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TÉCNICAS DE

PESQUISA:
OBSERVACAO
-
E CORRElACAO
- I

OBSERVAÇÃO NATURALÍSTICA
O que Observamos?
Reatividade
O Estudo de Caso
Pesquisa de Levantamento de Dados
Vantagens e Desvantagens das Observações
Naturalísticas
O MÉTODO RELACIONAL
Pesquisa de Contingência
Pesquisa Correlacional
O Coeficiente de Correlação
Procedimentos Complexos de Correlação
Causa: Uma Nota
RESUMO
TERMOS-CHAVE
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO
KANTOWITZ, ROEDIGER 111 E ELMES Capítulo 2 Técnicas de Pesquisa: Observação e Correlação 25

A observação científica não difere da observação cotidiana por 'ser infalível, embora
quantitativamente seja menos falível do que a observação ordinária. Mais exatamente,
ela difere da observação cotidiana pelo fato de o cientista 'constatar gradualmente seus
erros anteriores e corrígí-Ios. (00') De fato, a história da psicologia como uma ciência tem
sido o desenvolvimento de meios de auxílio instrumentais e relativos a procedimentos
que eliminam gradualmente ou corrigem os víéses e as distorções das observações. (Ray
Hyman)

ciência é talvez o único empreendimento intelectual que cresce cumulativamente.

A De uma perspectiva científica, conhecemos mais a respeito do mundo atualmente


do que as pessoas o conheceram em qualquer outra época da história. Por outro
lado, literatura, arte e filosofia podem ser diferentes hoje do que foram na Grécia Antiga,
mas provavelmente não podemos afirmar que essas disciplinas estão em um melhor estado
ou representam mais precisamente o mundo.
Uma razão fundamental pela qual a ciência acumula conhecimentos é o fato de os
cientistas empenharem-se em obter a observação do mundo mais precisa possível. A ciência
se autocorrige, pois teorias e hipóteses são apresentadas permitindo a previsão a respeito
do que deveria acontecer sob condições específícadas e, então, essas idéias são testadas,
comparando-se as previsões a observações cuidadosamente feitas. Quando os fatos diferem
contínua e drasticamente das previsões, toma-se necessário modificar ou abandonar nos-
sas concepções teóricas. Grande parte do empreendimento científico preocupa-se com a
observação: a obtenção de dados sobre um aspecto específico do mundo.
Neste capítulo, discutimos diversos, métodos não-experimentais para agregar da-
dos psicológicos. Um desses métodos é a observação naturalística, que é o modo mais
óbvio e talvez o mais respeitado para obter dados. Muitas pessoas, como os observado-
res de pássaros, são naturalistas amadores, porém os naturalistas científicos, conforme
ve-remos, são mais sistemáticos em suas observações. Por exemplo, beija-flores machos
entoam trinados que consistem em notas organizadas em cinco escalas; os machos em
uma área específica tendem a emitir as notas nas mesmas escalas do trinado (Ficken et
al.,2000).
Uma outra maneira para obter informações é o estudo de caso, que geralmente
envolve o exame detalhado de um indivíduo, mas também uma comparação de um pequeno
número de indivíduos. Um caso recente revelou que quando K. R., uma mãe de quatro filhos
com 30 anos de idade, iniciou a terapia, tinha vários rituais de contagem que prejudicavam
seriamente as atividades diárias (Oltmanns, Neale e Davison, 1999). Ao fazer compras no
supermercado, por exemplo, K. R. acreditava que, caso selecionasse um dos quatro itens
iniciais de uma prateleira, um de seus filhos sofreria conseqüências terríveis. Ela acreditava
que selecionar a segunda caixa de cereal resultaria em uma catástrofe para seu segundo filho,
escolher a terceira caixa atingiria seu terceiro filho, e assim por diante.
A pesquisa de levantamento de dados (ou, simplesmente, pesquisa de levanta-
mento) é similar ao estudo de caso. Em vez de um pequeno número de pessoas, as pesquisas
de levantamento agrupam informações detalhadas e comunicadas diretamente por um grande
número de indivíduos. Em uma pesquisa sobre hábitos de beber, Simmons (2000) desco-
briu que a cerveja é a bebida alcoólica que 43% das pessoas que bebem afirmam consumir
com maior freqüência. Existem diferenças de idade marcantes na preferência por bebidas
alcoólicas. Simmons informa que 50% das pessoas com idade entre 18 e 29 anos afirmam
beber principalmente cerveja. Por outro lado, Simmons informa que 46% das pessoas com
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mais de 50 anos afirmam beber vinho com mais freqüência e somente 27% afirmam beber
cerveja regularmente.
As informações descritivas agrupadas pelos procedimentos que acabamos de deli-
near muitas vezes são combinadas de várias maneiras, de modo que possam ser feitas
previsões a respeito das atividades de uma pessoa. Essa tentativa de previsão é a técnica
correlacional. Um exemplo desse procedimento revela que a confiança de uma pessoa
em sua habilidade para identificar corretamente um criminoso não é indicador preditivo
da precisão com que ela pode apontar um criminoso em uma fila de suspeitos na polícia
(Cutler e Penrod, 1989).
Conforme os resultados precedentes indicam, os métodos observacional e correla-
cional podem produzir dados interessantes. Examinaremos esses métodos detalhadamente,
mostrando os pontos fortes e os pontos fracos como formas para determinar por que as
pessoas e os animais pensam e agem de determinada maneira.

