Professional Documents
Culture Documents
2012v14n33p41
Patrícia de Sá Freire
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento, Universidade Federal de Santa Catarina –
Florianópolis – SC, Brasil. E-mail: patriciasafreire@terra.com.br
Resumo Abstract
Este estudo apresenta a conceituação de memória This study presents the conceptualization of
organizacional, seu papel para a gestão do conhecimento organizational memory, its role in knowledge
e a importância da mídia do conhecimento para sua management and the importance of knowledge
construção. Para tal objetivo, realizou-se uma pesquisa media for its construction. For this purpose, an
exploratória, de cunho teórico. Os resultados indicam exploratory research has been held on a theoretical
que a gestão do conhecimento é uma ferramenta basis. The results indicate that knowledge management
de suporte para a criação e para a manutenção do is a supporting tool for knowledge creation and
conhecimento organizacional, uma vez que permite its maintenance within the organization, since it
que o conhecimento que existe na mente das pessoas e enables knowledge existing in people’s minds, and
nas ações práticas de seu trabalho seja compartilhado, in the actions of their work practices, to be shared,
registrado e preservado como memorial organizacional recorded, preserved as an organizational memorial,
e, posteriormente, disseminado. Concluiu-se que as and subsequently disseminated. The conclusion is that
mídias do conhecimento, mais do que disseminar o knowledge media, rather than simply disseminating
conhecimento, têm papel na tarefa de construção organizational knowledge, have multiple roles in the
permanente do conhecimento. As mídias permitem a permanent whole construction of knowledge. The
criação de novos conhecimentos, despertam interesses media enable the creation of new contents, arouse
e atraem a atenção, oportunizam a socialização, interest, attract attention, nurture socialization and
registram e disseminam conhecimento, favorecendo record and disseminate knowledge, thus favoring its
sua explicitação. explicitness.
42 5HYLVWDGH&LrQFLDVGD$GPLQLVWUDomRYQSDJR
0HPyULD2UJDQL]DFLRQDOHVHX3DSHOQD*HVWmRGR&RQKHFLPHQWR
5HYLVWDGH&LrQFLDVGD$GPLQLVWUDomRYQSDJR 43
3DWUtFLDGH6i)UHLUH.HOO\&ULVWLQD%HQHWWL7RQDQL7RVWD(VSHULGLmR$PLQ+HORX)LOKR*LRUJLR*LOZDQGD6LOYD
hoje são as armas que defenderão a tribo no futuro.” trabalho. Pode ser instituída dentro de uma empresa
(SAMS, 1996, p. 251). Ou seja, a principal função dos por meio de reuniões, e-mails, transação, sistemas de
Contadores de História era “[...] contar os fatos passa- relatórios, conferências, entre outras formas, e servirá
dos com total precisão para que estes acontecimentos para apoiar a tomada de decisões em várias tarefas e
ajudassem a solucionar os presentes problemas.” em diferentes ambientes.
(SAMS, 1996, p. 251) Com base no exposto, pode-se dizer que o
Assim, pode-se dizer que o contador de história conhecimento é inerente às pessoas que formam a
da Nação Indígena Americana era o canal dissemina- organização e que um modelo de memória organiza-
dor das informações e dos conhecimentos necessários cional deve ter como metas: evitar a perda do conhe-
para que a nova geração construísse novos conheci- cimento intelectual quando um especialista deixa a
mentos, ajudando em tomadas de decisão definitivas empresa; explorar e reutilizar a experiência adquirida
em sua sobrevivência. Os Contadores de História eram nos projetos passados para evitar a repetição de erros;
a mídia do conhecimento, pois sua memória guardava melhorar a circulação e comunicação da informação na
e disseminava a base do conhecimento. organização; integrar o saber fazer de diferentes setores
da empresa e melhorar o processo de aprendizagem
Uma História de Sabedoria, contada de maneira individual e coletiva de toda a organização.
adequada, podia acabar com as discussões,
Sendo assim, um modelo de memória organiza-
mudar o curso da vida, insuflar novo ânimo
em épocas difíceis ou ainda encorajar os jovens cional deve ser estruturado para gerir a interação do
a assumir novas responsabilidades na vida. indivíduo com o grupo e registrar todos os processos.
