos e garantias individuais dos artigos 5º a 17; princípios gerais da ordem econômica e financeira
do artigo 170 etc. STF tem resolvido em cada caso concreto se se trata ou não de preceito fundamental, não definindo de
forma ampla o que se entende por preceito fundamental. Veto não pode ser contestado por meio de ADPF, já que se
tratada de manifestação de ato político. COMPETÊNCIA: competência originária do STF (Art. 102, §1º, CF).
LEGITIMIDADE: mesmos legitimados para a propositura da ADI. E ainda qualquer interessado, entendido esse como
sendo qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do poder público (inciso II vetado do art. 2º da Lei nº 9.882/99),
mediante representação, solicitando a propositura da ação ao Procurador-Geral da República, que, examinando os
fundamentos jurídicos do pedido, decidirá acerca do cabimento de seu ingresso em juízo (a legitimada, na realidade, é a
PGR). PROCEDIMENTO: petição inicial, além dos requisitos do art. 282 do CPC, deve conter: a) indicação do preceito
fundamental que se considera violado; b) indicação do ato questionado; c) prova da violação do preceito fundamental; d)
pedido e suas especificações; e) se for o caso, comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a
aplicação do preceito fundamental que se considera violado. Art. 3º, Lei 9.882/99: casos em que a presença de advogado
for necessária (Partido Político com representação no Congresso Nacional, Confederação Sindical ou Entidade de Classe
de âmbito nacional), instrumento de mandato deve acompanhar petição inicial. Petição inicial será indeferida
liminarmente pelo relator, quando não for o caso de ADPF, quando faltar algum de seus requisitos, ou quando ela for
inepta, sendo cabível contra essa decisão a interposição de agravo, no prazo de 5 dias. Art. 4º, caput e §2º, Lei 9.882/99.
ADPF possui caráter residual, sendo-lhe aplicável o princípio da subsidiariedade, segundo o qual somente será admitida
quando não houver qualquer outro meio eficaz capaz de sanar a lesividade indicada, compreendido no contexto da ordem
constitucional global, como aquele apto a solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata.
113
Art. 4º, §1º, da Lei nº 9.882/99. SUBSIDIARIEDADE: não pode haver outro meio de controle em processo objetivo. Se
couber MS, RE, pode caber a ADPF mesmo assim, pois ela gera eficácia geral, ao passo que os outros têm, em princípio,
eficácia inter partes. Ex: ADPF 33 – piso salarial de servidores – lei pré-constitucional revogada – decidiu-se que o princípio
da subsidiariedade legitimava a apreciação da ADPF, pois a existência de pendências judiciais não é bastante para
resolver o caso na amplitude da ADPF. ADPF ser conhecida como ADI, se o pedido principal for de declaração de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo por ofensa a dispositivos constitucionais. Após apreciação da medida liminar,
o relator solicita informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, no prazo de 10 dias. - cabível
amicus curiae, perícia etc. - O Ministério Público, na condição de custos legis, tem vista do processo, por 5 dias, após o
decurso do prazo para as informações (Art. 7º, §único, Lei 9.882/99). A decisão deve ser tomada pelo voto da maioria
absoluta dos membros do STF (no mínimo 6), presentes 2/3 dos ministros (no mínimo 8). Tratam-se, respectivamente,
do quorum de julgamento (art. 97 da CF), bem como de instalação da referida sessão (art. 8º da Lei nº 9.882/99). A
decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido na ADPF é irrecorrível, não podendo ser objeto de ação
rescisória. Art. 12, Lei 9.882/99. Cabe reclamação contra o descumprimento de decisão proferida, em sede de ADPF.
O pedido de medida liminar, em sede de ADPF, será deferido por decisão da maioria absoluta de seus membros (6
ministros). Caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave ou, ainda, em período de recesso (que é distinto de férias),
poderá a liminar ser deferida apenas pelo relator, ad referendum do pleno (Art. 5º, caput e §1º, Lei 9.882/99). Relator
poderá ouvir, ainda em sede de liminar, os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o AGU
ou o PGR, no prazo comum de 5 dias (Art. 5º, § 2º, Lei 9.882/99). Liminar poderá determinar que juízes e tribunais
suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente
relação com a matéria objeto de arguição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa
julgada. EFEITOS DA DECISÃO: decisão na ADPF é imediatamente auto-aplicável (art. 10, §1º, Lei 9.882/99). Possui
eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público (art. 10, §3º,
Lei 9.882/99). Em regra tem efeitos retroativos (ex tunc), exceto nos casos em que, por razões de segurança jurídica ou
de excepcional interesse social, o STF decida, por maioria qualificada de 2/3 de seus membros, restringir os efeitos da
declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado (ex nunc) ou de outro momento que
venha a ser fixado (Art. 11, Lei 9.882/99). Pet 1365: ADPF pode servir a casos que não chegariam ao STF, apesar de
violar preceitos fundamentais ou por ADI. Ex: leis revogadas, leis anteriores à CF/88, leis municipais; ADPF 54: ADPF
autônoma: para lei ou ato normativo (subsidiariedade) - não há necessidade de se demonstrar controvérsia judicial
relevante. ADPF incidental: caso concreto - necessidade de se demonstrar controvérsia judicial relevante; pode ser ato
não normativo. Art. 102, §1º, CF/88: ADPF 1: não toda e qualquer norma é um preceito fundamental, mas apenas as mais
importantes; ADPF 33: grupos de normas de preceito fundamental: a) princípios fundamentais; b) direitos fundamentais;
c) cláusulas pétreas (ADI 3367) - pacto federativo; separação de poderes d) princípios sensíveis (art. 34, CF/88) - aqueles
que, uma vez desrespeitados, acarretam intervenção federal; ADPF 72: fungibilidade.

PROCEDIMENTO
MÉRITO CAUTELAR
Petição Inicial Petição Inicial
Informações (10d)
AMICUS AGU, na autônoma (5d), na incidental (5d), a
Informações/AGU/PGR (5d) prazo comum
CURIAE critério do relator
PGR (5d), se não tiver proposto a ADPF
Perícia, audiência pública, informações adicionais -
Julgamento Julgamento

QUESTÕESS – ORAL: 1) Antigamente, as ações de controle concentrado eram verdadeiros “processos sem
rosto”, genuinamente objetivos. Hoje já não é mais assim. Por quê? 2) Diferença entre ADPF e ADI/ADC. Espécies de
ADPF. Legitimados para a ADPF. Cabe ADPF em caso de ofensa reflexa à CF? 3) ADPF. Origem, objeto, legitimados,
modalidades, conceito de controvérsia constitucional. Diferenciar ADPF autônoma de ADPF incidental. 4) Diferenças entre
ADI por omissão e mandado de injunção.

114
19.a. Liberdade de expressão, religiosa e de associação. O princípio da laicidade estatal. Os direitos
civis na Constituição de 1988.

LEGISLAÇÃO BÁSICA: Art. 5º, IV, VII, VIII, IX, XVII a XXI, 220, 222, § 1º, da CF.
LIBERDADE DE EXPRESSÃO: liberdade de expressão é vertente da democracia, pois assegura a participação
popular efetiva na gestão da coisa pública, ampliando o conhecimento e a discussão sobre assuntos de interesse geral.
Junto com liberdade de expressão, deve-se prestigiar a tolerância. Não se reduz ao externar sensações e sentimentos,
mas abarca tanto a liberdade de pensamento, que se restringe aos juízos intelectivos, como também o externar
sensações. Duas dimensões do direito à liberdade de expressão: a substantiva (em que se considera tal liberdade como
um valor em si mesmo, isto é, uma garantia relacionada à própria dignidade da pessoa humana, já que a capacidade de
dizer o que pensa e de ouvir o que quiser é um dos valores mais marcantes da condição humana, ligada ao próprio
desenvolvimento da personalidade do indivíduo) e a instrumental (em que se considera a liberdade de expressão como
um meio, um instrumento para a promoção de outros valores constitucionalmente consagrados, como a democracia, a
opinião pública independente e o pluralismo político). Art. 5º, IV e IX, CF: protege liberdade de expressão em sua dimensão
substantiva; arts. 220 e ss: dimensão instrumental, como meio de promoção de outros direitos fundamentais. Possível
fracionar o conteúdo da liberdade de expressão em: a) liberdade em sentido estrito: engloba o direito individual de
manifestação do pensamento, sentimentos etc; b) liberdade de informação: engloba o direito de informar e de receber
informações verdadeiras; c) liberdade de imprensa: engloba o direito-dever de os meios de comunicação social divulgarem
fatos e opiniões. Deve se orientar segundo o princípio da dignidade da pessoa humana, devendo haver a adequada
preservação da imagem e respeito à condição humana. Dificuldade do tema reside na impossibilidade de se criar norma
ou fórmula para "adequar" a conduta da imprensa, pois restringir a imprensa poderá resultar tanto na preservação quanto
na violação do direito à dignidade. Restrições impostas à atividade midiática serão legítimas na medida em que busquem
a tutela de outros direitos e valores igualmente relevantes, que encontrem fundamento no princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana, de forma a coibir abusos. Colisão dos direitos fundamentais (Robert Alexy): solução para
a colisão entre princípios deve ocorrer por meio da técnica da ponderação, com a aplicação dos postulados da
proporcionalidade e da razoabilidade; ponderação estabeleceria “relação de precedência condicionada” entre princípios
em conflito, sendo que a aplicação do princípio dependeria das condições fáticas de cada caso concreto. Doutrina vem
desenvolvendo teoria de que liberdades de expressão e de imprensa situam-se numa posição privilegiada dentro da
CRFB, por permitirem o desenvolvimento de atributos inerentes à pessoa humana e servirem de instrumento para o
exercício de outros direitos fundamentais. Assim, liberdade de expressão ocuparia posição preferencial (prioridade “prima
facie) e, na solução de conflitos com outros princípios constitucionais, deve-se via de regra privilegiar liberdade de
expressão (Luís Roberto Barroso e Marinoni). Marinoni fala em “ordem mole” (no lugar de uma “ordem dura”): não seria
possível colocar a liberdade de expressão em posição rigidamente superior aos demais princípios, mas seria possível lhe
atribuir carga argumentativa implícita. Assim, a argumentação em favor do direito colidente (ex. direito a honra) deve ser
muito mais forte do que a argumentação em favor do direito de liberdade (STF não tem aplicado a liberdade de expressão
como um valor significativo relevante, de maneira prima facie). Liberdade de empresa jornalística: a liberdade de
expressão depende necessariamente da garantia de liberdade de empresa jornalística, tutelada pela liberdade de
associação; a própria CF limita esta liberdade ao dispor que a empresa jornalística e de radiodifusão sonora ou audiovisual
compete privativamente aos brasileiros natos, ou aos naturalizados há mais de dez anos, ou às pessoas jurídicas
constituídas sob as leis brasileiras com “pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante das empresas
jornalísticas e de radiodifusão [...] deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais
de dez anos” (art. 222, § 1º, da CF). Essa "limitação" visa resguardar a soberania nacional, pois visa justamente impedir
que, por exemplo, empresas/capital estrangeiro tomem conta da imprensa, manipulem, distorçam ou formem opinião dos
brasileiros. Presos e correspondências epistolares. Nos termos da LEP (Lei 7.210/84, art. 41, XV), constitui direito do
preso o “contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação
que não comprometam a moral e os bons costumes”. CRFB, art. 5º, XII, primeira parte: inviolabilidade das
correspondências. STF, HC 70.814: a administração penitenciária pode excepcionalmente interceptar a correspondência
remetida pelos sentenciados, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação
da ordem jurídica, desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, § único, LEP, pois inviolabilidade do sigilo epistolar
não constitui instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas.
ADI 869/99: é inconstitucional a expressão do art. 247, §2º, do ECA, que autorizava a suspensão da programação
da emissora por até 02 dias, ou da publicação de periódico por até 02 números, caso divulgassem nome, ato ou
documento de procedimento instaurado contra criança ou adolescente, a que se atribua ato infracional (violação ao art.
5º, XLV, da CF); ADI 2.566-MC: o STF indeferiu medida cautelar e manteve a vedação à prática de proselitismo de
qualquer natureza na programação das emissoras de radiodifusão comunitárias (art 4º, § 1º, da Lei 9.612/98);
Proselitismo: é o intento, zelo, diligência, empenho ativista de converter uma ou várias pessoas, ou determinados grupos,
a uma determinada causa, ideia ou religião (neste último caso, proselitismo religioso, que é a tentativa de convencer
alguém a se converter às suas ideias ou crenças). ADI 956/94: é constitucional a proibição de utilização de gravações
externas, montagens ou trucagens, na propaganda eleitoral gratuita (art. 76, §1º, Lei 8.713/93); ADI 2.677-MC: o STF
indeferiu medida cautelar e manteve a proibição de participação, em propaganda eleitoral, de pessoas filiadas a outros
partidos que não o responsável pelo programa político (art. 45, § 1º, I, Lei 9.096/95); ADI 3.741/2006: é inconstitucional
vedar a divulgação de pesquisas eleitorais 15 dias antes do pleito, por violar a liberdade de informação (art. 35-A, da Lei
9.504/97); ADI 4.451/2010: é inconstitucional a proibição de veiculação de charges, sátiras ou programas humorísticos,
envolvendo questões ou personagens políticos, durante o período eleitoral, por corresponder a inaceitável censura
legislativa prévia e restrição desproporcional ao direito de crítica (suspensão integral da eficácia do inciso II e de parte do
inciso III, do art. 45, da Lei 9.504/97, e por arrastamento dos §§4º e 5º desse artigo); ADI 2.815/03: os Estados da
federação não possuem competência para proibir a publicação de fotos eróticas ou pornográficas em anúncios e
comerciais, porque cabe à União legislar sobre propaganda comercial; ADPF 130/2009: a Lei de Imprensa, como um todo,
115
foi considerada incompatível com a CF/88, por ser considerada um instrumento legal que limitava de maneira irrazoada a
liberdade de imprensa; consignada a plenitude do exercício da liberdade de expressão como decorrência da dignidade
da pessoa humana e como meio de reafirmação de outras liberdades constitucionais. RE 511.961/2009: considerou-se
incompatível com a CF/88 a exigência de apresentação de diploma universitário de jornalismo, prevista no art. 4º, V, do
Decreto-lei 972/69, como condição para a obtenção do registro profissional de jornalista, no Ministério do Trabalho;
segundo o Min. Gilmar Mendes: “a formação específica em curso de graduação em jornalismo não é meio idôneo para
evitar riscos à coletividade”, “o jornalismo é uma profissão diferenciada por sua estreita vinculação ao pleno exercício das
liberdades de expressão e informação”, “a reserva legal estabelecida no art. 5º, XIII, não confere ao legislador o poder de
restringir o exercício da liberdade a ponto de atingir o seu próprio núcleo essencial”; ADPF 183/2009: Deborah Duprat
ajuizou esta ADPF, pleiteando que seja declarada incompatível com a CF/88 a Lei 3.857/60, que criou a Ordem dos
Músicos do Brasil, por restringir o exercício da profissão de músico e a liberdade de expressão, em violação ao art. 5º, IV,
IX e XIII, da CF/88 (pendente de julgamento, mas no RE 414426, o STF declarou que a atividade de músico prescinde de
controle, já que não há potencial lesivo, para que se exija inscrição em conselho profissional, sendo manifestação artística
protegida pela garantia da liberdade de expressão); ADPF 187 e ADI 4274: conferiu-se interpretação conforme ao art.
287, do CP, e ao art. 33, §3º, da Lei 11.343/06, respectivamente, de forma a excluir qualquer exegese que permita a
criminalização da defesa da legalização das drogas ou de qualquer substância entorpecente, inclusive através de
manifestações e eventos públicos; ADI 1969: é inconstitucional decreto autônomo editado pelo Governador do DF, que,
a pretexto de assegurar o direito ao trabalho em ambiente de tranquilidade, impunha restrições à liberdade de reunião e
de expressão, proibindo a utilização de carros, aparelhos e objetos sonoros nas manifestações públicas realizadas na
Praça dos Três Poderes, na Esplanada dos Ministérios e na Praça do Buriti; HC 82.424/2003 (Caso Ellwanger e os
discursos de incitação ao ódio ou hate speech): o STF, por maioria, denegou a ordem postulada, reconhecendo como
crime de racismo a publicação de livros próprios e de terceiros, com conteúdo antissemita, bem como sua
imprescritibilidade; HC 83.996/2004 (Caso Gerald Thomas): a ordem foi concedida em favor de diretor teatral que, diante
de vaias e xingamentos do público, simulou ato de masturbação e abaixou as calças, mostrando as nádegas para a
plateia; o STF consignou que o art. 233, do CP, deve ser interpretado de forma a excluir qualquer exegese que viole a
liberdade de expressão artística e cultural; ADI 2404 (PENDENTE DE JULGAMENTO): ação direta de
inconstitucionalidade ajuizada contra a expressão “em horário diverso do autorizado” contida no art. 254 do Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA. Presente caso destacaria a liberdade de expressão na sua dimensão instrumental, ou
seja, a forma como se daria a exteriorização da manifestação do pensamento; a liberdade de programação é uma das
dimensões da liberdade de expressão em sentido amplo, essencial para construir e consolidar uma esfera de discurso
público qualificada.
LIBERDADE RELIGIOSA: “compreende três formas de expressão [...]: (a) liberdade de crença [...] mas também
compreende a liberdade de não aderir a religião alguma [...]. (b) liberdade de culto [...] na prática dos ritos, no culto, com
suas cerimônias, manifestações [...] na forma indicada pela religião escolhida [...]. (c) Liberdade de organização religiosa
[...] diz respeito à possibilidade de estabelecimento e organização das igrejas e suas relações com o Estado” (SILVA:
2001, p. 251-254). Neste último aspecto, impende destacar a característica laica do Estado e a imunidade tributária como
garantia da liberdade religiosa. A proteção constitucional à liberdade religiosa, portanto, não se refere à tutela a uma
corrente de ideias ou pensamentos, mas à compreensão de um direito mais amplo de liberdade de consciência, que
assegura a autodeterminação existencial e ética dos indivíduos, que se desdobra em diversos campos, como o filosófico,
o ideológico e o religioso (LEITE: 2011, p. 456).
ADI 2.076-5: não há inconstitucionalidade na ausência de invocação a Deus na Constituição estadual do Acre,
diante da ausência de força normativa do Preâmbulo da Constituição Federal; RE 325.822-2: reconheceu-se a imunidade
tributária de templos de qualquer culto, vedada a instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados
com as finalidades essenciais das entidades religiosas (interpretação extensiva conferida pelo STF, permitindo a
imunidade tributária ao exercício de atividades não religiosas, por parte das igrejas); STA 389 AgRg: considerou-se
razoável medida adotada pelo MEC, no sentido de admitir que certos grupos religiosos realizem as provas do ENEM
durante o sábado, após o pôr-do-sol, por representar providência mais condizente com o dever de neutralidade religiosa
do Estado, diante dos problemas decorrentes da designação de dia alternativo. AgRg no AREsp 444.193-RS: considerou-
se que é ônus do Município comprovar que imóvel abrangido por imunidade tributária está desvinculado da destinação
institucional da entidade religiosa, a fim de cobrar o ITBI.
LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO: objeto do art. 5º, XVII até XXI, da CF. Conceito: “no dizer de Pontes de Miranda
– ‘toda coligação voluntária de algumas ou de muitas pessoas físicas, por tempo longo, com o intuito de alcançar algum
fim (lícito), sob direção unificante’ [...] Seus elementos são: base contratual, permanência (ao contrário da reunião), fim
lícito, [...] inclui tanto as associações em sentido estrito ([...] de fim não lucrativo) e as sociedades [...], contém quatro
direitos: o de criar associação (e cooperativas), que não depende de autorização; o de aderir a qualquer associação [...];
o de desligar-se [...]; o de dissolver espontaneamente a associação [...] Duas garantias coletivas [...]: (a) veda-se a
interferência estatal no funcionamento [...] (b) as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas
atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, trânsito em julgado [...] Há duas restrições
expressas: [...] não seja para fins ilícitos ou de caráter paramilitar. E é aí que [...] autoriza a dissolução por via judicial”
(SILVA: 2001, p. 269-271). A Constituição Federal assegura a plena liberdade de associação para fins lícitos, sendo
vedada, contudo, a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria
profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregado interessados,
não podendo ser inferior à área de um Município – Art. 5º, XVII e Art. 8º, II da CF/88.
Súmula 629: A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados
independe da autorização destes; ADI 1.194: a obrigatoriedade do visto de advogado para o registro de atos constitutivos
de pessoas jurídicas (art. 1º, §2º, Lei 8.906/94) não ofende os princípios constitucionais da isonomia e da liberdade
associativa; ADI 3.045: atos emanados do Executivo ou Legislativo, que provoquem a compulsória suspensão ou
dissolução de associações, mesmo as que possuam fins ilícitos, são inconstitucionais; RE 432.106: não se deve confundir

116
associação de moradores com a figura do condomínio, razão pela qual é indevido impor mensalidade a morador ou
proprietário de imóvel, que a ela não tenha aderido; ADI 3.464: viola os princípios constitucionais da liberdade de
associação e da liberdade sindical, em sua dimensão negativa, a norma legal que condiciona, ainda que indiretamente, o
recebimento do benefício do seguro-desemprego a filiação do interessado à colônia de pescadores de sua região; RE
437.971-AgRg e RE 520.629-ED-AgR: a legitimação das organizações sindicais, entidades de classes ou associações,
para o mandado de segurança coletivo, é extraordinária, ocorrendo nesse caso substituição processual, não se exigindo
autorização expressa dos filiados (art. 5º, LXX, CF); diferente é o caso previsto no art. 5º, XXI, CF, que trata de
representação processual, em que se exige autorização expressa dos filiados. RE 432.106: a 1ª Turma proveu recurso
para vedar a cobrança compulsória de mensalidade por associação de moradores a qual não está vinculado porque fere
a regra de que ninguém pode ser compelido a associar-se ou a permanecer associado, tanto pelo ângulo formal como
tudo que resultasse desse fenômeno. A mensalidade pressupõe vontade livre e espontânea do cidadão em associar-se.
AgRg na Rcl 5.215: associação para atuar em juízo na defesa de direito de seus filiados necessita de autorização no
estatuto e de autorização específica da Assembleia Geral. REsp 1.189.273: centro acadêmico de direito tem legitimidade
para propor ACP caso tenha autorização em assembleia convocada especificamente para isso. RMS 34.270: entidades
associativas em geral não têm legitimidade para a tutela em juízo dos direitos e interesses das pessoas jurídicas de direito
público que tem regime próprio, revestido de garantias e privilégios de direito material e processual em virtude de se tratar
de tutela de patrimônio público.
O PRINCÍPIO DA LAICIDADE DO ESTADO: neutralidade estatal em matéria religiosa; não é incompatível com a
colaboração entre Poder Público e representantes de igrejas e cultos religiosos que vise a promoção do interesse público.
Laicidade estatal atua de modo dúplice: salvaguarda as diversas confissões religiosas do risco de intervenção abusiva
estatal nas respectivas questões internas, e protege o Estado de influências indevidas provenientes de dogmas, de modo
a afastar a prejudicial confusão entre o poder secular e democrático e qualquer doutrina de fé, inclusive majoritária. As
garantias do Estado secular e da liberdade de culto representariam que as religiões não guiariam o tratamento estatal
dispensado a outros direitos fundamentais, tais como os direitos à autodeterminação, à saúde física e mental, à
privacidade, à liberdade de expressão, à liberdade de orientação sexual e à liberdade no campo da reprodução (ADPF
54). Ensino fundamental religioso com matrícula facultativa (art. 210, § 1º, CF) e assistência religiosa nas entidades civis
e militares (art. 5º, VII, da CF), bem como a escusa de consciência, por meio da qual ninguém será privado de direitos por
motivo de crença religiosa, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recursar-se a cumprir
prestação alternativa (art. 5º, VIII, CF). Testemunhas de Jeová e adeptos da Christian Science: objeção de consciência
por motivos religiosos à realização de transfusão de sangue: para doutrina e jurisprudência majoritária, a vida é intangível
e a dignidade da pessoa humana autoriza médico realizar a transfusão, sem a vontade do paciente, quando
cientificamente se prova que é o único meio apto a salvar a vida de iminente perigo. Resolução CFM 1.021: é dever do
médico praticar transfusão de sangue, ainda que com oposição do paciente ou seu responsável, apoiado na excludente
de ilicitude do art. 146, §3º, I, do CP. Há países (ex. EUA e Alemanha) que tendem a assegurar a objeção à transfusão
de sangue, em proteção à liberdade religiosa. Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves: defendem objeção à transfusão de
sangue, tratando-se de manifestação livre de pessoa maior e capaz. Crucifixos nos tribunais: para Daniel Sarmento,
crucifixos e outros símbolos religiosos não podem ser mantidos em espaços públicos do Poder Judiciário, sob pena de
ofensa ao princípio da laicidade estatal; laicidade (relação de neutralidade e imparcialidade estatal para com todas as
manifestações religiosas, de maneira a assegurar o exercício igualitário da liberdade religiosa, em um ambiente de
pluralismo religioso e mundividencial) não se confunde com laicismo (animosidade do Estado para com a religiosidade).
Sarmento defende a constitucionalidade de alguns feriados religiosos, bem como gastos públicos na conservação de
igrejas barrocas, Cristo Redentor, por não ofender a laicidade estatal, tendo em vista interesses públicos em jogo
(proteção da liberdade religiosa dos trabalhadores católicos e do patrimônio histórico e cultural do Brasil,
respectivamente).
OS DIREITOS CIVIS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988: por direitos civis podem-se entender, segundo o art. 5º da
CF/88, todos os direitos concernentes ao homem no tocante à vida, à liberdade, à segurança, à igualdade e à propriedade
nos termos estabelecidos pela lei. São direitos essenciais aos planos individual e coletivo, assumindo, dessa forma, a
dimensão de necessidade social pela satisfação dos interesses dos indivíduos, implicados no equilíbrio da sociedade que
é pensada como um corpo representado pelas perspectivas-expectativas dos seus associados. Necessariamente os
direitos civis se confundem com os direitos humanos, ou melhor, a terminologia que se adota para expressar o conjunto
de direitos que compreende a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III da CF/88) não vai longe do sentido de direitos
civis. Resta assinalar que são direitos civis os existentes na vida da cidade; o que são os direitos políticos senão aqueles
na vida da polis.

117
19.b. Direitos das comunidades remanescentes de quilombos e de comunidades tradicionais.

