You are on page 1of 50

'ISBN 85 08 03255 21

Q conjunto funcion almente articulado de

Roberto Lobato
cidades é a rede urbana, que tem sido objeto
de interesse entre os cientistas sociais, entre
eles os geógrafos . As classificações
funcionais de cidades, as dimensões bás1cas
de variação, as relações entre tam anho e
desenvo lvimento, a hierarquia urbana e as
relações 'cidade-regi ao sSo as abordagens
que os geógrafos consideraram em seus
Corrêa
estudos.
A partir dessa prática, considerada
criticamente, e incluindo a contnbu 1ç!o de
outros estudiosos, o autor procura
esclarecer a natu reza e o sign 1f1cado da rede
urbana. Há ainda uma proposta de pesqUisa,
tendo em vista as diversas redes urbanas
regionais brasileiras.
Roberto Lobato Corrêa é geógrafo da
Fundação IBGE e professor da Universidade
Federal do Rio de Janeiro . Publi cou, na séne
Princípios, os volumes Regllo e
.organização espacial e O espaço urbano .

..kea& ele-~ do- v-o-ltulw


• Geografia • Políti ca • Sociolog ia

élat:ra&CÚ'ea& ck~
• Administração • Antropologia • Artes
• Ciências • Civilização • Comunicações
• Direito • Econom ia • Educação
• Enfermagem • Estética • Farmácia
• Filosof ia • História • Lin güística
• Literatura • Medicin a • Odontologia
• Psicologia • Saúde
O VOIUQftO humano
Col!lo l'loclomon te de Lima
N~ologlorno -
Crln980 lex lcol
I do Maria Alves
Roberto Lobato
Corrêa
Amo zõnlo
O nha K. Becker
l lntroduçlo ao maneirismo
o à proeo barroca
Soglsmundo Spina e Morris
W , Croll Professor da Universidade Federal do
1 4 A o duoa Argentinos Rio de Janeiro
l:menll I Soares da Ve iga
Ga rcia Geógrafo do IBGE
h O Porlodo Rogonciol
Arnaldo Fazoli Filho
A Ant iguidade Tardio
Waldir Fr eitas Oliveira
Plenejamento familiar
Gilda de Castro Rodrigu es
lntroduçêo à terapia familiar
Magdalena Ramos
O Linguagem e sexo
Malcolm Coulthard
~00 Aristocratas versus
burgueses? -
A RevoluçAo Francesa
T . C. W . Blanning
~01 O Trotado do Vorsolhos
Ruth Henig
202 Jung
Gustavo Barcellos
203 A geografia llngüfstica no
Brasil
Silvia Figueiredo Brandão
204 A RevoluçAo
Norte-Americana
M . J. Heale
2Q& As origens da Revolução
Russa
Alan Wood
20 ' Coesão e coerência textuais
Leonor Lopes Fávero
20 7 Como analisar narrativas
Când id a Vilares Ga ncho
208 Inconfidência Mineira
Cândida Vila res Gancho
Vera Vilhena 2.8 edição
209 O sistema colonial
Jo sé Roberto Ama ral Lapa
21 O A unificação da Itália
John Gooch
211 A posse da terra
Cândida Vilares Gancho
Helena Queiroz F. Lopes
Vera Vilhena
Direção
Benjamin Abdala Junior
Samira Youssef Campedelli
Preparação de texto
lvany Picasso Batista
Edição de arte (miolo)
Milton Takeda
Sumário
Composição/Paginação em vídeo
Divina da Rocha Corte
Capa
Ary Normanha
Antonio Ubirajara Domiencio

1. Introdução 5
2. As abordagens dos geógrafos 9
As classificações funcionais 10
As dimensões básicas de variação 12
imprmlo e acabamento
311111(1raf
Tamanho e desenvolvimento 15
TEL.: 1011) 2il· Ul30
FAX ~ Iot11 ne · eoee
A hierarquia urbana 19
As proposições de Christaller 21
Os países subdesenvolvidos 32
As relações cidade-região 40
3. Natureza e significado da rede urbana 47
ISBN 85 08 03255 2 A divisão territorial do trabalho 48
Os ciclos de exploração 51
As migrações 56

1994

Todos os direitos res ervados


I
l.
A comercialização da produção rural
A drenagem da renda fundiária
Os investimentos de capitais
A distribuição de bens e serviços
58
61
64
67
Editora Ática S.A. A difusão de valores e ideais 70
Rua Barão de lguape, 110- CEP 01507·900
Tel.: PABX 278-9322 - Caixa Postal 8656
Rede urbana e forma espacial 70
End. Telegráfico "Bomlivro"- Fax : (011) 277·4146 A rede dendrítica 71
São Paulo (SP) Redes complexas 75
Rede urbana e periodização _ _ _ _ _ _ _ __ _ 78
O exemplo da Amazônia 80
4. À guisa de conclusão
5. Vocabulário crítico
87
90
1
6. Bibliografia comentada 93
Introdução

Os estudos sobre redes urbanas têm se constituído em


uma importante tradição no âmbito da geografia. Esta im-
portância deriva da consciência do significado que o proces-
so de urbanização passou a ter, sobretudo a partir do sécu-
lo XIX, ao refletir e condicionar mudanças cruciais na so-
ciedade. No bojo do processo de u.rbanização a rede urba-
na passou a ser o meio através do qual produção, circula-
ção e co'nsumo se realizam efetivamente. Via rede urbana
e a crescente rede de comunicações a ela vinculada, distan-
tes regiões puderam ser articuladas, estabelecendo-se uma
economia mundial.
A despeito dos numerosos estudos realizados, no entan-
to, a temática da rede urbana está longe de ter sido esgota-
da. Especialmente quando se considera um país de dimen-
sões continentais como o Brasil, onde a longa e desigual es-
paço-temporalidade dos processos sociais tem sido a regra,
e onde a rapidez e a intensidade da criação de centros e
transformação da rede urbana é ainda notável no final do
século XX: paralelamente coexistem setores da rede urba-
na cuja gênese remonta ao século XVI, no alvorecer do ca-
pitalismo, quando a rede urbana atual começa a constituir-se.
6
• 7

O presente estudo tem por finalidade, primeiramente, economia de mercado com uma produção que é negociada
mostrar o que foi a produção geográfica sobre redes urba- por outra que não é produzida local ou region~li?ente. E~­
nas. Não deve ser encarado como uma longa, exaustiva e ta condição tem como pressuposto um grau mm1mo de di-
sistemática revisão bibliográfica, mas apenas indicadora visão territorial do trabalho. Em segundo lugar verificar-
das principais vias de abordagem do tema. Nem como um se a existência de pontos fixos no território onde os negó-
fim em si mesmo, mas sim como uma base teórica passível cios acima referidos são realizados, ainda que com certa pe-
de ser reconstruída, originando outra de natureza crítica. riodicidade e não de modo contínuo . Tais pontos tendem
Vários exemplos, através de mapas e gráficos, farão parte a concentrar outras atividades vinculadas a esses negócios,
desse capítulo. Procurarão exemplificar princípios a respei- inclusive aquelas de controle político-administrativo e ideo-
to de aspectos relativos à hierarquia urbana. Não são exem- lógico, transformando-se assim em núcleos de povoamen-
plos da Alemanha meridional, do território francês ou do to dotados, mas não exclusivamente, de atividades diferen-
Estado norte-americano de Iowa, unidades territoriais que tes daquelas da produção agropecuária e do extrativismo ve-
serviram de laboratórios para muitos estudos sobre redes getal: comércio, serviços e atividades de produção industrial.
urbanas . Os exemplos são brasileiros, envolvendo em gran- A terceira condição refere-se ao fato da existência de
de parte a região do planalto ocidental paulista. um mínimo de articulação entre os núcleos anteriormente re-
A segunda parte pode ser considerada como a mais im- feridos articulação que se verifica no âmbito da circulação,
portante deste estudo. Nela apresenta-se o que entendemos etapa ~ecessária para que a produção exportada e importa-
ser as abordagens que mais evidenciam a natureza e o signi- da realize-se plenamente, atingindo os mercados consumidores.
ficado da rede urbana. Seguramente algumas lacunas e in- A articulação resultante da circulação vai dar origem
consistências aparecerão . Isto, em parte, deriva da tentati- e reforçar uma diferenciação entre núcleos urbanos no que
va de apresentar quadros de referência teórica onde se pro- se refere ao volume e tipos de produtos comercializados,
cura retrabalhar conceitos e articulaçõ~s propostos anterior- às atividades político-administrativas, à importância como
mente. Que as lacunas e inconsistências sirvam de estímu- pontos focais em relação ao território exterior a eles, e ao
los para novas reflexões. tamanho demográfico. Esta diferenciação traduz-se em
Uma questão agora se impõe. O que é rede urbana? uma hierar'quia entre os núcleos urbanos e em especializa-
Este questionamento se deve ao fato de não haver concor- ções funcionais.
dância sobre o que se quer dizer com esta expressão . Há Nos termos assim explicitados admitimos a existência
uma corrente que advoga a tese de que somente haveria re- de redes urbanas nos países subdesenvolvidos. Isto signifi-
de urbana se certas características estivessem presentes, ca- ca que não aceitamos a tese da existência de rede urbana
racterísticas estas verificadas nos países desenvolvidos . Se- definida a partir de parâmetros arbitrários, que guardam
gundo esta corrente, nos países subdesenvolvidos não have- uma forte conotação etnocêntrica. Tais parâmetros são, de
ria rede urbana ou esta estaria em fase embrionária ou se- um lado, o modelo formal de Christaller e, de outro, a re-
ria desorganizada. gra da ordem-tamanho de Zipf. Voltaremos a eles em bre-
A nossa posição a este respeito é diferente. Admitimos ve. A idéia de rede urbana desorganizada, por outro lado,
a existência de uma. rede urbana quando, ao menos, são sa- pressupõe a possibilidade de um dia ela tornar-se organiza-
. tisfeitas as seguintes condições. Primeiramente haver uma da, semelhante à rede dos países desenvolvidos.
8

A nossa tese é que a rede urbana - um conjunto de


centros funcionalmente articulados -, tanto nos países de-
senvolvidos como subdesenvolvidos, reflete e reforça as ca-
racterísticas sociais e econômicas do território, sendo uma
2
dimensão sócio-espacial da sociedade. As numerosas dife-
renças entre as redes urbanas dos países desenvolvidos, en- As abordagens dos geógrafos
tre as dos subdesenvolvidos, e entre ambas, não são nenhu-
ma anomalia, mas expressão da própria realidade em sua
complexidade .•

A partir do último quartel do século passado, quan-


do a geografia ganha status de disciplina acadêmica, e até
o final dos primeiros 20 anos do presente século, quando
finaliza o primeiro período de sua história moderna, a te-
mática da rede urbana emerge na multifacetada geografia
alemã, entre os geógrafos possibilistas franceses, e entre
os geógrafos britânicos envolvidos com o planejamento ur-
bano e regional. Também no bojo do determinismo ambien-
tal norte-americano aflora o tema em questão.
O período que se estende de 1920 a 1955 caracteriza-
se, entre ouúos aspectos, pelo aumento do interesse pelo es-
tudo da rede urbana: algumas proposições teóricas e méto-
dos operacionais são estabelecidos, e amplia-se o número
de estudos empíricos . É deste período que aparecem, entre
outras, as proposições de Christaller e de Mark Jefferson.
É a partir de 1955 que se verifica uma grande difusão
dos estudos de redes urbanas. E não somente no âmbito
da denominada geografia teorético-quantitativa que emer-
ge a partir de então, mas também com Pierre George, no
bojo da geografia econômica derivada da escola possibilis-
ta. No Brasil é a partir de então que se iniciam os estudos
sobre redes urbanas.
10
11

O desenvolvimento dos estudos sobre o tema em tela produção, coleta, transferência, distribuição e recreação.
é contemporâneo, no após-guerra, da aceleração da urbani- Chauncy Harris, em 1943, ao estudar as cidades norte-ame-
zação e da redefinição da divisão internacional do trabalho ricanas, classifica-as de acordo com a atividade de maior im-
geradora de novas articulações funcionais e mudanças n~ portância. Nove tipos de centros foram identificados: cida-
rede urbana. Subjacente·a isto está a retomada da expansão des industriais, de comércio varejista, de comércio atacadis-
capitalista e a difusão do sistema de planejamento em sua ta, de transportes, mineração, educação , lazer, cidades di-
dimensão espacial, envolvendo a rede urbana. versificadas e com outras funções.
O tema da rede urbana tem sido abordado pelos geógra- · A partir da década de 1950, os estudos sobre o tema
fos a partir de diferentes vias. As mais importantes dizem em pauta passaram a receber um tratamento estatístico, ori-
respeito à diferenciação das cidades em termos de suas fun- ginando então resultados mais acurados. A contribuição de
ções, dimensões básicas de variação, relações entre tamanho Howard Nelson é digna de nota pela precisão de sua classifi-
demográfico e desenvolvimento, hierarquia urbana, e rela- cação relativa a 897 cidades norte-americanas. O emprego
ções entre cidade e região. Estas vias não são necessariamen- em nove atividades foi considerado e, para cada uma das no-
te excludentes entre si, interpenetrando-se mutuamente de di- ve distribuições relativas ao emprego nas cidades sob análi-
ferentes modos. Vale lembrar, por outro lado, que as aborda- se, foram calculados a média e o desvio-padrão. Sempre que
gens acima indicadas não são exclusivas dos geógrafos mas uma cidade apresentasse em uma atividade mais de um des-
comp~rtilhadas com outros cientistas sociais, ainda q~e pe- vio-padrão acima da média, era classificada naquela ativida-
sem diferenças no modo como cada uma das vias é tratada. de. Um centro urbano poderia ser enquadrado de acordo
com duas ou três atividades . Por outro lado, uma cidade
foi rotulada como diversificada quando em nenhuma ativida-
As classificações funcionais! de apresentava valor superior a um desvio-padrão acima da
média. Deste modo vários tipos de cidade foram definidos,
Uma das mais tradicionais vias de estudo da rede urba- resultando em uma classificação funcionalmente complexa.
na pelos geógrafos é aquela que se interessa pela classifica- A partir dos anos 50 procurou-se, ao lado da adoção
ção funcional das cidades . Esta abordagem tem como pres- de técnicas estatísticas, clarificar mais a questão das fun-
suposto a existência de diferenças entre as cidades no que ções urbanas. Neste sentido vários autores fizeram o desdo-
se refere às suas funções. E que o conhecimento dessa dife- bramento das atividades da cidade em básicas ou primárias,
renci~ção é relevante para a compreensão da organização que são "exportadas" para fora, justificando assim a pró-
espacml, na qual a divisão territorial do trabalho urbano é pria existência da cidade, e atividades não-básicas ou secun-
uma das mais expressivas características. dárias, que se destinam à população urbana: exemplifica-
Já em 1921 o geógrafo M. Aurousseau propõe uma " se com a atividade de uma loja cujas vendas são majorita-
classificação de cidades em oito tipos , de acordo com a fun- riamente para consumidores residentes fora da cidade, e
ção dominante: cidades de administração, defesa, cultura, com um serviço que atende fundamentalmente à população
ur bana.
1
Sobre o tema veja-se MAYER, Harold & KOH N, Clyde , orgs . Readings A distinção em tela permite, sem dúvida, uma classifi-
m urban geography. Chicago, The University of Chicago Press, 1958. cação mais acurada dos centros urbanos na medida em que
12 13

se elimi~am aquelas atividades não-básicas que existem por- des ou sistemas urbanos. Assim, em 1957, Howard Nelson,
que as Cidades desempenham atividades básicas. E é relevan- comentado por Horácio Capei, 3 comparou algumas caracte-
t~ em virtud.e do fato de haver estudos indicando que à me- rísticas sociais entre centros urbanos com distinta especiali-
dida que a cidade aumenta de tamanho verifica-se o aumen- zação funcional, considerando o ritmo de crescimento da
to percentual de uma população empregada em atividades população , a estrutura etária, a escolaridade, a proporção
não-básicas. · de homens e mulheres na população ativa, as taxas de de-
. O estudo de Ullman e Dacey, onde se introduz o con- semprego e a renda per capita. Constatou que estas caracte-
ceito de. necessidades mínimas de população urbana, que rísticas variavam entre cidades segundo as funções que de-
se aproxima do conceito de atividade não-básica, constitui- sempenhavam.
se em ~~a s~gnificativa contribuição para uma mais preci- Em realidade "o problema da classificação funcional
s~ ;Iassificaçao funcional de cidades. O estudo de Magnani- converteu-se no problema de agrupamento das cidades se-
m, por outro lado, sobre os centros urbanos de Santa Ca- gundo suas características fundamentais com o fim de des-
tarina, apoiado em dados referentes à população economi- cobrir tipos homogêneos" (p. 230), considerando-se não
camente ativa do Censo Demográfico, constitui-se em exce- apenas as funções urbanas mas também outras característi-
lente exemplo de estudo sobre classificação de cidades utili- cas sociais, econômicas e políticas. Esta conversão verifica-
zando o conceito proposto por Ullman e Dacey. e simultaneamente à expansão do emprego de técnicas esta-
Em relação a esta abordagem há numerosas críticas so- tísticas em geografia; o uso de computadores, por sua vez,
br~ a natureza. dos dados utilizados, que são aqueles disponí- viabiliza a utilização de técnicas mais sofisticadas como a
veis, os conceitos e as técnicas estatísticas empregadas, bem análise fatorial.
como sobre a falta de objetivos geográficos definidos. No ca- O emprego desta técnica descritiva possibilita tratar si-
so do Brasil os dados do Censo Demográfico são incapazes multaneamente um grande número de variáveis, agrupan-
de revelar algumas funções importantes das cidades brasilei- do aquelas que estão fortemente correlacionadas entre si,
ras, como a~uelas ligadas à drenagem da renda fundiária. o riginando assim fatores ou dimensões básicas de variação .
Contudo , tms estudos colocam em evidência, com maior ou lsto porque cada uma dessas dimensões é constituída por
menor acurácia, a divisão territorial do trabalho no âmbito variáveis que, por outro lado, não se correlacionam com
da rede ~rb~na . Podem assim suscitar numeroso'S questiona- aquelas das outras dimensões. Em cada um desses fatores,
mentos , mcltando novas pesquisas sobre a rede urbana . cada cidade apresenta um score que é a sua posição ao lon-
go desta dimensão de variação.
É com o estudo de Moser e Scott, datado de 1961, que
As dimensões básicas de variação , e inicia a procura sistemática das dimensões básicas de va-
ri ação dos sistemas urbanos. A partir de então numerosos
~ partir. das clas~ificações funcionais de cidades pas- outros estudos relativos a diversos países foram realizados,
sa-se a pesqmsa das dimensões básicas de variação das re- entre eles, os Estados Unidos , o Canadá, a Índia e a União

2
MAG~ANI ~I, Ruth L. C. As .cidades de Santa Catarina: base econômica 3 De las funciones urbanas a las dimensiones básicas de los sistemas urba-
e classJficaçao funciOnal. ReVIsta Brasileira de Geografia, 33 (1) , 1971. nos. R evista de Geografia, 6 (2), 1972.
14
15