~ OBSERVAÇÃO NATURALíSTICA
Como todos sabemos, observadores são falíveis. Ver não deveria ser acreditar - ao menos,
nem sempre. Muitas vezes, nossas percepções nos enganam, conforme pode ser"visto pelo
modo como percebemos a ilusão de ótica na Figura 2.1. Todos nós vimos mágicos realizarem
feitos aparentemente impossíveis, perante nossos olhos, que sabíamos estarem sendo rea-
lizados por meios naturais. Tais proezas demonstram que as percepções diretas podem ser
imprecisas se não formos cuidadosos e, algumas vezes, mesmo se formos.

(a)

(b)

••. FIGURA 2.1

Ilusão visual. (a) A ilusão Müller-Lyer. As linhas verticais possuem o mesmo comprimento, mas parecem desi-
guais por causa das direções diferentes das setas nos dois casos. (b) A ilusão distorce visivelmente até mesmo
um dispositivo de medição objetivo, a régua. Porém, um exame de perto indica que a régua não está realmente
distorcida e que as linhas têm o mesmo comprimento. (Da obra de R. L. Gregory, 1970, p. 80-81.)
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Os cientistas, sendo humanos, também cometem erros de observação. Em termos


essenciais, as técnicas de pesquisa empregadas pelos cientistas - incluindo lógica, uso de
aparelhos complexos, condições controladas e assim por diante - tentam prevenir contra
erros de percepção e assegurar que as observações reflitam o estado da natureza com maior
precisão possível. No entanto, mesmo com nossos melhores métodos e as técnicas mais
cuidadosas de observação, podemos somente nos aproximar desse ideal. Mesmo assim,
a observação naturalística como um método de pesquisa difere da observação casual do
mundo. Os trabalhos de Ginsburg e Miller (1982) sobre meninos e meninas assumirem
riscos mostram como as observações prolongadas, cuidadosas e discretas podem gerar
resultados. A maioria das pessoas concordaria que meninos com pouca idade parecem ser
mais ousados que as meninas.
Essa é uma observação precisa ou os que fazem observações casuais meramente
confirmam os estereótipos gerais? Ginsburg e Miller observaram naturalisticamente 500
crianças com até 11 anos de idade em um zoológico, enquanto alimentavam animais, os
acariciavam, tinham uma oportunidade de montar em um elefante etc. Dois observadores
independentes verificaram a freqüência com que meninos e meninas participavam dessas
atividades desafiadoras ("arriscadas"). Meninos, especialmente os com mais idade, apre-
sentavam maior probabilidade de participar de atividades arriscadas do que as meninas.
Nesse caso, dois pesquisadores, a partir da freqüência com que verificam a ocorrência de
comportamentos específicos em situações específicas, apóiam a conclusão condizente com
a observação casual de que os meninos são mais ousados que as meninas. Essa pesquisa, no
entanto, não fornece informações sobre por que isso acontece nesse caso.
Miller (1977) enumerou diversos papéis importantes que a observação naturalística
pode desempenhar na psicologia. Ele sugere que a observação fornece o principal montante
do banco de dados que pode levar à pesquisa subseqüente e mais controlada. A observação
naturalística descreve o pensamento e o comportamento dos organismos, o primeiro passo
necessário para a compreensão. Um exemplo conhecido é o trabalho de Harlow (1958) sobre
o amor maternal por crianças pequenas. Antes de suas experiências, Harlow precisava saber
que comportamento tinham os macacos com pouca idade; ele também precisava saber algu-
mas das coisas que os macacos jovens pareciam gostar (seus cobertores macios) e detestar
(o piso de fios de arame da jaula). Tendo essas informações básicas, Harlow poderia tentar
explicar o comportamento por meio da experimentação. Portanto, não deveríamos encarar as
observações como sendo, em certo sentido, secundárias ou subordinadas à experimentação
por não possuírem controle experimental. No sentido que acabamos de mencionar, a obser-
vação pode fornecer a base para a experimentação.
Ao fazer observações científicas, nos defrontamos com dois problemas básicds que
ameaçam a validade ou a integridade das observações. (Esses problemas podem igualmente
atrapalhar os experimentos, o que examinaremos mais tarde.) Um problema tem a ver
com a escolha do foco do comportamento a observar (observação focada). Observadores
humanos possuem uma capacidade finita para perceber os eventos e raciocinar sobre eles.
Embora a maioria de nós possa caminhar e mascar chiclete ao mesmo tempo, a maioria
de nós não pode prestar atenção em 20 comportamentos diferentes ocorrendo ao longo de
períodos curtos de tempo e lembrar-se deles. Desse modo, alguma fronteira na variedade
de comportamentos precisa determinar aquilo que planejamos observar. Precisamos esco-
lher os comportamentos essenciais para os problemas que estudamos. O segundo problema
diz respeito à reação do participante por estar sendo observado. Esse problema, deno-
minado reatividade, apresenta entraves na condução de qualquer tipo de pesquisa em
psicologia.
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o que Observamos?
De que forma delimitamos a variedade de comportamentos a serem estudados? Parte dessa
resposta parece imediata. Se estamos interessados na comunicação humana não-verbal,
observamos a comunicação humana não-verbal. No entanto, isso não é necessariamente
fácil de fazer. Inicialmente, a comunicação não-verbal é altamente complexa, significando
que nós, como observadores, nos defrontamos com o mesmo problema que, no princípio,
tentamos evitar: quais comportamentos não-verbais observamos? Em segundo lugar, o
exame de comportamentos não-verbais pressupõe que já tenhamos conhecimento de alguns
dos comportamentos que observamos. Obviamente, não iniciamos um projeto de pesquisa
desprovidos de todo conhecimento, mas também não começamos com todas as respostas.
Geralmente, iniciamos com uma série de estudos baseados em observações, tendo alguns
comportamentos em mente, e, então, projetos sucessivos apóiam-se em dados anteriores
para refinar e delimitar o campo de investigação. Alguns exemplos ilustrarão a prática de
refinamento.

