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A Bíblia

e
seu
contexto
Módulo 01
O AT e o papel da tradição oral

Profa. Lília Dias Marianno


A Bíblia e seu contexto
MÓDULO INTRODUTÓRIO – ESPECIALIZAÇÃO EM EXEGESE BÍBLICA

MÓDULO 1
O ANTIGO TESTAMENTO
E O PAPEL DA TRADIÇÃO ORAL1

Profa. Lília Dias Marianno

Neste módulo abordaremos as barreiras concei-


tuais que enfrentamos quando nos aproxima-
mos do texto bíblico.

Mostraremos como a teologia dogmática aprisi-


onou as narrativas bíblicas durante milênios
submetendo-as a seus dogmas.

Compreenderemos a trajetória da Tradição Oral


e seu importante papel para a composição de
um texto sagrado.

Veremos as perguntas preliminares que devem


ser feitas ao texto no sentido situar seu intér-
prete no tempo e no espaço e quais perguntas
devem orientar o exercício exegético.

Apresentaremos as três cronologias que acon-


tecem simultaneamente enquanto os eventos
relatados no texto bíblico são vivenciados, pro-
cessados em releituras hermenêuticas das co-
munidades de seus leitores até adquirirem um
formato normativo e final chamado texto sa-
grado ou canônico.
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Sempre que encontrar algum termo negritado em azul, consulte seu significado no glossário da
unidade.
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Sumário do Primeiro Módulo de Bíblia e Contexto

O ANTIGO TESTAMENTO E O PAPEL DA TRADIÇÃO ORAL2

UNIDADE 1 - APROXIMAÇÕES E BARREIRAS CONCEITUAIS


1.1. Dificuldades na leitura do texto bíblico
1.2. Acertando na aproximação ao texto bíblico
1.2.1. Há muitas vozes na Bíblia.
1.2.2. Escolhemos o que queremos ler
1.2.3. Há uma história por trás de cada texto
1.2.4. Formatação dogmática da leitura bíblica
1.2.5. Confusão sobre Inspiração, Revelação e Canonização
UNIDADE 2 - INTERFERÊNCIA DAS CORRENTES TEOLÓGICAS
2.1. As diferentes ferramentas
2.1.1. A Hermenêutica Bíblica
2.1.2. A Exegese Bíblica
2.2. Os métodos exegéticos
2.3. As correntes teológicas e a crítica da Bíblia
2.3.1. Teologia Liberal
2.3.2. Fundamentalismo
2.3.3. Neo-ortodoxia
2.3.4. Evangelicalismo
2.3.5. Teologia da Libertação
2.3.6. Abordagens metodológicas
UNIDADE 3 - A TRAJETÓRIA DA TRADIÇÃO ORAL
3.1. A finalidade do texto
3.1.1. A oralidade por trás do texto
3.1.2 A funcionalidade oral
3.2. Qual narrador está falando a verdade?
3.2.1. Três perguntas sobre o texto
3.2.2. A distância entre o evento e o texto
3.2.3. A releitura redacional
3.3 A trajetória da Tradição Oral
UNIDADE 4 - PERGUNTAS FEITAS AO TEXTO
4.1. As perguntas primordiais
4.1.1. Data e local
4.1.2. Autoria
4.1.3. Ideologia
4.1.4. Contexto sócio-histórico
4.1.5. Identidade
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4.1.6. Teologia
4.2. Perguntas da investigação exegética
4.2.1. Tema central e o fio-condutor
4.2.2. Gênero e estilo literário
4.2.3. Código
4.2.4. Intentio Auctoris
4.2.5. Destinatário
4.2.6. Intentio Lectoris
4.2.7. Recepção
4.2.8. Metodologia
UNIDADE 5 - AS TRÊS CRONOLOGIAS
5.1. A Cronologia do Evento
5.2. A Cronologia da História
5.3. A Cronologia do Texto
5.5. Ver e entender para não esquecer : A arte de Hudson Silva
5.6. Referências Bibliográficas deste Módulo

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UNIDADE 1
APROXIMAÇÕES E BARREIRAS CONCEITUAIS

1.1. Dificuldades na leitura do texto bíblico

Muitas pessoas consideram difícil ler e compreender


ampla e corretamente o conteúdo do texto bíblico,
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especialmente o Antigo Testamento. Alguns intérpretes
assumem uma unilateralidade interpretativa, conside-
rando as narrativas bíblicas como conteúdos históricos
inerrantes, ignorando a complexidade do texto. Na
tentativa de proteger o texto bíblico de ser violado,
adotam o paradigma da inerrância e infalibilidade da
Escritura.

No outro extremo estão os que analisam o texto bíblico


dentro de uma perspectiva crítica da história. Pren-
dem-se às muitas contradições entre as narrativas,
questionando sua legitimidade e seu valor para orien-
tar a fé cristã. Os primeiros (maximalistas) não ad-
mitem erro humano nas Escrituras, os últimos (mini-
malistas) praticamente se amparam nos erros. Ambas
as formas de aproximação reduzem significativamente
o impacto da mensagem bíblica, pois para estes ou a Bíblia é palavra somente divina ou
somente humana. Ambas as correntes não conseguem conciliar muito bem a Bíblia como
Palavra de Deus escrita por mãos humanas.

A Bíblia é o livro que alimenta a fé cristã, mas teve sua origem na mais antiga tradição
judaica e ambos os segmentos religiosos sempre exerceram muito controle sobre a leitu-
ra e interpretação do texto bíblico. No caso do judaísmo o rabinismo ortodoxo consti-
tuiu grandes escolas de interpretação bíblica. No caso do cristianismo, a igreja católica
sempre dominou o processo de leitura e interpretação, principalmente pelo uso persis-
tente do latim nas liturgias. A Reforma Protestante causou uma grande ruptura neste
acesso exclusivo das lideranças da igreja ao texto bíblico.

Com o advento da imprensa e da Reforma, seguidos pelo Iluminismo e os movimentos


filosóficos e científicos que dele fizeram parte (Empirismo e Racionalismo, que poste-
riormente desencadearam no Positivismo, Existencialismo e Essencialismo) o texto
bíblico passou para as mãos do povo. Soltou-se do domínio clerical e tornou-se alvo das
discussões filosóficas e dos intelectuais.

Este desprendimento do controle da Igreja permitiu que o texto bíblico fosse questionado
pelo ceticismo racionalista. Todavia as grandes angústias humanas continuavam sem
resposta, e mesmo sem crédito científico a mensagem do texto bíblico nunca deixou de
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ser fonte de esperança para a humanidade e alimentadora das grandes reflexões teológi-
cas.

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A lógica cientificista que se estabeleceu no pensamento humano a partir do Iluminismo


trouxe grande colaboração para a interpretação bíblica, pois proveu os exegetas de mé-
todos investigativos. O uso destes métodos foi responsável por uma enorme quantidade
de informações que ficaram por muitos séculos ocultas sob o controle interpretativo
exercido pela instituição religiosa.

1.2. Acertando na aproximação ao texto bíblico

Grande parte dos problemas que enfrentamos na interpretação do texto bíblico é resulta-
do modo restritivo que nos obriga a interpretá-lo dentro dos paradigmas dogmáticos cris-
tãos. A Bíblia não está restrita ao cristianismo muito menos aos dogmas do catolicismo
romano. Inúmeros são os seus intérpretes até mesmo entre os segmentos cristãos pois a
pluralidade de cristianismos que não ficou sob domínio católico romano é bem variada.
Com isto uma diversidade de aproximações ao texto bíblico e, muitas vezes, a mescla
delas, costuma causar conflitos interpretativos. Vamos tratar dos mais frequentes, a se-
guir.

1.2.1. Há muitas vozes na Bíblia.

Afirmamos que “a Bíblia é Palavra de Deus”. O que isso


quer dizer, exatamente? Quando um crítico diz: “A Bí-
blia contém a Palavra de Deus”, os ortodoxos reagem
com veemência apologética e postura defensiva, que na
maioria das vezes sequer está ocupada em defender o
texto bíblico de violação, mas está mais preocupada em
proteger os dogmas de seu segmento religioso. Quando
um pesquisador afirma que a Bíblia contém a Palavra
de Deus antes de ser a Palavra de Deus, o foco está no
formato da mensagem e não o seu conteúdo.

Há muitas vozes na Bíblia. Qualquer leitor atento per-


cebe que estão presentes no texto bíblico as vozes: dos
homens, das mulheres, de crianças, de governantes, de
governados, de livres, de escravos, de anjos, de demô-
nios, do Diabo e até dos animais, como foi o caso da
mula de Balaão (Nm 22). Entre as inúmeras vozes pre-
sentes na Bíblia também está a voz de Deus, falando
em primeira pessoa nos relatos míticos e nos oráculos proféticos.