Soviética. Visavam estes estudos descobrir empmcamente bano: estrutura socioeconômica, ritmos de crescimento e
~ão apenas as dimensões básicas de variação de um especí- formas de concentração espacial urbana. Ao considerar o
fico sistema urbano, como também sua estabilidade ao lon- sistema urbano como expressão territorial da divisão social
go do tempo, e a existência de dimensões universais de va- tio trabalho , constitui uma recente e pouco usual interpreta-
riação. Entre as diferentes dimensões básicas descobertas es- ção a respeito do assunto.
tão aquelas referentes ao tamanho, especialização funcio-
nal, características sociais e crescimento demográfico.
Mas que critérios nortearam a seleção de variáveis? Em Tamanho e desenvolvimento
alguns casos um conjunto muito grande de variáveis, sem ne-
nhuma base teórica explícita, foi considerado. Em outros pro- A terceira via de abordagem considera a rede urbana
curou-se ver as relações com o processo de desenvolvimento como um todo, sem analisar ou classificar cada uma de
regional ou nacional a partir de alguns indicadores julgados suas cidades, como ocorre nas anteriores. Nesta abordagem
pertinentes, e à luz de um dado corpo teórico: o modelo cen- es tabelece-se uma relação entre o tamanho das cidades de
tro-periferia de John Friedmann foi então muito adotado co- uma rede urbana e certos aspectos da vida econômica e so-
mo referencial teórico. Implícita nestes estudos estava a con- cial, tais como o desenvolvimento e sua difusão espacial,
cepção da cidade como centro difusor do desenvolvimento . 1 integração nacional e a existência de desequilíbrios inter-
No Brasil esta abordagem marcou muito os estudos so- nos. O pressuposto desta relação reside no fato de que é
bre redes urbanas durante o período 1970-1977, período es- ntravés das cidades que as ligações econômicas internas e
te caracterizado pela adoção, entre muitos geógrafos, de xternas se realizam, delas derivando o desenvolvimento:
técnicas quantitativas e dos modelos de desenvolvimento re- lamanho das cidades aparece então como uma expressão
~ional, e pelo grande envolvimento com o sistema de plane- d desenvolvimento.
Jamento . Sobressaem os estudos de Faissol, 4 que considera- A literatura sobre as relações entre tamanho da popula-
ram vários conjuntos de cidades brasileiras . Estes estudos ~· o urbana e desenvolvimento encerra uma dupla polêmi- -
revelaram resultados consistentes entre si, indicando tipos ·n entre os estudiosos do assunto. A primeira envolve, de
de cent.ros que, em sua espacialização, definem regiões que 11m lado , o conceito de primazia urbana e, de outro, a re-
foram mterpretadas segundo as proposições de Friedmann: "ra da ordem-tamanho da cidade. A segunda polêmica,
regiões centrais, principal e secundária, e regiões periféricas . QU está associada à primeira, refere-se à discussão entre
Já o estudo de Fredrich e Davidovich, 5 mais recente, <)S " modernistas" e os "tradicionalistas", conforme refere-
está baseado em três dimensões de variação do sistema ur- Berry em artigo na coletânea organizada por Faissol.
O conceito de primazia urbana foi formulado inicialmen-
4 t por Mark Jefferson, em 1939. 6 Considerando o tamanho
Veja-se, por exemplo, FA!SSOL, Speridião. As grandes cidades brasileiras
- dimensões básicas de diferenciação e relações com o desenvolvimento du população urbana em 51 países, encontrou-se que na maio-
econômico: um estudo de análise fatorial. Revista Brasileira de Geografia rio deles a maior cidade era não só a capital político-adminis-
32 (4), 1970. •
5 lnttiva, como também duas ou três vezes maior que a segun-
.FREDR!:H, Olga M . B. L. & DAVIDOVICH, Fany. A configuração espa-
Cial. do Sistema urbano brasileiro como expressão no território da divisão
soc1al do trabalho. Revista Brasileira de Geografia, 4<t-(4), 1982. Tho Jaw f prim ate cities. Geographical Review, 29.
16
17

da cidade. Estes centros, denominados de cidades primazes,


apresentavam uma proeminente importância econômica, cul- Segundo Zipf, a distribuição do tam~~ho das ~id~des
tural e política. A primazia foi interpretada por Jefferson co- nade ser vista através de uma equação de senes harmomc~s.
tamanho da cidade p de ordem r é igual à populaçao
mo "um símbolo de um intenso nacionalismo", e que naque-
las cidades estava a "alma e a mente da nação". A regulari- da cidade I, a maior delas, dividida pela sua or_d~m r ~lev~­
dade com que esta primazia se verificava foi interpretada co- da a um expoente q que foi encontrado_ ser ~r?ximo a u~l­
mo uma lei geral e como um produto final de um processo dade. A fórmula é pr =~.A expressao graflca desta dis-
de integração nacional. Entre os exemplos de primazia urba- tribuição é uma linha ret~q com um ângulo de 45o num pa-
na estavam Grã-Bretanha, México, Dinamarca, Estados Uni- pel duplo logarítmico, onde na abscissa está a ordem d,as
dos e Bolívia, países com diferentes superfícies territoriais , •idades, e na ordenada seus tamanhos: . . -
níveis de desenvolvimento econômico e dinâmica urbana. A explicação que Zipf deu às distnbmçoes segun~o
A idéia de integração nacional estava baseada, pois, a da O rdem-tamanho tem como ponto central o Pnn-
ll regr 'l'b · d
na presença de uma cidade primaz, independentemente do ti- •{pio do Menor Esforço, resultante de u~ e~u.l 1 r!o e
po de relações que esta mantinha com o restante do país. f' rças opostas, a da Unificação e a da Diversiflca~ao. A
Os casos desviantes foram interpretados como sendo devidos primeira levaria a uma concentração. da p_opulaçao em
a uma falta de sentimento nacional ou forte regionalismo, lima única cidade, e a segunda a uma dispers~o da popula-
ou então a uma dependência política e econômica. Como (,: o em cidades do mesmo tamanho . Estes_se:I~m ca.sos ex-
exemplo aparecia a Espanha, onde um forte regionalismo im- tremos, respectivamente com q igu~l ao mflmto e Igual. a
pedia o aparecimento de uma cidade primaz e conseqüente- '1. •ro Com q igual a 1 a série de cidades apresentar-se-la
mente a integração nacional. A Índia, o Canadá e a Austrá- ,;Hs~qüência 1, 1/2, 1/3, 1/4 ... 1/~ ?u 100, 50, .33, 25 ...
lia constituem também casos desviantes, onde a dependência l'ura Zipf, com esta distribuição eqmhbrad~, a ur~Idade na-
política agia no mesmo sentido. Cada uma apresentava duas •lo nal estava mantida através de u~ conJunto mtegr.ad~
cidades que rivalizavam entre si em termos de tamanho popu~ d cidades . A primazia seria para Zlpf um caso. possivel.
!acionai e importância econômica e cultural. Jefferson suge- o . rreria todas as vezes que o valor q fosse maior que a
riu que estes países teriam como foco maior a cidade de Lon- unidade . .. d
dres, capital e cidade primaz do então Império Britânico. A partir dos anos 50, quando se venflca a reto:na a
Enquanto Jefferson considerou apenas a relação entre I t expansão capitalista e a questão do subdesenvolvimen-
o tamanho das duas maiores cidades, outros autores consi- 1o aparece, as duas formulações são col?c~da_s em confro_ n-
deraram todo o con]unto de cidades como base para análi- 1 >. O desenvolvimento é associado à existencm de u~~ dls-
se da distribuição do tamanho dos centros urbanos. A pri- 1!'l buição do tamanho da cidade segundo a p~oposi~ao d~
meira contribuição, neste sentido, foi a de Auerbach em Zlpf; o subdesenvolvimento, por outro .lad?, e associado a
1913, que propôs um modelo de distribuição que, com G. lstência da primazia urbana. No pnmeiro cas?·. forças
K. Zipf, seria conhecido como a regra da ordem-tamanho. 7 • nômicas multidirecionadas, espacialmente aleatonas, afe-
11\ri m toda a rede urbana. No segun~o: estas forças atua-
7
Human behavior and the principle of least effort; an introduction to hu- l'! un concentradamente, afetando um umco c~ntro, que ~re-
man ecology. Cambridge, Addison-Wesley, 1949. 11 tria toda a riqueza para si, por isso tendo Sido denomma-
18 19

do de cidade "parasítica": a rede urbana por ela comanda- (b) dos centros de mais alta hierarquia para os de mais
da foi vista como sendo desequilibrada. baixa num padrão de "difusão hierárquica";
Numa época em que o sistema de planejamento esta- ·(c) dos ce~tros urbanos para as suas áreas de influência.
va em ascensão, a aceitação das teses acima indicadas im- Já os "tradicionalistas" admitem que os argumentos
plicaria em se ter um modelo normativo que iluminaria dos "modernistas" não convencem, não sendo possível se
uma meta a ser alcançada, a de vencer o subdesenvolvi- pensar na reprodução dos processos históricos, tal _com?
mento. Neste sentido modelos evolutivos foram formula- ocorreu nos Estados Unidos, por exemplo, nos atua1s pai-
dos. Um deles previa a passagem gradativa da primazia pa- s subdesenvolvidos, pois as condições históricas são ou-
ra uma rede de cidades de acordo com a regra da ordem- tras. É necessário que haja uma política explícita e di~igi­
tamanho, na medida em que um dado país evoluísse do (ln para se conter o crescimento exagerado da grande Clda-
subdesenvolvim~nto para o desenvolvimento. Outro, mais d · a "inchação" das grandes metrópoles primazes.
complexo, admitia uma etapa anterior caracterizada pela ' Aparecem então as idéias de descentralização p~ra no-
existência de uma situação semelhante àquela da regra de vos centros de crescimento, dos pólos de desenvolvimento
Zipf. Seguia-se uma etapa marcada pela crescente ,Prima- no Brasil criou-se, mais tarde, na década de 1970, a ex-
zia à medida que o processo de desenvolvimento se verifi- 1 I' ssão cidades de porte médio - e da ação do Estado vi-
cava. Numa fase mais moderna o padrão de tamanho de Indo um desenvolvimento que seria equilibrado tanto no
cidades assumiria novamente a regra formulada por Zipf: 1 luno social como espacial, aí inclu~ndo-se a r~d~ urbana.
neste caso temos uma seqüência que segue o esquema equi- A teoria dos pólos de desenvolVImento, as 1dems de des-
líbrio-desequilíbrio-equilíbrio. Comum a todos os modelos ' ntralização para as cidades de porte médio tornaram-se co-
estava a tese de que o processo de desenvolvimento dos l\1 luche nos países do Terceiro Mundo. Associ~~o a est~s
países centrais repetir-se-ia em breve nos países subdesen- I 1 i s recupera-se e vulgariza-se o conceito e a pratlca do dls-
volvidos. 1111 industrial expressão física e funcional, à escala intraur-
A polêmica a respeito da primazia e da regra da ordem- h ma, do pólo de desenvolvimento e da cidade de porte ~édio.
tamanho ampliou-se com a discussão entre "modernistas" Os estudos sobre as relações entre tamanho das c1dades
e "tradicionalistas". Os primeiros afirmam que o desenvol- · d s nvolvimento estão, de uma forma ou de outra, vincula-
vimento nacional se encarregará de afetar a rede urbana, es- ll · aos interesses do planejamento em sua dimensão espa-
tabelecendo um equilíbrio. Admitem que no começo do pro- 11: o vigor com que o tema é privilegiado configura fase
cesso de desenvolvimento haverá um desequilíbrio, com con- 1 prestígio ou de crise do sistema de planejamento capitalis-
centração de investimentos em uma só grande cidade, mas, 1 1. No caso brasileiro a primeira metade da década de 1970
!I na medida em que o desenvolvimento prossegue, verifica- 1 11 r !ativamente pródiga de estudos sobre o tema em pauta.
se um efeito de difusão (spread ejjects, trickle down) que
atinge toda a rede urbana. Este processo de difusão, ou os
impulsos de mudança econômica, são transmitidos do se- hierarquia urbana
guinte modo:
(a) das metrópoles da core area para as metrópoles studos sobre hierarquia das cidades são os mais
da periferia; n is c numerosos entre aqueles sobre redes urbanas
20 21

a que se dedicaram os geógrafos. Deriv m I (( li stl namen- espacialmente desigual, instaurando-se então a hierarquia
tos sobre o número, tamanho e distribuiç o I ts cidades e, das cidades. Esta, por sua vez, suscita ações desiguais por
implicitamente, sobre a natureza da dif r nci 11,: o ntre elas. parte dos capitalistas e do Estado : daí o interesse em com-
Os numerosos estudos, teóricos e emplricos, pr curam , preender a sua natureza.
em realidade, compreender a natureza da t' cJ urbana se-
gundo um ângulo específico que é o da hi rarquia de seus As proposições de Christaller
centros .
A teoria das localidades centrais, for mulada pelo geó- Vejamos agora as proposições de Christaller. Segun-
grafo alemão Walter Christaller, em 1933, c n titui a mais do ele existem princípios gerais que regulam o número, ta-
fértil e conhecida base teórica sobre o tema. ntretanto , o manho e distribuição dos núcleos de povoamento: grandes
interesse pela hierarquia urbana é muito anterior a Christal- médias e pequenas cidades, e ainda minúsculos núcleos se~
ler. Foi um banqueiro francês, Richard Cantillon, que em mi-rurais, todos são considerados como localidades centrais.
1755 produziu o que se poderia considerar como sendo a Todas são dotadas de junções centrais, isto é, atividades
primeira teoria sobre hierarquia urbana: tenta ndo racionali- de distribuição de bens e serviços para uma população ex-
zar em termos de tempo e espaço seus negócios bancários, terna, residente na região complementar (hinterlândia, área
ressalta a natureza hierárquica das cidades . Com Jean Rey- de mercado, região de influência), em relação à qual a loca-
naud, em 1841, aparece uma formulação similar à de Chris- lidade central tem uma posição central. A centralidade de
taller . De certo modo é semelhante à contribuição do enge- um núcleo, por outro lado, refere-se ao seu grau de impor-
nheiro León Lalanne que, em 1863, propôs um modelo so- tância a partir de suas funções centrais : maior o número de-
bre a organização espacial das linhas ferroviárias, cujos las, maior a sua região de influência, maior a população ex-
nós de circulação, as cidades , estruturavam-se de modo hie- terna atendida pela localidade central, e maior a sua centra-
rárquico. lidade.
A sociologia rural norte-americana do começo do sécu- Christaller define ainda dois outros conceitos, o de al-
lo, com Galpin e Kolb, e o planejamento urbano e regio- cance espacial máximo (maximum range) e o de alcance espa-
nal inglês, após a ?rimeira Guerra Mundial, consideraram cial mínimo (minimum range threshold). O primeiro refere-
também o tema que, em breve, seria tratado sistematica- se à área determinada por um raio a partir da localidade cen-
mente por Christaller. Geógrafos como Hans Bobek e Ro- tral: dentro desta área os consumidores efetivamente deslo-
bert Dickinson abordaram também a temática da hierar- cam-se para a localidade central visando a obtenção de bens
quia urbana durante as décadas de 1920 e 1930. e serviços. A área em questão constitui a região complemen-
Por que este interesse? Com o capitalismo, o proces- tar. Para além dela os consumidores deslocam-se para ou-
so de diferenciação das cidades se acentua, aí incluindo-se tros centros que lhe estão mais próximos, implicando isto me-
a hierarquização urbana: a criação de um mercado consu- nores custos de transporte. O alcance espacial mínimo, por
midor, a partir da expropriação dos meios de produção e sua vez, compreende a área em torno de uma localidade cen-
de vida de enorme parcela da população, e a industrializa- tral que engloba o número mínimo de consumidores que são
ção levam à expansão da oferta de produtos industriais e suficientes para que uma atividade comercial ou de serviços
de serv iç s. Es ta oferta , por sua vez, se verifica de modo uma função central, possa economicamente se 'instalar . '
22 23

A partir do alcance espacial máximo e mínimo verifi- Exemplo hipotético de hierarquia urbana
ca-se uma diferenciação da oferta de bens e serviços . Aque- e funções centrais
les que são consumidos com grande freqüência, diária ou se-
manalmente, necessitam de reduzido alcance espacial míni-
mo. Poucas pessoas, residentes nas proximidades imediatas Centros Funções centrais
1" da localidade central, são suficientes para justificar a ofer-
ta deles. O alcance espacial máximo deles é também reduzi- Metrópole regional abcd efgh ijk l mnop qrst

I do: a partir de uma relativamente pequena distância da loca-


lidade central os custos de transportes tornam-se muito ele- Capital regional efgh ijkl mnop qrst

vados face aos custos dos bens e serviços que são relativa"
Centro sub-regional ijkl mnop grst
mente baixos. Há vários outros centros que distribuem estes
bens e serviços: sua oferta é generalizada em numerosas lo-
Centro da zona mnop qrst
calidades centrais que distam próximas umas das outras.
Os bens e serviços que, por sua vez, são consumidos Centro local qrst
com uma menor freqüência, mensalmente ou de três em
três meses, por exemplo, necessitam de um maior alcance
espacial mínimo: como o número necessário de pessoas pa- A análise desse quadro possibilita detectar a natureza
ra justificar a oferta deles é mais elevado, a área que con- da hierarquia urbana. Em primeiro lugar deriva diretamen-
tém essa população é mais ampla. Por outro lado, estes te da hierarquia das funções centrais. A metrópole regional
bens e serviços suportam custos de transportes mais eleva- oferece a gama completa de bens e serviços que naquele ti-
dos, apresentando, por isso, um maior alcance espacial má- po particular de sociedade é consumida pela população
ximo . Como conseqüência, poucas são as localidades cen- em razão de seu nível de renda e padrão cultural. A metró-
trais que oferecem estes bens e serviços; elas estão, assim, pole oferece um conjunto de bens e serviços, abcd, que so-
mais distanciadas entre si. mente ela está apta a oferecer: são aqueles consumidos me-
Para cada produto ou serviço haveria, em princípio, nos freqüentemente, apresentando mais amplos alcances es-
um alcance espacial específico. No entanto, aqueles que paciais máximos. Mas também oferece bens e serviços de
apresentam alcances espaciais semelhantes tendem a ser ofe- consumo mais freqüentes. Em realidade a metrópole ofere-
recidos nas mesmas localidades centrais: a co-presença de- ce, entre outros, bens e serviços de demandas tão distintas
les acaba compensando uma possível diminuição de lucros como microcomputadores, geladeiras, calçados, artigos de
e criando novas condições de existência de atividades: tra- armarinhos e alimentos em conserva; ou então cirurgião
ta-se de economias de aglomeração. plástico, oftalmologista, pediatra e clínico geral.
Estabelece-se uma hierarquização da oferta de bens e A capital regional, por sua vez, oferece os bens e servi-
serviços: o quadro abaixo apresenta um exemplo onde indi- ços efgh a qrst: o primeiro conjunto caracteriza este nível
ca-se a hierarquia urbana - expressa por denominações hierárquico, não sendo encontrados nos centros de meno-
através das quais as localidades centrais são usualmente re- res níveis hierárquicos. Os bens e serviços ijkl definem o
feridas - e funções centrais hipotéticas . centro sub-regional, enquanto o conjunto mnop o centro
24 25

de zona. O centro local, finalmente, oferece apenas os bens


e serviços qrst, de consumo muito freqüente e, por isso,
de menores alcances espaciais máximo e mínimo.
Uma primeira observação conclusiva se impõe: a hierar-
quia das localidades centrais expressa um padrão hierárqui-
co sistemático e acumulativo de funções centrais: à medida
que se eleva o . nível de hierarquia verifica-se um acúmulo,
em cada nível, das funções centrais dos níveis inferiores
mais algumas que definem o nível hierárquico em consideração.
A localidade central de nível hierárquico mais eleva-
do, por outro lado, possui ampla região de influência: ne- (X)
......
la estão contidas as regiões de influência das capitais regio- m
nais, os centros de nível imediatamente baixo. Estas últi-
mas regiões, por sua vez, contêm as hinterlândias dos cen-
UI
tros sub-regionais, e assim por diante. Assim, a hierarquia o
o-
sistemática e acumulativa de funções e localidades centrais >
....
associa-se ao esquema de centros e regiões de influência sis- Q)
UI
tematicamente encaixados os menores nos maiores. Q)
As figuras la, b e c procuram exemplificar o que foi
exposto. Referem-se à região de influência de Bauru, uma ::l fi)

a:: c
Q)
capital regional do Planalto Ocidental paulista. As informa- ::l
.. ...
..Cl
<(
ções aí contidas são relativas ao ano de 1978, tendo como
fonte o estudo "Regiões de influências das cidades". A fi-
Cll
"O
Q)

