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Roberto Lobato
cidades é a rede urbana, que tem sido objeto
de interesse entre os cientistas sociais, entre
eles os geógrafos . As classificações
funcionais de cidades, as dimensões bás1cas
de variação, as relações entre tam anho e
desenvo lvimento, a hierarquia urbana e as
relações 'cidade-regi ao sSo as abordagens
que os geógrafos consideraram em seus
Corrêa
estudos.
A partir dessa prática, considerada
criticamente, e incluindo a contnbu 1ç!o de
outros estudiosos, o autor procura
esclarecer a natu reza e o sign 1f1cado da rede
urbana. Há ainda uma proposta de pesqUisa,
tendo em vista as diversas redes urbanas
regionais brasileiras.
Roberto Lobato Corrêa é geógrafo da
Fundação IBGE e professor da Universidade
Federal do Rio de Janeiro . Publi cou, na séne
Princípios, os volumes Regllo e
.organização espacial e O espaço urbano .
élat:ra&CÚ'ea& ck~
• Administração • Antropologia • Artes
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O VOIUQftO humano
Col!lo l'loclomon te de Lima
N~ologlorno -
Crln980 lex lcol
I do Maria Alves
Roberto Lobato
Corrêa
Amo zõnlo
O nha K. Becker
l lntroduçlo ao maneirismo
o à proeo barroca
Soglsmundo Spina e Morris
W , Croll Professor da Universidade Federal do
1 4 A o duoa Argentinos Rio de Janeiro
l:menll I Soares da Ve iga
Ga rcia Geógrafo do IBGE
h O Porlodo Rogonciol
Arnaldo Fazoli Filho
A Ant iguidade Tardio
Waldir Fr eitas Oliveira
Plenejamento familiar
Gilda de Castro Rodrigu es
lntroduçêo à terapia familiar
Magdalena Ramos
O Linguagem e sexo
Malcolm Coulthard
~00 Aristocratas versus
burgueses? -
A RevoluçAo Francesa
T . C. W . Blanning
~01 O Trotado do Vorsolhos
Ruth Henig
202 Jung
Gustavo Barcellos
203 A geografia llngüfstica no
Brasil
Silvia Figueiredo Brandão
204 A RevoluçAo
Norte-Americana
M . J. Heale
2Q& As origens da Revolução
Russa
Alan Wood
20 ' Coesão e coerência textuais
Leonor Lopes Fávero
20 7 Como analisar narrativas
Când id a Vilares Ga ncho
208 Inconfidência Mineira
Cândida Vila res Gancho
Vera Vilhena 2.8 edição
209 O sistema colonial
Jo sé Roberto Ama ral Lapa
21 O A unificação da Itália
John Gooch
211 A posse da terra
Cândida Vilares Gancho
Helena Queiroz F. Lopes
Vera Vilhena
Direção
Benjamin Abdala Junior
Samira Youssef Campedelli
Preparação de texto
lvany Picasso Batista
Edição de arte (miolo)
Milton Takeda
Sumário
Composição/Paginação em vídeo
Divina da Rocha Corte
Capa
Ary Normanha
Antonio Ubirajara Domiencio
1. Introdução 5
2. As abordagens dos geógrafos 9
As classificações funcionais 10
As dimensões básicas de variação 12
imprmlo e acabamento
311111(1raf
Tamanho e desenvolvimento 15
TEL.: 1011) 2il· Ul30
FAX ~ Iot11 ne · eoee
A hierarquia urbana 19
As proposições de Christaller 21
Os países subdesenvolvidos 32
As relações cidade-região 40
3. Natureza e significado da rede urbana 47
ISBN 85 08 03255 2 A divisão territorial do trabalho 48
Os ciclos de exploração 51
As migrações 56
1994
O presente estudo tem por finalidade, primeiramente, economia de mercado com uma produção que é negociada
mostrar o que foi a produção geográfica sobre redes urba- por outra que não é produzida local ou region~li?ente. E~
nas. Não deve ser encarado como uma longa, exaustiva e ta condição tem como pressuposto um grau mm1mo de di-
sistemática revisão bibliográfica, mas apenas indicadora visão territorial do trabalho. Em segundo lugar verificar-
das principais vias de abordagem do tema. Nem como um se a existência de pontos fixos no território onde os negó-
fim em si mesmo, mas sim como uma base teórica passível cios acima referidos são realizados, ainda que com certa pe-
de ser reconstruída, originando outra de natureza crítica. riodicidade e não de modo contínuo . Tais pontos tendem
Vários exemplos, através de mapas e gráficos, farão parte a concentrar outras atividades vinculadas a esses negócios,
desse capítulo. Procurarão exemplificar princípios a respei- inclusive aquelas de controle político-administrativo e ideo-
to de aspectos relativos à hierarquia urbana. Não são exem- lógico, transformando-se assim em núcleos de povoamen-
plos da Alemanha meridional, do território francês ou do to dotados, mas não exclusivamente, de atividades diferen-
Estado norte-americano de Iowa, unidades territoriais que tes daquelas da produção agropecuária e do extrativismo ve-
serviram de laboratórios para muitos estudos sobre redes getal: comércio, serviços e atividades de produção industrial.
urbanas . Os exemplos são brasileiros, envolvendo em gran- A terceira condição refere-se ao fato da existência de
de parte a região do planalto ocidental paulista. um mínimo de articulação entre os núcleos anteriormente re-
A segunda parte pode ser considerada como a mais im- feridos articulação que se verifica no âmbito da circulação,
portante deste estudo. Nela apresenta-se o que entendemos etapa ~ecessária para que a produção exportada e importa-
ser as abordagens que mais evidenciam a natureza e o signi- da realize-se plenamente, atingindo os mercados consumidores.
ficado da rede urbana. Seguramente algumas lacunas e in- A articulação resultante da circulação vai dar origem
consistências aparecerão . Isto, em parte, deriva da tentati- e reforçar uma diferenciação entre núcleos urbanos no que
va de apresentar quadros de referência teórica onde se pro- se refere ao volume e tipos de produtos comercializados,
cura retrabalhar conceitos e articulaçõ~s propostos anterior- às atividades político-administrativas, à importância como
mente. Que as lacunas e inconsistências sirvam de estímu- pontos focais em relação ao território exterior a eles, e ao
los para novas reflexões. tamanho demográfico. Esta diferenciação traduz-se em
Uma questão agora se impõe. O que é rede urbana? uma hierar'quia entre os núcleos urbanos e em especializa-
Este questionamento se deve ao fato de não haver concor- ções funcionais.
dância sobre o que se quer dizer com esta expressão . Há Nos termos assim explicitados admitimos a existência
uma corrente que advoga a tese de que somente haveria re- de redes urbanas nos países subdesenvolvidos. Isto signifi-
de urbana se certas características estivessem presentes, ca- ca que não aceitamos a tese da existência de rede urbana
racterísticas estas verificadas nos países desenvolvidos . Se- definida a partir de parâmetros arbitrários, que guardam
gundo esta corrente, nos países subdesenvolvidos não have- uma forte conotação etnocêntrica. Tais parâmetros são, de
ria rede urbana ou esta estaria em fase embrionária ou se- um lado, o modelo formal de Christaller e, de outro, a re-
ria desorganizada. gra da ordem-tamanho de Zipf. Voltaremos a eles em bre-
A nossa posição a este respeito é diferente. Admitimos ve. A idéia de rede urbana desorganizada, por outro lado,
a existência de uma. rede urbana quando, ao menos, são sa- pressupõe a possibilidade de um dia ela tornar-se organiza-
. tisfeitas as seguintes condições. Primeiramente haver uma da, semelhante à rede dos países desenvolvidos.
8
O desenvolvimento dos estudos sobre o tema em tela produção, coleta, transferência, distribuição e recreação.
é contemporâneo, no após-guerra, da aceleração da urbani- Chauncy Harris, em 1943, ao estudar as cidades norte-ame-
zação e da redefinição da divisão internacional do trabalho ricanas, classifica-as de acordo com a atividade de maior im-
geradora de novas articulações funcionais e mudanças n~ portância. Nove tipos de centros foram identificados: cida-
rede urbana. Subjacente·a isto está a retomada da expansão des industriais, de comércio varejista, de comércio atacadis-
capitalista e a difusão do sistema de planejamento em sua ta, de transportes, mineração, educação , lazer, cidades di-
dimensão espacial, envolvendo a rede urbana. versificadas e com outras funções.