A Bíblia é um livro que conta muitas histórias. Ela não contém apenas os ditos de Yahweh
ou palavras de Jesus. Cada história tem seu contador. Por muito tempo não houve escri-
ta. Para que os relatos bíblicos fossem escritos os contadores de histórias tiveram que
ser ouvidos, cada qual contando do seu jeito, deixando na narrativa um pouco do seu
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próprio “tom de voz”. Quando lemos narrativas nas quais aparecem vozes de demônios e
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do diabo, a única forma na qual é possível continuar chamando aquele texto bíblico de

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Palavra de Deus é percebendo que nem tudo que na Bíblia está escrito é, literalmente, a
Palavra de Deus.

Como esta é uma questão que sempre vem à tona quando iniciamos um curso como es-
te, quando um acadêmico diz: a Bíblia contém a Palavra de Deus não está nem men-
tindo e nem afrontando o texto bíblico. E quando um intérprete conservador diz: A Bí-
blia é palavra de Deus ele está, igualmente, correto.

Bíblia ser Palavra de Deus não limita-se ao registro das palavras que saíram da boca do
próprio Deus e que ficaram literalmente registradas. Admite-se a instrumentalidade hu-
mana no processo narrativo e com ela todas as suas implicações. Deus falou e aconte-
ceu, foi assim na criação do mundo. A Palavra de Deus é esta palavra criadora e criativa
que traz à existência eventos sobrenaturais e também à sua manifestação mais comum
coisas naturais e cotidianas. Uma pessoa que se aproxima do texto bíblico para ter um
encontro transformador com a Bíblia, como um espelho capaz de refletir o interior da
pessoa e apontar-lhe caminhos éticos mais excelentes passa por uma grande transfor-
mação. Independente do agente humano que escreveu aquela narrativa, a Bíblia criou
algo novo naquela pessoa, por isso ela é Palavra de Deus enquanto mensagem; e en-
quanto literatura, ela contém a Palavra de Deus.

1.2.2. Escolhemos o que queremos ler

Um segundo erro é a prática de uma leitura bíblica aleatória, sem método e sem persis-
tência investigativa. Muitos leitores se aproximam do texto bíblico apenas com intenção
devocional. Interessa-lhes serem consolados pelas esperanças ali contidas. Desta forma,
restringem-se a ler apenas aquilo que não lhes tira da “zona de conforto”. Separa-se um
“cânon favorito” e dedica-se apenas à leitura dos Salmos, Cântico dos Cânticos, Provér-
bios, os Evangelhos e algumas Cartas Paulinas porque estes textos nos fazem bem.

Os livros mais áridos, como Levítico, Números, Crônicas; as exortações dos tantos livros
proféticos e o Apocalipse, são evitados. O apelo ético e social destes textos nos deixa
desconfortáveis com nossa inércia existencial no que diz respeito ao bem-estar do próxi-
mo. Privilegiamos no AT os textos que mais refletem o amor de Deus e deixamos a face
da justa ira divina fora de nossas vistas. Esta
leitura seletiva vicia nossa interpretação.
Dizemos que muitos mandamentos do AT
não se aplicam mais aos nossos dias e en-
contramos a justificativa no fato de não es-
tarmos mais “no tempo da lei” e sim “da
graça”. Entender o propósito destes livros no
cânon requer pesquisa, e entender as suas
mensagens requer algo mais: persistência
investigativa. Acomodação não ajuda nestes
casos.
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1.2.3. Há uma história por trás de cada tex-


to

A maioria absoluta das narrativas bíblicas não


trata dos feitos “extraordinários” de Deus, mas
mostra sua manifestação no cotidiano das pes-
soas. A revelação de Deus e sua intervenção na
história humana é o maior milagre presente em
todas as páginas do texto bíblico. Uma leitura
bíblica focada apenas nos eventos sobrenaturais
acentua uma miopia investigativa que impede o
leitor de ver a manifestação do Deus da Bíblia no
dia-a-dia das pessoas do seu povo.

Há outros processos errôneos de aproximação


ao texto bíblico. A tendência de ler o texto bíbli-
co pensando que ele foi escrito para nossa cultu-
ra e civilização e a inclinação de abstrair diver-
sos de seus conteúdos por não identificar aplica-
ção em nossos dias. Seus trechos surgiram den-
tro de situações que exigiam mudanças de posturas, de ideologias, de comportamento,
inclusive de teologias.

A Bíblia é um livro teológico, seu texto foi escrito para atender às diversas necessidades
de um contexto religioso específico. Sua composição canônica tem o intuito de ensinar
seus leitores a viverem de um jeito que deixa o Deus revelado na Bíblia satisfeito. Os
“fiascos” humanos ali presentes pretendem denunciar aquilo que desagrada esse Deus.

Ignorar o fenômeno sagrado por trás e através do texto bíblico é reduzi-lo a um livro de
contos fantásticos que dificilmente teriam alguma utilidade para nossa realidade. No en-
tanto, quando entendemos a mensagem do texto no seu contexto original e seu propósi-
to teológico e didático, fica muito fácil atualizar seu conteúdo proporcionando sentido nos
nossos dias.

1.2.4. Formatação dogmática da leitura bíblica

A Bíblia não surgiu como um livro de bases éticas e morais exclusivo do cristianismo, por
isso sua interpretação não está e nem pode ficar restrita ao sistema cristão de interpre-
tação bíblica. Ela foi escrita dentro da tradição judaica e se tornou o livro sagrado para o
cristianismo porque o Jesus histórico era um judeu e a igreja cristã surgiu a partir do
segmento judaico. Jesus leu a Bíblia como judeu, aprendeu a interpretá-la como judeu e
passou a ensiná-la como judeu. Muito do simbolismo da linguagem bíblica fica mal en-
tendido por ignorarmos a mística e a semiótica da interpretação rabínica que sustentava
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as tradições do Antigo Israel. O Novo Testamento é uma variante continuada dos precei-
tos contidos no AT, nunca uma contraposição.

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O cristianismo nunca foi o possuidor abso-


luto do texto bíblico. Até mesmo o islamis-
mo, no Corão, utiliza vários de seus ensi-
namentos. A Igreja, por muitos séculos,
controlou a leitura do texto bíblico, restrin-
gindo-a aos círculos eruditos pela sua leitu-
ra em latim. O povo não era alfabetizado e
nem entendia o latim. Se um clérigo afir-
masse qualquer coisa sobre a Bíblia, não
lhes restava muita opção a não ser acredi-
tar; pois, como os cristãos com pouca leitu-
ra de toda Europa poderiam se contrapor
aos catedráticos? O advento da imprensa
nas vésperas da Reforma foi um facilitador
e propagador do texto bíblico.

As 95 teses de Lutero são um exemplo perfeito daquilo que uma leitura investigativa do
texto bíblico faz com os dogmas: confronta-os. Qualquer leitor atento das Escrituras per-
ceberá que o teor ético do texto bíblico legitima o poder religioso, mas questionará pro-
fundamente sua ética e os abusos de poder cometidos em nome de Deus. Um pesquisa-
dor bíblico adquire, bem cedo, a capacidade de libertar o texto bíblico das amarras dog-
máticas do institucionalismo religioso.

Vale ressaltar que uma leitura libertadora não é exatamente, uma leitura liberal. Muitas
vezes a leitura libertadora será bastante conservadora em sua forma de firmar paradig-
mas, enquanto uma leitura liberal pode deslegitimar a mensagem do texto bíblico.

1.2.5. Confusão sobre Inspiração, Revelação e Canonização

Primeiramente temos que entender o que é a revelação de Deus. Ela se dá na história.


É a manifestação e a intervenção do poder divino através da história do povo de Israel e
também dos povos vizinhos. Esta intervenção é registrada no texto bíblico seguindo a
lógica interpretativa de seus escritores.

Os escritores bíblicos escreveram carregados de impressões teológicas que, por sua vez,
eram fruto de suas experiências com o sagrado. Esta experiência teológica do redator do
texto e do povo onde ele está inserido é que inspira a pessoa a escrevê-la. A inspiração
é, portanto, a motivação que gera iniciativa redacional a respeito dos eventos onde os
redatores perceberam a intervenção de Deus na história de seu povo.