. ..
g
1-
ii
gura I a mostra que, em relação aos bens e serviços típicos IJJ
o lOo .. c o

"' "'....
..J
o
o- :1!
da capital regional, caminhões pesados e oftalmologista,
por exemplo, Bauru atua em uma relativamente ampla hin- o
I<(
:J
..Cl
o
o
.. ......
.,oo
o :z: o
..J
c

terlândia. Sua atuação espacial engloba os centros sub-regio- (!) ........ ~!:
-> cz ...::>
fi) c ....
nais de Jaú, Botucatu, Avaré e Lins, e suas respectivas hin-
a:: ·-
IJJ
o "'.,"'
o ::>
"'::>
o
...o
::> 0:
..
"' .
•::> c
terlândias. ..J c c
, >
z
::;


c
"'
A figura I b, por outro lado, indica que em relação (.!) .. .."'
o
z ;; . ...
aos bens e serviços típicos de centros sub-regionais, trato-
res e pediatra, Bauru atua em uma hinterlândia menor, pos-
LL. ."' "' - "'
sibilitando que os quatro supramencionados centros sub-re-
gionais exerçam seus papéis como tais. Finalmente a figu-
ra I c mostra que, em relação aos bens e serviços típicos
de centros da zona, eletrodomésticos e hospital geral, a atua-
.
"

N
~

( bl

BENS E SEII VIÇOS DE


SUII-IIE810NAL ' TRATORES E

1- aú
2- IOTUCATU

3- AVAIIÉ

1- LINS

~
"--,
',

,. 1/ __.'\'--
\. '----•] \
/'-
( cl
--·\ 1~7~ ~
BENS E SERVIÇOS DE CENTRO DE \ ~"' r J/ _,.
ELETRODOMÉSTICOS E HOSPITAl. eERAL
,... ~j ~-::A
I - JA Ú
2
2 - BOTUCATU \
3 - AVARÉ -....\ /~ \
~" /\

1 - LINS _,;f:
........
~/
,
,O NTE' REGIÕES DE INFLUÊNCIA DAS CIDADES O 110 IOOKM

N
-I
28
29

ção de Bauru se reduz mais ainda, havendo também a redu-


ção da região dos centros sub-regionais. Numerosos cen-
tros de zona, Bariri, Conchas, Duartina e Getulina, entre
outros, passam a atuar nos espaços de atuação dos centros
I~
::;:
sub-regionais e da capital regional.
. . "'

~ ]
A figura 2, por sua vez, mostra, de um modo não de-
r~
z z
o
sagregado, a rede de localidades centrais em torno de Bau- N
:l
,z
ru. Verifica-se um encaixamento sistemático, na área de in-
fluência dos centros de maior nível hierárquico, da área da- ..
~

~ ~
w
o

o
«
c
I .
oi
~ o
~
w
o

o
~

quelas de nível hierárquico menor. Assim, na região de Bau- .


~
~
z
w
~ ~
~

"

•e @C)~(~>
u u
ru estão encaixadas as regiões de Jaú, Botucatu, Avaré e
Lins. Na região de Botucatu, por exemplo, aninham-se aque-
ª •
las de Conchas e São Manuel. (/)::J

Convém agora colocar em evidência dois outros aspec- ;;:~


0:: <(

tos da natureza da hierarquia urbana, os quais podem ser ~ m •


w
inferidos através da análise da figura 2. Maior o nível hie- (.) w
o
rárquico de uma localidade central, menor o seu número e (/)
w o
mais distanciada está ela de uma outra de mesmo nível. As- ~z
o 0::
sim, na região de Baúru há uma única capital regional, qua- - o
<i f-
tro centros sub-regionais e mais de uma dezena de centros (.) 'W
0::
o <(
de zona que estão pouco distanciados entre si. Em segun- _J :E
w (!)~
do lugar, maior o nível hierárquico de um centro, maior a w
sua hinterlândia e maior o total de sua população atendi-
da: na região de Bauru há muito mais população do que
o

w
o
w
. .:
u.
'~
-~

.'" \
\
\
\ /
na de J aú que nela está contida. 0::
I
y
(
Outro aspecto da natureza da hierarquia urbana é o N
I
(.!)
de que, como em uma localidade central de mais alto nível "-
hierárquico, o número de funções centrais é maior do que
em um centro de nível inferior, e isto representa maior nú-
mero de empregos; verifica-se que a população total da ci-
dade de hierarquia mais elevada é maior que a dos demais
centros: Bauru tem população maior do que a de Lins, e es-
ta maior que a de Getulina.
Em resumo, maior o nível hierárquico de uma localida-
de central, maior o número de funções centrais, sua popula-
ção urbana, sua região de influência e o total da população

- - . . . : . . L ._ _ __ - --
30 31

servida. Inversamente, maior o nível hierárquico, menor o


número de centros do mesmo nível e mais distanciados es-
tão entre si. FIG.3-REDE DE LOCALIDADES CENTRAIS:
Estes são os aspectos mais importantes da teoria das lo- OS ESQUEMAS DE CHRISTALLER
calidades centrais, tal qual Christaller indicou. Estes aspec-
tos, contudo, quando se tornam reais, ou seja, quando se
considera uma rede de localidades centrais concreta, assu- a) Princípio de
mem diferentes dimensões. A literatura sobre este assunto Mercado
é muito vasta, e o próprio Christaller antecipou muitos dos K =3
resultados obtidos. Vale, no momento, indicar que a varia-
bilidade deles resulta, em grande parte, de combinações dis-
tintas dos seguintes elementos que são variáveis e não cons-
tantes: densidade e estrutura demográfica, renda, tanto
em termos de média como de sua distribuição social e espa-
cial, padrões culturais que implicam em certos hábitos de
consumo e preferências nos deslocamentos espaciais, pre-
ço dos produtos, facilidades de circulação, heranças do pas-
sado em termos de localização dos centros, e dinâmica re-
gional. Voltaremos em breve a este assunto, considerando
um pouco os países subdesenvolvidos.
A figura 3 refere-se aos arranjos espaciais propostos
por Christaller. São trê's e dizem respeito aos modos como
as redes de localidades centrais, sob certas condições que
pressupõem uma forte abstração do mundo real, foram es-
truturadas. Segundo Christaller, a primeira possibilidade ba-
seia-se no princípio de mercado: nele verificam-se, para ca-
da centro de um dado nível hierárquico, três centros de ní-
vel imediatamente inferior, ou seja, o multiplicador K é
igual a 3. Nesta possibilidade teórica o número de centros bl Princípio de Transporte c) Pr incipio Admin i strativo
da rede é o menor possível. K= 4 K= 7
O princípio de transporte oferece outra possibilidade.
A organização espacial da rede é de tal modo que existe
uma minimização do número de vias de circulação: os prin-
cipais centros alinham-se ao longo de poucas rotas. Em com-
pensação o número de centros aumenta, pois o multiplica-
dor K é igual a 4. O princípio administrativo, por sua vez,
33
32

apresenta a vantagem de que não há superposição de áreas


de influência, como ocorre nos dois modelos anteriores. o

.. ...
.J
:::> ~
Contudo, para que isto ocorra, verifica-se o aumento do nú- ~
mero de centros, pois o multiplicador K é igual a 7. a: o o
(/) 4. IC lO

]
4. ..
Voltemos agóra à figura 2, sobre a rede de localidades <r <r
\
centrais em torno de Bauru. Há uma relativa aproximação
da rede teórica estruturada segundo o princípio de merca-
do: mais ou menos em torno de Bauru há quatro centros
w 1-
a: zw
ID (.)
o
a:
a
+-
"'
:::1
a
• . ·- •
I
lO
C\J

-~·
(/)
sub-regionais. A figura 4, por outro lado, relativa à região a.. o

.
.,..
(/)
de influência de Marília, uma capital regional não muito
distante de Bauru, mostra um exemplo do princípio de trans-
porte verificado no mundo real: a capital regional, os cen-
o w Q)
I<{
o
~ <r
_J
o o"'G>
- I
~
tros sub-regionais e quase todos os centros da zona estão u
a: <r
(.)
_J
o
c: ....
, I ...:::> .. .. c
alinhados ao longo da via férrea que corta aquele setor do (.) o o
~~
• ""
u . .. :::;
o !!
.J
Planalto Ocidental paulista. Este padrão linear resulta, em
_J
ã.
E o
..
...... . _, ...
:! ... ..:::>
•o
a:
:::>

..
11
<r w .,."" o
grande parte, do processo de ocupação da região, tal co- o o ~ ~
. •
I ..J
. .
"'.. "., _, ... ".. ..
:11
:::>

. ,./
G> a: õ: z
mo Monbeig 8 descreveu magnificamente. Em realidade são o • .!! "' •""..,; o
o
u
:::>
u
:::> ::>

numerosas as redes regionais de localidades centrais que, 1- w E "' ~ <>i .; ,.: ,.; ci .,:

no Brasil, foram fortemente influenciadas pela circulação, w o


LL w
w a:
:::> z
;:
z .\
8
originando um padrão linear de centros.
o ;I·
Os países subdesenvolvidos
I
<t
0
... .

.I .

;J
ª~~ .. z .
LL
Vejamos agora os países subdesenvolvidos. Como es- ..J
o
I c

."' ..., .._,


z

-~~~
tão integrados à economia capitalista, produzindo e com- z z i o ..J
c ~
11 N
prando mercadorias, dispõem de uma rede de cidades cujos a: a: u
111 o
centros são, nos casos mais simples, locais de comercializa-
:::>
0:
. "' :! 11
:::> o

...
111
~

.. ."' .... ..... ....."'


..J o
ção de produtos rurais exportáveis e para o limitado merca- ::> o o >

i-·
0: a: a: o
I a:
ji, do interno, e distribuidores de bens e serviços. Enquanto lo- "
a:
c
ii: z z z
a: u u u u
cais de distribuição, são localidades centrais. O limitado ní-
vel de demanda e a pequena mobilidade espacial da maior
parte da população são responsáveis pelas características
••
concretas que assumem as redes de localidades centrais nes-

8 MoNBEIG, Pierre. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. Trad. de Ary


França e Raul de Andrade e Silva. São Paulo, Hucitec-Polis, 1984.
35
34

ses países. Acrescenta-se ainda a disponibilidade de pessoas nal, por sua vez, aparece como sendo relativamente rica,
não absorvidas pelo mercado formal de trabalho, que leva pois acaba sendo o único centro que apresenta uma comple-
à criação de certas atividades terciárias e de produção que xa gama de bens e serviços, distanciando-se muito, neste as-
apresentam grande importância, de um lado, como estraté- pecto, dos demais . A relativa grandeza metropolitana deve-
gia de sobrevivência e, de outro, na estrutura da distribui- se ao fato de que, em parte, nela residem aqueles que dis-
ção de bens e serviços. põem de renda que lhes permitem consumir bens e serviços
O baixo nível de demanda, resultado da superexplora- de consumo mais raro, caros e sofisticados.
ção da força de trabalho ou da persistência de um setor Uma segunda possibilidade, que não exclui a primei-
agrícola camponês, e a limitada mobilidade espacial podem ra, ao contrário, convive com ela, é aquela onde emergem
originar pelo menos trêspossibilidades concretas de estrutu- os mercados periódicos. Definem-se eles como sendo aque-
ração de redes de localidades centrais nos países subdesen- les núcl~os de povoamento, pequenos, via de regra semi-ru-
volvidos. rais, que periodicamente transformam-se em localidades
Em primeiro lugar, em razão da demanda de bens e centrais: uma ou duas vezes por semana, de cinco em cin-
serviços de consumo freqüente de fato existir, pois trata-se co dias, durante o período de safra, ou de acordo ainda
de produtos e serviços necessários ou imprescindíveis à re- com outra periodicidade. Fora dos períodos de intenso mo-
produção da população, verifica-se que o número de pe~ue­ vimento comercial voltam a ser pacatos núcleos rurais, com
nos centros é relativamente elevado. São centros loca1s e a maior parte da população engajada em atividades primárias.
de zonas. A pequena mobilidade espacial da população le- Nos dias de mercado o pequeno núcleo transforma-se
va ao aparecimento de numerosos desses centros, pouco dis- em um centro de mercado. Vendedores dos mais variados
tantes entre si . A capacidade de oferta de bens e serviços produtos, artesãos e prestadores de diversos serviços ama-
desses centros é muito inferior àquela dos centros similares nhecem no centro com suas mercadorias e instrumentos de
de regiões onde o nível de demanda e a mobilidade espa- trabalho. São provenientes de outro pequeno núcleo onde
cial são maiores. no dia anterior atuaram em seus ofícios, ou de um centro
Ao lado dos numerosos pequenos centros, verifica-se m~tior onde vendem e exercem quase permanentemente a
a ausência de centros intermediários como, por exemplo, mesma atividade . Alguns vieram da zona rural onde dedicam-
os centros sub-regionais. As capitais regionais, por sua vez, se às atividades primárias: vieram vender sua produção e
são menos numerosas. A ausência ou menor ocorrência de comprar alguns bens que não produzem. Utilizando tropas
centros intermediários é indicadora do baixo nível de de- de burros, a cavalo, em carroças, em caminhões e utilitários,
manda da maior parte da população. Como eles devem ofe- em embarcações e mesmo a pé, vendedores e compradores
recer bens e serviços de menor freqüência de consumo, ca- dirigem-se ao núcleo em seus dias de mercado. Estes são ain-
racterizados por serem menos necessários ou mesmo supér- da os dias em que as pessoas se encontram, sabem das novi-
fluos, e caros, e para estes bens e serviços a demanda ser dades e vários eventos sociais, culturais e políticos se realizam.
praticamente inexistente, tais centros não têm condi~ões Os mercados periódicos representam uma forma de sin-
de emergir. Há então um achatamento da rede de locahda- cronização espaço-temporal das atividades humanas, isto é,
des centrais pela ausência ou mínima ocorrência de centros os dias de funcionamento de cada mercado acham-se articu-
de escalões hierárquicos intermediários. A metrópole regio- lados aos dos demais numa lógica de tempo e espaço, en-
37
36

volvendo o deslocamento periódico e sincronizado dos par-


ticipantes de um dado mercado. Em outros termos, os co-
merciantes e prestadores de serviços reúnem-se a cada dia o C1l
em um determinado núcleo: para aí converge a clientela I<! 1'-
.,... C1l
de uma área próxima ao núcleo. 0:::
w
A existência dos mercados periódicos parece residir, C/)

de um lado, no fato de o alcance espacial mínimo ser supe- o


z
rior ao· alcance espacial máximo. Em outras palavras, o li- 'fl <!
o
mite da área que engloba o número de pessoas necessárias w
.,...
(.!)
c!
para que os comerciantes se fixem encontra-se, em razão C/)
....1
de muito baixo nível da àemanda e da pequena mobilida- w
0::: <!
(.!)
de espacial, além do limite até onde os consumidores conse- c!
guem efetivamente deslocar-se. Em situações como esta, ar-
gumenta Stine comentado por Corrêa, a alternativa para o
z
os comerciantes é tornarem-se móveis, percorrendo sistema-
ticamente os núcleos de povoamento e estabelecendo-se
C/)
em cada um deles periodicamente. De outro lado os merca- c!
dos periódicos existem em razão de padrões culturais que 0::
w
persistem em áreas onde as condições econômicas possibili- LJ..
tariam uma localização fixa dos comerciantes. ....<>o
C/)
..J
< ...z
A figura 5 refere-se a um setor do Agreste e Sertão o
o
o õ
..J 0:
l)
de Alagoas. Ali, como em todo o Nordeste brasileiro, as o
"feiras" são instituições econômico-culturais tradicionais,
õ
'O o
"'....z:
..
"'::>
constituindo-se na forma nordestina de realização de uma 0:::
"'o
I
I
w
grande parcela das trocas. A periodicidade das "feiras"
confere-lhes ó caráter de mercados periódicos que se verifi-
a..

C/)
•• I

cam não apenas em minúsculos centros como Coité do o


a
Noia e Lagoa da Canoa, mas em centros de zona como Ba- c!
l)
talha e mesmo em uma capital regional como Arapiraca, 0::: <C
uma cidade com mais de 80 000 habitantes. Sugere-se que w
:::!: .
z
o
sejam empreendidos estudos sistemáticos sobre as "feiras"
<C ..
...
nordestinas: certamente contribuirão muito para a compreen-
são da natureza e significado da rede urbana regional. 9
l{)
o
•z ...
0:

..."' ..."'"'
!: o
o
...
0
LJ..
"o
o
,,
N .. "'.
.," ' ,. 'oC

9 CORRÊA , Roberto Lobato. A rede de localidades centrais nos países sub-


desenvolvido s. R evista Brasileira de Geografia, 50 (l ), 1988.
.. ., .. .
38 39

À limitada demanda e pequena mobilidade espacial ..


acrescenta-se a disponibilidade de pessoas que, como estra-
tégia de sobrevivência, criam atividades terciárias e de pro-
..
z
c
0:
...z c
ii:
•c
:>
~ õ
dução que, segundo Milton Santos, apresentam, entre ou- ~
:::; ...
:> ...oo "' ...
...... ...z... cuo
tros aspectos, as seguintes características: trabalho intensi- (/)
ct: o
0:

õ - 0: 0:

vo, organização burocrática primitiva, capitais reduzidos,


...""0:
o :E
- ...

