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World is Mind and Mine (título provisório)

Capítulo 1: A Razão Incólume


William Holland tateou a parede até encontrar a saída diária da sua situação de
indiferença e preguiça aparentemente inescapável. Abriu a janela, mas a pouca força
empenhada foi suficiente para arremessá-lo de volta à cama, provocando o escape
instantâneo da visão avermelhada da luz filtrada pelas pálpebras, quase o remetendo
às memórias intrauterinas dirimidas pela vida, para a luz refletindo nos rostos felizes
das pessoas daquele sonho nostálgico. Parecia um grande momento de
confraternização, sobre um largo e infindável tapete vermelho. Todos os presentes
encarando-o com olhos obcecados e sorrisos largos. Era um tempo do qual sabia ter
feito parte, mas não se recordava de quando aqueles eventos de fato ocorreram. Ao
final, seria mais um dia em que alguém que não ele mesmo o tornaria de volta à
consciência.
— Tá na hora!
Quando ouviu o grito do cômodo na extremidade oposta a seu quarto (e oposta neste
caso significava muita coisa, dado às dimensões exageradas daquela casa para apenas
duas pessoas), conseguiu dar o salto final para a realidade. Pé no chão. Como sua
vida, aspirações e receios sempre eram.
Dirigiu-se rapidamente à porta, situada ao lado de um grande espelho circular a
refletir brevemente o semblante cansado do seu rosto, para mais uma jornada
incrível à vida cotidiana. O cansaço irradiava quase integralmente de seus olhos
castanhos, da mesma cor do cabelo, repousados sobre olheiras normais de um
estudante do matutino do Ensino Médio. Não era o maior desafio do dia sair daquele
quarto, mas bem que poderia ser.
Atravessou a sala, ainda com a visão embaçada, e adentrou a cozinha.
— Dessa vez eu não vou reclamar — disse seu tio Lindel, um homem alto e calvo, no
início da meia idade, com as mãos na cintura e um sorriso sutil — Desde que você
venha sempre rápido assim, posso ficar te acordando todos os dias sem problemas.
— Um dia eu supero isso e consigo acordar sozinho — respondeu Will, com uma
expressão de quem viu gente morta, ou de fome. Podia ser de qualquer coisa
desanimadora.
— Já sabe que eu não posso te deixar na escola hoje, receberei uma visita importante,
mas vou recompensar sua caminhada com algo muito legal — disse, buscando os
óculos na mesa do café.
— É mesmo? Tem algo a ver com meu pai? É sempre dele que vem os presentes, as
mensagens… tudo o que importa — o garoto indagou com uma alegria repentina.
— É realmente difícil te surpreender… — respondeu seu tio, sorrindo — Bom, está
atrasado! — bateu com as duas mãos no quadril e redirecionou o corpo para o que
realmente importava: a louça da noite anterior.
A louça precisa de alguém para lavá-la, mas eu bem que posso ir à escola sozinho.
Will pensou. Esses pratos sujos já seriam um motivo suficiente para ele ter mais o
que fazer do que me deixar na escola. É logo ali. E mesmo assim eu sempre peço
uma ajudinha.
Era um exercício corriqueiro da sua mente. Para tentar educar o corpo a ser menos
preguiçoso, ele sempre o confrontava com a razão. Sentia-se melhor depois, parecia
que isso lhe aplicava uma correção moral em algum nível. Pelo menos estou
consciente e tentando melhorar.
Em vez de sentar-se, afastou a cadeira com o pé, esticou-se e pegou da mesa um pão
francês esbelto. Dá até pena de comer, pensou. Passou um pouco de manteiga e o
levou consigo no caminho até a escola.
Sweepstreet, em Leeds, importante cidade da Inglaterra, era, a despeito do nome
sugerir outra coisa, um bairro e não parecia ser tão importante para a cidade.
Enquanto se seguia a fadigosa caminhada de oito minutos, Will vislumbrava
cachorros e mais cachorros em cada esquina. Parecia uma reunião programada por
eles mesmos de uma forma esquisita. Além dos cães, chamava atenção a vegetação
densa divida em retângulos compridos no espaço entre a calçada e o asfalto, e a
tradicional réplica reduzida da abadia de Westminder na praça ao seu lardo
esquerdo. A rua era assim de domingo a domingo, não havia nada de decoração,
nenhuma fachada de loja, nem mesmo gente caminhando, mas vasilhas de ração
havia aos montes. O bairro era pequeno, então talvez bastassem duas ou três boas
almas para distribuir comida diariamente e alegrar a vida de todos aqueles animais,
pensou Will.
Depois de seis minutos do que parecia ser um looping temporal de uma mesma
quadra vazia, o garoto avistou o último cruzamento — onde finalmente pôde ver mais
pessoas do que vira-latas — para chegar ao seu destino: o colégio de filhinho de papai
Stewart Müller. O Grande Cubo Sangrento, como os estudantes chamavam, fazendo
parecer que estavam fazendo parte de alguma coisa legal. Era, decerto, um colégio
mais chamativo que a média, desde as curtas escadas em frente à porta até o teto,
persistia o vermelho forte e chamativo, o mesmo dos uniformes. Na parte superior da
fachada havia o nome “S. Müller Highschool” em branco e, no concreto adjacente ao
portão, a foto em relevo dos três fundadores na época em que estudavam.
Atravessou a rua. Antes que pudesse identificar os dois meninos correndo em sua
direção, levou um “WILLIAMZÃO!!” recheado de baba pelo lado esquerdo. Era
Stanley, um ruivo corpulento e grande amigo seu.
Antes de cumprimentar, Will o empurrou de leve e limpou o rosto freneticamente.
— Stan, toda vez… — murmurou enquanto se recompunha.
— Relaxa Will, dessa vez é importante — disse empolgadamente Chester, um dos
outros dois garotos que se aproximavam. Era negro, magro, tinha o cabelo penteado
para trás e olhos bem grandes por trás dos óculos — Hector conseguiu acessar o Idle
que você pediu! Da menina do terceiro B! Também não sei como, mas o importante é
que fizemos o prometido.
Will parou por um momento, surpreso e sentindo a euforia brotar. Ela… será que ela
não descobriu de alguma forma? Deu certo mesmo? Demais!
Duas garotas espiavam o grupo com os rostos quase inteiramente cobertos pelos
chamados “pães disco gigantes” do refeitório da escola. Estavam encostadas em uma
árvore e os garotos um pouco à frente, próximos ao portão que acabara de abrir. O
cochicho, no entanto, não cessara.
— Esquisito demais… o gordinho ali acabou de levar um sarrafo e já tá alegre desse
jeito. Um momento atrás parecia que a vida dele tinha acabado — comentou a mais
alta, de cabelos loiros — Eu acho que ele realmente merece, não faz sentido chorar na
hora e não fazer nada depois. Ou pior, ficar com cara de batata como se tudo
estivesse bem! — seu rosto expressava, simultaneamente, pena e incompreensão.
— Dani, não tem muito o que ele fazer pra evitar, muito menos a gente. Parece que
você tá é querendo alguma coisa com alguém dali, tá observando aqueles meninos
estranhos desde a semana passada, nesse mesmo lugar — retrucou a outra, de
estatura média e cabelos cacheados negros, com um ar de provocação.
— Ah tá, deve ser! — Danielle deixou escapar, em voz alta, constrangendo-se logo em
seguida e escondendo o rosto por trás do salgado indiscreto, com medo dos garotos a
identificarem. A repulsa à atitude de amiga, entretanto, não se dissipara. Pegou de
volta sua bolsa, que estava no chão, e caminhou sozinha para dentro da escola,
passando pelo grupo de Will e encontrando o olhar de Hector no caminho, reparando
brevemente naquela aparência franzina e pálida e nos cabelos que pareciam uma
versão curta dos seus. Ela passou mas o garoto continuou fitando-a, com vergonha e
curiosidade.
— Will, sabe que eu sempre fico feliz por você, mas nesse momento só uma coisa me
interessa — disse Chester, fazendo uma cara maliciosa, do tipo que está geralmente
estampada em pré-adolescentes quando estão se referindo a revistas adultas ou
coisas do gênero.
— Sei, vocês todos terão o jogo novo da TE… quando ela anunciar — disse Will,