Além das múltiplas e heterogêneas comunidades indígenas e quilombolas, temos inúmeras comunidades
tradicionais, destacando-se as extrativistas, as comunidades ribeirinhas e os ciganos. Todos esses grupos têm em comum
um modo de vida tradicional distinto da sociedade nacional de grande formato. O grande desafio para a 6ª CCR e para
os Procuradores que militam em sua área temática é assegurar a pluralidade do Estado brasileiro na perspectiva étnica
e cultural, tal como constitucionalmente determinada.
O art. 68 do ADCT é direito fundamental, ligado à moradia, à igualdade substantiva e justiça social, à medida
reparatória a resgatar dívida histórica, ao direito coletivo das comunidades de manterem sua identidade etno-cultural (já
que a terra é o elo que mantém a coesão do grupo) e ao direito difuso de toda a sociedade brasileira à sobrevivência
cultural das específicas formas de viver dos quilombolas. O art. 68 é suficientemente denso a permitir sua aplicação
imediata. Duas leituras são possíveis: (a) a transferência da propriedade depende de desapropriação: a própria CF operou
a afetação das terras ocupadas pelos quilombolas a uma finalidade pública de máxima relevância, eis que relacionadas
a direitos fundamentais de uma minoria étnica vulnerável: o seu uso, pelas próprias comunidades, de acordo com seus
costumes e tradições, de forma a garantir a reprodução física, social, econômica e cultural. Os proprietários particulares
não podem reivindicar a posse da terra ou buscar proteção possessória antes da desapropriação ou da imissão provisória
na posse. Diante da privação da posse, só podem postular indenização, tal qual na desapropriação indireta. Já os
quilombolas podem se valer de todos os instrumentos processuais adequados à efetivação e à proteção do seu direito à
posse, mesmo antes da desapropriação e até independentemente dela, contra o proprietário ou terceiros; (b) a própria
CF já transferiu a propriedade: o ato de reconhecimento tem caráter declaratório, daí porque o gozo do direito de
propriedade coletiva é imediato (a partir do art. 68), podendo ser tutelado em juízo independentemente de prévia
desapropriação. A desnecessidade de desapropriação não impede o pagamento de indenização a eventual ex-proprietário
privado, para melhor acomodar os interesses em jogo. O Decreto 4.887/03, que regulamenta o procedimento
administrativo de titulação das terras quilombolas e, se for o caso, sua desapropriação, (a) não é autônomo, pois baseado
na Convenção 169 da OIT e na Lei nº 9.784/99 e, ademais, ainda que fosse, é válido decreto que regulamenta diretamente
norma constitucional consagradora de direito fundamental suficientemente densa e de aplicabilidade imediata (superação
do modelo legicêntrico) (parecer na ADIn 3239, Sarmento, v. abaixo). 1740, Conselho Ultramarino: quilombo é “toda
habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e
não se achem pilões nele”. Almeida: no Império, basta que passem de dois, mas mantém-se a mesma definição. Com a
proclamação da República, o quilombo desaparece do Direito por quase 100 anos até a CF/88. Para esta, o quilombo é
uma autonomia construída no tempo; não é o local onde se encontra vestígios, mas onde os agentes sociais estão (critério
da autoatribuição – o grupo se autodefine). Duprat: remanescentes de quilombos, índios e diversos outros grupos étnicos,
uma vez que sabidamente não foram tratados na CF por falta de conhecimento do constituinte, mas estão também
amparados, e, no momento em que se revelarem, terão o mesmo tratamento jurídico que os grupos étnicos
expressamente referidos estão a ter. Quando a CF prestigia os modos de viver, fazer e sentir desses grupos e as sua
formas de expressão, está dando a esses grupos a capacidade de autodefinição. Cabe ao Judiciário verificar se há, a
partir dessa auto-identificação, pertinência ou não com o direito que é referido, mas jamais cabe ao Judiciário, ao
administrador ou a qualquer outro grupo étnico diverso dizer o que aquele grupo é. A autodefinição também é o critério
da Convenção 169 da OIT. Norma emancipatória não pode ser interpretada à luz de concepções da época escravocrata.
A questão dos remanescentes dos quilombos não difere em nada da questão indígena, a propriedade de suas terras é
como “território cultural” (Almeida e Duprat, 2003). Diferença entre o regime de terras indígenas da Constituição Federal
de 1988, em relação às Constituições de 1934, 1946 e 1967: A Constituição Federal de 1891 (art. 64) transferiu aos
Estados-membros todos os imóveis públicos que não fossem necessários aos serviços da União ou indispensáveis à
defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e ferrovias federais. Na CF/34, transferiu-se para os indígenas,
então chamados de silvícolas, a posse das terras por eles ocupadas permanentemente, vedando sua alienação; tais terras
estavam situadas em Estados-membros e estavam ou sob domínio público ou sob domínio particular. Assim, restou
constitucionalizado o conflito pela posse da terra, tendo de um lado os indígenas e suas comunidades, e do outro os
Estados-membros e particulares (frequentemente aliados). Na CF/46, reconheceu-se aos silvícolas a posse das terras
onde se achavam permanentemente localizados, com a condição de não a transferirem. Essa situação manteve-se
inalterada até o advento da CF/67 (art. 186), que estendeu (ou explicitou) à posse indígena o “usufruto exclusivo” dos
recursos naturais e de todas as utilidades nela existentes. A EC 69, inovando, declarou nulos e extintos os efeitos de
quaisquer naturezas sobre o domínio, a posse e a ocupação das terras ocupadas por indígenas. Se os Estados-membros,
até então, podiam invocar em seu favor a aplicação do art. 64 da CF/1891, a partir da CF/69 já não poderiam fazê-lo com
tanta convicção. Aqui, agregou-se mais um elemento de conflito à já tão instável relação entre índios e não índios. Na
CF/88, declarou-se como pertencentes ao domínio da União as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas (art.
20, XI); tal disposição é explicitada pelo art. 231 da mesma Carta, em que se destaca o dever de demarcá-las (BARRETO:
2004, p. 105-106). Conceito de conhecimento tradicional associado: Conhecimento tradicional consiste na informação ou
prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou de comunidade local, com valor real ou potencial, associada ao
patrimônio genético, segundo o art. 7º, II, da MP 2.186-16/2011 (Dicionário de Direitos Humanos da Escola Superior do
Ministério Público da União). Conceito de comunidade tradicional: engloba as comunidades indígenas, quilombolas e as
locais. “Inexiste definição, dada pela lei, de comunidade local. O conceito de populações tradicionais chegou a ser inserido
no projeto de lei da Lei 9.985, de 18/07/2000, aprovado pelo Congresso Nacional, mas foi objeto de veto presidencial. A
lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei 9.985, de 18/07/2000) estabelece direitos e obrigações para
as populações tradicionais, mas não as define. Analogicamente, pode ser usado o conceito empregado na Lei 9.985/2000,
quando trata das populações em reservas de desenvolvimento sustentável, que são qualificadas como tradicionais e
caracterizadas por terem a sua existência baseada ‘em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais,
desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel
fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica’. A lei do Sistema Nacional das Unidades
118
de Conservação não inclui os índios e quilombolas, fala apenas das comunidades locais no conceito de populações
tradicionais. Trata-se de uma incorreção, visto que é indubitável que as comunidades indígenas e quilombolas estão
incluídas no conceito de populações tradicionais. Entrementes, baseando-se na linha de entendimento sobre
comunidades locais veiculada na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, que incorretamente exclui as
comunidades indígenas e quilombolas do conceito de populações tradicionais, podemos definir comunidade local como
aquela com modo de vida e inter-relações sociais e materiais indissociáveis à diversidade biológica e à reprodução dos
conhecimentos tradicionais a ela associados. São os pescadores artesanais, os seringueiros, a comunidade quilombola
formada pelos negros e índios remanescentes de quilombos, a população ribeirinha.

ADI 3239 (PENDENTE DE JULGAMENTO): ação direta de inconstitucionalidade ajuizada, pelo Partido Democrata
- DEM, contra o Decreto 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação,
demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68
do ADCT. Em sua manifestação, o PGR à época opinou pela improcedência do pedido porque o decreto não regulamenta
a Constituição Federal e, sim, a Lei 7.668/88. Outrossim, a terra reivindicada pela comunidade quilombola se for particular
será necessária a realização de desapropriação. O critério da autoatribuição para identificar os remanescentes das
comunidades de quilombos não é matéria de constitucionalidade, mas apenas de controvérsia metodológica.
OBSERVAÇÃO: De acordo com o Parecer de Daniel Sarmento, referida ADI tem como fundamentos: a) a
impossibilidade de edição de regulamento autônomo para tratar a questão, haja vista o princípio constitucional da
legalidade; b) a inconstitucionalidade do uso da desapropriação, prevista no art. 13 do Decreto 4.887, bem como do
pagamento de qualquer indenização aos detentores de títulos incidentes sobre as áreas quilombolas, tendo em vista o
fato de que o próprio constituinte já teria operado a transferência da propriedade das terras dos seus antigos titulares para
os remanescentes dos quilombos; c) a inconstitucionalidade do emprego do critério de autoatribuição, estabelecido no
art. 2º, caput e §1º do citado Decreto, para identificação dos remanescentes de quilombos; e d) a invalidade da
caracterização das terras quilombolas como aquelas utilizadas para "reprodução física, social, econômica e cultural do
grupo étnico" (art. 2º, §2º do Decreto 4.887/03) - conceito considerado excessivamente amplo - bem como a
impossibilidade do emprego de "critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades de
quilombos" na mediação e demarcação destas (art. 2º, §3º), pois isto sujeitaria o procedimento administrativo aos
indicativos fornecidos pelos próprios interessados.
Na concepção de Sarmento: "Para os quilombolas, muito mais do que um bem patrimonial, [o território] constitui
elemento integrante da sua própria identidade coletiva, pois ela é vital para manter os membros do grupo unidos, vivendo
de acordo com o seus costumes e tradições" - quase como se fosse um indigenato.
Refutando as alegações expostas, Daniel Sarmento afirma que referida ADI é inadmissível, haja vista o fato de
que a) a norma que vigia anteriormente àquela impugnada supostamente apresenta o mesmo vício de
inconstitucionalidade e b) não foi requerido pelo autor sua invalidação, conforme entendimento do STF nas ADI's 2.215 e
2.574.
Noutro passo, o art. 68 do ADCT encerra verdadeiro direito fundamental às comunidades quilombolas e visa
salvaguardar interesses transindividuais de toda a população brasileira. Por ser direito fundamental, tem aplicabilidade
imediata e não necessitaria de regulamento infralegal para produzir efeitos.
Nesse sentido, Sarmento afirma que referido decreto não é autônomo, mas regulado pela Lei 9.784/99 e a
Convenção 169 da OIT.
Subsidiariamente, caso não fosse esse o entendimento, afirma que o suposto fato de ser a legislação adversada
regulamento autônomo não caracterizaria, prima facie, sua inconstitucionalidade, pois "(...) se a Constituição pode ser
aplicada diretamente pela Administração Pública, independentemente de qualquer mediação concretizadora da lei, parece
evidente a possibilidade de edição de atos normativos pela administração que pautem esta aplicação, seja para explicitar
o sentido de norma constitucional, seja para definir os procedimentos tendentes à viabilização de sua incidência". "Isto
porque, é perfeitamente admissível a edição de normas infralegais cujo objetivo seja viabilizar procedimentalmente a
aplicação de normas constitucionais revestidas de aplicabildiade imediata".
Sobre a inconstitucionalidade da desapropriação, Sarmento defende que deve ser dada interpretação conforme à
Constituição, no sentido de que não se trata, na espécie, propriamente, de procedimento de desapropriação, eis que
referidas terras já foram reconhecidas como de quilombolas, mas sim que os termos da desapropriação apenas seria
utilizados com vistas a garantir aos antigos proprietários privados o direito à indenização.
Acerca do critério de auto-identificação, aduz que se trata de critério muito importante, mas não o único, o que
afastaria a alegação de que tal critério seria utilizado para o aproveitamento por pessoas de má-fé. Afirma, também, que
referido critério estaria em consonância com a Convenção 169 da OIT e que, ao afastá-lo, estaria descumprindo legislação
hierarquicamente superior.
Quanto à definição das terras reconhecidas aos remanescentes das comunidades de quilombos, afirma que é
decorrente da Constituição e da Convenção 169 da OIT.
Em 2012 o relator (Min. Cézar Peluso) votou pelo procedência da ADI, declarando inconstitucional o Decreto
4.887/03, com modulação de efeitos da decisão. Entretanto, em março de 2015, a Min. Rosa Weber abriu divergência
reconhecendo a constitucionalidade do Decreto, com fundamentos semelhantes aos de Daniel Sarmento. Também em
março de 2015, pedido de vista do Min. Dias Toffoli suspendeu o julgamento.

QUESTÕES - ORAL
1) (MPF/25) Defina o que são comunidades tradicionais e o que é conhecimento tradicional associado.
2) (MPF/25) Fale sobre o art. 68 do ADCT e sua natureza jurídica, no que tange às terras de quilombos e sobre o
procedimento para sua destinação, quando ocupada por particular que detém um título de aquisição originário.
3) (MPF/25) Como se dá a exploração econômica em terras indígenas e em terras de comunidades tradicionais?

119
19.c. Direito à saúde. Sistema Único de Saúde na Constituição. Controle social. O direito de acesso às
prestações sanitárias.

Sistema Único de Saúde. A saúde é direito fundamental previsto no art. 6º e 196 CF, de cuja feição institucional
se preocupou o constituinte nos artigos 197 a 200 da CF. Pode se manifestar em uma dimensão positiva/prestacional
(fornecimento estatal de insumos terapêuticos) ou negativa (deveres de abstenção – ex. vedação à utilização de produtos
que contenham amianto ou absesto (STF, ADI MC 3.937) ou a proibição de importação de pneus usados (STF, ADPF
101)). O principal mecanismo de efetivação do direito à saúde é o sistema brasileiro de saúde, conceito amplo que abrange
o sistema único (público) e o sistema privado (suplementar, art. 199 CF) e se encontra inserido em um sistema maior, a
seguridade social, motivo pelo qual a ele se aplicam todos os objetivo previstos no art. 194 CF. SUS (Lei 8.080/90): É a
principal política pública em matéria de saúde, visando, na forma do art. 196 CF, à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. A fonte
constitucional do SUS é o art. 198, que o conceitua como uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços
públicos, de acordo com as diretrizes da descentralização (com direção única em cada esfera de governo); do atendimento
integral (com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais) e da participação da
comunidade.
Princípios e diretrizes norteadoras. Podem ser considerados princípios do Direito à saúde, segundo Antônio Maués
e Sandro Simões (2002, p. 427-429), diretrizes estas que também informam o Sistema Único de Saúde, os que seguem:
PRINCÍPIO DA UNIDADE: determina que os serviços e ações de saúde devem pautar-se nas mesmas políticas, diretrizes
e comandos. Enfatiza que o SUS deve articular todos os serviços existentes no país, coordenando-os para que haja
otimização dos escassos recursos e ganho de escala, evitando-se a sobreposição de estruturas. Da unidade decorre: a)
inevitabilidade de integração dos entes subnacionais ao SUS, dentro da lógica de um federalismo cooperativo; b) total
legitimidade de que um cidadão, na falta de recursos adequados em sua cidade, recorra aos serviços da municipalidade
vizinha, cabendo ao gestor estadual adotar as medidas necessárias para que o município faltoso passe a cumprir as
obrigações que lhe cabem. REGIONALIZAÇÃO E HIERARQUIZAÇÃO: A regionalização indica a necessidade de que
haja organização por circunscrições territoriais, que devem levar em conta o dinamismo e a complexidade do sistema,
adaptando as ações e serviços ao perfil epidemiológico local. A hierarquização se relaciona com a necessidade de
organização do atendimento em distintos níveis de complexidade, assinalando que o acesso aos serviços de saúde deve
ocorrer a partir dos mais simples em direção aos níveis mais altos de complexidade. (primário, secundário e terciário).
DESCENTRALIZAÇÃO: Os serviços devem ser primordialmente executados pelos municípios, em atenção ao princípio
da subsidiariedade, de modo que somente devem ser atribuídas ao Estado e à União as tarefas que os Municípios e
Estados não puderem executar satisfatoriamente, ou que requeiram dimensão regional ou nacional. Aqueles que se
opõem à tese da responsabilidade solidária em demandas de fornecimento de medicamentos, prevalecente no STF,
apontam que a desconsideração das competências e responsabilidades estatuídas pelos entes federados, com a
consequente condenação da União, prejudica a diretriz da descentralização. UNIVERSALIDADE: A universalidade
horizontal (aspecto subjetivo) impõe a necessidade de que o acesso ao SUS esteja aberto a todos, independentemente
de prévia vinculação a qualquer sistema contributivo, como ocorria antes da Constituição de 1988. Difere-se da
universalidade vertical (aspecto objetivo), que se relaciona com as prestações oferecidas. Universalidade não implica
desnecessidade de fontes de financiamento, aplicando-se as regras gerais do art. 195 CF. Nesse campo foi adotada a
estratégia de vinculação constitucional de receitas pela EC 29/2000, que alterou a redação do art. 198 CF, constituindo
exceção ao princípio da não-afetação orçamentária (Estados devem destinar 12% e os municípios 15% de suas receitas
próprias para o financiamento de ações e serviços públicos de saúde, ao passo que a União deve despender o valor
apurado no ano anterior, corrigido pela variação nominal do PIB. Em 7/12/11 foi aprovada a lei que regula a EC 29,
destacando-se a definição do que pode ser considerado gastos com saúde e a vedação da criação de uma contribuição
substitutiva da CPMF). Há discussão se a universalidade implica gratuidade (pela gratuidade WEICHERT (integrante do
MPF). Pela possibilidade de instituição de taxa para quem tenha capacidade contributiva SARLET e TORRES). Entretanto,
referida discussão perdeu sentido, pelo menos relacionado ao SUS, quando a Lei n 8.080 afirma que são gratuitos.
INTEGRALIDADE / IGUALDADE / SELETIVIDADE / DISTRIBUTIVIDADE: A integralidade impõe a assistência em
quaisquer dos níveis de complexidade, incluindo atividades de prevenção epidemiológica (vacinação), o mais amplo
espectro de atendimentos (consultas, cirurgias, internações), de assistência farmacêutica e de prestação de serviços e
de fornecimento de insumos necessários à integração ou reintegração do indivíduo à vida social (próteses). Embora
alguns pretendam ignorar, como fez o STF enquanto influenciada pelo voto do Min. Celso de Melo na ADPF 54, a
integralidade esbarra na escassez de recursos. Por isso deve ser compatibilizada com os princípios da
igualdade/seletividade/distributividade (art. 194, III e 196 CF), cuja principal função é bitolar a integralidade e compatibilizá-
la com a reserva do possível. Sobre o controle judicial, o STF vem entendendo: a) pela necessidade de atentar para as
políticas públicas já formuladas pelo SUS; b) pela necessidade de verificar a existência de registro da prestação de saúde
na ANVISA (Recomendação 31 CNJ); c) que a lentidão administrativa para atualizar suas listas de medicamentos e seus
protocolos pode justificar a concessão das prestações pleiteadas nelas não constantes; d) que não pode o Judiciário
determinar o fornecimento pelo Estado de medicamentos experimentais sem eficácia comprovada. (STA 175).
Controle social. Um dos princípios estruturantes do Sistema Único de Saúde (SUS) é a participação comunitária e
o controle social já regulamentado na legislação específica (Lei Federal nº 8.142, 1990). Tal princípio consubstancia-se
na prática por meio das Conferências e dos Conselhos de Saúde que são órgãos colegiados compostos por
representantes do governo, prestadores de serviço, trabalhadores e usuários do SUS, sendo que esses últimos compõem,
com seus representantes, cinquenta por cento (50%) dos membros dos conselhos. Os Conselhos de Saúde constituem-
se na regulamentação da diretriz constitucional da participação da comunidade no Sistema Único de Saúde,
tornando-se, portanto, a instância deliberativa e fiscalizadora do SUS em cada esfera de governo. Os conselheiros
e conselheiras de saúde estão nos conselhos exercendo atividades de relevância pública, a serviço do SUS e
pela garantia dos princípios constitucionais e legais. As Leis 8080/90, 8142/90 e a Emenda Constitucional nº 29
120
atribuíram aos Conselhos de Saúde: a) caráter permanente, deliberativo e fiscalizador, inclusive nos aspectos
econômicos e financeiros; b) composição através de 4 segmentos: Governo, Prestadores de Serviços,
Profissionais de Saúde e Usuários; c) representação de usuários paritária em relação ao conjunto dos demais
segmentos; d) convocação da Conferência de Saúde quando não convocada, pelo Poder Executivo,
extraordinariamente; e) organização e normas de funcionamento das Conferências de Saúde e dos Conselhos de
Saúde, definidas em regimento próprio aprovado pelo Conselho de Saúde; f) fiscalização e deliberação sobre os
recursos dos Fundos de Saúde; g) fiscalização e deliberação sobre o Orçamento, Plano de Saúde, Relatório de
Gestão e Plano de Aplicação, entre outros. Os Conselhos de Saúde atuam na formulação de propostas e no controle
da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas
decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de governo: federal, estadual e
municipal (Lei Federal nº 8.142, 1990). Em seu processo de consolidação no âmbito das políticas públicas, os Conselhos
de Saúde, como instâncias colegiadas e deliberativas à estrutura do SUS, representam espaços participativos nos quais
emerge uma nova cultura política, configurando-se como uma prática na qual se faz presente o diálogo, a contestação e
a negociação a favor da democracia e da cidadania.
O direito de acesso às prestações sanitárias. O princípio da universalidade de cobertura e atendimento contempla
todos o que tiverem sua saúde afetada, independentemente de filiação e de contribuição para o financiamento da
seguridade social. É dever do Estado garantir a saúde (Art. 196 da CF/88). Cabe ao Poder Público dispor, nos
termos da lei, sobre a regulamentação, fiscalização e controle das ações e serviços de saúde, considerando-se a
sua relevância pública, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa
física ou jurídica de direito privado (Art. 197 da CF/88). A saúde é um bem de interesse social vinculado aos
interesses primários da sociedade. A sua prestação tem como sujeito ativo todos os cidadãos brasileiros e como
sujeito passivo o Poder Público. Além disto, é de interesse público secundário a sua administração. Essa
profusão normativa focada na proteção do direito à saúde fez surgir um novo ramo jurídico no Brasil, denominado
direito sanitário. Os Estados têm a obrigação de assegurar aos povos as condições de acesso universal, oportuno e de
qualidade aos serviços e prestações sanitárias, como forma de garantir o Direito à Saúde em suas quatro dimensões
fundamentais: promoção, prevenção, cura e reabilitação e reinserção social. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária
foi criada pela Lei nº. 9.782, de 26 de janeiro de 1999 (Anvisa) é uma instituição-organismo do direito sanitário que compõe
o Sistema Único de Saúde, e a ela compete coordenar o sistema nacional de vigilância sanitária. Trata-se de órgão
importante do SUS, pois possui o poder de instituir normas gerais sobre as ações de vigilância sanitária no país,
influenciando toda a normatização dos estados e dos municípios.

RE (AgR) 271.286: vige o princípio universal e igualitário às ações e serviços de saúde, impõe aos poderes públicos
o dever de agir fornecendo, a todos, prestações materiais e jurídicas adequadas à promoção e proteção da saúde, como
recuperação nos casos de doenças, independentemente da situação econômica do indivíduo.
RE 368.564: direito a reembolso total das despesas efetuadas em decorrência de tratamento médico no exterior.
RE-RG 597.064: repercussão geral reconhecida. Ressarcimento ao sistema único de saúde das despesas com
atendimento de pacientes beneficiários de planos privados de saúde.
RMS 24.197 (STJ): o Estado deverá propiciar aos necessitados não qualquer tratamento, mas o tratamento mais
adequado e eficaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento.
RMS 26211 (STF): Ministro de Estado é parte ilegítima para figurar como autoridade coatora em MS visando
fornecimento de medicamentos se não tiver praticado ou ordenado concreta e especificamente a execução ou inexecução
de um ato.
RE 429903 (2014): o Judiciário pode obrigar o Estado a manter estoque mínimo de medicamento utilizado no
combate de certa doença grave, visando a interrupção no tratamento, sem que isso viole a separação de poderes.

121
20.a. Finanças públicas na Constituição. Normas orçamentárias na Constituição.

FINANÇAS PÚBLICAS NA CONSTITUIÇÃO (arts. 163 a 169): A disciplina jurídica das finanças públicas traz
regras sobre toda a atividade financeira do Estado, que abrange captação de recursos públicos, gestão das contas
públicas e realização dos gastos. Tudo isso com vistas à concretização de direitos fundamentais, tomados em sua
dimensão individual e transindividual. Para Aliomar Baleeiro, "consiste, portanto, em obter, criar, gerir e despender o
dinheiro indispensável às necessidades, cuja satisfação o Estado assumiu ou cometeu àqueloutras pessoas de direito
público”. Na CRFB/88, o assunto é tratado de forma expressa no Título VI (Da Tributação e do Orçamento), Capítulo II
(Das Finanças Públicas).
A Constituição determina que os seguintes temas sejam reservados à lei complementar: finanças públicas (LC
101/00); dívida pública externa e interna, incluída a das autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder
Público (L 8.383/91); concessão de garantias pelas entidades públicas; emissão e resgate de títulos da dívida pública (art.
34, § 2º, I, ADCT); fiscalização das instituições financeiras (L. 4595/64); fiscalização financeira da administração pública
direta e indireta (L. 4595/64); operações de câmbio realizadas por órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios (L 4131/62, DL 9205/46 e DL 9602/46); compatibilização das funções das instituições oficiais de
crédito da União, resguardadas as características e condições operacionais plenas das voltadas ao desenvolvimento
regional (LC 101/00 e L. 4595/64).
Determina também que a emissão de moedas é competência da União, exclusivamente pelo Banco Central (art.
164, CRFB). Ao Banco Central, por sua vez, é vedado conceder, direta ou indiretamente, empréstimos ao Tesouro
Nacional e a qualquer órgão ou entidade que não seja instituição financeira. Por outro lado, há a possibilidade de comprar
e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional, com o objetivo de regular a oferta de moeda ou a taxa de juros;
depositário das disponibilidades de caixa da União (§§ 1º, 2º, e 3º, do art. 164, da CRFB).
NORMAS ORÇAMENTÁRIAS NA CONSTITUIÇÃO: Orçamento é, basicamente, o instrumento de planejamento
da gestão patrimonial e da alocação de recursos públicos (Gilmar Mendes, pg. 1511). São três leis que compõem o
orçamento, mas a ideia de orçamento é UNA: I) PPA (4 anos); II) LDO (1 ano); III) LOA (1 ano). Elaborar o orçamento
significa planejar. Essas três leis são ordinárias e temporárias, que deveriam ser elaboradas de acordo com LC geral que
iria auxiliar todos os entes federativos (art. 165, §9°, CR/88). São elaboradas de forma harmônica, regidos pelo princípio
da unidade, integrando-se finalisticamente. Os prazos para envio estão no art. 35, §2°, ADCT: PPA (agosto do primeiro
exercício financeiro), LDO (abril de cada ano) e LOA (agosto de cada ano). Os prazos para Estados e Municípios podem
ser definidos nas Constituições Estaduais ou Leis Orgânicas, respectivamente.
O processo legislativo das leis orçamentárias é tratado no art. 166 da CRFB/88. A iniciativa das leis é do chefe do
executivo. Os projetos serão examinados pelas duas Casas do Congresso Nacional, sendo cada projeto examinado por
Comissão mista permanente de Deputados e Senadores (art. 166, § 1º). As emendas aos projetos serão apresentadas
na Comissão Mista (art. 166, § 2º), que emitirá parecer, cabendo sua apreciação ao plenário das duas Casas do
Congresso Nacional. As emendas à LOA devem ser compatíveis com o projeto do PPA e LDO. Devem também indicar
os recursos necessários a sua implementação. Esses recursos não podem ser provenientes da anulação de dotações
com pessoal, serviços da dívida e transferências tributárias constitucionais para os demais entes da Federação. O
Presidente da República poderá enviar mensagem ao Congresso propondo modificações nos projetos enquanto não
iniciada a votação na Comissão mista, da parte que se pretende alterar.

LDO (Lei de Diretrizes


PPA (Plano Plurianual) LOA (Lei Orçamentária Anual)
Orçamentárias)

Estabelece as grandes metas e É um pouco mais concreta, pois Estabelece a programação de


prioridades/objetivos da irá estabelecer as metas e receitas e despesas, ou seja,
administração pelos próximos objetivos pelo prazo de um ano. quanto de dinheiro o ente poderá
quatro anos. Ou seja, dirá como realizará as ou não ter para realizar as metas
É uma lei bastante abstrata. metas do PPA naquele ano (pelo e prioridades, pelo período de um
período de um ano). ano.