••
o "'
II pequenos estoques, preços sujeitos à forte barganha, reutili-
zação de produtos e elevada margem de lucro por unidade.
Tais atividades compõem o circuito inferior da economia
o
C/) o
o UJ
...J
:z

I
I
/
/ i

I dos países subdesenvolvidos, o qual convive de modo depen-


dente com o circuito superior, composto de atividades mo-
dernas.
UJ
0..

o
ct:
o ....... -- /'><-, ,
....... / .....
I
.\'-

o \
É conveniente lembrar que muitos dos participantes ct:
0:::
dos mercados periódicos podem ser classificados como in- UJ
I-
tegrantes do circuito inferior: deste modo periodicidade ...J
ct:
do mercado e circuito inferior não são mutuamente exclu-
dentes. 0:::
Cada um dos circuitos apresenta a sua própria espacia- UJ
...J
lidade. Em relação à rede de localidades centrais os dois cir- ...J
ct:
cuitos estão presentes, estruturando-a de modo que cada I-
(/)
centro atue simultaneamente através de ambos, dispondo 0::: I
assim de duas regiões de influência. :r I
o /
A figura 6 mostra as duas regiões de influência de cen- _._./
UJ
tros de três níveis hierárquicos, local, intermediário e metro- o
politano. O centro local atua sobretudo através do circui-
to inferior. É através do circuito superior que se verifica a o
...J
atuação espacial máxima da metrópole. Contudo, como lem- UJ
o
o

o
bra Santos, a atuação metropolitana n;este circuito não se
:E
dá de modo espacialmente contínuo, mas sim descontinua-
mente. Isto se deve ao fato de que o circuito superior está o .,...
voltado para as atividades modernas e população de renda ~

elevada. E como estas atividades e população não se distri- ({) C/)

buem homogeneamente por todo o território, verifica-se a C)


..--- '\ ...zo
/
referida descontinuidade. O centro intermediário, por sua LJ... r
I
I "'
C/)

I
vez, apresenta alcance espacial máximo em função de seu I
' '-~
/ "'
circuito superior.
40 41

A importância do tema em questão é enorme. Estudos A segunda vertente considera a gênese e a evolução
empíricos realizados no Brasi~ muito contribuíram para a das relações cidade-campo no âmbito da crítica contra a te-
compreensão da magnitude e significado, em cada uma das se da autonomia da consciência dos homens e de seu papei
regiões do país, dos dois circuitos da economia. na determinação da vida. Cidade e campo aparecem como
termos antagônicos ao longo da história. As relações entre
ambos são vistas em termos da dinâmica social, culminan-
As relações cidade-região do com a "vitória da cidade sobre o campo" a partir da
grande indústria, como afirmam Marx e Engels na Ideolo-
Ao contrário das abordagens anteriores, o estudo das gia alemã.
relações cidade-região tem sido empreendido principalmen- A abordagem geográfica ao tema tem sido feita consi-
te pelos geógrafos europeus, particularmente os franceses. derando as relações entre cidade e região, isto é, uma gran-
Este tema constitui-se, em realidade, em uma transforma- de cidade e sua hinterlândia constituída por centros urba-
ção da clássica temática cidade-campo. nos menores e áreas rurais, em muitos casos diferenciadas
Cidade e campo têm se constituído, ao longo da história em termos de estruturas e paisagens agrárias.
das ciências sociais, em um dos mais significativos temas de Foi verificado que, de acordo com o tipo de socieda-
\
interesse de historiadores, sociólogos, antropólogos, econo- de, as relações entre cidade e região não se processam do
mistas e geógrafos. Este interesse advém, de um lado, da cren- mesmo modo e com a mesma intensidade. No entanto, num
ça empirista de que cidade e campo constituem as duas meta- esforço de síntese, como fez Pierre George, pode-se apon-
des em que a sociedade pode ser dividida e analisada. De ou- tar em suas linhas gerais estas relações, lembrando, porém,
tro, da crença marxista de que cidade e campo são dois ter- que refletem uma visão citadina da questão. As relações
mos de uma contradição em torno da qual a história se faz. são indicadas a seguir; como se pode verificar, algumas de-
Na primeira vertente de tratamento do tema destacam- las constituem objeto de abordagens anteriormente apresen-
se, entre os não geógrafos, as construções dicotômicas cida- tadas :
de-campo e o continuum rural-urbano. No primeiro caso es- (a) A atraÇ\ãO urbana sobre a população regional.
tabelece-se um contraste em que a cidade.aparece como sinô- (b) A comercialização pela cidade dos produtos rurais.
nimo de desenvolvimento e o campo de atraso. Civitas e So- (c) A drenagem urbana da renda fundiária.
cietas, Gesellschajt (sociedade) e Gemeinschajt (comunidade), (d) A distribuição pela cidade de investimentos e trabalho.
racional e tradicional são alguns dos termos que designam es- (e) A distribuição de bens e serviços .
te contraste. Da discussão sobre a dicotomia cidade-campo Diversos ·estudos mostraram, por outro lado, que as
emerge a tese do continuum rural-urbano, onde entre os dois diferentes combinações e especificidades regionais das rela-
pólos há uma gradação que traduz um processo efetivo e con- ções acima apontadas levam a um duplo resultado que sin-
tínuo de mudança do mundo rural para a grande cidade: esta tetiza o conjunto delas: a cidade é um espelho de sua re-
mudança pressupõe a existência de relações cidade-campo. 10 gião, ou então esta é o resultado de uma ação motora por
parte da cidade. Assim, Libreville, capital do Gabão, estu-
10 REI SSMAN, Leonard. The urban process; cities in industrial societies. dada por Lasserre, encontra-se no primeiro caso, enquan-
New York, The Free Press, 1970. to no segundo está a região lionesa, forjada pelo capital
43

da burguesia de Lyon, conforme mostra Labasse. Outros abordado: é significativo apreender as especificidades espa-
autores como Juillard apontam que os resultados das rela- ciais destas causas. Sugere-se que sejam consideradas as for-
ções entre cidade e região podem se traduzir em. dependên- mas de emigração - jovens, adultos, solteiros, famílias in-
cia, complementação ou concorrência entre ambas, ou, ai~­ teiras etc. - e as etapas da emigração, as quais podem en-
da, que é possível identificar, a partir das relações entre CI- volver a rede urbana - da zona rural para a pequena cida-
dade e região, uma tipologia de cidades européias: villes de e desta para a metrópole.
11 De extrema importância é o estudo das conseqüências
rentieres du sol, villes insulaires e villes urbanisantes.
O trabalho de Dugrand sobre a região vitivinicultora da migração nas zonas de emigração, o · qual deve abordar
do Baixo Languedoc, no Sul da França, é um dos mais sig- tanto a dimensão demográfica - estrutura etária, propor-
nificativos exemplos de estudo abordando o tema em ques- ção dos sexos etc. - como a econômica __:_ envolvendo
tão. Inspirado em parte nas proposições de Pierre George, por exemplo, os sistemas agrícolas e os efeitos sobre a:s ati~
serviu de orientação geral para o estudo sobre o Sudoeste ·. vidades comerciais -e a da paisagem agrária - , nela inse-
paranaense, 12 uma área de pequenos produtores originários, rindo-se o habitat rural. Finalmente, o último tópico a ser
em grande parte, do Rio Grande do Sul. considerado refere-se às atividades dos migrantes na cida-
I I Vejamos agora que sugestões foram feitas para se con- de e à sua localização intra-urbana: isto fornece uma medi-
siderar cada uma das relações acima apontadas. da do significado da atração urbana sobre a população de
A cidade, especialmente a metrópole, exerce uma atra- sua região.
ção sobre a população de sua região de influência: seu cres- As migrações pendulares, provenientes de núcleos loca-
cimento demográfico é, assim, superior ao seu crescimen- lizados em periferias rurais-urbanas, podem ser· vistas co-
to vegetativo. Esta atração define migrações definitivas nas mo um indicador do processo de urbanização. Sugere-se
quais os migrantes acabam tornando-se citadinos. Mas a que se considere a origem dos migrantes, isto é, a área de
metrópole exerce também uma atração cotidiana, pois mo- proveniência dos commuters, causas, formas e meios desta
radores de núcleos próximos nela encontram um relativa- migração pendular, as atividades dos migrantes e as conse-
mente grande mercado de ·trabalho. Trata-se, neste caso, qüências do movimento migratório .na periferia rural-urbana.
de migrações pendulares, alternantes ou jornada para o tra- A metrópole constitui-se em um importante mercado
consumidor de produtos rurais, quer alimentos, quer maté-
balho.
Em relação ao primeiro tipo de migração deve ser in- rias-primas para as suas indústrias. Dugrand sugere que, fa-
vestigada a origem da população urbana - procurando-se ce a estas relações entre cidade e região, considere-se os se-
detectar qual a importância do contingente de migrantes guintes tópicos: os m~canismos de comercialização, a estru-
na formação da população citadina - e o momento em tura das empr~sas comerciais, e os tipos de centros de co-
que se verificou cada uma das correntes migratórias. As mercialização.
causas das migrações constituem um segundo aspecto a ser Face ao primeiro tópico é importante verificar inicial-
mente os tipos de transações comerciaisque se realizam, is-
li CORRÊA, R,oberto Lobato . Estudo das relações entre cidade e região. to é, como se fazem a compra e a venda da produção do
Revista Brasileira de Geografia, 31 (1), 1969. campo, e, em seguida, identificar os tipos de agentes vincu-
12 Idem, coord. Cidade e região no Sudoeste paranaense. Revista Brasilei-
lados à comercialização - atacadistas coletores, redistribui-
ra de Geografia, 32 (2) , 1970.

_ _ _:::a._ _ __ _ ___ _ _ --
-

44 45

dores, cooperativas, supermercados, o Estado, donos de ca- aspectos pressupõe que se conheça a gênese e a dinâmica
minhão etc. - e suas práticas econômicas e políticas. do processo de drenagem da renda fundiária rural.
Sobre a estrutura das empresas sugere-se examinar os A estrutura interna da propriedade citadina pode ser
aspectos relativos à implantação do equipamento comercial analisada a partir da identificação, primeiramente, dos ti-
e aos tipos de empresas. Esta indagação envolve a gênese pos de propriedades de acordo com a dimensão e a finalida-
e a dinâmica do comércio, bem como a identificação das em- de - fim de semana, especulação, prestígio, valorização
presas segundo a origem do capital, a forma de organiza- de capitais. Em segundo lugar, considerando a utilização
ção e as outras atividades que possuem. da terra e estabelecendo a comparação com aquela das pro-
Os tipos de centros de comercialização devem ser ana- priedades dos rurícolas. Finalmente, analisando os tipos so-
lisados considerando-se, de um lado, o equipamento comer- ciais de proprietários - tradicional ou recente, associado
cial que possuem, tal como bancos, armazéns, silos, escritó- ou não a outras atividades, regionais ou extra-regionais etc.
rios de compra, serviços de transporte etc. e, de outro, os É de fundamental importância que se considere as con-
fluxos que para eles convergem e divergem, envolvendo a seqüências da drenagem da renda fundiária, tanto no cam-
'I
área de coleta e os centros para onde a produção é reexpe- po como na cidade: isto se inicia pela análise da aplicação
dida, o volume comercializado e os meios de transporte uti- da renda fundiária e pode finalizar pela comparação do ní-
111
lizados. vel de consumo da população rural e dos proprietários fun-
É necessário, finalmente, fazer-se uma avaliação do diários citadinos.
significado do processo de comercialização de produtos ru- A grande cidade pode também investir recursos no cam-
11
11
rais, tanto em relação à cidade como ao campo. po e em cidades menores, criando, assim, trabalho. O de-
A drenagem da renda fundiária pela cidade constitui- senvolvimento agrícola, a difusão da indústria na região
llrlri' se em muitas áreas um importante aspecto da vida social, de influência, a extensão das zonas de residência peri-urba-
'1111
econômica e política. A cidade constitui-se, nestes casos, na, a organização de áreas de recreação e de reservas natu-
em lugar de residência de proprietários rurais absenteístas, rais, e a promoção dos habitantes da região aos níveis de
e este fato pode assumir enorme importância. Segundo Du- renda semelhantes aos dos habitantes da grande cidade, se-
a
grand, esta temática pode ser abordada partir da conside- riam resultados positivos dos investimentos realizados pela
ração de três aspectos: a importância da propriedade fun- cidade. A idéia da cidade como centro difusor do desenvol-
diária citadina, a sua estrutura interna, e as conseqüências vimento regional está assim presente entre os geógrafos que
da drenagem da renda fundiária. trabalharam a temática cidade-região.
Sobre a importância da propriedade fundiária citadi- Sugere-se que sejam considerados, de um lado, os in-
na é relevante abordar, primeiramente, a sua extensão espa- vestimentos realizados pela cidade e, de outro, as conseqüên-
cial, isto é, em que unidades político-admiÍlistrativas estão cias sobre a organização do espaço regional.
localizadas, qual a sua magnitude - número e área ocupa- Os investimentos realizados pela grande cidade devem
da - e o que representa em termos da estrutura fundiária ser analisados em termos da sua distribuição espacial, con-
em cada uma das unidades . É assim possível saber que cen- siderando-se ainda a natureza das atividades criadas e os ti-
tros urbanos desempenham este papel de drenagem, onde pos de investidores - empresas regionais ou extra-regio-
atuam e qual a intensidade da atuação. A apreensão destes nais , proprietários fundiários , grandes corporações etc.
46

No que se refere às conseqüências dos investimentos é im-


portante que seja verificado que novas atividades foram cria-
das, que modificações na estrutura social do campo e das
pequenas cidades foram introduzidas e, finalmente, quais
3
os impactos dos investimentos na integração regional.
· A integração pressupõe o desenvolvimento de ativida-
Natureza e significado
des terciárias e a efetiva distribuição de bens e serviços, cu-
ja intensidade é uma expressão do grau de integração regio-
da rede urbana
nal à grande cidade. Um centro urbano, contudo, pode de-
sempenhar um nulo ou inexpressivo papel como foco de
drenagem da renda fundiária ou núcleo irradiador de inves-
timentos; entretanto, será, em maior ou menor grau, uma
localidade central.
Segundo Dugrand, no estudo sobre o papel das cida-
des como focos de distribuição de bens e serviços, deve"se As abordagens anteriormente identificadas, e apresen-
abordar os tipos de transações comerciais, a estrutura das tadas em seus traços mais gerais, são incapazes, ainda que
empresas e os tipos de centros distribuidores. em graus diversos, de revelar a natureza e o significado da
As transações comerciais podem ser analisadas segun- rede urbana. Algumas delas descrevem um ou vários de
do sejam elas varejista, atacadista, de representação etc., se- seus aspectos, importantes, sem dúvida, mas insuficientes
gundo a forma de pagamento, a freqüência com que são para darem conta da realidade social, da qual a rede urba-
feitas as transações, e as categorias sociais dos participan- na é uma dimensão,,pois são análises parcelares. Outras tra-
tes. As empresas, por .outro lado, devem ser pesquisadas tam a principal cidade como se fosse dotada de autonomia,
procurando-se conhecer a gênese e a dinâmica, e definir capaz de produzir ou difundir mudanças sociais. A aborda-
os tipos de acordo com a origem do capital, a forma de or- gem das relações cidade-região, apesar das enormes poten-
ganização e as outras atividades e empresas vinculadas. cialidades que apresenta, não foi capaz de revelar a nature-
Finalmente, no que se refere aos tipos de centros de za e o significado da rede urbana.
distribuição, a questão reporta-se àquela da hierarquia urba- Em realidade as abordagens consideradas são, com ra-
na, tendo como suporte teórico mais significativo a teoria ras exceções, caracteristicamente de natureza positivista e
das localidad·es centrais. funcionalista. A cidade - e, por extensão, a rede urbana
Eis o tema.das relações cidade-região. É extremamen- - é vista como se fosse uma coisa; destituída de vida so-
te rico . As relações abordadas podem ser tratadas de outro cial e, portanto, de interesses antagônicos, de conflitos: é
modo, de uma maneira mais integrada. Neste sentido serão assim passível de um tratamento marcado por uma postu-
retomadas mais adiante, numa tentativa de, teoricamente, ra pretensamente neutra. As interpretações calcadas nas ciên-
integrá-las consistentemente. cias naturais estão presentes nos estudos de redes urbanas,
estas sendo concebidas como engrenagens manipuladas por
agentes, não especificados, muitas vezes por processos alea-
49
48

tórios. A história é colocada de lado, não havendo preocu- da no progresso técnico, suscita o aumento da escala de
pação com a gênese e a dinâmica da rede urbana: o tempo produção assim como da área onde esta se realiza. Amplia-
constitui uma abstração em que têm existência mecanismos se também a circulação, e a acessibilidade é redefinida em
que originam uma seqüência evolutiva marcada por equilí- função dos novos modos de circulação . Verifica-se a valori-
brio-desequilíbrio-equilíbrio. O caráter idealista de algumas zação de certas localizações em detrimento de outras: mais
das abordagens aparece quando se considera como normati- do que isto, para cada atividade, nova ou transformada,
vos alguns dos modelos sobre estrutura espacial da rede ur- há padrões locacionais específicos que melhor atendem à ló-
bana ou de sua evolução. gica capitalista. Como conseqüência algumas cidades -per-
A partir da avaliação da prática dos geógrafos, m~s dem importância, enquanto outras são valorizadas; criam-
também considerando a contribuição de não geógrafos, pro- se novos centros urbanos. Numa planície fértil e densamen-
ceder-se-á a um esforço que contribua para identificar a na- te ocupada, com produção agrícola negociada extra,local-
tureza e o significado da rede urbana. Com certeza não es- mente, define-se uma hierarquia de localidades centrais, en-
gotaremos a questão, mas esperamos clarificar alguns pon- quanto às margens de baías de águas profundas desenvol-
tos que são particularmente pertinentes aos geógrafos. vem-se centros portuários; próximo às jazidas de carvão
Esta parte está dividida em quatro capítulos que não emergem centros mineiros ou mesmo dotados de indústrias
são mutuamente excludentes. Representam apenas ângulos de transformação. A rede urbana reflete assim a divisão ter-
em que um mesmo objeto pode ser abordado. Considera- ritorial do trabalho.
se inicialmente a divisão territorial do trabalho. Em segui- A rede urbana é também uma condição para a divisão
~ erritorial do trabalho. A cidade em suas origens constituiu-
da as retações entre rede urbana e os ciclos de exploração,
para depois tratar as relações entre rede urbana e forma es- ;e não só em uma expressão da divisão entre trabalho ma-
pacial. Finalmente será abordado o caráter mutável da re- nual e intelectual, como também em um ponto no espaço
de urbana, apresentando-se alguns pontos básicos para a geográfico que, através da apropriação de excedentes agríco-
sua periodização: a rede urbana da Amazônia será toma- las, passou de certo modo a controlar a produção rural. Es-
da à guisa de exemplificação. te papel de condição é mais tarde transmitido à rede urba-
na: sua gênese e evolução verificam-se na medida em que,
de modo sincrônico, a divisão territorial do trabalho assu-
A divisão territorial do trabalho mia progressivamente, a partir do século XVI, uma dimen-
são mundial.
A rede urbana constitui-se simultaneamente em um re- É à primeira vista através das funções articuladas de
flexo da e uma condição para a divisão territorial do traba- suas cidades - comércio atacadista e varejista, bancos, in-
lho. É um reflexo à medida que, em razão de vantagens lo- dústrias e serviços de transporte, armazenagem, contabilida-
cacionais diferenciadas, verificam-se uma hierarquia urba- de, educação, saúde etc. - que a rede urbana é uma condi-
na e uma especialização funcional definidoras de uma com- ção para a divisão territorial do trabalho. Através dela tor-
plexa tipologia de centros urbanos. na-se viável a produção das diversas ár.eas agropastoris e
A lógica capitalista de acumulação, caracterizada pe- de mineração, assim como sua própria produção industrial,
la minimização dos custos e maximização de lucros e apoia- \ circulação entre cidades e áreas, e o consumo, É via re-
50 51

de urbana que o mundo pode tornar-se simultânea e desi- Neste sentido a própria rede urbana é, através da função
gualmente dividido e integrado. da intermediação, parte da divisão internacional do trabalho.
Mas é efetivamente devido à ação dos centros de acu- Mas há que se considerar, pelo menos em relação a al-
mulação de capital, às grandes metrópoles cabeças de redes guns países ou regiões, a existência de uma relativa autono-
urbanas de extensão mundial ou nacional, que a divisão ter- mia nacional ou regional: a divisão territorial do trabalho
ritorial do trabalho aparece condicionada pela rede urba- é parcialmente derivada de decisões e interesses internos, se-
na. Através dela as decisões, investimentos e inovações cir- diados nas metrópoles nacionais ou regionais e, em alguns
culam descendentemente, criando e transformando constan- casos, nas capitais regionais. Pensamos assim que se deva,
te e desigualmente, de acordo com uma dinâmica interna ao se tratar as relações entre rede urbana e divisão territo-
ao capitalismo, atividades e cidades. rial do trabalho, considerar em que medida uma rede urba-
A rede urbana é um· reflexo, em realidade, dos efeitos na é efetivamente condição para essa divisão ou uma rede
acumulados da prática de diferentes agentes sociais, sobretu- de pura intermediação de ações decididas externamente à rede.
do as grandes corporações multifuncionais e multilocaliza- É visando a descrição e a compreensão da divisão ter-
das que, efetivamente, introduzem - tanto na cidade co- ritorial do trabalho que se deve direcionar os estudos sobre
mo no .campo - atividades que geram diferenciações entre classificação funcional de cidades: a classificação não deve,
os centros urbanos. Diferenciações que, por sua vez, condi- assim, ser considerada como um fim em si, mas um come-
cionam novas ações. Neste sentido é necessário que se com- ço de uma pesquisa sobre uma dada rede urbana. A rede
preenda a lógica da implantação das atividades no mais urbana brasileira, que tem passado por grandes transforma-
ou menos complexo mosaico de centros e hinterlândias em ções, aí incluindo-se o aumento do número de centros e a
seus diferenciados papéis e pesos. Isto implica o desvenda- sua extensão territorial, constitui-se em excelente objeto
mente das motiv~ções dos diversos agentes sociais, bem co- de pesquisa sob a ótica da divisão territorial do trabalho e
mo o entendimento dos conflitos de interesses entre eles e sua dinâmica.
suas aparentes soluções. Implica ainda colocar em evidên-
cia as práticas que viabilizaram a articulação entre os distin-
:tos centros urbanos e suas hinterlândias, bem como com~ Os ciclos de exploração
preender a inércia que, pelo menos durante um certo tem-
po, cristaliza um determinado padrão espacial de funciona- O trabalho excedente é a fonte do valor excedente Uu-
lidades urbanas. ros, rendas, mais-valia etc.). O valor excedente apropriado
Em relação aos países subdesenvolvidos a rede urba- e acumulado é em parte investido em novas atividades, tan-
na pode ser vista, em parte, como um conjunto de cidades to de localização urbana como rural, visando a geração de
onde se verifica um papel de intermediação diferenciada novos e ampliados valores excedentes. Isto implica a sua
das .decisões geradas fora da rede urbana nacional. Em ou- circulação, que engendra fluxos de pessoas, bens e serviços,
tras palavras, a rede urbana dos países subdesenvolvidos ordens, idéias e dinheiro. A parte do valor excedente desti-
constitui-se, em parte, na extensão de uma ampla rede ur- nada à simples reposição dos meios de produção e ao consu-
bana com sede nos denominados países centrais, em metró- mo dos capitalistas, bem como a massa de salários pagos,
poles mundiais como New York, Londres, Tóquio e Paris. que constitui o meio através do qual se verifiça parte consi-
52 53