O conjunto de relatos que documentam esta manifestação divina e a experiência teológi-


ca de seus redatores foi considerado sagrado. A canonização nada mais é do que a se-
leção humana dos relatos sobre a intervenção divina na vida do ser humano. A mani-
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festação de Deus não está restrita aos livros canônicos na Bíblia porque Deus transcende
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o texto bíblico e nunca esteve limitado a manifestar-se apenas na cultura israelita. Israel

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é apenas um exemplo das inúmeras manifestações de Deus da história, seu povo esco-
lhido, mas de forma alguma o único povo a quem Ele se revelou.

A melhor forma de solucionar esta tensão é separar estes três conceitos: A (i) revelação
de Deus é superior à (ii) inspiração e à (iii) canonização. O texto bíblico não foi “psico-
grafado”; ele foi revelado, processado, discernido, interpretado, redigido e colecionado.
Ter em mente esta sequência ajuda bastante o trabalho da exegese e da interpretação
bíblica. Não se deve lançar sobre o texto inspirado e sobre o cânon uma mística sagrada
como se eles fossem o próprio Transcendente. Deus é o único transcendente nesta reali-
dade. A inspiração, o texto e sua canonização estão humanamente sujeitos a este Trans-
cendente.

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UNIDADE 2
INTERFERÊNCIA DAS CORRENTES TEOLÓGICAS

Algumas questões se tornam complexas na interpretação do texto bíblico porque errone-


amente unificamos teologias bastante diferentes entre si e submetemos o texto aos pa-
radigmas destas teologias.

2.1. As diferentes ferramentas

O texto bíblico nos apresenta uma teologia do cuidado, que é chamada de Teologia Pas-
toral. Esta teologia ensina as pessoas a cuidarem umas das outras a partir do princípio
do amor ao próximo, ética relacional preponderante na mensagem bíblica. A teologia que
estuda o texto bíblico e que o interpreta é a Teologia Bíblica e é ela que alimenta a
Teologia Pastoral e por fim a Teologia Sistemática. A Teologia Bíblica é, portanto, a
mãe das outras teologias. Jesus lia, estudava e interpretava o texto bíblico antes
mesmo que houvesse cristianismo. A teologia do cuidado e a teologia sistemática foram
elaboradas em função do conteúdo bíblico e não o contrário. Por isso não é correto sub-
meter à Bíblia a uma teologia dogmática, ao contrário, a teologia dogmática deve ser
submetida à Bíblia.

2.1.1. A Hermenêutica Bíblica

Na Teologia Bíblica, se analisa o discurso sobre Deus apresentado no texto bíblico e sobre
sua revelação. A teologia bíblica conta com algumas ferra-
mentas de investigação bíblica, as principais são a (i) her-
menêutica e a (ii) exegese.

Hermenêutica é um processo filosófico que chamamos de


ciência da interpretação de um texto e não é restrito ao
texto sagrado. O processo hermenêutico pode surgir de
uma leitura intuitiva ou de uma leitura investigativa, meto-
dologicamente orientada. Entretanto, para fazer interpreta-
ção do texto bíblico, seu leitor precisa assumir uma ótica,
colocar uma lente hermenêutica, assumir conscientemente
um lugar hermenêutico de sentido para que o texto se torne
vivo e faça sentido no seu contexto. Um intérprete bíblico
jamais deve pensar que sua hermenêutica está situada num
lugar hermenêutico de sentido pleno em si mesmo, a ponto
de não precisar de outras hermenêuticas para possuir uma
visão mais ampla.

É impossível interpretarmos um texto com neutralidade, sem que nós mesmos estejamos
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isentos de exercer influência no processo interpretativo. Nossa leitura é diretamente in-


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fluenciada pela forma como enxergamos o mundo e esta cosmovisão tem tudo a ver
com as experiências que fizeram sentido na nossa existência. Se a hermenêutica é a óti-

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ca com a qual olhamos para um texto, obviamen-


te esta ótica também será afetada pelas mudan-
ças que nossa cosmovisão sofre a partir de nos-
sas experiências de vida. Sendo assim, como
fazer uma interpretação mais coerente? É neste
sentido que precisamos das ferramentas da exe-
gese.

Por que não há uma “única hermenêutica” corre-


ta? Porque o texto está aberto para ser interpre-
tado em todas as eras, por pessoas de credos e
culturas totalmente distintas, cada leitor do texto
bíblico tem sua própria experiência, sua cosmovi-
são e carrega ambas para seu processo interpre-
tativo. O texto possui uma reserva de sentido
que será usada por cada leitor que dele se apro-
ximar a partir de seu “locus hermenêutico”.

2.1.2. A Exegese Bíblica

A exegese parte em busca do autor original do texto e de sua intencionalidade reda-


cional. Também busca pelo público-leitor original e a forma como este leitor recebeu o
conteúdo desse texto bíblico. Considera também que ambos estão num contexto, numa
cultura e sob uma influência ideológica bem diferente de seus leitores atuais. Por tudo
isso, a forma mais coerente de fazer interpretação bíblica é nos aproximando do texto no
seu surgimento enquanto literatura, na tentativa de descobrir a finalidade que gerou sua
existência. Conhecer esta finalidade nos ajuda a interpretar a Bíblia de um modo mais
coerente.

A exegese é uma importante ferramenta para a hermenêutica. Consiste de uma aproxi-


mação mais técnica do texto bíblico, ela resulta na hermenêutica, mas sozinha não é da
conta de todo o processo hermenêutico. Também é possível fazer hermenêutica sem
exegese. Simplesmente se faz uma atualização do conteúdo bíblico sem investigação
exegética, usando a intuição, prática inclusive muito comum nos círculos religiosos sem
formação acadêmica. Todavia, sempre que se interpreta o texto bíblico sem ferramentas
de investigação adequadas corre-se o risco de se sujeitar a Bíblia ao dogma ou, no míni-
mo, fazer uma interpretação pessoal propensa a alegorias.

2.2. Os métodos exegéticos

A exegese conduz o leitor necessariamente ao aprendizado das línguas originais da Bí-


blia. O exegeta precisa conhecer a amplitude e as limitações filológicas, etimológicas,
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semióticas e gramaticais de cada palavra do texto. Ao esbarrar na polissemia destas pa-


lavras, percebe-se a riqueza de sentidos por trás do texto, impossível de ser explorada
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quando o texto foi traduzido para a língua do seu leitor. O tradutor bíblico só pôde esco-

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lher uma das muitas palavras que proporcionam


sentido ao texto; toda versão do texto bíblico em
nossa língua é sugestiva e propensa a variações, dá
margem para inúmeras investigações.

Existem vários métodos exegéticos: Narrativo,


Histórico-Gramatical, Filológico, Histórico Crí-
tico, Histórico Social, Semântico, Estrutural,
etc. Alguns métodos se aplicam apenas a alguns
gêneros literários. Com o uso de qualquer um des-
tes métodos exegéticos é possível fazer, ao final,
uma hermenêutica bíblica mais profunda do que
sem o uso da exegese.

Quando a interpretação se inclina para a percepção


de Deus no texto, dizemos que foi feita uma hermenêutica teológica. Quando a interpre-
tação privilegia a sociedade e a história do texto, podemos fazer uma hermenêutica his-
tórico-social. Quando a interpretação privilegia a estrutura e a semântica do texto temos
possibilidade de elaborar uma hermenêutica semântico-estrutural. Desta forma, o méto-
do exegético utilizado na investigação proporcionará o caminho hermenêutico de aproxi-
mação ao texto. Quando o exegeta consegue atualizar o sentido “original” do texto para
os dias atuais, dizemos que houve uma releitura para os nossos dias, e é assim que a
exegese ajuda o texto a ganhar vida.

Um exercício exegético jamais pode sequestrar a vida de um texto bíblico. Este foi o
grande problema dos Métodos Histórico-Críticos usados na exegese influenciada pelo Es-
truturalismo no séc. XIX. Estes são métodos persistentes no estudo da forma do texto,
dos gêneros e de suas estruturas. São primorosos na crítica textual, na comparação das
diferentes versões originais, na investigação da forma do texto, na descoberta de erros
de redação e de cópia. Conseguem arrumar o texto bíblico em estruturas concêntricas
e quiásticas e encontram paralelismos mais variados possíveis entre os versos da po-
esia. São métodos dedicados a exaurir todas as possibilidades da arrumação na estrutura
de redação do texto bíblico.

Os métodos histórico-críticos, todavia,


precisaram ser atualizados. Enquanto a
cultura de seu tempo (Estruturalista)
alimentava esta fascinação pela forma e
pela organização daquilo que lhe parecia
caótico e sem sentido. Após a virada para
o século XX, com a desestruturação da
psiquê humana depois das duas grandes
guerras e consequentemente da civiliza-
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ção ocidental, os seres humanos passa-


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ram a ter angústias mais profundas que o interessante jogo de formas e arrumações do
texto bíblico não preenchiam. Estávamos entrando na cultura pós-estruturalista onde
se perdia o centro de referência em quase tudo.