(SAMS, 1996, p. 251) Desse modo, o conhecimento tácito e o conhecimento
explícito podem ser ampliados e cristalizados por meio
de discussão, compartilhamento de experiência e ob-
3.2 A Memória no Ambiente Empresarial servação de como executar os processos.
44 5HYLVWDGH&LrQFLDVGD$GPLQLVWUDomRYQSDJR
0HPyULD2UJDQL]DFLRQDOHVHX3DSHOQD*HVWmRGR&RQKHFLPHQWR
4 GESTÃO DO CONHECIMENTO
ORGANIZACIONAL
5HYLVWDGH&LrQFLDVGD$GPLQLVWUDomRYQSDJR 45
3DWUtFLDGH6i)UHLUH.HOO\&ULVWLQD%HQHWWL7RQDQL7RVWD(VSHULGLmR$PLQ+HORX)LOKR*LRUJLR*LOZDQGD6LOYD
Informação, como explica Davenport e Prusak o conhecimento designa tanto o ato de conhecer,
(1998), é o dado dotado de significado e, quando usa- como relação que se estabelece entre a consciência
do de maneira positiva, transforma a realidade e educa que conhece e o mundo conhecido, ou seja, se refere
o homem. A informação é o dado analisado, dotado ao processo e ao produto; ao resultado do conteúdo
de relevância e o propósito para quem o percebe. do ato de conhecer, em resumo, ao saber adquirido e
Já conhecimento é o resultado da percepção acumulado pelo homem.
humana, do entendimento, da aprendizagem de um Para Probst et al. (2001, p. 24), conhecimento
novo modo de agir. O conhecimento é a informação
devidamente tratada, é descrito por Davenport e Pru- É todo o conjunto de cognições e habilidades
com os quais os indivíduos solucionam proble-
sak (1998) como experiências, informação contextual
mas. Compreende tanto a teoria como a prática,
e intuição que habilitam o indivíduo a interpretar, as regras cotidianas tanto quanto as instruções
avaliar e tomar decisões. O Quadro 1 resume o que para a ação. O conhecimento se baseia em da-
são dados, informação e conhecimento, segundo Da- dos e informação, mas, diferente destes, sempre
venport (1998). está ligado às pessoas. Forma parte integral dos
indivíduos e representa as crenças destes acerca
DADOS INFORMAÇÃO CONHECIMENTO das relações causais.
É uma mistura fluida de experiência conden- Choo (2003, p. 47) aponta que em uma organi-
sada, valores, informação contextual e insight zação encontram-se três tipos de conhecimento: conhe-
experimentado [...] tem origem e é aplicado na cimento tácito inerente às competências individuais;
mente dos conhecedores. Nas organizações, ele conhecimento explícito nas normais e nos manuais
costuma ser embutido não só em documentos
e conhecimento cultural “[...] expressado nas suposi-
ou repositórios, mas também em rotinas, pro-
ções, na opinião, e nas normas usadas por membros
cessos, práticas e normas organizacionais.
ao atribuir o valor e o significado à informação ou ao
Aranha e Martins (1983, p. 21), por sua vez, en- conhecimento novo”.
tendem conhecimento como “[...] o pensamento que Para Nonaka e Takeuchi (1997) existem duas
resulta da relação que se estabelece entre o sujeito que formas de conhecimento percebidas na dimensão
conhece e o objeto a ser conhecido”. Para as autoras, epistemológica: conhecimento tácito e conhecimento
46 5HYLVWDGH&LrQFLDVGD$GPLQLVWUDomRYQSDJR
0HPyULD2UJDQL]DFLRQDOHVHX3DSHOQD*HVWmRGR&RQKHFLPHQWR
explícito. O conhecimento tácito se refere ao conheci- Explícito como um dos cinco elementos geradores de
mento individual, pessoal e, é de difícil formalização competência. Os demais são: habilidade, experiência,
e comunicação. Já conhecimento explícito é formal e julgamentos de valor e rede social. Sveiby (1998)
sistemático, de fácil compartilhamento. Segundo Grotto pontua que o conhecimento tácito está relacionado
(2002), o conhecimento explícito está decodificado nos à competência, ao saber e vai além do conhecimento
manuais, nas memórias e nos relatos, nas pesquisas e formalmente adquirido. A união dos dois tipos de co-
nos relatórios formais. nhecimento otimiza o Conhecimento Organizacional,
Nonaka e Takeuchi (1997) reconhecem a im- conforme o autor.