derável da reprodução da força de trabalho, também en- como foi exposto por Ana Fani A. Carlos. 1 A rede urba-
tram na circulação. Implicam estes fluxos a criação, apro -
na pode ser considerada ainda como a forma sócio-espa-
priação e circulação de novos valores excedentes. cial de realização do ciclo de exploração da grande cidade
A circulação se faz necessariamente no âmbito de sobre o campo e centros menores. Desenvolveremos esta
um território que pode estar submetido a um processo de concepção apoiados, em parte, em Bellido e Tamarit.
intensificação das atividades ali localizadas, ou a uma Dois pontos devem ser, no entanto, abordados antes
mais efetiva incorporação ao sistema capitalista a partir de prosseguirmos. O primeiro refere-se ao fato de utilizar-
de sua transformação em "fronteira do capital", como é mos a expressão cidade e região e não a clássica cidade e
o caso da Amazônia a partir da segunda metade da déca- campo. O segundo diz respeito à tese da complementarida-
da de 1960. de das relações acima indicadas.
Para que a circulação seja efetivada torna-se necessá- Com o capitalismo, as relações econômicas e sociais
ria à existência de vários pontos no território. Estes pon- são ampliadas, passando a se realizar em amplos territórios
tos são os centros urbanos. Neles verificam-se o processo que, de modos diversos, são incorporados ao sistema capita-
de tomada de decisão, a concentração, beneficiamento, ar- lista. No bojo desta expansão verifica-se a ampliação da di-
mazenamento, transformação industrial, vendas no ataca - visão territorial do trabalho, geradora de especializações
do e varejo, a prestação de uma gama cada vez maior e produtivas regionais distintas - o milho do Corn Belt ame-
mais complexa de serviços ligados à reprodução social, e ricano, o cacau da zona de Ilhéus e Itabuna na Bahia, o
parcela ponderável do consumo final. Estes centros urba- açúcar das Antilhas etc. -, e a necessária articulação entre
nos apropriam-se do valor excedente que circula e criam as diversas unidades territoriais especializadas. Articulação
novos valores. que é viabilizada pelo progresso dos meios de comunicação
Com base em Harvey, afirma-se que a rede urbana é e conservação- navio a vapor, ferrovia, telegrafia sem fio,
a forma espacial através da qual, no capitalismo, se dá a frigorificação de produtos facilmente deterioráveis - con-
criação, apropriação e circulação do valor excedente . Ca- temporâneo à expansão territorial e à divisão do trabalho
da cidade da região participa de algum modo e com algu- no plano espacial. O mundo capitalista caracteriza-se, por
ma intensidade dos processos acima indicados: caso contrá- volta de 1870, por ser dividido e articulado. Dividido no
rio terá a sua existência inviabilizada . Sua singularidade se que se refere à esfera da produção e consumo, e articula-
dá em razão de sua inserção em um território submetido do no que diz respeito à integração via troca entre produto-
res localizados em numerosos territórios. 2
ao processo em questão. Neste sentido, uma classificação
Esta divisão e articulação só é viável através de uma
funcional de cidades, isto é, a descrição da divisão territo-
ampla rede urbana, abrangendo vários tipos de centros loca-
rial do trabalho em termos urbanos, deve procurar dar con-
lizados em vários territórios . Somente assim é possível a
ta dos papéis que cada cidade cumpre na criação, apropria-
um inglês beber café brasileiro, comer toucinho dinamar-
ção e circulação do valor excedente.
O que foi acima sumariamente descrito pode ser dito 1 A cidade e a organização do espaço. Revista do Departamento de Geo-
de outro modo, considerando-se a rede urbana como a cris- grafia da Universidade de São Paulo, 1, 1982.
2 HOBSBAWM, Eric. A era do capital; 1848-1875 . Rio de Janeiro, Paz e Ter-
talização do processo de realização do ciclo do capital, tal
ra, 1977 .
54
\ 55

quês, pão de trigo argentino e vestir uma camisa de algo-


dão egípcio e uma calça de lã australiana. Do mesmo mo-
do os produtos ingleses que, no século XIX, chegavam às UJO
01<(
fazendas de café do Vale do Paraíba passavam por segmen- <(- (/) (/)
o(.!)
tos da rede urbana inglesa (Birmingham e Southampton, -UJ o <(
(.)a:: ~-üi
por exemplo) e brasileira (Rio de Janeiro e Resende, por o
(/) >
exemplo). Estamos longe, portanto, de uma relação cida- UJ
0<(
UJUJ o o a::
o o f- UJ
de e campo tal como se processava no século XIII, entre z Z<(
_J
(.)
z (/) UJ
<( UJ
um burgo e sua restrita hinterlândia constituída por aldeias O::UJ
cto
::?! UJ (/)
(.!)a::
a::- (.)
UJ
e suas áreas agrícolas: cidade e campo completavam um (.!)(.) OI
f- a::
universo onde a vida econômica e social plenamente podia m (\J
(/)
UJ (/) o
ser realizada. É por esta razão que adotamos a expressão
<(o > zUJ _J
O (f) z <(
llJ >
cidade e região: trata-se da grande cidade, um centro metro-
politano, criàção do próprio capitalismo, e de áreas agríco-
o
<(
• • •
las diversas e numerosos centros urbanos menores, todos su- o-
<(

bordinados à metrópole. a::


o
_J
Vejamos agora a tese de complementaridade. As rela- a..
_ções que se estabelecem no âmbito da rede urbana são assi- X
UJ
UJ
o
métricas, traduzindo-se na exploração da região pela gran- <( <(
o o
de cidade. A tese da complementaridade de relações simé- UJ z
o (.)
o a::
IUJ
tricas, i.mplicando equilíbrio, não é verdadeira. 01<(
(/)
o a.. o- <(
A exploração da cidade sobre o campo - e depois so- o I<(
~ <( <( a::
.-...J (.!) <(
bre a região - nasce no momento em que, no bojo da co- (.) UJ
o_J (.)
N o'<!
_J o
munidade primitiva, igualitária, estruturada segundo laços õ \ 0::
J
(.)
o <( ::?! z
de parentesco, verifica-se um conjunto de condições que le- ü I<!
L).
(.) LLJ ::;)
(.!) ll-
(/)
o <( a:: <(
vam à sua própria ruptura: o aparecimento de novas for- OI
a:: UJ z
I (.!)
mas de propriedade, a divisão social do trabalho, o Esta- I'-
::?! UJ
~ o a::
do, as classes sociais e a existência de excedentes agrícolas <!) LLJ (.) o
que são desigualmente apropriadas. Separa-se social e espa- ll-

cialmente o trabalho manual e o intelectual. Esta separação
vincula-se a uma nova forma sócio-espacial, a cidade, on-
de localizam-se o rei-divindade, sacerdotes, militares, escri-
bas e artesãos. 3

3 Cf. CHILDE, Gordon. The urban revolution. Town Planning Review, 21


(1), 1950.
56 57

A exploração urbana está fundamentada na extração sa drenar, via emigração rural-urbana, uma parcela da po-
de excedentes alimentares pela elite citadina, garantindo-se pulação do campo, constituída por pequenos proprietários,
assim a existência da cidade. Esta, por sua vez, garante a rendeiros, meeiros, moradores de condição e assalariados.
reprodução do sistema social através da ideologia e da for- As raízes desse processo emigratório residem, como
ça. Cidade e campo são dois mundos distintos mas interliga- afirma Kautsky, 4 na dissolução do artesanato pela manufa-
dos via exploração do segundo pela primeira. tura urbana, transformando o camponês em um produtor
A exploração da cidade sobre o campo amplia-se no agrícola, que vende mercadorias para comprar outras mer-
período da acumulação primitiva do capital. Mas é sem dú- cadorias, no subseqüente endividamento do agricultor jun-
vida no capitalismo industrial - a partir do século XIX to a comerciantes urbanos e aos bancos, levando em mui-
- que esta exploração ganha sua maior expressão. Trata- tos casos à perda da propriedade; na dissolução da família
se, efetivamente, da vitória da cidade, através da indústria, camponesa em função da necessidade de produzir mais e
sobre o campo, como se referem Marx e Engels, mas da vi- mais para vender, tornando a propriedade rural incapaz
tória da grande cidade sobre uma ampla região. A tese da de sustentar a família. Estabelece-se, assim, uma "superpo-
complementaridade é, em realidade, uma ideologia. pulação relativa" no campo, composta de excedentes demo-
Vejamos agora os dois ciclos de exploração. O esque- gráficos que o mundo rural não mais absorve.
ma indicado na figura 7 refere-se a eles. No primeiro ciclo, A migração campo-cidade realiza-se na direção daque-
a grande cidade, cabeça da rede urbana, extrai do campo les centros urbanos onde a criação de atividades e empre-
e das cidades menores, via migrações, força de trabalho. gos é mais dinâmica. São, via de regra, as grandes cidades.
Extrai também produtos alimentares, matérias-primas, lu- Esta migração pode fazer-se por etapas, mais ou menos de
cros comerciais e renda fundiária. No segundo ciclo, que acordo com .a hierarquia urbana: em um primeiro passo tra-
realimenta o primeiro, tratando-se, portanto, do mesmo ta-se de uma migração do campo para a pequena cidade;
processo, a cidade exporta- para o campo e centros meno- um segundo passo, que no âmbito de uma mesma família
res- capitais, bens e serviços, idéias e valores . Convém ob- camponesa pode se dar na geração seguinte, caracteriza-se
servar que estamos considerando praticamente as mesmas por ser da pequena para a grande cidade.
relações, ainda que através de uma leitura explicitamente in- As causas específicas, em cada lugar e a cada momen-
tegrada, daquelas apontadas por George e empiricamente to do tempo,. da emigração, envolvendo os mecanismos e
v.erificadas, entre outros, por Dugrand. os agentes sociais participantes do processo migratório, cons-
tituem-se em um dos importantes temas de pesquisa no âm-
As migrações bito das relações cidade e região. Outro refere-se à dinâmi-
ca e ao significado das migrações por etapa.
As atividades capitalistas da cidade, entre elas especial- A destruição da agricultura tradicional e o êxodo ru-
mente as indústrias, necessitam de trabalhadores "livres", ral para a cidade, barateando o custo da força de trabalho,
que dispõem apenas de sua força de trabalho e nenhum iniciam o primeiro ciclo de exploração qa cidade sobre o
ou muito pouco vínculo com o campo. Estes trabalhadores campo e os centros menores. Simultaneamente estão sen-
constituem a massa de onde será extraído o valor exceden-
te, fonte de acumulação de capital. Assim, a cidade preci- 4 La cuestión agraria. México, Siglo Veintiuno, 1977 .
58 59

do criadas as condições para a existência de um mercado in- deia urbana de comercialização. O atacadista coletor, da pe-
dustrial: os camponeses que permaneceram no campo torna- quena cidade encravada em plena zona rural, tem uma mar-
ram-se consumidores de produtos da indústria. s Esta temá- gem de lucro ao vender a produção ao atacadista reexpedi-
tica será retomada posteriormente. dor ou a uma usina de beneficiamento localizada em uma
cidade regional; a revenda da produção ao industrial, ex-
A comercialização da produção rural portador ou grande atacadista metropolitano, por sua vez,
adiciona uma outra margem de lucro sobre o preço pago
Ainda que em alguns territórios, caracterizados como ao atacadista coletor. Nesta cadeia de comercialização o
reservatórios da força de trabalho, o autoconsumo seja a consumidor final, de localização urbana, paga ao varejista
principal finalidade da produção agropecuária, no capitalis- um preço muito elevado se comparado àquele que o produ-
tor rural, localizado no começo do processo de comerciali-
mo, de um modo típico, esta produção destina-se à cidade,
zação, recebeu do atacadista coletor.
que se transforma assim,em um centro de comercialização
A este esquema tradicional de comercialização da pro-
da produção rural. Tanto pode ser um pequeno centro,
dução rural opõe-se um outro que se caracteriza pela atua-
uma cidade regional, um porto exportador, um centro in-
ção dos supermercados . .O desenvolvimento das grandes ca-
dustrial ou uma metrópole, para ela converge uma produ- deias de supermercados, com dezenas ou centenas de estabe-
ção destinada ao abastecimento de sua população em produ- lecimentos de vendas no varejo, alterou o esquema anterior-
tos alimentares e, conforme o caso, destinado à reexpedi- mente descrito. O supermercado possui numerosas filiais
ção para mercados extra-regionais ou às suas indústrias. de compra localizadas em pequenos centros ou em cidades
O processo de comercialização da produção rural é regionais. Isto simplifica a cadeia de comercialização: das
muito complexo. Sua razão de ser deriva, em última instân- filiais de compra os produtos rurais são transferidos ao de-
cia, do fato de que tanto no começo como no final do pro- pósito central localizado na metrópole e, daí, aos numero-
cesso verifica-se uma dispersão tanto dos produtores rurais sos estabelecimentos de vendas no varejo dispersos pelo es-
como dos consumidores urbanos. Há assim a necessidade paço metropolitano. Os lucros dos intermediários do esque-
de' se realizar, próximo à zona rural, a concentração da pro- ma anterior desaparecem, sendo apropriados pela grande
dução, depois sua transferência para a grande cidade, on- empresa que dispõe de enorme poder de manipulação de
de então será de novo dispersa entre os consumidores fi- preços. E nem por isso o produtor rural é beneficiado.
nais. Esta dispersão-concentração-dispersão vai traduzir-se É nestes termos que a cooperativa de comercialização
em diversas formas. Em todas elas a cidade impõe ao cam- da produção, controlada pelos produtores, constitui-se em
po um preço inferior aos praticados no meio urbano. Are- um instrumento de minimização da extração de lucros co-
de urbana, por onde circula a produção rural, constitui-se merciais que as cidades em geral realizam sobre o campo:
assim em uma cadeia de drenagem sobre o campo. ao eliminar os intermeçliários atacadistas a cooperativa tem
Uma das formas em que a comercialização se realiza condições de vender a produção rural, de seus associados,
é aquela onde participam numerosos intermediários localiza- por um preço mais elevado. Mas apenas sob certas condi-
dos em sucessivos centros urbanos, constituindo uma ca- ções verifica-se o desenvolvimento das cooperativas: as fir-
mas intermediárias localizadas nas cidades da rede nem sem-
s Cf. LENIN, V. I. El desarrollo dei capitalismo enRusia. Barcelona, Ariel, 1974. pre vêem com bóns olhos o desenvolvimento delas.
61
60

A figura 8 procura ilustrar os três exemplos acima in-


dicados. As possibilidades de outros esquemas, contudo,
não se esgotam com os exemplos selecionados.
O tema em tela constitui-se em outro assunto para pes-
quisa, podendo os resultados obtidos clarificar esta comple-
xa e relevante questão que envolve a rede urbana. Neste sen-
tido queremos crer que o Brasil apresenta enorme riqueza
de esquemas de comercialização, onde podem estar presen-
tes o pequeno comerciante atacadista-varejista, o chofer
o de caminhão ou, no caso da Amazônia, do barco, a gran-

I
lod:
o de empresa industrial, o grande atacadista exportador, a
:::l
o cooperativa, o Estado e os supermercados . E seguramente
o
a: as diferenças regionais do processo de comercialização de-
0..
vem ser ainda notáveis.
<
o
A drenagem da renda fundiária
o
lod:
o Em muitas outras regiões a cidade constitui-se, em cer-
< to grau, em um local de consumo da renda fundiária rural.
N c
.....1
<
(.)
a:
w
g-__ ----~- --
-
>
....c4)
c.
0--
Através do absenteísmo parcial ou completo dos proprietá-
rios rurais, especialmente os grandes, que residem no meio
urbano, parcela ponderável do valor excedente produzido
:z o 4)
~
0
no campo é transferida para as cidades. Em muitas delas,
o
(.) ~
o o
(.) .. (.) fi""==="'==n
os bairros suntuosos, as lojas grã-finas, os restaurantes e

~
.
o
a
.... ..
... "'
o 4) c clubes existem, em grande parte, em razão da drenagem
tol ...... !! .., "'' ; ::
C7 da renda fundiária. A cidade tem parte de sua existência
Uol
o Ea
01&1
~~
~<J
a
E

=g
L
E
cp
-
<J
creditada ao campo, que não é assim capitalizado.
..
4) .. 4) ::J
::J ::J C" '"'==r=~ O investimento na propriedade fundiária pelos citadi-
~
:z ~_ _ _ _ _ _ __w
w ~_ _ _ _ _ _ w __
nos é considerado como sendo próprio de uma fase pré-ca-
w pitalista. No entanto, tem se verificado que a proprieda-
:::l
o -~--l de fundiária tem atraído capitais urbanos procedentes das
(/)

