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16/10/2018 Eleições 2018: Nem fascistas nem teleguiados: os bolsonaristas da periferia de Porto Alegre | Brasil | EL PAÍS Brasil

NOTÍCIAS CANDIDATOS ANÁLISE PRIMEIRO VOTO PESQUISAS BRASIL DESIGUAL NO TWITTER

ELEIÇÕES 2018

Nem fascistas nem


teleguiados: os
bolsonaristas da periferia
de Porto Alegre
Eles contrariam o estereótipo atribuído pelos críticos e fogem das
'fake news'. O EL PAÍS mergulhou no fenômeno de adesão ao
candidato de extrema direita a partir da pesquisa de duas
antropólogas

NAIRA HOFMEISTER

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Porto Alegre - 17 AGO 2018 - 21:58 CEST

Anriel do Prado Neves, de 24 anos, mostra o adesivo de Jair Bolsonaro no carro que dirige para um
aplicativo. TÂNIA MEINERZ

C
ássio Martins tem 18 anos e quer que a Debate da
AO VIVO

Rede TV reúne
lei do morro onde ele vive, ditada pelos
candidatos a
donos do tráfico, valha também para o presidente de novo

“asfalto”. Assim, ele não vai mais


precisar esconder o celular sempre
que sair dos limites do Morro da Cruz, vila na periferia de
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Bolsonaro propõe
Porto Alegre que tem um dos piores Índices de
‘licença para matar’
Desenvolvimento Humano da capital do Rio Grande do para policiais e
venda de ativos da
Sul, mas onde ele se sente confortável para ouvir música Petrobras
e checar o Facebook no telefone sem medo de ser
roubado. Essa é a justificativa principal para dar o
primeiro voto de sua vida para Jair Bolsonaro (PSL), o
controverso candidato à presidência da República que
“Vendo camisetas
promete rigor com a criminalidade. de Bolsonaro, mas
não voto nele”

Também são os problemas com a segurança que levam


Anriel do Prado Neves, 24, a optar pela candidatura de
extrema direita do parlamentar e capitão do Exército
Rosana Pinheiro-
reformado. Sua convicção é tanta que até colou um Machado conversa
adesivo com a cara do candidato na traseira do sobre jovens e as
eleições
automóvel que dirige para um aplicativo de transporte.
“Sei que tem gente que dá nota ruim por isso, mas tudo
bem”, se resigna. Ele já foi assaltado duas vezes quando
era taxista, mas o que preocupa mesmo Anriel é o tráfico
Coronel da reserva
e a guerra com a polícia. “Dos meus 30 amigos de acusa general
infância, só sobraram dois. Os outros todos morreram, Mourão de
favorecer empresa
foram executados”, lamenta. No Morro da Cruz, metade em contrato do
Exército
das mortes de jovens entre 15 e 29 anos é por homicídio.
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Para ambos, o perfil “linha dura” do militar, que promete


endurecimento da legislação penal e a revisão do estatuto do
desarmamento, poderia ajudar a solucionar os problemas.

Os dois estão na faixa etária em que Bolsonaro se destaca nas pesquisas


eleitorais: entre os 16 e os 35 anos. Mas, à exceção de serem jovens, Cássio,
Anriel e vários outros entrevistados pelo EL PAÍS no Morro da Cruz pouco têm
em comum com o perfil que institutos de pesquisa desenham dos
possíveis eleitores do presidenciável do PSL: eles não são os mais
escolarizados (chegaram ao ensino médio), nem ricos e tampouco estão no
Norte e Centro-Oeste do país. Também não se enquadram no estereótipo que
os críticos do candidato dizem ter seus eleitores: são gente de fala branda,
que defende opiniões com serenidade e argumentação, busca informações
na imprensa e é, inclusive, capaz de discordar das propostas mais radicais de
Bolsonaro.

Anriel, por exemplo, fica “com um pé atrás” sobre a ideia


de liberar o porte de armas para a população. Ele tem
medo que discussões bobas de trânsito terminem em
Assine a newsletter tragédia se alguém estiver com um revólver na cintura.
do EL PAÍS Brasil
Por outro lado, a redução da maioridade penal não é um
Eleições 2018:
problema. “Aqui, gurizada de 13 anos mata sem dó”,
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exemplifica. Cássio, por sua vez, gosta da ideia de estar


“no mesmo nível” de um potencial assaltante para sentir-
se protegido e toparia ter uma arma. Mas confessa que o
calendário, debates
alerta do pai, sobre o radicalismo de Bolsonaro, o deixa
e programa dos
candidatos à intrigado: “Ele tem receio de que se não conseguir fazer
presidência do
Brasil
o que pretende, possa dar um golpe ou coisa parecida”,
revela.