Por isso os métodos histórico-críticos passaram a apresentar graves limitações na con-


textualização da mensagem, porque se davam por satisfeitos em entender a intenção do
autor original (intentio auctoris) e a intenção do leitor original (intentio lectoris). Os
métodos histórico-sociais conseguiram avançar um pouco mais. Utilizam a lógica estru-
turalista da metodologia histórico-crítica, para aprofundar a contextualização da mensa-
gem e do sentido do texto para os nossos dias.

2.3. As correntes teológicas e a crítica da Bíblia

Há uma grande tensão entre os exegetas que pertencem às diferentes escolas/correntes


teológicas a respeito da autoridade do texto bíblico. A tensão se dá pela forma como es-
tes grupos se aproximam do texto e pelos pressupostos que cada uma destas correntes
teológicas traz para dentro do processo interpretativo como dissemos no princípio deste
módulo. Torna-se interessante um breve passeio sobre as correntes teológicas que exer-
cem influência no exercício exegético e na hermenêutica bíblica. O panorama que é feito
a seguir foi apresentado num minicurso sobre O lugar da Bíblia na Igreja e no Mundo
ministrado pelo Dr. Marcos Paulo da Monteiro da Cruz Bailão, no V Congresso Brasileiro
de Pesquisa Bíblica, promovido pela Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica – ABIB em
2012.

2.3.1. Teologia Liberal

Segundo Bailão (2013), a teologia liberal, originária na


Europa do século XIX, acreditava que as mudanças do mun-
do exigiam uma atualização dos credos cristãos. Os liberais
entendem a revelação de uma maneira mais extensa e a re-
velação suprema é Jesus Cristo. Para eles, pensamentos e
sentimentos imperfeitos usados por Deus para comunicar sua
verdade perfeita é um verdadeiro mistério. Nesta corrente
teológica a Bíblia não é a “perfeita palavra de Deus”, pois foi
escrita por copistas, escritores, autores e tradutores huma-
nos, imperfeitos e está condicionada à cultura originais des-
tas pessoas. As Escrituras são o relato da experiência religiosa daqueles que testemu-
nharam a manifestação de Deus na história do Antigo Israel. Os métodos histórico-
críticos tem aqui sua fundamentação.
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2.3.2. Fundamentalismo

O Fundamentalismo é um movimento teológico bem mais complexo do que se cogno-


mina. Surgiu no final do séc. XIX e início do séc. XX como uma reação conservadora nor-
te-americana ao liberalismo na Europa, ao modernismo e às transformações na teologia
e na cultura. Os grandes movimentos filosóficos e cientí-
ficos que desviavam de uma interpretação literal das
Escrituras receberam reações veementes do fundamen-
talismo, como foi o caso da Teoria da Evolução, da Críti-
ca Bíblica e do estudo científico da religião.

O fundamentalismo defende que “todos os elementos


bíblicos são sem erro”. A Expressão “inerrância das Es-
crituras” é característica desta linha teológica. No fun-
damentalismo a inspiração sobre o texto bíblico e tam-
bém sobre o cânon é total e verbal, atingindo cada pala-
vra. A obediência das pessoas ao texto bíblico deve ser
incondicional e sua interpretação tende à literalidade de
sentido. Os fundamentalistas consideram boa parte das
interpretações bíblicas liberais como heréticas e ofensi-
vas ao texto bíblico. A literalidade orienta o processo
interpretativo e, em geral, não há uma metodologia
exegética específica orientando esta linha interpretativa.
Exegetas fundamentalistas tendem a limitar-se às análises polissêmicas de expressões e
palavras isoladas do texto bíblico e não ao texto dentro de seu contexto.

2.3.3. Neo-ortodoxia

A Neo-ortodoxia ou Teologia Dialética surgiu no início do século XX como uma reação


ao liberalismo e ao escolasticismo que ainda dominava a interpretação bíblica da Igreja
desde o início do milênio. Na Neo-ortodoxia a Teologia deve começar com a Bíblia, pois é
nela que Deus e o ser humano se encontram,
dentro do incompreensível amor de Deus. Não é
o ponto de partida do ser humano para Deus. É o
ponto de partida de Deus para o ser humano. Os
neo-ortodoxos dialogam com vários métodos e
os colocam a serviço da verdade bíblica, para
eles as Escrituras devem ser estudadas tal qual
estão diante de nós, em seu formato final. A Pa-
lavra de Deus está para além das Escrituras. Ela
é a auto-revelação de Deus. O uso dos méto-
dos histórico-sociais neste curso segue esta
tendência interpretativa.
14

A auto-revelação assume três aspectos diferentes,


Página

embora seja única: a palavra revelada (da qual Jesus


é o ápice), a palavra escrita (Bíblia) e a palavra proclamada (Pregação). Deus esco-
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lheu usar a Bíblia para falar à humanidade e à igreja através dos tempos. [...] As
Escrituras não podem ser confundidas com a palavra de Deus. Ela não é diretamen-
te a revelação, mas testemunha da revelação de Deus. E, pelo testemunho do Espí-
rito Santo, ela recebe autoridade. As palavras dos testemunhos bíblicos são huma-
nas e, portanto, limitadas no tempo e no espaço. Seus escritores estavam sujeitos
a erros. No entanto, Deus pode usar qualquer parte das Escrituras, falha ou não,
para comunicar sua palavra de novo ao ser humano. (BAILÃO: 2013)

2.3.4. Evangelicalismo

Bailão ressalta que não é tarefa simples estabelecer o início do movimento evangelical,
todavia ele o situa nos avivamentos do Séc. XIX nos Estados Unidos e seus movimentos
missionários, mas com fortes raízes nos movimentos puritanos e pietistas que ocor-
reram nos EUA após a Reforma Protestante. Um dos marcos do Evangelicalismo é o
Congresso Missionário de Lausanne em 1974. Os evangelicais crêem que a Bíblia é a pa-
lavra de Deus e sua autoridade é dada pelo Espírito Santo. Acreditam que a Bíblia é iner-
rante em relação à sua mensagem, mas preferem o uso do termo “infalibilidade da men-
sagem” ao invés de “inerrância das Escrituras”, como fazem os fundamentalistas. O con-
ceito de “inerrância das Escrituras”
sofre relativizações consideráveis em
alguns aspectos da análise interpreta-
tiva dos evangelicais. Eles defendem
que a Bíblia interpreta a si mesma a
partir da mensagem central de salva-
ção. O método histórico-gramatical,
com ênfase nas questões textuais,
praticamente ignorando o contexto
histórico e social, é o mais frequente-
mente usado por exegetas evangeli-
cais.

2.3.5. Teologia da Libertação

Teólogos católicos e protestantes surgiram na América Latina na segunda metade do sé-


culo XX estabelecendo uma reflexão enraizada nas graves crises sociais, políticas e eco-
nômicas do continente que afetavam os mais pobres e os marginalizava. Para a Teologia
da Libertação a Bíblia tem que ser ferramenta da comunidade para a compreensão da
realidade na qual ela vive. “Ela é palavra de Deus que desmascara os instrumentos de
dominação e dialoga com a realidade a fim de indicar os caminhos de libertação e liber-
dade”. Os exegetas da libertação fazem uma leitura libertadora do texto bíblico (não con-
fundir com uma leitura liberal!) e utilizam os métodos originados nas escolas europeias
ou americanas. Fazem bastante uso do método histórico-crítico, com mais ênfase no mé-
todo sociológico. A Teologia da Libertação não se prende a um método exegético. Sua
ênfase está em considerar o povo como sujeito hermenêutico principal do texto
15

bíblico. A leitura libertadora é ”política, social, econômica, popular, etc; uma diversida-
Página

de de leituras que têm em comum o fato de, junto com o povo, buscarem a prática de
superação de todas as opressões do mundo concreto.” (BAILÃO: 2013)

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2.3.6. Abordagens metodológicas

A linha orientadora da interpretação bíblica produzida nas disciplinas de nossa Pós Gra-
duação em Literatura Bíblica é mais semelhante à Teologia Dialética, todavia haverá
abordagens liberais, evangelicais, libertadoras e neo-ortodoxas. A abordagem, na medida
do possível será identificada, mas não será utilizada uma abordagem fundamentalista
porque ela não abre portas para a investigação exegética e, em geral, reputa as demais
abordagens a interpretações como heréticas pois considera perigosa e nociva a exegese
realizada com ferramentas mais científicas que “espirituais” (YOFRE:1994)

16
Página

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UNIDADE 3
A TRAJETÓRIA DA TRADIÇÃO ORAL

3.1. A finalidade do texto

A Bíblia é um livro que relata muitas histórias, mas seus livros não foram escritos com o
propósito de se tornarem historiografia. Para muitos eventos da história universal a Bíblia
ainda é o único testemunho escrito, seus escritores sempre foram muito variados e não
escreveram com o propósito de colocar nas narrativas princípio, meio e fim pleno em si
mesmo. Os compiladores dos grupos de livros tiveram mais noção cronológica e sistêmi-
ca do conjunto do que seus escritores. A intenção do texto é sempre pedagógica, é de
ensino e o texto deixa o sentido moral em aberto para que seus leitores de todas as eras
o completem.