.... ..
J
mais diversas atividades, inclusive o grande capital finan-
w
I
Q)
"'o
~ :~
J o "'
=-
o
11: •
:>
I
'
.. ..
0:
o J

o:> "'
:>
c
:>
c
ceiro-industrial, que passa a ser aplicado em terras e ativi-
o:>
<!)
.."'
o"' o "'
•... .."
o "' dades agropecuárias. Antes de ser uma contradição no
b seio do capitalismo, o investimento de capital no campo
..
o
- de onde será extraída a renda fundiária - constitui-se
62 63

em uma alternativa capitalista que, sob certas circunstân- que a drenagem da renda fundiária para consumo urbano
cias, pode ver neste tipo de investimento um excelente ne- é maior do que se poderia supor: pois do valor excedente
gócio. paga-se os empréstimos baratos, pouco se investindo na pro-
Ao lado dos tradicionais proprietários ruraisabsenteís- dução do ano agrícola seguinte. Deste modo a questão da
tas, ganham cada vez mais força as grandes empresas, mui- renda fundiária e sua drenagem urbana torna-se mais dra-
tas delas vinculadas a poderosas corporações multifaceta- mática: parte dos escassos recursos públicos que poderiam
das e multilocalizadas, que têm interesses em setores tão di- ser investidos socialmente são canalizados pela e para as eli-
ferentes como automóveis, química, construção naval, me- tes que dispõem de terras e poder.
talurgia, bancos, construções, comércio através de cadeia Em relação ao efeito político, poder-se-ia supor que a
de lojas etc. E tanto podem ser empresas nacionais como reforma agrária seria de muito interesse para os citadinos,
multinacionais: a terra e o investimento rural são uma alter- sendo a sua execução o resultado de uma demanda de natu-
nativa para o capital em geral. reza urbana, além de interessar a um grande contingente
É de se pensar que em regiões de forte absenteísmo, es- de camponeses e assalariados rurais . No entanto, os interes-
pecialmente da parte dos proprietários rurais tradicionais, ses urbanos, constituídos pelos proprietários tradicionais ab-
a importância de cada cidade da rede urbana em termos senteístas e as grandes empresas, opõem-se à reforma agrá-
de captura da renda fundiária seja proporcional ao seu pa- ria, pois a propriedade fundiária rural representa acesso
pel como localidade central: maior o montante da renda ao crédito subsidiado, fonte de renda, reserva de valor, po-
fundiária capturada, maior o nível hierárquico da cidade, der político e, o que é mais importante, é uma forma de
isto se devendo à importância da demanda da elite rural re- propriedade privada cuja extinção ou limitação de uso não
sidente na cidade no aparecimento de bens e serviços que se pode permitir. Deste modo cidade e campo contêm as
acab,am transformando-se. em funções centrais. Esta é, em classes e frações de classe que têm interesses opostos no
realidade, uma hipótese de trabalho. \.] que se refere à propriedade da terra.
A questão da drenagem da renda fundiária não tem si- À guisa de sugestão, indicamos que o tema rede urba-
do muito considerada pelos cientistas sociais brasileiros. na e oligarquias rurais constitui-se em importante meio atra-
No entanto, parece ser mais importante do que se poderia vés do qual é possível a compreensão de significativos as-
supor, tendo não apenas um poderoso efeito econômico co~ pectos da sociedade brasileira e de sua dinâmica.
mo também político. Completa-se assim o primeiro ciclo de exploração da
Em relação aos efeitos econômicos tudo indica que a grande cidade sobre o campo e cidades menores. A metró-
renda fundiária drenada vai ser aplicada, em grande parte, pole constitui-se no destino de parcela ponderável dos exce-
no setor urbano, em mansões e edifícios residenciais de lu- dentes demográficos, produtos rurais e lucros comerciais,
xo, e no consumo de bens duráveis e serviços sofisticados. e renda fundiária . O segundo ciclo caracteriza-se pelo que
E ainda em investimentos especulativos, de natureza finan- aparentemente é uma exportação da grande cidade para os
ceira. Se considerarmos ainda que no Brasil parcela muito centros menores e zona rural. A exportação é, em realida-
significativa dos investimentos na produção agropecuária de, uma condição para a extração de diversos outros valo-
é oriunda de créditos públicos subsidiados, e. não de recur- res excedentes, ampliando assim o processo de acumulação
sos próprios, provenientes do valor excedente, constata-se e realimentando o primeiro ciclo de exploração.
64 65

Os investimentos de capitais do excedente demográfico, entretanto, passa a constituir


um exército de reserva rural-urbano, residindo na periferia
O segundo ciclo de exploração começa com o investi- de pequenas e médias cipades da hinterlândia metropolita-
mento de capitais no campo e nas pequenas cidades a par- na. Constitui uma força de trabalho temporário que, sobre-
tir dos grandes centros de acumulação que são as grandes tudo na época da safra agrícola, realiza migrações pendula-
cidades onde tendem a se localizar as grandes empresas, al- res entre cidade e campo. A pequena e média cidade torna-
gumas das q\l_ais constituindo segmentos de corporações se então local de concentração da força de trabalho rural:
multifacetadas e com múltiplas localizações. este é um dos novos modos de inserção na rede urbana.
O investimento é feito, de um lado, diretamente atra- Hipotetiza-se então que a importância relativa das cida-
vés da implantação de grandes projetos agropecuários, in- des como locais de concentração da força de trabalho seja
dustriais ou ligados às atividades terciárias como filiais de inversamente proporcional à sua dimensão como lo.calida-
supermercados, lojas departamentais e bancos. De outro, de central: maior a sua hierarquia urbana, menor o seu pa-
é feito indiretamente, através da participação das grandes pel como reservatório de mão-de-obra rural.
empresas no processo de difusão de um novo produto e Um outro impacto resultante dos investimentos da gran-
do controle qualitativo e quantitativo da produção. Isto se de cidade no campo e em centros menores é a transferência
faz, em muitos casos, via mediação de -instituições de assis- do poder de controle e decisão das atividades locais para a
tência e extensão rural, bem como de financiamento bancá- metrópole. Esta transferência de poder se dá pela implanta-
rio, os quais viabilizam a difusão e adoção de sementes, ção de filiais de empresas da grande cidade, acompanhada
adubos, inseticidas, tratores, colheitadeiras etc. em muitos casos pela falência, incorporação e satelização
Os investimentos realizados têm um forte impacto so- funcional de empresas locais que não apresentam condições
bre o campo e as cidades menores. Primeiramente criam no- de competição com as grandes empresas de fora. Inclui não
vas especializações produtivas rurais e urbanas. No que se apenas as atividades industriais, que poderri ser reestrutura-
refere às cidades, os investimentos acabam alterando a in- das, mas também as atividades comerciais e de serviços pe-
serção delas na rede urbana. O campo é reestruturado, sen- la penetração de filiais bancárias, lojas departamentais, de
do afetados a estrutura fundiária, as relações de produção, eletrodomésticos, supermercados, companhias de transpor-
os sistemas agrícolas, a pauta dos produtos cultivados, o te etc. Em todos os casos a transferência significa perda
habitat rural e a paisagem agrária que tende a se tornar va- da gestão das atividades e drenagem de valores excedentes
zia de homens. como juros e lucros comerciais.
Em segundo lugar, os investimentos impactam sobre As pequenas cidades, e às vezes o próprio campo, trans-
as necessidades de força de trabalho no campo. A moderni- formam-se em locais de implantação de indústrias poluen-
zação da agricultura cria novos excedentes demográficos tes que não podem, por força de interesses urbanos, perma-
que vão realimentar o primeiro ciclo de exploração. O pro- necer na grande cidade. Ali são implantadas também indús-
cesso migratório torna-se intenso, sendo direcionado para trias ditas "descentralizadas" da grande cidade. Aparente-
a periferia das grandes cidades, onde passa a engrossar mente o abandono da metrópole deve-se às desvantagens
um exército de reserva já constituído, ou direciona-se para decorrentes da urbanização. No entanto, trata-se de estabe-
a fronteira agrícola, como tem ocorrido no Brasil. Parte lecimentos industriais dotados de economias internas da es-
66
67

cala, que prescindem da presença próxima de outras indús- territorial do trabalho, taxas de lucro e níveis de consumo;
trias e atividades de serviços e/ ou pertencem a uma corpo- em contrapartida, tendendo à homogeneização, ampliaram
ração que redistribui sobre um vasto território suas opera- mais e mais as relações capitalistas ligadas à produção e
ções. A localização dessas indústrias se dá em razão da pre- certos valores culturais. A homogeneização completa does-
sença de uma força de trabalho mais barata, via de regra paço não é compatível com o capitalismo: a dinâmica con-
menos ativa politicamente, e que se constitui em um merca- traditória da acumulação suscita diferentes territórios, en-
do de trabalhq cativo. tre eles novos e velhos, desiguais em termos naturais e sociais.
Esta descentralização constitui-se em uma prática do Os investimentos realizados no campo e nas cidades
capital para reaver uma taxa de lucro - valores excedentes, menores pelas grandes cidades constituem condições para
portanto - abalada por constantes investimentos na gran- uma efetiva exploração, isto é, para uma efetiva continuida-
de cidade. 6 A descentralização, em realidade, verifica-se de do processo de acumulação capitalista.
em escala internacional, reorganizando não apenas as rela-
ções entre cidades e regiões, mas também entre países: nes- A distribuição de bens e serviços
te sentido New York, Londres, Tóquio, Paris e outras pou-
cas metrópoles mundiais são as grandes cidades e o restan- Com a expropriação dos meios de produção e de con-
te do mundo capitalista, a região de influência. sumo de parcela ponderável dos camponeses, com a moder-
Um ponto deve ser agora focalizado. Trata-se da tese nização da agricultura e a destruição das indústrias das pe-
do papel da grande cidade como promotora do desenvolvi- quenas cidades, o mundo rural e os centros menores estão
mento regional ou nacional através de suas indústrias, capa- preparados para o consumo de produtos industriais e servi-
zes de criarem demandas produtivas e de consumo na re- ços cujas origens estão na grande cidade. Trata-se de fertili-
gião, e da descentralização industrial criadora de empregos zantes, inseticidas, arados, produtos aliméritares industriali-
e impostos nas cidades menores e no campo. Em resumo, zados, tecidos, móveis, utilidades domésticas diversa~ e,
através dos pólos de desenvolvimento e de suas "indústrias mais tarde, eletrodoméstico's e veículos automotores, entre .
motrizes" e da difusão de inovações instaurar-se-ia o desen- outros; inclui-se também os serviços de educação, saúde,
volyimento, implicando eficiência e eqüidade sócio-espacial. bancários, contabilidade, publicidade etc. A difusão. de
Iniciado por volta de 1955, em um momento de expan- um ideário urbano, capitalista em realidade, que introduz
são capitalista, o discurso do desenvolvimento mostrou que novos valores e condiciona hábitos, ratifica e direciona a
não passa, decorridos mais de trinta anos, de uma ideolo- demanda e o consumo de bens e serviços urbanos.
gia justificadora da internacionalização do capital. O papel das cidades na distribuição de bens e serviços
Em realidade os investimentos de capital, ao invés de acentuou-se com o capitalismo. Nesta acentuação verificou-
promoverem uma homogeneização do espaço, incluindo-se sé uma integração paulatina das cidades, originando redes
aí a eqüidade sociàl, serviram para redefinir os padrões da regionais e nacionais de centros. A integração foi acompa-
diferenciação espacial, alterando-os em termos de divisão nhada pela hierarquização das cidades, uma decorrência
dos diferenciais 'de demanda e oferta de bens e serviços.
6Cf. PALLOIX, Christian. La internacionalización de! capital. Madrid, H. Formaram-se então redes de distribuição de bens e serviços,
Blume Ediciones, 1978. isto é, de ·localidades centrais.
68 69

Cqnvém lembrar que inversamente à comercialização zam a renovação dos estoques das lojas . Os pedidos são ex-
de produtos rurais , onde o campo está no começo do cir- pedidos das metrópoles para a rede da empresa industrial;
cuito, recebendo pouco pelo que produz, no que diz respei- as mercadorias são encaminhadas da fábrica ou de um de-
to à distribuição, os habitantes do campo, e também os pósito central diretamente para o varejista.
das pequenas cidades encravadas na zona rural, encontram- Ao se eliminar o atacadista introduz-se alterações na
se no final do circuito, pagando mais caro pelos produtos estrutura funcional das cidades regionais. Entretanto, o co-
que adquirem. A rede de distribuição é assim uma rede de merciante atacadista pode permanecer em razão da existên-
extração de lucros comerciais . Vejamos como elas, num es- cia de um amplo setor varejista que não dispõe de éscala su-
quema tradicional, funcionam. ficiente para realizar compras diretamente dos grandes fa-
O industrial da grande cidade vende seu produto a bricantes: estes exigem um mínimo de valor ou volumes
um atacadista de uma cidade regional que, ao revendê-lo comprados em cada transação comercial. Justifica-se então
ao comerciante varejista da pequena cidade, adiciona uma a existência de atacadistas para os pequenos varejistas: al-
margem de lucro ao preço pago ao industrial. O comercian- guns tornaram-se poderosos, como se exemplifica com as
te varejista, por sua vez, adiciona a sua margem de lucro firmas Alô Brasil, de Goiânia, e Martins, de Uberlândia,
ao realizar a venda ao consumidor final, o homem do cam- qqe atuam em vasta área do território nacional.
po e da pequena cidade. As extrações sucessivas de lucros As redes de localidades centrais que se estabeleceram
comerciais constituem, na realidade, etapas necessárias do no Brasil fornecem um rico e variado conjunto de padrões
processo de realização do valor e da mais-valia. espaciais e modelos funcionais de distribuição de bens e ser-
A concentração da produção em poderosas indústrias viços. Padrões e modelos onde coexistem as formas mais
que apresentam um caráter oligopolista e a crescente inte- modernas de distribuição ao lado das mais tradicionais: fi-
gração territorial via uma cada vez mais densa rede rodoviá- liais regionais de vendas das grandes indústrias, atacadistas
ria asfaltada e modernos meios de comunicações têm leva- decadentes ou prósperos, representantes comerciais, cadeias
do a mudanças na rede de distribuição. Por outro lado, a de lojas departamentais- especializadas ou de supermerca-
concentração no setor terciário produziu grandes empresas , dos - a "feira" - entendida como mercado periódico
muitas das quais organizadas em cadeias de lojas, e todas - o "regatão" da Amazônia, e a pequena loja especializa-
realizando operações de compra em larga escala. Todas es- da ou que de tudo vende um pouco etc. Os diversos padrões
tas transformações - na produção, circulação e distribui- e modelos traduzem as diferentes estratégias e possibilida-
ção - levaram à progressiva eliminação do atacadista da des de realização efetiva do valor e da mais-valia, tendo
cidade regional, alterando assim a rede urbana. em vista a variabilidade no espaço da demanda efetiva, re-
Assim, grandes empresas que produzem bens cujo con- sultante, em última instância, de combinações distintas de
sumo é muito freqüente, implicando a alta rotatividade dos densidade demográfica, nível de renda e padrões culturais.
estoques das lojas - artigos de limpeza e higiene pessoal, As diferenças existentes, que vão traduzir-se em várias
alimentos em conserva, entre outros -, possuem filiais de redes de distribuição atuando com base em uma mesma re-
:venda.em centros metropolitanos regionais como Porto Ale- de urbana, constituem uma temática extremamente signifi-
gre, Belo Horizonte, Salvador e Recife. Deles partem perio- cativa para pesquisas, com o propósito de contribuir para
dicamente viajantes que, com itinerários prefixados , reali- a compreensão da complexa rede urbana brasileira e seu pa-
70 71

pel no processo de acumulação capitalista e de reproqução Estas funções- comercialização de produtos rurais, produ-
dos diferentes grupos sociais. ção industrial, vendas vareji?tas, prestação de serviços di-
versos etc. - reportam-se aos processos sociais, dos quais
A difusão de valores e ideais a criação, apropriação e circulação do valor excedente cons-
titui-se no mais importante; ganhando características especí-
A grande cidade desempenha ainda o papel de centro ficas na estrutura capitalista. Em outros termos, estrutura,
difusor de idéias e valores capitalistas. A finalidade última processo, função e forma são, conforme aponta Milton San-
desta difusão é a de criar condições de reprodução de to- tos, categorias de análise da realidade social, devendo ser
do o sistema social. Trata-se de um ideário, transformado consideradas no estudo da rede urbana. 7
em iqeologia, por meio do qual difundem-se idéias e valo- A conexão entre estrutura, processo , função e rede ur-
res que são apresentados corrio modernos, urbanos, senão bana, enquanto forma espacial, diz respeito não apenas ao
metropolitanos, e cosmopolitas. presente, mas também ao passado através de suas "rugosida-
Justifica-se assim a modernização do campo, a implan- des". A força de inércia da forma espacial criada no passa-
tação de filiais das grandes empresas nacionais e multinacio- do, especialmente em virtude de uma certa flexibilidade fun-
nais no país, o papel crescente do Estado capitalista, e o ca- cional das cidades, exerce um papel marcante nas redes urba-
ráter natural - fora do controle social, portanto - da ex- nas criadas no bojo de outros modos de produção, ou de fa-
ploração e das diferenças sócio-espaciais; os conflitos sociais ses distintas do capitalismo. Deste modo é necessário que
são minirnizados ou solucionados, e as notícias selecionadas. se tenha cautela quando consideramos a rede urbana enquan-
· As redes nacionais de televisão constituem um bom to forma espacial. Processo e forma implicam relações que
exemplo, senão o melhor, dos veículos através dos quais di- podem ser complexas, iludindo o pesquisador. Formas seme-
funde-se todo um ideário urbano-capitalista. Estas redes es- lhantes podem ser originadas de processos distintos: neste
tão centralizadas nas duas maiores cidades do país, Rio de sentido, se do processo pode-se inferir qual a forma resultan-
J aneir'o e São Paulo, . estando estruturadas de acordo com te, o inverso não é verdadeiro, pois uma dada forma pode
os principais escalões da rede urbana brasileira - as metró- . ser originada de diferentes processos, como lembra Olsson. 8
poles regionais e as capitais regionais. Vejamos que formas espaciais a rede urbana pode assu-
Eis o segundo ciclo de exploração da grande cidade so- mir e qual o significado delas. Assume formas simples e
bre o campo e cidades menores. A acumulação de diversos complexas, isto não implicando uma necessária evolução
valores excedentes na grande cidade enseja novos investimen- das primeiras para as segundas.
tos de capital, reiniciando-se assim, via rede urbana, os ci-
clos da exploração e a aparente perpetuação do sistema social. A rede dendrítica

A rede dendrítica é a forma espacial mais simples de


Rede urbana e forma espacial rede urbana. Segundo Johnson, entre outros, a rede dendrí-

·A rede urbana pode ser considerada como uma for-


7 Espaço e método. São Paulo, Nobel, 1985.
ma espacial através da qual as funções urbanas se realizam. s OLSSON, Gunnar. The dialectics of spatial analysis. Antipode, 6 (3), 1974.
72 73

tica caracteriza-se primeiramente pela sua origem colonial, o qual privilegia parcialmente a cidade primaz em detrimen-
ou seja, é no âmbito da valorização dos territórios conquis- to de sua hinterlândia. Em realidade, à medida que se afas-
tados pelo capital europeu que nasce e se estrutura uma re- tam da cidade primaz, os centros urbanos diminuem grada-
de dendrítica. Seu ponto de partida é a criação de uma cida- tivamente de tamanho populacional, valor de vendas do co-
de estratégica e excentricamente localizada face a uma futu- mércio atacadista, serviços e em termos de expressão políti-
ra hinterlândia. Esta cidade, de localização junto ou próxi- ca. A figura 9 descreve diagramaticamente as característi-
mo ao mar, é o ~onto inicial de penetração e conquista do cas acima mencionadas.
território à sua retaguarda, e sua porta de entrada e saída. É no interior remoto da hinterlândia da cidade primaz
Desde o início concentra as principais funções econô- que se localizam os mercados periódicos . Mais além ainda
micas e políticas da hinterlândia, transformando-se em um o território transforma-se no campo de ação preferencial
núcleo desmesuradamente grande em relação aos demais de mascates, vendedores itinerantes sem localização defini-
centros que controla. É uma "cidade primaz". da, cuja função básica é a de promover a integração de
A cidade primaz concentra a maior parte do comércio áreas da fronteira econômica ao mercado mundial. E, na
atacadista exportador e importador, através do qual toda medida em que a área remota integra-se à economia mun-
.a região vê viabilizada a sua participação na divisão interna- dial de modo mais sólido, os mascates passam a ter uma lo-
cional do trabalho. Concentra assim a maior parte da ren- calização mais definida, quer em mercados periódicos,
da bem como a elite regional de raízes fundiária e mercan- quer em mercados permanentes. Ou então deslocam-se pa-
til. Principal mercado de trabalho urbano, transforma-se ra novas áreas de fronteira onde continuam a exercer o
no mais importante foco das correntes migratórias de desti- mesmo papel (ver o artigo de PLATTNER, S. M. in SMITH,
no urbano. C. A., 1976).
Em segundo lugar, a rede dendrítica caracteriza-se pe- Um.dos melhores exemplos de rede dendrítica foi aque-
lo excessivo número de pequenos centros, pequenos pontos- le da rede urbana da Amazônia no período áureo da borra-
de-venda indiferenciados entre si no que se refere ao comér- cha, 1890-1910 aproximadamente. Como cidade primaz,
cio varejista. Resulta esta característica do baixo nível de primeiro núcleo criado pelos portugueses, estava Belém,
demanda da população e de sua limitada mobilidade espa- ponto de conquista e portão da Amazônia. A rede urbana
cial, advinda em parte da precariedade das vias e meios de regional não era, em realidade, nada mais que a forma es-
transporte. pacial do sistema de comercialização da borracha, sistema
A ausência de centros intermediários intersticialmente · controlado pelas firmas de Belém. O comércio realizado pe-
localizados constitui-se em sua terceira característica. Deri- los "regatões", forma fluvial de mascate, tinha a função
va ela do padrão de interações comerciais atacadistas mar- de integrar os mais longínquos vales à rede comandada pe-
cado por múltiplas transações onde cada pequeno centro re- la capital paraense.
cebe de e envia para um núcleo maior e mais próximo da Na verdade, são muitos os exemplos de redes urbanas
cidade primaz. As interações assim direcionadas impedem regionais que no Brasil foram inicialmente estruturadas co-
o aparecimento de centros intermediários intersticialmente mo redes dendríticas. As de São Luís, Recife, Salvador e Rio
localizados. Tal padrão espacial de interações constitui, por de Janeiro são exemplos. A excentricidade locacional destas
outro lado, um esquema de drenagem de recursos em geral, cidades primazes constitui-se em uma notável "rugosidade".
74 75