portância do conhecimento tácito, aquilo que se sabe Na dimensão epistemológica, por meio do mode-
implicitamente, por dentro, e como ele difere do co- lo Socialização, Externalização, Combinação e Interna-
nhecimento explícito, aquilo que se sabe formalmente. lização (SECI), desenvolvido por Nonaka e Takeuchi
O processo de conversão do conhecimento, de acordo (1997), ocorre a distinção entre os conhecimentos, a
com os autores, acontece de quatro modos: socia- conversão do conhecimento tácito em explícito, con-
lização, a partilha implícita de conhecimento tácito; siderando que eles interagem e se integram por meio
exteriorização, conversão do conhecimento tácito em da linguagem (símbolos, metáforas e analogias) para
explícito; combinação, que combina e passa conhe- gerar a espiral virtuosa do conhecimento, conforme
cimento explícito formalizado; e interiorização, que mostra a Figura 3. Melhor definido, é nesta dimensão,
leva conhecimento explícito de volta à forma tácita, à quando os indivíduos se socializam, que os conheci-
medida que as pessoas o interiorizam. Esse ciclo forma mentos tácitos individuais podem ser externalizados e,
a chamada espiral do conhecimento. por fim, explicitados, podem ser combinados, criando
Sveiby (1998) aponta o conhecimento explícito novos conhecimentos que poderão ser entendidos e
como aquele tipo de conhecimento adquirido princi- internalizados pelos indivíduos.
palmente pela informação e pela educação formal; o Assim, neste caminho, na sua dimensão on-
conhecimento tácito como o prático, proveniente do tológica, ocorre a transformação do conhecimento
indivíduo, fundamental para as organizações, por ser individual em organizacional, por meio de cinco fases:
uma ferramenta que compartilha conceitos, experiên- compartilhamento de conhecimentos tácitos; criação
cias e que otimiza a tomada de decisão – é orientado de conceitos; justificação de conceitos; construção de
para a ação, sustentado por regras, individual e está em um arquétipo; e difusão interativa do conhecimento.
constante mutação. O autor coloca o Conhecimento (SANTOS, 2005)
5HYLVWDGH&LrQFLDVGD$GPLQLVWUDomRYQSDJR 47
3DWUtFLDGH6i)UHLUH.HOO\&ULVWLQD%HQHWWL7RQDQL7RVWD(VSHULGLmR$PLQ+HORX)LOKR*LRUJLR*LOZDQGD6LOYD
Santos (2005) aponta a existência da dimen- Segundo Fialho (2009), o corpo de informação e
são gnosiológica para criação do conhecimento, tal conhecimento organizacional é também constituído de
dimensão, identificado na Figura 4, vincula que por pensamentos, sentimentos, atitudes relacionadas aos
meio da explicitação do conhecimento individual é fatos, opiniões, ideias, teorias, princípios e modelos
possível transformá-lo em organizacional, permitindo mentais de cada indivíduo. Esses elementos são impor-
que o conhecimento de nível operacional seja parti- tantes para a força competitiva da organização, pois é a
lhado com os participantes do nível gerencial, gerando soma destas forças que forma a base de conhecimentos
o conhecimento conceitual que, por sua vez, ao ser para a solução de problemas futuros.
justificado, dará origem ao conhecimento sistêmico Seis processos servem como pilares para a gestão
na organização. do conhecimento, conforme mostra o Quadro 2. Esses
são definidos por meio da identificação de diversas
atividades intimamente relacionadas. (PROBST et
al., 2002)
PILAR DESCRIÇÃO
Identificar o Significa analisar e descrever
conhecimento o ambiente da empresa.
48 5HYLVWDGH&LrQFLDVGD$GPLQLVWUDomRYQSDJR
0HPyULD2UJDQL]DFLRQDOHVHX3DSHOQD*HVWmRGR&RQKHFLPHQWR
5HYLVWDGH&LrQFLDVGD$GPLQLVWUDomRYQSDJR 49
3DWUtFLDGH6i)UHLUH.HOO\&ULVWLQD%HQHWWL7RQDQL7RVWD(VSHULGLmR$PLQ+HORX)LOKR*LRUJLR*LOZDQGD6LOYD
Nesse ambiente, o conhecimento tornou-se um dos casos que, historicamente, constituem sua trajetória.
fatores mais importantes para a competitividade das Quanto restrito for o ambiente detentor do conheci-
organizações. Conhecimento entendido não no senti- mento organizacional, mais vulnerável e fragilizada será
do abstrato ou teórico, mas aplicado ao dia a dia das a empresa. Ou seja, maior será o poder de barganha
empresas, envolvendo a gestão dos valores intangíveis e de influência dos detentores desse conhecimento.