Anriel tem perfil mais liberal: admira o ex-prefeito e

Quem é quem na
candidato a governador de São Paulo João Doria
corrida eleitoral (PSDB) e faz discurso contra a burocracia para
empreendedores. Mas tem consciência da profunda
desigualdade brasileira e acha que ampliar oportunidades aos mais pobres é
tarefa do Estado. Quando faz corridas para estudantes (ele detesta pegar
passageiros das humanas na federal do Rio Grande do Sul), nota diferenças:
“Se eu pego corrida na UFRGS é só Assunção, Menino Deus, bairros finos.
Mas se é nas faculdades privadas, o destino é Restinga, Pinheiro, só
periferia”. Por isso, embora contrário a cotas raciais, ele é simpático à reserva
de vagas públicas a quem tem baixa renda.

A pesquisa Cenário eleitoral


difuso põe à prova o
mítico poder das
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A complexidade do pensamento desses jovens eleitores


de Bolsonaro e a disponibilidade que eles têm para o
debate de propostas chamou a atenção de duas
campanhas de TV
antropólogas que pesquisam juventude, consumo e
no Brasil
política no Morro da Cruz há quase uma década e que
desenvolvem agora uma nova fase do trabalho que só
termina depois das eleições. Foi acompanhando o
trabalho de campo de Rosana Pinheiro-Machado e
Igrejas evangélicas
Lucia Mury Scalco que a reportagem do EL PAÍS esteve e a Internet
cumprem função de
no local numa sexta-feira de agosto. “Eles não são
escola no Brasil
fascistas, pelo contrário, tem argumentos para defender popular

sua posição”, observa Rosana.

De fato, tanto Anriel como Cássio se sentem


incomodados com os rótulos costumeiramente a eles A triste
conveniência dos
atribuídos quando revelam ser potenciais eleitores do candidatos que
militar da reserva. “Me dizem que sou lixo, mas isso não querem ser eleitos
sem enfrentar seus
descreve como sou. Eu não vou discriminar outra pessoa eleitores

só porque gosta da Dilma ou do Temer”, queixa-se


Cássio.

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Anriel também se ressente das frequentes investidas de adversários: “Me


chamam de racista. Justo eu, que namoro uma negra… e ela discorda da
minha posição, é contra o Bolsonaro”, argumenta, confirmando, aliás, outro
dos achados das pesquisadoras.

Em grupos focais que vem realizando em escolas, as antropólogas Lucia e


Rosana perceberam que o voto em Bolsonaro é também uma questão de
gênero. “As meninas são muito articuladas na crítica ao machismo que o
candidato demonstra”, assevera Rosana. A convicção delas era tanta que foi
preciso criar um grupo exclusivamente masculino para que os rapazes se
sentissem à vontade para declarar seu voto, o que as pesquisadoras também
interpretam como uma reação ao feminismo crescente.

A namorada de Cássio faz campanha abertamente contra o capitão


reformado, mas para ele o candidato não parece preconceituoso e suas
opiniões mais polêmicas soam mais como galhofa: “Dizem que Bolsonaro é
racista, machista e homofóbico, mas acho que estão distorcendo. Uma
pessoa assim não é legal e ele não parece ser alguém ruim”, analisa.

Ao mesmo tempo, ele é crítico ao ataque de Bolsonaro à deputada federal


Maria do Rosário (PT). Em duas ocasiões, o presidenciável do PSL disse que
não estupraria sua colega na Câmara Federal porque ela “é feia” e “não
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merece”. Bolsonaro já foi condenado no Superior Tribunal de Justiça por


essa agressão, e ainda responde a outro processo, em andamento no
Supremo Tribunal Federal. “Totalmente desrespeitoso”, condena Cássio.

A grosseria é o ponto fraco do


candidato mesmo na opinião dos
mais aficcionados. No Morro da Cruz,
uma dessas figuras é Cátia Cunha de
Almeida Lopes, 40, que exibe num
caderno uma lista com 28 motivos
para votar em Bolsonaro e viaja todos
os anos para o Rio de Janeiro em
busca de um encontro com o ídolo.
“Já entrei na casa dele, no
condomínio, conheci a família… Mas
ver ele mesmo, pessoalmente, foi
uma vez só, e por acaso”, recorda,
exibindo a caneca em que mandou

Cátia Cunha, fã de Bolsonaro. T.M. imprimir a foto que registra o


momento. Ela também guarda
revistas elogiosas ao candidato, que
ocupa o mesmo lugar da dupla Bruno e Marrone no seu panteão pessoal.
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Mesmo assim, para a técnica em enfermagem, na discussão com Maria do


Rosário “ele pegou pesado”, embora tenha sido uma reação dita no calor dos
acontecimentos —perdoável, portanto.