A passagem de uma rede dendrítica, estrutural e fun-


..
o cionalmente simple!), para uma mais complexa, pressupõe
•z: ... . "'
~
.."'
::> uma maior complexidade na esfera da produção, circulação

.
.J
•• z
e consumo, com a coleta e distribuição intra-regional de
..• ...0:
o

"'

"'~ ...
> produtos da própria hinterlândia da cidade primaz. Pressu-
"'::> .. o
.J
"'
...
::> põe, em outros termos, o aparecimento de uma divisão in-
• o
c
o
.~ ."'= .."'
z ..
o ..
••o
~

"'
tra-regiçmal do trabalho capaz de romper o caráter unidire-
cional dos fluxos vinculados à produção regional.
-
o "'
o -z
...
z
o

>
a:
õ
Redes complexas

As redes urbanas com formas espaciais complexas apre-


w sentam um complexo padrão locacional de centros. Este in-
o
w clui localizações à confluência de rios, como é o caso da re-
a::
de dendrítica, no contato de áreas distintas no que se refe-
re às condições ecológicas e à produção - como se exem-
cn
w plifica com as cidades da "boca da mata" ou que formam
...J
a. um alinhamento de centros no sopé de montanha, em fun-
~ dos de estuário ou junto a recursos naturais de ocorrência
cn
concentrada.
As cidades podem também estar, em grande parte, dis-
tribuídas regularmente em uma ampla, fértil e densamente
ocupada planície. Neste sentido o padrão espacial christalle-
riano de centros é uma possibilidade efetiva, podendo ca-
racterizar, no todo ou em parte, a forma espacial da rede
urbana. A localização das cidades pode se dar ainda em
torno de um centro metropolitano, originando, através do
mecanismo de economias de aglomeração, uma concentra-
ção urbano -industrial.
Os diversos padrões locacionais coexistentes em uma
rede urbana resultam de um longo e diversificado proces-
so de criação e recriação de atividades produtivas. Este pro-
cesso originou, em numerosos pontos do território, uma
complexa rede de centros onde se realizam diferentes fun-
ções urbanas em um multivariado processo de criação, apro-
o
priação e circulação do valor excedente: o território partici-
76 77_

pa de modo variado na divisão territorial do trabalho, sen-


do dotado de uma rede urbana caracterizada por uma com-
..
...
o
;;; plexa tipologia de centros, cada tipo apresentando um pa-
o(.)
.....
lO z
c drão locacional próprio. Complexidade da forma espacial
..."'
I-
'W
0:

...
..
..J

""...
z ~
>
~
da rede urbana e complexidade funcional são correlatas.
...u
I-
o
a.. .. ...... c
.,
0:
•c

..!::
... IC
o
z A figura 10 indica uma hipotética rede urbana comple-

....
o 0:
xa. Sua complexidade traduz-se em uma desigualdade espa-
... ..
o o o o ..J
:C c ,
...o 111 ...o ; z o 0:

z " .."' ."'


o 0:
õj
0:
•::> z :::; >
oli1 IC
"'... cial onde aparece um setor densamente urbanizado, a re-
c ""o :0:
o_J o
.
111

......"" "'
0: z l<

!I " õ gião urbano-industrial - hearthland ou core region da lite-

~~ ~~~u:
a.. ratura em língua inglesa -, e uma hinterlândia com áreas
::;;: õ ~
w
><
w
;111 ~ O o~ <J~ de densidades urbanas variáveis porém mais baixas. Desi-
gualdade e complexidade são também correlatas.
A complexidade funcional, por outro lado, pode estar
4: o
o
associada à existência de numerosos tamanhos demográfi-
><
w cos de centros, sem que isto implique uma única regra, co-
_J
a.. mo aquela formulada por Zipf. Esta regra, para a qual exis-
~ tem evidências empíricas, nem por isso pode ser associada
o
(.)
à complexidade funcional dos centros de uma rede urbana
o e, muito menos, ser vista como um modelo normativo.
Convém agora tecer um comentário sobre a questão
da forma espada! complexa da rede urbana. Ela é resultan-
te da ação de vários processos, cada um implicando locali-
zações específicas, dotadas de uma lógica que, se não é ine-
w
o xorável, é simultaneamente própria a cada atividade e ao
w
a: o momento de sua implantação, e geral no âmbito do capita-
lismo, visando a maximização dos lucros. Mas qu.e não é
o aleatória: cada localização resulta de uma decisão dotada
o de maior ou menor racionalidade.
o
I

<l o Não faz sentido, assim, procurar explicações em mode-


o o los fundados em processos aleatórios, como se exemplifica
o ~ com o modelo de Poisson. Na aplicação de tais modelos es-
<J o o tá o pressuposto de que os fenômenos sociais estão subme-
tidos à aleatoriedade, um processo da natureza que se de-
o o monstra experimental e estatisticamente, e que na aparência
o pode apresentar analogias com processos sociais. Na aplica-
ção de modelos de aleatoriedade não há um esforço de se
78 79

dissecar a gênese e a natureza funcional e locacional de ca- evidência dos momentos diferenciados que caracterizam o
da atividade, considerando-se apenas o agregado de cida- seu processo genético-evolutivo.
des como se elas tivessem sido jogadas ao acaso sobre um Alguns segmentos da rede urbana incorporam vários
tabuleiro. momentos da história, enquanto outros podem ser mui-
to recentes, incorporando apenas o presente. Em outras
palavras, os processos sociais que definem e redefinem
Rede urbana e periodização uma rede urbana não atuam por igual em toda a sua ex-
tensão. A periodização verifica-se de modo espacialmen-
Do mesmo modo que se estabelece uma periodização te desigual.
da história, definindo-se períodos, é possível periodizar as Ao se caracterizar a rede urbana como objeto da perio-
formas espaciais, entre estas a rede urbana. dização é necessário que se tenha em conta a variação espa-
Os períodos da história podem ser considerados co- ço-temporal daqueles elementos gerais que lhe são pertinen-
mo sendo resultantes de uma operação intelectual que per- tes. Reportam-se eles às cristalizações materiais e às rela-
mite identificar tempos históricos. Cada um destes tempos ções vinculadas às instâncias econômica, jurídico-política
constitui-se em uma combinação dos elementos das instân- e ideológica. Os elementos da rede urbana a serem conside-
cias que compõem a totalidade social, a instância econômi- rados devem dar conta da gênese da rede urbana, da locali-
ca, jurídico-política e ideológica. Cada instância, contudo, zação absoluta e relativa das cidades - isto é, o sítio e a
por desfrutar de uma relativa autonomia no bojo da totali- posição -, da forma espacial da cidade e da rede, da paisa-
dade social, possui uma dinâmica própria, uma temporali- gem e das funções urbanas, dos agentes sociais envolvidos
dade específica. Deste modo cada combinação das instân- no processo de produção e das relações entre eles, e das ar-
cias, isto é, cada tempo histórico, é uma combinação de tem- ticulações com espaços externos ao da rede.
pos distintos. 9 Cada um dos elementos considerados pode assumir
As três instâncias acima indicadas entrecruzam-se e uma certa especificidade em cada uma das combinações es-
completam-se de diferentes modbs. As formas espaciais con- paço-temporais que participa. Assim, a localização relati-
têm e estão contidas nas três instâncias, constituindo desta va de uma cidade pode ter um significado especifico no mo-
maneira uma dimensão da totalidade social. Por esta razão · mento de sua criação, e outro em um momento posterior.
podem ser periodizadas. O mesmo se pode dizer do sítio. As diferentes especificida-
A este respeito Milton Santos afirm~ que cada lugar, des combinadas dos mesmos elementos, por outro lado, de-
cidade e, por extensão, a rede urbana, constitui uma reali- finem os diversos momentos da rede urbana. Assim, um da-
dade social resultante de uma combinação singular de variá- do momento pode ser caracterizado pela importância das
veis que datam de idades diferentes, havendo o que ele de- cidades ribeirinhas e comerciais, enquanto, no momento se-
nomina de tempo espacial próprio a cada lugar ou segmen- guinte, pela magnitude dos centros localizados em terra fir-
to da rede urbana. A periodização das formas espaciais é me e dotados de outras funções. As cidades do momento
a reconstrução do tempo espacial, ou seja, a colocação em anterior continuam a existir, porém situam-se em um pla-
no secundário no que se refere ao papel econômico e políti-
9 Cf. ALTHUSSER, Louis. Ler o capital. Rio de Janeiro, Zahar, 1980, v. 3. co que desempenham.
81

O exemplo da Amazônia Os agentes principais eram as ordens religiosas, espe-


cialmente a dos jesuítas, que organizaram a vida econômi-
Vejamos agora uma tentativa efetiva de periodização ca e social apoiada na hábil exploração do trabalho indíge-
T~at~-.se da r~de urbana da Amazônia, que apresenta um~ na e no sistema de "aviamento", isto é, o financiamento,
hist?na r~lativamente longa, tendo sido recentemente sub- através dos meios de vida e de trabalho, da extração das .
metida a Importantes processos sociais que têm alterado a "drogas do sertão".
sua natureza e sjgnificado. O terceiro período estende-se de 1755 a 1778, e foi
A dinâ_mica da, rede urbana da Amazônia envolve, des- marcado pela ação da Companhia do Grão-Pará e Mara-
d,e a sua ongem ate pelo menos a década de 1980 sete pe- nhão, uma companhia mercantil monopolista criada sob.
nodos.IO ' os auspícios e interesses do Marquês de Pombal, primeiro-
O primeiro inicia-se com a fundação de Belém pelos ministro português.
portugueses, ~m~ 16~6. Trata-se de uma criação urbana que o poder dos missionários é substituído pelo da com-
antecede a existencia da hinterlândia: a cidade nasce para panhia que introduziu o trabalho escravo, doou terras aos
ser um p~nto de defesa do território face às pretensões de colonos e estimulou a agricultura comercial de cacau, ca-
o~tros par~es e, em breve, o centro de conquista do que se- fé, fumo, anil ebaunilha. Em relação aos núcleos de po-
ra a sua hmterlândia. voamento, as aldeias missionárias foram transformadas
_ A função defensiva traduz-se, de um lado, pela cria- em vilas e redenominadas com nomes portugueses, Alen-
çao do Forte do Presépio, à sombra do qual nasce a cida- quer, Aveiro, Faro, Óbidos e Santarém, entre outros. Trans-
de_. De outro pelo sítio original, sobre um promontório li- fere-se a capital do Estado do Grão-Pará e Maranhão de
mitado p~!o Rio Guamá, a Baía de Guajará e uma baixa- São Luís para Belém, e cria-se a Capitania de São José
da alagadiça. do Rio Negro, base do atual Estado do Amazonas, com
A_ localização da cidade, próxima à foz do Amazonas capital em Barcelos, no então próspero e agrícola Vale do
garantia-lhe o controle defensivo do litoral e do vale · '
mesmo ~emp? q~e viabilizava o futuro controle econÔ~~ Rio Negro.
A rede urbana dendrítica já está estruturada e a posi-
c~ da hmterlandi~ que, a partir dela, seria valorizado: na
ção de Belém como cidade primaz se vê ratificada.
decada de 1630 cnam-se os núcleos de Bragança e Cametá O quarto período estende-se do final do século XVIII
, O seg~ndo período estende-se de 1655 a cerca de 1750. a aproximadamente 1850. Caracteriza-se pela estagnação
e_ e caractenzado pela existência de fortins, aldeias missioná: da vida urbana como conseqüência, de um lado, da extin-
nas e as "drogas do sertão", produtos do extrativismo ve-
ção da companhia pombalina e, de outro, e sobretudo, do
getal valorizados no mercado europeu. Neste período esta-
panorama desfavorável aos produtos tropicais na Europa.
belecem-se as · bases do segmento da rede urbana localiza-
A decadência econômica do Vale do Rio Negro leva à trans-
~o sobretudo no médio vale do Amazonas: os núcleos loca-
ferência da capital da Capitania de São José do Rio Negro
hz~m-se sobre um terraço a salvo das cheias fluviais e jun-
de Barcelos para o Lugar da Barra, a atual cidade de Ma-
to a foz de um afluente do grande rio.
naus, que apresenta uma melhor posição geográfica. A re-
de urbana dendrítica está cristalizada, e no período seguin-
lO C~. CORRÊ·A'. Roberto L. A periodização da rede urbana da Amazônia I
R evtsta Brastletra de Geografia, 49 (3), 1987. · te seria revitalizada e ampliada.
82
83

O período que se estende de 1850 a 1920 corresponde


A intensificação das relações entre os núcleos urbanos,
ao boom da borracha, implicando importante fase de desen-
via mecanismo de "aviamento", tornou mais coesa a rede
volvimento da rede urbana. Isto só foi possível, contudo,
urbana. O sistema em questão iniciava-se pelo adiantamen-
porque a partir de 1850 foram satisfeitas algumas condi-
to, pelas firmas "aviadoras" de Belém e Manaus, de bens
ções necessárias à valorização regional: a forte e crescente
de consumo e instrumentos de trabalho a um comerciante
demanda externa da borracha, a introdução da navegação
menor localizado em um pequeno núcleo urbano. O comer-
a vapor, a imigração nordestina cobrindo a forte lacuna
ciante, por sua vez, fornecia esses bens ao seringalista, pro-
de mão-de-obra, e a oferta de capitais para o financiamen-
prietário de um "barracão", local onde eram armazenados
to da produção.
os produtos importados, a borracha, e onde se faziam as
O aumento da produção extrativa de borracha levou
transações entre seringalista e seringueiro . O primeiro adian-
à expansão da rede urbana, ao revigoramento dos núcleos
tava ao segundo os produtos vindos de fora, de modo que
urbanos preexistentes, e à intensificação, via mecanismo
fosse viável a extração da borracha na floresta.
de "aviamento", das relações espaciais focalizadas nascida-
A este fluxo descendente seguia~se outro, ascendente,
des.
da borracha: do interior da floresta p~ra o "barracão'", daí
A expansão da rede urbana foi fruto da incorporação
para o comerciante da pequena cidade, e desta para Belém
efetiva de novos territórios como aqueles dos vales do Ma-
ou Manaus, de onde a borracha era expedida para o exterior.
deira, Purus e Juruá. Os novos núcleos nasceram junto à
O sistema de "aviamento", que na verdade era o pró-
confluência de afluentes e subafluentes do Amazonas e
prio funcionamento da rede dendrítica, constituía-se em
eram, em sua maioria, sedes de seringais: Manicoré, Boca
um mecanismo de drenagem de recursos graças às elevadas
do Acre, Xapuri, Tarauacá e, entre elas, a cidade de Rio
margens de lucro envolvidas nas transações comerciais. Os
Branco, capital do Acre . Porto Velho, capital de Rondônia,
grandes beneficiários eram, no tocante à Amazônia, a sua
é criada como "ponta de trilho" da Estrada de Ferro Ma-
cidade primaz e, secundariamente, Manaus. O fastígio que
deira-Mamoré .
ambas passaram é o resultado da cristalização dos recursos
O revigoramento urbano foi notável. Cidades como
provenientes deste sistema de exploração sob a forma de
Santarém, Óbidos, ltacoatiara e Parintins, todas no mé-
prédios e obras públicas suntuosas: a rede dendrítica tinha
dio vale do Amazonas, passaram por período de relativa
atingido então a sua plenitude.
riqueza. O florescimento de Manaus, elevada à condição
Entre 1920 e 1960, aproximadamente, instala-se, em
de capital da Província do Alto Amazonas em 1852, foi
decorrência da competição asiática na produção de borra-
digno de nota. No período áureo da borracha chegou mes-
cha, o sexto período, marcado pela estagnação econômica
mo a opor uma certa resistência à primazia de Belém. Es-
e da rede urbana. Apenas as cidades do médio vale amazô-
ta, contudo, é, por volta de 1900, o grande centro regio-
nico, graças à cultura da juta introduzida na década de
nal: em função de suas necessidades alimentares implan-
1930 por colonos japoneses, apresentam uma certa riqueza.
ta-se uma colonização em terra firme, à retaguarda ime-
A cidade de Belém, contudo, ratifica e amplia a sua prima-
diata da cidade, que se constituiu na base de um segmen-
zia, minimizando a competição que Manaus lhe fazia. O pe-
to da rede urbana amazônica, aquele das cidades da zo-
ríodo em tela, por outro lado, marca o fim do padrão den-
na bragantina.
drítico da rede urbana regional.
85
84
mação das atividades agropecuárias e extrativas vegetais
O período que se inicia por volta de 1960 implicou
de algumas áreas da Amazônia, como a zona bragantina,
um poderoso processo de mudança da rede urbana da Ama-
a Ilha de Marajó e parte do território acreano: correntes
zônia, alterando a sua natureza e significado, e redefinin-
migratórias de natureza rural-urbana acabam produzindo
do o papel da região na divisão territorial do trabalho, atra-
favelas nas cidades.
vés de sua incorporação ao processo geral de expansão ca-
A urbanização concentrada revalorizou a cidade de
pitalista no país.
Manaus. Sua industrialização criou condições para seu enor-
Não se trata mais da valoriz(l.ção de um ou outro pro-
me crescimento demográfico e econômico, alçando-a à con-
duto no mercado internacional. Trata-se, isto sim, de uma
dição de metrópole regional da Amazônia Ocidental. Des-
efetiva integração que tem raízes e reflexos em todo o país.
te modo a primazia de Belém foi rompida e a região dividi-
O montante de capital investido - rodovias, aeroportos,
da em duas áreas de influência metropolitana. .
usinas hidroelétricas, fábricas etc. - , o volume da força
Numerosos núcleos estagnados pela decadência da bor-
de trabalho que para lá se desloca e a apropriação de ter-
racha foram revigorados. Entre eles estão aqueles beneficia-
ras pelas grandes empresas transformaram a Amazônia na
dos pela colonização em suas p·roximidades, como se exem-
"fronteira do capital". E isto acompanhado pela maciça
plifica com Porto Velho e Ji-Paraná em Rondônia. Outros
atuação do Estado capitalista através de planos e institui-
foram beneficiados pela proximidade de grandes projetos
ções que, de modo complementar, viabilizavam a integra-
como se exemplifica com Tucuruí. Cidades como Marabá
Altamira, Itaituba e Humaitá constituem exemplos de u~
ção capitalista da região: PIN (Plano de Integração Nacio-
nal), Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma
vigoroso rejuvenescimento: nenhuma delas é ribeirinha ao
Agrária), Radam (Projeto Radar da Amazônia), Suframa
Amazonas, sendo servidas pela rodovia Transamazônica.
(Superintendência da Zona Franca de Manaus), Getat (Gru-
O padrão dendrítico está assim alterado.
po Executivo de Terras do Araguaia e Tocantins) e agora o
A alteração do padrão dendrítico se dá também pela
chamado Projeto Calha Norte.
criação de novos núcleos de povoamento que, em sua maio-
Os efeitos sobre a rede urbana têm sido gigantescos:
ria , não são ribeirinhos, mas localizados no "centro"
em terra firme. Muitos deles resultam do processo de valo~
a ratificação da urbanização concentrada, a ascensão de
Manaus à categoria metropolitana, o revigoramento dos
rização fundiária e pastoril que, sobretudo na parte orien-
centros antigos e a criação de novos núcleos.
tal do Pará, criou a necessidade de abrigar a força de tra-
De 1960 para 1980 a população urbana regional ascen-
balho rural, os "peões", em núcleos urbanos e semi-urba-
de muito: representando 37,740Jo em 1960, passa a congre-
nos: Mãe do Rio, Vila Aurora, Dom Eliseu, Rio Maria e
gar 51,6% do efetivo total. Dois terços do crescimento ur-
Xinguara, entre outros. Vários dos novos núcleos são "cur-
bano foram devidos ao crescimento das cidades capitais
rutelas", acampamentos de garimpeiros, como se exempli-
- Belém, Manaus, Porto Velho, Rio Branco, Macapá e
fica com o de Piriquitos no Rio Madeira, ou aglomerados
Boa Vista- que, se concentravam 62,1 OJo da população ur-
vinculados às empresasmineradoras como as dos grupos
bana regional em 1960, congregavam em 1980 64,3%. O
Brascan, British Petroleum, Itaú e Paranapanema. Serra
crescimento das cidades capitais reflete, de um lado, a cria-
Pelada é, sem dúvida, o maior e o mais conhecido destes
ção de novas atividades urbanas pelo Estado e pelas empre-
núcleos.
sas privadas e, de outro, a profunda decadência e transfor-
86