sorrindo e pondo o bilhete que recebera há pouco no bolso — Mas eu vou ser o
primeiro a jogar, depois vocês tiram um par ou ímpar.
— Par ou ímpar? Típico de você, as coisas não são simples assim já faz umas décadas
— brincou, dando um tapinha no ombro de Will – E você, com essa cara?
Chester se referia ao rosto paralisado de Hector olhando para o que há pouco tempo
era uma garota, mas, naquele instante, era o traseiro trabalhado coberto por uma
curta bermuda de malha de Bradd Princenton, um gigante musculoso da terceira
série. Ao ouvir a voz de Chester, ele finalmente começou a perceber que a silhueta
não mais parecia com a de uma menina meiga do primeiro ano do Ensino Médio.
— Ah, não é isso, é, ér… Danielle! Ela pa-passou e acho que estou meio a fim dela —
gaguejou tentando se explicar, mas acabou contando por acaso um dos seus segredos
mais profundos. Percebeu que a verdade seria mais fácil naquela ocasião.
— É, todo mundo sabe… parabéns por dizer aí, não esperava — disse Chester, nem
um pouco surpreso.
— Hahaha, você tá doido Hector, olha pra gente, olha pra você, usa aparelhos e ela
vai… é… e você ainda anda comigo. Desencana cara — disse Stanley, com sua dicção
ruim de sempre e dificuldade de articular frases.
— Escuta, eu preciso falar uma coisa pra vocês, sobre o que pedi pra fazerem — disse
Will, falando mais baixo e olhando bem nos olhos de Hector.
— Isso não vai causar problemas pra Alice. É só uma troca, beleza? Alguém como eu
nunca conseguiria movê-la um milímetro do destino que já está traçado, nem que
quisesse. É só que ela é bonita e, bem, vocês devem entender.
— Capisce! — confirmou Chester, sorrindo. Mas, por dentro, estava pensando, assim
como todos os outros, em quão costumeiro era esse comportamento de Will. Diz que
não tem problema, faz ou manda fazer, depois para um pouco e pensa, já que na
verdade não sabia se era correto fazer, e, por fim, encontra alguma justificativa
plausível. Ele falava muito bem para um garoto de 15 anos e todos reparavam, por
isso parou de soar estranho, com o tempo, e passou a ser apenas o esperado.
Will e os outros se dirigiram quase que em fila indiana para o interior da escola, mas
ele sentia que a cada passo que dava seu corpo ficava mais pesado. Não sabia se era o
medo de Alice ter descoberto alguma coisa (ou vir a descobrir), já que, até aquele
momento, Hector não havia dito como obteve uma key para sei Idlegram privado, ou
se era algum tipo de culpa, a despeito de ter feito basicamente discurso para Chester,
Stanley e Hector a fim de livrar a consciência.
Antes de chegar a uma conclusão, um cartaz na parede esquerda do corredor parecia
convidá-lo insidiosamente à leitura. Tanto que, quase que fora dos sentidos, já havia
se aproximado um pouco quando da primeira vez lançou-lhe a vista.
“NEURATOM, venham para o PACÍFICO. Neurociência Aplicada. Concurso para
todos os queridos ingressantes no Ensino Médio. É o primeiro ano! Não percam a
oportunidade de economizar tempo e partir direto para o Mercado de Trabalho”.
O que interessava a Will era apenas a primeira palavra. Tinha poucas memórias do
seu pai, então tudo que o envolvia ficava encrustado em seu cérebro, como que em
resistência à forte ventania do tempo que arrasta as memórias para o limbo.
NEURATOM era, sem dúvidas, uma das coisas das quais mais ouvia seu pai falar.
Quando Will tinha dez anos, eles frequentavam o mesmo restaurante à beira de um
rio, onde Will brincava de dominó sozinho enquanto Albert Holland — seu pai —
conversava com um amigo bem-afeiçoado, cujo nome parecia ter fugido da memória
no instante em que sua figura paterna decidira morar longe de tudo.
Lembra de ter ouvido uma conversa estranha uma vez, sobre coisas que ele ainda não
entendia muito bem. Existencialismo. Trans-humanismo. Termos que o perseguiam
e o incentivavam a prestar atenção nas aulas de Filosofia. Sempre fora um rapaz
muito curioso e inteligente e seu tio acreditava que ele tenha puxado isso do pai, o
único da família a ter seguido uma carreira acadêmica. Era um neurocientista de
prestígio.
Mas havia um momento em particular (com uma sensação, cor específica) do qual
Will nunca se esquecia quando pensava no homem que tentava fugir de sua
memória. Vermelhidão. Novamente, como se estivesse observando a conversa de
dentro do útero. A impressão de haver algo além de sangue correndo pelas veias.
Uma fornicação na pele. A sensação permanente de atordoamento. E, depois, como
se tudo tivesse sido uma ilusão, o despertar repentino.
Quando evadiu um pouco dos pensamentos, se deu conta de que alguém havia
chamado sua atenção já umas cinco, seis vezes. Virou-se repentinamente e deu de
cara com o sorriso não tão atraente de um jovem louro raquítico de aparelhos. Era
Hector.
— Ei, volta pra Terra. Ainda tá pensando na mina? Eu fiz tudo certo, relaxa, bora pra
sala — disse, meio desconfortável e impaciente, mas exalando uma certa confiança.
Will aceitou calado e o seguiu, fingindo um riso que sumiu logo quando Hector se
virou. Aquela caminhada pelo corredor pareceu extremamente longa para Will, não
só pelas lembranças terem vindo à tona todas de uma vez, mas também pelo próprio
comprimento do local. Stewart Müller era formada por apenas aquele corredor e
pelas salas a ele adstritas. Assim como todas as instituições inglesas de Ensino Médio
daquela época, parecia uma microuniversidade integralmente direcionada à
transmissão das ideias da chamada “Ciência Prática”, com pouco espaço para
disciplinas propedêuticas ou atividades recreativas de qualquer espécie, o que
esvaziava de sentido a ideia de construir um grande campus ou coisa parecida. A
partir de 2025, impelido pelas fortes tendências liberais gestadas pela “era de ouro”
pós-Brexit pela qual a economia da Inglaterra estava passando, o governo optou por
flexibilizar o acesso a diplomas e à produção acadêmica: cartazes como aquele da
NEURATOM estavam espalhados por todos os lugares. Quanto mais rápido o aluno
estivesse apto a produzir, melhor.
Chester e Hector entraram na sala, sem olhar para trás. Will remanescia com o corpo
ainda fora e a mão pressionando a porta, estranhando o fato de Stanley ter se
recolhido no espaço ao lado direito da entrada da sala, encostado no bebedouro. Will
empurrou a porta por completo e deu meia volta, indo em direção ao amigo.
— Stan, não vai entrar? Vamos conversar com os outros, o professor de Física
normalmente atrasa uns cinco minutos.
Stanley olhou para Will com uma cara assustada, fechou os olhos por uns segundos e
sussurrou, olhando pra baixo.
— E-Eles estão lá… Michael e Grandall. E-eles estão sentados bem atrás da minha c-
cadeira. Eu não vou poder fazer nada, Will, nem grit-ar por causa dos beliscões, se o
p-professor ouvir eu tô f-fodido fora da escola — disse Stanley, com o rosto pálido e
uma voz fraca e hesitante.
— Eles continuam fazendo isso com você? — perguntou Will, pondo as mãos nos
ombros de Stanley.
Stanley descobriu um pouco a barriga. Havia manchas roxas e em vários tons de
vermelho, além de cortes superficiais e compridos.
— Todo dia, t-todo santo dia. Quero que queimem no inferno. Quero o que m-minha
mãe disse pra nunca desejar, m-mas é isso mesmo. Quero ainda mais é ter a c-
coragem de dizer isso a eles — disse Stanley, tremendo, branco como leite, mas com
uma expressão séria, olhos arregalados, quase como se estivesse prestes a cometer
um ato de psicopatia ou já tivesse cometido.
Will sentiu-se conflitado ao ouvir aquele relato e ficou calado por alguns segundos,
pensando no que dizer. Mas o que raios deveria dizer? Seus pensamentos pareciam
operar em uma frequência completamente diferente dos das outras pessoas daquele
espaço-tempo. Não conseguia se expressar como alguém normal. Apenas falar, sem
