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A CULTURA DO ODIO A identidade cultural como justificativa da limpeza étnica 1m 1994, uma guerra cil explodiu Ee Ruanda, pais da Africa Central, {deixandio um saldo de mais de 500 ‘mil mortos, em poucas semanas. Tutsis Hutus, que durante anos conviveram por meio de uma toleriincia artificial — ora mantida pelo terror da monarquia (que deixou de existirno pais em 1962), ora pela imposi¢ao de autoridades ceuropéias — deixaram extravasar 0 6dio profundo € provocaram um derra- ‘mamente de sangue, ressuscitando uma luta territorial de 400 anos ards. Em 1975, encerrando 400 anos de dominio portugues, aviolenta ocupagaio «da Indonésia sobre a metade leste da ilha do Timor resuliou namortede um terco da populacao local. Duzentas mil pessoas morreram em consequiéncia da represso, em um conflito que ji dura 24 anos, Um menino albanés segura a irma no campo de refugiados de Kukes na Albénia ‘Ana Waster, KaRen ARwan € SABRNA Duzentos mil também foi o niimerode curdos mortosna década de 80 no Imque, Agora, € a Turquia que tenta ernadicar o maior poyo sem patria de seu territ6rio, Ao total sio 30 milhd de curdos espalhados por quatro paises (114, Iraque, Turquia e Siria). Enquanto direitos humanos basicos thes sio negados, © sonho por um tecrit6rio independente fica mais distante, Somando-se todos os conflitos que existem no planeta, hé quase 22,3 milhées de refugiados. (© nacionalismo exacerbado foi a causa da fuga em massa de mais de um milhao de kosovares de origem albanesa, desde que © conflito tomou ECLETiCA 5 - JAN/JUN 1999 forca em. 1989, com a eliminagao da autonomia administrativa e cultural da provincia. © némero de refugiados aumentou substancialmente depois que se iniciaram os bombarcleios da OTAN sobre a regio, em margo deste ano. Desde a morte do lider iugoslavo, Tito, em 1980, 0s sérvios, com © apoio do novo governante, Slobodan Milosevic, promovem uma limpeza étnica na provincia mais pobre da regiio, em nome de uma identidade nacional: a Grande Seria Guerras no Afeganistio, na Alia, em Serra Leoa, no Burundi e na Bosnia. Somando-se todos os contflitos que existem no planeta, 0 Alo Comissariado das Nagdes Unidas para Refugiados (ACNUR) calculou que ha quase 22,3 milhdes de refugiados. “AHlist6ria tem se encarregado de ‘mostrar que as desavengas entre’ povos € Estados sao uma constante, Idealizar ‘uma forma de convivéncia haménica entre etnias ou grupos diferentes ¢ uma Utopia que niio sera aleangada apenas com a boa vontade da Organizagao do ‘Trataclo do Atiantico Norte (OTAN), nem de qualquer outra liga internacional Guerra e etnocentrismo Inerente a qualquer cultura, © etnocentrismo € 0 bergo de tanta discérdia, Em varios casos, sociedades encaram as diferengas de valores estéticos, de riqueza ou religiosos como ‘uma afronta, Ha registros de guerras desde os tempos mais remotos, quando ‘05 primeiros povoscomerarama entrar ‘em contato. Os ensinamentos do chinés Sun Tau, do clissico A arte da guerra, foram escritos hd mais de vinte e cinco séculos, m é hoje se manual de estratégias militares, (Quando umaetnia julga aoutrain- suas concepgdes linguistic na verdade, encontrando formas de se auto-afirmar fetior culturais ete - esta, ‘A identidade nacional torna-se menos vulnerivel, menos etérea, quando 0 outro ~ 0 diferente ¢ estranho ~ € chamado debizarto e € negado. F uma forma de supressio para 0 proprio enaltecimento. Sociedades julgam-se superiors na sua forma de organizagao social € consideram tudo 0 que pertence a sua nagao, tudo 0 que pode afirmar a identidade daquele povo, preferivel, « por isso, se auto-incumbern da miss40 de transferir para outros grupos seus padrdes étnicos. O conflito surge ‘quando uma das partestenta sobrepor suas concepedes culturais sobre as das outras. £0 caso do nacionalismo extremado, um etnocentrismo de cavsas politicas © problema ainda se \grava quando as fronteiras entre paises s40 definidas segundo interesses externos. Os paises do Oriente Médio sao ‘exemplos tipicos de repugnancia étnica e cultural, A luta pela posse de Jerusalém éa demonstraca0 da suposta superioridade dle um povo sobre 0 outro. 