O tema da rede urbana tem sido abordado pelos geógra- · A partir da década de 1950, os estudos sobre o tema
fos a partir de diferentes vias. As mais importantes dizem em pauta passaram a receber um tratamento estatístico, ori-
respeito à diferenciação das cidades em termos de suas fun- ginando então resultados mais acurados. A contribuição de
ções, dimensões básicas de variação, relações entre tamanho Howard Nelson é digna de nota pela precisão de sua classifi-
demográfico e desenvolvimento, hierarquia urbana, e rela- cação relativa a 897 cidades norte-americanas. O emprego
ções entre cidade e região. Estas vias não são necessariamen- em nove atividades foi considerado e, para cada uma das no-
te excludentes entre si, interpenetrando-se mutuamente de di- ve distribuições relativas ao emprego nas cidades sob análi-
ferentes modos. Vale lembrar, por outro lado, que as aborda- se, foram calculados a média e o desvio-padrão. Sempre que
gens acima indicadas não são exclusivas dos geógrafos mas uma cidade apresentasse em uma atividade mais de um des-
comp~rtilhadas com outros cientistas sociais, ainda q~e pe- vio-padrão acima da média, era classificada naquela ativida-
sem diferenças no modo como cada uma das vias é tratada. de. Um centro urbano poderia ser enquadrado de acordo
com duas ou três atividades . Por outro lado, uma cidade
foi rotulada como diversificada quando em nenhuma ativida-
As classificações funcionais! de apresentava valor superior a um desvio-padrão acima da
média. Deste modo vários tipos de cidade foram definidos,
Uma das mais tradicionais vias de estudo da rede urba- resultando em uma classificação funcionalmente complexa.
na pelos geógrafos é aquela que se interessa pela classifica- A partir dos anos 50 procurou-se, ao lado da adoção
ção funcional das cidades . Esta abordagem tem como pres- de técnicas estatísticas, clarificar mais a questão das fun-
suposto a existência de diferenças entre as cidades no que ções urbanas. Neste sentido vários autores fizeram o desdo-
se refere às suas funções. E que o conhecimento dessa dife- bramento das atividades da cidade em básicas ou primárias,
renci~ção é relevante para a compreensão da organização que são "exportadas" para fora, justificando assim a pró-
espacml, na qual a divisão territorial do trabalho urbano é pria existência da cidade, e atividades não-básicas ou secun-
uma das mais expressivas características. dárias, que se destinam à população urbana: exemplifica-
Já em 1921 o geógrafo M. Aurousseau propõe uma " se com a atividade de uma loja cujas vendas são majorita-
classificação de cidades em oito tipos , de acordo com a fun- riamente para consumidores residentes fora da cidade, e
ção dominante: cidades de administração, defesa, cultura, com um serviço que atende fundamentalmente à população
ur bana.
1
Sobre o tema veja-se MAYER, Harold & KOH N, Clyde , orgs . Readings A distinção em tela permite, sem dúvida, uma classifi-
m urban geography. Chicago, The University of Chicago Press, 1958. cação mais acurada dos centros urbanos na medida em que
12 13
se elimi~am aquelas atividades não-básicas que existem por- des ou sistemas urbanos. Assim, em 1957, Howard Nelson,
que as Cidades desempenham atividades básicas. E é relevan- comentado por Horácio Capei, 3 comparou algumas caracte-
t~ em virtud.e do fato de haver estudos indicando que à me- rísticas sociais entre centros urbanos com distinta especiali-
dida que a cidade aumenta de tamanho verifica-se o aumen- zação funcional, considerando o ritmo de crescimento da
to percentual de uma população empregada em atividades população , a estrutura etária, a escolaridade, a proporção
não-básicas. · de homens e mulheres na população ativa, as taxas de de-
. O estudo de Ullman e Dacey, onde se introduz o con- semprego e a renda per capita. Constatou que estas caracte-
ceito de. necessidades mínimas de população urbana, que rísticas variavam entre cidades segundo as funções que de-
se aproxima do conceito de atividade não-básica, constitui- sempenhavam.
se em ~~a s~gnificativa contribuição para uma mais preci- Em realidade "o problema da classificação funcional
s~ ;Iassificaçao funcional de cidades. O estudo de Magnani- converteu-se no problema de agrupamento das cidades se-
m, por outro lado, sobre os centros urbanos de Santa Ca- gundo suas características fundamentais com o fim de des-
tarina, apoiado em dados referentes à população economi- cobrir tipos homogêneos" (p. 230), considerando-se não
camente ativa do Censo Demográfico, constitui-se em exce- apenas as funções urbanas mas também outras característi-
lente exemplo de estudo sobre classificação de cidades utili- cas sociais, econômicas e políticas. Esta conversão verifica-
zando o conceito proposto por Ullman e Dacey. e simultaneamente à expansão do emprego de técnicas esta-
Em relação a esta abordagem há numerosas críticas so- tísticas em geografia; o uso de computadores, por sua vez,
br~ a natureza. dos dados utilizados, que são aqueles disponí- viabiliza a utilização de técnicas mais sofisticadas como a
veis, os conceitos e as técnicas estatísticas empregadas, bem análise fatorial.
como sobre a falta de objetivos geográficos definidos. No ca- O emprego desta técnica descritiva possibilita tratar si-
so do Brasil os dados do Censo Demográfico são incapazes multaneamente um grande número de variáveis, agrupan-
de revelar algumas funções importantes das cidades brasilei- do aquelas que estão fortemente correlacionadas entre si,
ras, como a~uelas ligadas à drenagem da renda fundiária. o riginando assim fatores ou dimensões básicas de variação .
Contudo , tms estudos colocam em evidência, com maior ou lsto porque cada uma dessas dimensões é constituída por
menor acurácia, a divisão territorial do trabalho no âmbito variáveis que, por outro lado, não se correlacionam com
da rede ~rb~na . Podem assim suscitar numeroso'S questiona- aquelas das outras dimensões. Em cada um desses fatores,
mentos , mcltando novas pesquisas sobre a rede urbana . cada cidade apresenta um score que é a sua posição ao lon-
go desta dimensão de variação.
É com o estudo de Moser e Scott, datado de 1961, que
As dimensões básicas de variação , e inicia a procura sistemática das dimensões básicas de va-
ri ação dos sistemas urbanos. A partir de então numerosos
~ partir. das clas~ificações funcionais de cidades pas- outros estudos relativos a diversos países foram realizados,
sa-se a pesqmsa das dimensões básicas de variação das re- entre eles, os Estados Unidos , o Canadá, a Índia e a União
2
MAG~ANI ~I, Ruth L. C. As .cidades de Santa Catarina: base econômica 3 De las funciones urbanas a las dimensiones básicas de los sistemas urba-
e classJficaçao funciOnal. ReVIsta Brasileira de Geografia, 33 (1) , 1971. nos. R evista de Geografia, 6 (2), 1972.
14
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Soviética. Visavam estes estudos descobrir empmcamente bano: estrutura socioeconômica, ritmos de crescimento e
~ão apenas as dimensões básicas de variação de um especí- formas de concentração espacial urbana. Ao considerar o
fico sistema urbano, como também sua estabilidade ao lon- sistema urbano como expressão territorial da divisão social
go do tempo, e a existência de dimensões universais de va- tio trabalho , constitui uma recente e pouco usual interpreta-
riação. Entre as diferentes dimensões básicas descobertas es- ção a respeito do assunto.
tão aquelas referentes ao tamanho, especialização funcio-
nal, características sociais e crescimento demográfico.
Mas que critérios nortearam a seleção de variáveis? Em Tamanho e desenvolvimento
alguns casos um conjunto muito grande de variáveis, sem ne-
nhuma base teórica explícita, foi considerado. Em outros pro- A terceira via de abordagem considera a rede urbana
curou-se ver as relações com o processo de desenvolvimento como um todo, sem analisar ou classificar cada uma de
regional ou nacional a partir de alguns indicadores julgados suas cidades, como ocorre nas anteriores. Nesta abordagem
pertinentes, e à luz de um dado corpo teórico: o modelo cen- es tabelece-se uma relação entre o tamanho das cidades de
tro-periferia de John Friedmann foi então muito adotado co- uma rede urbana e certos aspectos da vida econômica e so-
mo referencial teórico. Implícita nestes estudos estava a con- cial, tais como o desenvolvimento e sua difusão espacial,
cepção da cidade como centro difusor do desenvolvimento . 1 integração nacional e a existência de desequilíbrios inter-
No Brasil esta abordagem marcou muito os estudos so- nos. O pressuposto desta relação reside no fato de que é
bre redes urbanas durante o período 1970-1977, período es- ntravés das cidades que as ligações econômicas internas e
te caracterizado pela adoção, entre muitos geógrafos, de xternas se realizam, delas derivando o desenvolvimento:
técnicas quantitativas e dos modelos de desenvolvimento re- lamanho das cidades aparece então como uma expressão
~ional, e pelo grande envolvimento com o sistema de plane- d desenvolvimento.
Jamento . Sobressaem os estudos de Faissol, 4 que considera- A literatura sobre as relações entre tamanho da popula-
ram vários conjuntos de cidades brasileiras . Estes estudos ~· o urbana e desenvolvimento encerra uma dupla polêmi- -
revelaram resultados consistentes entre si, indicando tipos ·n entre os estudiosos do assunto. A primeira envolve, de
de cent.ros que, em sua espacialização, definem regiões que 11m lado , o conceito de primazia urbana e, de outro, a re-
foram mterpretadas segundo as proposições de Friedmann: "ra da ordem-tamanho da cidade. A segunda polêmica,
regiões centrais, principal e secundária, e regiões periféricas . QU está associada à primeira, refere-se à discussão entre
Já o estudo de Fredrich e Davidovich, 5 mais recente, <)S " modernistas" e os "tradicionalistas", conforme refere-
está baseado em três dimensões de variação do sistema ur- Berry em artigo na coletânea organizada por Faissol.