justificar, era impensável. Sabia que era a pior pessoa para confortar Stanley naquele
momento e em qualquer outro. Pensou, no entanto, que era mais seguro — sim,
segurança, era esse o termo, eram esses os grilhões de Will, sabia do fundo do
coração que era isso o que o mantinha no chão — e de fundamental importância dizer
o que estava pensando naquela ocasião.
— Está tudo bem. Damian não faz chamada. Aqueles pés no saco podem estar
querendo algo com alguém de lá. Eles implicam com várias pessoas, não só com você.
Quando a aula começar, devem voltar para a sala deles, mas também podem
aproveitar que aquele professor não liga pra nada e ficarem até o final. Espere lá no
banheiro ou perto das plantas, só pela aula de hoje — disse Will, sentindo a culpa que
sempre lhe acometia ao dizer coisas covardes, mas com uma sensação de dever
cumprido que a sobrepujava. O dever de ser racional e evitar ao máximo os conflitos.
Para ele — e para o seu pai — esse dever era supremo.
— V-você não tem ideia mesmo. Will, eu quero ser um aluno normal — disse com a
voz aguda e embolada de quem acabara de cair no choro. O rosto rosado e as mãos
indo a seu encontro, escondendo a vergonha que ele acreditava ser para si mesmo e
para todo mundo que o visse.
Will manteve a compostura, apesar de ter feito uma expressão genuinamente triste.
Era mais tristeza do que culpa, os lábios prensados e um brilho no olhar. Ele retirou
as mãos dos ombros de Stanley e desfez aquele gesto de contenção, pondo suas mãos
sobre as bochechas do amigo, com os dedos se estendendo pela nuca.
— Você é um cara normal, eles é que não são. É horrível, mas é criancice. Eles já
deveriam ter passado dessa fase. E deve ter muito mais gente pensando o mesmo que
você, do que o contrário. Pensando que eles tinham mais é que queimar no inferno —
disse, com uma voz firme, mirando Stanley nos olhos com os seus, obcecados pelo
convencimento. Retirou devagar as mãos das bochechas do garoto, levando-as aos
bolsos da calça. Relaxou um pouco o pescoço.
— Já fizeram algo parecido comigo, também. Não eles. O clube do Bradd — disse
Will, meio cabisbaixo e com uma voz contida — O lugar onde estamos não dá espaço
pra essas coisas. Se a gente parar de querer bancar o herói e só seguirmos em frente,
vamos terminar mais um ano normalmente. As putinhas do Bradd aprenderam isso e
nem conseguiram entrar na Stewart. Com o Michael e o Grandall vai ser igual, eles
são burros. É só não desistir antes deles, devem bombar pela segunda vez esse ano e
serão expulsos. Uma benção para todos nós.
Para Stanley, era incrível como Will ao mesmo tempo passava a impressão de não ter
o mínimo de sensibilidade e de estar sempre se esforçando muito para ajudar, do
jeito dele, com a razão. Não sabia o que pensar, mas aceitaria o conselho do amigo.
Para ele, saber das boas intenções já era o suficiente. Enxugou as lágrimas e deu as
costas para Will.
— Vou estar lá no banheiro. Se Chester ou Hector perguntarem por mim, diga que
estou com diarreia.
A aula naquele dia transcorreu como todas as outras aulas de sexta. O professor
Damian quase esquecendo que existiam alunos na sala, transmitindo o conteúdo
mecanicamente para aquelas duas horas acabarem o mais rápido possível e ele poder
ir para casa. Fazendo duas únicas intervenções, uma para pedir que “o garoto alto e
cabeçudo” - não sabia o nome de Michael — parasse de cochichar, e outra
direcionada a toda a classe, mandando irem buscar suas provas corrigidas de início
de semestre na mesa.
De uma sala de 25 alunos, apenas seis se movimentaram com certa empolgação para
pegar as provas. Era como havia dito o tio Lindel a Will, no início do ensino médio.
Notas serão tudo na sua vida pelos próximos três anos. Para muitos, eram todo o
terror que não estavam lá muito apressados para encarar.
A lousa rabiscada em preto, combinando com as cadeiras, dispostas em degraus cada
vez mais distantes e chamativos para quem quisesse cochilar ou conversar,
transmitia uma mensagem que só chegava parcialmente a Will. Durante todos os 60
minutos, ele só conseguiu focalizar naquela observação.
Trabalho em Grupo. Para a próxima semana. Formem os grupos no final da aula.
Aquele era o verdadeiro terror. Will sabia que no final da manhã acabaria em algum
grupo e que certamente não seria de pessoas com as quais ele conversava. Chester,
Hector e Stanley eram os únicos a fazerem algum contato além do visual, mas eles
sabiam que Will era um preguiçoso que não conseguia levar nada a sério e, além
disso, tinham uma “qualidade” que ele nunca conseguiu ter na vida: a intromissão.
Como ele queria ser intrometido. A não ser que a intromissão fosse escusa e passasse
desapercebida por todos, como o plano que ele tinha de acessar o Idlegram de Alice
naquela noite, e baixar todas as fotos e fazer seja lá o que fosse com elas. Se não for
desse jeito, ele simplesmente não se intromete. Sabia que teria que esperar todos os
grupos serem formados, para depois aqueles alunos que sobrarem (na maioria das
vezes, apenas ele) serem distribuídos aleatoriamente.
Mas é verdade, também, que a cada nova situação Will tentava escapar dessa
constante, assim como fazia com a incapacidade de acordar por si só, sem alguém
pegando no pé e empurrando-o para suas responsabilidades. Seu corpo poderia estar
paralisado pela vergonha, mas sua mente trabalhava.
Trabalho em grupo precisa existir. As pessoas dessa sala simplesmente não se
entendem e ainda não possuem um senso de equipe e de organização, necessário
para se realizar qualquer coisa um pouco mais complexa na vida. Esse treinamento
é importante, mas… como vou chegar neles? Para mim, estão a milhas de distância.
O fluxo de conversa é incessante, as palavras descontraídas fecham todas as
janelas para a minha investida. Sempre. Talvez eu só precise esperar, mais uma
vez. Se ninguém está me procurando, é porque simplesmente não estão
interessados. Não consigo ver como seria bom ou confortável nem para eles, nem
para mim. Eles tendo que aturar um estranho que não sabe nem conversar direito
em seu círculo já consolidado, e eu tendo que aceitar essa posição de súplica e
pedido de socorro. Não dá, o acaso decidir é mais sensato.
A aula chegou ao fim e os grupos foram formados. Will pensou que o toque do sino
parecia despertar algum mecanismo debaixo da cadeira de cada um que os fazia
saltarem dela quase ao mesmo tempo. Todos correram para os cantos da sala a fim
de se juntar a seus grupos de sempre. Will estava sozinho, bem no meio da contenda.
Ao seu lado esquerdo, Matheus e Grandall se despediam de dois colegas: Simon, um
descendente de russo, sem sobrancelhas e com os cabelos louros longos e cacheados,
e o “transferido da tarde”. À direita, podia ver Chester e Hector pegando carona no
grupo de Harry, o mais inteligente da sala ou, pelo menos, o que tirava as melhores
notas. Ele sabia fazer quase tudo, menos dizer um não, e os amigos de Will sempre se
aproveitavam disso. Na frente, já sabia quem iria ver, era o lugar de Stanley.
Stanley estava longe de ter uma mente brilhante, na verdade possuía deficit de
atenção e era muito mais lento do que a média, mas Will e todos os outros
admiravam seus esforços. Ele sempre tentava sentar o mais próximo do professor e
fazia todas as pesquisas e listas de exercício que eram solicitadas. As meninas da sala
sempre procuravam acolhê-lo nos trabalhos em grupo, quase que como um gesto de
compaixão. Dessa vez, Danielle também estava com Stanley, Karoline e Andria,
depois que vira os bullies brincando de socar e beliscar a barriga do garoto antes da
aula.
— Holland, tá sem grupo de novo?
Will pensou que aquela voz tinha vindo de sua consciência, mas veio da cadeira
imediatamente detrás da sua. Era Horitz, um punk de cabelos roxos raspados nas