A LDO terá dois anexos, chamados de anexo de metas fiscais, onde irá estabelecer metas relativas à receitas,
despesas e resultado, relativas ao endividamento (como está a situação da dívida pública) e anexo de riscos fiscais,
uma reserva de contingência, uma reserva que seja apta a suportar gastos oriundos de imprevisibilidades (esse anexo
pode ser considerado uma exceção ao princípio da especificação, pois o orçamento, aqui reservado, não terá finalidade
específica, até ser necessário).
A LOA, por sua vez é divida em: a) orçamento fiscal: gasto governamental; b) orçamento de investimento das
empresas estatais: aporte de capitais (aumento de participação acionária); e c) orçamento da seguridade social: RPPS
(Regime Próprio de Previdência Social) e INSS, neste caso, apenas relacionado ao déficit.
IMPORTANTE: previdência complementar de servidores públicos deve ser gerida por fund. pública de direito
privado.
VEDAÇÕES ORÇAMENTÁRIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ORÇAMENTÁRIOS PREVISTOS NA
CR/88:
a) Exclusividade em matéria orçamentária (art. 165, §8°, CRFB/88): orçamento não pode conter dispositivo
estranho à fixação de despesa e previsão de receita e não pode comportar caudas orçamentárias (dispositivo de lei
material) - "orçamento rabilongo" -, exceções ao principio da exclusividade: autorização dirigida ao chefe do executivo
para que ele possa abrir por decreto, crédito suplementar, e autorização para contratação de operações de crédito.
b) Especialidade/ Especialização: orçamentos devem especificar e discriminar os créditos, os órgãos a que se
122
destinam e o tempo em que deve realizar as despesas. Espécies: I) quantitativa (art. 167, VII, CRFB/88): determina a
fixação do montante de gastos, proibindo a concessão e a utilização de créditos ilimitados. II) qualitativa (art. 5, c/c art.
15,§1° c/c art. 20, parágrafo único, Lei 4320/64): esta recomenda a vinculação dos créditos aos órgãos públicos, as
rubricas orçamentárias devem ser especificadas de acordo com sua natureza. III) temporal (art. 167, §2°, CRFB/88): limita
a vigência dos créditos especiais e extraordinários ao exercício financeiro a que forem autorizados, salvo se o ato de
autorização que tiver sido promulgado nos quatro últimos meses do ano.
OBS: veda crédito com finalidade imprecisa ou com dotação ilimitada. Exceção: Anexo de Riscos Fiscais da LDO
c) Legalidade. Espécies (sub-princípios) I) super-legalidade: tem haver com a supremacia da constituição, as leis
orçamentárias devem se coadunar com as normas constitucionais; II) reserva de lei: o orçamento deve ser aprovado por
meio de lei formal; III) primado da lei: o poder regulamentar da administração pública só se pode manifestar nos espaços
deixados pelo legislador quando aprova os orçamentos.
d) Não vinculação de imposto a fundo, órgão ou despesa (art. 167, IV, CR/88): em regra, a receita dos impostos
é destinada a custear os serviços uti universi. Exceções: vinculação de recursos para ensino, fundo de combate a
erradicação da pobreza, para realização de atividades da administração tributária, para a prestação de garantias às
operações de crédito em antecipação de receitas. É possível vincular receitas de taxas e contribuições de melhoria.
OBS: Lembrar da DRU - Desvinculação de Recursos da União - art. 76, ADCT. Para melhor entender:
Temos o orçamento total: 100%. Destes 100%, 18% (art. 212 da CF) relativos à educação não podem ser
desvinculados (§3º do art. 76 do ADCT) = 82%, logo, desses 82%, 20% fica desvinculado (art. 76 do ADCT), fica para a
DRU.
e) Universalidade (art. 165, §5°, CR/88): todas as receitas e todas as despesas devem estar previstas na lei
orçamentária. Exceção: os tributos que podem ser cobrados de um ano para outro, sem que estejam previstos na lei
orçamentária, pois para eles vigoram a anterioridade (vide súmula 66, STF).
f) Anualidade: para cada ano deve haver um orçamento, permite o controle.
g) Unidade (art. 165, §5°, CR/88): a peça orçamentária deve ser única e uma só, contendo todos os gastos e
receitas, cuida-se de princípio formal, isto é, o documento é único.
h) Princípio da Superioridade e Indisponibilidade do Interesse Público na Atividade Arrecadatória de
Tributos = Significa que esta superioridade prevalece sempre, a não ser que exista um interesse individual que se oponha
a este interesse.
i) Princípio da Transparência = Decorrência direta da publicidade e, portanto relaciona-se também com a
fiscalização — se as receitas estão sendo bem aplicadas.
OBS: o parágrafo 5º, do art. 165 enuncia universalidade e unidade. E, eu posso dizer que, o parágrafo 5º, do art.
165 induz ao equilíbrio (medidas de compensação para renúncia de receita ou criação de despesa) e a transparência.
Também necessária a observância do princípio do planejamento.
DISPONIBILIDADE DE RECURSOS A ÓRGÃOS DOTADOS DE AUTONOMIA (art. 168, CR/88): serão entregues
no dia 20 de cada mês por duodécimos.
LIMITES COM DESPESA DE PESSOAL (art. 169, CR/88 com alteração pela EC/19 – reforma administrativa- e
art. 19, LC 101/00): a soma dos gastos de pessoal de cada ente federativo deve ser ater aos limites estabelecidos em LC
(LC101/00), art. 19 e 20.
art. 20 LRF = estabelece a repartição dos limites globais, através de percentuais que deverão ser repartidos entre
os Poderes Públicos e seus órgãos. Desta forma:
- União (50% da receita corrente líquida) distribuída da seguinte maneira: a) 2,5% para o Legislativo, incluído o
Tribunal de Contas da União; b) 6% para o Judiciário; c) 40,9% para o Executivo, destacando-se 3% para as despesas
com pessoal decorrentes do que dispõem os incisos XIII e XIV do art. 21 da Constituição e o art. 31 da Emenda
Constitucional nº 19 e d) 0,6% para o Ministério Público da União.
- Estados (60% da receita corrente líquida) = a) 3% (três por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas
do Estado; b) 6% (seis por cento) para o Judiciário; c) 49% (quarenta e nove por cento) para o Executivo; d) 2% (dois por
cento) para o Ministério Público dos Estados.
- Municípios (60% da receita corrente líquida) = a) 6% (seis por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de
Contas do Município, quando houver; b) 54% (cinqüenta e quatro por cento) para o Executivo.
ADI 4426, ADI 4356: Lei ordinária de iniciativa exclusiva do Poder Executivo não pode fixar limites de execução
orçamentária ao Poder Judiciário e ao Ministério Público sem nenhuma participação destes, por implicar indevida
interferência sobre a gestão orçamentária desses órgãos autônomos (CF, arts. 2º, 99, §1º e 127, §§2º e 3º).
RE 580943 AgR (2013): cobrança de multa imposta por Tribunal de Contas estadual à autoridade municipal deve
ser feita pelo município, por meio de seus representantes judiciais, e não pelo estado-membro, uma vez que a titularidade
do crédito é do próprio ente público prejudicado. No caso de omissão, o MP pode atuar.

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20.b. Índios na Constituição. Competência. Ocupação tradicional. Procedimento para reconhecimento
e demarcação dos territórios indígenas. Usufruto.
ÍNDIOS NA CONSTITUIÇÃO (arts. 22, XIV, 49, XVI, 129, V, 210, §2º, 231 e 232 da CR/88; art. 67 do ADCT):
Todas as Constituições de nossa era republicana, ressalvada a omissão da Constituição de 1891, reconheceram aos
índios direitos sobre os territórios por eles habitados. A Constituição de 88 trata dos índios especialmente nos artigos 231
e 232.
Remoção de grupos indígenas: O art. 231, §5º veda a possibilidade de remoção dos grupos indígenas, salvo ad
referendum do CN, nos casos de catástrofe, epidemia que ponha em risco a população indígena e interesse da soberania
do País. STF: No HC 80.240, julgado em 20.06.2001, com base no art. 231, §5º, decidiu que, se uma CPI tenciona ouvir
um índio, deve fazê-lo na própria área indígena, em hora e dia combinados previamente, na presença de representantes
da FUNAI e de antropólogo especializado. (Gilmar Mendes, fl. 924).
Defesa judicial dos direitos dos índios: Art. 232 define que são legitimados ativamente os índios, suas
comunidades e organizações. Em relação especificamente ao MP, a Constituição determina ser uma de suas funções
institucionais “defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas”(CRFB/88, art. 129, V). Além
disso, o MP deve intervir nas ações ajuizadas pelos índios, suas comunidades e organizações em defesa de seus direitos
e interesses (art. 232). Destaca-se que o MP poderá ser Estadual ou Federal, a depender da matéria tratada e da
respectiva competência da Justiça Estadual ou Federal.
Educação: art. 210, §2º, estipula que o ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa,
assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de
aprendizagem. Para Pedro Lenza (obra citada, item 19.10.9), ambas as línguas (portuguesa e materna) devem ser
ensinadas. Lei de Diretrizes e Bases da Educação fala em educação bilíngue para índios (art. 78 da Lei 9.364/96). No
mesmo sentido, o Plano Nacional de Educação (aprovado pela Lei 10.172/2001).
INOVAÇÕES CONCEITUAIS DA CR/88: em relação às Constituições anteriores e ao Estatuto do Índio:
1 - abandono de perspectiva assimilacionista/integracionista, que entendia os índios como categoria social
transitória, fadada ao desaparecimento. Rompendo uma tradição secular, ela reconheceu ao índios direitos à diferença.
Eles já não teriam que ser incorporados à comunhão nacional, ou serem forçados a assimilar nossa cultura. Suas
organizações sociais, tradições e os seus direitos originários às terras que ocupam, passaram a ser permanentemente
reconhecidos.
2 - superação da figura da tutela através do reconhecimento de sua autodeterminação e a plena capacidade civil,
esvaziando a concepção do Código Civil de 1916 e da Lei específica de 1973 - Estatuto do Índio, que destinavam a
"incapacidade relativa" aos índios. O art. 232 da CF/88 permitiu aos índios, suas comunidades e organizações, a
legitimidade para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses.
3 - direitos dos índios sobre suas terras são definidos enquanto direitos originários, isto é, anterior à criação do
próprio Estado; isto decorre do reconhecimento do fato histórico de que os índios foram os primeiros ocupantes do Brasil.
COMPETÊNCIA: Competência legislativa: compete privativamente à União legislar sobre populações indígenas
(art. 22, XIV, CRFB/88). Ao CN compete autorizar, mediante Decreto Legislativo, a exploração e o aproveitamento de
recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais. (arts. 49, XVI e 231, §3º CRFB/88 – ver abaixo). Competência
para o julgamento de ações: a Constituição de 1988 determinou que cabe à Justiça Federal o julgamento de ações que
digam respeito à disputa sobre direitos indígenas (art. 109, XI). Pedro Lenza destaca que o STF entende ser
competência da Justiça Federal processar e julgar feitos relativos à cultura indígena; aos direitos sobre as terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios; a interesses constitucionalmente atribuíveis à União, como as infrações
praticadas em detrimento de bens e interesse da União ou de suas autarquias e empresas públicas. Segundo Gilmar
Mendes, há de envolver necessariamente questões vinculadas a direitos ou interesses indígenas típicos e específicos (e
não interesse ou direitos de toda a comunidade). Assim, os crimes ocorridos em reserva indígena, ou crimes comuns
praticados por índios ou contra índios, sem qualquer elo ou vínculo com a etnicidade, o grupo e a comunidade indígena,
são da competência da Justiça comum”
OCUPAÇÃO TRADICIONAL: 1) “os territórios indígenas, no tratamento que lhes foi dado pelo novo texto
constitucional, são concebidos como espaços indispensáveis ao exercício de direitos identitários desses grupos étnicos.
As noções de etnia/cultura/território são, em larga medida, indissociáveis”. 2) Constituições dos países capitalistas
inscreveram como direito fundamental o direito de todos serem proprietários (caráter universal e indisponível), o que
diverge do direito de propriedade em si (direito patrimonial). A inversão desses valores tem sido comum atualmente sendo
que, aos índios, “se recusa a ocupação de seus espaços definitórios, subtraindo-lhes a possibilidade de exercício amplo
de seus direitos identitários, em nome do suposto direito de propriedade”. 3) “Não bastasse a disputa que se estabelece
entre direitos indígenas e direitos de propriedade, há forte incompreensão no que diz respeito ao que sejam terras
tradicionalmente ocupadas”. Vez por outra o conceito resvala para a imemoriabilidade, e o juiz exige a produção de um
laudo arqueológico que evidencie que a presença indígena no local remonta a tempos pré-colombianos”. “o requisito da
imemorabilidade, no entanto, de há muito foi abandonado. A uma, por sua impossibilidade lógica. O processo dito
colonizador avançou sobre esses territórios, descaracterizando-os. A duas, porque esse mesmo processo promoveu
deslocamentos constantes, e a territorialização desses povos teve que ser constantemente redefinida. E, a três, porque
estamos a tratar de populações que existem no presente, com perspectivas de vida atuais e futuras, e que não podem
ser condenadas a um imobilismo do passado”
Em resumo: A ocupação tradicional não é caracterizada (a) pela imemorialidade; (b) nem pela ocupação pré-
colombiana; não há laudo arqueológico porque a territorialidade dos povos indígenas é constantemente redefinida por
múltiplos aspectos; desde (a) a ação (expropriatória) do colonizador (“não há como recuperar Copacabana para os
índios”); até (b) a própria ação dos povos indígenas, com perspectivas de vida atuais e futuras.
O conceito de terras tradicionalmente ocupadas exige uma compreensão narrativa das vidas dos povos indígenas,
que não é mera repetição do passado que as originou, mas participação num sentido presente da experiência história de
sua reafirmação e transformação. Exige-se laudo antropológico, que permite a compreensão e a tradução linguístico-
124
cultural das maneiras como o grupo se vê ao longo de sua trajetória existencial, como vê o mundo e nele se organiza.
Esse laudo não é “neutro” ou “objetivo” e deve conferir “força normativa” ao grupo (Duprat, 2011) Não descaracteriza o
animus possidendi dos índios terem sido forçados a se retirar de suas terras (STF, ACO 323/93).
O indigenato é um instituto que, desde 1680, com o Alvará de 01.04, “reservado o direito dos índios, primários e
naturais senhores dela [terra]”; na Lei de Terras – Lei 601/1850, "Quer da letra, quer do espírito da Lei de 1850, se verifica
que essa Lei nem mesmo considera devolutas as terras possuídas por hordas selvagens estáveis: essas terras são tão
particulares como as possuídas por ocupação legitimável, isto é, originariamente reservadas de devolução, nos termos
do Alvará de 1º de abril de 1680, que as reserva até na concessão das sesmarias; não há (neste caso) posse a legitimar,
há domínio a reconhecer [...]", constitucionalizado em 1934, na CF/67, bens da União, em 88, direitos “originários”. Os
territórios indígenas são propriedade da União e de posse (permanente) privada, mas coletiva, cabendo exclusivamente
aos índios o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos.
PROCEDIMENTO PARA RECONHECIMENTO E DEMARCAÇÃO DOS TERRITÓRIOS INDÍGENAS:
Demarcação de terras indígenas – é declaratório; a proteção jurídica deve existir mesmo antes da demarcação (não é
assim na renitente jurisprudência retrógada-civilista-liberal), já que baseada na mera ocupação tradicional, isto é, na posse
(relação fática) conforme a visão (direito consuetudinário) do próprio povo indígena (assim determina o art. 231, §1º, da
CF). Roteiro – Dec. 1.775/96: 1. Iniciativa – Funai; 2. Identificação e delimitação – Funai; 3. Ato de declaração dos limites
da terra indígena de “ocupação tradicional” e determinando a demarcação – MJ; 4. Demarcação física – Funai; 5.
Confirmação dos limites demarcados – decreto do Presidente da República; 6. Registro no RGI e na SPU - Funai; pós-
demarcação: análise da boa-fé das benfeitorias dos não-índios: Funai. A comunidade é envolvida diretamente em todas
as fases do procedimento. Antropólogo faz estudo antropológico de identificação e coordena grupo técnico que realiza
estudos complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e levantamento
fundiário; com trabalhos de campo, em centros de documentação, órgãos fundiários, registros de imóveis, etc.; após
aprovado o relatório pelo Presidente da Funai, seu resumo é publicado no DOU e no DOE. Estatuto do Índio: Executivo
deve demarcar as terras em até 5 anos (até 19.12.1978); o art. 67 do atual ADCT: até 05.10.1993. Não houve
cumprimento. Prazos não aplicáveis para áreas não conhecidas. Cabe ação declaratória para exigir a demarcação. Contra
a demarcação processada não cabe interdito possessório, facultado aos interessados a via petitória ou demarcatória.
RMS 26212 (STF): prazo de 5 anos para conclusão de demarcação de terras indígenas não é decadencial; art. 67 ADCT
é norma programática que indica prazo razoável para demarcação. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios
incluem as áreas de perambulação e as que remotamente foram aldeamento indígena. A manifestação do Conselho de
Defesa Nacional não é requisito de validade da demarcação de terras indígenas em região de fronteira.
USUFRUTO: Usufruto exclusivo quer dizer que não é transferível para qualquer apropriação individual e que os
resultados de qualquer uso ou trabalho será sempre coletivo. Logo, é possível o uso indireto, como o trabalho alheio ou
o contrato que explore riqueza do território. É vedado o exercício do direito de propriedade (brasileiro) nas terras indígenas,
onde é cogente o direito consuetudinário indígena, que pode permitir apropriação individual segundo seus costumes
(Marés, 1998). “Salvaguardas institucionais” – STF no Caso Raposa Serra do Sol: o usufruto exclusivo: (a) pode ser
relativizado por relevante interesse público da União em LC; (b) não abrange (b.1) o aproveitamento dos recursos hídricos
e potenciais energéticos (autorização do CN); (b.2) pesquisa e lavra de riquezas minerais (índios têm participação nos
resultados, e idem); (b.3) garimpagem nem faiscação (exige permissão); (c) Política de Defesa Nacional, cujas ações são
implementadas independentemente de consulta às comunidades e à Funai; idem para as ações das Forças Armadas e a
Polícia Federal; (d) não impede a instalação pela União de equipamentos públicos; (e) em unidade de conservação fica
sob responsabilidade do ICMBio, que administra a UC e deve ouvir as comunidades; nas UC admite-se visitantes e
pesquisadores não-índios; no restante da área, idem mas administrado pela Funai; sempre sem cobrança; (f) terras
indígenas não podem ser objeto de arrendamento ou qualquer ato ou negócio que restrinja o pleno exercício do usufruto
e da posse direta pela comunidade; (g) são vedadas aos não-índios a caça, pesca, coleta ou agropecuária extrativa.
Terra, usufruto e rendas gozam de imunidade tributária plena. É vedada a ampliação de terra já demarcada (certamente
contra posição do MPF). Direitos às terras são imprescritíveis, inalienáveis e indisponíveis. É assegurada a participação
das UF em todas as etapas do processo de demarcação.
OBS: Quanto ao aproveitamento dos recursos hídricos e lavra de riquezas minerais (b 1 e 2 do parágrafo acima),
o §3º do art. 231 fala “só podem ser efetivados com autorização do CN, ouvidas as comunidades afetadas”. PGR
apresentou parecer na Reclamação nº 14.404 (construção da UHE Belo Monte) com o entendimento de que o CN não
pode delegar essa oitiva das comunidades afetadas. Por isso posicionou-se no sentido de que o Decreto Legislativo
788/2005 violou o art. 231, §3º da CRFB/88

ACO 312 (STF): deferido pedido da FUNAI para declarar a nulidade de todos os títulos de propriedade rural
expedidos pelo Governo do Estado da Bahia para glebas localizadas dentro da área da Reserva Indígena Caramuru-
Catarina-Paraguaçu. Não é necessária a prova de que as terras foram de fato transferidas pelo Estado da Bahia à União
ou aos índios, pois no Brasil é juridicamente impossível haver disputa por terra indígena, entre quem quer que seja e os
índios. Tão pouco é necessária a demarcação prévia da área para que o STF decida se é ou não área indígena. Na CF/67,
o direito estaria ligado à posse indígena sobre a terra, fundada no indigenato, teria relação com o ius possessionis e com
o ius possidendi, a abranger a relação material do sujeito com a coisa e o direito de seus titulares a possuírem-na como
seu habitat. O reconhecimento da posse era possível mesmo tendo os índios saído do local por conta de conflitos com os
produtores rurais, pois foi mantido o laço familiar entre aqueles que saíram e aqueles que ficaram. Entretanto, o Min.
Celso de Mello destacou não estar em jogo conceito de posse ou de domínio no seu sentido civilístico, pois tratar-se-ia
de proteção a um habitat de um povo — em suas acepções física e cultural —, cujo parâmetro seria constitucional.
Apontou não caber indenização ao ocupante de modo indevido, ainda que com título registrado em cartório, de terra
indígena. Seria apenas devido ressarcimento por benfeitorias, desde que comprovada a boa-fé.
REsp 1.133.648 (STJ): conceito de terras tradicionalmente ocupadas por índios a serem demarcadas pela União
e de imprescritibilidade dos direitos sobre elas surgiu na CR/88 (art. 231,caput e § 4º, da CF/1988). Assim, o Estado que

125
na década de 1960 promoveu estabelecimento de colonos em área depois demarcada como terra indígena não é obrigado
a indenizar os colonos.
PET 3388 ED (STF - Raposa Serra do Sol): Teoria do fato indígena como marco para caracterizar a titularidade
do direito sobre a terra indígena: presença constante e persistente dos índios na terra pleiteada em 5º de outubro de 1988.
Esse critério traria maior segurança jurídica do que a análise de ocupação imemorial. Entretanto, não protege os índios
que tenham sido expulsos de sua terra por violência ou ilicitude na legitimação de títulos por parte do Estado. As condições
estabelecidas pelo STF fizeram coisa julgada material e não podem ser questionadas em outros processos relativos à
Raposa Serra do Sol, pois estabeleceram as diretrizes em que o usufruto dos indígenas se compatibiliza com outros
direitos constitucionais. Tais condições não são vinculantes a outros casos. Entretanto, possuem força argumentativa,
pois são o entendimento do STF sobre a interpretação do sistema constitucional. Exige-se LC para atuação da União em
terras demarcadas (art. 231, §6º, CRFB), mas não para o patrulhamento de fronteiras, a defesa nacional e a conservação
ambiental nas áreas demarcadas. Consulta prévia deve ser respeitada (Convenção 169, OIT), mas aceitação dos
indígenas não é requisito de validade das decisões do Poder Público. Administração de área de preservação ambiental
deve levar em conta interesse dos indígenas, mas também as exigências da tutela do meio ambiente. Planejamento de
operações militares não exige consulta prévia. Impossibilidade de ampliação por revisão administrativa: o procedimento
da demarcação do art. 231 não pode ser usado para ampliar terra indígena, mas esta pode ter sua área ampliada por
outros meios (ex. aquisição de imóveis pela União ou pelos indígenas). Vedação à autotutela no caso, não podendo a
União rever o ato por conveniência ou discricionariedade, e nem declará-lo nulo por vício, uma vez que sua regularidade
formal e material foi reconhecida pelo STF (OBS: MS 14.987/DF (STJ): possibilidade de revisão de limites de terras
indígenas demarcadas antes da Constituição Federal de 1988). Permitida a garimpagem e faiscação pelos indígenas,
desde que esta fosse caracterizada como forma tradicional de extrativismo praticada imemorialmente, forma de expressão
de sua cultura. A exploração mineral como atividade econômica, mesmo pelos índios, depende de autorização da União
(CF, arts 176, § 1º, e 231, § 3º). A execução do julgamento não ficou a cargo o STF, mas sim da Justiça Federal local.

QUESTÕES - ORAL
1) Pode um índio ser professor em escola pública? Precisaria ele de concurso público para isso?
2) Aponte as diferenças entre o regime de terras indígenas da Constituição da República de 1988 em relação às
Constituições de 1934, 1946 e 1967.
3) Comente sobre a decisão do STF no caso Raposa Serra do Sol.
4) Fale sobre as formas de tutela jurídica das terras indígenas previstas no direito brasileiro.
5) A impossibilidade de revisão de demarcação de terras indígenas é absoluta?
6) Como se dá a exploração econômica em terras indígenas e em terras de comunidades tradicionais?
7) Como se insere a questão indígena na Constituição Federal de 1988? Apenas na questão territorial?
8) Fora dos arts. 231 e 232 da CF há algum dispositivo constitucional dos índios? Qual dispositivo de políticas
públicas fora desses artigos?
9) Multiculturalismo e interculturalidade. Direito à diferença e reconhecimento. Discorra. O que são aculturados, no
que tange aos índigenas? É correto o uso dessa terminologia?

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20.c. Limites dos direitos fundamentais. Teorias interna e externa. Núcleo essencial e
proporcionalidade. Os “limites dos limites”.

LIMITES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: Quando se estuda direitos fundamentais, deve-se identificar o âmbito
de proteção de cada direito, isto é, o bem jurídico tutelado. Este não se confunde com a proteção efetiva e definitiva, o
que possibilita a aferição da legitimidade de certa situação em face de dado parâmetro constitucional. A amplitude do
âmbito de proteção é diretamente proporcional à possibilidade de um ato estatal restringir o direito em questão. Há normas
constitucionais que estabelecem direitos fundamentais, submetendo-os à reserva de lei restritiva (expressões “nos termos
da lei: art. 5º, VI e XV). Essas normas contêm: (a) uma norma de garantia, e (b) uma norma de autorização de restrições.
Entretanto, quando o âmbito de proteção é puramente normativo, é o legislador que, ao editar a norma, vai definir o
conteúdo do direito. Nesses casos fala-se em regulação ou conformação, e não em restrição (ex: art. 5º XXVI a XXVIII,
LXXVI e LXXVII). Nesses casos, existiria o dever de legislar e o dever de preservar as garantias ao legislar. Os direitos
fundamentais enquanto direitos de hierarquia constitucional somente podem ser limitados por expressa disposição
constitucional (restrição imediata) ou mediante lei ordinária promulgada com fundamento imediato na própria Constituição
(restrição mediata). (Gilmar Mendes, fl. 229)
TEORIAS INTERNA E EXTERNA:
A teoria interna prega que um direito fundamental existe, desde sempre, com seu conteúdo determinado e, por
isso, o direito fundamental já nasce com seus limites. Assim, “eventual dúvida sobre o limite do direito não se confunde
com a dúvida sobre a amplitude das restrições que lhe devem ser impostas, mas diz respeito ao próprio conteúdo do
direito”. (Gilmar Mendes, fl. 226). Do ponto de vista lógico, a restrição seria desnecessária e até impossível, já que o
alcance do direito fundamental, pela teoria interna, já seria determinado de antemão. Não há, dessa forma, separação
entre o âmbito de proteção do direito e seus limites, o que permite a inclusão de considerações sobre outros bens dignos
de proteção, aumentando o risco de restrições arbitrárias de liberdade.
Já pela teoria externa, o direito fundamental e a restrição são duas categorias que se deixam existir lógica e
juridicamente, existindo, a princípio, um direito não limitado que, com a imposição de restrições, converte-se num direito
limitado (distinção entre posição prima facie e posição definitiva). Não existe, dessa forma, relação necessária entre a
ideia de direito e restrição, podendo haver, inclusive, direito sem restrições. Essa ideia (de restrição) seria estabelecida
pela necessidade de compatibilização entre os diversos bens jurídicos. A teoria externa, por distinguir entre posição prima
facie e posição definitiva, se adéqua melhor ao sistema de direitos fundamentais, com a ideia de convivência harmônica
dos respectivos titulares dos diversos direitos fundamentais. Gilmar Mendes defende a aplicação da teoria externa aos
direitos fundamentais por não enxergá-los como posições definitivas, mas sim como princípios.
NÚCLEO ESSENCIAL E PROPORCIONALIDADE:
Núcleo essencial seria a parcela do conteúdo do direito sem a qual ele perde sua mínima eficácia. Forma de
evitar ou contornar o esvaziamento do conteúdo dos direitos fundamentais pelo legislador. Apesar de vedar
expressamente qualquer proposta de emenda tendente a abolir direitos fundamentais (art. 60, §4º), CRFB/88 não traz de
forma expressa a garantia do núcleo essencial, ao contrário da Lei Fundamental alemã e das Constituições portuguesa e
espanhola. Ainda assim, o princípio de um núcleo essencial decorre do modelo garantístico da CRFB/88. STF tem usado
o princípio em vários julgados (HC 82.959, Rel Min. Marco Aurélio, DJ 1º.09.2006, Voto Ministro Peluso no caso de
vedação à progressão de regime em cumprimento de pena de crime hediondo: atinge o núcleo do princípio da
individualização da pena).
Proporcionalidade: O legislativo, ao editar normas para conformar ou restringir direitos fundamentais, corre o
risco de agir com excesso de poder. Para que isso não ocorra, deve observar o princípio da proporcionalidade. Para parte
da doutrina o fundamento do princípio da proporcionalidade se encontra nos direitos fundamentais, para outra parte, no
Estado de Direito. O STF parecia colocar seu fundamento nos direitos fundamentais, mas com a CRFB/88 (ADI 855) o
entende como “postulado constitucional autônomo" (Gilmar Mendes, pg. 256), com sede material no devido processo legal
(art. 5º, LIV). Proporcionalidade é composta pelos subprincípios adequação (medida é apta a alcançar o objetivo
pretendido) e necessidade (não existe meio menos gravoso e igualmente eficaz a ser utilizado para atingir o objetivo
pretendido. Teria maior peso na análise). Proporcionalidade em sentido estrito (ponderação e possível equilíbrio entre o
significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador) “controle de sintonia fina” para
verificar a justeza da medida adotada. Proibição da Proteção insuficiente (medida pode, em uma análise metodológica,
ser também considerada desproporcional por não se revelar suficiente para uma proteção adequada e eficaz). O STF
utiliza princípio da proporcionalidade como instrumento para solução de colisão entre direitos fundamentais (HC 76.060,
Rel. Min Sepúlveda Pertence). Duplo controle de proporcionalidade e controle de proporcionalidade in concreto: qualquer
medida administrativa ou judicial com base na lei aprovada pelo parlamento que afete direitos fundamentais também
submete-se ao controle de proporcionalidade.
OS "LIMITES DOS LIMITES": As restrições aos direitos fundamentais são limitadas. Decorrem da CRFB/88.
Necessidade de proteger o núcleo essencial. A concepção dos limites dos limites decorre da teoria absoluta, do núcleo
essencial, segundo a qual o núcleo essencial dos direitos fundamentais estaria protegido de qualquer intervenção do
Estado, independentemente da situação concreta. Assim, haveria uma parte do conteúdo do direito fundamental
suscetível a limitações pelo legislador e outra parte seria insuscetível a limitações, representando um verdadeiro “limite
do limite” para a própria ação legislativa. Essa ideia se contrapõe àquela defendida pelos adeptos da teoria relativa,
segundo a qual o núcleo essencial seria aferido caso a caso, mediante processo de ponderação entre meios e fins, com
base no princípio da proporcionalidade. O núcleo essencial seria aquele insuscetível de restrição com base nesse
processo. Ambas as teorias buscam assegurar maior proteção dos direitos fundamentais contra ação legislativa
desarrazoada. Críticas: teoria absoluta traz dificuldade em identificar abstratamente a existência desse mínimo essencial
do direito fundamental, podendo-se sacrificar aquilo que se busca proteger. Teoria relativa pode conferir excessiva
flexibilidade aos direitos fundamentais.