Anriel também relativiza outra polêmica, mesmo mantendo um tom crítico: o


voto de Bolsonaro contra Dilma Rousseff, quando ao lado de outros 366
parlamentares, na Câmara, abriu caminho para o impeachment que viria na
sequência. Na ocasião, o candidato do PSL fez de seu voto uma homenagem
ao coronel Carlos Brilhante Ustra, condenado por torturar presos políticos
durante a ditadura militar.

“Eu tenho pena da Dilma, aquilo não era para ter ocorrido. Passamos uma
vergonha na frente de outros países. Ela tinha votos para estar lá”, lamenta.
Ainda assim, entende a posição do seu candidato: “Ele estava fazendo
política. Bolsonaro é um democrata”, acredita.

O morro
Os bairros onde o Morro da Cruz está localizado não são muito familiares ao
porto-alegrense médio (São José é o principal, mas também a Vila João
Pessoa e Coronel Aparício Borges). Mas nem por isso a favela é desconhecida
da população em geral: lá se celebra anualmente a procissão de Páscoa

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mais famosa da cidade, com a encenação da via sacra que termina


justamente no alto da montanha, debaixo da cruz que lhe dá nome. O morro
também está a meio caminho entre as duas universidades mais tradicionais
da capital, a católica PUC e a federal UFRGS, e é pelo mesmo corredor onde
passam os ônibus dos estudantes que se acessa a comunidade, na avenida
Bento Gonçalves, uma das mais importantes artérias de Porto Alegre.

Não é raro ouvir de um morador do Morro da Cruz que ele “vai pra Porto
Alegre” quando precisa sair da localidade (são nove quilômetros até o
centro). Lá tem de tudo: supermercado, farmácia, mecânica, padaria. Placas
de freteiros e de confeiteiras são muitas, penduradas nas grades de ferro das
casas. Mesmo a parte alta do morro é abastecida com transporte coletivo, os
postos de saúde atendem a população apesar da precariedade, as escolas
estão abertas. Em uma lan house que estava cheia perto do meio-dia de uma
sexta-feira, os cartazes avisam: “É proibido pornografia”. Quem não atender é
punido com a “perda de todos os créditos”. Já falar palavrão ou ter um ataque
histérico são falhas menos graves, custam 30 créditos a quem cometer os
deslizes.

À primeira vista, portanto, o Morro da Cruz não parece uma comunidade


vulnerável. Anriel mora com a irmã em uma casa de concreto e rua
pavimentada. Cássio ajuda a mãe na creche particular que ela mantém
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também em construção de alvenaria, bem defronte a uma parada de ônibus.


Mas as estatísticas são claras: a região do Morro da Cruz está na posição 581
entre os 722 locais acompanhados regularmente pelo Atlas do
Desenvolvimento Humano do Brasil. Segundo o IBGE, 5% dos domicílios da
localidade são considerados indigentes - seus moradores sobrevivem com ¼
de salário mínimo por pessoa, algo em torno de 250 reais. Outros 20% estão
em condição levemente melhor: são os pobres, cuja renda per capita é de
meio salário mínimo. Entre 2000 e 2010, o rendimento médio dos chefes de
família do Morro da Cruz caiu pela metade.

E a realidade pode ser ainda pior do que mostram os dados oficiais, porque há
uma imensidão de áreas irregulares no entorno do centrinho mais
organizado, nos becos. Essa parte não entra nas estatísticas. Por exemplo, se
os dados do IBGE contabilizam uma população de pouco mais de 16.000
pessoas, estima-se que a vila tenha entre 35 e 45 mil moradores. “São muitas
ocupações, é impossível saber com precisão”, argumenta Lucia Mury Scalco,
que divide seu tempo no morro entre a pesquisa de pós-doutorado em
antropologia e um trabalho social que criou depois de 12 anos estudando a
população do local.

No mapa de vulnerabilidade do Departamento de Habitação (Demhab) de


Porto Alegre, há duas enormes áreas de risco pintadas de azul sobre a
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região da favela, além de outras duas pequenas. A maior parte das


ocorrências da Defesa Civil na comunidade se refere a desabamentos ou
desmoronamentos.