laterais e namorado de Alice. Esticou-se para encontrar lateralmente a face de Will e
sorriu.
— Pode entrar no nosso. Só peço que participe das reuniões — disse, retornando à
posição normal — Sei que o pessoal fala que você não é muito de socializar, mas
pense como se fossem negócios — concluiu, com um tom de brincadeira.
— Sem problemas – respondeu, olhando para a própria mesa, como se ali houvesse
algo importante e grandioso que tinta preta.
Na saída da escola, Will se despediu dos amigos e não quis saber da forma como
Hector tinha conseguido uma das keys para o Idlegram privado de Alice. Apenas se
desculpou com Stanley, que continuava choroso. Não conseguiu ajudá-lo em nada e
sabia disso.
Era hora de voltar para casa.
Lindel Holland conversava com um homem careca, de short jeans e camisa do finado
Manchester United, no escritório. Estavam sentados um em frente ao outro, nas duas
poltronas bege que demarcavam o início e o fim daquele largo aquário populado por
espécies exóticas, situado à esquerda de Lindel. Na outra ponta, havia apenas um
computador da década passada sobre uma mesa de vidro. As paredes
majoritariamente brancas, com listras azul-marinho na parte superior e o tapete de
frente à porta contendo a figura texturizada em lã de um peixe-espada constituíam
um ambiente simples, mas agradável, principalmente para quem gostasse de
aquicultura.
— Ele já deve estar chegando — disse Lindel, segurando um copo de cerveja e
sentado com as pernas largadas e o braço esquerdo esticado sobre o da poltrona —
Obrigado pela ajuda. Como anda seu filho?
Carlton não parecia estar muito contente. Há pouco, havia recusado bebida, e reagiu
impacientemente a esta última pergunta em particular.
— Lindel, não sei se posso te recomendar a fazer isso, já que eu ainda não pude
analisar os resultados. Vai demorar, sabe? Só vou poder vê-lo de novo em uns 2, 3
anos. A Hermit é uma das que fica nas ilhas do Pacífico. Em Clipperton, pra se mais
exato. É um dos Parques de Automação, não entra nada lá além da vontade e talento
de produzir robôs legais — disse, com os pés fixos no chão e as pernas mexendo sem
parar, os braços sobre as coxas, um olhar de arrependimento — Não estou sendo de
grande ajuda, eu sei, você só tem a mim como referência. Deve estar mais tranquilo
porque no seu caso são coisas de família, comigo não é assim. Eu fico pensando, todo
dia, se ele está bem.
Lindel contraiu as pernas e se reposicionou na poltrona, com o tronco inclinado pra
frente.
— O Albert não fez parte de nada. Ele era apenas um conhecido do fundador. Então,
se serve de conforto, não é um negócio da família, eu também estou nervoso. Não
tem como não ficar quando estamos falando de tanto tempo. Mas, eu tenho certeza
que você também pensa no depois. Na vitória de não ter mais que se preocupar com
dinheiro, de conquistar a independência — disse, com um sorriso genuíno, olhando
nos olhos de Carlton — Will é um garoto muito inteligente. Basta que ele tenha algum
incentivo e será um dos maiores.
A campainha tocou. Os dois se levantaram ao mesmo tempo e Lindel fez um gesto
para Carlton parar. Saiu do escritório em direção à porta da frente, que ficava do
outro lado da comprida sala de estar, composta por uma mesa de reuniões retangular
e um painel ultrafino de 80 polegadas ao fundo — a tecnologia de pixels orgânicos e o
display dobrável já tinham se popularizado — , dois sofás pretos dispostos ao lado da
porta e, naquele dia em particular, vários caixotes de papelão escorados nas paredes
ao lado da entrada do escritório, contendo coisas que Lindel planejava vender. Abriu
a porta e deu de cara com Will.
— Espero que a surpresa seja foda, porque hoje não foi nem um pouco — disse, com
os olhos ainda meio fechados por conta da luz do sol e a bolsa da escola na mão
direita, arrastando no chão.
Estavam os três dentro do escritório: Will, Lindel e Carlton. Mas não por muito
tempo. Assim que cumprimentou Will, Carlton decidiu ir embora, alegando estar
atrasado para o trabalho. Desejou a Will que o próximo dia fosse melhor. É como
querer que ameixa pare de ter um gosto ruim de um dia pro outro, pensou o garoto.
A porta do escritório bateu e Will e Carlton se encararam, os dois de pé.
— Você é o mais novo aprendiz da NEURATOM! Parabéns! — gritou o tio, jogando
confetes para cima com as duas mãos, mas sem haver confete algum.
O garoto ficou encarando o tio naquela pose esdrúxula por alguns segundos,
deixando a bolsa escorregar da mão.
— Ué… não está feliz? — perguntou o tio, sem entender a (falta de) reação de Will.
Logo se endireitou e ajeitou os óculos.
— Eu sei que você só mora comigo há alguns meses, mas imaginava que me
conhecesse um pouco melhor — disse o garoto, sentando-se em uma das poltronas —
Uma notícia boa pra mim seria não ter mais que estudar. Poder trabalhar em casa,
com tradução ou coisa do tipo — completou, com uma sinceridade abaladora.
Lindel desabou na poltrona cobrindo o rosto com as duas mãos e respirou fundo.
— Olha… Will… as coisas não são tão fáceis como você pensa — abriu um espaço
entre os dedos que o permitiu enxergar a cara de desânimo de Will — Já viu aquele
monte de caixa lá na sala? A herança da sua mãe tá acabando. Não era muito
dinheiro, garoto — Lindel descobriu o rosto e fitou Will com os olhos focados, sem
piscar — JJJ. James J. Junior. Esse homem é a garantia do seu futuro.
Naquele instante, alguma anomalia aconteceu dentro da cabeça de Will. Lembranças
acordando de um sono profundo. A memória da vermelhidão agora mais nítida,
querendo lhe dizer alguma coisa, sentia que estava na ponta da língua. A verdadeira
torrente de pensamentos que surgia em pequenas doses, dessa vez veio
integralmente.
Era aquele o nome do misterioso amigo do seu pai. James. James J. Junior.
— Seu pai e James eram muito amigos e havia uma dívida pendente entre eles. Albert
logo soube qual favor pedir. Antes de se mudar pra longe, fez um acordo com ele, de
que você entraria como um dos alunos das seções de ensino técnico de neurociência
aplicada, em um dos parques do Pacífico, assim que ingressasse no Ensino Médio —
explicou seu tio, agora, sorrindo — Will, vai por mim, é maravilhoso. Aqueles
parques têm de tudo. Você vai ter dormitório, comida de graça, momentos de lazer,
tudo enquanto estuda na prática coisas que efetivamente vai usar em um futuro
próximo, naquele mesmo lugar ou onde você quiser. É bem diferente da escola!
Will sabia muito bem como funcionavam os Parques do Pacífico. Já havia feito várias
pesquisas sobre eles na escola. Eram áreas criadas com o intuito de otimizar a
reprodução de técnicas aprendidas a partir da década de 2020, principalmente às de
inteligência artificial, automação avançada e neurociência aplicada. Tudo na vida
tem um preço, pensou. Os Parques eram lugares vedados de qualquer tentativa de
comunicação com o exterior. Não havia acesso à Internet, telefone, rádio, o que quer
que fosse. Estavam localizados em ilhas, então o isolamento era tanto virtual, quanto
espacial. Os resultados, no entanto, eram animadores. Quase todos que saíam de lá
tinham um futuro garantido. A demanda por essas novas tecnologias era muito
grandes em todo o mundo.
— O Hector… estava planejando fazer o concurso para a Neuratom. Ele é bem
inteligente. Se não tiver jeito, eu torço para, pelo menos, não ir sozinho — disse, mais
conformado, encarando o tio com um sorriso meio fajuto.
— O jeito é esse, camaradinha. Mas não esquenta, seu amigo vai passar. E não é
como se você fosse ficar lá pra sempre, nem sozinho. Tem muita gente boa em todo
lugar — Lindel disse aquilo com uma expressão de alívio por ter conseguido
convencer Will. Estava sorrindo de ponta a ponta. Bateu com as duas mãos nas
coxas, como sempre fazia quando tinha concluído uma questão, e se levantou.