127
21.a. Conselho Nacional do Ministério Público. História, composição, competência e funcionamento.

LEGISLAÇÃO BÁSICA: CRFB/88, arts. 130-A; EC 45/2004; Lei nº 11.372/2006


NOÇÕES GERAIS: Órgão de controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do
cumprimento dos deveres funcionais de seus membros. Cabe destacar que é da competência do Senado Federal o
processo e julgamento dos membros do CNMP nos crimes de responsabilidade e do STF para julgar ações contra o
Conselho (arts. 52, II, e 102, I, r). Em 28/05/2014 foi aprovada emenda ao Regimento Interno do STF para transferir do
Plenário para as Turmas a competência para julgar ações contra o CNMP. Entretanto, permanece na competência do
Plenário o julgamento de MS contra atos do PGR na condição de presidente do CNMP.
CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO: Na linha de entendimento de José Afonso (SILVA, p. 568)
e Gilmar Mendes (MENDES, p. 1137) no tocante ao CNJ – acerca do qual asseveram se tratar de órgão interno do Poder
Judiciário (rechaçando a ideia de controle externo) em razão do predomínio de magistrados na respectiva composição –,
pode-se afirmar, com base no mesmo raciocínio, que o CNMP é órgão interno do Ministério Público.
HISTÓRIA: Introduzido pela EC 45/2004 no contexto da Reforma do Judiciário.
COMPOSIÇÃO: Art. 130-A, incisos e §1º, CF. Composto por 14 membros, incluindo-se o Procurador-Geral da
República, que o preside, quatro membros do Ministério Público da União, três membros do Ministério Público dos
Estados, dois juízes, indicados um pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior Tribunal de Justiça, dois
advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e dois cidadãos de notável saber jurídico
e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal (incisos I a VI).
Note-se que a maioria (8) é advinda do próprio MP. A existência de membros vindos de outras carreiras, pode
ser vista como a conjugação da “legitimidade burocrático-corporativa” (SAMPAIO, p. 252) de duas categorias de imediata
interação com o MP, com a legitimidade democrática, de dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada. De
acordo com o art. 17 do respectivo Regimento Interno, são órgãos do CNMP: Plenário; a Presidência; a Corregedoria; as
Comissões e a Secretaria –Geral.
COMPETÊNCIA: Art. 130-A, §2º, CF. A propósito, merece destaque a classificação adotada por José Adércio
(SAMPAIO, p. 274 e ss) ao tratar das atribuições do CNJ, a qual pode ser aplicada ao CNMP. a) atribuições políticas:
zelar pela autonomia do Ministério Público e pelo cumprimento da lei orgânica, podendo expedir atos regulamentares, no
âmbito de sua competência, ou recomendar providências; a.1) atribuição de planejamento: zela pela autonomia de adotar
o papel de gestor estratégico dos recursos administrativos, humanos, logísticos e financeiros do Ministério Público; a.2)
atribuição de defesa da soberania (no original fala-se de soberania judiciária): deve adotar todas as medidas necessárias
contra as ameaças e as violações advindas dos outros Poderes e, com certas cautelas, de setores da sociedade, em
defesa da “soberania” do MP. “Não se trata de atitude corporativa, mas institucional, pois o Conselho não é sindicato de
classe e sim órgão de poder” (p. 276). a.3) atribuição de poder regulamentar: todavia, sem poder inovar na ordem jurídica.
“Não pode, por conseguinte, permitir o que a lei proíbe ou ordenar o que a lei não obriga; nem alterar, restringir ou ampliar
direitos, deveres, ações ou exceções; tampouco é dado exemplificar o que o legislador definiu por taxativo, ou suspender
ou adiar a execução da lei, instituir tribunais ou criar autoridades públicas, nem tampouco estabelecer formar de
exteriorização de um ato, diferentes daquelas determinadas por lei”. a.4) atribuições mandamentais: recomendar
providências, no sentido de ordem para integrantes e servidores do MP, acompanhada das sanções cabíveis a todo
descumprimento de mandado de autoridade competente. Para autoridades públicas externas, tem a natureza de
representação, que, se não vincula aos resultados, obriga, ao menos, a diligências e respostas; sanção, todavia, política
e difusa (“pressão por persuasão”). a.5) atribuições de economia interna: elaborar seu regimento, prover os cargos
necessários à sua administração; fixar critérios para promoção de seus servidores, conceder licenças etc. b) atribuições
de controle administrativo: zelar pela observância do art. 37 da Constituição Federal e apreciar a legalidade dos atos
administrativos praticados por membros ou órgãos do Ministério Público da União e dos Estados; c) atribuições de
ouvidoria: receber reclamações contra membros ou órgãos do Ministério Público da União ou dos Estados, inclusive contra
seus serviços auxiliares, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional da instituição. d) atribuições correicionais
e disciplinares: a atribuição disciplinar pode ser originária ou derivada. A originária ocorre quando se instaura a sindicância,
a reclamação ou o processo disciplinar em decorrência de representação feita ao Conselho. Já a derivada pode ser a
avocatória, quando já existe um processo em trâmite e o CNMP avoca; ou revisional, feita de ofício ou mediante
provocação, em relação aos processos disciplinares de membros do Ministério Público da União ou dos Estados julgados
há menos de um ano. e) atribuição sancionatória: consequência da atribuição disciplinar. Pode determinar a remoção, a
disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras
sanções administrativas, assegurada ampla defesa. f) atribuição informativa e propositiva: elaborar relatório anual,
propondo as providências que julgar necessárias sobre a situação do Ministério Público no País e as atividades do
Conselho. Não se resume, todavia, a elaboração de relatório. Entende-se que pode, por exemplo, elaborar notas técnicas,
seja por iniciativa própria, seja a requerimento de outros Poderes, sobre anteprojetos de leis ou projetos de lei que
tramitam no Congresso, desde que caracterizado o interesse do MP.

FUNCIONAMENTO: A CF restringiu-se a definir que o CNMP será presidido pelo PGR, bem como que o
Presidente do Conselho Federal da OAB oficiará junto àquele. De acordo com José Afonso, faz-se necessária
regulamentação legal (SILVA, p. 604).
CORREGEDORIA NACIONAL: o Corregedor Nacional é eleito dentre os membros do Ministério Público que
integram o CNMP para um mandato coincidente com o seu mandato de conselheiro, na forma do art. 30 do Regimento
Interno do CNMP. A recondução ao cargo é proibida pela Constituição Federal (130-A, §3º). É interessante observar que,
no CNMP, o Corregedor é eleito, ao passo que, no CNJ, a função de Corregedor necessariamente é exercida pelo Ministro
advindo do STJ (art.103-B, §5º,CF).
LEGITIMIDADE E CRÍTICAS: o CNMP somente pode aplicar as sanções disciplinares decorrentes da prática de
condutas previamente definidas em lei, sendo o inciso III do parágrafo 2º do art. 130-A da CF mera norma definidora de
128
competência. a) Com a criação do CNMP, foi olvidada a necessidade de ser estabelecido, quanto aos membros dos
Conselhos, um lapso temporal de vedação ao exercício de outra função pública, que não exija a prévia aprovação em
concurso público, terminando por permitir e estimular que benesses futuras sejam colhidas em troca de posicionamentos
atuais – basta lembrar, v.g., que o Executivo é um dos principais destinatários da atuação funcional do Ministério Público,
tendo, não raro, interesse na punição disciplinar de seus algozes, ao que deve ser acrescido um largo espectro de
mecanismos de retribuição pelos favores que possam vir a ser prestados. b) Outra crítica que pode ser feita consiste na
grave mácula à forma federativa adotada no Brasil, gerando uma federação imperfeita, concebida e gerada a partir de
movimentos centrífugos, mas que, na prática, fortalece o centro em detrimento da periferia. Com efeito, dos quatorze
membros do Conselho, cinco integram o Ministério Público da União já em relação aos vinte e seis Ministérios Públicos
Estaduais, apenas três serão seus representantes, sendo nítido o desequilíbrio entre as unidades federadas. c) Por outro
lado, conforme Gilmar Mendes, uma competência “de grande significado institucional, nesse contexto, é aquela referente
à expedição de atos regulamentares. É uma das atribuições que, certamente, tem ensejado maiores contestações e
polêmicas. “ (MENDES, p. 1137) Consolidando a crítica: “no Estado Democrático de Direito, é inconcebível permitir-se a
um órgão administrativo expedir atos (resoluções, decretos, portarias, etc.) com força de lei, cujos reflexos possam
avançar sobre direitos fundamentais”. (STRECK et al, Os limites constitucionais das resoluções do CNJ e CNMP) 70

CASUÍSTICA: compete ao STF processar e julgar as ações contra o CNMP (Pet QO 3674); suspensão da eficácia
da Resolução 15/2006 do CNMP, que dispunha sobre o valor do teto remuneratório dos membros e servidores do MPU
e MP do Estados (ADI 3831); suspensão do art. 5º, § 1º, da EC 45/2004 (ADI 3472 MC, transcrição no Informativo 392):
“Por considerar densa a plausibilidade da alegação de desrespeito ao § 2º do art. 60 da CF, que dispõe sobre o processo
legislativo referente à proposta de emenda constitucional, o Tribunal concedeu liminar requerida em ação direta de
inconstitucionalidade ajuizada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - CONAMP para suspender
a eficácia das expressões "e do Ministério Público", "respectivamente" e "e ao Ministério Público da União", contidas no §
1º do art. 5º da Emenda Constitucional 45/2004 ("Art. 5º O Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do
Ministério Público serão instalados no prazo de cento e oitenta dias a contar da promulgação desta Emenda, devendo a
indicação ou escolha de seus membros ser efetuada até trinta dias antes do termo final. § 1º Não efetuadas as indicações
e escolha dos nomes para os Conselhos Nacional de Justiça e do Ministério Público dentro do prazo fixado no caput deste
artigo, caberá, respectivamente, ao Supremo Tribunal Federal e ao Ministério Público da União realizá-las."). Entendeu-
se que a inovação promovida pelo Senado quanto à indicação e escolha supletiva de nomes para o Conselho Nacional
do Ministério Público teria implicado alteração substancial no texto aprovado, em dois turnos, pela Câmara dos Deputados,
segundo o qual caberia, também ao STF, o aludido mister.” (noticiado no Informativo 385/STF)

129
21.b. Interpretação jurídica. Métodos e critérios interpretação.

NOÇÕES GERAIS: os critérios de interpretação são métodos clássicos da hermenêutica jurídica, surgidos a partir
do embate entre as teorias da voluntas legislatoris (teoria subjetiva ) e voluntas legis (teoria objetiva) (DINIZ, p. 418-419
e FERNANDES, p. 151-154), “que, ao longo do tempo, foram sendo aperfeiçoados pelos cientistas do direito.”
(FERNANDES, p. 154). Os demais itens transitam em torno desse tema.
INTERPRETAÇÃO JURÍDICA. MÉTODOS E CRITÉRIOS INTERPRETAÇÃO: “Na interpretação do Direito
Positivo o técnico recorre a vários elementos necessários à compreensão da norma jurídica, entre eles o gramatical,
também chamado literal ou filológico, o lógico, o sistemático, o histórico e o teleológico.” (NADER, p. 275) “Os elementos
históricos, genéticos, sistemáticos e teleológicos da concretização não podem ser isolados uns dos outros e do
procedimento da interpretação gramatical como este não pode ser isolado daqueles.” (MÜLLER, p. 75-76) Gramatical /
Literal / Filológico: revela o conteúdo semântico das palavras. É o momento inicial do processo interpretativo. O
intérprete deve partir da premissa de que todas as palavras têm sentido e função próprios, não havendo palavras
supérfluas; o produto dessa forma de interpretação pode ser restritivo (limita o sentido de uma norma, ainda que a sua
estrutura literal seja ampla), extensivo (amplia o sentido da norma para além do contido em sua estrutura literal) ou
abrogante (quando, associado a uma interpretação sistemática, o intérprete percebe que o sentido da norma vai de
encontro ao de outra norma que lhe é hierarquicamente superior). Lógico: parte-se do pressuposto de que a conexão de
uma expressão normativa com as demais do contexto é importante para a obtenção do significado correto. Sistemático:
é fruto da ideia de unidade do ordenamento jurídico. A CF deve ser interpretada como um todo harmônico, em que nenhum
dispositivo deve ser considerado isoladamente. Histórico: busca o sentido da lei por meio de precedentes legislativos,
de trabalhos preparatórios e da occasio legis (circunstância histórica que gerou o nascimento da lei). Teleológico: procura
revelar o fim da norma, o valor ou bem jurídico visado pelo ordenamento com a edição de dado preceito. “A ideia do fim
não é imutável. O fim não é aquele pensado pelo legislador, é o fim que está implícito na mensagem da lei. Como esta
deve acompanhar as necessidades sociais, cumpre ao intérprete revelar os novos fins que a lei tem por missão garantir.”
(NADER, fl. 280). De acordo com Müller, “a interpretação histórica e a interpretação genética são subcasos da
interpretação sistemática.” Ademais, “tanto a interpretação sistemática quanto a interpretação teleológica têm por escopo
a combinação de vários, quando não todos os elementos de concretização sob a designação 'sistemáticos' ou
'teleológicos'.” (MÜLLER, p. 78) Por fim, não há hierarquia predeterminada entre os diferentes critérios. Interpretação
conforme a Constituição: 71 no caso de normas polissêmicas, deve-se dar preferência à interpretação que lhes confira
um sentido que seja mais consentâneo com a constituição. Além de “princípio de controlo” 72 (CANOTILHO, p. 1226), a
interpretação conforme é também “modalidade de decisão do controle de normas” (MENDES, p. 1427), pela qual se
declara ilegítima uma determinada leitura da norma legal – desde que haja um “espaço de interpretação”. Decorre da
supremacia da Constituição e da presunção de constitucionalidade das leis. Essa forma de interpretação tem dois limites:
não pode contrariar a literalidade da lei, nem o fim contemplado pelo legislador. “Assim, segundo a corrente majoritária, o
STF não poderia atuar como legislador positivo, mas sim como legislador negativo.” (FERNANDES, p. 169) No entanto,
Gilmar Mendes reconhece que, nas ADIs 1105 e 1227, o STF “acabou adicionando-lhes novo conteúdo normativo,
convolando a decisão em verdadeira interpretação corretiva da lei.” (MENDES, p. 1431) Por outro lado, ao discorrer sobre
a evolução da jurisprudência do STF acerca da possível equiparação dessa técnica de decisão com a declaração de
nulidade sem redução de texto, acentua o referido autor: “Ainda que se não possa negar a semelhança dessas categoria
e a proximidade do resultado prático de sua utilização, é certo que, enquanto na interpretação conforme à Constituição
se tem, dogmaticamente, a declaração de que uma lei é constitucional com a interpretação que lhe é conferida pelo órgão
judicial, constata-se, na declaração de nulidade sem redução de texto, a expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de
determinadas hipóteses de aplicação do programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal.”
(MENDES, p. 1428)
TIPOS DE INTERPRETAÇÃO OU INTERPRETAÇÃO QUANTO AO RESULTADO. DECLARATIVA: também
chamada de especificadora. A letra da lei está em harmonia com o “espírito da lei”. Há a coincidência da norma com o
sentido exato do preceito. Restritiva: procura-se limitar o alcance da norma, não obstante a amplitude de sua expressão
literal. Extensiva: o intérprete amplia o sentido da norma para além de seu texto.
LIMITES DA INTERPRETAÇÃO, EM ESPECIAL O SENTIDO LITERAL POSSÍVEL: como a interpretação da
norma jurídica pode gerar várias soluções distintas, mostra-se necessário o estabelecimento de limites. Nesse contexto,
Larenz ensina: “Diz acertadamente MEIER-HAYOZ que o 'teor literal tem, por isso, uma dupla missão: é ponto de partida
para a indagação judicial do sentido e traça, ao mesmo tempo, os limites da sua actividade interpretativa'. Uma
interpretação que se não situe já no âmbito do sentido literal possível, já não é interpretação, mas modificação de sentido.”
(LARENZ, p. 453-454) E conclui o referido autor: “Por conseguinte, o sentido literal a extrair do uso linguístico geral ou,
sempre que ele exista, do uso linguístico especial da lei ou do uso linguístico jurídico geral, serve à interpretação, antes
de mais, como uma primeira orientação, assinalando, por outro lado, enquanto sentido literal possível – quer seja segundo
o uso linguístico de outrora, quer seja segundo o actual –, o limite da interpretação propriamente dita. Delimita, de certo
modo, o campo em que se leva a cabo a ulterior actividade do intérprete.” (LARENZ, p. 457) Na mesma linha, leciona
Müller: “Por razões ligadas ao Estado de Direito, o possível sentido literal circunscreve, não em último lugar no Direito
Constitucional, o espaço de ação de uma concretização normativamente orientada que respeita a correlação
jusconstitucional das funções. O teor literal demarca as fronteiras extremas das possíveis variantes de sentido, i.e,
funcionalmente defensáveis e constitucionalmente admissíveis. Outro somente vale onde o teor literal for
comprovadamente viciado.” (MÜLLER, p. 74)
CONFLITOS APARENTES DE NORMAS E OS CRITÉRIOS PARA SUA SOLUÇÃO: o conflito aparente de
normas resolve-se pela aplicação dos critérios da hierarquia, temporalidade e especialidade. Esses critérios decorrem da
interpretação sistemática, que compreende o ordenamento jurídico como um todo dotado de unidade, evitando
contradições internas. Critério hierárquico: norma superior prevalece sobre a inferior. Critério cronológico: norma mais
recente revoga a norma mais antiga. Critério especialidade: norma especial não revoga a norma geral, mas cria uma
130
situação de coexistência, sendo aplicada no que for específica. Antinomias de segundo grau (conflitos entre os critérios):
a) entre o hierárquico e o cronológico, prevalece o primeiro; b) entre o da especialidade e o cronológico, prevalece o
primeiro; c) entre o hierárquico e o da especialidade, não há uma prevalência a priori, porém, “segundo Bobbio, dever-se-
á optar, teoricamente, pelo hierárquico, uma lei constitucional geral deverá prevalecer sobre uma lei ordinária especial,
pois se se admitisse o princípio de que uma lei ordinária especial pudesse derrogar normas constitucionais, os princípios
fundamentais do ordenamento jurídico estariam destinados a esvaziar-se, rapidamente, de seu conteúdo. Mas, na prática,
a exigência de se aplicarem as normas gerais de uma Constituição a situações novas levaria, às vezes, à aplicação de
uma lei especial, ainda que ordinária, sobre a Constituição. A supremacia do critério da especialidade só se justificaria,
nessa hipótese, a partir do mais alto princípio da justiça: 'suum cuique tribuere', baseado na interpretação de que 'o que
é igual deve ser tratado como igual e o que é diferente, de maneira diferente'.” (DINIZ, p. 475-476).
INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO: “O princípio da interpretação conforme a Constituição
('verfassungskonforme auslegung') é princípio que se situa no âmbito do controle de constitucionalidade, e não apenas
como regra de interpretação. A aplicação desse princípio sofre, porém, restrições, uma vez que, ao declarar a
inconstitucionalidade de uma lei em tese, o STF – em sua função de corte constitucional – atua como legislador negativo,
mas não tem o poder de agir como legislador positivo, para criar uma norma jurídica diversa da instituída pelo legislativo.
Por isso, se a única interpretação possível para compatibilizar a norma com a Constituição contrariar sentido inequívoco
que o Poder Legislativo lhe pretendeu dar, não se pode aplicar o princípio da interpretação conforme, que implicaria, em
verdade, criação de norma jurídica, o que é privativo do legislador positivo” (ADI 1417, 1998).
“No que se refere ao inciso II do art. 28 da lei ("Art. 28 A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com
as seguintes atividades:... II - membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de
contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os que exerçam função de
julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta;"), julgou-se, por maioria,
parcialmente procedente o pedido, para dar interpretação conforme no sentido de se excluírem os juízes eleitorais e seus
suplentes. Vencido (...).” (ADIs 1105 e 1127, noticiado no Informativo 427)
“O Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito
fundamental ajuizada, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde - CNTS, a fim de declarar a
inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo seria conduta tipificada
nos artigos 124, 126 e 128, I e II, do CP. Prevaleceu o voto do Min. Marco Aurélio, relator.(...)” (ADPF 54, noticiado no
Informativo 661)

QUESTÕES - ORAL
1) (MPF/25) Acerca da interpretação de dispositivos polissêmicos, é possível dar interpretação conforme a um
dispositivo infraconstitucional de reprodução obrigatória da CRFB?
2) (MPF/25) É possível afirmar a existência de normas de significado unívoco?
3) (MPF/25) A tipificação do aborto pelo Código Penal compõe-se de dispositivo unívoco ou admite interpretação
conforme a Constituição?

131
21.c. Ordem constitucional econômica. Princípios constitucionais da ordem econômica. Intervenção
estatal direta e indireta na economia. Regime constitucional dos serviços públicos. Monopólios
federais e seu regime constitucional.