Um Etograma A pesquisa naturalística de interesse para os psicólogos parece mais


predominante na área da etologia, o estudo do comportamento que ocorre naturalmente
(com freqüência em ambientes selvagens). Simplesmente observar o comportamento de ani-
mais ou seres humanos resulta em uma impressão global das características e da variedade
de comportamentos. No entanto, pode-se logo desejar uma observação mais sistemática.
Uma maneira pela qual os etólogos realizam mais observações sistemáticas é pela identi-
ficação de categorias diferentes da experiência relativa ao organismo estudado e, então,
pelo registro do número de vezes que o organismo apresenta cada comportamento. Esses
comportamentos podem ser divididos em grandes unidades, como acasalar-se, cuidar-se,
dormir, lutar, comer e assim por diante, ou em unidades muito menores. Por exemplo, um
etograma dos vários comportamentos envolvidos no padrão de reprodução de um peixe, o
mexerica, é mostrado na Figura 2.2 (um etograma constitui um conjunto relativamente com-
pleto dos comportamentos específicos de uma dada espécie animal). Ao contar o número
de vezes que qualquer comportamento específico ocorre, os etólogos podem começar a ter
alguma idéia da importância dele.
Ficken e seus colaboradores (2000) caracterizaram os trinados dos beija-flores-de-
peito-azul. Eles também desenvolveram um etograma de quando os beija-flores-de-peito-
azul cantariam. Evidentemente, os pesquisadores tinham de ser capazes de registrar e
analisar os trinados. Essa não é uma tarefa simples. É difícil obter registros precisos em um
ambiente natural. Por exemplo, uma vigilância contínua geralmente é impossível, mesmo
com equipamento' automático de gravação. Além disso, tanto o equipamento como os
observadores podem ocasionar certa reatividade, o que prejudicaria as avaliações. Esses são
apenas alguns dos desafios associados à observação naturalística de animais.
Aplicar técnicas similares ao comportamento humano pode ser até mais difícil, porque
as pessoas geralmente não apreciam ter cada uma de suas ações observada por um cientista
curioso. Barker e seus colaboradores (por exemplo, Barker e Wright, 1951; Barker, 1968)
foram pioneiros na aplicação da observação naturalística aos humanos em diversas situações.
Apresentamos a seguir alguns exemplos de observações naturalísticas.

Movimentos Rápidos das Sobrancelhas O famoso etólogo do comportamento


humano Eíbl-Eíbesfeldt (por exemplo, 1970, 1972) realizou um grande número de pesquisas
de campo sobre expressões faciais humanas. Ele e seus colaboradores viajaram ao redor do
mundo tirando fotografias de expressões faciais em uma variedade de contextos. O exame
cuidadoso das expressões indicou que muitas são similares em diversas culturas e algumas
KANTOWITZ, ROEDIGER 111 E ELMES Capítulo 2 Técnicas de Pesquisa: Observação e Correlação 29

(a) Avançar: Um peixe nadando aceleradamente


em direção a outro.

(d) Morder: Um movimento da boca, em torrns


de 'O', que dá origem à (provável) desova.

(b) Movimentar a cauda: Um movimento forte da cauda


em direção a um outro peixe.

(e) Roçar: O movimento real de desova pelo


(c) Palpitar: Um movimento de tremor rápido e lateral qual o peixe encosta sua superfície ventral
que se inicia na cabeça e perde intensidade à no local de desova e roça seu corpo
medida que passa pela extensão do corpo. ao longo dele durante alguns segundos.