Para Will, o resto daquela tarde não estava transcorrendo no mundo real, mas sim
nos confins da sua mente. Enquanto não chegava a noite, quando tinha marcado de
se reunir com o grupo da sala, ficou deitado vendo as fotos privadas do Idlegram de
Alice. Aquilo só piorou sua situação. Em um primeiro momento, confirmou o que já
sabia, que a menina era bonita de verdade, e ficou excitado ao ver certas fotos
provocativas, típicas dessas redes sociais que requeriam convites ou chaves. Mas,
quando a euforia passou, percebeu o quão baixo era o que estava fazendo e o quão
insignificante estava sendo sua vida desde que perdeu a companhia de seus pais.

O relógio marcava 18h, meia hora antes do combinado para a primeira reunião dos
grupos do trabalho de Física. Will vestiu-se como se aquela ocasião demandasse a
maior formalidade. Para ele, era mesmo um momento único. A ideia de sair com
pessoas que não são o seu tio, Chester, Hector ou Stanley o despertou muita
ansiedade e um embrulho no estômago, mas também a vontade de provar algo, de
tentar ser o que ele não era. Alguém que pudesse conversar sobre coisas normais com
pessoas normais. Saiu do quarto e passou um tempo admirando a sala deserta. Seu
tio havia ido trabalhar. Quando aproximou-se da porta de casa foi que se deu conta.
Mãe, pai… dessa vez eu vou ter que me arriscar. Vou sair à noite sozinho. O mundo
começou a cobrar que eu tome jeito. Sei que disseram para eu evitar fazer isso,
porque era perigoso. Não dar chance ao azar. Ficar seguro. Evitar conflitos.
Principalmente você, pai, depois daquilo.
Sempre que Will decidia fazer algo que fugisse da sua rotina de ir à escola de carro,
conversar com os mesmos amigos, comer o mesmo lanche, voltar pra casa, conversar
com seu tio, entrar no quarto, estudar, stalkear meninas online e ir dormir, ele se
lembrava da noite em que se despediu de sua mãe.