1. ORDEM CONSTITUCIONAL ECONÔMICA (arts. 170 a 192 da CF). NOÇÕES GERAIS: cf. José Afonso, Título
VII da CF (Da Ordem Econômica e Financeira) é exemplo de elemento sócio-ideológico, revelando “caráter de
compromisso das constituições modernas entre o Estado individualista e o Estado Social, intervencionista”.
CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA: normas constitucionais sobre o conteúdo e os limites dos direitos econômicos,
decorrentes da necessidade de compatibilizar liberalismo econômico com a justiça social exigida pelo Estado Social de
Direito, para assegurar condições de vida digna aos trabalhadores, reprimir o abuso do poder econômico tendente à
dominação dos mercados e ao aumento arbitrário dos lucros, fazendo da livre iniciativa um postulado condicionado e
subordinado à realização da justiça social. Conceito de constituição econômica engloba liberdade econômica, intervenção
do Estado nesse domínio, e também o regime de minas, jazidas e demais riquezas naturais, normas relativas ao trabalho,
nacionalização, planejamento e empresa. Eros Grau: conjunto de preceitos que institui determinada ordem econômica
(mundo do ser) ou conjunto de princípios e regras essenciais ordenadoras da economia; divide em (a) constituição
econômica formal: normas podem estar agrupadas no texto constitucional ou dispersas no seu corpo e (b) constituição
econômica material: normas infraconstitucionais. ORDEM ECONÔMICA: Dirley da Cunha Jr: ordem econômica é
“conjunto de elementos compatíveis entre si, ordenadores da vida econômica de um Estado, direcionados a um fim.” José
Afonso: A ordem econômica na CF tem por finalidade “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os princípios indicados no art. 170”, os quais “consubstanciam uma ordem capitalista”. ATIVIDADE
ECONÔMICA EM GERAL: atividade voltada à satisfação de necessidades, o que envolve a utilização de bens e serviços,
recursos escassos. Eros Grau (ADPF 46): atividade econômica latu sensu (matérias que podem ser imediata ou
potencialmente objeto de exploração lucrativa) é gênero dividido em (a) serviço público – prestado preferencialmente pelo
setor público, incidindo a figura do privilégio – e (b) atividade econômica stricto sensu – prestado preferencialmente pelo
setor privado, incidindo a figura do monopólio, no caso de atuação por participação do Estado. Atuação estatal, em
contraposição a intervenção, significa a presença ativa do Estado no campo da atividade econômica em sentido
amplo. FUNDAMENTOS: José Afonso: ordem econômica na CF tem por fundamentos a valorização do trabalho humano
e a livre iniciativa, princípios fundamentais da República (art. 1º, CF), sendo caracterizada pelo modo de produção
capitalista. Valorização do trabalho humano: proteção do trabalho diante dos titulares do capital em busca de uma
composição conciliadora (“mais trabalho” e “melhor trabalho”) e a íntima relação com o princípio da dignidade humana.
Livre iniciativa: liberdade de comércio, de produção individual e coletiva, de qualquer negócio e exercício de qualquer
profissão, liberdade privada (de explorar qualquer atividade econômica) e pública (não restrição a normas estatais senão
em virtude de lei); inclui liberdade de empresa e de trabalho; engloba não apenas a liberdade de iniciativa econômica,
mas política, ética e cultural, e envolve a liberdade de concorrência; reiterada no parágrafo único do art 170, CF.
OBJETIVOS: art. 170, CF, i.e., “assegurar a todos existência digna” (mínimo necessário à satisfação das necessidades
humanas) “conforme os ditames da justiça social” (ideal da igualdade de bens materiais, visando à diminuição de
diferenças que impedem importantes propósitos positivados na CF, como a dignidade humana; tem cunho ético e cultural).
Esses dois objetivos consagram expressamente o princípio da inclusão social e econômica, tratados por Canotilho como
princípio da democracia econômico-social (art. 3, I, II e III, CF).
2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ORDEM ECONÔMICA: Incisos do art 170, CF. Soberania nacional (evitar
influência descontrolada de outros países na economia nacional; ideia de autonomia decisória) propriedade privada;
função social da propriedade (relativização do caráter absoluto da propriedade no que tange ao direito de usar, gozar e
dispor de um bem sem qualquer preocupação social; arts 5º, XXIII, 182, § 2º, e 186, CF); livre concorrência (possibilidade
de os agentes econômicos atuarem sem embaraços juridicamente justificáveis, em determinado mercado, visando à
produção, circulação e consumo de bens; garante o livre jogo das forças/competição em disputa por clientela e mercado.
Tudo balizado pelos ditames da justiça social e dignidade). Súmula 646, STF: “Ofende o princípio da livre concorrência
lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área”; defesa do
consumidor (conferir tratamento diferenciado ao consumidor, reconhecendo sua inferioridade de fato, enquanto agente
econômico vulnerável nas relações de consumo); defesa do meio ambiente (desenvolvimento sustentável; art. 225: meio
ambiente ecologicamente sustentável é direito de todos; art. 170, VI modificado pela EC 42, prevendo possibilidade de
tratamento diferenciado conforme impacto ambiental de produtos e serviços); redução das desigualdades regionais e
sociais (objetivo fundamental da república: art. 3º, III; art. 151, I: fundo de erradicação da pobreza, com prazo prorrogado
por tempo indeterminado pela EC 67) busca do pleno emprego (significa o desenvolvimento e aproveitamento das
potencialidades do Estado; pode ser considerado ainda como elemento essencial da economia capitalista, uma vez que
é a partir da remuneração que se dá o consumo e a circulação de riquezas na economia de um país); tratamento
favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no país
(art. 179: reforça a ideia, falando em simplificação de obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias).
DIREITO DE INICIATIVA: direito que todos possuem de se lançarem no mercado de trabalho por sua conta e risco,
liberdade de lançar-se à atividade econômica sem encontrar restrições do Estado. Ligada à concepção liberal do homem,
evidenciando sua individualidade. Conduz necessariamente à livre escolha do trabalho que, por sua vez, constitui uma
das expressões fundamentais da liberdade humana. Consubstancia alicerce e fundamento da ordem econômica, e é
também direito fundamental.
3. INTERVENÇÃO ESTATAL DIRETA E INDIRETA NA ECONOMIA. Eros Grau: Exploração de atividade
econômica pelo Estado (em sentido estrito): quando o ente público atua paralelamente aos agentes privados com intuito
de lucro na esfera de titularidade da iniciativa privada. Intervenção sobre o domínio econômico (atuação estatal sobre
a atividade econômica em sentido amplo): atividade estatal que regula, normatiza a atividade econômica em sentido
estrito. Não é área de titularidade da iniciativa privada. Regulação e fiscalização se aplicam à atividade econômica em

132
sentido amplo, envolvendo tanto a atividade econômica em sentido estrito, como a prestação de serviços públicos.
Regulação: exercício de competência administrativa normativa a qual sujeita atividades a regras de interesse público,
como corolário da função de controle. A regulação reclama a Fiscalização: atividade que tem por escopo assegurar a
efetividade e eficácia do que foi normativamente definido. Planejamento: forma de ação racional, caracterizada pela
previsão de comportamentos econômicos e sociais futuros, pela formulação explícita de objetivos e pela definição de
meios de ação, apenas qualificando a forma de intervenção estatal na atividade econômica em sentido amplo, sendo
obrigatório para a atuação do ente público e indicativo para o ente privado.
EROS GRAU (ADI 3512): Ordem econômica na CR/88 confere papel primordial a livre iniciativa, mas não diz que
o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem
realizados pelo Estado e pela sociedade, plano de ação global normativo, informado pelos preceitos dos arts. 1º, 3º e 170.
Constitucionalidade formal e material do conjunto de normas (ambientais e de comércio exterior) que proíbem a
importação de pneumáticos usados (STA 171, ADPF 101). Passe livre às pessoas portadoras de deficiência não viola os
princípios da ordem econômica, da isonomia, da livre iniciativa e do direito de propriedade, nem o da ausência de indicação
de fonte de custeio (ADI 2649). Constitucionalidade da lei que confere meia entrada aos estudantes (ADI 1950).
Constitucionalidade da gratuidade do transporte público a idosos (ADI 3768).
4. REGIME CONSTITUCIONAL DOS SERVIÇOS PÚBLICOS. José Afonso: art. 175 estabelece princípios do
regime da concessão e da permissão de serviços públicos a empresas particulares. CR/88: prestação de serviço público
incumbe ao Poder Público, que o prestará “diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de
licitação”. Concessão de serviço público prevista na Lei nº 8.987/95, é o contrato administrativo pelo qual a Administração
Pública transfere à pessoa jurídica ou consórcio de empresas a execução de certa atividade de interesse coletivo,
remunerada através do sistema de tarifas pagas pelos usuários. Além da concessão, pode valer-se o Estado da permissão
de serviço público, acerca da qual há divergência quanto à respectiva natureza jurídica. Celso Bandeira de Mello e Di
Pietro: não obstante a evidente desnaturação do instituto (como verificado no art. 40 da Lei nº 8.987/95) permissão de
serviço público é ato unilateral e precário, 'intuitu personae', através do qual o Poder Público transfere a alguém o
desempenho de um serviço de sua alçada, proporcionando (como no caso da concessão) a possibilidade de cobrança de
tarifas dos usuários. Carvalho Filho: permissão de serviço público é contrato administrativo através do qual o Poder
Público (permitente) transfere a um particular (permissionário) a execução de certo serviço público nas condições
estabelecidas em normas de direito público, inclusive quanto à fixação do valor das tarifas. Di Pietro observa que o
dispositivo não faz referência à autorização de serviço público. No seu entender, os serviços chamados autorizados não
têm a natureza de serviços públicos, são apenas atividades que, pela sua importância para o interesse público, ficam
sujeitas a maior controle por parte do estado (ela lamenta, entretanto, que o art. 21, XII, da CF ainda faça referência à
autorização como forma de delegação do serviço público). Aplicam-se, para a escolha do concessionário ou
permissionário, as regras gerais previstas na Lei nº 8.666/93, com as modificações decorrentes da Lei nº 8.987/95 e da
Lei nº 9.074/95. PROPRIEDADE E EMPREGO DE RECURSOS MINERAIS E DE POTENCIAIS HIDROELÉTRICOS: art.
20 da CF, inc. VIII e IX: são bens da União potenciais de energia hidráulica e recursos minerais, inclusive os do subsolo.
Tais bens são considerados como propriedade distinta do solo, observando o regime de exploração ou aproveitamento
previsto no art.176, CF. Em relação aos potenciais hidroenergéticos, incide ainda o disposto no art. 21, XII, 'b', da CF. EC
6/95, que alterou o conceito de empresa brasileira, também afetou o art. 176, § 1º, da CF. "A propriedade do produto da
lavra das jazidas minerais atribuídas ao concessionário pelo preceito do art. 176 da Constituição do Brasil é inerente ao
modo de produção capitalista. A propriedade sobre o produto da exploração é plena, desde que exista concessão de lavra
regularmente outorgada." (ADI 3273).
5. MONOPÓLIOS FEDERAIS E SEU REGIME CONSTITUCIONAL: Monopólio é forma de intervenção do ente
público em atividade que, em princípio, deveria ser de titularidade da iniciativa privada – atividade econômica em sentido
estrito – que é retirada da iniciativa privada para ficar reservada à exploração exclusiva estatal, afastando-se a competição.
No nosso sistema jurídico, há duas formas de exploração direta de atividade econômica pelo Estado: (a) necessária,
utilizada para resguardar a segurança nacional ou relevante interesse coletivo (art. 173, caput), em que o Estado concorre
de igual para igual com os demais particulares; (b) monopólio (art. 177, CF): exploração exclusiva de um negócio. O
monopólio privado é vedado pela Constituição, porque permite a dominação do mercado e a eliminação da concorrência.
É o oposto da concorrência perfeita. Caracteriza-se pela inexistência de competição em determinado mercado, no qual o
agente econômico tem poder para estabelecer o preço dos produtos. Difere-se do oligopólio, em que há concentração
econômica parcial, no qual o poder de mercado se divide entre poucos agentes econômicos. O oligopólio caracteriza a
estrutura de mercado pela concorrência imperfeita. O monopólio privado é incompatível com o sistema de defesa da
concorrência previsto na Constituição. Já o monopólio estatal é permitido pela Constituição para algumas atividades
expressamente elencadas no art. 177. Diversamente do monopólio privado, que busca o aumento arbitrário dos lucros, o
monopólio estatal visa à proteção do interesse público. ATIVIDADES MONOPOLIZADAS: referem-se a três ordens:
petróleo, gás natural e minério ou minerais nucleares, estando relacionadas no art. 177 da CF em rol taxativo segundo
Celso Antonio Bandeira de Mello. O monopólio na exploração do petróleo permite a participação (royalties), por parte de
Estados, DF, Municípios e até de órgãos da administração direta da União (art. 20, § 1º) no produto de sua exploração.
REGIME JURÍDICO DO MONOPÓLIO: o regime de monopólio tem a natureza de intervenção direta do Estado, com
caráter exclusivo, em determinado setor da ordem econômica. Antes da Emenda nº 9/95 era vedado à União ceder
qualquer tipo de participação na exploração de jazidas de petróleo. Agora, o § 1º do art. 177 permite, nos termos de lei,
que a União contrate empresas estatais ou privadas para a realização das atividades ligadas ao petróleo, isto é, a atividade
continua monopolizada, embora seja possível a sua concessão. Compatibilidade do regime de privilégio da ECT com a
ordem constitucional vigente (ADPF 46). ELETRONORTE atua em regime de concorrência (RE 599628).
Impenhorabilidade dos bens da ECT (RE 220906). ADI 1575: é inconstitucional norma estadual que dispõe sobre
atividades relacionadas ao setor nuclear no âmbito regional, por violação da competência da União para legislar sobre
atividades nucleares.

133
ABUSO DO PODER ECONÔMICO: com o objetivo de proteger a livre concorrência, a CRFB adota princípio
relativo à repressão aos abusos do poder econômico. O poder econômico é uma constante na economia moderna, o que
não é condenado. Somente seu abuso, ou seja, a indevida utilização da força de mercado por parte dos agentes
econômicos causa a repressão estatal, visando sua repressão. Art. 173, § 4º, CF: diretrizes para a configuração do abuso
do poder econômico, as quais são regulamentadas pela lei (Lei nº 8.884/94 com as alterações da Lei nº Lei nº 12.529/11).
Paula Forgioni: configura-se a partir da atuação no mercado com independência e indiferença em relação aos outros
agentes, sendo denominado abuso de posição dominante. Tal prática reduz a parcela minoritária a condutas de sujeição.
Não é necessário que o agente atue com completa ausência de concorrência, basta que a concorrência não possua grau
que influencie de forma significativa o comportamento do monopolista. REsp 1.181.643: O Poder Judiciário é competente
para examinar Ação Civil Pública visando à proteção da ordem econômica, independentemente de prévia manifestação
do CADE ou de qualquer outro órgão da Administração Pública.
RESPONSABILIDADE DE PESSOAS JURÍDICAS E DE SEUS DIRIGENTES NAS INFRAÇÕES À ORDEM
ECONÔMICA E FINANCEIRA E À ECONOMIA POPULAR: sem dúvida há responsabilização das pessoas jurídicas por
atos danosos com base nas previsões de direito administrativo, econômico, e de direito civil, mas pode-se falar também
em responsabilização penal. Em relação aos demais crimes praticados pela pessoa jurídica, a Constituição Federal não
foi explícita, mas permitiu que a legislação infraconstitucional estipulasse sanções penais cabíveis para a chamada
criminalidade econômica (além da ambiental), nos termos do art. 173, § 5º. Walter Rothenburg: responsabilidade penal
da pessoa jurídica está prevista constitucionalmente e necessita ser instituída, para fazer ver que a empresa privada
também é responsável pelo saneamento da economia, pela proteção da economia popular e do meio ambiente, pelo
objetivo social do bem comum, que deve estar acima do objetivo individual, do lucro a qualquer preço, e também para
aperfeiçoar-se a persecução penal naqueles casos em que a legislação se mostra insuficiente para localizar dentro da
empresa o verdadeiro responsável pela conduta ilícita. ONU: VI Congresso para Prevenção do Delito e Tratamento do
Delinquente (Nova Iorque, julho/1979): no tocante ao tema do delito e do abuso de poder, recomendou aos Estados-
membros o estabelecimento do princípio da responsabilidade penal das sociedades.

134
22.a. O papel das pré-compreensões no Direito. Interpretação, moralidade positiva e moralidade
crítica.

Daniel Sarmento argumenta em artigo (“O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades”) que o Direito
brasileiro vem sofrendo mudanças profundas nos últimos tempos, relacionadas à emergência de um novo paradigma
tanto na teoria jurídica quanto na prática dos tribunais, que tem sido designado como "neoconstitucionalismo", e sintetiza
como um dos fenômenos a reaproximação entre o Direito e a Moral, com a penetração cada vez maior da Filosofia nos
debates jurídicos.
Diz o mesmo autor: “Neste cenário, há espaço tanto para visões comunitaristas, que buscam na moralidade
positiva e nas pré-compreensões socialmente vigentes o norte para a hermenêutica constitucional, endossando na seara
interpretativa os valores e cosmovisões hegemônicos na sociedade, como para teorias mais próximas ao construtivismo
ético, que se orientam para uma moralidade crítica, cujo conteúdo seja definido através de um debate racional de idéias,
fundado em certos pressupostos normativos, como os de igualdade e liberdade de todos os seus participantes.”
PRÉ-COMPREENSÕES
A aplicação do direito está envolvida por pré-compreensões que são inerentes ao juízo humano. Dessa forma, a
questão filosófica que envolve a análise das pré-compreensões permeia o estudo do direito, possibilitando a permanente
busca por novos sentidos e novos conceitos que permitam a superação de velhos paradigmas.
Tradicionalmente a hermenêutica jurídica pode ser conceituada como um conjunto de métodos de interpretação
das normas. Em sua concepção antiga era tida como um conjunto de métodos e técnicas destinado a interpretar a
essência da norma, buscando o seu significado exato – preconizada por Shleiermacher.
Hans-Georg Gadamer, importante filósofo alemão (em sua obra Verdade e Método, publicada pela primeira vez
em 1960, na qual o autor desenvolve uma hermenêutica filosófica – em contraposição à Shleiermacher), apresentou uma
nova visão da hermenêutica, a denominada hermenêutica contemporânea, que não se subjuga a regras metódicas das
ciências humanas, e tece uma perspectiva crítica da metafísica (aquilo que se encontra além daquilo que é físico, palpável,
acima do sensível). De acordo com Gadamer, a hermenêutica é um campo da filosofia, que além de possuir um foco
epistemológico, também estuda o fenômeno da compreensão por si mesmo...”.
Em sua obra, Gadamer afirma que: “E mesmo aquele que ‘compreende’ um texto (ou mesmo uma lei) não somente
projetou-se a si mesmo a um sentido, compreendendo – no esforço do compreender – mas que a compreensão alcançada
representa o estado de uma nova liberdade espiritual”. Para o autor, ao interpretar um texto, o intérprete investiga a sua
pré-compreensão tanto quanto o texto em si, ou seja, insere-se pré-conceitos erigidos da atual sociedade, afastando-se
apenas duma interpretação textual. O processo de interpretação envolve não somente as pré-compreensões do intérprete,
exigindo também que este interaja com o que está sendo interpretado, em suas palavras: “O intérprete, pois, deve permitir
que o texto lhe diga algo por si, sem lhe impor a sua pré-compreensão”.
Nessa linha, a interpretação pressupõe uma "pré-compreensão" historicamente determinada, considerando os
horizontes do passado e do presente, e está sempre sujeita a revisão no futuro. Os preconceitos representam juízos
prévios não definitivos, que durante o Iluminismo foram indevidamente considerados como obstáculos à busca do
conhecimento e da verdade.
De acordo com a teoria de Gadamer, as pré-compreensões – preconceitos – são condições para a compreensão
e devem ser analisadas em sua dimensão positiva. Não se pode dissociar a ciência e a tradição histórica, não havendo
possibilidade de existir ciência desprovida de preconceitos. Refere o autor que: “Toda vivência implica os horizontes do
anterior e do posterior e se funde, em última análise, com o continuum das vivências presentes no anterior e posterior na
unidade da corrente vivencial”. Com a compreensão atingida com a análise das pré-compreensões, possibilita-se a quebra
de paradigmas e a efetivação da permanente renovação do saber. O Supremo Tribunal Federal tem superado algumas
pré-concepções permitindo o aborto de fetos anencéfalos - sendo que no voto vencedor afirma-se que não se trata de
aborto propriamente dito -, a união homoafetiva, e a utilização de células tronco em pesquisas e etc.
MORALIDADE POSITIVA E MORALIDADE CRÍTICA
Moral positiva: para Hart, é aquela moralidade compartilhada pela maior parte dos indivíduos que formam uma
sociedade determinada. Em linhas gerais, essa moral possuiria diferentes formas de aplicação, como (a) formas de se
vestir, dormir, etc, que são habituais; (b) atividades como o jogar e o se divertir, que são aleatórias no tempo. Algumas
normas morais positivas, quando transgredidas, podem dar lugar a uma advertência, a uma censura, à exclusão ou ao
desapreço coletivo.
Outro conceito é a nomenclatura sugeria por John Austin em 1832, para o qual "moralidade positiva" é o conjunto
de ideias, valores, e práticas morais de uma determinada sociedade, em uma época determinada. A moralidade positiva
se distingue da lei positiva, na medida em que ela não é estabelecida por uma autoridade política. Ela diz respeito, antes,
ao sentimento de aprovação ou desaprovação de uma determinada comunidade com relação a certos tipos de
comportamento. Por outro lado, a moralidade positiva se distingue também da lei divina (ou lei natural), na medida em
que ela diz respeito a um conjunto de regras efetivamente adotadas por uma comunidade, independentemente do fato de
essas regras estarem ou não de acordo com a lei divina. Segundo Austin as leis da moralidade positiva são denominadas
de “leis” no sentido “impróprio” deste termo. Trata-se de um sentido impróprio, pois falta às leis da moralidade positiva
uma instância superior com o poder de impor algum tipo de penalidade no caso da violação deste tipo de lei. A moralidade
positiva é um corpo de doutrinas, a que um conjunto de indivíduos adere geralmente, que dizem respeito ao que é correto
e incorreto, bom e mau, com respeito ao caráter e à conduta. Os indivíduos podem ser os membros de uma comunidade
(por exemplo, a ética dos índios Hopi), de uma profissão (certos códigos de honra) ou qualquer outro tipo de grupo social.
Moral crítica (ou ideal): para Hart, se refere aos princípios obtidos racional ou reflexivamente para criticar às
próprias ações ou as ações coletivas (a moral positiva). Diferente da moral positiva, a moral crítica corresponde ao
raciocínio moral da pessoa, de modo que não é guiada por reações sociais. Muitos usam a distinção entre “moralidade
positiva” e “moralidade crítica” para marcar a diferença fundamental entre o que a maioria entende como moralmente
correto e aquilo que uma versão crítica e reflexiva da moralidade existente poderia defender. Identificar e descrever uma
135
certa moralidade não implica em aceitá-la acriticamente. Um exemplo eloquente é a vedação constitucional da pena de
morte no Brasil. Não seria absurdo supor que a maioria da população brasileira apoiaria uma lei propondo a pena capital.
Mas o poder do legislador (e da soberania popular) está limitado pela cláusula constitucional. Mesmo se houvesse
comprovação empírica dos benefícios de tal pena extrema (coisa que não existe), o princípio constitucional prevaleceria
sobre o poder legislativo. A moralidade positiva, evidentemente, pode estar ela própria subordinada à crítica moral, pois
frequentemente endossamos, reconsideramos, ou mesmo abandonamos inteiramente as ideias, valores, e práticas
morais de épocas passadas. Hart diz que o legislador, ao ditar a lei, deve valorar racionalmente quais são os fundamentos
da moral positiva vigente, e em seu caso atuar contra o majoritariamente desejado. Se não for assim, deduz Hart, se
confundiria a democracia como forma de governo com um populismo moral, segundo o qual a maioria da população teria
direito a estabelecer como devem viver os demais.

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22.b. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Técnicas decisórias na jurisdição constitucional.

Noções gerais: O assunto está localizado no âmbito dos mecanismos de proteção a supremacia da constituição
e da jurisdição constitucional, em especial com a possibilidade de que com a Lei 9.868/99 o legislador criou fórmulas
alternativas em face da simples nulidade total do texto constitucional.

EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE:


Efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso: A declaração de inconstitucionalidade no
controle difuso produz efeitos ex tunc e inter partes.
A inconstitucionalidade declarada como questão prejudicial não transita em julgado (limite objetivo da coisa
julgada) nem afeta terceiros estranhos ao processo (limite subjetivo). A doutrina majoritária no Brasil situa a
inconstitucionalidade no campo da nulidade, em razão da supremacia da constituição. Decisão que a reconhece tem
natureza declaratória, e retroage até o nascimento do ato viciado. O STF tem admitido, em casos excepcionais, a
mitigação da retroação de efeitos, mediante ponderação de princípios e aplicação analógica do art. 27 da Lei 9868/99.
Segundo o art. 52, X, CR/88, cabe ao Senado suspender a lei declarada inconstitucional pelo STF em controle
difuso, no todo ou em parte, conferindo eficácia erga omnes à decisão. Pela doutrina majoritária, o Senado não está
vinculado à decisão do STF, existindo um campo de discricionariedade para decidir pela suspensão ou não da norma e
sua extensão. O Senado tem competência para suspender norma federal, estadual e municipal.
Abstrativização do controle difuso (objetivação, abstração, dessubjetivação das formas processuais): o
procedimento designado abstrativização do controle concreto, expressão cunhada pelo doutrinador Fredie Didier Júnior,
por ocasião da análise das transformações ocorridas no Recurso Extraordinário, consiste na possibilidade de conferir
efeitos erga omnes a decisões proferidas em sede de controle difuso/concreto de constitucionalidade. Essa possibilidade
encontra amparo, inclusive, na própria Constituição: (a) artigo 52, X, CRFB/88: depois de reiteradas decisões do STF em
controle difuso o Senado pode, após ser comunicado, suspender no todo ou em parte a eficácia da lei através de uma
Resolução (passa a valer para todos). Tem prevalecido o entendimento no sentido de que a Resolução tem eficácia ex
nunc, embora Barroso sustente que deveria ser ex tunc, porque a norma é inconstitucional desde o início. (b) EC n° 45/04
– art. 103-A, CRFB/88: após reiteradas decisões acerca da validade, interpretação ou eficácia de uma norma sobre a qual
paire controvérsia atual, judicial ou administrativa, o STF pode editar súmula vinculante pelo voto de 2/3 dos seus
membros, que vinculará os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública. OBS: o STF não fica vinculado
à súmula, podendo, inclusive de ofício, revisá-la ou cancelá-la (hipótese de overruling– superação da jurisprudência). (c)
o STF importou princípio de controle conhecido como transcendência dos motivos determinantes (os motivos que
fundamentam a declaração de inconstitucionalidade extrapolam os limites da demanda para alcançar situações idênticas
ou semelhantes). OBS. O STF não adota essa Teoria, apesar de o Ministro Gilmar Mendes ser um de seus expoentes.
HC 82.959 e Rcl 4335 (progressão de regime) e RE 197.917 (Caso Mira Estrela). (d) repercussão geral (art. 102, §3°,
CR): com a EC 45/04 (Reforma do Judiciário) mudou radicalmente o modelo de controle incidental, uma vez que os
recursos extraordinários terão de passar pelo crivo da admissibilidade referente à repercussão geral. Assim, com a adoção
desse novo instituto haverá uma maximização da feição objetiva do recurso extraordinário, que passou a ser um
instrumento de molecularização de julgamento em massa.
OBSERVAÇÃO: Interessante, sobre o tema, ler o RE 376.852 e o entendimento esposado no site Dizer o Direito,
o qual afirma que o STF não adota referida teoria: <http://www.dizerodireito.com.br/2014/05/stf-nao-admite-teoria-
da.html>

Efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle concentrado: Como regra, possui efeitos erga
omnes, isto é, eficácia contra todos e efeitos ex tunc, decorrente do princípio da nulidade, salvo exceções. Aqui há também
a situação do efeito repristinatório da decisão. Não se trata de repristinação, pois, diante da nulidade da lei inconstitucional,
a L1 revogada sempre esteve em vigor, não tendo sido revogada em momento algum. Além disso, a repristinação
pressupõe o surgimento de uma L3 que restaure a validade da lei L1.
No campo dos efeitos, pode ocorrer a chamada modulação dos efeitos da decisão (art. 27 da Lei nº 9.868/99).
Os Ministros podem, diante de um caso concreto em que haja razões de segurança jurídica ou que acarrete
excepcional interesse social, modular os efeitos da decisão do Supremo, de forma a que ela tenha efeitos ex nunc. Esta
técnica flexibiliza o princípio da nulidade, aproximando-o da teoria da anulabilidade. O quorum para decidir pelo efeito ex
nunc é 2/3 ou 8 dos Ministros.
Exemplos: atos praticados por servidor que não era oficial de justiça. A lei que previa isso foi considerada
inconstitucional. Como ficam os atos já praticados? O STF achou melhor não anulá-los, dando efeitos ex nunc à sua
decisão. 2 – Aumento do subsídio de magistrados que o receberam de boa-fé. Lei declarada inconstitucional ex nunc.

Efeito vinculante: Em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública (102, §2º). O
efeito vinculante surge com a EC nº 03/93, para a ADC. Até a EC45, não havia previsão constitucional de efeito vinculante
para a ADI. A Lei nº 9.868/99 previu, no art. 28, parágrafo único, efeito vinculante para a decisão em sede de ADI.
Questionou-se a constitucionalidade desse dispositivo (Questão de Ordem no Agravo Regimental da RCL nº 1880). O
Supremo entendeu constitucional a Lei nº 9.868/99 e ressaltou a similitude substancial de objetos entre a ADC e a ADI.
Vai além da parte dispositiva, abrangendo os fundamentos determinantes da decisão. Em geral, os autores
entendem que o fundamento determinante é aquele que não pode ser modificado sem alteração da parte dispositiva. É a
ratio decidendi – elemento básico da decisão. Distingue-se do obter dictum.
A lógica que inspira o efeito vinculante é a de reforço da posição da corte constitucional. Assim, a corte formula
uma regra geral (contida nos fundamentos determinantes) que não pode ser descumprida. Assim, fixa-se um modelo, cujo
descumprimento enseja a reclamação.

137
Medida cautelar: Suspende o ato impugnado, com efeito vinculante, podendo até restabelecer o direito anterior.
Tem eficácia ex nunc, salvo disposição em sentido contrário. Em caso de rejeição de liminar, não há efeito vinculante, em
regra.

