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Apresentação SEMIC

O objetivo dessa pesquisa foi investigar o conceito de natureza humana,


como moralmente boa ou má, conforme exposto na obra Religião nos limites da
simples razão, considerando uma correlação com a obra Antropologia de um ponto
de vista pragmático, ambas escritas por Immanuel Kant.
Na obra a Religião nos limites da simples razão, Kant defende a tese de que o
ser humano apresenta uma natureza que está sujeita, em parte, a uma disposição
originária para o bem e, em parte, a uma propensão para o mal. Esse suposto
conflito sugere caracterizar uma espécie de mal radical na natureza humana,
evidenciando, assim, o conflito entre esses dois princípios: o bom (Gute) e o mau
(Böse) como duas causas operantes que agem sobre o ser humano na
determinação de sua vontade. A validade de tal objetivo de pesquisa consiste em
aprofundar o entendimento acerca do que o homem pode fazer de si mesmo no
âmbito das ações práticas, ou seja, no campo ético e moral.
A investigação sobre o conceito de natureza humana exposta na obra
Religião limites da simples razão relaciona-se com uma obra posterior de Kant,
Antropologia de um ponto de vista pragmático, escrita em 1798, permitindo
desenvolver um estudo do homem em sentido antropológico pragmático,
descrevendo o que e sob quais circunstâncias o ser humano, como ser moral,
dotado de racionalidade e liberdade, pode e deve fazer de si mesmo.
Assim, a pesquisa partiu de uma análise das duas referidas obras de Kant,
buscando contribuições em textos de comentadores para possibilitar uma melhor
articulação em relação aos principais conceitos tratados.
Investigando o conceito de disposição para o bem, Kant o divide em três
partes: primeiro, a disposição para a animalidade, a qual trata dos impulsos básicos
do ser humano e, justamente por isso, está relacionada com o surgimento de vícios
(ditos “vícios bestiais”, tais como a gula, a luxúria, etc.); em segundo, tem-se a
disposição para a humanidade, a qual trata do amor de si mesmo quando
relacionado a comparações entre os indivíduos, permitindo que os “vícios de cultura”
(inveja, rivalidade, etc.) se estabeleçam; por fim, a disposição para a personalidade,
a qual representa a aceitação e reverência da lei moral como condição motivadora
suficiente para comandar a vontade. Esta última é uma disposição que não se
sujeita a nenhum vício, sendo sede e condição da possibilidade da pureza moral do
ser humano. O segundo conceito abordado, a propensão para o mal, aparece como
uma característica presente em todos os indivíduos. É entendida como a submissão
da razão a máximas sensíveis, subjetivas, ou seja, o indivíduo, através de sua
razão, conhece a lei moral objetiva, a qual é livre de impulsos externos, mas permite
que desejos pessoais forneçam máximas de ação que são contra essa lei moral.
Esta “queda no mal” (uma ação contra a lei moral) é entendida por Kant como Mal
Radical.
Considerações antropológicas, fornecidas pela obra Antropologia de um
ponto de vista pragmático, mostram que o ser humano está sujeito à paixões e
afecções, as quais, por serem derivadas dos impulsos sensíveis, atuam diretamente
na construção moral do agente. Segundo Kant, o indivíduo afetado por paixões e/ou
afecções não age mais de modo racional.
Desta forma, percebe-se até aqui que o indivíduo está sujeito a propensões
que originam afecções e paixões, as quais acabam por limitar-lhe o próprio
desempenho da razão. Também verifica-se que ele está sujeito à propensão natural
ao mal, chamada por Kant de mal radical, a qual influencia o arbítrio do indivíduo a
considerar máximas sensíveis, em vez de uma máxima conforme a lei moral. Então
pode-se pensar que a queda do homem na barbárie está mais do que justificada e é
mesmo prevista. Mas não é isso que deve ocorrer.
É preciso lembrar que, na origem dessas propensões todas, que são
contingentes à constituição do ser humano, está uma disposição originária para o
bem. É essa disposição, corrompida por vícios sensíveis, que ocasiona força para o
controle do arbítrio pelo mal radical. Se, na origem de tudo, está uma disposição
para o bem, o mal radical pode ser sobrepujado. Segundo Kant (1992, p. 53) é
necessário que o indivíduo proceda “reformas graduais do seu comportamento e da
consolidação de suas máximas”, ou seja, o indivíduo pode alterar as suas
disposições de ação através de uma readequação do comportamento.
O percurso realizado nessa análise teve por objetivo responder à pergunta “o
ser humano é, por natureza, bom ou mau?”. A resposta encontrada pode ser a que
ele não é nem bom nem mal. Kant (1996 p. 95) afirma:
[o homem] não é nem bom nem mau por natureza, porque não é um ser
moral por natureza. Torna-se moral apenas quando eleva a sua razão até
aos conceitos do dever e da lei. Pode-se, entretanto, dizer que o homem
traz em si tendências originárias para todos os vícios, pois tem inclinações e
instintos que o impulsionam para um lado, enquanto sua razão o impulsiona
para o contrário. Ele, portanto, poderá se tornar moralmente bom apenas
graças à virtude, ou seja, graças a uma força exercida sobre si mesmo,
ainda que possa ser inocente na ausência de estímulos (KANT, 1996 p. 95).

É possível entender o ser humano como tendo uma disposição para o bem, a
qual pode ser facilmente transformada em condição positiva para a efetivação de
suas propensões relativas a afecções e paixões, bem como para a efetivação de
uma propensão natural para o mal (o mal radical).
A disciplina e a educação formal surgem como possibilidade para fortalecer a
disposição para o bem do ser humano ao ajudar a evitar a introdução de vícios em
sua natureza subjetiva, podendo mesmo auxiliar na recuperação desse estado
vicioso.
Concluindo, diante da pesquisa realizada é possível perceber um ponto
principal: ao se explorar os conceitos expostos na primeira parte da obra Religião
nos limites da simples razão e o Livro Terceiro da obra Antropologia de um ponto de
vista pragmático, percebe-se um ser humano que surge como um ser racional finito,
pequeno diante das dificuldades de realizar em si a Moral Objetiva, já que é inseguro
e exposto de forma temerária às condições sensíveis (aos apetites, às paixões, às
afecções), tendo sua liberdade de ação de fato ameaçada por elas. Mas a semente
para a realização moral existe em sua própria natureza e lhe é, portanto, originária:
sua realização depende somente de seu esforço e perseverança.
Dentro do objetivo proposto, de investigar a natureza humana como
moralmente boa ou má dentro da obra proposta, percebe-se que não há como se ter
uma definição inquestionável e única. Mas esta suposta “indefinição” é, na verdade,
um aspecto muito importante e positivo, pois há a possibilidade do indivíduo buscar
os dois extremos e por escolha própria. E não haveria de ser diferente, afinal o ser
humano está sujeito a todos os aspectos do mundo sensível em que vive, sejam
eles maus com toda a sua amplitude, sejam eles bons, como todo o seu alcance.
A educação e a disciplina podem surgir como elementos importantes no
auxílio para o ser humano poder sobrepujar as influências negativas dos aspectos
subjetivos a que está sujeito. Esta pode ser uma linha de aprofundamento para essa
pesquisa, pois aqui surgem várias possibilidades, tais como a influência familiar na
formação das máximas do indivíduo, o desenvolvimento da educação como
elemento primordial ao desenvolvimento pleno da faculdade da razão, e a
consideração da antropologia kantiana como um outro aspecto de seu sistema
moral.

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