da organização, além dos tangíveis. Compreende co- Portanto, são indispensáveis meios competentes
nhecimento sobre seu mercado, sua tecnologia, seus de registro de informações, especialmente se relevan-
produtos, processos, clientes, concorrentes e outros. tes. Nesse contexto, destaca-se o desenvolvimento
A memória organizacional, neste contexto, sendo da Mídia e seu papel para construção da Memória
preservada, contribui para que os procedimentos de Organizacional. Registrar e preservar o conhecimento
experiências que deram certo possam ser retoma- identificado; adquirir e desenvolver o conhecimento;
dos, acrescentando novos conhecimentos e, o mais distribuí-lo e utilizá-lo; retê-lo e avaliá-lo; estabelecer
importante, evitando e aprendendo com os erros já metas e objetivos para o desenvolvimento de habili-
cometidos. dades e conhecimentos – esses são processos funda-
A estratégia competitiva deve, então, direcionar mentais para gestão do conhecimento.
suas ações para a gestão do conhecimento, porque Para que esse processo seja constante na organi-
todo este processo ocorre em um ambiente altamente zação, é indispensável promover o interesse na utiliza-
competitivo, que depende de informações que chegam ção dos sistemas baseados no conhecimento de sorte
à empresa e da melhor escolha de tecnologia de su- a recolher contribuições inter e multidisciplinares. Tal
porte para disseminá-las, assim como das interações indução à socialização significa um esforço no sentido
humanas relacionadas à criação do conhecimento. Isso de fazer ter prazer em aprender, em compartilhar.
envolve a capacidade de agir em diversas situações, A Mídia, isto é, o meio, tem papel múltiplo na
dando condições para que o conhecimento não saia tarefa de construção permanente do conhecimento. A
da empresa com o desligamento de um profissional ela incumbe favorecer a criação de novos conhecimen-
do grupo. O conhecimento deve ser compartilhado tos, despertar interesses e atrair atenção, oportunizar
na ação prática cotidiana do trabalho, codificado e a socialização, registrar e disseminar conhecimento,
registrado em banco de dados, sendo disponibilizado favorecendo sua explicitação.
pelos membros da organização quando for necessário. Cabe, por fim, assinalar que quanto mais com-
O exemplo da Nação Indígena Americana e plexa é a rotina dos integrantes de uma organização
tantos outros prescrevem que as organizações não globalizada, mais diversificada é a abrangência da
podem deixar de desenvolver caminhos e práticas com Mídia e mais exigível é a sua constante atualização
vistas a valorizar a construção e o desenvolvimento da tecnológica.
memória organizacional. Os métodos que estimulam a
criação coletiva visam favorecer o compartilhamento
do conhecimento adquirido, ensejando a busca de REFERÊNCIAS
soluções novas para problemas e situações atuais de
forma associada. Esse procedimento pretende reduzir ACKERMAN, Mark S.; HALVERSON, Christine A.
as tensões exacerbadas pelo ambiente de hipercompeti- Reexamining Organizational Memory. Communications
tividade. Seu aperfeiçoamento tem merecido contribui- of the ACM, New York, v. 43, n. 1, p. 58-64, jan. 2000.
ções ricas, observadas e relatadas neste texto. Pode-se
afirmar que cada evento em que o compartilhamento ABECKER, Andreas et al. Toward a technology for
de conhecimento acontece é uma etapa única em Organizational Memories. IEEE Intelligent Systems,
importância e em exigência de nossa atenção. Washington, v. 13, p. 40-48, maio/jun. 1998.
Respeitados os conceitos de conhecimento tácito
ANGELONI, M. T. (Coord.) Organizações do
e explícito, o certo é que a cultura de uma sociedade
conhecimento: infra-estrutura, pessoas, tecnologias. São
ou de uma organização não pode dispensar o esforço
Paulo: Saraiva, 2002.
para registrar de maneira inteligente e inteligível os
50 5HYLVWDGH&LrQFLDVGD$GPLQLVWUDomRYQSDJR
0HPyULD2UJDQL]DFLRQDOHVHX3DSHOQD*HVWmRGR&RQKHFLPHQWR
5HYLVWDGH&LrQFLDVGD$GPLQLVWUDomRYQSDJR 51