TÉCNICAS DECISÓRIAS NA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL:


Em virtude das regras decorrentes do controle de constitucionalidade, a doutrina e jurisprudência, depois
consolidadas pela edição da lei 9.868/99, criaram técnicas decisórias que permitem diminuir os efeitos da nulidade do ato
inconstitucional e maior interação entre os órgãos estatais decorrente da força e supremacia normativa da constituição,
na qual todas as normas do ordenamento jurídico devem estar material e formalmente de acordo, por meio da ação da
jurisdição constitucional.
Sobre o ponto de vista organizatório, a Jurisdição constitucional subdivide-se de duas formas: (i) modelo unitário
– todos os tribunais e juízes têm o dever de, no âmbito dos processos submetidos ao seu conhecimento, aferir a
constitucionalidade dos atos em apreciação (controle difuso); (ii) modelo de separação – concentração do controle de
constitucionalidade a um Tribunal especificamente competente para tanto, separado dos demais tribunais (controle
concentrado). Salienta-se que, hoje, a tendência é a aproximação dos dois modelos. O Brasil adotou inicialmente o
sistema norte-americano, evoluindo para um sistema misto e peculiar que combina o critério de controle difuso por via
de defesa com critério de controle concentrado por via de ação direta.
O controle de constitucionalidade através da ADI e ADC comporta múltiplas técnicas decisórias. Especial relevo
deve ser conferido particularmente a ADI, na qual a decisão pode adquirir maior complexidade. Uma primeira dicotomia
que pode ser estabelecida embasa-se na presença, ou não, de declaração de nulidade.
A declaração de nulidade arrima-se na premissa de que o ato inconstitucional reveste-se de nulidade ipso iure. No
direito brasileiro, conforme o magistério de Gilmar Ferreira Mendes, esta doutrina encontra antecedentes no direito norte-
americano. Porém, como salienta o doutrinador, "a recepção da doutrina americana não contribuiu significativamente para
o desenvolvimento de uma teoria da nulidade da lei inconstitucional no Direito brasileiro. Também a fundamentação
dogmática na chamada nulidade de pleno direito, ou ipso iure jamais se afigurou precisa entre nós."
Mas a decisão poderá dar pela procedência da demanda de inconstitucionalidade sem declarar nula a norma. Tal
ocorre na interpretação conforme a Constituição e na declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto.
Outras técnicas podem ser citadas: A interpretação conforme a Constituição ou "verfassungskonforme
Auslegung", consiste na técnica decisória segundo a qual o Tribunal afirma a constitucionalidade da lei desde que
observada determinada interpretação, ou, ao revés, a inconstitucionalidade, se interpretada de forma diversa.
Já a declaração de nulidade ou inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, a "teilnichtigerklärung ohne
normtextreduzierung", marca-se pela declaração de que determinadas interpretações são inconstitucionais.
Embora pareçam a rigor a mesma coisa, há diferenças entre as soluções, o que é realçado por Gilmar Ferreira
Mendes, verbis: "Ainda que não se possa negar a semelhança dessas categorias e a proximidade do resultado prático de
sua utilização, é certo que, enquanto na interpretação conforme à Constituição, se tem, dogmaticamente, a declaração
de que uma lei é constitucional com a interpretação que lhe é conferida pelo órgão judicial, constata-se, na declaração de
nulidade sem redução de texto, a expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de determinadas hipóteses de aplicação
(Anwendungsfälle) do programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal. Assim, se se pretende
realçar que determinada aplicação do texto normativo é inconstitucional, dispõe o Tribunal da declaração de
inconstitucionalidade sem redução de texto, que, além de mostrar-se tecnicamente adequada para estas situações, tem
a virtude de ser dotada de maior clareza e segurança jurídica expressa na parte dispositiva da decisão (a lei x é
inconstitucional se aplicável a tal hipótese; a lei y é inconstitucional se autorizativa da cobrança do tributo em determinado
exercício financeiro.)
Dentro da possibilidade de interpretação conforme a Constituição, temos ainda a possibilidade da técnica da
decisão manipulativa de efeitos aditivos, a qual para Gilmar Mendes, possibilitou definitivamente a superação do
dogma kelseniano do legislador negativo, na medida em que o tribunal atua como legislador positivo, acrescentando
novos efeitos jurídicos na sua decisão, como no caso da ADPF 54, quando o STF criou nova hipótese de excludente de
punibilidade ao crime de aborto, no caso do feto padecer de anencefalia.

Técnica do reconhecimento da “lei constitucional em trânsito para a inconstitucionalidade”, ou lei “ainda


constitucional”, quando em razão de circunstancias futuras poderá a norma se tornar inconstitucional.

Técnica da declaração de inconstitucionalidade com apelo ao legislador, quando se propõe a reconhecer a


inconstitucionalidade de uma omissão ou ação normativa, sem pronunciar a nulidade da norma jurídica, fazendo-se um
apelo para que o legislador sane o problema dentro de certo lapso de tempo.

Técnica da declaração de inconstitucionalidade por omissão parcial de ato normativo: Quando se está
diante de uma lei defeituosa ou imperfeita, geradora de inconstitucionalidade parcial, a sua omissão pode gerar ainda
mais inconstitucionalidade, por exemplo, uma lei que estipulasse o salário mínimo, motivo pelo qual André Ramos Tavares
entende que poderia ocorrer a manutenção da lei inconstitucional sem pronúncia de nulidade.

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22.c. Direito fundamental à moradia e à alimentação.

DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA:


O direito à moradia foi previsto de modo expresso como direito social, no caput do art. 6º da CR/88, pela EC n.
26/2000. Apesar dessa incorporação tardia ao texto, desde a promulgação da Constituição o direito de moradia já estava
amparado, pois, nos termos do art. 23, IX, todos os entes federativos têm competência administrativa para promover
programas de construção de moradias e melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. Também,
partindo da ideia de dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III), direito à intimidade e à privacidade (art. 5.º, X) e de ser a
casa asilo inviolável (art. 5.º, XI), não há dúvida de que o direito à moradia busca consagrar o direito à habitação digna e
adequada, tanto é assim que o art. 23, X, estabelece ser atribuição de todos os entes federativos combater as causas da
pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos.
Diferente do que ocorre com educação e saúde, a moradia não tem um tratamento específico, não tem um preceito
na Constituição que discipline, um título, mas pode ser encontrada de forma dispersa no texto constitucional: arts. 7º, IV;
183 e 191, além daqueles já citados.
Daniel Sarmento ensina que o direito à moradia tem uma dimensão negativa e outra positiva. Dimensão negativa
da moradia talvez seja a que provocou mais debates até hoje, porque tende a entrar em colisão com a proteção da
propriedade privada. O cenário comum desta colisão é: pessoas sem moradia que ocupam uma propriedade privada
abandonada de terceiros. Aí, busca-se uma reintegração de posse. Há aqui todo tipo de posição, desde posições que
negam qualquer força à propriedade nesse cenário, por exemplo, o professor Fachin, que diz que há propriedades que
só são protegidas se cumprirem sua função social. Imóvel abandonado que não cumpre sua função social não é tutelada
pelo direito de propriedade. De outro lado, há pensamento segundo o qual deve-se proteger a propriedade privada, com
um discurso de criminalização da conduta dos movimentos sociais que promovem essa agenda.
Outro caso também que envolve a dimensão negativa da moradia existe quando o poder público faz determinadas
intervenções, que implicam na retirada das pessoas de suas moradias, como nas ocupações de imóvel abandonado, sem
título de propriedade. Diante do argumento da supremacia do interesse público, o Estado retira moradores para realização
de obras.
O direito à moradia, na sua dimensão negativa, vem, ainda, à baila no contexto mais delicado de colisão com
direito ao meio ambiente.
Na dimensão negativa da moradia, o STF discutiu o art. 3, VII da Lei 8.009/90: não há proteção ao bem da família,
mesmo em se tratando do único bem imóvel, para ocaso de fiador em contrato de aluguel. Levada a questão ao STF, por
7 X 3, em 08.02.2006, entenderam os Ministros que “o único imóvel (bem de família) de uma pessoa que assume a
condição de fiador em contrato de aluguel pode ser penhorado, em caso de inadimplência do locatário”, e, assim, não
violando o direito de moradia enquanto direito fundamental (RE 407.688; AI 576.544 -AgR -AgR). Isso porque, fortalecendo
o entendimento, nos termos do direito de liberdade, ninguém é obrigado a ser fiador; contudo, assumindo esse encargo,
terá de arcar com responsabilidades.
Ainda, a ressalva prevista no art. 3.º, IV, da Lei n. 8.009/90 (não aplicação da regra da impenhorabilidade para a
cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar) também é
constitucional, segundo a interpretação do STF, não violando o direito à moradia, nem mesmo o direito de propriedade.
No caso, entendeu-se que “... não haveria que se falar em impenhorabilidade do imóvel, uma vez que o pagamento de
contribuição condominial (obrigação propter rem) é essencial à conservação da propriedade, isto é, à garantia da
subsistência individual e familiar — dignidade da pessoa humana. Asseverou-se que a relação condominial tem natureza
tipicamente de uma relação de comunhão de escopo, na qual os interesses dos contratantes são paralelos e existe
identidade de objetivos, em contraposição à de intercâmbio, em que cada parte tem por fim seus próprios interesses,
caracterizando-se pelo vínculo sinalagmático” (Inf. 455/STF — RE 439.003, Rel. Min. Eros Grau, j. 06.02.2007, DJ de
02.03.2007).
A proteção da dimensão positiva da moradia: direito a uma dimensão prestacional da moradia, ou seja, política
pública de concessão de moradias. Nesse contexto, temos a política do "Minha casa, minha vida", do Governo Federal.

DIREITO FUNDAMENTAL À ALIMENTAÇÃO:


De acordo com a justificação da PEC n. 21/2001-SF, o direito à alimentação foi reconhecido pela Comissão de
Direitos Humanos da ONU, em 1993, em reunião realizada na cidade de Viena. Integrada por 52 países, e contando com
o voto favorável do Brasil, registrando apenas um voto contra (EUA), a referida Comissão da ONU com essa decisão
histórica enriqueceu a Carta dos Direitos de 1948, colocando em primeiro lugar, entre os direitos do cidadão, a alimentação
(“Artigo XXV - 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar,
inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança
em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de
seu controle.”).
Antes mesmo da EC n. 64/2010, que introduziu o direito à alimentação como direito social, no caput do art. 6º,
a Lei 11.346/2006, regulamentada pelo Decreto 7.272/2010, já havia criado o Sistema Nacional de Segurança Alimentar
e Nutricional — SISAN, com vistas a assegurar o direito humano à alimentação adequada. O art. 2.º da referida lei
define a alimentação adequada como sendo direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa
humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar
as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população.
Em sede constitucional, a alimentação é tratada nos arts. 7º, IV; 208, VII; 212, § 4º e 227. Ainda, a previsão
constante do art. 203, V, da CR/88, como medida de assistência social (LOAS), instrumentaliza o direito à alimentação,
compondo a lista do mínimo existencial.

139
23.a. Direitos fundamentais culturais. Multiculturalismo e interculturalidade. Direito à diferença e ao
reconhecimento.

Direitos fundamentais culturais. O Estado brasileiro é pluriétnico e multicultural. Fundamentos: originalmente


decorre de esforço hermenêutico, mas é reforçado pela Convenção nº 169 da OIT, pela Convenção sobre a Proteção e
Promoção da Diversidade das Expressões Culturais e pela Declaração dos Povos Indígenas.
Noção central: há grupos portadores de identidades específicas e cabe ao direito assegurar-lhes o controle de
suas próprias instituições e formas de vida, bem como seu desenvolvimento econômico, e manter e fortalecer suas
entidades, línguas e religiões no âmbito dos Estados onde moram.
Imperativo ético: a defesa da diversidade cultural passa a ser, para os Estados nacionais, um imperativo ético,
inseparável do respeito à dignidade da pessoa humana.
Os direitos culturais, incluídos na segunda geração dos direitos fundamentais, surgiram no início do século XX,
com o intuito de defender e promover basicamente o direito à educação, visto que, à época, a expressão direito cultural
estava associada à ideia de instrução. Com o passar dos anos, e graças ao processo mundial de globalização e aos
aportes teóricos do multiculturalismo, ampliou-se o conteúdo do termo cultura, sendo hoje entendido como toda
manifestação criativa e própria do sentir e pensar de um grupo social.
Os direitos fundamentais culturais são aqueles ligados às manifestações espirituais, materiais, intelectuais e
afetivas previstas ou aceitas no sistema de justiça por marcarem, de modo peculiar, a sociedade brasileira (por portarem
valores de referência ligados à identidade, memória ou ação). Assim, enquanto o direito à educação passou hoje a ser
identificado como instrução e compreendido como um direito social, conforme o previsto no art. 6º da Constituição Federal
de 1988, os direitos fundamentais culturais passaram a se referir a todas as manifestações materiais e imateriais dos
diversos grupos humanos. Foi essa a forma pela qual o constituinte brasileiro concebeu esses direitos, prevendo-os nos
artigos 215 e 216.
A Constituição de 1988 fala não só em direitos coletivos, mas também em espaços de pertencimento, em territórios,
com configuração em tudo distinta da propriedade privada. Esta, de natureza individual, tem o viés da apropriação
econômica. Já aqueles têm um viés de locus étnico e cultural. O seu artigo 216, ainda que não explicitamente, descreve-
os como espaços onde os diversos grupos formadores da sociedade nacional têm modos próprios de expressão e de
criar, fazer e viver (incisos I e II).
A CR 88 rompe a presunção positivista de um mundo preexistente e fixo, assumindo que fazer, criar e viver se dão
de forma diferente em cada cultura e que a compreensão de mundo depende da linguagem do grupo (pluralismo é um de
seus fundamentos).
Nesse cenário, a Constituição reconhece expressamente direitos específicos a índios e quilombolas, em especial
seus territórios. Mas não só a eles. Também são destinatários de direitos específicos os demais grupos que tenham formas
próprias de expressão e de viver, criar e fazer. O ensino da história brasileira, por sua vez, deve levar em conta as
contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro (art. 242, § 1º).
Os bens arqueológicos, paleontológicos ou espeleológicos são bens materiais do patrimônio cultural brasileiro e
de propriedade da União. Além disso, extrapola a competência concorrente do Estado a consideração legal de que os
bens arqueológicos, paleontológicos ou espeleológicos integram o patrimônio cultural estadual. Ademais, os bens
arqueológicos, paleontológicos ou espeleológicos devem ser tutelados por todos os entes federativos, sem que esta tarefa
os sobrecarregue desproporcionalmente. ADI 3525 / ADI 2544.

Multiculturalismo e interculturalidade. O multiculturalismo, também chamado de pluralismo cultural ou


cosmopolitismo, tenta conciliar o reconhecimento e respeito à diversidade cultural presente em todas as sociedades.
Designa a coexistência de formas culturais ou de grupos caracterizados por culturas diferentes no seio das sociedades
modernas. O quadro atual é de um direito que abandona a visão atomista do indivíduo e o reconhece como portador de
identidades complexas e multifacetadas.
Inspirado nessa compreensão, vem o Decreto 6040/2007, do Poder Executivo Federal, que institui a Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Duprat salienta que é emblemática a
composição da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT):
composta de seringueiros, fundos de pasto, quilombolas, faxinais, pescadores, ciganos, quebradeiras de babaçu,
pomeranos, índios e caiçaras, dentre outros. Aliás, antes mesmo dele, a Convenção 169 da OIT apresenta um rol de
direitos específicos a todos os grupos cujas condições sociais, econômicas e culturais os distinguem de outros setores da
coletividade nacional.
Will Kymlicka dedica sua Teoria do Multiculturalismo a analisar as culturas minoritárias, entendidas essas apenas
como nações ou povos, não obstante o autor canadense afirme não desconhecer a existência ou a importância de outros
grupos minoritários, como as mulheres, homossexuais, idosos, etc. Desse modo, Kymlicka (1996) propõe o
reconhecimento de três tipos de direitos especialmente destinados a garantir a proteção das minorias e sua inclusão na
sociedade: a) Direitos de autogoverno: a maioria das nações minoritárias tem recorrentemente reivindicado o direito a
alguma forma de autonomia política ou de jurisdição territorial. Direito esse que está previsto na Carta das Nações Unidas
de 1945, no artigo 1º, no qual se estabelece o direito de autodeterminação dos povos. b) Direitos especiais de
representação: direitos que visam garantir a participação das minorias no processo político, por meio de, por exemplo,
ações afirmativas; c) Direitos poliétnicos: dirigidos a fomentar a integração das minorias na sociedade. Esses direitos se
concretizam, por exemplo, na exigência de subvenção pública para as práticas culturais das comunidades, ou de acesso
em condições de igualdade ao intercâmbio de bens e serviços.
O multiculturalismo é um dado da realidade. Pode haver várias maneiras de se lidar com esse dado, uma das quais
é a interculturalidade – que acentua a relação entre os diferentes grupos sociais e culturais. Na nossa sociedade, os
fenômenos de apartheid social e também de apartheid cultural, em forte interrelação, se vêm multiplicando. Neste
contexto, a perspectiva intercultural se contrapõe à guetificação e quer colocar a ênfase nas relações entre diferentes
140
grupos sociais e culturais. Quer estabelecer pontes, promovendo a interação entre pessoas e grupos pertencentes a
diferentes universos culturais.
A perspectiva intercultural não é ingênua. É consciente de que nessas relações existem não só diferenças, como
também desigualdades, conflitos, assimetrias de poder. No entanto, parte do pressuposto de que, para se construir uma
sociedade pluralista e democrática, o diálogo com o outro, os confrontos entre os diferentes grupos sociais e culturais são
fundamentais e nos enriquecem a todos, pessoal e coletivamente, na nossa humanidade, nas nossas identidades, nas
nossas maneiras de ver o mundo.
A interculturalidade aposta na relação entre grupos sociais e étnicos. Não elide os conflitos. Enfrenta a
conflitividade inerente a essas relações. Favorece os processos de negociação cultural, a construção de identidades de
“fronteira”, “híbridas”, plurais e dinâmicas, nas diferentes dimensões da dinâmica social. A perspectiva intercultural quer
promover uma educação para o reconhecimento do “outro”, para o diálogo entre os diferentes grupos sociais e culturais.
Uma educação para a negociação cultural. Uma educação capaz de favorecer a construção de um projeto comum, onde
as diferenças sejam dialeticamente integradas e sejam parte desse patrimônio comum. A perspectiva intercultural está
orientada à construção de uma sociedade democrática, plural, humana, que articule políticas de igualdade com políticas
de identidade.

Direito à diferença e ao reconhecimento. Fases do princípio da igualdade - 1a fase: igualdade formal; 2a fase:
igualdade material; 3a fase: igualdade como reconhecimento. O direito à diferença pressupõe o direito a ser igual quando
a desigualdade nos inferioriza e o direito a ser diferente quando a igualdade nos descaracteriza.
O princípio da igualdade impõe que todas as pessoas devem ser tratadas pelo Estado com o mesmo respeito e
consideração (Dworkin). E tratar a todos com o mesmo respeito e consideração significa reconhecer que todas as pessoas
possuem o mesmo direito de formular e de perseguir autonomamente os seus planos de vida e de buscar a própria
realização existencial, desde que isso não implique a violação de direitos de terceiros.
Em princípio, a inserção do Estado na vida desses grupos deve respeitar primeiramente o fato de que “grupos
étnicos são categorias atributivas e identificadoras empregadas pelos próprios atores” (Barth 2000:27), razão de a
Constituição lhes assegurar auto-representação (art. 216, I), uma vez que formas de expressão são conjuntos de signos
por meios dos quais se revela a representação da realidade (Foulcaut 1966: 89). Assim, requer-se que a coletividade
possa se reconhecer em suas formas de expressão, sob pena de lhes negar realidade, o que implica dizer que a
representação da realidade partilhada envolve necessariamente a representação de si própria, ou seja, a
autocompreensão do grupo. Dessa forma, interdita-se ao legislador, ao administrador, ao juiz e a qualquer outro ator
estranho ao grupo dizer o que este é de fato.
Corolário do mesmo preceito constitucional é o banimento definitivo das categorias, positivadas no ordenamento
jurídico pretérito no trato da questão indígena, de aculturados ou civilizados. Isso ocorre seja porque a noção de cultura
como totalidade, como perfeita coerência de crenças unívoca e homogeneamente partilhadas, é ultrapassada, seja
porque, nas relações interétnicas, as situações de contato não significam o abandono dos códigos e valores que orientam
cada grupo, verificando-se antes a possibilidade de articulação em alguns setores ou domínios específicos de atividades,
mantidas as proscrições de interações tendentes a proteger partes de sua cultura da confrontação e da modificação (Barth
2000:35).
União estável de pessoas do mesmo sexo: Direito ao reconhecimento. Dignidade da pessoa humana: quando se
quer proteger e emancipar os grupos que são vítimas de preconceito, torna-se necessário travar o combate em dois fronts
- no campo da distribuição e no campo do reconhecimento. No campo da distribuição, trata-se de corrigir as desigualdades
decorrentes de uma partilha não equitativa dos recursos existentes na sociedade. E no campo do reconhecimento, cuida-
se de lutar contra injustiças culturais, que rebaixam e estigmatizam os integrantes de determinados grupos.
Como a homossexualidade está distribuída homogeneamente por todas as classes sociais, a injustiça contra os
homossexuais deriva muito mais da falta de reconhecimento do que de problemas de distribuição. A distribuição até pode
ser afetada, como quando, por exemplo, discrimina-se o homossexual no acesso ao mercado de trabalho, mas os
problemas de distribuição são, em regra, uma consequência da falta de reconhecimento - e não o contrário.
Cotas: O direito antidiscriminação é composto pela perspectiva antidiferenciação (combater discriminação com
tratamento neutro – sem ações afirmativas) e perspectiva antisubordinação (combater a discriminação com atuação apta
a superá-la, com ações afirmativas). Esta é mais harmônica com o sistema de valores em que se assenta a Constituição
brasileira, bem como a mais consentânea com a realidade de um país fortemente marcado pela desigualdade, em todas
as suas dimensões.

141
23.b. Súmula vinculante. Legitimidade e críticas. Mecanismos de distinção.

Chama-se súmula um verbete que registra a interpretação pacífica ou majoritária adotada por um Tribunal a
respeito de um tema específico, a partir do julgamento de diversos casos análogos, com a dupla finalidade de tornar
pública a jurisprudência para a sociedade e de promover a uniformidade das decisões. Ela será vinculante porque o
entendimento nela veiculado será obrigatório a todos os outros tribunais e juízes, bem como à Administração Pública
Direta e Indireta. Na prática, adquire força de lei, criando um vínculo jurídico e possuindo efeito erga omnes. A súmula
vinculante foi criada em 30 de dezembro de 2004, com a Emenda Constitucional n° 45, que adicionou o artigo 103-A à
Constituição Brasileira.
Observe-se que a referida espécie de súmula não vincula o Poder Legislativo, sob pena de se criar uma indesejável
petrificação legislativa, nem o próprio STF (plenário), que pode alterar o seu entendimento esposado em súmula vinculante
através de votação que obedeça ao mesmo quórum necessário à sua aprovação inicial (2/3 dos seus membros).
Common law: tradição da vinculação dos precedentes. Com a previsão do controle abstrato de constitucionalidade
no direito brasileiro, criou-se a possibilidade de o próprio STF conferir efeitos erga omnes à sua decisão. No entanto, o
controle difuso continuava apenas com vinculação inter partes. Por isso, surge a súmula vinculante.
Distinção entre a súmula vinculante e a súmula da jurisprudência dominante do STF – acerca disso, salienta Uadi
Lâmmego Bulos as diferenças entre ambas: A comum não vincula os órgãos do Judiciário, nem do Executivo; já a
vinculante vincula os órgãos do Judiciário e da Administração Pública, direta e indireta de todas as esferas. A comum
funciona como precedentes judiciais, que podem ou não ser adotados; enquanto a vinculante padroniza a exegese de
uma norma jurídica. A comum possui eficácia entre as partes - quando acatada; já a vinculante tem eficácia irrestrita -
erga omnes.
Súmulas não vinculantes: Gilmar Mendes observa que a súmula não vinculante já possui um perfil indiretamente
obrigatório, uma vez que, por conta dos recursos, constitui instrumento de autodisciplina do STF, que somente deverá
afastar-se da orientação nela preconizada de forma expressa e fundamentada.
Requisitos para aprovação da súmula vinculante: I – Quórum de 2/3 dos membros do STF; II – Reiteradas decisões
sobre matéria constitucional (a súmula vinculante só deve ser editada quando o debate estiver maduro); III – A não
pacificação da controvérsia deve gerar prejuízo à segurança jurídica.
Legitimidade para propor a criação: os da ADI, mais o Defensor Público Geral da União e os Tribunais Superiores,
os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais
Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares, observada a pertinência temática. O
Município poderá propor, incidentalmente ao curso de processo em que seja parte, a edição, a revisão ou o cancelamento
de enunciado de súmula vinculante, o que não autoriza a suspensão do processo (Lei nº 11.417/2006).
Processo administrativo: Se o recorrente alegar que a decisão administrativa contraria enunciado da súmula
vinculante, caberá à autoridade prolatora da decisão impugnada, se não a reconsiderar, explicitar, antes de encaminhar
o recurso à autoridade superior, as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso.
Vantagens: I – Ajuda a combater a morosidade da justiça (celeridade); II – Impede a divergência jurisprudencial
(uniformização); III – A possibilidade de os legitimados requererem também o cancelamento ou a revisão da súmula, o
que combateu muitos dos críticos que diziam que haveria uma cristalização do direito constitucional; a própria amplitude
da legitimação foi salutar. Críticas: I – Ataca a independência dos juízes; II – Engessamento da jurisprudência. O efeito
vinculante seria incompatível com o princípio da livre convicção do juiz e do juiz natural, tornando as demais instâncias
judiciais meras “carimbadoras” da decisão do Supremo. III - Atribui função Legislativa ao Judiciário, contrariando o
princípio da separação dos poderes; IV - Concentra poder nos Tribunais Superiores; e V - Restringe o direito constitucional
de ação.
Distinção entre a súmula vinculante e a súmula impeditiva de recursos: A súmula vinculante engloba não só o
sentido interpretativo e imperativo da súmula, mas também os fundamentos invocados para se chegar a ela. Todavia,
ainda que o magistrado venha a decidir em igual sentido ao que consta da súmula vinculante (o que não pode deixar de
fazer, sob pena de o interessado ajuizar reclamação), mesmo assim deverá fundamentar esta decisão, não só para
atender o art. 93, inciso IX, da CRFB-88, mas, principalmente, para demonstrar que o caso que se encontra sendo
examinado coincide exatamente com os fundamentos das decisões que autorizaram a criação do verbete sumular.
Já a súmula impeditiva de recursos pode eventualmente (já que o seu uso não é obrigatório) ser empregada pelo
magistrado para fundamentar a negativa de seguimento de qualquer recurso já interposto que a contrarie, sem gerar
qualquer restrição ao direito de recorrer. Não se trata, com toda evidência, de instituto tendente a limitar o direito de
recorrer, mas sim de uma técnica de sumarização do processamento do recurso, quando este tiver fundamento contrário
ao de um verbete sumular. Além disso, deve ser destacado que esta súmula, que dispensa qualquer procedimento
especial para a sua criação, ficou em evidência após a alteração promovida pela Lei nº 11.276/06 ao art. 518 do CPC,
que possibilitou a sua aplicação diretamente pelo próprio juiz monocrático, muito embora limitada apenas às súmulas do
STF e do STJ.