O conceito de primazia urbana foi formulado inicialmen-
4 t por Mark Jefferson, em 1939. 6 Considerando o tamanho
Veja-se, por exemplo, FA!SSOL, Speridião. As grandes cidades brasileiras
- dimensões básicas de diferenciação e relações com o desenvolvimento du população urbana em 51 países, encontrou-se que na maio-
econômico: um estudo de análise fatorial. Revista Brasileira de Geografia rio deles a maior cidade era não só a capital político-adminis-
32 (4), 1970. •
5 lnttiva, como também duas ou três vezes maior que a segun-
.FREDR!:H, Olga M . B. L. & DAVIDOVICH, Fany. A configuração espa-
Cial. do Sistema urbano brasileiro como expressão no território da divisão
soc1al do trabalho. Revista Brasileira de Geografia, 4<t-(4), 1982. Tho Jaw f prim ate cities. Geographical Review, 29.
16
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do de cidade "parasítica": a rede urbana por ela comanda- (b) dos centros de mais alta hierarquia para os de mais
da foi vista como sendo desequilibrada. baixa num padrão de "difusão hierárquica";
Numa época em que o sistema de planejamento esta- ·(c) dos ce~tros urbanos para as suas áreas de influência.
va em ascensão, a aceitação das teses acima indicadas im- Já os "tradicionalistas" admitem que os argumentos
plicaria em se ter um modelo normativo que iluminaria dos "modernistas" não convencem, não sendo possível se
uma meta a ser alcançada, a de vencer o subdesenvolvi- pensar na reprodução dos processos históricos, tal _com?
mento. Neste sentido modelos evolutivos foram formula- ocorreu nos Estados Unidos, por exemplo, nos atua1s pai-
dos. Um deles previa a passagem gradativa da primazia pa- s subdesenvolvidos, pois as condições históricas são ou-
ra uma rede de cidades de acordo com a regra da ordem- tras. É necessário que haja uma política explícita e di~igi
tamanho, na medida em que um dado país evoluísse do (ln para se conter o crescimento exagerado da grande Clda-
subdesenvolvim~nto para o desenvolvimento. Outro, mais d · a "inchação" das grandes metrópoles primazes.
complexo, admitia uma etapa anterior caracterizada pela ' Aparecem então as idéias de descentralização p~ra no-
existência de uma situação semelhante àquela da regra de vos centros de crescimento, dos pólos de desenvolvimento
Zipf. Seguia-se uma etapa marcada pela crescente ,Prima- no Brasil criou-se, mais tarde, na década de 1970, a ex-
zia à medida que o processo de desenvolvimento se verifi- 1 I' ssão cidades de porte médio - e da ação do Estado vi-
cava. Numa fase mais moderna o padrão de tamanho de Indo um desenvolvimento que seria equilibrado tanto no
cidades assumiria novamente a regra formulada por Zipf: 1 luno social como espacial, aí inclu~ndo-se a r~d~ urbana.
neste caso temos uma seqüência que segue o esquema equi- A teoria dos pólos de desenvolVImento, as 1dems de des-
líbrio-desequilíbrio-equilíbrio. Comum a todos os modelos ' ntralização para as cidades de porte médio tornaram-se co-
estava a tese de que o processo de desenvolvimento dos l\1 luche nos países do Terceiro Mundo. Associ~~o a est~s
países centrais repetir-se-ia em breve nos países subdesen- I 1 i s recupera-se e vulgariza-se o conceito e a pratlca do dls-
volvidos. 1111 industrial expressão física e funcional, à escala intraur-
A polêmica a respeito da primazia e da regra da ordem- h ma, do pólo de desenvolvimento e da cidade de porte ~édio.
tamanho ampliou-se com a discussão entre "modernistas" Os estudos sobre as relações entre tamanho das c1dades
e "tradicionalistas". Os primeiros afirmam que o desenvol- · d s nvolvimento estão, de uma forma ou de outra, vincula-
vimento nacional se encarregará de afetar a rede urbana, es- ll · aos interesses do planejamento em sua dimensão espa-
tabelecendo um equilíbrio. Admitem que no começo do pro- 11: o vigor com que o tema é privilegiado configura fase
cesso de desenvolvimento haverá um desequilíbrio, com con- 1 prestígio ou de crise do sistema de planejamento capitalis-
centração de investimentos em uma só grande cidade, mas, 1 1. No caso brasileiro a primeira metade da década de 1970
!I na medida em que o desenvolvimento prossegue, verifica- 1 11 r !ativamente pródiga de estudos sobre o tema em pauta.
se um efeito de difusão (spread ejjects, trickle down) que
atinge toda a rede urbana. Este processo de difusão, ou os
impulsos de mudança econômica, são transmitidos do se- hierarquia urbana
guinte modo:
(a) das metrópoles da core area para as metrópoles studos sobre hierarquia das cidades são os mais
da periferia; n is c numerosos entre aqueles sobre redes urbanas
20 21
a que se dedicaram os geógrafos. Deriv m I (( li stl namen- espacialmente desigual, instaurando-se então a hierarquia
tos sobre o número, tamanho e distribuiç o I ts cidades e, das cidades. Esta, por sua vez, suscita ações desiguais por
implicitamente, sobre a natureza da dif r nci 11,: o ntre elas. parte dos capitalistas e do Estado : daí o interesse em com-
Os numerosos estudos, teóricos e emplricos, pr curam , preender a sua natureza.
em realidade, compreender a natureza da t' cJ urbana se-
gundo um ângulo específico que é o da hi rarquia de seus As proposições de Christaller
centros .
A teoria das localidades centrais, for mulada pelo geó- Vejamos agora as proposições de Christaller. Segun-
grafo alemão Walter Christaller, em 1933, c n titui a mais do ele existem princípios gerais que regulam o número, ta-
fértil e conhecida base teórica sobre o tema. ntretanto , o manho e distribuição dos núcleos de povoamento: grandes
interesse pela hierarquia urbana é muito anterior a Christal- médias e pequenas cidades, e ainda minúsculos núcleos se~
ler. Foi um banqueiro francês, Richard Cantillon, que em mi-rurais, todos são considerados como localidades centrais.
1755 produziu o que se poderia considerar como sendo a Todas são dotadas de junções centrais, isto é, atividades
primeira teoria sobre hierarquia urbana: tenta ndo racionali- de distribuição de bens e serviços para uma população ex-
zar em termos de tempo e espaço seus negócios bancários, terna, residente na região complementar (hinterlândia, área
ressalta a natureza hierárquica das cidades . Com Jean Rey- de mercado, região de influência), em relação à qual a loca-
naud, em 1841, aparece uma formulação similar à de Chris- lidade central tem uma posição central. A centralidade de
taller . De certo modo é semelhante à contribuição do enge- um núcleo, por outro lado, refere-se ao seu grau de impor-
nheiro León Lalanne que, em 1863, propôs um modelo so- tância a partir de suas funções centrais : maior o número de-
bre a organização espacial das linhas ferroviárias, cujos las, maior a sua região de influência, maior a população ex-
nós de circulação, as cidades , estruturavam-se de modo hie- terna atendida pela localidade central, e maior a sua centra-
rárquico. lidade.
A sociologia rural norte-americana do começo do sécu- Christaller define ainda dois outros conceitos, o de al-
lo, com Galpin e Kolb, e o planejamento urbano e regio- cance espacial máximo (maximum range) e o de alcance espa-
nal inglês, após a ?rimeira Guerra Mundial, consideraram cial mínimo (minimum range threshold). O primeiro refere-
também o tema que, em breve, seria tratado sistematica- se à área determinada por um raio a partir da localidade cen-
mente por Christaller. Geógrafos como Hans Bobek e Ro- tral: dentro desta área os consumidores efetivamente deslo-
bert Dickinson abordaram também a temática da hierar- cam-se para a localidade central visando a obtenção de bens
quia urbana durante as décadas de 1920 e 1930. e serviços. A área em questão constitui a região complemen-
Por que este interesse? Com o capitalismo, o proces- tar. Para além dela os consumidores deslocam-se para ou-
so de diferenciação das cidades se acentua, aí incluindo-se tros centros que lhe estão mais próximos, implicando isto me-
a hierarquização urbana: a criação de um mercado consu- nores custos de transporte. O alcance espacial mínimo, por
midor, a partir da expropriação dos meios de produção e sua vez, compreende a área em torno de uma localidade cen-
de vida de enorme parcela da população, e a industrializa- tral que engloba o número mínimo de consumidores que são
ção levam à expansão da oferta de produtos industriais e suficientes para que uma atividade comercial ou de serviços
de serv iç s. Es ta oferta , por sua vez, se verifica de modo uma função central, possa economicamente se 'instalar . '
22 23
A partir do alcance espacial máximo e mínimo verifi- Exemplo hipotético de hierarquia urbana
ca-se uma diferenciação da oferta de bens e serviços . Aque- e funções centrais
les que são consumidos com grande freqüência, diária ou se-
manalmente, necessitam de reduzido alcance espacial míni-
mo. Poucas pessoas, residentes nas proximidades imediatas Centros Funções centrais
1" da localidade central, são suficientes para justificar a ofer-
ta deles. O alcance espacial máximo deles é também reduzi- Metrópole regional abcd efgh ijk l mnop qrst
vados face aos custos dos bens e serviços que são relativa"
Centro sub-regional ijkl mnop grst
mente baixos. Há vários outros centros que distribuem estes
bens e serviços: sua oferta é generalizada em numerosas lo-
Centro da zona mnop qrst
calidades centrais que distam próximas umas das outras.
