Professional Documents
Culture Documents
Introdução
Atualmente têm surgido várias experimenta- falta de flexibilidade do espaço e necessita por isso
ções, académicas e práticas, em que se usam de uma forma de explorar a variabilidade no uso
elementos arquitetónicos cinéticos responsivos do seu espaço. Neste contexto social, acreditamos
que interagem com estímulos diversos, exterio- que a arquitetura, recorrendo-se de sistemas ciné-
res ou interiores. A ideia de movimento cinético ticos, poderá responder a determinadas premissas
do espaço é claramente associada às questões das novas mudanças e alterações na sociedade.
de flexibilidade e adaptabilidade.
Estes aspetos são o mote para este artigo que
Este artigo explora a utilização do movimento no se estrutura em três partes. Em primeiro lugar
espaço arquitetónico conseguido com base em aborda-se o tema da flexibilidade na habitação
sistemas cinéticos e o modo com este movimen- através de uma reflexão sobre a sociedade atual
to pode ser utilizado para variar e transformar os e as formas como a flexibilidade tem vindo a ser
espaços em função das necessidades momentâ- trabalhada em arquitetura.
neas do utilizador, permitindo a relação e a intera-
ção constante entre o edifício e o utilizador. Na segunda parte explora-se a cinética e defi-
nem-se sucintamente as características destes
Numa sociedade em permanente mudança a fle- sistemas, demonstrando as suas potencialida-
xibilidade é cada vez mais um aspeto ao qual a des. A título de exemplo mostram-se alguns tipos
arquitetura deve responder. A habitação, sendo o de estruturas cinéticas aplicadas em arquitetura.
reflexo imediato das alterações da sociedade atual, Por fim, o terceiro capítulo tem como objetivo
é uma das valências que mais se ressente com a aliar a questão da flexibilidade aos sistemas ci-
néticos criando soluções cinéticas capazes de banas ditas civilizadas. O Homem que desde há
responder, em complemento com outras estraté- muito tempo é sedentário poderá ver esse estatu-
gias, às necessidades habitacionais. O desenvol- to alterado devido a uma sociedade em mudança
vimento destes sistemas tem como objetivo ex- e que é, cada vez mais, o resultado das mudanças
plorar a metamorfose e transformação constante tecnológicas, económicas, culturais e sociais.
do espaço, possibilitando diferentes disposições
e comportamentos de conforto. A partilha de informação e conhecimento intensi-
ficou-se de forma determinante com a evolução
Flexibilidade tecnológica. As tecnologias, principalmente sis-
temas como a internet, televisão e computador,
O tema da flexibilidade habitacional apenas tem desempenham um papel fundamental levando a
sentido quando analisado em conjunto com outros uma certa homogeneização de práticas e ativi-
fatores intrínsecos ao habitante e à sociedade onde dades que conduz à globalização. Contudo, esta
este se insere. As alterações sociais produzem mu- rede de informação faz com que existam mais ex-
danças nas necessidades individuais e familiares. pressões individuais, únicas e diversas que advêm
A necessidade de mobilidade e as constantes al- do conhecimento, da partilha e da ligação entre
terações pelas quais a nossa vida passa criam um lugares e culturas, criando necessidades, interes-
conjunto de mudanças nas necessidades e ativida- ses e características distintas em cada individuo.
des dos indivíduos, que são razões para a necessi-
dade de adaptabilidade e flexibilidade dos espaços Estes novos processos transformam também os
construídos, nomeadamente da habitação. parâmetros convencionais de trabalho, permitin-
do que este se desenvolva cada vez mais ligado
A evolução tecnológica, cultural e social cria no- ao domicílio, o chamado “tele-trabalho”.
vas mentalidades, novos modos de viver, que
transparecem para a habitação e para a forma Estas novas funções e realidades inseridas na
como as pessoas utilizam e vivem a cidade, po- sociedade e na habitação, apoiadas na tecnolo-
dendo existir entre as duas uma espécie de troca gia, podem conduzir a uma “cidade virtual” de fu-
de papéis ou funções. turo. Nesta cidade virtual a habitação permitirá a
realização de um conjunto de atividades que, até
Contexto social recentemente, se realizavam no exterior da mes-
ma. A casa pode ser agora entendida como um
Ao longo dos últimos tempos observou-se uma centro de operações a partir da qual se trabalha e
alteração dos padrões de vida das sociedades ur- se transaciona e adquire produtos e serviços, e a
cidade física passa a ser secundária. As relações Frank Lyold Wright, influenciado pela arquitetu-
humanas também se alteram neste novo mundo ra japonesa, aplicou este sistema modular em
que proporciona ligações e interação entre indi- projetos, como as Usonian Houses. (KRONEN-
víduos, sem a presença física, através de p.e. re- BURG, 2007) Auguste Perret contribuiu também
des socias, chats ou mensagens. para a promoção da flexibilidade, ao projetar em
1903 os edifícios de habitação na Rue Franklin,
Num outro cenário, a habitação é apenas o local em Paris, que, sendo dos primeiros edifícios em
de recolhimento e o individuo realiza as suas ati- betão-armado, permitiu a adoção da planta ou li-
vidades no exterior da habitação. Este modo de vre (FRENCH, 2009). Le Corbusier, que teve con-
ver a habitação pode alterar o entendimento atual tacto com os conceitos de Perret (SHERWOOD,
dos usos da habitação, deixando esta de ser en- 1978), viria a apresentar as potencialidades da
carada como um local multifuncional onde tam- planta livre, expondo a estrutura de forma iso-
bém se desenvolve o lazer e as refeições, sendo lada, demonstrando a possibilidade do edifício
a cidade a desempenhar esses papéis. (PAIVA, poder ser definido no seu interior de diferentes
2002) formas, qualquer que lhe fosse o uso inerente.