142
23.c. Direitos fundamentais processuais: acesso à justiça, devido processo legal, contraditório, ampla
defesa, vedação de uso de provas ilícitas, juiz natural e duração razoável do processo.
Introdução - Direitos fundamentais processuais: O processo tem que ser construído para bem tutelar os direitos
fundamentais, sendo estruturado de acordo com as normas a eles referentes. É nesse cenário que se apresentam os
Direitos fundamentais processuais.
Acesso à justiça: Constitui direito fundamental reconhecido em diversos documentos internacionais e também
incorporado aos ordenamentos constitucionais de diversos países que adotaram como regime político a democracia. No
âmbito internacional, cumpre destacar a previsão contida no art. 18 da Declaração Americana dos Direitos do Homem de
1948 e o art. VIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro do mesmo ano. No mesmo sentido,
o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 (art. 2º.3, letras “a”, “b” e “c”) e a Convenção Americana de
Direitos Humanos (Pacto de San José de 1969, art.8º, 1, da CADH). Na CRFB/88, o acesso à Justiça foi alçado à garantia
de direito fundamental individual (art. 5º, XXXV), voltada a proteger o cidadão contra lesão ou ameaça (tutela de prevenção
ou inibitória) proveniente do Poder Público ou de particulares.
Mauro Cappelletti e Bryant Garth dividem o estudo do “acesso à Justiça” em três momentos bastante definidos, a
que denominam “ondas de acesso à justiça”. A primeira delas voltou-se essencialmente para garantir o acesso de pessoas
economicamente desfavorecidas ao Judiciário, o que foi feito através de mecanismos de assistência judiciária gratuita e
eliminação/redução dos custos de acesso ao sistema judicial (no Brasil, a edição da Lei nº 1.060/50) e criação de órgãos
estatais incumbidos de assistir a população (v.g. Defensoria Pública). A 2ª onda é marcada pela preocupação de ofertar
mecanismos de proteção aos direitos supraindividuais, vocacionados à tutela da defesa do meio-ambiente, dos
consumidores, do patrimônio cultural, histórico e artístico, moralidade administrativa (ex.: ação civil pública). Por fim, a 3ª
onda de acesso caracterizou-se pelo fomento às medidas de efetivação de direitos por meio de mecanismos alheios à
estrutura judicial do Estado, resgatando os meios extrajudiciais de composição dos conflitos (arbitragem, juízos de
conciliação, mediação. A respeito, ver: (i) a Lei 13.129/2015, que reforma alguns pontos da Lei de Arbitragem; (ii) a Lei
13.140/2015, que regula a mediação; e (iii) os artigos 156 e ss. do NCPC).
As chamadas “100 Regras de Brasília”, fruto do trabalho das Cortes Superiores de Justiça dos países
Iberoamericanos, aprovadas por ocasião da XIV Cúpula Judicial Iberoamericana, realizada em 2008, foram elaboradas à
luz dessas perspectivas das ondas de acesso à Justiça. A elaboração das citadas regras contou com a participação da
Associação Ibero-americana de Ministérios Públicos. Em suma, os princípios de Brasília exprimem a intenção de se
promover uma política judicial que atenda às especificidades de grupos vulneráveis à luz das regras internacionais de
direitos humanos. Entende-se por vulneráveis aquelas pessoas que, por razão da sua idade (v.g., crianças, adolescentes
e idosos), gênero, estado físico ou mental, ou por circunstâncias sociais (ex: vítimas de delito), econômicas, étnicas e/ou
culturais (ex: comunidades indígenas), encontram especiais dificuldades em exercitar com plenitude, perante o sistema
de justiça, os direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico.
Foi efetivamente com a Constituição Federal de 1988 que o acesso à justiça tomou contornos transformadores e
conferiu aos jurisdicionados as garantias do pleno acesso à justiça, do devido processo legal, do juiz natural, do
contraditório e da ampla defesa, dentre outros.
Devido processo legal: Possui origem na previsão contida na Magna Carta de João Sem Terra, de 1215, que
utilizava a expressão “law of the land”. A expressão “due process of law” surgiu para designar o devido processo legal
somente em lei inglesa do ano de 1354. Acrescente-se, no ponto, que o termo “devido processo legal” foi cunhado,
constitucionalmente, com a CF de 1988, já que todas as outras Constituições brasileiras a ele não fizeram menção,
limitando-se a enunciar princípios, garantias e direitos correlatos.
“Law” significa direito, e não lei. O devido processo legal é um processo em conformidade com o direito como um
todo, com a lei em sentido amplo, abrangendo a CF. Alguns autores não falam mais em devido processo legal, e sim em
devido processo constitucional.
É uma cláusula geral, prevista no artigo 5º, LIV, da CF. Trata-se de supraprincípio/princípiobase/protoprincípio,
norteador de todos os demais que devem ser observados no processo. Aplica-se atualmente como fator limitador do poder
de legislar da Administração Pública, bem como para garantir o respeito aos direitos fundamentais nas relações jurídicas
privadas. É percebido sob duas óticas: devido processo substancial (“substantive due process”) e devido processo legal
formal (“procedural due process”). No sentido substancial, diz respeito ao campo de elaboração e interpretação das
normas jurídicas, evitando-se a atividade legislativa abusiva e irrazoável e ditando uma interpretação razoável quando da
aplicação concreta das normas jurídicas. É campo para a aplicação dos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade, funcionando sempre como controle das arbitrariedades do Poder Público. No sentido formal, encontra-
se a tradicional definição constitucional do princípio, dirigido ao processo em si, obrigando-se o juiz a observar os
princípios processuais na condução do instrumento estatal oferecido aos jurisdicionados para a tutela de seus direitos
materiais. Contemporaneamente, o devido processo legal vem associado à ideia de um processo justo, que permite a
ampla participação das partes e a efetiva proteção de seus direitos.
Contraditório: Processo é procedimento organizado em contraditório, ou seja, processo é um conjunto de atos
tendentes a uma decisão final em que os sujeitos desses atos participam e podem influenciar nesta decisão. O
contraditório tem uma dupla dimensão (formal e substancial): A dimensão formal do princípio do contraditório é a que
garante às partes o direito de participar do processo; é o direito de ser ouvido (de participar). Esta garantia é puramente
formal, isto é, basta participar para preencher o requisito. Em uma acepção material, substancial, o contraditório é o poder
de influência, a qual garante às partes o direito de intervir no conteúdo da decisão. Não basta a mera participação. É
preciso que esta participação permita o convencimento do juiz, como, por exemplo, o direito à produção de provas, de
constituir um advogado/acesso a um defensor público, etc.
Assim, o contraditório, que decorre do protoprincipío do devido processo legal, se revela como a necessidade de
se dar conhecimento da existência da ação e dos atos do processo ou procedimento às partes ou interessados, assim
como a possibilidade destes ofertarem reação aos atos que lhe sejam desfavoráveis. Ele garante aos litigantes o direito
de ação e o direito de defesa, respeitando a igualdade que deve haver entre as partes. Deve-se evitar o contraditório
143
inútil, pois ele é dirigido à proteção das partes durante a demanda, não se devendo reconhecer nulidade se não houve
prejuízo à parte a quem o contraditório visa proteger.
Por fim, imperioso destacar que o contraditório, em relação ao processo penal, tem um sentido real, efetivo e
substancial, na medida em que o interesse público de ver garantida a “verdade real” é bem mais explícito e veemente do
que no processo civil.
Ampla defesa: Conjunto de meios adequados ao exercício do contraditório. Consiste em defesa técnica (efetuada
por profissional) e autodefesa (realizada pelo próprio imputado e consiste no direito de audiência, ou seja, de ser ouvido,
e direito de presença aos atos) – complementam-se, uma não suprindo a outra (RE 602543-RG-QO). A defesa tem que
ser efetiva. Ex.: súmulas nº 523, 705 e 707 STF.
A relevância da ampla defesa é ressaltada desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que fez sobre ele
expressa menção no art. XI, 1. A ampla defesa assegura, ainda, a possibilidade de serem interpostos recursos contra as
decisões que deixaram de acolher as argumentações e/ou provas deduzidas em Juízo ou nas querelas
particulares. Integram, portanto, a ampla defesa: - o direito de conhecer a argumentação da parte contrária; o direito de
contra-argumentar; - o direito de provar a contra-argumentação; - o direito de recorrer, no caso de não acolhimento da
contra- argumentação.
Vedação de uso de provas ilícitas: A ação persecutória do Estado, para revestir-se de legitimidade, não pode
apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do “due process of
law” - que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções
concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo.
No direito brasileiro, o uso de prova ilícita é vedado por força do art. 5°, inc. LVI, da CF/88, e pelo art. 157 do CPP,
que foi inserido pela Lei n° 11.690/08 e reforça a inadmissibilidade da utilização da prova ilícita e da prova ilícita por
derivação.
Provas ilícitas são aquelas que violam disposições de direito material ou princípios constitucionais. Ex: confissão
obtida mediante tortura, interceptação telefônica realizada sem autorização judicial. Por outro lado, provas ilegítimas são
as que violam normas processuais e princípios constitucionais da mesma espécie. Ex: laudo pericial subscrito por apenas
um perito não oficial. No entanto, a Constituição e a Lei n. 11.690/08 não fizeram essa distinção promovida pela doutrina,
reputando o art. 157 do CPP, caput, como ilícitas aquelas provas obtidas em violação a normas de caráter constitucional
ou infraconstitucional, as quais, por consequência, devem ser desentranhadas do processo.
Portanto, a regra é a inadmissibilidade da prova ilícita em forma de garantia constitucional. Contudo, não se pode
sustentar que o direito constitucional à prova ilícita seja ilimitado e absoluto. Acompanhando a argumentação do autor
Marcelo Abelha Rodrigues (2010, p.19), pode-se observar que existem situações “[...] em que a importância do bem
jurídico envolvido no processo e a ser alcançado com a obtenção irregular da prova levará os tribunais a aceitá-la”. Ao se
referir à admissibilidade da prova ilícita no âmbito processual, Aury Lopes Junior (2010) destaca as teorias da
admissibilidade, da inadmissibilidade absoluta e da admissibilidade em nome do princípio da proporcionalidade. A primeira
não merece ser acolhida, uma vez que permite o uso indiscriminado da prova ilícita, violando os direitos fundamentais; a
segunda representa o outro extremo, na medida em que defende a absoluta inadmissibilidade das provas ilícitas em nome
da letra da lei, hipótese que poderia levar a certas situações de injustiça - a exemplo da condenação de um inocente por
crime não cometido. Relativizando a garantia da proibição da utilização de provas ilícitas na seara processual, a teoria da
admissibilidade em nome do princípio da proporcionalidade merece ser considerada.
Teorias sobre o tema “provas ilícitas”: 1. Teoria dos frutos da árvore envenenada (“fruits of the poisonous tree”): O
meio probatório que, não obstante produzido validamente em momento posterior, encontra-se afetado pelo vício da
ilicitude originária, que a ele se transmite, contaminando-o por efeito de repercussão causal. 2. Teorias decorrentes: 2.1.
Teoria da fonte independente (“independent source doctrine”): se o órgão da persecução penal demonstrar que obteve
legitimamente novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova, que não guarde qualquer relação
de dependência, nem decorra da prova originariamente ilícita, tais dados probatórios são admissíveis, pois não
contaminados pelo vício da ilicitude originária. Essa teoria é aplicada pelo STF (HC 83.921) e pelo STJ (RHC 90.376). 2.1
Teoria da descoberta inevitável: aplicável caso se demonstre que a prova derivada da ilícita seria produzida de qualquer
maneira, independentemente da prova ilícita originária. Para a aplicação dessa teoria, não é possível se valer de dados
meramente especulativos, sendo indispensável a existência de dados concretos confirmando que a descoberta seria
inevitável. Sustenta-se que sua previsão legal está no art. 157, § 2º, CPP. 2.3. Teoria do nexo causal atenuado: opera-se
quando um ato posterior, totalmente independente, retira a ilicitude originária. O nexo causal entre a prova primária e a
prova secundária é atenuado não em razão de circunstância da prova secundária possuir existência independente
daquela, mas sim em virtude do espaço temporal decorrido entre uma e outra, bem com as circunstâncias intervenientes
no conjunto probatório. 2.4. Teoria do encontro fortuito de provas: aplica-se quando a autoridade policial, cumprindo uma
diligência, casualmente encontra provas que não estão na linha de desdobramento normal da investigação. Se esse
encontro for casual, a prova será lícita; se houver desvio de finalidade, a prova será ilícita (veja-se, no STF, o HC 83.515).
Juiz natural: É extraído do devido processo legal e dos incisos XXXVII e LIII do art. 5º da CF. O direito brasileiro
adota o princípio em suas duas vertentes fundamentais: a) vedação ao tribunal de exceção (criado para fins específicos,
ex.: Tribunal de Nuremberg) e b) competência constitucional em razão da matéria e em razão da prerrogativa de função.
STF (HC 91253): a criação de varas especializadas não fere o principio do juiz natural. STJ (HC 109459)/STF (RE
597133/RS): O julgamento por colegiado integrado, em sua maioria, por magistrados de primeiro grau convocados não
viola o princípio do juiz natural ou o duplo grau de jurisdição. Também pode contemplar a obrigatoriedade do juiz imparcial.
Identidade física do juiz no processo penal (além dos jurados) – uma terceira vertente em formação? Art. 399, §2°, CPP
c/c art. 132, CPC.
Reclamação 417 do STF: O Estado de Roraima foi criado pela CF de 1988. As ações judiciais, antes da
promulgação da CF, eram remetidas ao tribunal dos territórios. Após a formação do Estado de Roraima, foi criado o
Tribunal de Justiça, sendo este composto por poucos juízes. Após a transferência dos processos do Tribunal dos
Territórios para o TJ de Roraima, houve a interposição de uma ação civil pública contra o ato do Judiciário deste novo

144
ente da Federação, em que todos os juízes deste tribunal figuraram como réus. O STF disse que não havia juiz natural
naquele Estado, por falta de independência, a qual é necessária para a imparcialidade.
Duração razoável do processo: A Convenção Americana de Direitos Humanos, no artigo 8, I, prevê esse
princípio, incluído em nossa Constituição pela EC 45/2004. Previsão também no Tratado de Roma. O processo não
precisa necessariamente ser célere: deve demorar o tempo necessário e adequado à solução do caso submetido ao órgão
jurisdicional. A Corte Europeia dos Direitos do Homem firmou entendimento de que, respeitadas as circunstâncias de
cada caso, devem ser observados três critérios para se determinar a duração razoável do processo, quais sejam: a)
complexidade do assunto; b) o comportamento dos litigantes e de seus procuradores ou da acusação e da defesa no
processo; (c) a atuação do órgão jurisdicional.
Com efeito, existe um direito fundamental à duração razoável do processo. Todavia, conquistou-se, ao longo da
história, um direito à demora na solução dos conflitos. A partir do momento em que se reconhece a existência de um
direito fundamental ao processo, está-se reconhecendo, implicitamente, o direito de que a solução do conflito deve
cumprir, necessariamente, uma série de atos obrigatórios, que compõem o conteúdo mínimo do devido processo legal. A
exigência do contraditório, o direito à produção de provas e aos recursos, certamente, atravancam a celeridade, mas são
garantias que não podem ser desconsideradas ou minimizadas. É preciso fazer o alerta para evitar discursos autoritários,
que pregam a celeridade como valor insuperável.

145
24.a. Neoconstitucionalismo. Constitucionalização do Direito e judicialização da política.

Neoconstitucionalismo. A doutrina passa a desenvolver, a partir do pós-2ª Guerra Mundial, uma nova perspectiva
em relação ao constitucionalismo, denominada neoconstitucionalismo, ou, segundo alguns, constitucionalismo pós-
moderno, ou, ainda, pós-positivismo. Busca-se, dentro dessa nova realidade, não mais apenas atrelar o
constitucionalismo à ideia de limitação do poder político, mas, acima de tudo, buscar a eficácia da Constituição, deixando
o texto de ter um caráter meramente retórico e passando a ser mais efetivo, especialmente diante da expectativa de
concretização dos direitos fundamentais.
“(…) o neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na acepção aqui desenvolvida, identifica um conjunto
amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i)
como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas
finais do século XX; (ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a
reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da
Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação
constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito”
(Luis Roberto Barroso).
“O instante atual é marcado pela superioridade da Constituição, a que se subordinam todos os poderes por ela
constituídos, garantida por mecanismos jurisdicionais de controle de constitucionalidade. A Constituição, além disso, se
caracteriza pela absorção de valores morais e políticos (fenômeno por vezes designado como materialização da
Constituição), sobretudo em um sistema de direitos fundamentais. Tudo isso sem prejuízo de se continuar a afirmar a
ideia de que o poder deriva do povo, que se manifesta ordinariamente por seus representantes. A esse conjunto de fatores
vários autores, sobretudo na Espanha e na América Latina, dão o nome de neoconstitucionalismo” (Gilmar Mendes).
Duas vertentes: a) modelo constitucional (conjunto de mecanismos normativos e institucionais) – é o
constitucionalismo democrático pós-guerra, com a expansão da jurisdição constitucional; e b) teoria, ideologia e método
do direito. Neoconstitucionalismo: b.1) teórico: limita-se a descrever os resultados da constitucionalização. Caracterizado
por uma constituição ‘invasora’, catálogo de direitos fundamentais, onipresença de princípios e regras, peculiaridades na
interpretação/aplicação das suas normas. Afasta a estatalidade, o legicentrismo (a constituição passa a ser norma jurídica
vinculante) e o formalismo interpretativo. Há duas vertentes: mantém o método positivista com objeto parcialmente
modificado ou propõe uma mudança radical de método (pós-positivismo); b.2) ideológico: põe em 1º plano a garantia dos
direitos fundamentais, em detrimento do objetivo da limitação do poder estatal (traço do constitucionalismo ‘clássico’),
porque o poder estatal não é visto mais com temor, mas como aliado e necessário à implementação dos direitos
fundamentais. Não se limita a descrever, valora positivamente e defende sua ampliação; b.3) Metodológico: especialmente
em Alexy e Dworkin, conexão necessária entre direito e moral (leitura moral da constituição). Entronização de valores na
interpretação jurídica com o reconhecimento da normatividade dos princípios, reabilitação da razão prática e da
argumentação jurídica (Comanducci, 2005).

Constitucionalização do Direito. A ideia de constitucionalização do Direito está associada a um efeito expansivo


das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema
jurídico. Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam
a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional. Como intuitivo, a
constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes, inclusive e notadamente nas suas relações com os
particulares. Porém, mais original ainda: repercute, também, nas relações entre particulares.
Relativamente ao Legislativo, a constitucionalização (i) limita sua discricionariedade ou liberdade de conformação
na elaboração das leis em geral e (ii) impõe-lhe determinados deveres de atuação para realização de direitos e programas
constitucionais. No tocante à Administração Pública, além de igualmente (i) limitar-lhe a discricionariedade e (ii) impor a
ela deveres de atuação, ainda (iii) fornece fundamento de validade para a prática de atos de aplicação direta e imediata
da Constituição, independentemente da interposição do legislador ordinário. Quanto ao Poder Judiciário, (i) serve de
parâmetro para o controle de constitucionalidade por ele desempenhado (incidental e por ação direta), bem como (ii)
condiciona a interpretação de todas as normas do sistema. Por fim, para os particulares, estabelece limitações à sua
autonomia da vontade, em domínios como a liberdade de contratar ou o uso da propriedade privada, subordinando-a a
valores constitucionais e ao respeito a direitos fundamentais.

Judicialização da política. Esse fenômeno, segundo a literatura que tem se dedicado ao tema, apresenta dois
componentes: (1) um novo "ativismo judicial", isto é, a expansão do escopo das questões sobre as quais eles devem
formar juízos jurisprudenciais (muitas dessas questões até recentemente ficavam reservadas ao tratamento dado pelo
Legislativo ou pelo Executivo); e (2) o interesse de políticos e autoridades administrativas em adotar (a) procedimentos
semelhantes ao processo judicial e (b) parâmetros jurisprudenciais em suas deliberações (muitas vezes, o Judiciário é
politicamente provocado a fornecer esses parâmetros).
Tal "expansão" do poder das cortes judiciais seria o resultado de diversas características do desenvolvimento
histórico de instituições nacionais e internacionais e de renovação conceitual em disciplinas acadêmicas. Assim, por
exemplo, a reação democrática em favor da proteção de direitos e contra as práticas populistas e totalitárias da II Guerra
Mundial na Europa; a influência da atuação da Suprema Corte americana (especialmente a chamada Warren Court, nos
anos 50-60); a tradição europeia (kelseniana) de controle da constitucionalidade das leis; os esforços de organizações
internacionais de proteção de direitos humanos, sobretudo a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos da
ONU, de 1948.
Do ponto de vista do processo político como um todo, a judicialização da política contribui para o surgimento de
um padrão de interação entre os Poderes (epitomizado no conflito entre tribunais constitucionais e o Legislativo ou
Executivo) que não é necessariamente deletério da democracia. A ideia é, ao contrário, que democracia constitui um
146
"requisito" da expansão do poder judicial. Nesse sentido, a transformação da jurisdição constitucional em parte integrante
do processo de formulação de políticas públicas deve ser vista como um desdobramento das democracias
contemporâneas.
A judicialização da política ocorre porque os tribunais são chamados a se pronunciar onde o funcionamento do
Legislativo e do Executivo se mostram falhos, insuficientes ou insatisfatórios. Sob tais condições, ocorre uma certa
aproximação entre Direito e Política e, em vários casos, torna-se mais difícil distinguir entre um "direito" e um "interesse
político", sendo possível se caracterizar o desenvolvimento de uma "política de direitos".
Essa condição institucional de introdução da jurisdição (sobretudo a das cortes constitucionais) no processo de
formulação de políticas públicas é em parte auxiliada pelas regras orgânicas dos tribunais ou do Poder Judiciário como
um todo. Assim, regras referentes ao recrutamento, composição, competências e procedimentos dos diversos órgãos e
poderes, e especialmente do tribunal constitucional, são importantes para a judicialização da política. Na França, por
exemplo, o fato de que os nove membros da Corte Constitucional sejam nomeados, em partes iguais, pelo Presidente da
República (três), pelo Presidente da Assembleia Nacional (três) e pelo Presidente do Senado (três) auxiliou na politização
da justiça.
Milton Nobre, citando Luís Roberto Barroso, aduz que "há causas diversas para o fenômeno [Judicialização]. A
primeira delas é o reconhecimento da importância de um judiciário forte e independente, como elemento essencial para
as democracias modernas. Como conseqüência operou-se uma vertiginosa ascensão institucional de juízes e tribunais,
tanto na Europa como em países da América Latina, particularmente no Brasil. A segunda causa envolve certa desilusão
com a política majoritária, em razão da crise de representatividade e de funcionalidade dos parlamentos em geral. Há
uma terceira: atores políticos, muitas vezes, preferem que o judiciário seja a instância decisória de certas questões
polêmicas, em relação às quais exista desacordo moral razoável da sociedade. Com isso, evitam o próprio desgaste na
deliberação de temas divisivos, como uniões homoafetivas, interrupção de gestação ou demarcação de terras indígenas.
No Brasil, o fenômeno assumiu proporção ainda maior, em razão da constitucionalização abrangente e analítica -
constitucionalizar é, em última análise, retirar o tema do debate político e trazê-lo para o universo das pretensões
judicializáveis - e do sistema de controle de constitucionalidade vigente entre nós, em que é amplo o acesso ao Supremo
Tribunal Federal por via de ações diretas". (BARROSO, 2011, p. 361-362 apud NOBRE, 2011, p. 359).

147
24.b. Estatuto constitucional dos agentes políticos. Limites constitucionais da investigação
parlamentar. Crimes de responsabilidade. Controle social, político e jurisdicional do exercício do
poder. O princípio republicano.

Estatuto constitucional dos agentes políticos. Agentes políticos são os titulares dos cargos estruturais da
organização política do País, ou seja, ocupantes dos cargos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o
esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do Estado.
O Estatuto do Congresso Nacional vem previsto a partir do art. 53 da CRFB. É o conjunto de regras diversas do
direito comum previstas na Constituição que dão aos parlamentares direitos, prerrogativas, deveres e incompatibilidades.
Quanto às prerrogativas, ressalta-se: a) imunidade material (são invioláveis civil e penalmente por opiniões, palavras e
votos); b) imunidades formais: b.1) prerrogativa de foro; b.2) não ser preso ou não permanecer preso; b.3) possibilidade
de sustar o processo penal em curso contra ele – art. 53, § 3º, CF; b.4) limitação quanto ao dever de testemunhar; b.5)
isenção de serviço militar. Tais prerrogativas são irrenunciáveis (Ruy Barbosa, citado por BULOS, p. 776).
Objetivo: assegurar independência no exercício das atribuições do Legislativo (fiscalizar e inovar na ordem
jurídica). Por simetria, aplicam-se as mesmas prerrogativas aos deputados estaduais e distritais (art. 27, § 1º, CF). Atenção
às hipóteses de perda e cassação do mandato parlamentar (art. 55, CF).

Limites constitucionais da investigação parlamentar. A CPI atua como longa manus do Poder Legislativo. Por
isso, sujeita-se ao controle jurisdicional originário do STF. Alguns atos a CPI pode determinar diretamente, sem integração
do Judiciário, em razão de seus poderes instrutórios. São eles (art. 2°, Lei 1.579/52):

1) Notificação de testemunhas, investigados e convidados ― o cidadão comparece perante a CPI ostentando


uma destas qualidades. O investigado também é tratado como indiciado.
2) Condução coercitiva de testemunha ― a testemunha virá depor debaixo de vara.
3) Realização de exames, vistorias e perícias.
4) Afastar o sigilo bancário, fiscal e de registros telefônicos do cidadão ― a CRFB permite a quebra do sigilo
sem a necessidade de autorização judicial. Este ato só pode ser determinado pelas CPIs do Congresso, da Câmara dos
Deputados, do Senado Federal e da Assembleia Legislativa. As CPIs de Câmaras Municipais não têm autoridade para
afastar sigilo bancário e fiscal diretamente, segundo o STF. Entendendo pela necessidade da quebra de sigilo, a CPI
municipal deverá se socorrer do Poder Judiciário. A decisão da CPI em quebrar os sigilos deve sempre ser fundamentada
(art. 93, IX – se o juiz deve fundamentar sua decisão, a CPI também deve, pois está de posse de poderes de autoridade
judicial). A CPI pode afastar o sigilo, mas deve obediência ao princípio da colegialidade: quem determina a quebra é toda
a CPI, e não o seu presidente. A quebra do sigilo telefônico refere-se somente aos dados de chamadas telefônicas, e não
ao teor das conversas.

A CPI não pode, por não deter autoridade para tanto (é necessária autorização judicial – reserva constitucional de
jurisdição):
5) Expedir mandado de prisão.
6) Expedir mandado de busca e apreensão.
7) Expedir mandado de interceptação telefônica ― de acordo como art. 5º, XII, da CRFB, somente o juiz pode
determinar a interceptação telefônica. A CPI pode, no entanto, oficiar diretamente à companhia telefônica solicitando
dados telefônicos.

Segundo Uadi Lammêgo Bulos, são limites constitucionais formais das CPI: (i) impossibilidade de investigar fato
indeterminado; (ii) impossibilidade de renegar o quorum constitucional (um terço dos membros da Casa para sua criação);
(iii) impossibilidade de exceder prazo certo, que pode ser prorrogado - o STF já entendeu, em votação não unânime, que
podem existir prorrogações sucessivas dentro da mesma legislatura, conforme prevê a Lei n. 1.579/52; (iv) impossibilidade
de desvirtuamento do âmbito funcional: os poderes são apenas investigatórios. Não podem acusar, devendo enviar suas
conclusões ao MP.
São limites constitucionais materiais: (i) separação de poderes; (ii) Estado democrático de direito; (iii) reserva
constitucional de jurisdição; (iv) direitos e garantias fundamentais; (v) princípio republicano; (vi) não poderá também invadir
área de competência de Estados e Municípios (MENDES et alli, p. 903); (vii) segundo o STF, cabe à CPI apurar apenas
fatos relacionados à Administração (BULOS, p. 801).

Crimes de responsabilidade. Crimes de responsabilidade são infrações político-administrativas definidas na


legislação federal, cometidas no desempenho da função, que atentam contra a existência da União, o livre exercício dos
Poderes do Estado, a segurança interna do país, a probidade na Administração, a lei orçamentária, o exercício dos direitos
políticos, individuais e sociais e o cumprimento das leis e das decisões judiciais. O rol do art. 85 da Constituição é
meramente exemplificativo. As sanções estão previstas no art. 52, parágrafo único: perda do cargo e inabilitação, por oito
anos, para o exercício de qualquer função pública (inclusive cargos de natureza política: STF, RE 234.223).
Para apuração dos crimes de responsabilidade do Presidente da República, o processo divide-se em duas partes:
juízo de admissibilidade, na Câmara dos Deputados, e processo e julgamento, no Senado Federal. Arts. 13 a 38, Lei n°
1.079/50. Art. 51, I; art. 52, I e II; e art. 86, todos da CF. A Lei n. 1.079/50 prevê os tipos criminais de responsabilidade e
o procedimento para o julgamento, que deve ser analisado à luz da CF/88.
O Poder Judiciário não pode alterar a decisão política do Congresso Nacional. O mérito da decisão é inatacável.
O Judiciário pode anular o julgamento por ofensa a princípios constitucionais, mas não pode modificar o mérito da decisão.
Também são julgados pelo Senado Federal em caso de crime de responsabilidade: Ministros do STF, membros

148
do CNJ e do CNMP, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União. Ministros de Estado e os
comandantes das Forças Armadas são julgados pelo Senado nos crimes de responsabilidade quando estes forem
conexos aos praticados pelo Presidente. Caso contrário, serão julgados pelo STF.