3.1.1. A oralidade por trás do texto

A autoria dos livros bíblicos não esteve na mão de apenas 40 autores. Outras centenas
de pessoas escreveram sobre Samuel, Rute, Ester, Josué e todos os livros proféticos que
recebem nomes de pessoas. São outros os que contam suas histórias. Basta ver a quan-
tidade de vezes que estes personagens, em seus pró-
prios livros, são referidos como um “ele” ou um “ela”
da narrativa (citados na 3ª pessoa do singular), inclu-
indo eventos posteriores à morte deles.

Em inúmeras passagens o texto bíblico mostra que sua


redação é muito posterior aos acontecimentos. A frase
que mais característica deste aspecto aparece repeti-
das vezes na expressão “até ao dia de hoje” – Gn
19,37; 22,34; 26,33; 32,32; 35,20; 47,23; Dt 3,14; Js
4,9; 5,9; 7,26; 8,28-29; 9;27, 10,27; 10,13; 14,11;
15,63; 16,10; Jz 1,21.26; Jz 6,24 etc.

Quando um redator expressa: “até o dia de hoje se


faz” tal coisa, ele aponta claramente para a existência
de uma tradição que foi perpetuada por meio de histó-
rias contadas, cantadas e por repetição de certos ritos
em todos os períodos anteriores até aquele momento
específico em que o texto está sendo escrito e que devem continuar se reproduzindo nas
gerações futuras. Todo texto quando é escrito tem uma longa tradição oral que lhe dá
sustentação em todos os períodos no qual não se contou com a sua escrita.

3.1.2 A funcionalidade oral


17

Se você é uma pessoa que domina alguns conteúdos essenciais do idioma Inglês ou do
Página

Espanhol certamente já deparou com a situação de assistir um filme legendado e depois

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notar uma grande diferença na construção da tradução de frases quando assistiu uma
versão dublada do mesmo filme.

Isto acontece porque na língua original há conceitos que, se traduzidos literalmente na


língua do ouvinte ou do leitor, não terão o mesmo simbolismo ou a mesma função semió-
tica. Quando um tradutor dubla um filme ele precisa adaptar os movimentos de lábios
dos personagens com as frases estruturadas na tradução do script, para isso ele precisa
adaptar as falas com o texto.

Quando várias pessoas lêem um mesmo livro ou assistem a um mesmo filme, alguns
aspectos são vistos ou entendidos de formas diferentes por cada uma delas. Mas a es-
sência é a mesma. Todos são capazes de discorrer sobre o livro ou sobre o filme, man-
tendo umas ideias-chaves em comum, mas cada qual conta sua versão. O mesmo acon-
tece na tradição oral.

3.2. Qual narrador está falando a verdade?

Como podemos lidar com as inúmeras divergências narrati-


vas de um mesmo evento bíblico, encontradas em textos
diferentes? Façamos um laboratório.

Tomemos como exemplo a narrativa do recenseamento feito


por Davi e reprovado por Yahweh. O mesmo episódio está
registrado em dois livros bíblicos bem diferentes e ambos os
relatos foram redigidos bem depois dos acontecimentos his-
tóricos. Somam aproximadamente 800 anos de diferença.
Este exemplo é bastante prático para entender o papel da
tradição oral e como ela se modifica com o tempo.

Segundo Donner, estima-se que o reinado de Davi aconteceu


entre os anos 1004/3 até 965/964 AEC (DONNER, 2000).

Os teóricos desde Wellhausen, passando por Weiser, Noth


e Smend estabelecem grande discussão sobre o longo processo redacional dos livros de
Samuel. Para uma compreensão da lógica entre tradição e texto, considera-se que os
livros de Samuel estavam concluídos no pré-exílio, por volta dos séculos VII-VI AEC. O
relato de Samuel registrou a seguinte interpretação do ato de recenseamento decretado
por Davi:

Tornou a ira do SENHOR a acender-se contra os israelitas, e ele incitou a Davi con-
tra eles, dizendo: Vai, levanta o censo de Israel e de Judá. (2 Samuel 24:1)

A pesquisa mais recente considera que os livros de Crônicas também passaram por longo
18

processo de redação e que esta obra ficou completa por volta do II século AEC, quando
os judeus foram duramente testados em sua identidade religiosa pela opressão dos gre-
Página

gos. O relato de Crônicas se refere ao mesmo evento, porém registrou da seguinte for-
ma:
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Então, Satanás se levantou contra Israel e incitou a Davi a levantar o censo de Is-
rael. (1 Crônicas 21,1).

Como pode haver tamanha contradição histórica na mesma Bíblia? Quem incitou quem?
Davi, Deus ou o Diabo? Quem está falando a verdade, Crônicas ou Samuel?

3.2.1. Três perguntas sobre o texto

A resposta a estas perguntas será encontrada em três palavras básicas que orientam
todo o trabalho do exegeta: autor, data, ideologia.

Sobre Davi:
• Autor do evento: Quem praticou o recenseamento? Davi;
• Quando recenseou? Entre os séculos XI e X AEC (DONNER:528);
• Com que intenção praticou? Há um extenso debate teológico que não conse-
guiremos esgotar, nem é nossa finalidade neste momento, mas já podemos
saltar para o período seguinte...

Sobre o relato de 2 Samuel:


• Quem escreveu Samuel? Diversos autores provavelmente ligados à tradi-
ção/ofício profético – há um debate extenso que pode ser deixado para outro
momento também;
• Quando escreveu? Entre os séculos VII e VI AEC, é a opinião da maioria dos
pesquisadores não fundamentalistas sobre sua datação (NIEHR: 194ss);
• Com que intenção escreveu? – O livro de Samuel está num compêndio cha-
mado Historiografia Deuteronomista que estudaremos depois e tinha um pro-
pósito teológico e pedagógico específico para o povo de seu tempo.

Sobre o relato de 1Crônicas:


• Quem escreveu os livros de Crônicas? Muitos autores cronistas ligados à tradi-
ção/ofício sacerdotal – há também um debate extenso que pode ser deixado
para depois;
• Quando escreveu? Considera-se a obra por concluída no séc. II AEC (STEINS,
211ss)
• Com que intenção escreveu? – Os sacerdotes deste período estavam muito
preocupados com a perda da identidade teológica do povo de Yahweh, escre-
veram para alertar sobre aquilo que afastava as pessoas dos caminhos de
Deus nos dias das grandes tribulações causadas pela dominação grega.
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3.2.2. A distância entre o evento e o texto

Dos dias de Davi até os dias em que 2 Samuel foi escrito (aproximadamente 400 anos) a
história foi contada de boca em boca. Cada contador da história contou do seu jeito. De-
pendendo da região onde estava este contador e do círculo social ao qual pertencia, ele
dá mais ou menos ênfase a certos aspectos da narrativa de acordo com a finalidade com
a qual ele conta a história.

Um mesmo contador poderá enfatizar nuances diferentes dependendo de (i) qual seja o
seu público e (ii) qual a moral da história que deseja aplicar. As tradições representadas
neste texto evoluem de acordo com seus contadores ou cantadores, enfim, daquelas
pessoas que a transmitem sem o uso da leitura.

Chega um momento na história da tradição oral no qual é possível reproduzir aquele con-
teúdo narrativo de forma que tenham comum acesso e compreendam sua finalidade mo-
ral de modo geral e regulador. É neste momento que se sente necessidade de transfor-
mar a narrativa oral em narrativa escrita. Quando isto acontece a oralidade vira texto.
Vejamos o gráfico a seguir:
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3.2.3. A releitura redacional

Podemos nos perguntar: mas se o relato já estava documentado em Samuel porque foi
necessário escrevê-lo novamente em Crônicas? A resposta a esta pergunta se dá por
outras três palavras importantes: contexto cultural – identidade – teologia.