Fazia muito frio em toda a Londres de 15 de Abril de 2025. Will, seu pai e Elizabeth,
sua mãe, caminhavam entre grandes construções divertidas, luzes de todas as cores
refletiam nos óculos de Elizabeth. Estavam no parque de diversões Woo-Loop,
aproveitando a viagem que decidiram fazer durante os dias de folga de Albert. Will
não conseguia acompanhar o ritmo dos pais, sempre fazia umas pausas para olhar
cada nova atração, extasiado. Daquela vez, estava admirando o Uranus, uma
estrutura formada pela base e uma palheta que ficava rodando na horizontal, com
dois grandes círculos nas laterais que comportavam as cabines.
— Will, vamos, desse jeito não vai poder brincar em nada — disse Elizabeth, puxando
o menino de uma de suas paradinhas tradicionais pelo braço esquerdo.
Era uma mulher “de alta classe”, como consideravam os amigos de Albert. Os cabelos
alcançavam a cintura fina, confundindo-se com o vestido negro daquele dia. Quando
fora de casa, sempre usava os mais belos vestidos. “Você está de tirar o fôlego e o
resto do ar do planeta!”, Albert dizia pra ela sempre que estavam se arrumando para
alguma ocasião.
Will fez uma cara emburrada e Elizabeth encarou ele com seus olhos verdes e
brilhantes.
— Que foi?
— Você vai me deixar brincar só na mini-pista, no carrossel, nessas coisas que não
tem graça — disse, fazendo o bico de criança, mas mantendo o olhar firme — Então,
acho que é bom só olhar.
Elizabeth sorriu e se abaixou um pouco para falar cara a cara com o pequeno Will.
— Quando eu não precisar mais ficar nessa posição pra falar com você, aí, meu
amiguinho, você pode até pegar uma carona em um foguete e ir pro céu.
Will caiu no riso. Sempre achou sua mãe muito engraçada, e nunca conseguia ficar
emburrado de verdade por causa do jeito que ela brincava com ele. Correu em
direção ao pai, que estava um pouco a frente, mexendo no celular.
— Pai, pede pra mamãe brincar comigo na montanha-russa pequena — pediu Will,
sorrindo e com um olhar esperançoso.
Albert teve que inclinar a cabeça pra enxergar o garoto, de tão alto que era. Olhou
sorrindo para Will, com seus cabelos negros encaracolados e óculos circulares fora de
moda.
— Pede você, filho. Tá com vergonha? Ela não vai ficar com raiva — incentivou,
acariciando a cabeça de Will.
Will virou-se e encontrou os olhos de Elizabeth.
— Vamos, mãe? Não é dos brinquedos menores, mas eu já tenho 10 anos então posso
entrar com acompanhante — convidou, novamente com o olhar brilhante de
esperança e um sorriso meio envergonhado.
— Esse é um desafio e tanto. Seu pai sabe o quanto eu não me dou bem com essas
coisas.
— Eu insisto!! — exclamou Will, repetindo uma expressão que sempre ouvia no
desenho “A Fera e a Encrenqueira”.
— Ah, se você insiste… — respondeu ela, encarnando a “Fera”.
Os três caminharam a uma velocidade maior, já que Will estava agora ansioso e era o
condutor energético do casal. Logo chegaram ao outro lado do parque, onde podiam
vislumbrar a Midway Rollercoaster.
— É… maior do que eu pensei — murmurou Will, presenciando sua aparente
coragem ser esmagada pela realidade. Estava agora mordendo os lábios, com um
olhar receoso direcionado à mãe.
— Ué, não era o homenzão? — perguntou Elizabeth, sorrindo.
— Sou um homenzinho — corrigiu — Vamos!! — exclamou, fazendo desaparecer o
temor no seu rosto, mas mantendo ainda o medo latente.
A fila da montanha-russa estava pequena. Todas as outras atrações daquele parque
eram muito disputadas e requeriam uns bons minutos espera. Albert estranhou, mas,
pragmaticamente, ficou contente por não ter de esperar.
Era uma atração simples, de cor roxa, sem ser desesperadoramente alta e sem
looping, comportando o sistema de carrinhos para quatro pessoas. Um projeto com
apenas duas grandes decidas e três intermediárias. Começava em um formato quase
perfeito de V ao contrário, seguida por um caminho circular estacionado numa
mesma altura e concluindo com uma subida, pouco menor que a primeira, e uma
descida menos íngreme.
Um minuto depois, chegou a vez de Will e sua mãe. Os dois subiram na rampa
metálica e encontraram o preparador do passeio.
— Bom dia, o próximo carrinho é o de vocês. Os brinquedos de médio porte desse
lado do parque ainda funcionam com o sistema de cintos de segurança. Façam que
nem no carro de vocês. E moça, estique um pouco o braço pra proteger o garoto —
recomendou roboticamente o funcionário, de boné pra trás e com um cigarro na
boca, olhando para o espaço.
Elizabeth confirmou com o rosto e sentou nas cadeiras da frente, junto com o garoto.
Mais duas pessoas completaram a tripulação, em seguida. Sem muita demora,
puderam ouvir o barulho do ar pressurizado no dispositivo de comando e os
primeiros tremores nos bancos. O carrinho começara a operar e, cinco segundos
depois, eles já estavam em uma subida.
Elizabeth esticou o braço para a direita a fim de segurar-se na barra de ferro à frente
e, ao mesmo tempo, envolver o tronco de Will.
— É agora — disse o garoto, com um sorriso meio forçado, tentando esconder o medo
que seus olhos desvelavam.
— Agora já era, Will. Vamos ver quem é mais homem, eu ou você — disse sua mãe,
beijando-lhe a testa.
Da primeira volta, Will já não lembrava de nada. Parecia um borrão no registro das
memórias, naquele momento em específico. O que acontecera na vota subsequente
fora tão impactante, que, para ele, só aquela existia.
Na única volta, depois da primeira descida, enquanto se recompunham, Will
lembrava-se dos olhos fechados e do sorriso largo da sua mãe, como se ela estivesse
querendo mostrar para ele que estava se divertindo, apesar do sofrimento interno
com os frios na barriga, inéditos em sua vida adulta. Quando estavam fazendo a
última subida, Will pôde ver os olhos dela abrindo aos poucos e o sorriso ficando
mais verdadeiro.
— Mais uma, ai meu deus… — ela murmurou, olhando pra Will logo em seguida e
tampando o rosto com as duas mãos. Ele riu.
E esta era realmente a descida definitiva. Quando começaram a descer, naquele
milésimo de segundo, Will sentiu uma separação do plano físico. O braço da sua mãe,
que estava constantemente o protegendo, não tocava mais seu corpo. Não deu tempo
de pensar. Os dois foram arremessados para fora na mesma direção, Will tendo
conseguindo se segurar na cintura da mãe instintivamente, aproveitando um
intervalo de tempo crítico. A próxima coisa que ouviu foi o barulho de ossos se
espatifando no chão. Remexeu-se, atordoado, com a visão embaçada, os ouvidos
tampados e, depois de cinco segundos, pôde identificar a situação com seus olhos.
Um vermelho muito escuro. A poça de sangue sob a cabeça de sua mãe era de um
vermelho que mais parecia preto. Ainda fora de si, examinou o próprio corpo e viu
que lhe acometiam apenas alguns arranhões. O corpo de sua mãe amortecera a
queda, e o acaso do afrouxamento daquela barra de ferro amorteceria sua vida com
um todo, dali em diante. Sentia que o aprendizado de brincar com o acaso era quase
tão profundo quando o vazio que se apoderara de seu interior.