~ FIGURA 2.2

Etograma mostrando o padrão de namoro do peixe mexerica. Um etograma pode ser elaborado para todos os
comportamentos de uma espécie ou apenas para alguns aspectos do comportamento. (Drickamer, L. C; Vesey,
S. H. Animal behavior: Concepts, processes, and methods. Boston: Willard Grant, 1982. p. 28. Reproduzido
mediante autorização de McGraw-Hill Companies.)

não o são. No processo de exame das expressões faciais associadas às pessoas que se cumpri-
mentam, Eibl-Eibesfeldt descobriu que a maioria dos seres humanos faz um rápido movi-
mento nas sobrancelhas. Ele prosseguiu examinando em detalhes esse fenômeno.
O movimento rápido das sobrancelhas é um levantar instantâneo (um sexto de um
segundo) das sobrancelhas, acompanhado por um ligeiro sorriso e um aceno rápido da
cabeça. O movimento foi observado em pessoas de muitas culturas, incluindo selvagens,
balineses e europeus, contudo algumas culturas diferem no modo como o fazem. Os japo-
neses não adotam o movimento porque no Japão ele é considerado sugestivo ou indecente.
Além disso, Eíbl-Eíbesfeldt descobriu que o movimento ocorria em outras circunstâncias,
como no galanteio e no reconhecimento por um presente ou serviço (isto é, como um tipo
de agradecimento), além do cumprimento.
Podemos notar em seu trabalho que observações iniciais sugeriram outras observa-
ções para Eíbl-Eíbesfeldt e, ao delimitar sua gama de investigações ao movimento rápido
das sobrancelhas, ele podia agrupar informações substanciais a respeito de um tipo comum
de comportamento humano.
30 Psicologia Experimental EDITORA T HOMSON

Reatividade
Dois métodos gerais encontram-se disponíveis para evitar que as reações dos participantes
comprometam as observações: (1) observações não-reativas e (2) medidas não-reativas
(Webb et al., 1966). Analisaremos esses dois métodos.

Observações Não-Reativas Imagine que você está caminhando em uma rua


em sua cidade natal. Ocasionalmente, você saúda um amigo (talvez lhe estendendo a mão,
talvez com um movimento rápido das sobrancelhas). À medida que seu caminhar prosse-
gue, um homem com uma grande câmera se aproxima e passa a filmá-Io toda vez que você
cumprimenta um de seus amigos. Qual seria sua reação a esse comportamento? Muito
provavelmente, seu modo de cumprimentar as pessoas se alterará consideravelmente. (Você
já notou como os espectadores se comportam em eventos esportivos quando sabem que a
câmera de televisão os está focalizando?) Eibl-Eibesfeldt preveniu-se contra a reatividade
dos participantes em sua pesquisa usando uma câmera com uma lente oblíqua especial.
Essa lente permitiu-lhe deslocar a câmera em 90° em relação à pessoa; presumivelmente,
ela pensaria que Eibl-Eibesfeldt estaria fotografando algo diferente. Assim, a pessoa não
reagiria anormalmente à presença do observador e de sua câmera e, como alternativa, agiria
naturalmente, o que seria a intenção de Eíbl-Eíbesfeldt. A lente especial da câmera permitia
ao pesquisador observar sem interferir no comportamento da pessoa. Dizemos que Eíbl-
Eibesfeldt usou uma técnica de observação não-reativa.
Em geral, as observações não-reativas de pessoas têm probabilidade de revelar um com-
portamento mais natural do que aquelas em que as pessoas sabem que estão sendo observadas.
Os pesquisadores usam, sempre que possível, observações não-reativas ao estudar animais.
Algumas vezes, no entanto, as próprias pessoas, o terreno ou algum outro aspecto do
projeto exigem um contato próximo. Nessas situações, a observação participante muitas
vezes oferece uma solução. Como a expressão sugere, o observador toma-se um participan-
te ativo (e invasivo) na vida dos indivíduos observados. Por exemplo, Fossey (1972) passou
muito tempo observando o gorila da montanha. Esse animal vive na África Central e seu
hábitat encontra-se ameaçado por humanos que se deslocam na área. O hábitat desse gorila
é a floresta tropical da montanha; isso impossibilita a observação a grande distância e com
discrição. Fossey estava especialmente preocupada com o comportamento dos gorilas em
uma área livre e, então, decidiu tomar-se uma observadora participante. Isso era difícil,
porque os gorilas não são mansos. Ela deveria agir como um gorila na frente dos gorilas para
que se acostumassem à presença dela. Ela imitava aspectos do comportamento do animal,
como alimentar-se, cuidar-se e emitir sons estranhos como os gorilas faziam. Conforme ela
afirmou, "a pessoa sente-se estúpida batendo em seu peito ritmicamente ou sentando nas
redondezas, fingindo mastigar ruidosamente um talo de aipo selvagem como se fosse o petis-
co mais delicioso do mundo. Porém, os gorilas reagiram favoravelmente" (p. 211). Levou
diversos meses para que Fossey conquistasse a confiança dos gorilas, e ela continuou a viver
entre eles e a estudá-Ios até morrer em 1986. Você gostaria de comportar-se como um gorila
durante 10 ou 15 anos?
A reatividade nem sempre resulta da observação porque nem todas as formas de
observação parecem resultar em reatividade. Um grande número de observações dâ
interação familiar diária por meio de gravadores indica que as famílias reagem do mesmo
modo, quer saibam ou não que o gravador foi ligado (Jacob et al., 1994). Poderia-se
imaginar, contudo, que um procedimento de observação mais agressivo que combinasse
gravação em áudio e vídeo provavelmente faria com que as famílias reagissem de modo
não-natural.
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Medidas Não-Reativas Medidas não-reativas, em oposição a observações não-