4 cidade tem importincia historica € religiosa para todos, mas cada um se julga capaz de ter um senso cxtico justo finiro dominio sobre a regio. Se a Unido Soviética se manteve hegeménica mesmo reunindo 140 nacionalidades diferentes sobo mesmo govemo, foi porque o poder central as comandava a pulso de ferro. Foi justamente qu: comunismo russo enfraqueceu que se encadeou a \do © poder fisico do sie de conflitos no leste Etnias que antes eram europeu. obrigadas a conviver, abrindo mao de certos valores culturais em nome deum Estado maior, agora tentam recuperar sua identidad ma das causas de grande parte as étnicas na Africa so as fronteiras geograficas artficiais - que pouco tém a ver com as culturais impostas por séculos de colonizaga0. A intoler.incia entre grupos internos é um problema comum naquele continente, fazendo com queexistam, atualmente, das lu mais de sex milhdes de refugiados, ‘gragas a conflitos em metade dos seus 53 paises. Ultranacionalismo Ha de se notar que, em cada um cesses casos, existe 0 interesse po- icoem criar uma iden- tidade nacional. O 6dio disseminado entre os sérvios sobre outras ‘etnias, como a albanesa, é fruto de um pesado investimento politico. 0 lider Slobodan Milosevic deixa isso claro ao proporumEstado tinico comandado pelos sér- vios. Este projeto, que despertou forte adesio fandtica, se inspira na, reconstrugao mani- pulada da hist6ria, Assim como © passado pode oferecer fundamentos para esclarecer o presente, também pode obscurecé-lo de acordo com interesses politicos. A hist6ria ¢ utlizada como instrumento capaz de organizar intelectualmente 0 6dio, No finall do século XIX, Alfred Nobel decidiu dividir sua fortuna entre aqueles que compartilhassem de sev ideal construcao de uma humanidade mais igualitéria, (Ora, nao devemos esquecerque a ‘Guerra na lugosldvia comegou dez anos ap6s os 600 anos da Batalha de Kosovo (1389), quando os sérvios foram der- rotados pelostureos. Umlidernacionalista como Miloseviccompreend 0 valorda historia como estimulo para a agio. O confito nos Baleas fo! imtoxicado pelo 6dio racial, mas também profundamente permeado por um passado complexo. ‘Como Winston Churchill definiu uma vez, sproduzem nals historia do que ‘os Bak podem consumir” N40 86 no leste europeu, mas em todas as paries, 0 nacionalismo radicalizado justifica sua intolerancia frente a outras etnias a partir de rixas antigas, O ulvanacionalismo cria 2 monstruosa fabula deque quem est do Fevetica 6-JAN/JUN 1999 Fob: hiip//sucsicorg! Soldado saudia, no provincia da Bésnio, exibe @ cobega decepada de um camponés sérvio. outro lado € assassino, enquanto 0 seu povo € avitima inocente. Para sustentar essa idéia, tiveram que convencer a populagio de que seus antepassados vvinham sendo massacrados desde tem pos imemoriiveis, A limpeza étnica se justificana por ser um passo inevitavel para recuperagao da pureza original. ‘mesma ideologia que levou o Terceito Reich a dizimar judeus, ciganos € deficientes, indesejaveis ao padrio ariano. Presume-se entao que 0 ultra nacionelismo € um dos principais ingredientes, embora nao o tnico, do xenofobismo. Essa idéia é facilmente ‘comprovacia analisando qualquer guetn étnica que tenha ocorrido. Embora cad ‘caso apresente suas particularidades, os embrides desses genocidios tém & ‘mesma origem. Nacionalismo violent compartilhado pela populagao ¢ uma historia aterradora, enaltecidos por um grande lider: a regra bsica para fomentat alimpeza etnica, Nofinal do séculoXIX, Alfred Nobel. decidiu dividir sua fortuna entre aqueks que compartilhassem de seu ideal: a construgao de uma humanidlade mais ‘gualitiria. Nomes como Mahatma Ghand, Dalai Lama e Nelson Mandela foram admirados em todo © mundo por pregarem a ndo-violencia, Quase um século depois primeiro Prémio Nobel daPazser oferecido, ohomem di sinalsde «quetrégua virou sinonimode utopia,

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