Os grandes projetos de mineração foram também res-


ponsáveis pela criação de novos centros. Trata-se de verda-
deiras company towns, cidàdes onde tudo pertence e é con-
trolado por uma empresa: Porto Trombetas, da Mineração
4
Rio Norte S.A., Monte Dourado, do denominado Projeto
Jari, e Carajás, da Companhia Vale do Rio Doce S.A., são À guisa de conclusão
os m~lhores exemplos. Alguns desses núcle9s possuem seus
anexos, livres ou menos controlados - Beiradão, junto a
Monte Dourado, e Parauapebas, próximo a Carajás, são
bons exemplos .
. Finalmente novos núcleos foram criados como centros
de apoio à colonização agrícola que se realiza próximo. Ja-
ru e Colorado, em Rondônia, são dois deles, enquanto Pre-
sidente Médici; na Transamazônica, é outro.
As transformações que se verificaram na rede urbana A realidade é sempre mais rica que- as nossas teorias.
amazônica ainda estão em curso, pois a "fronteira do capi- Neste sentido o que foi apresentado no decorrer do capítu-
tal" ainda não se esgotou. Mas já se traduziram em uma lo anterior constitui-se em uma simplificação que não dá
maior complexidade funcional dos centros e dos fluxos, en- conta da realidade, isto é, das diferentes singularidades atra-
volvendo intensificação, variedade de tipos e multidireciona- vés das quais a totalidade social se manifesta. À guisa de
mentos. conclusão apresentam-se algumas proposições que derivam
O padrão espacial da rede dos anos 80 não é mais den- do que foi apresentado no último capítulo. Se efetivamen-
drítico. É também complexo, resultante da acumulação de te estudos empíricos forem realizados a partir delas, então
padrões que foram ora superimpostos ora justapostos. Mas, as proposições terão sido plenamente justificadas.
como se viu, não é resultante de um processo aleatório. Entendemos ser a rede urbana o conjunto funcional-
Através da periodização da rede urbana pode-se apreen- mente articulado de centros, que se constitui na estrutura
der a dimensão genético-evolutiva da totalidade social, que territorial onde se verifica a criação, apropriação e circula-
é uma dimensão básica da realidade, vinculada ao seu mo- ção do valor excedente. A compreensão da singularidade
vimento de transformaçao. de cada uma das redes urbanas - comandadas pelas metró-
poles ou capitais regionais, no processo de criação, apropria-
ção e circulação do valor excedente - deve ser o objetivo
mais geral dos estudos de casos: tais estudos não são senão
a procura do entendimento de uma singularidade enquan-
to especificação da totalidade, e uma fonte de compreensão
desta mesma totalidade social.
Não devem ser ·os estudos de casos uma apologia de-
senvolvimentista que autonomiza a cidade conferindo-lhe
88 89

o papel de transfoimadora da sociedade. Também não de- tanto por metrópoles como por capitais regionais. São indi-
ve ser objetivo, agora no final do século XX, constatar se . cadas com base nas características internas de cada uma
a cidade cabeça da rede urbana é "parasita" ou "criado- em termos de épocas e processos distintos de valorização
ra" de sua hinterlândia: porque isto, via de regra, pressu- econômica. Admite-se que expressem diferentes padrões
põe a aceitação do reverso da medalha, isto é, a aceitação de participação no processo de criação, apropriação e circu-
do papel do planejamento do Estado capitalista em criar so- lação do valor excedente.
luções via, por exemplo, os pólos de desenvolvimento ou As redes urbanas de nível metropolitano que se indi-
as denominadas cidades de porte médio. Soluções que nun- ca são as seguintes: Belém, Curitiba, Goiânia e Fortaleza.
ca foram soluções. Uma alternativa que nos parece válida, Aquelas comandadas por capitais regionais são, entre tan-
mas que não será considerada na presente proposta, é a tas outras, as de Bagé, Caxias do Sul, São José do Rio Pre-
de estabelecer as conexões entre a rede urbana e o movimen- to, Montes Claros, Caruaru, Mossoró e Porto Velho·.
to operário, tal como Moreira procura fazer. Em segundo lugar sugere-se o estudo comparativo de
Vamos especificar um pouco mais a proposta. Conside- duas redes urbanas comandadas por capitais regionais. Es-
ramos ser necessário que se aprenda a gênese e a dinâmica tas redes devem ser diferentes no que se refere ao conteú-
da rede urbana, abordando: do social e econômico de suas hinterlândias ou ao momen-
(a) as condições externas e internas da criação, apro- to em que foram criadas. Em ambos os casos procurar-se-á
priação e circulação do valor excedente, suas mu- identificar a natureza e o significado destas diferenças. Al-
danças e as condições presentes;
(b) os diferentes agentes sociais que participam do pro-
cesso acima indicado, e o papel mutável de cada
j guns pares são a seguir indicados: Piracicaba e Jequié, Ma-
rília e Sobral, Campos e Cascavel, Lages e Imperatriz.
Esperamos que os resultados dos estudos a serem reali-
um deles; zados a partir destas proposições permitam uma maior com-
(c) o processo de articulação e rearticulação intra e in- preensão da natureza e significado da rede urbana brasileira.
ter-regional;
( d) a forma inicial da rede urbana e sua funcionalida-
de, bem como as mudanças verificadas;
(e) as conseqüências econômicas, sociais e políticas, a
cada momento, do modo como a rede urbana fun -
ciona.
Com isto em mente, é possível então analisar o proces-
so migratório, a comercialização dos produtos rurais e a
drenagem da renda fundiária; a análise dos investimentos,
a distribuição de bens e serviços e a difusão de valores e
idéias são também temas relevantes para serem abordados,
r
complementando o primeiro conjunto de temas indicados.
As nossas proposições tornam-se agora mais concretas,
indicando-se um conjunto de redes urbanas comandadas
91

cidade, que reúne inúmeras atividades econômicas, cons-

5 titui-se em exemplo de economias de aglomeração: as lo-


calidades centrais são exemplos, assim como um distri-
to industrial, um shopping center ou uma rua especializa-
da na venda de autopeças, móveis ou confecções.
Vocabulário crítico Funções urbanas: refere-se a uma atividade que é tipicamen-
te realizada na cidade: o comércio, os serviços bancários,
educacionais etc. No entanto, não se trata de qualquer
atividade urbana, mas apenas aquelas que contribuem
para a existência da cidade, aquelas através das quais
se dão as relações com outras cidades e com a zona ru-
ral. As funções centrais são típicas funções urbanas. Já
as barbearias, na medida em que atendem apenas à popu-
lação da cidade, não constituem funções urbanas. Ativi-
Divisão territorial do trabalho: as atividades humanas acham- dades básicas e funções urbanas são, assim, expressões
se distribuídas sobre a superfície da Terra de modo que sinônimas. A expressão é também utilizada para desig-
cada unidade territorial - país, região, cidade - espe- nar a atividade mais importante de uma cidade: a fun-
cializa-se em uma dada atividade que a distingue de ou- ção de Volta Redonda é a produção de aço, ou Itabira
tras. A região cacaueira da Bahia, o Com Belt norte-a- é uma cidade com função de mineração.
mericano, ou o Vale do Ruhr, na Alemanha Ocidental, A idéia de função urbana nos remete ao conceito de di-
são exemplos de áreas especializadas derivadas da divi- visão territorial do trabalho: se esta não existisse, não ha-
são territorial do trabalho. É uma forma avançada de di- veria diferenciação funcional entre cidades. Por outro la-
visão social do trabalho que, com o capitalismo, expan- do, o conceito de função urbana nos remete também pa-
diu-se, alcançando uma dimensão mundial: a ótica capi- ra o conceito de processo e de estrutura: a função urba-
talista de minimização dos custos e maximização dos lu- na é a realização de um processo que emana de uma es-
cros implicou a valorização diferenciada das potencialida- trutura social. E nos leva ainda ao conceito de forma es-
des econômicas da superfície da Terra. O progresso téc- pacial: a função necessita de uma forma para se realizar,
nico, por outro lado, tanto na esfera da produção co- a loja, a fábrica, a cidade, a rede urbana.
mo na da circulação, viabilizou a divisão territorial do Rugosidades: termo oriundo da geomorfologia. Milton San-
trabalho em escala mundial. tos em Por uma geografia nova, São Paulo, Hucitec,
Economias de aglomeração: trata-se de vantagens locacio- 1978, utiliza-o no sentido de heranças, de formas espa-
nais resultantes da presença, em um mesmo local de ati- ciais herdadas do passado e cristalizadas no espaço. "O
vidades que, estando isoladas, não teriam esta; vanta- espaço portanto é um testemunho; ele testemunha um
gens. Utiliza-se ainda a expressão economias externas momento de um modo de produção pela memória do es-
de aglomeração, porque as vantagens obtidas não são in- paço construído, das coisas fixadas na paisagem criada"
ternas a cada atividade, mas externas a elas. Qualquer (p. 138). Uma rede urbana pode apresentar várias rugosi-
92

dades, ou seja, velhas cidades criadas no passado, sob


outras circunstâncias, apresentando por isso específicos
sítios e posições que no presente não são mais justificados .
A cidade de Pilar, em Alagoas, localizada à beira da La-
6
goa Manguaba, é um exemplo. Sua localização relativa,
durante o século XIX, tornou-a importante núcleo de Bibliografia comentada
transbordo de mercadorias. No século XX, sob outras
condições da circulação, a cidade perdeu a sua função
e decaiu economicamente: é uma rugosidade encravada
em um território submetido a outro modelo de circulação.
Sítio e posição: referem-se, respectivamente, à localização
absoluta e relativa de uma cidade, fábrica, ou qualquer
outra forma espacial criada pelo homem. O sítio desig-
na a localização precisa, por exemplo, de uma cidade:
em um terraço fluvial, sobre uma ampla planície flúvio- ABLAS, Luiz Augusto Q. A teoria do lugar central; bases
marinha etc., sendo analisado através de cartas de gran- teóricas e evidências empíricas. São Paulo, IPE-USP, 1982.
de escala (1 : 2 000, por exemplo). A posição, ao contrá- Apresenta um longo resumo da formulação clássica de
rio, refere-se à localização da forma espacial comparativa- Christaller, outras contribuições teóricas, algumas tenta-
mente às outras formas: na foz de um rio,. no contato en- tivas de verificação empírica, e uma aplicação ao Esta-
tre a planície e a montanha, no contato entre regiões den- do de São Paulo.
samente povoadas e regiões pouco habitadas etc., sendo BELLIDO, Javier & TAMARIT, Luís. Para comprender la ciu-
analisada através de escalas pequenas (1 : 500 000, por dad; claves sobre los procesos de producción dei espacio.
exemplo). Madrid, Nuestra Cultura, 1979.
Contém um capítulo sobre as relações cidade-campo.
BERRY, Brian J. L. & HORTON, Frank E., orgs. Geogra-
phic perspectives on urban systems. Englewood Cliffs,
Prentice-Hall, 1970.
Coletânea de artigos. Contém numerosos estudos sobre
sistemas urbanos, considerando a evolução do sistema
urbano norte-americano, a discussão "regra da ordem-ta-
manho" versus primazia urbana, a tipologia funcional
das cidades, as dimensões básicas de variação, e a hierar-
quia urbana.
CHRISTALLER, Walter. Central places in southern Germany.
Trad. do alemão por Carlisle W. Baskin. Englewood Cliffs,
Prentice-Hall, 1966.
94 95

Obra clássica e fundamental sobre hierarquia e área de Coletânea privilegiando as relações entre tamanho de ci-
influência das cidades, publicada originalmente em 1933. dade e desenvolvimento, e pólos de crescimento. Contém,
Foi influenciada pelos economistas clássicos (Smith e Ri- entre outros, artigos de François Perroux, J. Lasuén e
cardo), pelos marginalistas (Menger e Von Wieser), por Niles Hansen sobré pólos de crescimento.
Werner Sombart e Max Weber. Reflete também a longa GEIGER, Pedro P. A evolução da rede urbana brasileira.
tradição dos estudos geográficos alemães que .vêm de J. Rio de Janeiro, Centro Brasileiro de Pesquisas Educacio-
G. Kohl e R. Gradmann, entre outros. nais, 1962.
Na primeira parte são consideradas as relações econômi- Estudo pioneiro sobre o conjunto da rede urbana brasi-
co-espaciais estáticas e, a seguir, os processos que atuam leira e sua dinâmica. Referência básica.
alterando uma rede de localidades centrais. Seguem-se en- GEORGE, Pierre. Geografia urbana. Coord . da trad., Lilia-
tão uma proposição operacional e uma aplicação à re- na Laganá. São Paulo, Difel, 1983.
gião meridional da Alemanha. Contém um capítulo "A cidade e a região. As redes ur-
CLARK, David. Introdução à geografia urbana. Trad. de Lú- banas", onde são discutidas as principais relações entre
cia Helena Gerardi e Silvana Maria Pintaudi. São Pau- cidade e hinterlândia.
lo, Difel, 1982. HARVEY, David . Justiça social e a cidade. Trad. de Arman-
Contém capítulo sobre o tema "A localização urbana e do Correia da Silva. São Paulo, Hucitec, 1980.
o sistema urbano", onde as cidades são consideradas co- Coletânea de ensaios. O capítulo 6 é extremamente útil,
mo centros de serviços, centros de manufatura e centros abordando a dinâmica das relações cidade-campo a par-
gerenciais. tir da circulação do excedente.
CORRÊA, Roberto L. Repensando a teoria das localidades J OHNSON, E. A. J . The organization of space in developing
centrais. In: SANTOS, Milton, org. Novos rumos da geo- countries. Cambridge, Harvard University Press, 1970.
grafia brasileira. São Paulo, Hucitec, 1982. O conceito de' 'sistema dendrítico'' é discutido pelo autor .
Ensaio . Procura repensar a rede de localidades centrais
MARX, Karl & ENGELs; Friedrich. A ideologia alemã (I
como um produto do capitalismo.
- Feuerbach) . Trad. de José Carlos Bruni e Marco Au-
_ , coord. Regiões de influência das cidades. Rio de Ja-
rélio Nogueira. 5. ed. São Paulo, Hucitec, 1986.
neiro, IBGE-Ministério da Habitação e Urbanismo, 1987.
Um dos textos fundamentais do materialismo histórico,
Aplicação ao Brasil dos princípios básicos da teoria das
localidades centrais. Estudo descritivo, constitui-se em e também um clássico do tema cidade-campo, cuja dinâ-
um quadro de referência para outras pesquisas. mica é considerada. Leitura fundamental.
DUGRAND, Raymond. Villes et campagnes en Bas-Lan15ue- MOREIRA, Ruy. O movimento operário e a questão cidade-
doc. Paris, Presses Universitaires de France, 1963. campo no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1985.
Exame da dinâmica das relações cidade-região em área Análise da dinâmica da organização sócio-espacial brasi-
vitivinicultora marcada pela magnitude da propriedade leira. Os conceitos de "espaço molecular" e "espaço mo-
fundiária citadina. nopolista" são básicos para o tema.
FAISSOL, Speridião, org. Urbanização e regionalização; rela- PRED, Allan. Sistemas de cidades em economias adiantadas.
ções com o desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro, Trad. de Maria José Cyhlar Monteiro . Rio de Janeiro,
IBGE, 1975. Zahar, 1979.
96
As origens da Primeira
Guerra Mundial
Ruth Henig
Analisa a dinâmica da rede urbana norte-americana, pri- As origens da Segunda
Guerra Mundial
vilegiando o papel das grandes empresas na iirticulação Ruth Henig
dos centros da rede urbana. o Antigo Regime
W illiam Doyle
SANTOS, Milton. O espaço dividido; os dois circuitos da Formaçlo de palavras
em português
economia dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro, Val ter Kehdi
Liv. Francisco Alves, 1979. Maquiavelismo
Sérgi o Bath
Distingue dois espaços de atuação das cidades do Tercei- A Poética de Aristóteles
ligia M ilitz da Costa
ro Munà0: um está vinculado ao circuito superior, e o Conquista e colonizaçlo
outro ao circuito inferior. da América espanhola
J org e Luiz Ferre1ra
SINGER, Paul. Desenvolvimento econômico e evolução urba- Vozes verbais
Amini Boainain Hauy
na. São Paulo, Nacional, 1968. A década de 50 -
Populismos e metas
Estudo sobre a gênese e dinâmica de segmentos da rede desenvolvlmentlstas
no Brasil
urbana brasileira: São Paulo, Blumenau, Porto · Alegre, M arly Rodrigues
Belo Horizonte e Recife. A década de 60 -
Rebeldia, contelitaçlo •
represslo polltlca
_ . Economia política da urbanização. São Paulo, Brasilien- Maria Helena Paes
se, 1973. A década de 70 -
Apogeu e crise da ditadura
Coletânea incluindo estudo sobre a gênese e evolução militar brasileira
Nad ine Habert
da cidade, bem como sobre campo e cidade na América A década de 80 -
Latina. Brasil, quando a muitidAo
voltou às praças
Marly Rodrigues
SMITH, Caro! A., org. Regional analysis; v. 1, Economic Grande sertio: veredas -
systems; v. 2, Social syst~ms. New York, Academic Press, Roteiro de leitura .
Kathrin Holzermayr Rosenfleld
1976. o Impressionismo
Juan José Balzi
Coletânea de artigos sobre redes de localidades centrais A Semana de Arte Moderna
Neide Rezende
em áreas subdesenvolvidas. A Revolução Mexicana
i i

229 As Missões
Ju lio Ouevedo
230 O prfncipe - .
Roteiro de le1t~ra ,
Januário Fran c1sco M egale
231 Primeiras estórias -
Roteiro de leitura
Dác ia Antôn io de Castro
232 Sonetos de Camões -
Roteiro de leitura .
Antonio Medina Rodng ues
233 A rosa do povo e Claro
enigma _ Roteiro de leitura
Francisco Achcar
234 A ilustre Casa de Ramires -
Roteiro de leitura
José de Paula Ramos Jr .
235 Construtivismo - 'oe Piaget
a Emilia Ferreiro
Maria da Graça Azenha

You might also like