reativas, consistem em "observações" indiretas do comportamento. Medidas não-reativas
são indiretas por serem o resultado do comportamento, e não o comportamento em si, que
está sendo estudado. Desse modo, em vez de observar o comportamento diretamente, nós o
examinamos após o fato, olhando o produto do comportamento. Em vez de observar as ati-
vidades de estudo de um aluno, examinamos seus trabalhos escolares. Em vez de viver com
os gorilas, olhamos os efeitos que exercem no ambiente. A diferença essencial, então, entre
observação e medidas não-reativas reside na possibilidade de o indivíduo e o observador
estarem no mesmo lugar, ao mesmo tempo. Quando o pesquisador encontra-se presente, ele
tenta observar de modo discreto o comportamento do indivíduo. Quando ausente, ele estuda
o produto ou o resultado do comportamento.
Obviamente, as medidas não-reativas não se ajustam a todas as questões investiga-
das (uma medida não-reativa de um movimento rápido de sobrancelhas pode ser difícil de
obter), porém para alguns problemas pesquisados, essas medidas são não apenas boas - elas
são as únicas viáveis. Considere o problema do grafito em banheiros públicos. Quem é res-
ponsável? Qual é o tema usual? Algumas questões éticas sérias seriam levantadas (a ética
é discutida no Capítulo 4) se um pesquisador permanecesse nos banheiros observando os
usuários. No entanto, o grafito em si pode ser examinado e pode proporcionar informações
substanciais. Kinsey, Pomeroye Martin (1953) descobriram que o grafito em sanitários mas-
culinos era mais erótico do que em sanitários femininos. Além disso, eles encontraram um
número maior de grafito nos banheiros masculinos do que nos femininos.

o Estudo de Caso
Uma das formas mais respeitadas de investigação em psicologia é o estudo de caso. A teoria
psicanalítica de Freud surgiu das observações e reflexões que ele fez sobre casos individuais.
Em geral, um estudo de caso é a investigação intensiva de um caso único de algum tipo, seja
de um paciente neurótico, 'um médium espírita ou um grupo esperando pelo fim do mundo.
Um caso interessante dessa última possibilidade foi analisado por Festinger, Riecken e
Schachter (1956), que se infiltraram em um grupo de pessoas que realmente esperavam
pelo fim do mundo. Os membros julgavam estar em contato com seres de outro planeta
que haviam comunicado a um membro que a destruição da Terra estava próxima. O grupo
esperava ser salvo por uma nave espacial antes da catástrofe. Festinger e seus colaboradores
estavam interessados especialmente nas reações do grupo quando a calamidade não ocorreu.
Eles observaram que, para muitos membros do grupo, a crença em seu sistema ilusório, na
realidade, aumentou em vez de diminuir, após ter passado a data prevista da catástrofe.
O estudo de caso é um tipo de observação naturalística e está sujeito às vantagens e
desvantagens desse método. Uma desvantagem importante é que os estudos de casos geral-
mente não permitem que inferências seguras sejam feitas a respeito dos elementos causado-
res. ormalmente, tudo que se pode fazer consiste em descrever o desenrolar dos aconteci-
mentos. Muitas vezes, no entanto, os estudos de casos proporcionam comparações implícitas
que permitem ao pesquisador fazer algumas previsões razoáveis a respeito dos elementos
causadores. O estudo do caso de K. R., a pessoa descrita anteriormente que contava compulsi-
arnente, revelou uma educação excepcionalmente rigorosa que envolvia uma ordem rígida e
unições severas para supostos pecados e transgressões. A atual vida familiar de K. R. parecia
ar além de seu controle - seus filhos eram indisciplinados e seu marido sofria de uma doença
e o incapacitava. O terapeuta concluiu que seus rituais eram uma tentativa para obter
controle e ser disciplinada (Oltmanns et al., 1999). No entanto, devemos ter cautela com a
aíirmativa do terapeuta, porque não sabemos que tipo de pessoa K. R. teria se tomado, caso
e tido uma infância mais díscíplínada e uma situação familiar menos estressante.
32 Psicologia Experimental EDITORA T HOMSON