Os bens e serviços que, por sua vez, são consumidos Centro local qrst
com uma menor freqüência, mensalmente ou de três em
três meses, por exemplo, necessitam de um maior alcance
espacial mínimo: como o número necessário de pessoas pa- A análise desse quadro possibilita detectar a natureza
ra justificar a oferta deles é mais elevado, a área que con- da hierarquia urbana. Em primeiro lugar deriva diretamen-
tém essa população é mais ampla. Por outro lado, estes te da hierarquia das funções centrais. A metrópole regional
bens e serviços suportam custos de transportes mais eleva- oferece a gama completa de bens e serviços que naquele ti-
dos, apresentando, por isso, um maior alcance espacial má- po particular de sociedade é consumida pela população
ximo . Como conseqüência, poucas são as localidades cen- em razão de seu nível de renda e padrão cultural. A metró-
trais que oferecem estes bens e serviços; elas estão, assim, pole oferece um conjunto de bens e serviços, abcd, que so-
mais distanciadas entre si. mente ela está apta a oferecer: são aqueles consumidos me-
Para cada produto ou serviço haveria, em princípio, nos freqüentemente, apresentando mais amplos alcances es-
um alcance espacial específico. No entanto, aqueles que paciais máximos. Mas também oferece bens e serviços de
apresentam alcances espaciais semelhantes tendem a ser ofe- consumo mais freqüentes. Em realidade a metrópole ofere-
recidos nas mesmas localidades centrais: a co-presença de- ce, entre outros, bens e serviços de demandas tão distintas
les acaba compensando uma possível diminuição de lucros como microcomputadores, geladeiras, calçados, artigos de
e criando novas condições de existência de atividades: tra- armarinhos e alimentos em conserva; ou então cirurgião
ta-se de economias de aglomeração. plástico, oftalmologista, pediatra e clínico geral.
Estabelece-se uma hierarquização da oferta de bens e A capital regional, por sua vez, oferece os bens e servi-
serviços: o quadro abaixo apresenta um exemplo onde indi- ços efgh a qrst: o primeiro conjunto caracteriza este nível
ca-se a hierarquia urbana - expressa por denominações hierárquico, não sendo encontrados nos centros de meno-
através das quais as localidades centrais são usualmente re- res níveis hierárquicos. Os bens e serviços ijkl definem o
feridas - e funções centrais hipotéticas . centro sub-regional, enquanto o conjunto mnop o centro
24 25
a:: c
Q)
capital regional do Planalto Ocidental paulista. As informa- ::l
.. ...
..Cl
<(
ções aí contidas são relativas ao ano de 1978, tendo como
fonte o estudo "Regiões de influências das cidades". A fi-
Cll
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1-
ii
gura I a mostra que, em relação aos bens e serviços típicos IJJ
o lOo .. c o
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da capital regional, caminhões pesados e oftalmologista,
por exemplo, Bauru atua em uma relativamente ampla hin- o
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terlândia. Sua atuação espacial engloba os centros sub-regio- (!) ........ ~!:
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nais de Jaú, Botucatu, Avaré e Lins, e suas respectivas hin-
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sibilitando que os quatro supramencionados centros sub-re-
gionais exerçam seus papéis como tais. Finalmente a figu-
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de centros da zona, eletrodomésticos e hospital geral, a atua-
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Lins. Na região de Botucatu, por exemplo, aninham-se aque-
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Outro aspecto da natureza da hierarquia urbana é o N
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de que, como em uma localidade central de mais alto nível "-
hierárquico, o número de funções centrais é maior do que
em um centro de nível inferior, e isto representa maior nú-
mero de empregos; verifica-se que a população total da ci-
dade de hierarquia mais elevada é maior que a dos demais
centros: Bauru tem população maior do que a de Lins, e es-
ta maior que a de Getulina.
Em resumo, maior o nível hierárquico de uma localida-
de central, maior o número de funções centrais, sua popula-
ção urbana, sua região de influência e o total da população
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Contudo, para que isto ocorra, verifica-se o aumento do nú- ~
mero de centros, pois o multiplicador K é igual a 7. a: o o
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Voltemos agóra à figura 2, sobre a rede de localidades <r <r
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do: mais ou menos em torno de Bauru há quatro centros
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distante de Bauru, mostra um exemplo do princípio de trans-
porte verificado no mundo real: a capital regional, os cen-
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Vejamos agora os países subdesenvolvidos. Como es- ..J
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centros são, nos casos mais simples, locais de comercializa-
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cais de distribuição, são localidades centrais. O limitado ní-
vel de demanda e a pequena mobilidade espacial da maior
parte da população são responsáveis pelas características
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concretas que assumem as redes de localidades centrais nes-
ses países. Acrescenta-se ainda a disponibilidade de pessoas nal, por sua vez, aparece como sendo relativamente rica,
não absorvidas pelo mercado formal de trabalho, que leva pois acaba sendo o único centro que apresenta uma comple-
à criação de certas atividades terciárias e de produção que xa gama de bens e serviços, distanciando-se muito, neste as-
apresentam grande importância, de um lado, como estraté- pecto, dos demais . A relativa grandeza metropolitana deve-
gia de sobrevivência e, de outro, na estrutura da distribui- se ao fato de que, em parte, nela residem aqueles que dis-
ção de bens e serviços. põem de renda que lhes permitem consumir bens e serviços
O baixo nível de demanda, resultado da superexplora- de consumo mais raro, caros e sofisticados.
ção da força de trabalho ou da persistência de um setor Uma segunda possibilidade, que não exclui a primei-
agrícola camponês, e a limitada mobilidade espacial podem ra, ao contrário, convive com ela, é aquela onde emergem
originar pelo menos trêspossibilidades concretas de estrutu- os mercados periódicos. Definem-se eles como sendo aque-
ração de redes de localidades centrais nos países subdesen- les núcl~os de povoamento, pequenos, via de regra semi-ru-
volvidos. rais, que periodicamente transformam-se em localidades
Em primeiro lugar, em razão da demanda de bens e centrais: uma ou duas vezes por semana, de cinco em cin-
serviços de consumo freqüente de fato existir, pois trata-se co dias, durante o período de safra, ou de acordo ainda
de produtos e serviços necessários ou imprescindíveis à re- com outra periodicidade. Fora dos períodos de intenso mo-
produção da população, verifica-se que o número de pe~ue vimento comercial voltam a ser pacatos núcleos rurais, com
nos centros é relativamente elevado. São centros loca1s e a maior parte da população engajada em atividades primárias.
de zonas. A pequena mobilidade espacial da população le- Nos dias de mercado o pequeno núcleo transforma-se
va ao aparecimento de numerosos desses centros, pouco dis- em um centro de mercado. Vendedores dos mais variados
tantes entre si . A capacidade de oferta de bens e serviços produtos, artesãos e prestadores de diversos serviços ama-
desses centros é muito inferior àquela dos centros similares nhecem no centro com suas mercadorias e instrumentos de
de regiões onde o nível de demanda e a mobilidade espa- trabalho. São provenientes de outro pequeno núcleo onde
cial são maiores. no dia anterior atuaram em seus ofícios, ou de um centro
Ao lado dos numerosos pequenos centros, verifica-se m~tior onde vendem e exercem quase permanentemente a
a ausência de centros intermediários como, por exemplo, mesma atividade . Alguns vieram da zona rural onde dedicam-
os centros sub-regionais. As capitais regionais, por sua vez, se às atividades primárias: vieram vender sua produção e
são menos numerosas. A ausência ou menor ocorrência de comprar alguns bens que não produzem. Utilizando tropas
centros intermediários é indicadora do baixo nível de de- de burros, a cavalo, em carroças, em caminhões e utilitários,
manda da maior parte da população. Como eles devem ofe- em embarcações e mesmo a pé, vendedores e compradores
recer bens e serviços de menor freqüência de consumo, ca- dirigem-se ao núcleo em seus dias de mercado. Estes são ain-
racterizados por serem menos necessários ou mesmo supér- da os dias em que as pessoas se encontram, sabem das novi-
fluos, e caros, e para estes bens e serviços a demanda ser dades e vários eventos sociais, culturais e políticos se realizam.
praticamente inexistente, tais centros não têm condi~ões Os mercados periódicos representam uma forma de sin-
de emergir. Há então um achatamento da rede de locahda- cronização espaço-temporal das atividades humanas, isto é,
des centrais pela ausência ou mínima ocorrência de centros os dias de funcionamento de cada mercado acham-se articu-
de escalões hierárquicos intermediários. A metrópole regio- lados aos dos demais numa lógica de tempo e espaço, en-
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II pequenos estoques, preços sujeitos à forte barganha, reutili-
zação de produtos e elevada margem de lucro por unidade.
