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Editorial
Expediente
Trajetória acadêmica: um depoimento
De Historiadores
por Pedro Paulo A. Funari
Dos Alunos
Entrevistas Hesitei muito em escrever um memorial sobre minha trajetória acadêmica, talvez
Reportagens por um vício da perspectiva histórica, tão pouco afeita ao relato que procure
Artigos explicar, a posteriori, um percurso de vida. Por um lado, a História, quase ab initio
Resenhas
define-se como o domínio do casual, do contingente, do irrepetível e, portanto,
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inadequada à explicação universal e de caráter filosófico que um discurso
Eventos
teleológico sobre uma carreira deve adotar. O alerta de Aristóteles na Poética
Curtas
afastada, quase por instinto, o historiador da tarefa de olhar sua própria vida como
Instituições
Associadas um caminho que chega ao um determinado objetivo. Nada mais infenso ao trabalho
Nossos Links histórico. Por outro lado, todo exercício de olhar sobre si mesmo envolve tal grau
de subjetividade que a tarefa mais do que arriscada, surge como faina inglória, pois
os méritos alegados parecerão, ao observador isento, como mera captatio
Destaques
clementiae. Para evitar-se tudo isso, bastaria um seco arrolamento de títulos e
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méritos, à maneira de um cursus honorum tão típico das epígrafes latinas.
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Contudo, após a hesitação, encontra-se a o sentido de um memorial de vida
acadêmica como exercício, por certo desprovido de valor histórico documental, de
reflexão, de cunho quase filosófico, sobre a dedicação, de toda uma vida à ciência.
Esta foi à via empreendida neste pequeno apanhado. Pareceu-me que, para
substanciar alguma das assertivas, conviria acrescentar, ao final, alguns textos que
permitissem ao leitor verificar a coerência do relato do memorial com a produção
intelectual que se produziu nos diversos momentos.
pelos latinismos que pululavam na fala de meu pai. O mesmo vale para o italiano
das canções e óperas, Beethoven ao piano todas as noites, assim como Chopin,
tocados por meus irmãos mais velhos, embalavam minha formação humanística.
Decidi-me pelo curso de História por motivos pragmáticos: minha predileção pela
Filosofia parecia-me por demais arriscada, pois não havia aulas no ginásio ou no
Por tais circunstâncias, cheguei à História Antiga, objeto que muito me interessava,
mas no âmbito do espírito enciclopédico que me havia levado a ler sobre incas,
maias e chineses, entre outros tantos temas, períodos e regiões as mais díspares e
variadas. Quem me abriu as portas para a pesquisa foi a saudosa Profa. Maria da
Glória Alves Portal, professora de História Antiga, com muitos contatos na Espanha
e na Romênia, estudiosa que era dos dácios em época romana. Por seus contatos
europeus, indicou-me o caminho a seguir: o estudo do consumo de azeite na
Antigüidade, tema que nunca se me havia ocorrido, mas que abracei com o mesmo
ímpeto de outras paixões intelectuais. Para o estudo da Antigüidade, logo, decidi-
me a estudar um rol de línguas necessárias, a começar do latim, grego e hebraico,
entre as antigas, e francês, italiano, espanhol, russo e alemão, entre as modernas.
À exceção do russo, escolhido por motivos políticos, todas as outras formas levadas
a termo e serviram-me muito, tendo obtido proficiência pela USP nas outras línguas
modernas.
das epígrafes latinas em ânforas de tipo Dressel 20. Passava muitos meses, a cada
ano, nos museus da Grã-Bretanha, fazendo os calcos das inscrições, tendo
estudado em mais de 30 museus. Na Inglaterra, em particular, entrei em contato
com os colegas arqueólogos britânicos que muito me ajudaram não só na pesquisa
empírica, como a percorrer outros caminhos, paralelos à pesquisa da tese de
doutoramento: comecei a dedicar-me ao caráter político da Arqueologia e da
ciência em geral.
Em 1986 publiquei meu primeiro livro, Arqueologia, manual que permaneceu como
único livro introdutório da aérea, leitura quase universal de todo arqueólogo
brasileiro que se formou nos últimos 18 anos. Em 1989 após pesquisa em Pompéia,
publiquei o livro Cultura Popular na Antigüidade Clássica, traduzido e publicado na
Espanha em 1991, como um desabafo político: o estudo da Antigüidade não
precisa, nem deve, ser arma da reação, pode servir para conhecer o simples, o
Conclui meu doutorado em 1990, que teria continuidade na pesquisa para a livre-
docência, sobre o mesmo tema. Em paralelo, interessado nos temas do estudo da
dominação, em contato com o arqueólogo americano Charles E. Orser, surgiu à
oportunidade de montarmos um projeto arqueológico e nos decidimos pelo estudo
da Serra da Barriga, antiga capital do quilombo dos Palmares (século XVII). As
material. Este livro, publicado em segunda edição em 2004, passou a ser livro
básico tanto na disciplina História Antiga de cursos superiores, como nos concursos
públicos para professores de ensino fundamental e médio.
(Rodolfo Buzón), entre outros, diversos deles por mais de uma vez, sempre com
grande proveito para estudiosos brasileiros e para nossas instituições. Também
publiquei muitos livros científicos, meus e de outros pesquisadores, com apoio da
FAPESP. Desde 2001, por iniciativa do Prof. Quartim, iniciei projeto de pesquisa,
Financiado pelo CNPq e FAPESP, sobre Abastecimento militar romano, sediado no
Núcleo de Estudos Estratégicos da UNICAMP, onde lidero Grupo de Pesquisa, do
qual, participam pesquisadores da USP, UNESP, UFRJ, UERJ, UFPR, entre outros e,
a partir de julho de 2003, atuo como coordenador-associado do NEE/UNICAMP. A
autor de muitos livros sobre o tema, também com resultados muito positivos para
o estudo de História Antiga na Universidade Estadual de Campinas.
Minha atuação acadêmica espraiou-se para outros setores. Por dez anos, fui
responsável pelo ensino de História nas 92 escolas técnicas do estado de São
Paulo, centradas no CEETEPS/UNESP (1989-1999), até o término do ensino médio
Como posso concluir essa trajetória, quais características, acenadas nos primeiros
parágrafos, se matem e sob que forma, passados tantos anos? Haveria um telos,
uma lógica para além das contigências, das circunstâncias? A tentação é,
novamente, deixar a tarefa ao leitor, mas seria, talvez, escudar-se, de novo, de
juízo inescapável. O percurso parece-me coerente com a busca, sem cessar, pelo
humano pela diversidade da vida em sociedade, mas sempre numa perspectiva que
ressalta o conflito. Ordo e taksis, dois conceitos antigos tão fortes, parecem
contrastar com a onipresença do conflito, princípio central do materialismo de Marx
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