Um tipo de estudo de caso que melhor tenta minimizar as dificuldades de realizar


inferências é a análise do caso contrastante, em que o pesquisador considera dois casos
que possuem algumas similaridades e, mesmo assim, diferem no resultado. Por exemplo, um
irmão gêmeo pode se tomar esquizofrênico e o outro, não. O pesquisador tenta apontar, por
meio de uma comparação cuidadosa dos dois casos, os fatores responsáveis pela diferença
no resultado. Tais comparações geralmente não podem ser feitas, porque são raros os casos
comparáveis que diferem por somente um fator. Além disso, todas as conclusões, mesmo a
partir do método, realmente não podem ser consideradas sólidas ou bem-fundamentadas,
porque o pesquisador nunca pode estar seguro de que tenha identificado as causas essenciais
nos resultados diferentes.
Apesar dessas cautelas, vamos considerar o estudo de um caso descrito por Butters
e Cermak (1986), o qual ilustra como o uso criterioso do procedimento pode proporcionar
informações valiosas. O estudo é a respeito de P. Z., um cientista de fama mundial que sofreu
uma séria perda de memória (amnésia) em 1981, após o consumo de bebidas alcoólicas por
longo prazo ter resultado em uma doença denominada síndrome de Korsakoff. Ele tinha
enorme dificuldade para lembrar-se de novas informações e recordar-se de pessoas e even-
tos passados. O déficit de memória no segundo caso foi fácil de.determínar porque, dois anos j
antes do início da amnésia, P. Z. havia escrito sua autobiografia. Quando lhe perguntaram
os nomes e os eventos mencionados em sua autobiografia, ele demonstrou possuir um sério
déficit de memória. A memória de P. Z. para esses eventos era comparada à retenção de um
colega com idade similar (a pessoa de comparação para a análise do caso contrastante) que
possuía um histórico de abuso de álcool. Em virtude de o caso comparado não apresentar um
déficit de memória tão sério quanto o de P. Z., Butlers e Cermak concluíram que o abuso do
álcool a longo prazo era um importante fator responsável pela amnésia de P. Z. Além disso, o
déficit de memória de P. Z. para as novas informações era muito similar ao apresentado por
outras pessoas afetadas pela síndrome de Korsakoff. Essa técnica de comparar o comporta-
mento do caso com o de outras pessoas é essencialmente experimental e será exemplificada
novamente no Capítulo 6.

Pesquisa de Levantamento de Dados


Os estudos de casos envolvem somente alguns indivíduos e, muitas vezes, essas pessoas
simplesmente não são representativas da população em geral. P. Z., por exemplo, era, ao
mesmo tempo, um cientista brilhante e uma pessoa com amnésia. Muitas vezes, os pesqui-
sadores desejam obter informações a partir de uma grande amostra aleatória de pessoas
em uma grande área geográfica (como a pesquisa sobre a ingestão de bebidas alcoólicas
mencionada no início do capítulo), muito embora a quantidade de informações obtidas de
qualquer pessoa necessariamente seja limitada. A pesquisa de levantamento é muito mais
comum em algumas áreas da psicologia do que em outras. Por exemplo, essa técnica é uti-
lizada com muita freqüência em psicologia industrialJorganizacional, clínica e social, porém
quase nunca em psicologia cognitiva. Uma vantagem da pesquisa de levantamento é que,
com os procedimentos precisos de amostragem agora disponíveis, relativamente poucas
pessoas precisam ser pesquisadas para obter uma boa generalização em relação à população
como um todo.
Como a pesquisa de levantamento geralmente leva a resultados de natureza descritiva,
essa técnica não é particularmente difundida entre os psicólogos nas áreas com grande orien-
tação experimental, como a psicologia cognitiva ou a psicofísica. No entanto, o uso inteligente
do método pode gerar contribuições a quase todas as demais áreas da psicologia. Por exem-
plo, Lovelace e Twohig (1990) pesquisaram americanos idosos saudáveis e descobriram que
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68% alegaram que uma inabilidade para lembrar-se de nomes era um problema de memória
que os importunava. Porém, a maioria informou que os problemas de memória exerciam
pouca influência em suas atividades diárias. Os respondentes informaram que dependiam
muito de notas, listas e outras fontes de ajuda externa da memória para auxiliá-los a lembrar-
se das tarefas a cumprir. Além disso, os idosos pesquisados alegaram não depender de vários
"truques" de memória, como auxílios mnemônicos. Os resultados divulgados por Lovelace
e Twohig estão de acordo com outros dados levantados (Moscovitch, 1982), que mostram
que, em comparação às pessoas mais jovens, os idosos apresentam uma probabilidade muito
maior de fazer listas e usar agendas e têm menor probabilidade de valer-se de procedimen-
tos internos de memória, como auxílios mnemônicos. Esses resultados são instigantes por
sugerir que os idosos estão conscientes de que possam ter algumas limitações de memória,
que tentam minimizar dependendo de auxílio externo. Tendo em vista os indícios conver-
gentes descobertos por Lovelace e Twohíg (1990) e Moscovitch (1982), isso parece ser uma
hipótese plausível. As informações obtidas por meio dessas pesquisas podem proporcionar o
arcabouço para uma pesquisa mais controlada, a fim de testar essa hipótese.
Como um pesquisador tem de incomodar uma pessoa para obter dados, sempre
existe a possibilidade de reatividade por parte dos respondentes. Sussman et alo(1993) usa-
ram a observação naturalística para estudar o uso do tabaco por adolescentes. Suas obser-
vações os levaram a conclusões diferentes das que obtiveram a partir dos resultados de
uma pesquisa de levantamento anterior. A pesquisa de levantamento indicou que o uso
de tabaco ocorre em grupos pequenos, e quase a metade dos pesquisados informou que os
membros do grupo lhes ofereciam tabaco (Hahn et al., 1990). Esses tipos de descobertas
levaram a programas educacionais que incentivavam os adolescentes a aderir à campanha
"Simplesmente diga 'não'". Na pesquisa da observação naturalística, conduzida de modo
não-invasivo, Sussman e seus colaboradores notaram que os adolescentes com freqüência
solicitavam cigarros, que raramente eram oferecidos. Além disso, cigarros raramente eram
oferecidos a não-fumantes que faziam parte do grupo. Portanto, a possibilidade de o uso
do tabaco resultar da pressão dos colegas, conforme indicado pelos resultados da pesquisa,
é contestada nesse estudo observacional. A partir desses resultados, Sussman e seus cola-

! boradores sugeriram que alternativas ao programa "Simplesmente diga 'não'" deveriam ser
exploradas.