Os livros de Crônicas foram escritos num período da história de Israel no qual a identida-
de nacional estava muito ameaçada pela cultura helênica e pelo poder opressor dos se-
lêucidas, que marcaram o Império Grego com uma dominação muito cruel. No momento
em que Crônicas foi escrito (praticamente 800 anos depois de Davi e 300 anos depois de
Samuel), o povo tinha necessidades diferentes. Os eventos do passado precisavam ser
contados para ensinar novas lições, com novos propósitos morais e reguladores. A ten-
são sobre (i) os judaítas no séc. II AEC é muito diferente das tensões sobre (ii) os
israelitas da época da redação de Samuel e principalmente do período em que o
evento aconteceu, durante (iii) o reinado de Davi.

Isto significa que as mudanças na linearidade da história abalam a cosmovisão de um


povo e afetam substancialmente a forma e a finalidade com a qual os eventos do passa-
do são contados para as gerações seguintes. Este segundo modo de contar o mesmo
21

evento, proporcionando ao mesmo um novo significado e finalidade pedagógica chama-


mos de releitura. Trata-se de um novo processo interpretativo lançado sobre um texto
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já escrito a fim de extrair dele lições não aprendidas no primeiro momento da redação
textual.

Quando o novo texto surge, ele precisa atualizar as diferentes tradições orais após a ela-
boração do primeiro texto mantendo sua essência para torná-lo normativo e regulador.
Se o evento precisa passar por uma releitura, isto é, um novo processo interpretativo,
ele pode contar a mesma história que o texto mais antigo com nova ênfase e finalidade,
isto é, com novo processo hermenêutico.

Citamos um processo de releitura que ocorreu sobre a narrativa de um mesmo evento


bíblico, porém com dois registros literários diferentes (e de certa forma antagônicos) no
próprio texto bíblico. Este processo de releitura pode ocorrer inclusive dentro de um
mesmo livro, como acontecerá diversas vezes nos livros proféticos, dando origem a dife-
rentes camadas redacionais.

22
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3.3 A trajetória da Tradição Oral


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A tradição oral não precisa alocar o evento numa data estabelecida no calendário, no
tempo e no espaço. Na oralidade o evento narrado tem vida própria, ensina suas lições e
comunica suas próprias intenções. A Tradição Oral conta o evento como se conta uma
história: “era uma vez”, ninguém sabe exatamente quando, mas sabe que aconteceu.

Em algum momento há necessidade de se escrever um texto harmonizando as diferentes


tradições a fim de criar preceitos morais que servirão de base para normatizar a ética
daquele determinado grupo e para suas gerações seguintes. O texto surge para atender
necessidades deste determinado momento e grupo específico. Este direcionamento cultu-
ral não pode ser perdido, pois por meio dele é que conseguimos aplicar o texto para nos-
sos dias.

Isto nos ajuda a perceber que a alteração de uma nar-


rativa sagrada não é exatamente uma heresia como os
conservadores afirmam. É, muito mais, uma compre-
ensão equivocada dos processos travados na própria
formação do texto canônico. Mais um tabu do que uma
reverência ao texto, pois os próprios escritores bíbli-
cos, para torná-lo ainda mais sagrado, precisaram
agregar significado ao texto e eles mesmos alteraram
seu teor original. O próprio processo redacional me-
xeu, escreveu, retocou reescreveu diversas vezes o
mesmo conteúdo. Fez isso até que o texto assumisse
um formato narrativo que atendesse às necessidades
específicas de seu momento de nascimento e das ge-
rações futuras. Prestando esta natureza de serviço à
sua sociedade original, o texto pôde, finalmente, ser
canonizado deixando de sofrer retoques redacionais.

Considerando esta trajetória fica muito simples entender por que certos textos dentro da
Bíblia nos parecem tão contraditórios (como o exemplo utilizado e outros inúmeros con-
trastes que a literatura bíblica nos oferece). O estudo da linguística aplicada nos permite
identificar expressões que não eram usadas em determinada época, mas passaram a ser
utilizadas depois de certo período.

Por esta razão, nosso diálogo com o texto bíblico deve sempre buscar a origem deste
texto, tentar entendê-lo no contexto do seu surgimento, entender os processos econômi-
cos, sociais, políticos e religiosos pelos quais passou o grupo redator e o grupo receptor
original do texto. Compreender a história da tradição oral é tão importante quan-
to compreender a história da recepção do texto, e isto será feito numa disciplina
mais adiante em nosso curso.
23

A transmissão oral exerceu papel decisivo nos processos de formação e interpreta-


ção da Bíblia, isto é, nos momentos iniciais, quando a palavra viva dos narradores e
Página

profetas se converteu em escrito e nos momentos finais, quando o escrito começou


a ser interpretado, primeiro em forma oral e ao mesmo tempo servindo-se de ma-

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teriais da tradição oral. Na verdade estes momentos iniciais e finais não estavam
sempre e necessariamente distanciados no tempo. Os dois processos aconteciam
necessariamente juntos. (BARRERA:125)

24
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UNIDADE 4
PERGUNTAS FEITAS AO TEXTO

O exercício exegético consiste de um contínuo jogo de perguntas e respostas. As incerte-


zas sobre o texto são a força-motriz do trabalho da exegese. Logicamente, o conjunto
das hipóteses encontradas no processo fornece o cenário investigativo para o exercício
hermenêutico.

Toda hermenêutica que é produzida com a base exegética é uma hermenêutica


com amparo científico. A hermenêutica produzida sem a base exegética é uma herme-
nêutica intuitiva, que necessariamente utiliza muitos recursos da alegoria na compreen-
são do texto. A intuição não é negativa ao exercício exegético; na verdade, é com base
nas suspeitas hermenêuticas que brotam desta leitura intuitiva que nascem as questões
mais férteis para o trabalho da investigação exegética. Elas andam de mãos dadas, mas
deve-se ter o cuidado de buscar o amparo exegético para efetuar uma hermenêutica
mais consistente sobre o texto.

Nesta unidade veremos quais perguntas devem ser feitas ao texto bíblico para situar o
texto em sua base histórica e social. Também veremos quais perguntas são feitas ao
texto para especificar o roteiro exegético de investigação. Fazer as perguntas certas ao
texto bíblico é uma feliz aventura de descoberta de centenas de detalhes que nos passam
imperceptiveis numa uma leitura superficial.

4.1. As perguntas primordiais

Todo texto é fruto da cultura de seu tempo. Entendê-lo


não é apenas interpretá-lo na atualidade, mas com-
preendê-lo no momento da sua gênese.

No item 3.2.1 vimos que as primeiras três informações


que devemos obter sobre um texto bíblico são autor,
data, ideologia. No item 3.2.3 verificamos que o en-
tendimento correto das três primeiras informações nos
conduzirá, inevitavelmente, a outras três informações:
contexto cultural – identidade – teologia. Estas,
por sua vez, começam a definir o cenário onde nasce o
texto bíblico. O Método Exegético consiste em criar
um sistema de trabalho investigativo que objeti-
va responder estas perguntas. Aprenderemos os
métodos disponíveis na disciplina Exercícios Exegéticos, por ora vamos entender o pro-
cesso preliminar de lançamento de perguntas ao texto.
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4.1.1. Data e local

Em que época e em que região foi escrito o texto? Há que se considerar que quando fa-
lamos da região onde nasce um texto não estamos falando de um livro inteiro estamos
falando de um trecho pequeno que está sob investigação exegética. No interior de um
único livro bíblico há vários pedaços menores que chamamos blocos de textos e os peda-
ços ainda menores dentro dos blocos chamamos de perícopes e este conceito vai nos
acompanhar até o final desta pós-graduação. A perícope é uma unidade de sentido
dentro do texto bíblico, que se extraída do mesmo consegue ser entendida por
si só.

Um livro bíblico é composto de muitos pedaços autônomos de narrativa que foram escri-
tos em diferentes épocas e lugares e depois foram colecionados, ordenados e enfim com-
pilados numa coletânea ordenada com uma lógica teológica, mas ele não nasceu desta
forma.

4.1.2. Autoria

Quem escreveu este texto? Não podemos esquecer que o


texto fala de alguém. Quem está falando de quem? Não basta
usar a intuição de um jeito simplificado afirmando que o livro
de Rute foi escrito por Rute, Ester por Ester, Samuel por Sa-
muel e assim por diante. Dificilmente os nomes dos livros
representam seus autores, salvo em trechos menores ou em
episódios espaçados na própria coletânea onde o narrador
fala na primeira pessoa e este narrador é o personagem que
dá nome ao texto.

Deve-se perseguir quem é o narrador que aparece no texto


falando na primeira pessoa: quem é o “eu” da narrativa e
quem é o “ele/ela”? Quem é o “eu” do texto? (esse é quem
fala) E quem é o “ele” do texto? (é sobre deste que se fala no
texto).