Tais atividades compõem o circuito inferior da economia
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lidade. Em relação à rede de localidades centrais os dois cir- ...J
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cuitos estão presentes, estruturando-a de modo que cada I-
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centro atue simultaneamente através de ambos, dispondo 0::: I
assim de duas regiões de influência. :r I
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tros de três níveis hierárquicos, local, intermediário e metro- o
politano. O centro local atua sobretudo através do circui-
to inferior. É através do circuito superior que se verifica a o
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atuação espacial máxima da metrópole. Contudo, como lem- UJ
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bra Santos, a atuação metropolitana n;este circuito não se
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dá de modo espacialmente contínuo, mas sim descontinua-
mente. Isto se deve ao fato de que o circuito superior está o .,...
voltado para as atividades modernas e população de renda ~
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vez, apresenta alcance espacial máximo em função de seu I
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circuito superior.
40 41
A importância do tema em questão é enorme. Estudos A segunda vertente considera a gênese e a evolução
empíricos realizados no Brasi~ muito contribuíram para a das relações cidade-campo no âmbito da crítica contra a te-
compreensão da magnitude e significado, em cada uma das se da autonomia da consciência dos homens e de seu papei
regiões do país, dos dois circuitos da economia. na determinação da vida. Cidade e campo aparecem como
termos antagônicos ao longo da história. As relações entre
ambos são vistas em termos da dinâmica social, culminan-
As relações cidade-região do com a "vitória da cidade sobre o campo" a partir da
grande indústria, como afirmam Marx e Engels na Ideolo-
Ao contrário das abordagens anteriores, o estudo das gia alemã.
relações cidade-região tem sido empreendido principalmen- A abordagem geográfica ao tema tem sido feita consi-
te pelos geógrafos europeus, particularmente os franceses. derando as relações entre cidade e região, isto é, uma gran-
Este tema constitui-se, em realidade, em uma transforma- de cidade e sua hinterlândia constituída por centros urba-
ção da clássica temática cidade-campo. nos menores e áreas rurais, em muitos casos diferenciadas
Cidade e campo têm se constituído, ao longo da história em termos de estruturas e paisagens agrárias.
das ciências sociais, em um dos mais significativos temas de Foi verificado que, de acordo com o tipo de socieda-
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interesse de historiadores, sociólogos, antropólogos, econo- de, as relações entre cidade e região não se processam do
mistas e geógrafos. Este interesse advém, de um lado, da cren- mesmo modo e com a mesma intensidade. No entanto, num
ça empirista de que cidade e campo constituem as duas meta- esforço de síntese, como fez Pierre George, pode-se apon-
des em que a sociedade pode ser dividida e analisada. De ou- tar em suas linhas gerais estas relações, lembrando, porém,
tro, da crença marxista de que cidade e campo são dois ter- que refletem uma visão citadina da questão. As relações
mos de uma contradição em torno da qual a história se faz. são indicadas a seguir; como se pode verificar, algumas de-
Na primeira vertente de tratamento do tema destacam- las constituem objeto de abordagens anteriormente apresen-
se, entre os não geógrafos, as construções dicotômicas cida- tadas :
de-campo e o continuum rural-urbano. No primeiro caso es- (a) A atraÇ\ãO urbana sobre a população regional.
tabelece-se um contraste em que a cidade.aparece como sinô- (b) A comercialização pela cidade dos produtos rurais.
nimo de desenvolvimento e o campo de atraso. Civitas e So- (c) A drenagem urbana da renda fundiária.
cietas, Gesellschajt (sociedade) e Gemeinschajt (comunidade), (d) A distribuição pela cidade de investimentos e trabalho.
racional e tradicional são alguns dos termos que designam es- (e) A distribuição de bens e serviços .
te contraste. Da discussão sobre a dicotomia cidade-campo Diversos ·estudos mostraram, por outro lado, que as
emerge a tese do continuum rural-urbano, onde entre os dois diferentes combinações e especificidades regionais das rela-
pólos há uma gradação que traduz um processo efetivo e con- ções acima apontadas levam a um duplo resultado que sin-
tínuo de mudança do mundo rural para a grande cidade: esta tetiza o conjunto delas: a cidade é um espelho de sua re-
mudança pressupõe a existência de relações cidade-campo. 10 gião, ou então esta é o resultado de uma ação motora por
parte da cidade. Assim, Libreville, capital do Gabão, estu-
10 REI SSMAN, Leonard. The urban process; cities in industrial societies. dada por Lasserre, encontra-se no primeiro caso, enquan-
New York, The Free Press, 1970. to no segundo está a região lionesa, forjada pelo capital
43
da burguesia de Lyon, conforme mostra Labasse. Outros abordado: é significativo apreender as especificidades espa-
autores como Juillard apontam que os resultados das rela- ciais destas causas. Sugere-se que sejam consideradas as for-
ções entre cidade e região podem se traduzir em. dependên- mas de emigração - jovens, adultos, solteiros, famílias in-
cia, complementação ou concorrência entre ambas, ou, ai~ teiras etc. - e as etapas da emigração, as quais podem en-
da, que é possível identificar, a partir das relações entre CI- volver a rede urbana - da zona rural para a pequena cida-
dade e região, uma tipologia de cidades européias: villes de e desta para a metrópole.
11 De extrema importância é o estudo das conseqüências
rentieres du sol, villes insulaires e villes urbanisantes.
O trabalho de Dugrand sobre a região vitivinicultora da migração nas zonas de emigração, o · qual deve abordar
do Baixo Languedoc, no Sul da França, é um dos mais sig- tanto a dimensão demográfica - estrutura etária, propor-
nificativos exemplos de estudo abordando o tema em ques- ção dos sexos etc. - como a econômica __:_ envolvendo
tão. Inspirado em parte nas proposições de Pierre George, por exemplo, os sistemas agrícolas e os efeitos sobre a:s ati~
serviu de orientação geral para o estudo sobre o Sudoeste ·. vidades comerciais -e a da paisagem agrária - , nela inse-
paranaense, 12 uma área de pequenos produtores originários, rindo-se o habitat rural. Finalmente, o último tópico a ser
em grande parte, do Rio Grande do Sul. considerado refere-se às atividades dos migrantes na cida-
I I Vejamos agora que sugestões foram feitas para se con- de e à sua localização intra-urbana: isto fornece uma medi-
siderar cada uma das relações acima apontadas. da do significado da atração urbana sobre a população de
A cidade, especialmente a metrópole, exerce uma atra- sua região.
ção sobre a população de sua região de influência: seu cres- As migrações pendulares, provenientes de núcleos loca-
cimento demográfico é, assim, superior ao seu crescimen- lizados em periferias rurais-urbanas, podem ser· vistas co-
to vegetativo. Esta atração define migrações definitivas nas mo um indicador do processo de urbanização. Sugere-se
quais os migrantes acabam tornando-se citadinos. Mas a que se considere a origem dos migrantes, isto é, a área de
metrópole exerce também uma atração cotidiana, pois mo- proveniência dos commuters, causas, formas e meios desta
radores de núcleos próximos nela encontram um relativa- migração pendular, as atividades dos migrantes e as conse-
mente grande mercado de ·trabalho. Trata-se, neste caso, qüências do movimento migratório .na periferia rural-urbana.
de migrações pendulares, alternantes ou jornada para o tra- A metrópole constitui-se em um importante mercado
consumidor de produtos rurais, quer alimentos, quer maté-
balho.
Em relação ao primeiro tipo de migração deve ser in- rias-primas para as suas indústrias. Dugrand sugere que, fa-
vestigada a origem da população urbana - procurando-se ce a estas relações entre cidade e região, considere-se os se-
detectar qual a importância do contingente de migrantes guintes tópicos: os m~canismos de comercialização, a estru-
na formação da população citadina - e o momento em tura das empr~sas comerciais, e os tipos de centros de co-
que se verificou cada uma das correntes migratórias. As mercialização.
causas das migrações constituem um segundo aspecto a ser Face ao primeiro tópico é importante verificar inicial-
mente os tipos de transações comerciaisque se realizam, is-
li CORRÊA, R,oberto Lobato . Estudo das relações entre cidade e região. to é, como se fazem a compra e a venda da produção do
Revista Brasileira de Geografia, 31 (1), 1969. campo, e, em seguida, identificar os tipos de agentes vincu-
12 Idem, coord. Cidade e região no Sudoeste paranaense. Revista Brasilei-
lados à comercialização - atacadistas coletores, redistribui-
ra de Geografia, 32 (2) , 1970.