Controle social, político e jurisdicional do exercício do poder. O controle social é a participação da sociedade
no acompanhamento e verificação das ações de execução das políticas públicas, avaliando os objetivos, processos e
resultados. O controle é fiscalização, sindicalização, investigação, acompanhamento da execução daquilo que foi decidido
e constituído por quem tem o poder político ou a competência jurídica de tomar decisões de interesse público. O controle
social é direito público subjetivo dos integrantes da sociedade e decorre tanto do princípio republicano (art. 1º, CRFB),
como do direito fundamental de participação política, reconhecido na própria CF (ex.: art. 37, § 3º) e nos documentos
internacionais de Direitos Humanos. Dentre as formas de controle social, destacam-se a possibilidade de representação
e petição aos Poderes Públicos e os orçamentos e planejamentos participativos.
O controle político em sentido amplo (lato sensu) pode ser interpretado como o controle exercido pelas instituições
políticas sobre os atos dos administradores das coisas públicas. Em uma análise mais restritiva (stricto sensu), pode ser
classificado como o controle exercido pelos representantes eleitos do povo sobre os atos dos administradores públicos,
eleitos ou não.
O controle exercido pelo Poder Judiciário sobre os atos da Administração tem suas origens na tripartição dos
Poderes, prevista por Montesquieu no século XVIII e adotada por todas as constituições liberais a partir do século XIX. A
ideia de pesos e contrapesos na regulação e limitação dos Poderes coloca o Poder Judiciário como peça central neste
sistema.

O princípio republicano. O princípio republicano é responsável por fixar a forma de governo do Estado,
estabelecendo a relação entre governantes e governados. A res publica (ou a coisa do povo) se caracteriza pelo fato do
povo, em todo ou em parte, possuir o poder soberano, ao passo que, na monarquia, tem-se apenas um governante.
Tal forma de governo tem por base a defesa da igualdade formal entre as pessoas, de modo que o poder político
será exercido por mandato representativo e temporário. Destaca-se, ainda, uma característica importante na forma
republicana, que é a responsabilidade: os governantes são responsabilizáveis por seus atos, seja com sanções políticas
(impeachment), seja com sanções penais e civis.
Ao se falar de República, destacamos os seguintes elementos: (1) forma de governo que se opõe ao modelo
monárquico, pois o povo é o titular do poder político, exercendo este de forma direta ou indiretamente por meio de
representante; (2) igualdade formal entre as pessoas, pois não há tratamento estamental na sociedade e a legislação não
permite discriminações, devendo todos receber o mesmo tratamento; (3) eleição dos detentores do poder político - tais
eleições marcam o caráter temporário de permanência como detentor do poder; (4) responsabilidade política do Chefe de
Governo e/ou do Estado, cabendo a prestação de contas de suas condutas (accountability).
Por fim, Canotilho destaca que o princípio republicano traz internamente mecanismos de criação e manutenção de
instituições políticas vinculadas à decisão e à participação da sociedade (cidadãos) – o que os norte-americanos chamam
de self-government. Isso implica a afirmação de autodeterminação e autogoverno, impondo a observância das seguintes
normas: (1) representação territorial; (2) procedimento justo de seleção de representantes; e (3) deliberação majoritária.

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24.c. As funções essenciais à Justiça: Advocacia privada e pública. Representação judicial e
consultoria jurídica da União, dos Estados e do Distrito Federal. A Defensoria Pública.

As funções essenciais à Justiça – introdução. O Poder Judiciário desempenha papel capital para manter os
Poderes Legislativo e Executivo nas fronteiras dispostas constitucionalmente às suas ações. Como meio de limitação do
próprio Poder Judiciário, entretanto, recusa-se que ele possa agir por iniciativa própria. A jurisdição não acontece sem
provocação externa. A prerrogativa de movimentar o Judiciário mostra-se crucial para que o mecanismo de fiscalização
do sistema constitucional – e, portanto, da efetividade das normas no Estado de Direito Constitucional – seja operante. O
freio dos Poderes a ser aplicado pelo Judiciário depende, para realizar-se, da ação dos entes e pessoas que oficiam
perante os juízos e que, por isso, exercem funções essenciais à Justiça.
O Capítulo IV do Título da Organização dos Poderes cuida dos sujeitos que, sendo estranhos à estrutura do
Judiciário, são imprescindíveis para que este Poder se desincumba da sua missão constitucional. Esses sujeitos são o
Ministério Público, os Advogados – públicos e particulares – e a Defensoria Pública.
O constituinte não tratou a Advocacia Pública, a Privada e a Defensoria Pública com a minúcia que devotou ao
Ministério Público – opção que não deve ser interpretada como valoração diferente da relevância dos entes que compõem
esse capítulo da Carta. Todos, dentro das suas peculiaridades, são fundamentais para a realização da Justiça.

Advocacia privada e pública. Representação judicial e consultoria jurídica da União, dos Estados e do
Distrito Federal. O advogado é tido como “indispensável à administração da Justiça” e tem a sua liberdade de ação
assegurada pela inviolabilidade de seus atos, proclamada no art. 133 da CF. Compreenda-se, todavia, que a
inviolabilidade não é absoluta, mas limitada pela lei, como o dispositivo expressamente assinala. O advogado pode ser
punido pelos abusos que cometer, na forma da legislação civil e mesmo penal. A caracterização do advogado como
indispensável à administração da Justiça, ademais, não revogou as hipóteses legais – restritas – em que se admite que a
parte se dirija diretamente ao Judiciário, sem o intermédio do advogado, como no caso de habeas corpus, Justiça do
Trabalho e Juizados Especiais.
A Advocacia Pública (arts. 131 e 132 da CF; LC 73/93 – Lei Orgânica da AGU) exerce a defesa em juízo das
pessoas políticas e é desempenhada por detentores de cargos, organizados em carreira, de Procurador do Estado, do
Município, do Distrito Federal, bem como de Advogado da União, de Procurador da Fazenda, de Procurador Federal ou
Procurador do Banco Central. No tocante à carreira, deve-se observar o disposto no art. 37, §12, CF (STF, RE 558.258 e
ADI 484). A Advocacia Pública integra o Poder Executivo, a quem deve prestar consultoria e assessoramento jurídico;
logo, esses órgãos não desfrutam de independência funcional (STF, ADI 217). A CF de 1988 vedou expressamente que
o Ministério Público preste consultoria jurídica ou represente judicialmente as entidades públicas (art. 129, IX). Até a
criação da AGU, o Ministério Público Federal realizava a representação da União.

A Defensoria Pública. A Defensoria Pública e a garantia constitucional da assistência jurídica, integral e gratuita
encontram fundamento na primeira onda renovatória de acesso à justiça. Os economicamente hipossuficientes têm a
previsão de serem defendidos em juízo e orientados juridicamente por profissionais do Direito, ocupantes do cargo de
Defensor Público, que a eles ascendem por concurso de provas e títulos e que, para a eficiência da sua relevante função,
têm garantida a inamovibilidade e vedada a advocacia fora das atribuições institucionais. A importância das Defensorias
Públicas foi acentuada com a atenção que lhes votou a Emenda Constitucional n. 45/2004. As Defensorias Públicas
estaduais, desde 2004, têm asseguradas a autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de proposta orçamentária,
dentro dos limites aplicáveis (STF, ADI 3965).
Por fim, ressalte-se que a recente Emenda Constitucional n. 80/2014 trouxe relevantes disposições a respeito da
Defensoria Pública:
1) A advocacia e a Defensoria Pública, antes tratadas no Título IV, Capítulo IV, Seção III, passaram a constar
de seções distintas (Título IV, Capítulo IV, Seções III e IV).
2) Foi acrescido ao art. 134, caput, que a Defensoria é “instituição permanente”, à qual incumbe, “como
expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos
humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e
gratuita, aos necessitados”. Este dispositivo frisou a possibilidade de a Defensoria Pública ajuizar demandas coletivas
para defesa dos direitos dos assistidos. O art. 134, par. 4º, passou a prever que “são princípios institucionais da Defensoria
Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no art.
93 e no inciso II do art. 96 desta Constituição Federal".
3) O art. 98 do ADCT prevê a expansão da Defensoria Pública, de acordo com a efetiva demanda pelos serviços
e com os índices populacionais, de modo que, no prazo de 8 anos de sua publicação, todas as unidades jurisdicionais
deverão contar com defensores públicos.
Na ADI 3943 (j. 06 e 07/05/2015), o STF julgou constitucional a alteração na Lei da ACP que determinou a
legitimidade da Defensoria Pública para ajuizamento de ações referentes a direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos. Tal legitimidade, segundo o STJ (REsp 1.192.577-RS), está restrita às ações que tenham alguma relação
com os objetivos institucionais da Defensoria, previstos no art. 134 da CF de 1988 (defesa dos hipossuficientes).

150
25.a. Pluralismo jurídico. As fontes normativas não estatais.

O pluralismo jurídico “trata-se de uma perspectiva descentralizadora e antidogmática que pleiteia a supremacia de
fundamentos ético-político-sociológico sobre critérios tecno-formais positivistas” (WOLKMER, 2001, p.7). Ele oferece
formas alternativas de realização das necessidades materiais, culturais e sociopolíticas de uma sociedade múltipla, em
face de um Estado unitário e ineficaz - que não mais tutela adequadamente os interesses e necessidades das maiorias,
que dirá os das minorias e os dos setores excluídos.
Surge como antagonismo ao monismo jurídico, no qual só o sistema legal desenvolvido pelos órgãos estatais deve
ser considerado Direito Positivo. Origina-se também da falta de efetividade oferecida pela prestação jurisdicional do
Estado a todos aqueles que necessitam de sua tutela – para alguns, crise do positivismo jurídico. Há diversos grupos que
elaboram normas paralelamente à atuação estatal, a fim de regularem, de forma informal e espontânea, suas relações
internas: grupos religiosos, associações de bairro, sindicatos...
O pluralismo jurídico pode ser visto como o “uso alternativo” do Direito posto pelo Estado, explorando-se o
ordenamento a favor dos menos favorecidos, ou como o surgimento de normas paralelas, alternativas ao sistema estatal.
É uma criação para corrigir algumas falhas não cobertas pelas normas jurídicas do Estado, sendo um dos mecanismos
usados para sanar essa deficiência social. O Direito Alternativo é o resultado das práticas jurídicas desenvolvidas e vistas
por muitos estudiosos como uma proposta de nova interpretação do Direito por seus aplicadores, tendo como objetivo o
favorecimento da justiça ao caso concreto.
Como exemplo do pluralismo jurídico no direito brasileiro, tem-se o artigo 5º da LINDB (“Na aplicação da lei, o juiz
atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”) e o artigo 6º da Lei 9.099/95 (“O Juiz adotará
em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem
comum”). Ainda, há as técnicas diferenciadas de mediação e de conciliação que não as tradicionalmente dependentes do
aparato estatal.
O pluralismo jurídico, apesar de ser uma alternativa e uma nova esperança de paz social para os homens, nem
sempre alcança o seu objetivo, sendo, às vezes, um problema social no qual o próprio Estado necessita intervir. Por
exemplo, o pluralismo, se desvirtuado, pode levar ao surgimento de normas autoritárias e não emancipatórias. Outrossim,
um movimento de pluralismo jurídico originalmente espontâneo pode ser cooptado e esvaziado por autoridades estatais
ou defensores de uma ordem mais conservadora. Ainda, a aplicação do pluralismo jurídico pode não atingir a paz social
tão almejada por uma população que deixou de ser massacrada pelo Estado e passa a se sentir oprimida por esse novo
direito.
Há casos de comunidades tradicionais cujas normas reguladoras da vida em sociedade não advêm do
ordenamento jurídico estatal. Tais grupos têm o seu próprio sistema de regras, que deve ser levado em consideração.
Neste sentido, os artigos 8º e 9º da Convenção 169 da OIT estabelecem que “esses povos deverão ter o direito de
conservar seus costumes e instituições próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais
definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos”, podendo, nestes
termos, recorrer também aos seus métodos tradicionais de repressão de delitos. Outrossim, o Direito posto e as
instituições estatais devem levar em conta os costumes e as normas jurídicas dos povos tradicionais. No plano
constitucional, o Estado brasileiro deve proteger as manifestações culturais e os modos de fazer, criar e viver dos povos
tradicionais, havendo menção expressa à organização social dos índios (artigos 216 e 231 da CF).

151
25.b. Inconstitucionalidade por omissão. Ação Direta e Mandado de Injunção.

Inconstitucionalidade por omissão. Seu controle é novidade da CF/88. Pressupõe a inobservância de dever
constitucional de legislar, que pode resultar tanto de comandos explícitos quanto implícitos. Objetiva combater a “síndrome
da inefetividade das normas constitucionais”.
Omissão total: legislador não empreende a providência legislativa reclamada.
Omissão parcial: ato normativo atende apenas parcialmente ou de modo insuficiente à vontade constitucional.
Subdivide-se em:
1. parcial propriamente dita: a lei existe, mas regula de forma deficiente o texto.
2. parcial relativa: surge quando a lei existe e outorga determinado benefício a certa categoria, mas deixa de
concedê-lo a outra, que deveria ter sido contemplada. Neste contexto, ver a súmula 339/STF: “não cabe ao Poder
Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia”.

ADI por omissão.


- objeto: a omissão é de cunho normativo (mais ampla que legislativo), englobando, além do Poder Legislativo,
atos do Executivo e o Judiciário. ADI 1836: ação é extinta por perda do objeto se revogada a norma que necessite de
regulamentação. STF entende que não há omissão se o processo legislativo já se iniciou (ADI 2495). No entanto, caso
haja mora excessiva neste processo, pode haver inconstitucionalidade (ADI 3682).
- Competência: STF (art.102, I, “a”).
- Legitimidade (Art.12-A da Lei 9868/99): os mesmos da ADI (rol do art.103 da CF).
- Procedimento (art.12-E): aplicação subsidiária das normas relativas à ADI, com as exceções previstas nos §§ do
próprio art.12-E.
- Cautelar (art.12-F): pode ser suspensão da aplicação da lei ou ato normativo questionado (omissão parcial), bem
como suspensão de processos judiciais/procedimentos administrativos, ou ainda outra providência a ser fixada pelo
Tribunal.
- Decisão: tem caráter mandamental (Anordnungsklagerecht).
a) Poder competente para edição da norma: é dada ciência, sem prazo para a sua elaboração. STF tem acenado
com a possibilidade de fixação de prazo. ADI 3682: fixou prazo de 18 meses para elaboração da lei, considerado
“parâmetro temporal razoável”, com expressa ressalva de que não se tratava de imposição de prazo para atuação
legislativa do CN.
b) órgão administrativo: deve adotar as providências para edição da norma no prazo de 30 dias, sob pena de
responsabilidade, ou em outro prazo estipulado pelo Tribunal em casos excepcionais (art.12-H).
- Omissão parcial: veda aos órgãos estatais praticar qualquer ato fundado na lei inconstitucional. É caso de
declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, que suspende a aplicação da norma defeituosa ou
incompleta.
- Fungibilidade entre ação de inconstitucionalidade por ação e por omissão: Não obstante ambas as modalidades
de ação direta não se confundam, uma distinção clara entre elas não está livre de dificuldades. O atendimento
insatisfatório ou incompleto de exigência constitucional de legislar configura afronta à Constituição. Dessa forma, o STF
admitiu a fungibilidade (ADI 875).

Mandado de Injunção.
- cabimento: falta de norma regulamentadora torna inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e
das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
- divergência doutrinária: quais direitos tutelados pelo mandado de injunção? Manoel Gonçalves Ferreira Filho:
apenas direitos políticos e ligados à nacionalidade (excluindo os direitos sociais). Celso Ribeiro Bastos, J.J Calmon de
Passos: direitos fundamentais do título II da CF. Barroso, José Afonso da Silva, Dirley da Cunha Jr.: o MI abrange todos
os direitos fundamentais, sejam individuais, coletivos, difusos e sociais, encontrem-se inseridos ou não no Título II da CF.
- legitimidade ativa: qualquer pessoa. STF admite ajuizamento de MI coletivo (MI 361-RJ). O MP também possui
legitimidade ativa para impetração de MI: art. 129, II da CF e art. 6º da LC 75/93, nos casos que envolvem direitos difusos
e coletivos previstos na Constituição e inviabilizados pela falta de norma regulamentadora.
- competência: depende de quem é competente para editar a norma. STF - Arts.102, I, “q”, e 102, II, “a”, da CF;
STJ; art.105, I, “h”; TSE 121, §4, V.
- Procedimento: por falta de lei prevendo procedimento específico, adota-se o procedimento do mandado de
segurança (art. 24, par. único, Lei nº 8.038/90). No entanto, apesar ser cabível liminar em MS, o STF reiteradamente já
decidiu que não caberá concessão de medida liminar no mandado de injunção (STF, MI 342; 530; 535; 536). Também
entende o Pretório Excelso ser incabível a cominação de pena pecuniária pela continuidade da omissão legislativa (STF,
MI 689).
- Efeitos da decisão:
a) tese não concretista: apenas decreta a mora do Poder omisso.
b) concretista individual intermediária: fixa um prazo para o Legislativo suprir a omissão, findo o qual, sem o
saneamento, passa o autor a ter assegurado o seu direito.
c) concretista individual direta: implementa o direito apenas para o autor da ação.
d) concretista geral: decisão judicial supre a omissão legislativa, com efeitos erga omnes, até que sobrevenha a
norma. O STF adotou nos primeiros julgamentos a posição não concretista, mas, atualmente tem adotado a posição
concretista geral (MI 670, 708 e 712 – aplicação da Lei da Greve do setor privado aos servidores públicos civis, enquanto
não houver regulamentação específica).

152
A omissão pode ser suprida: (i) mediante a adoção do próprio texto da norma constitucional, como se fosse auto
aplicável, em caso de não observância do prazo judicial determinado para legislar; (ii) por meio de outra lei que regule
situação similar; e (iii) por soluções normativo-judiciais criadas no caso concreto (STF, MI 232; 284; 543; 679; 562).
- Não cabe fungibilidade entre ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção, tendo em
vista a diversidade de pedidos (STF, MI 395-QO).

Ação de Inconstitucionalidade por


Mandado de Injunção
Omissão
Qualquer pessoa física, jurídica ou até mesmo
Legitimidade ativa Art. 103, CF associações ou coletividades, na figura do MI
coletivo (aceito jurisprudencialmente)
Quanto à competência Controle concentrado Controle difuso
Lei 12.063/09 (alterações da Lei
Procedimento Lei 12.016/09
9868/99)
Liminar Cabível (art. 12-F, Lei 9868/99) Não cabe
Não exige a demonstração do
Exige a demonstração de nexo de
interesse de agir dos legitimados
causalidade, ou seja, de interesse de agir do
Nexo de causalidade ativos universais, mas apenas dos
impetrante, seja ele qual for (pessoa física,
legitimados ativos não universais
pessoa jurídica, etc.)
(especiais)
Espécie de processo Objetivo Subjetivo
Norma constitucional de eficácia
Parâmetro Norma constitucional de eficácia limitada
limitada
Erga Omnes. Dá-se ciência ao poder
Inter partes. Porém, à luz dos MI 670, 708 e
Efeitos da decisão de competente e, tratando-se de órgão
712, conferiu-se efeitos erga omnes,
mérito administrativo, impõe-se prazo de 30
adotando-se a corrente concretista geral.
dias para editar a norma.

153
25.c. Conselho Nacional de Justiça. História, composição, competência e funcionamento.

Conselho Nacional de Justiça. História. A Reforma do Judiciário, que se iniciou com a Proposta de Emenda à
Constituição nº 96/1992, de autoria do Deputado Hélio Bicudo, previu a criação do atual Conselho Nacional de Justiça.
Com a forte defesa do Relator Nelson Jobim, voltou-se a pensar no controle externo do Judiciário, com participação de
representantes de diversos setores da sociedade. A magistratura era contrária, mas já alguns juízes aceitavam a idéia de
um órgão de composição “híbrida”, formado por integrantes dos tribunais de cúpula. O projeto foi arquivado em agosto de
1995.
Após seu desarquivamento, no mesmo ano, o projeto foi entregue à relatoria do Deputado Aloysio Ferreira Nunes,
sendo que 14 emendas tratando do controle externo do Poder Judiciário foram apresentadas. Aprovado pela Câmara, o
texto seguiu para o Senado Federal, onde recebeu diversas emendas e modificações na estrutura do Conselho. Em 2004,
foi aprovada a Emenda Constitucional nº 45, a denominada Reforma do Judiciário, disciplinando, em seu artigo 103-B, o
Conselho Nacional de Justiça.
O CNJ é órgão administrativo-constitucional do Poder Judiciário, com status semi-autônomo ou de autonomia
relativa. Pertence à estrutura do Poder Judiciário, conforme previsto no art. 92, I-A (“São órgãos do Poder Judiciário: I - o
Supremo Tribunal Federal; I-A o Conselho Nacional de Justiça”). A natureza administrativa é conferida pelo rol de
atribuições previstas no art. 103-B, § 4º, CF/88 (controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do
cumprimento dos deveres funcionais dos juízes; zelar pela autonomia do Poder Judiciário; zelar pela observância do art.
37 e apreciar a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário; receber e
conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário; rever, de ofício ou mediante provocação, os
processos disciplinares contra membros ou órgãos do Poder Judiciário), pois tais atribuições escapam da feição
jurisdicional, eis que se submetem a controle judicial. Não é órgão da União, mas instituição federal de âmbito nacional,
cujo caráter federativo já foi afirmado pelo STF.

Composição. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de quinze membros, com mandato de dois anos,
admitida uma recondução, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta
do Senado Federal (art. 103-B, CF). A formação híbrida - dos 15 (quinze) Conselheiros, 9 (nove) são oriundos da
magistratura e os outros 6 (seis) não, sendo dois membros do Ministério Público, dois advogados e dois cidadãos –
demonstra a inspiração democrática e o pluralismo de representações e indicações. Dentre os magistrados, há diversidade
de instâncias e de ramos do Judiciário. O princípio federativo é reafirmado em virtude da dualidade das entidades
federativas na representação das justiças federal e estadual, bem como da indicação dos membros do Ministério Público
(um do MPU e outro do MP Estadual).
A EC nº 61/2009 esclareceu que o CNJ é composto, dentre os seus quinze membros, não por um Ministro do STF
(como dizia a redação original da EC 45/2004), mas pelo Ministro Presidente do STF. Transformou, assim, o Presidente
do STF em membro nato do CNJ, não tendo que ser sabatinado pelo Senado Federal (o art. 103-B, §2º disciplina que
apenas os demais membros do Conselho serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha
pela maioria absoluta do Senado Federal).
Outra alteração advinda com a EC 61/2009 foi a retirada da restrição de idade, que, na redação original, trazida
pela EC 45/2004, estabelecia idade mínima de 35 anos e máxima de 66 anos. Dessa forma, atualmente, não há limite de
idade para os membros do CNJ. Tal alteração teve o nítido objetivo de adequar a composição da Presidência do CNJ
sempre ao Ministro Presidente do STF, pois é possível que esse ocupe a presidência com mais de 66 anos.
Ademais, a EC 61/2009 ainda estabeleceu que o Presidente do CNJ (que será o Presidente do STF) será
substituído, nas suas ausências, impedimento e afastamentos, pelo vice-presidente do STF, e não por outro membro do
CNJ (art. 103-B, par. 1º, CF), preservando o caráter institucional da direção do CNJ (Lenza, pág. 634).

Competência. Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do


cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo
Estatuto da Magistratura, as constantes do art. 103-B, § 4º, incisos I a VII, da CF/88. Estas atribuições podem ser
classificadas em atribuições políticas, de controle administrativo, de ouvidoria, de correição e disciplinares, sancionatória
e informativa e propositiva.

Funcionamento. São órgãos do Conselho: O Plenário, a Presidência, a Corregedoria Nacional de Justiça, as


Comissões e a Secretaria-Geral. O Conselho será presidido pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, que votará em
caso de empate, ficando excluído da distribuição de processos naquele tribunal.
As comissões são permanentes ou temporárias, com participação proporcional entre os conselheiros, preservando,
sempre que possível, a representação das diversas categorias funcionais, integradas sempre por pelo menos um
conselheiro não-magistrado. Dedicam-se ao estudo de temas e de atividades de interesse do Conselho ou relacionadas
às suas competências.
Ao Plenário competem as atribuições de controle administrativo e financeiro do Poder Judiciário e do cumprimento
dos deveres funcionais dos magistrados. As sessões do Plenário podem ser ordinárias ou extraordinárias. As sessões
ordinárias são realizadas quinzenalmente, em dias úteis, e as extraordinárias serão convocadas pelo presidente, fora do
calendário semestral, sobre assuntos relevantes e urgentes, bem como a requerimento de um terço dos conselheiros. A
pauta das reuniões será encaminhada aos conselheiros quando da convocação das sessões plenárias, sendo que
assuntos que nela não estejam incluídos somente poderão ser discutidos mediante aprovação de dois terços dos
presentes.
Para constituição válida do Plenário, é exigido o quorum mínimo de dez conselheiros, e as decisões serão tomadas
por maioria simples dos conselheiros presentes - exceto nos casos em que seja exigido quorum qualificado. O conselheiro
não pode abster-se da votação nos temas relacionados a controle de atos administrativos e procedimentos disciplinares,
154
mas pode se declarar impedido ou suspeito. O conselheiro pode apresentar indicação ou proposta escritas, devendo o
presidente designar relator para apresentar relatório e voto escritos na sessão seguinte e, em casos urgentes e relevantes,
poderá designar relator para apresentar relatório e voto orais para discussão e votação na mesma sessão.
Apresentado o relatório, o presidente poderá dar a palavra ao interessado, recorrente ou peticionário e ao réu ou
recorrido, para sustentação oral por até 15 minutos, mesmo prazo para pronunciamento do Procurador-geral da República
e do presidente do Conselho Federal da OAB. O julgamento, uma vez iniciado, será ultimado na mesma sessão, salvo
pedido de vista ou conversão em diligência, se necessária à decisão da causa.
Cada conselheiro pode falar duas vezes sobre o assunto em discussão e por mais uma vez, em caso de
modificação do voto. Se pedir vista dos autos, deve apresentá-los para prosseguimento da votação na primeira sessão
ordinária subseqüente. O conselheiro ausente da leitura do relatório ou dos debates não proferirá voto, salvo quando se
der por esclarecido ou em caso de desempate na votação, hipótese em que deverão ser renovados o relatório e a
sustentação oral.
Concluídos os debates, o presidente tomará os votos, primeiro do relator e, a seguir, dos demais conselheiros.
Encerrada a votação, o presidente proclamará a decisão, sendo redigido o acórdão pelo relator ou pelo conselheiro que
houver proferido o primeiro voto prevalente. Os atos e decisões do Conselho são irrecorríveis e, em caso de obscuridade,
contradição ou omissão, pode o interessado requerer sejam prestados esclarecimentos, no prazo de cinco dias.
Corregedoria Nacional de Justiça. À Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional da Justiça,
compete receber e processar reclamações e denúncias de qualquer interessado, relativas aos magistrados e aos serviços
judiciários auxiliares, serventias, órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder
público ou oficializados, bem como exercer funções executivas do Conselho, de inspeções e de correições.
A Corregedoria Nacional de Justiça tem a seguinte estrutura organizacional: I - Gabinete da Corregedoria; II -
Juízes Auxiliares; e III – Assessoria da Corregedoria.

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