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LÓGICA PARA
PRINCIPIANTES
(LOGICA INGREDIENTIBUS)
Tradução do PROF. D R. RUY AFONSO DA COSTA NUNES
COMEÇAM AS GLOSAS DO MESTRE PEDRO ABELARDO
SOBRE PORFÍRIO
Além disso, há uns outros que dizem ser a espécie não apenas
um conjunto de homens mas, também, os indivíduos enquanto são homens
e, ao afirmarem que a coisa que é Sócrates se predica de muitos,
tomam ta afirmação em sentido figurado, como se dissessem: muitos
são o mesmo que ele, isto é, com ele combinam ou ele próprio combina
com muitos. Quanto ao número de coisas, estabelecem que existem
tantas espécies e gêneros quantos indivíduos, mas em relação à semelhança
das naturezas acham que o número dos universais é menor de
que o dos indivíduos. Decerto, todos os homens considerados em si
mesmos são muitos, por força da diferença pessoal, e uma só coisa,
devido a semelhança da humanidade e, em relação à diferença e à
semelhança, os mesmos são julgados serem diversos de si mesmos tal
como Sócrates, naquilo que é homem, distingue-se de si mesmo
naquilo que é Sócrates. De outra forma, a mesma coisa não poderia
ser o seu próprio gênero ou espécie, a não ser que tivesse alguma difença
própria quanto a si mesma, uma vez que as coisas relativas
devem opor-se pelo menos sob algum aspecto.
1 Cf. Tracl. de Inlelleclibus, Petri Abael. , Opera. ed. Cousin II, Pari s, 1859, pág. 734.
um corpo por sujeito no qual esteja situado, mas está satisfeito com a
semelhança da coisa que o espírito (animus) elabora para si mesmo, e
para a qual dirige a ação da sua inteligência. Donde se colhe que, se
a torre for destruída ou removida do campo da visão, o sentido que
atuava em função dela perece, enquanto o intelecto permanece com a
semelhança da coisa retida pelo espírito. Todavia, assim como o sentido
não é a coisa percebida, assim o intelecto não é a forma da coisa
que ele concebe, mas o intelecto é uma certa ação da alma que é chamada
de inteligente, mas a forma para a qual é dirigida é uma certa
coisa imaginária e fictícia, que o espírito elabora para si mesmo quando
quer e como quer, tal como aquelas cidades imaginárias vistas em
sonhos ou como aquela forma de um edifício a ser construído que o
artesão concebe à semelhança e sob o modelo da coisa a ser formada
e que não podemos chamar nem de substância nem de acidente.
Alguns, entretanto, chamam aquela forma de o mesmo que o
intelecto, tal como o edifício da torre que eu concebo; enquanto ela
não se acha à minha vista e eu a contemplo mentalmente num campo
espaçoso como alta e quadrada, eles denominam de intelecto da torre.
Aristóteles parece concordar com eles, pois chama no Peri Hermeneias
aquelas " paixões" da alma, que eles denominam intelectos, de
semelhança das coisas.
Nós, porém, chamamos a imagem de uma semelhança da coisa.
Mas, nada impede que o intelecto, de certo modo, seja também chamado
de semelhança, uma vez que evidentemente ele conceba aquilo
que propriamente se denomina uma semelhança da coisa. Mas nós
dissemos, e com razão, que ele é diferente dessa semelhança. Com
efeito, eu pergunto se aquela quadratura e aquela altura é a verdadeira
forma do intelecto que se plasmaria à semelhança da quantidade e da
composição da torre. Mas, certamente, a verdadeira quadratura e a
verdadeira altura são inerentes apenas aos corpos, e nem um intelecto
como nem alguma verdadeira essência podem ser formados de uma
qualidade fictícia. Resta, por conseguinte, que, assim como a quàlidade
é fictícia, seja fictícia a substância que lhe serve de sujeito. Ademais,
talvez a imagem de um espelho, que parece surgir à visão como
um sujeito, possa dizer-se nada ser verdadeiramente, visto que, sem
dúvida, a qualidade de uma cor contrária aparece, às vezes, na branca
superfície do espelho.
Contudo, pode investigar-sé, ainda, uma outra questão, a saber,
se, quando a alma percebe sensorialmente e entende a mesma coisa ao
mesmo tempo, como ao ver uma pedra, o intelecto lida com a imagem
da pedra ou o intelecto e o sentido atuam, ao mesmo tempo, sobre a
própria pedra. Mas parece mais racional que, então,,o intelecto não
precise da imagem, quando a verdade da substância está presente
para ele. Se alguém, porém, disser que onde está o sentido aí não está
o intelecto, nós não admitimos a asserção. De fato, às vezes acontece
que a alma vê uma coisa mas considera intelectualmente uma outra,
como ocorre com os que estudam bem, os quais, enquanto discernem
as coisas presentes com os olhos abertos pensam, contudo, em outras
coisas a respeito das quais escrevem.
2 a) Monst ro lendário cuja figura está entre a do bode (hirco) e a do cervo; b) coisa absurda, quimérica. (N.
do E.)
peito delas. E esta última significação do corpóreo parece corresponder
mais à questão, isto é, enquanto se investiga a respeito das
realidades separadas ou não-separadas. Mas, talvez, como diz Boécio,
tudo o que existe ou é corpóreo ou é incorpóreo; o incorpóreo, então,
parece ser supérfluo, já que nenhum ser existente é incorpóreo, isto é,
não-separado. Nem coisa alguma que seja trazida para a ordem das
questões parece ter valor a não ser, porventura, naquilo que, tal como
o corpóreo e o incorpóreo, divida as coisas subsistentes num outro
sentido, como se vê nesta pergunta em que aquele que investiga dissesse:
"Vejo que das coisas existentes umas se dizem corporais e outras
incorporais; ora, quais destas diremos que são as significadas
pelos universais?" A ele se responderia: "Num certo sentido são as
coisas corporais, isto é, separadas na sua essência; mas as incorporais,
quanto à designação do nome universal, porque os universais
não denominam separada e determinadamente, mas confusamente,
como o demonstramos acima suficientemente. Daí os próprios nomes
universais serem chamados corpóreos quanto à natureza das coisas, e
incorpóreos quanto ao modo da significação, porque embora denominem
coisas que existem separadas, não as denominam, todavia, separada
e determinadamente".