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44 45
dores, cooperativas, supermercados, o Estado, donos de ca- aspectos pressupõe que se conheça a gênese e a dinâmica
minhão etc. - e suas práticas econômicas e políticas. do processo de drenagem da renda fundiária rural.
Sobre a estrutura das empresas sugere-se examinar os A estrutura interna da propriedade citadina pode ser
aspectos relativos à implantação do equipamento comercial analisada a partir da identificação, primeiramente, dos ti-
e aos tipos de empresas. Esta indagação envolve a gênese pos de propriedades de acordo com a dimensão e a finalida-
e a dinâmica do comércio, bem como a identificação das em- de - fim de semana, especulação, prestígio, valorização
presas segundo a origem do capital, a forma de organiza- de capitais. Em segundo lugar, considerando a utilização
ção e as outras atividades que possuem. da terra e estabelecendo a comparação com aquela das pro-
Os tipos de centros de comercialização devem ser ana- priedades dos rurícolas. Finalmente, analisando os tipos so-
lisados considerando-se, de um lado, o equipamento comer- ciais de proprietários - tradicional ou recente, associado
cial que possuem, tal como bancos, armazéns, silos, escritó- ou não a outras atividades, regionais ou extra-regionais etc.
rios de compra, serviços de transporte etc. e, de outro, os É de fundamental importância que se considere as con-
fluxos que para eles convergem e divergem, envolvendo a seqüências da drenagem da renda fundiária, tanto no cam-
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área de coleta e os centros para onde a produção é reexpe- po como na cidade: isto se inicia pela análise da aplicação
dida, o volume comercializado e os meios de transporte uti- da renda fundiária e pode finalizar pela comparação do ní-
111
lizados. vel de consumo da população rural e dos proprietários fun-
É necessário, finalmente, fazer-se uma avaliação do diários citadinos.
significado do processo de comercialização de produtos ru- A grande cidade pode também investir recursos no cam-
11
11
rais, tanto em relação à cidade como ao campo. po e em cidades menores, criando, assim, trabalho. O de-
A drenagem da renda fundiária pela cidade constitui- senvolvimento agrícola, a difusão da indústria na região
llrlri' se em muitas áreas um importante aspecto da vida social, de influência, a extensão das zonas de residência peri-urba-
'1111
econômica e política. A cidade constitui-se, nestes casos, na, a organização de áreas de recreação e de reservas natu-
em lugar de residência de proprietários rurais absenteístas, rais, e a promoção dos habitantes da região aos níveis de
e este fato pode assumir enorme importância. Segundo Du- renda semelhantes aos dos habitantes da grande cidade, se-
a
grand, esta temática pode ser abordada partir da conside- riam resultados positivos dos investimentos realizados pela
ração de três aspectos: a importância da propriedade fun- cidade. A idéia da cidade como centro difusor do desenvol-
diária citadina, a sua estrutura interna, e as conseqüências vimento regional está assim presente entre os geógrafos que
da drenagem da renda fundiária. trabalharam a temática cidade-região.
Sobre a importância da propriedade fundiária citadi- Sugere-se que sejam considerados, de um lado, os in-
na é relevante abordar, primeiramente, a sua extensão espa- vestimentos realizados pela cidade e, de outro, as conseqüên-
cial, isto é, em que unidades político-admiÍlistrativas estão cias sobre a organização do espaço regional.
localizadas, qual a sua magnitude - número e área ocupa- Os investimentos realizados pela grande cidade devem
da - e o que representa em termos da estrutura fundiária ser analisados em termos da sua distribuição espacial, con-
em cada uma das unidades . É assim possível saber que cen- siderando-se ainda a natureza das atividades criadas e os ti-
tros urbanos desempenham este papel de drenagem, onde pos de investidores - empresas regionais ou extra-regio-
atuam e qual a intensidade da atuação. A apreensão destes nais , proprietários fundiários , grandes corporações etc.
46
tórios. A história é colocada de lado, não havendo preocu- da no progresso técnico, suscita o aumento da escala de
pação com a gênese e a dinâmica da rede urbana: o tempo produção assim como da área onde esta se realiza. Amplia-
constitui uma abstração em que têm existência mecanismos se também a circulação, e a acessibilidade é redefinida em
que originam uma seqüência evolutiva marcada por equilí- função dos novos modos de circulação . Verifica-se a valori-
brio-desequilíbrio-equilíbrio. O caráter idealista de algumas zação de certas localizações em detrimento de outras: mais
das abordagens aparece quando se considera como normati- do que isto, para cada atividade, nova ou transformada,
vos alguns dos modelos sobre estrutura espacial da rede ur- há padrões locacionais específicos que melhor atendem à ló-
bana ou de sua evolução. gica capitalista. Como conseqüência algumas cidades -per-
A partir da avaliação da prática dos geógrafos, m~s dem importância, enquanto outras são valorizadas; criam-
também considerando a contribuição de não geógrafos, pro- se novos centros urbanos. Numa planície fértil e densamen-
ceder-se-á a um esforço que contribua para identificar a na- te ocupada, com produção agrícola negociada extra,local-
tureza e o significado da rede urbana. Com certeza não es- mente, define-se uma hierarquia de localidades centrais, en-
gotaremos a questão, mas esperamos clarificar alguns pon- quanto às margens de baías de águas profundas desenvol-
tos que são particularmente pertinentes aos geógrafos. vem-se centros portuários; próximo às jazidas de carvão
Esta parte está dividida em quatro capítulos que não emergem centros mineiros ou mesmo dotados de indústrias
são mutuamente excludentes. Representam apenas ângulos de transformação. A rede urbana reflete assim a divisão ter-
em que um mesmo objeto pode ser abordado. Considera- ritorial do trabalho.
se inicialmente a divisão territorial do trabalho. Em segui- A rede urbana é também uma condição para a divisão
~ erritorial do trabalho. A cidade em suas origens constituiu-
da as retações entre rede urbana e os ciclos de exploração,
para depois tratar as relações entre rede urbana e forma es- ;e não só em uma expressão da divisão entre trabalho ma-
pacial. Finalmente será abordado o caráter mutável da re- nual e intelectual, como também em um ponto no espaço
de urbana, apresentando-se alguns pontos básicos para a geográfico que, através da apropriação de excedentes agríco-
sua periodização: a rede urbana da Amazônia será toma- las, passou de certo modo a controlar a produção rural. Es-
da à guisa de exemplificação. te papel de condição é mais tarde transmitido à rede urba-
na: sua gênese e evolução verificam-se na medida em que,
de modo sincrônico, a divisão territorial do trabalho assu-
A divisão territorial do trabalho mia progressivamente, a partir do século XVI, uma dimen-
são mundial.
A rede urbana constitui-se simultaneamente em um re- É à primeira vista através das funções articuladas de
flexo da e uma condição para a divisão territorial do traba- suas cidades - comércio atacadista e varejista, bancos, in-
lho. É um reflexo à medida que, em razão de vantagens lo- dústrias e serviços de transporte, armazenagem, contabilida-
cacionais diferenciadas, verificam-se uma hierarquia urba- de, educação, saúde etc. - que a rede urbana é uma condi-
na e uma especialização funcional definidoras de uma com- ção para a divisão territorial do trabalho. Através dela tor-
plexa tipologia de centros urbanos. na-se viável a produção das diversas ár.eas agropastoris e
A lógica capitalista de acumulação, caracterizada pe- de mineração, assim como sua própria produção industrial,
la minimização dos custos e maximização de lucros e apoia- \ circulação entre cidades e áreas, e o consumo, É via re-
50 51
de urbana que o mundo pode tornar-se simultânea e desi- Neste sentido a própria rede urbana é, através da função
gualmente dividido e integrado. da intermediação, parte da divisão internacional do trabalho.