4.1.3. Ideologia

Ideologia é um conceito denso e extenso quando se fala de narrativas bíblicas. Isto por-
que, teoricamente, nos ensinaram que todo escritor bíblico foi divinamente inspirado pa-
ra escrever do jeito que Deus desejava. Na verdade os escritores bíblicos viveram em
situações históricas complexas, com interferência de países estrangeiros dominando seu
território. Sua ideologia e sua teologia foram impregnadas de influência estrangeira e de
tentativas de definição teológica do próprio Israel tentando encontrar seu caminho de
obedecer a Deus e funcionar como um povo eleito.
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Qual é a ideologia presente no momento em que o texto está sendo escrito? Qual é o
sistema que regula o imaginário teológico dos autores do texto sob análise? Este imagi-

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nário é transferido para o texto, mesmo que não corresponda ao imaginário dos perso-
nagens que protagonizam a narrativa, porque se fala de personagens de outro momento
da história, diferente do momento em que o texto está sendo escrito.

4.1.4. Contexto sócio-histórico

Que eventos históricos estão acontecendo quando este texto surge? Sabemos que os
eventos da história provocam mudança na forma como a tradição oral se comporta.
Quais são os eventos que estão sendo narrados no texto? O autor conta estas histórias
sob que tipo de influência do seu momento histórico? O que está acontecendo na política,
na economia, na história e na sociedade do momento em que o texto está nascendo?
Quais são os grupos sociais ali representados, tanto no mundo narrado no texto escrito
quanto no mundo do escritor do texto?

4.1.5. Identidade

Como Israel se percebe enquanto nação no momento em que o texto está sendo escrito?
Os episódios da história modificam a imagem que Israel tem de si mesmo: (i) Num mo-
mento o povo se proclama herança do Senhor e em (ii) outro momento histórico se diz
abandonado por Yahweh. O escritor bíblico também possui uma identidade enquanto is-
raelita e enquanto indivíduo. Como este escritor se percebe? Qual é sua identidade soci-
al? A que círculos sociais ele pertence?

4.1.6. Teologia

A forma como Israel compreende a identidade do seu Deus se reflete no texto. Como se
fala de Deus no grupo de pessoas que supostamente redigiu este texto ou ao qual per-
tence seu autor ou autores? Como Israel percebe Deus? Sabemos que os profetas tinham
uma percepção de Yahweh tão diferente da percepção que o povo e seus governantes
possuíam que muitas vezes eles ficavam contra o povo e seus governantes para conse-
guirem se posicionar ao lado de Yahweh. Como se fala de Deus neste texto? 27
Página

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4.2. Perguntas da investigação exegética

No processo exegético, apenas as perguntas primordiais não são suficientes. O exegeta


precisa perguntar mais, desdobrar estas perguntas iniciais em outras perguntas subja-
centes que tentam descobrir os detalhes das entrelinhas do texto, que não estão muito
visíveis para quem lê rapidamente, mas que elucidam muito sobre a vida do texto no
momento em que ele nasceu e nos momentos posteriores nos quais veio sendo lido; de-
ve esgotar as possibilidades de resposta ao texto.

4.2.1. Tema central e o fio-condutor

Qual é o tema central do texto? Toda perícope é escrita sobre um tema e a forma como
as ideias vão sendo construídas no entorno deste tema dão o enredo da narrativa, da
profecia ou do poema. Qual é o fio condutor que dá sentido à perícope?

4.2.2. Gênero e estilo literário

Por se tratar de uma coleção de textos escritos em muitas épocas diferentes e por inú-
meras mãos, ele passou por diferentes processos redacionais algumas vezes mantendo-
se com acabamento literário rudimentar e outras de maior refinamento literário.
28

Existem no texto bíblico tradições históricas, jurídicas, proféticas, sapienciais, dos cantos,
dos evangelhos, das epístolas e do apocalipse. Em cada uma destas tradições encontra-
Página

mos desdobramentos de estilos literários menores. Por exemplo, nas tradições históricas

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encontramos textos escritos em formato


de novela, em forma de narrativa histórica,
em formato de saga, formato de lenda,
etc. (SILVA: 2000).

Tomemos apenas uma das categorias, a


das sagas, por exemplo. Existem (i) sagas
de tribos ou povos, (ii) sagas de heróis e
Des.italy

(iii) sagas de lugares. Cada uma das cate-


gorias das tradições ou gêneros literários
dá origem a vários estilos menores. Desta
forma a diversidade dos estilos e gêneros
literários é muito vasta. Mas ela não é acidental, ela possui um propósito na forma como
a mensagem do texto é comunicada.

4.2.3. Código

Como as palavras se articulam no texto? Da mesma forma que os gêneros e estilos são
usados com arte no texto bíblico, a forma como as palavras são escolhidas ou as frases
são construídas também possui um propósito na comunicação da mensagem. Aqui entra
um dos estudos mais ricos e fascinantes sobre o texto bíblico: a semiótica. A simbologia
das palavras dentro da cultura original e o propósito do uso desta simbologia quase ge-
ram uma pós-graduação à parte de tão rico que é o assunto. A forma de arrumar estas
palavras com carga simbólica também fornece uma lógica estrutural no texto que enri-
quecem a mensagem e chamam a atenção para seus aspectos viscerais.

4.2.4. Intentio Auctoris

O termo vem do latim para definir a intenção original do escritor do texto. Qual deve ter
sido a intenção original do autor do texto ao escrevê-lo? Quando estudamos um pouco da
tradição oral no módulo anterior, percebemos que todo nascimento de texto tem um ob-
jetivo pedagógico. O que o autor do texto tinha intenção de ensinar aos seus leitores
quando deixou o texto com sua composição final como chegou em nossas mãos?

4.2.5. Destinatário

Para qual grupo o texto foi originalmente redigido? Esta é uma pergunta de suma impor-
tância para o exegeta e que dificilmente passa pela mente do intérprete intuitivo da Bí-
blia. O texto foi escrito para um público original de leitores. Quem são estas pessoas? O
que elas faziam? Por que elas precisavam deste conteúdo?

4.2.6. Intentio Lectoris


29

Da mesma forma que o autor original tinha uma intenção ao escrever o texto, o leitor
Página

original; o leitor posterior (o leitor da história da recepção) e o leitor contemporâneo se


aproximam do texto bíblico, cada qual com sua própria intenção. Qual foi a intenção com
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a qual o texto foi lido pelo seu público original? Se o redator deixou um texto escrito com
uma intenção, os seus leitores tiveram igual intenção ao lê-lo ou tiveram outras inten-
ções?

4.2.7. Recepção

Igualmente complexa é a história da recepção deste texto. Como o texto foi sendo rece-
bido e propagado pelos seus leitores dos tempos posteriores? O que os leitores do texto
faziam quando compreendiam e reproduziam tal conteúdo? Uma história da recepção do
texto analisa os elementos integrantes dos processos interpretativos dos textos gerados
pelas diferentes culturas que o interpretam. Por conta disso, dá especial valor aos mitos,
ritos, símbolos presentes, tanto nos textos sagrados quanto na cultura que o interpreta.

Um exemplo embutido no próprio texto bíblico é a


história da dinastia de Davi, registrada na Histo-
riografia Deuteronomista (Js, Jz, Sm e Rs) a

David vitorioso sobre Golias, quadro de Michelangelo Caravaggio


partir de fontes mistas do norte e do sul, que res-
salta com alguma nitidez a oposição sofrida por
Davi pelos naturais “eleitores” de Saul e seus des-
cendentes. A narrativa sobre Davi nos livros das
Crônicas, pós-exílico, com esperança messiânica
sobre a recuperação do trono pelos descendentes
de Davi, faz uma leitura superficial das questões
do norte e supervaloriza a família de Davi no tro-
no, enfatiza os aspectos legitimadores, “esque-
cendo” de mencionar os aspectos negativos desta
liderança ou trata-os com baixa prioridade. A
narrativa de um mesmo rei e sua descendência é,
assim, recebida em dois momentos diferentes da
história da mesma nação com nuances e ênfases
tão diferentes que quase parecem opostas. Isso
mostra como a recepção do texto muda conside-
ravelmente o teor do conteúdo narrado.

O estudo da transformação da tradição oral em texto canônico e da história da recep-


ção do texto que ocupa este meandro será feito na disciplina Fenomenologia do Texto
Sagrado.

4.2.8. Metodologia

Como se pode observar, o processo de investigação exegética é um mergulho no mundo


fascinante do texto bíblico que permanece inexplorado à maioria de nós. É, portanto, um
rico exercício de redescoberta da Bíblia na sua essência e na sua mensagem, de recupe-
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ração da paixão e do fascínio pelo seu estudo.