Vantagens e Desvantagens das Observações Naturalísticas


Conforme observado anteriormente, a observação naturalística é extremamente útil nos
estágios iniciais da pesquisa, quando uma pessoa simplesmente procura ter alguma idéia
da amplitude e do alcance do problema de interesse (Miller, 1977). No entanto, ela é
principalmente descritiva e não permite que uma pessoa infira como os fatores possam
estar relacionados. Em alguns casos, não há como empregar métodos com um maior con-
trole das observações; portanto, somente as observações naturalísticas estão disponíveis.
e você deseja saber como os pingüins se comportam em seu hábitat, simplesmente deve
observá-los nesse ambiente. Ainda assim, para a maioria dos problemas psicológicos, a
observação naturalística é útil principalmente para definir a área do problema e propor
uestões interessantes para um estudo mais controlado por outros meios, especialmente
o experimentais. Por exemplo, os trabalhos de Lovelace e Twohig (1990) e de Moscovitch
1982), descritos anteriormente, poderiam ser seguidos por métodos mais controlados de
:nvestigação comparando métodos diferentes da utilização de auxílio externo da memória
por idosos. Quais meios de ajuda dão melhor resultado? Um outro exemplo é o estudo de
o, feito por Festinger e seus colaboradores, de um grupo que previu o fim do mundo.
34 Psicologia Experimental EDITORA T HOMSON

Esse estudo de caso ajudou a levar à teoria da dissonância cognitiva da mudança de atitude,
proposta por Festinger (1957), a qual tem se revelado muito importante na orientação de
pesquisas em psicologia social. .,
O principal problema, e que só ocorre com a observação naturalística, é ela ser sim-
plesmente descritiva por natureza e não nos permitir avaliar a relação entre os eventos. Um
investigador poderia notar que o comportamento de cuidar de si mesmo, em macacos que
vivem em áreas livres, ocorre em determinadas ocasiões, após cinco diferentes condições
(como alimentar-se). Se alguém estiver interessado em descobrir que condições anteriores
são necessárias para que ocorram os cuidados que os participantes tomam consigo, a obser-
vação naturalística não pode fornecer uma resposta, pois não é possível manipular essas
condições anteriores. Para fazer isso, é preciso realizar um experimento.
A observação naturalística produz, algumas vezes, dados que também são deficientes
sob outros aspectos. Dados científicos deveriam ser fáceis de reproduzir por outras pessoas
que usam procedimentos padronizados, caso elas duvidem das observações ou estejam inte-
ressadas em repeti-Ias. Muitos métodos naturalísticos, como o estudo de caso, não permitem
reprodução; portanto, eles encontram-se abertos a questionamento por parte de outros
investigadores.
Um outro problema nos métodos naturalísticos é o de manter, tão rigoroso quanto
possível, um nível de observação descritivo, em vez de interpretativo. No estudo de animais,
o problema muitas vezes é de antropomorfizar, ou atribuir aos animais características
humanas. Quando você chega à sua casa e seu cachorro balança a cauda e move-se no
ambiente demonstrando excitação, parece perfeitamente natural afirmar que ele se encontra
feliz por vê-lo, Porém, isso significa antropomorfizar e, se uma pessoa estivesse fazendo uma
observação naturalística da cena, isso não seria apropriado. Em vez disso, a pessoa deveria
registrar os comportamentos ostensivos do cachorro com a menor atribuição possível de
motivos subjacentes, como felicidade, tristeza ou fome.
Evidentemente, os estudos de caso de Freud baseiam-se inteiramente apenas nessas
interpretações dos fatos. Além de não serem reproduzíveis, os críticos acusam que tais casos
estão sujeitos à possibilidade de que, se nos for permitido (1) selecionar nossos dados a par-
tir de estudos de casos e das respostas que as pessoas dão às perguntas que formulamos e,
então, (2) agrupar esses "fatos" em um sistema conceitual prévio de nossa própria elabora-
ção, os estudos de casos provavelmente poderiam ser usados para "provar" qualquer teoria.
(Isso não tem por finalidade diminuir a perspicácia e o gênio criativo existentes no sistema
de Freud, no entanto, ele certamente está aberto a críticas, em termos das evidências nas
quais se baseia.)
Um outro caso desse problema interpretativo que se encontra mais próximo da psi-
cologia científica é divulgado por Pavlov em suas pesquisas iniciais sobre reflexo condicio-
nado (ver Capítulo 9). Quando Pavlov e seus assistentes começaram a estudar os processos
psicológicos do cão, constataram que tinham um problema que não estivera visível quando
haviam se preocupado anteriormente apenas com o sistema digestivo. O problema era sério,
pois eles não concordavam quanto às observações que estavam fazendo. Pavlov descreve o
problema relativo ao estudo dos reflexos condicionados:

Mas conw isso deve ser estudado? Observando o cachorro quando come rapida-
mente, apanha algo com a boca e o mastiga demoradamente, pa'rece claro nessa ocasião
que o animal deseja ardentemente comer e, então, corre para onde está o alimento, o
apanha e fica comendo. Ele anseia por comer. (...) Quando ele come, você observa a
movimentação dos músculos, tentando de todas as maneiras apanhar a comida na
KANTOWITZ, ROEDIGER 111 E ELMES Capítulo 2 Técnicas de Pesquisa: Observação e Correlação 35

boca, mastigá-Ia e ingeri-la. De tudo isso podemos dizer que ele obtém prazC1-dessa
atividade, (,) Quando passanws a explicar e analisar esse fenômeno, prontamente
adotamos esse ponto de vista desgostado. Tioemos de lidar com as sensações, os desejos,
as concepções etc. de nosso animal. Os resultados foram impressionantes e extraordi-
nários; eu e um de meus colegas tivemos opiniões incompatíveis, Não conseguíamos
chegar a um acordo, não podiamos provar um ao outro qual opinião estava certa, (,)
Após isso, tiveT/WSde deliberar eu idadosamente. Parecia provável que não estivéssemos
llO caminho certo, Quanto mais pensávamos sobre o assunto, maior era nossa convicção
de que era necessário escolher uma outra saída, Os primeiros passos foram muito difí-
ceis, porém ao longo de um pensanymto persistente, intenso e concentrado, finalmente
atingi o terreno [inne da objetividade pura, Fizemos a nós mesmos a proibição total (no
laboratório, havia a imposição de uma multa real) do uso de expressões psicológicas,
como o cachorro julgou, quis, desejou etc. (Pavlov, reedição de 1963, P: 263-264)

Um outro problema adicional é discutido aqui, embora seja relevante para todos os
tipos de observação em todos os tipos de pesquisa. É o tema relativo a até que ponto nossos
quemas conceituais determinam e distorcem aquilo que "vemos" nos fatos. A proposição
e Pavlov constitui um testemunho eloqüente de como é difícil estabelecer métodos obje-
. 'os para que todos possamos enxergar os fatos da mesma maneira. Inicialmente, ele havia
considerado "impressionante" e "extraordinário" que isso se passasse daquele modo e ficou
swpreso pelas precauções necessárias para assegurar a objetividade. Os filósofos da ciên-
. ressaltaram que nossas observações sempre são influenciadas por nossas concepções do
mundo - se não for por outra maneira, o será pelo menos pelas observações específicas que
realizamos (ver, por exemplo, Hanson, 1958, Capítulo 2). A "objetividade pura", para usar a
expressão de Pavlov, é bem evasiva, se não impossível. Um exemplo que Hanson emprega
o de dois biólogos treinados, que examinam uma mesma lâmina em um microscópio,
as podem ver coisas diferentes. (Como é bem conhecido, a primeira coisa que um novato
normalmente afirma ver em um microscópio é seu próprio globo ocular.) A observação objetiva
e reproduzível em ciência constitui um ideal a ser alcançado, porém nunca podemos estar com-
letamente confiantes de que a atingimos. Mas certamente precisamos dar todo passo possível
e nos leve a esse ideal, corri o qual grande parte do cabedal técnico da ciência se preocupa.
( No entanto, o problema das observações influenciadas indevidamente por expectativas
-o é suplantado automaticamente pelo uso do equipamento técnico da ciência, conforme
ca evidente em um exemplo citado por Hyman (1964, p. 38). Em 1902, pouco tempo após
descoberta dos raios X, o eminente físico francês R. P. Blondlot divulgou a descoberta dos
"raios N". Outros cientistas franceses repetiram e confirmaram rapidamente a descoberta
e Blondlot; em 1904, nada menos que 74 publicações surgiram sobre esse tópico. A desco-
berta, todavia, tomou-se controvertida quando cientistas americanos, alemães e italianos não
conseguiram reproduzir as descobertas de Blondlot.
O físico americano R. W. Wood, não conseguindo descobrir os raios em seu pró-
rio laboratório na Johns Hopkins Uníversity, visitou Blondlot. Este mostrou a Wood um
ão com círculos luminosos impressos. Quando ele desligou a luz da sala, fixou raios N
o cartão e enfatizou a Wood que os círculos aumentaram sua luminosidade. Quando
'ood disse que não conseguia ver uma alteração, Blondlot argumentou que o motivo
ecessariamente tinha relação com a falta de sensibilidade dos olhos de Wood. Em seguida,
'ood perguntou se poderia realizar alguns testes simples, recebendo o consentimento de
londlot. Em um caso, Wood deslocou repetidamente uma tela de chumbo entre os raios N
o cartões enquanto Blondlot observava as alterações correspondentes na luminosidade
círculos no cartão, (A tela de chumbo era para evitar a passagem dos raios N.) Blondlot

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