Mas é efetivamente devido à ação dos centros de acu- Mas há que se considerar, pelo menos em relação a al-
mulação de capital, às grandes metrópoles cabeças de redes guns países ou regiões, a existência de uma relativa autono-
urbanas de extensão mundial ou nacional, que a divisão ter- mia nacional ou regional: a divisão territorial do trabalho
ritorial do trabalho aparece condicionada pela rede urba- é parcialmente derivada de decisões e interesses internos, se-
na. Através dela as decisões, investimentos e inovações cir- diados nas metrópoles nacionais ou regionais e, em alguns
culam descendentemente, criando e transformando constan- casos, nas capitais regionais. Pensamos assim que se deva,
te e desigualmente, de acordo com uma dinâmica interna ao se tratar as relações entre rede urbana e divisão territo-
ao capitalismo, atividades e cidades. rial do trabalho, considerar em que medida uma rede urba-
A rede urbana é um· reflexo, em realidade, dos efeitos na é efetivamente condição para essa divisão ou uma rede
acumulados da prática de diferentes agentes sociais, sobretu- de pura intermediação de ações decididas externamente à rede.
do as grandes corporações multifuncionais e multilocaliza- É visando a descrição e a compreensão da divisão ter-
das que, efetivamente, introduzem - tanto na cidade co- ritorial do trabalho que se deve direcionar os estudos sobre
mo no .campo - atividades que geram diferenciações entre classificação funcional de cidades: a classificação não deve,
os centros urbanos. Diferenciações que, por sua vez, condi- assim, ser considerada como um fim em si, mas um come-
cionam novas ações. Neste sentido é necessário que se com- ço de uma pesquisa sobre uma dada rede urbana. A rede
preenda a lógica da implantação das atividades no mais urbana brasileira, que tem passado por grandes transforma-
ou menos complexo mosaico de centros e hinterlândias em ções, aí incluindo-se o aumento do número de centros e a
seus diferenciados papéis e pesos. Isto implica o desvenda- sua extensão territorial, constitui-se em excelente objeto
mente das motiv~ções dos diversos agentes sociais, bem co- de pesquisa sob a ótica da divisão territorial do trabalho e
mo o entendimento dos conflitos de interesses entre eles e sua dinâmica.
suas aparentes soluções. Implica ainda colocar em evidên-
cia as práticas que viabilizaram a articulação entre os distin-
:tos centros urbanos e suas hinterlândias, bem como com~ Os ciclos de exploração
preender a inércia que, pelo menos durante um certo tem-
po, cristaliza um determinado padrão espacial de funciona- O trabalho excedente é a fonte do valor excedente Uu-
lidades urbanas. ros, rendas, mais-valia etc.). O valor excedente apropriado
Em relação aos países subdesenvolvidos a rede urba- e acumulado é em parte investido em novas atividades, tan-
na pode ser vista, em parte, como um conjunto de cidades to de localização urbana como rural, visando a geração de
onde se verifica um papel de intermediação diferenciada novos e ampliados valores excedentes. Isto implica a sua
das .decisões geradas fora da rede urbana nacional. Em ou- circulação, que engendra fluxos de pessoas, bens e serviços,
tras palavras, a rede urbana dos países subdesenvolvidos ordens, idéias e dinheiro. A parte do valor excedente desti-
constitui-se, em parte, na extensão de uma ampla rede ur- nada à simples reposição dos meios de produção e ao consu-
bana com sede nos denominados países centrais, em metró- mo dos capitalistas, bem como a massa de salários pagos,
poles mundiais como New York, Londres, Tóquio e Paris. que constitui o meio através do qual se verifiça parte consi-
52 53
derável da reprodução da força de trabalho, também en- como foi exposto por Ana Fani A. Carlos. 1 A rede urba-
tram na circulação. Implicam estes fluxos a criação, apro -
na pode ser considerada ainda como a forma sócio-espa-
priação e circulação de novos valores excedentes. cial de realização do ciclo de exploração da grande cidade
A circulação se faz necessariamente no âmbito de sobre o campo e centros menores. Desenvolveremos esta
um território que pode estar submetido a um processo de concepção apoiados, em parte, em Bellido e Tamarit.
intensificação das atividades ali localizadas, ou a uma Dois pontos devem ser, no entanto, abordados antes
mais efetiva incorporação ao sistema capitalista a partir de prosseguirmos. O primeiro refere-se ao fato de utilizar-
de sua transformação em "fronteira do capital", como é mos a expressão cidade e região e não a clássica cidade e
o caso da Amazônia a partir da segunda metade da déca- campo. O segundo diz respeito à tese da complementarida-
da de 1960. de das relações acima indicadas.
Para que a circulação seja efetivada torna-se necessá- Com o capitalismo, as relações econômicas e sociais
ria à existência de vários pontos no território. Estes pon- são ampliadas, passando a se realizar em amplos territórios
tos são os centros urbanos. Neles verificam-se o processo que, de modos diversos, são incorporados ao sistema capita-
de tomada de decisão, a concentração, beneficiamento, ar- lista. No bojo desta expansão verifica-se a ampliação da di-
mazenamento, transformação industrial, vendas no ataca - visão territorial do trabalho, geradora de especializações
do e varejo, a prestação de uma gama cada vez maior e produtivas regionais distintas - o milho do Corn Belt ame-
mais complexa de serviços ligados à reprodução social, e ricano, o cacau da zona de Ilhéus e Itabuna na Bahia, o
parcela ponderável do consumo final. Estes centros urba- açúcar das Antilhas etc. -, e a necessária articulação entre
nos apropriam-se do valor excedente que circula e criam as diversas unidades territoriais especializadas. Articulação
novos valores. que é viabilizada pelo progresso dos meios de comunicação
Com base em Harvey, afirma-se que a rede urbana é e conservação- navio a vapor, ferrovia, telegrafia sem fio,
a forma espacial através da qual, no capitalismo, se dá a frigorificação de produtos facilmente deterioráveis - con-
criação, apropriação e circulação do valor excedente . Ca- temporâneo à expansão territorial e à divisão do trabalho
da cidade da região participa de algum modo e com algu- no plano espacial. O mundo capitalista caracteriza-se, por
ma intensidade dos processos acima indicados: caso contrá- volta de 1870, por ser dividido e articulado. Dividido no
rio terá a sua existência inviabilizada . Sua singularidade se que se refere à esfera da produção e consumo, e articula-
dá em razão de sua inserção em um território submetido do no que diz respeito à integração via troca entre produto-
res localizados em numerosos territórios. 2
ao processo em questão. Neste sentido, uma classificação
Esta divisão e articulação só é viável através de uma
funcional de cidades, isto é, a descrição da divisão territo-
ampla rede urbana, abrangendo vários tipos de centros loca-
rial do trabalho em termos urbanos, deve procurar dar con-
lizados em vários territórios . Somente assim é possível a
ta dos papéis que cada cidade cumpre na criação, apropria-
um inglês beber café brasileiro, comer toucinho dinamar-
ção e circulação do valor excedente.
O que foi acima sumariamente descrito pode ser dito 1 A cidade e a organização do espaço. Revista do Departamento de Geo-
de outro modo, considerando-se a rede urbana como a cris- grafia da Universidade de São Paulo, 1, 1982.
2 HOBSBAWM, Eric. A era do capital; 1848-1875 . Rio de Janeiro, Paz e Ter-
talização do processo de realização do ciclo do capital, tal
ra, 1977 .
54
\ 55
A exploração urbana está fundamentada na extração sa drenar, via emigração rural-urbana, uma parcela da po-
de excedentes alimentares pela elite citadina, garantindo-se pulação do campo, constituída por pequenos proprietários,
assim a existência da cidade. Esta, por sua vez, garante a rendeiros, meeiros, moradores de condição e assalariados.
reprodução do sistema social através da ideologia e da for- As raízes desse processo emigratório residem, como
ça. Cidade e campo são dois mundos distintos mas interliga- afirma Kautsky, 4 na dissolução do artesanato pela manufa-
dos via exploração do segundo pela primeira. tura urbana, transformando o camponês em um produtor
A exploração da cidade sobre o campo amplia-se no agrícola, que vende mercadorias para comprar outras mer-
período da acumulação primitiva do capital. Mas é sem dú- cadorias, no subseqüente endividamento do agricultor jun-
vida no capitalismo industrial - a partir do século XIX to a comerciantes urbanos e aos bancos, levando em mui-
- que esta exploração ganha sua maior expressão. Trata- tos casos à perda da propriedade; na dissolução da família
se, efetivamente, da vitória da cidade, através da indústria, camponesa em função da necessidade de produzir mais e
sobre o campo, como se referem Marx e Engels, mas da vi- mais para vender, tornando a propriedade rural incapaz
tória da grande cidade sobre uma ampla região. A tese da de sustentar a família. Estabelece-se, assim, uma "superpo-
complementaridade é, em realidade, uma ideologia. pulação relativa" no campo, composta de excedentes demo-
Vejamos agora os dois ciclos de exploração. O esque- gráficos que o mundo rural não mais absorve.
ma indicado na figura 7 refere-se a eles. No primeiro ciclo, A migração campo-cidade realiza-se na direção daque-
a grande cidade, cabeça da rede urbana, extrai do campo les centros urbanos onde a criação de atividades e empre-
e das cidades menores, via migrações, força de trabalho. gos é mais dinâmica. São, via de regra, as grandes cidades.