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O estudante pode ficar um pouco perplexo sobre a subjetividade de tantas perguntas ao


texto. Por exemplo: é possível descobrir com que intenção alguém, três mil anos atrás,
escreveu uma narrativa? É nesta hora que a intuição levanta diversas suspeitas, pelos
sinais deixados no próprio texto. Na exegese nunca se encontra uma única resposta para
cada pergunta, mas um leque de possibilidades para cada uma delas. A exegese não tra-
balha com certezas, mas sim com as dúvidas sobre o texto e sobre suas possíveis res-
postas. Estas perguntas e respostas não são dadas sem critério ou aleatoriamente.

A metodologia utilizada para respondermos a cada pergunta que se faz ao texto será
estudada sistematicamente nas disciplinas Método Exegético, Exercícios Exegéticos
sobre o Primeiro Testamento e Exercícios Exegéticos sobre o Segundo Testa-
mentos. Esse é o objetivo principal deste curso, ensinar o pesquisador a fazer perguntas
ao texto bíblico e obter dele o maior leque possível de possibilidades de respostas.

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UNIDADE 5
AS TRÊS CRONOLOGIAS

Quando lemos o texto bíblico fluentemente, não nos damos conta que a história nele nar-
rada não está registrada numa perspectiva linear. Ela foi arrumada linearmente, na me-
dida em que as repetições de conteúdo foram permitindo. Mas a tradição oral por trás do
texto não tem compromisso com o tempo. A lição aplicada pela oralidade é permanente,
o importante é entendermos a “moral da história” que o contador de histórias quer que
reflitamos.

Um princípio fundamental para nos relacionarmos bem com as datações e períodos das
narrativas bíblicas é imaginarmos uma estrada grande, larga, com três pistas num mes-
mo sentido. Elas começam numa mesma origem e terminam num mesmo destino, mas
as pistas desta estrada não foram construídas ao mesmo tempo e nem com a mesma
função.

5.1. A Cronologia do Evento

Imagine que a primeira pista, a mais lenta, a do canto direito é a linha do tempo que
estabelece a Conologia do Evento.

Quando o ser humano passou a existir?


Há quanto tempos habitamos o planeta?
Que eventos configuram o início da vida humana?

Estas perguntas ainda divertem os cientistas. Independente de o Universo existir muito


antes da presença humana, a narrativa bíblica só existe porque seres humanos a docu-
mentaram.

Ainda que os textos bíblicos se refiram a ações de Deus na história da humanidade, é a


perspectiva humana que está sendo impregnada na narrativa. Enquanto não existiu a
escrita, estas histórias de eventos eram contadas no estilo da tradição oral. Quando fala
do início da vida dos animais, das plantas, dos seres humanos, coloca a informação “num
princípio”, como consta em Gênesis 1,1, sem fixar uma data. “Muito tempo atrás”...

É assim que a história do even-


to começa a ser narrada, numa
linguagem que coloca a origem
do mundo, da criação e do ho-
mem em Deus, o Criador. Este
tipo de linguagem é chamada
de Linguagem Mítica (CRO-
ATTO:1996). Na Cronologia do
32

Evento os episódios possuem


certa ordem de acontecimen-
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tos, sabe-se dizer mais ou me-

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nos os períodos da história humana que os episódios aconteceram, mas não há uma pre-
ocupação em fixar datas. O evento fala por si próprio, ensina suas lições e comunica suas
próprias intenções. O evento narrado é fato consumado, e dali se começa a contar a his-
tória, que vai sendo repetida ao longo dos anos.

5.2. A Cronologia da História

Quando o ser humano aprende a fixar períodos do tempo ele mesmo começa a contar as
histórias de sua existência. Histórias das quais ele tem
consciência. Não histórias que estão presas à lingua-
gem mítica que não se preocupa com datas. À crono-
logia da história interessa os eventos humanos com
períodos bem estabelecidos numa linha do tempo.
Esta linha do tempo é a Cronologia da História Uni-
versal.

Ela corresponde à pista central da nossa estrada. Nela


os passantes de todos os estilos, raças e etnias de
todos os tempos circulam. Eles podem dar as mãos
aos contadores de história da tradição oral que estão
na pista atemporal e mais lenta da direita. Também
cedem espaço à nova pista da esquerda que trará ou-
tro tipo de passantes.

A história universal tem sua própria linearidade. Even-


tos célebres da humanidade acontecem sucessivamente estabelecendo uma lógica linear.
A pista central é a estrada “mais lúcida” de todas, é a ela que recorrem os lentos da tra-
dição oral e os apressados da narrativa escrita. Na Cronologia da História estão contidas
as histórias dos grupos narradores e também de seus vizinhos ou dos grupos dos quais
nunca ouviram falar.

5.3. A Cronologia do Texto

Esta é a cronologia que usa elementos da pista da direita e da pista central, mas na ver-
dade, pelo seu poder de síntese histórica embutida no relato escrito, a pista da esquerda
é a que leva mais rápido ao destino. No texto estão contidos eventos da tradição oral,
eventos humanos da história universal e os eventos geradores do próprio texto que nas-
ce. O texto conta histórias do passado e do presente, e conta para atender necessidades
de um determinado momento na história deste grupo específico. Este direcionamento
cultural não pode se perder de vista.

A pista da direita é a linha do tempo mais antiga e mais longa. A pista central é bastante
longa, mas teve início em algum lugar da linha do tempo, a pista da esquerda é a mais
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recente, mas ela conta aquilo que foi vivenciado tanto na narrativa mítica quanto na his-
tória universal. O texto só pode ser produzido a partir do momento em que há escrita e
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do surgimento da escrita o texto é dependente.

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Por exemplo, o caso do Antigo Testamento, os documentos arqueológicos mais antigos


em língua hebraica datam do século X AEC. Isto significa que toda narrativa bíblica escri-
ta originalmente em hebraico3 só pôde ser redigida a partir da época de Davi. Toda a
história anterior a Davi foi escrita em hebraico a partir do período histórico do seu surgi-
mento.

Ainda não há evidências arqueológicas de que a grafia dos


idiomas proto-cananeus documentaram eventos registrados
nos textos bíblicos. Se houve testemunho escrito anterior a
Davi, estava numa outra língua. Este é o grande mistério
que inquieta os estudiosos que tentam descobrir o que es-
tava escrito de fato nas tábuas dos dez mandamentos, uma
vez que a ciência não nos permite afirmar que fosse hebrai-
co. Isto não significa que não houvesse as tábuas ou que
não houvesse nada escrito nelas, mas como afirma Croatto,
o mito é uma das formas de se contar a realidade. (CROAT-
TO:1996)
34

3
Ilustração: Calendário de Gezer. Documento arqueológico mais antigo do mundo em
Página

língua hebraica. Ele é a referência para se afirmar o surgimento do hebraico no séc X


AEC.
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5.5. Ver e entender para não esquecer


A arte de Hudson Silva

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5.6. Referências Bibliográficas deste Módulo

BAILÃO, Marcos Paulo Monteiro da Cruz. O lugar da Bíblia na Igreja e no Mundo: uma
visão protestante. Em: MARIANNO, Lília Dias (org.). Bíblia, violência e direitos hu-
manos: contribuições ao V Congresso Brasileiro de Pesquisa Bíblica. Rio de Janeiro:
ABIB/ Eagle Books, Kent: Fdigital, 2013, p. 235-247.
BARRERA, Julio Trebole. A Bíblia judaica e a Bíblia cristã. Introdução à história da Bíblia.
2ª. ed. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 125.
CROATTO, José Severino. CROATTO, Jose S. O mito como interpretação da realidade.
Considerações sobre a função da linguagem de estrutura mítica no Pentateuco.
Em: Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana, Petrópolis, n. 23, 1996, p.
7-22.
DONNER, Herbert. História de Israel e dos povos vizinhos, vol. 2 – Da época da divisão
do reino até Alexandre Magno. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 528.
NIEHR, Herbert. Os livros de Samuel. Em: ZENGER, Erich e VVAA – Introdução ao Antigo
Testamento. São Paulo: Loyola, 2003, p. 194-201.
SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia da Exegese Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000,
p. 185-201.
SIMIAN-YOFRE, Horacio (coord.) Metodologia do Antigo Testamento. São Paulo: Loyola,
1994, p. 13.
STEINS, Georg. Os livros das Crônicas. Em: ZENGER, Erich e VVAA – Introdução ao Anti-
go Testamento. São Paulo: Loyola, 2003, p. 210-222.

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