Vista de um bairro do Morro da Cruz. T.M.

Na última eleição presidencial, em 2014, 20% dos moradores do Morro da


Cruz habilitados ao voto não comparecerem às urnas. Anriel não tem certeza,

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mas talvez tenha ajudado a engordar as estatísticas: “Acho que justifiquei,


porque o candidato que eu ia votar, morreu”, diz, em referência a Eduardo
Campos (PSB). Sua substituta na chapa PSB-Rede, Marina Silva, não o
atraiu tanto (nem antes nem agora) e ele se absteve.

Quem votou em uma das cinco zonas eleitorais do bairro São José, onde fica
a maior parte do Morro da Cruz elegeu Dilma Rousseff (PT) —a candidata
petista venceu Aécio Neves (PSDB) em todas as seções eleitorais da região.
A sigla tem certa tradição na localidade: a população do morro sempre foi
muito atuante nas assembleias do Orçamento Participativo, criado no final
dos anos 80 durante a gestão de Olívio Dutra na prefeitura, figura sempre
lembrada e referência no bairro.

Cássio lembra que os pais e os tios falam rotineiramente que “o PT ajudou


muito o povo mais pobre”, mas ele mesmo não sabe opinar sobre se a vida
era melhor ou pior antes da era Lula, por exemplo —tinha dois anos quando o
ex-mandatário assumiu o poder.

Por essas e outras razões, as antropólogas acham que o jogo no Morro da


Cruz pode ter virado. “Nas últimas semanas, muitas pessoas nos abordam na
rua para dizer que vão votar no Bolsonaro. Sabem que estamos pesquisando
o assunto e vem nos dar suas justificativas”, revela Rosana.
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Dos rolezinhos a Bolsonaro


Elas percebem que potencialmente os jovens estão de fato declarando voto
em Bolsonaro - e isso surpreendeu a ambas, que acompanham os
movimentos da juventude do lugar desde 2009. Elas haviam desenvolvido
uma tese de que as excursões aos shopping centers apelidadas pelos jovens
da periferia de “rolezinhos” ao mesmo tempo que eram uma atitude juvenil
voltada consumo, também tinham um forte caráter reivindicatório de
inclusão e de circulação no espaço público. Intimamente, as pesquisadoras
concluíram que havia ali um embrião de um movimento político promissor.
Quando as ocupações estudantis secundaristas explodiram em 2016 - no Rio
Grande do Sul mais de uma centena escolas foram ocupadas durante
meses - tudo parecia confirmar a hipótese. Mas quando foram ao Morro da
Cruz perguntar aos jovens sobre as “ocupas”, a maioria ignorava ou até
desprezava o movimento secundarista. “Eram os vagabundos, maconheiros”,
ilustram.

Foi nesse caldo surpreendente que a candidatura de Jair Bolsonaro começou


a decolar, pelo menos no Morro da Cruz, em Porto Alegre. “Não há um padrão
nem no perfil dos jovens eleitores de Bolsonaro nem nos argumentos que
usam para defendê-lo”, dizem as pesquisadoras. Há simpatizantes do
presidenciável em todos os universos possíveis: no Funk, no tráfico, na igreja
ou na escola. “Cada um desses grupos juvenis se apega a uma parte do
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repertório que, em comum, apenas passa pela figura de um homem que


oferece uma solução radical à vida como ela é”, sintetiza Rosana, que junto
com Lúcia finaliza um livro sobre a pesquisa completa, que deve chamar
From Hope to Hate: the rise and fall of Brazilian emergence (Da esperança ao
ódio: ascensão e queda da emergência brasileira) .

Mas há outros elementos em jogo. Anriel, por exemplo, se decidiu no ensino


médio, “antes dos protestos” do últimos protestos. Como no Morro da Cruz
não há escolas secundárias, Anriel frequentou o tradicionalíssimo colégio
estadual Julio de Castilhos, na região central de Porto Alegre, um caldeirão da
política local, onde estudaram Leonel Brizola e Luciana Genro, entre uma
galeria de celebridades da vida pública brasileira (Caco Barcelos e o avô do
atual presidente do TRF4, Carlos Eduardo Thompson Flores também foram
alunos).

A militância estudantil é uma marca do “Julinho”, como a escola é conhecida


no Rio Grande do Sul. “Vinha gente principalmente dos partidos de esquerda,
como o PSOL. Eu ouvia, mas comecei a procurar o outro lado e vi que
concordava mais”, recorda.