Will abriu a porta e aquele mundo façanhoso o recepcionou com uma brisa fria, que
parecia ter vindo das áreas montanhosas em volta de Leeds só para encontrar
guarida no seu rosto corado. Não havia mais cães vagando pelas ruas em busca de
comida, mas, dessa vez, um casal perambulava. Caminharam à sua frente durante
quase todo o trajeto até a escola, com os capuzes dos casacos negros cobrindo as
cabeças, que se encontravam vez ou outra em gestos de carinho. As mãos unidas o
tempo inteiro. Will se despediu deles silenciosamente quando virou na última
esquina.
— Pensou que iria fugir, obeso de merda?
Will ouviu aquela voz ameaçadora, amplificada pelo vazio da rua e do galpão
abandonado ao lado da escola, de onde ela parecia estar vindo. Atravessou a pista
estreita que o separava de seu destino e diminuiu radicalmente o ritmo, encolhendo-
se um pouco e dando passos cautelosos. Quando alcançou o galpão, esgueirou-se
pelas paredes, parando no final de sua extensão, ao lado da entrada, pois tinha
ouvido uma voz que conhecia muito bem.
— É-é bom vocês irem embora, meu grupo vai já chegar. Eles vão notar a gente aqui
— disse Stanley, encostado na parede e segurando uma cadeira de madeira com o
braço esquerdo, pronto para utilizá-la como uma arma, mesmo sabendo que nunca o
faria. Seu rosto denunciava que aceitaria tudo passivamente, como sempre. Um olhar
desesperado, a boca inquieta, sofrendo alguns espasmos.
— Acha que a gente tá com medo de um bando de vadias? — questionou Grandall,
com a expressão de quem sentira-se provocado, segurando um graveto afiado. Era
ele o responsável pelos arranhões na barriga de Stanley. Grandall tinha 16 anos, era
alto e musculoso. Seus cabelos eram loiros e rasteiros, da mesma cor das
sobrancelhas que quase se consubstanciavam numa taturana asquerosa.
— Michael, vamos tentar arte de verdade agora. Nada de arte abstrata — disse
Grandall, fitando o companheiro com um olhar malicioso.
Michael não parecia ser tão forte e intimidador quanto Grandall. Stanley sempre teve
a impressão de que ele poderia ser um bom amigo, mas havia sido compelido a agir
daquela forma. Sua aparência era, até, um pouco frágil. Tinha uma estatura média
para um garoto de 15 anos, era magricelo, possuía cabelos negros que iam até o fim
do pescoço e formavam uma franja a qual encerrava-se imediatamente no início dos
seus olhos.
— Eu acho que o gordo aí tem razão dessa vez, Grandall. Vai dar problema, elas não
vão ter receio de contar para a diretoria ou pior, chamar a polícia — disse, olhando
pra Stanley com uma certa compaixão e, logo depois, desviando para o rosto de
Grandall, sem encontrar ali uma pacificação de entendimento.
Grandall parecia enfurecido. Largou os braços que estavam antes cruzados,
segurando o graveto na mão direita com mais firmeza.
— Se tem medo de putinhas, é uma putinha também — disse, apontando o graveto
para a garganta de Michael — Agora, vamos. Me dê uma ideia legal de desenho pra
fazer.
O foco do olhar assustado de Michael permutava entre aquele pedaço de galho afiado
e o rosto pálido de Stanley à sua frente.
— Quer saber, você pensa na próxima. Hoje eu decido — disse, aproximando-se de
Stanley, batendo repetidas vezes com o graveto na palma da mão.
Ele encarou Stanley diabolicamente, pôs o graveto no bolso e arriou as calças do
garoto, com uma certa dificuldade.
— Essas mortadelas não deviam estar tão branquinhas — disse, beliscando
repetidamente as coxas de Stanley com as unhas.
— P-PARA, PARA!! AI! — gritou Stanley, gemendo de dor, apertando as pálpebras
com força, as lágrimas estacionadas nas saliências sobre suas bochechas.
A agonia era tanta que, instintivamente, com uma força que não sabia que tinha,
Stanley rodopiou segurando a cadeira com o braço esquerdo, tentando acertar
Grandall, que havia percebido o movimento desesperado e se afastado subitamente,
caindo de bunda no chão, ileso.
— Michael, segura esse merda pelos braços, agora ele vai sentir! — gritou como um
cão raivoso.
Michael, dessa vez sem hesitar, correu até Stanley, meteu as mãos em seus braços e
os pressionou contra a parede, como que pregando-lhes numa cruz.
Will viu quase tudo. Começou a observar latebrosamente quando Michael da
primeira vez beliscou as coxas de Stanley. Seu rosto estava inquieto, mas as pernas,
calmas, estacionadas.
Grandall partiu bruscamente para cima de Stanley e socou-lhe no estômago. O garoto
encheu as bochecas como se fosse vomitar, e os olhos por um momento pareciam
terem saltado das órbitas.
Will continuava calado e, daquela vez, com os olhos fechados, encostado na parede
com tanta força que parecia que ia derrubá-la a qualquer momento.
O bullie retirou o graveto do bolso e começou a riscar as coxas de Stanley.
— AH, AH, AIII! — gritou o garoto, com a cabeça esperneando. Sem poder mexer os
braços, balançava as pernas, mas quanto mais tentava resistir, mais profundos e
desvirtuados se tornavam os cortes do graveto de Grandall.
— Fica quieto, vai estragar minha obra de arte — murmurou Grandall, com um
sorriso

— Alguém… ALGUÉM ME AJUDA! — gritou, desesperado. Will ouvira aquilo como


se fosse a voz de todas as pessoas do planeta em uníssono, de tão alto, enfático e
claro que era aquele pedido de socorro.
Com os olhos ainda fechados, baixou um pouco a cabeça e caminhou lentamente em
direção à escola para esperar pelo seu grupo, que chegaria em alguns minutos.
Na última sala à esquerda do corredor, estavam reunidos Horitz, Samya, Will e Earl.
Todos sentados no chão, no canto ao lado oposto da porta, entre a parede da lousa e
os degraus das cadeiras.