(PAIVA, 2002) Rietveld, com a emblemática Casa
A falta de emprego e a permanente incerteza e Schröder em Utrecht, Mies van der Rohe e arqui-
a necessidade de mudança que dai advém veio tectos suecos como Habraken ou Hertzberger fo-
provocar outra grande mudança no modo como ram outros arquitetos percursores da promoção
o individuo vê a sua casa. da flexibilidade.
O sistema reconfigurável e responsivo elabora- Figura 3. (baixo) Reciprocal Space, Ruairi Glynn (fonte http://
www.ruairiglynn.co.uk/category/portfolio/)
do por Ruairi Glynn - Reciprocal Space - ( 3) tem
como objetivo demonstrar que os espaços inte- tantes e com o meio externo. A habitação pode
rativos devem provocar sentimentos e propor- assim tornar-se um “organismo vivo” que reaja
cionar experiências aos utilizadores, de forma a conforme os modos de viva, as necessidades,
criar desafios e, consequentemente, movimen- vontades ou hábitos do habitante, podendo reu-
tações recíprocas. nir essa informação e traduzi-la em transforma-
ções ou adaptações espaciais ou ambientais de
forma automática.
Figura 4. Módulo 1 _ energético. Diferentes possibilidades de Figura 5. Módulo 1 _ energético. Diferentes possibilidades de
cheios/vazios em vários layouts. cheios/vazios num layout.
ção do programa na habitação devido à alteração Este artigo foi publicado nas atas do 2º Seminário de Arquitetura, Urbanismo e Design da Academia de
Escolas de Arquitetura e Urbanismo de Língua Portuguesa – Os Palcos da Arquitetura., 5-7 Nov 2012,
das necessidades dos habitantes. Podemos inter- Os factos referidos ao longo deste artigo levam-
FAULT. Volume I, pp. 36-44
pretar este módulo como uma consequência do -nos a questionar se a arquitetura atual será ca-
“módulo 1 energético”, distinguindo-se deste pela paz de responder às novas circunstâncias de
capacidade de ser ocupado interiormente e (6 e7). uma sociedade em constante mudança e será a
A distensão do módulo gera um novo espaço no cinética uma ferramenta para essa adaptação.
interior de um outro espaço de maior dimensão
permitindo diferentes formas de o ocupar. Constatamos que os espaços habitacionais são
cada vez mais imprevisíveis e inexatos dada a
Esta capacidade de existência e ausência de um grande diversidade da sociedade, não podendo
espaço/compartimento, permite quer a existên- existir uma padronização das habitações. De fac-
Figura 6. Módulo 2 . programático. cia de um espaço amplo na habitação, quer a to cada individuo é um só, com conhecimentos
criação de um compartimento capaz p.e. de ofe- próprios, dinâmicas distintas, fazendo com que
recer um espaço de trabalho ou criar um quarto. cada habitação tenha funções específicas. A
Pode-se interpretar a arquitetura cinética como uma HAMDI, N. Housing without houses: participa-
extensão ou ferramenta da flexibilidade na arquite- tion, flexibility, enablement. Intermediate techno-
tura, na medida em que os sistemas cinéticos se logy. London: Publications, 1991.
podem relacionar com o movimento dos operadores
de flexibilidade permitindo que estes se movimen- KRONENBURG, R. Flexible: Architecture that
tem com base em diversas naturezas de fatores. responds to change. London: Laurence King Pu-
blishing, 2007.
Os sistemas cinéticos propostos pretendem con-
jugar a necessidade de flexibilização e adapta- MARQUES, L. Q. Arquitetura Cinética. Desenvol-
bilidade da habitação com as potencialidades vimento do protótipo de uma estrutura respon-
dos sistemas cinéticos nomeadamente o facto siva. Dissertação de mestrado em Arquitetura.
de estes responderem a estímulos externos sem Instituto Superior Técnico de Lisboa, 2010.
necessitarem de ação humana direta. Esta conju-
gação permite criar espaços mais adaptados às PAIVA, A. Habitação flexível. Análise de concei-
reais necessidades e que otimizem simultanea- tos e soluções. Dissertação de mestrado em Ar-
mente os consumos energéticos. quitetura. Faculdade de Arquitetura da Universi-
dade Técnica de Lisboa, 2002.
Referências bibliográficas
PEREIRA, A. Fachadas Media. Novos Desafios
FOX, M. Sustainable Applications of Intelligent para uma arquitetura (i)material. Dissertação de
Kinetic Systems. Responsive Skylights. Cambrid- mestrado em Arquitetura. Instituto Superior Téc-
ge: Massachusetts Institute of Technology, 2000. nico de Lisboa, 2011.