O argumento usualmente desqualificado pela esquerda de que o Bolsa


Família incentivava as pessoas a não procurarem trabalho fez sentido para
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ele - que tinha uma irmã recebendo o benefício, porque a creche da filhinha
exigiu o cadastro no programa para aceitar a matrícula da menina. “Eu sei que
tem gente que precisa mesmo, mas também conheço muitos que ficaram
parados depois. Acho que deveria ser obrigatório, para quem recebesse, ir
todos os dias no SINE para arrumar emprego”, opina.

Ele também desconfiava do expediente utilizado pelos partidos tradicionais


para arregimentar apoios da estudantada do Julinho. “Eles ofereciam lanche
para quem ia nos protestos”, revela. Às vezes também prometiam algum
benefício imediato para jovens lideranças da escola. Mas o problema prático
da falta de professores, por exemplo, não era atacado. “A gente nunca teve
professor fixo de história e filosofia, posso contar nos dedos as aulas que tive
e era muito fácil de passar”, assegura Anriel.

Acostumado a vincular militância partidária com algum tipo de “pagamento”,


ele decidiu adesivar a traseira do seu automóvel no dia em que viu a recepção
que o candidato teve no aeroporto de Porto Alegre. Ele estava a trabalho no
local - por isso lamenta não ter podido descer do carro para chegar mais
perto. “Era um fanatismo impressionante. Nunca vi ninguém receber assim
um candidato sem ser pago”, explica.

Informação
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A militância espontânea é um fator citado por muitos dos eleitores de


Bolsonaro no Morro da Cruz entrevistados pela reportagem do EL PAÍS.
Outro ponto repetido por vários jovens é que o candidato é visto como
alguém sem papas na língua, que não tem medo de dizer o que pensa e cuja
comunicação na internet - feita sobretudo por memes - fala diretamente a
esse público. “Eu deslizo o meu Facebook e só aparecem as coisas dele, nada
dos concorrentes”, exemplifica Juan da Paz, 19 anos.

Apesar disso, os simpatizantes do presidenciável não são nem de longe


pessoas desinformadas. A maioria procura informação fora das redes do
candidato e alguns têm o costume de conferir postagens antes de repassar
fake news. “Quando morreu a Marielle (Franco), eu quase compartilhei que
ela era envolvida com o tráfico. Mas aí vi que nenhum jornal dizia isso e não fui
atrás”, revela, aliviado, Anriel.

Eles também querem ouvir o que os outros candidatos têm a dizer e


acompanham entrevistas e declarações. A participação de Bolsonaro no
Roda Viva foi acompanhada por todos, mas não na TV, e sim, pelas redes
sociais. Anriel, por exemplo, precisou resgatar o vídeo no YouTube na manhã
seguinte, embora tenha tentado ver ao vivo: “Travou a transmissão do Twitter
dele e não consegui mais assistir”.

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A entrevista ficou registrada na memória como uma batalha entre o


candidato e os jornalistas - outro argumento repetidamente levantado a seu
favor: “Estão perseguindo ele, o tempo todo tentam fazer ele cair numa
pegadinha”, critica. “Ninguém perguntou sobre o que importa: educação,
saúde. Só sobre tortura, essas coisas que já passaram”, argumenta o
motorista - repetindo, de certa maneira, o pensamento do próprio candidato
que mencionou no programa a lei da anistia: “São feridas que não devem
mais ser lembradas”.

Oposição
Apesar de ter grande apoio, Bolsonaro não é unanimidade no Morro da Cruz
—e há muitos jovens contra suas propostas. Mas mesmo quem o critica,
reconhece qualidades: “Eu não gosto dele e não votaria nele, mas ele propõe
coisas diferentes do que estamos acostumados”, avalia Shaiane Carolina
Azevedo, de 19 anos. “As propagandas dos outros são todas iguais”, lamenta
Bianca Martins, 20 anos, também contrariada.

A pauta da segurança, por exemplo, é reconhecida como importante mesmo


por seus detratores. “Ele tem objetivos maravilhosos, fantásticos. Quem não
quer sair tranquilo, de noite, na rua? Eu tenho filhos e fico preocupada se
demoram a chegar do serviço, da faculdade… Mas como ele sugere resolver,

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vai instigar mais a violência. O Brasil dele não é real”, contesta Fabiana Carniel
Gonçalves, 42 anos.

Por motivos como esses, Camila Diefenthaler Zafanelli, 19 anos, está


tentando virar o voto do pai, bolsonarista convicto. “A gente conversa muito
em casa, ele super apoia (o Bolsonaro), mas eu estou insistindo”.

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