— Então, mecânica de fluidos… a gente tem que apresentar algo na prática pra todo
mundo entender, alguma ideia? — questionou Samya, a menina mais nerd da sala,
que não parecia ser do mesmo planeta que Horitz, e todos pensaram nisso ao mesmo
tempo. De semelhantes, apenas os cabelos que tinham algumas mechas roxas, mas
eram majoritariamente pretos. Era sua única característica visual que sugeria uma
personalidade descolada, todo o resto, desde o rosto cheio de espinhas e os grandes
óculos até o corpo esquelético sempre coberto — todos os centímetros de pele
possíveis — por roupas cafonas sob um macacão rosa, diziam o contrário.
— Não sou um homem de grandes ideias — respondeu Horitz, com os braços
cruzados, olhando pra Will — Mas esse carinha parece ser. Os mais calados são
sempre os que estão à frente nos pensamentos.
Will não conseguia pensar naquele trabalho, mas precisava. Depois do que vira,
ainda sentia algo corroer todo o bojo de seu sistema digestivo, ou só não sabia
identificar onde especificamente.
— É simples, um recipiente com água e qualquer outro fluido — respondeu, olhando
pro espaço que se formava entre suas pernas cruzadas.
— Olha só, resolvido a questão principal. Agora é só deixar os gênios aí fazerem as
cinco questões da lista. A gente dá apoio emocional — disse, rindo e encontrando
reação similar no rosto de Earl, um judeu ruivo de olhos azuis e cabelos crespos.
— Vão ser duas pra cada — disse Samya, com um olhar sério, diluindo o clima jocoso
que se estabelecera — Ao trabalho.
— Tá, mas antes… — Horitz se levantou e esticou os braços — Ouviram o que tava
rolando? Cheguei aqui pouco depois, mas o Stanley ainda estava chorando, fui falar
com ele e parece que o Grandall fudeu com ele de novo.
Ele disse aquilo com um sorriso no rosto, era algo pior do que indiferença, pensou
Will. Talvez complacência. Ou apenas admiração, diversão. Eu sou tão diferente dele
assim?
— Que coisa horrível… — murmurou Samya, em resposta ao que ela considerava uma
covardia sem tamanho — E você ri disso?
O punk alargou o sorriso de boca fechada e disparou.
— Ele não reage nunca. É só um monte de banha. Foi tratado como merece ser.
Will se levantou subitamente, derrubando a garrafa d’água a seu lado, que molhou
uma das cópias da lista de exercícios.
— Ei, qual foi?? — perguntou Earl, levantando-se também, mas pelo susto.
Will saiu da sala correndo, sem ter nem se tocado do momento em que girara a
maçaneta, pensava ter atravessado a porta como um fantasma.
Mantendo o ritmo desengonçado pelo corredor da escola, esbarrou com um dos
alunos da sala ao lado que conversava com um colega de dentro, derrubando-o e
despertando um xingamento selvagem em alto e bom som.
Saiu da escola mas não conseguiu sentir a brisa fria de antes, embora ela estivesse
presente. Atravessou a rua e correu no mesmo ritmo até chegar em casa novamente.
Nunca pensou que percorreria aquela distância em menos de três minutos. Assim
que abriu a porta lançou a vista ao sofá mais próximo, ajoelhou-se no chão e apoiou
as mãos e a cabeça sobre o ele.
Ficou naquela pose por quase um minuto, lidando com um turbilhão de pensamentos
que o assolavam. Não sabia nem se era culpa. Tinha convicção de que o certo a fazer,
segundo seu pai — não, segundo a verdade que aprendera — era deixar Stanley sofrer
na sua frente, ser humilhado, sem que ele movesse um dedo pra ajudar. Sem que ele
sequer procurasse por um adulto
A campainha tocou. Era seu tio. Ele demorou um pouco para se recompôr. Empurrou
o sofá para que conseguisse voltar a ficar em pé e andou cambaleando até a porta.
— Estava chorando? Will?
Lindel não reconheceu que aquele rosto exausto e úmido expressava mais do que
tristeza.
— Eu te entendo, não deve estar sendo fácil. Ainda é cedo, mas vá dormir. O ser
humano processa as coisas no escuro.
Não pensou que conseguiria, mas, mesmo o relógio ainda marcando 19h30,
despencou em um sono profundo pouco depois de se reconfortar na maciez do
colchão.
Os sonhos de Will foram turbulentos. Eles nunca faziam muito sentido, eram sempre
acontecimentos drásticos misturados, mas às vezes deixavam uma forte impressão
por dias. O infindável e largo tapete vermelho aparecera novamente, mas, dessa vez,
estava vazio. Podia sentir seus pés deslizando. O tapete estava se inclinando. Ouvia o
barulho de algo rolando. Olhou pra trás e avistou o corpo de Stanley descendo pelo
tapete, com um buraco na barriga, sujando tudo de vermelho. Will, no entanto, não
podia perceber a diferença entre um tapete sujo de sangue e um de tinta vermelha.
Uma grande luz branca cegou seu eu dos sonhos.

Saltou da cama com os olhos arregalados. Tateou em busca do celular para ver as
horas. Eram seis e meia da manhã. Finalmente, ele pensou. Depois de tanto tempo
consegui acordar por conta própria.

Escovou os dentes e saiu do quarto.


— Por essa eu não esperava. Acordou sozinho. Cumpriu sua palavra! — disse seu tio,
deitado no sofá e com um tablet na mão.
Will espreguiçou-se e sentou no sofá ao lado.
— Ah é, fiquei de retornar a ligação para um dos funcionários do James que opera
aqui em Leeds quando você acordasse — disse Lindel.
— Certo — respondeu.
Lindel fez a ligação e deixou o celular no viva voz. Ai, ai. Dessa eu não escapo. Lá se
foram todos os meus argumentos racionais, pensou Will.
— Alô? Dr. Phil? O garotão está de pé! — passou o celular para Will.
— Olá, doutor. Sou o filho de Albert Holland, William. Prazer.
— Phillip Wilson. O prazer é meu, querido. Está pronto pra ouvir a melhor proposta
da sua vida?
— Acho que sim.
— Ótimo, mas não vai ser agora, hahaha. Na verdade, são instruções muito extensas,
é muita coisa pra conversar. Gostaria de falar com você pessoalmente. Em algum
lugar aí perto, pra não ficar inviável pra você, pode ser?
Will não entendeu porque precisaria de um encontro físico para aceitar uma
proposta, mas já tinha desistido de contestar tudo.
— Pode, sim. Estudo na Stewart Müller.
— Ah, Sweepstreet. Conheço bem. Posso esperar lá perto da entrada.
— Tem um galpão lá perto com algumas cadeiras.
— Sua aula começa às sete?
— Oito.
— Ótimo, eu consigo estar aí daqui a meia hora. Teremos tempo o suficiente pra
conversar e você ainda conseguirá assistir a aula. Fechado?
— Fechado.
Lindel observou aquela conversa como uma criança assistindo ao episódio mais legal
de Barney e seus Amigos. Estava muito feliz por Will, que finalmente parecia ter
encontrado um caminho na vida, e por ele mesmo, pois teria se livrado do trabalho
de babá que seu irmão tinha deixado pra ele.
— Vamos, apronte-se. Philip Wilson é um neurocientista famoso, não vai querer estar
desse jeito quando for vê-lo.

Will voltou ao quarto e se trocou. Vestiu uma camisa xadrez preta com roxo e uma
calça jeans. Penteou os cabelos cheios para o lado esquerdo e passou um pouco de
gel. Calçou os sapatos pretos de couro, aplicou o perfume Sartorial do seu tio e já
estava pronto para o dia mais importante de sua vida. Saiu do quarto.
— Vai me dar carona hoje, né? — perguntou Will, sorrindo.
— Com todo prazer — respondeu Lindel, sorrindo. Mas esse era um sorriso
verdadeiro.

Will não sabia o que tinha acontecido naquele curto trajeto de carro. Passaram
batido o sinal de trânsito, a estação de rádio, seu tio tentando puxar uma conversa
breve, a vista dos cachorros no meio da rua… seus olhos estavam em piloto
automático. E a mente trabalhando.
Vou ser atirado no inferno… vamos ver como eu me viro. Tenho certeza que isso
precisava acontecer pra eu criar jeito. Vou para um lugar muito seguro, mãe. Não
vou dar chance ao azar. Pai, não vou nem precisar me envolver em conflitos
desnecessários. E não me envolveria nem que precisasse. Onde quer que vocês
estejam, espero que consigam me ver, ou, pelo menos, saber quanta falta vocês
fazem.
As lágrimas que corriam levemente pelo seu rosto trouxeram-no de volta ao mundo
real. Ele enxugou-as rapidamente e piscou os olhos repetidas vezes para não parecer
um adolescente depressivo na frente do Dr. Phil, o homem que dilaceraria sua
sanidade, fagocitaria seu destino e confrontaria o seu ego com seu eu latente. Será
que alguém um dia vai entender como me sinto, vai enxergar lá dentro da minha
mente?

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