Extrai também produtos alimentares, matérias-primas, lu- Esta migração pode fazer-se por etapas, mais ou menos de
cros comerciais e renda fundiária. No segundo ciclo, que acordo com .a hierarquia urbana: em um primeiro passo tra-
realimenta o primeiro, tratando-se, portanto, do mesmo ta-se de uma migração do campo para a pequena cidade;
processo, a cidade exporta- para o campo e centros meno- um segundo passo, que no âmbito de uma mesma família
res- capitais, bens e serviços, idéias e valores . Convém ob- camponesa pode se dar na geração seguinte, caracteriza-se
servar que estamos considerando praticamente as mesmas por ser da pequena para a grande cidade.
relações, ainda que através de uma leitura explicitamente in- As causas específicas, em cada lugar e a cada momen-
tegrada, daquelas apontadas por George e empiricamente to do tempo,. da emigração, envolvendo os mecanismos e
v.erificadas, entre outros, por Dugrand. os agentes sociais participantes do processo migratório, cons-
tituem-se em um dos importantes temas de pesquisa no âm-
As migrações bito das relações cidade e região. Outro refere-se à dinâmi-
ca e ao significado das migrações por etapa.
As atividades capitalistas da cidade, entre elas especial- A destruição da agricultura tradicional e o êxodo ru-
mente as indústrias, necessitam de trabalhadores "livres", ral para a cidade, barateando o custo da força de trabalho,
que dispõem apenas de sua força de trabalho e nenhum iniciam o primeiro ciclo de exploração qa cidade sobre o
ou muito pouco vínculo com o campo. Estes trabalhadores campo e os centros menores. Simultaneamente estão sen-
constituem a massa de onde será extraído o valor exceden-
te, fonte de acumulação de capital. Assim, a cidade preci- 4 La cuestión agraria. México, Siglo Veintiuno, 1977 .
58 59
do criadas as condições para a existência de um mercado in- deia urbana de comercialização. O atacadista coletor, da pe-
dustrial: os camponeses que permaneceram no campo torna- quena cidade encravada em plena zona rural, tem uma mar-
ram-se consumidores de produtos da indústria. s Esta temá- gem de lucro ao vender a produção ao atacadista reexpedi-
tica será retomada posteriormente. dor ou a uma usina de beneficiamento localizada em uma
cidade regional; a revenda da produção ao industrial, ex-
A comercialização da produção rural portador ou grande atacadista metropolitano, por sua vez,
adiciona uma outra margem de lucro sobre o preço pago
Ainda que em alguns territórios, caracterizados como ao atacadista coletor. Nesta cadeia de comercialização o
reservatórios da força de trabalho, o autoconsumo seja a consumidor final, de localização urbana, paga ao varejista
principal finalidade da produção agropecuária, no capitalis- um preço muito elevado se comparado àquele que o produ-
tor rural, localizado no começo do processo de comerciali-
mo, de um modo típico, esta produção destina-se à cidade,
zação, recebeu do atacadista coletor.
que se transforma assim,em um centro de comercialização
A este esquema tradicional de comercialização da pro-
da produção rural. Tanto pode ser um pequeno centro,
dução rural opõe-se um outro que se caracteriza pela atua-
uma cidade regional, um porto exportador, um centro in-
ção dos supermercados . .O desenvolvimento das grandes ca-
dustrial ou uma metrópole, para ela converge uma produ- deias de supermercados, com dezenas ou centenas de estabe-
ção destinada ao abastecimento de sua população em produ- lecimentos de vendas no varejo, alterou o esquema anterior-
tos alimentares e, conforme o caso, destinado à reexpedi- mente descrito. O supermercado possui numerosas filiais
ção para mercados extra-regionais ou às suas indústrias. de compra localizadas em pequenos centros ou em cidades
O processo de comercialização da produção rural é regionais. Isto simplifica a cadeia de comercialização: das
muito complexo. Sua razão de ser deriva, em última instân- filiais de compra os produtos rurais são transferidos ao de-
cia, do fato de que tanto no começo como no final do pro- pósito central localizado na metrópole e, daí, aos numero-
cesso verifica-se uma dispersão tanto dos produtores rurais sos estabelecimentos de vendas no varejo dispersos pelo es-
como dos consumidores urbanos. Há assim a necessidade paço metropolitano. Os lucros dos intermediários do esque-
de' se realizar, próximo à zona rural, a concentração da pro- ma anterior desaparecem, sendo apropriados pela grande
dução, depois sua transferência para a grande cidade, on- empresa que dispõe de enorme poder de manipulação de
de então será de novo dispersa entre os consumidores fi- preços. E nem por isso o produtor rural é beneficiado.
nais. Esta dispersão-concentração-dispersão vai traduzir-se É nestes termos que a cooperativa de comercialização
em diversas formas. Em todas elas a cidade impõe ao cam- da produção, controlada pelos produtores, constitui-se em
po um preço inferior aos praticados no meio urbano. Are- um instrumento de minimização da extração de lucros co-
de urbana, por onde circula a produção rural, constitui-se merciais que as cidades em geral realizam sobre o campo:
assim em uma cadeia de drenagem sobre o campo. ao eliminar os intermeçliários atacadistas a cooperativa tem
Uma das formas em que a comercialização se realiza condições de vender a produção rural, de seus associados,
é aquela onde participam numerosos intermediários localiza- por um preço mais elevado. Mas apenas sob certas condi-
dos em sucessivos centros urbanos, constituindo uma ca- ções verifica-se o desenvolvimento das cooperativas: as fir-
mas intermediárias localizadas nas cidades da rede nem sem-
s Cf. LENIN, V. I. El desarrollo dei capitalismo enRusia. Barcelona, Ariel, 1974. pre vêem com bóns olhos o desenvolvimento delas.
61
60
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o de empresa industrial, o grande atacadista exportador, a
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o cooperativa, o Estado e os supermercados . E seguramente
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a: as diferenças regionais do processo de comercialização de-
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vem ser ainda notáveis.
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A drenagem da renda fundiária
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o Em muitas outras regiões a cidade constitui-se, em cer-
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no campo é transferida para as cidades. Em muitas delas,
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w pitalista. No entanto, tem se verificado que a proprieda-
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b seio do capitalismo, o investimento de capital no campo
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- de onde será extraída a renda fundiária - constitui-se
62 63
em uma alternativa capitalista que, sob certas circunstân- que a drenagem da renda fundiária para consumo urbano
cias, pode ver neste tipo de investimento um excelente ne- é maior do que se poderia supor: pois do valor excedente
gócio. paga-se os empréstimos baratos, pouco se investindo na pro-
Ao lado dos tradicionais proprietários ruraisabsenteís- dução do ano agrícola seguinte. Deste modo a questão da
tas, ganham cada vez mais força as grandes empresas, mui- renda fundiária e sua drenagem urbana torna-se mais dra-
tas delas vinculadas a poderosas corporações multifaceta- mática: parte dos escassos recursos públicos que poderiam
das e multilocalizadas, que têm interesses em setores tão di- ser investidos socialmente são canalizados pela e para as eli-
ferentes como automóveis, química, construção naval, me- tes que dispõem de terras e poder.
talurgia, bancos, construções, comércio através de cadeia Em relação ao efeito político, poder-se-ia supor que a
de lojas etc. E tanto podem ser empresas nacionais como reforma agrária seria de muito interesse para os citadinos,
multinacionais: a terra e o investimento rural são uma alter- sendo a sua execução o resultado de uma demanda de natu-
nativa para o capital em geral. reza urbana, além de interessar a um grande contingente
É de se pensar que em regiões de forte absenteísmo, es- de camponeses e assalariados rurais . No entanto, os interes-
pecialmente da parte dos proprietários rurais tradicionais, ses urbanos, constituídos pelos proprietários tradicionais ab-
a importância de cada cidade da rede urbana em termos senteístas e as grandes empresas, opõem-se à reforma agrá-
de captura da renda fundiária seja proporcional ao seu pa- ria, pois a propriedade fundiária rural representa acesso
pel como localidade central: maior o montante da renda ao crédito subsidiado, fonte de renda, reserva de valor, po-
fundiária capturada, maior o nível hierárquico da cidade, der político e, o que é mais importante, é uma forma de
isto se devendo à importância da demanda da elite rural re- propriedade privada cuja extinção ou limitação de uso não
sidente na cidade no aparecimento de bens e serviços que se pode permitir. Deste modo cidade e campo contêm as
acab,am transformando-se. em funções centrais. Esta é, em classes e frações de classe que têm interesses opostos no
realidade, uma hipótese de trabalho. \.] que se refere à propriedade da terra.
A questão da drenagem da renda fundiária não tem si- À guisa de sugestão, indicamos que o tema rede urba-
do muito considerada pelos cientistas sociais brasileiros. na e oligarquias rurais constitui-se em importante meio atra-
No entanto, parece ser mais importante do que se poderia vés do qual é possível a compreensão de significativos as-
supor, tendo não apenas um poderoso efeito econômico co~ pectos da sociedade brasileira e de sua dinâmica.
mo também político. Completa-se assim o primeiro ciclo de exploração da
Em relação aos efeitos econômicos tudo indica que a grande cidade sobre o campo e cidades menores. A metró-
renda fundiária drenada vai ser aplicada, em grande parte, pole constitui-se no destino de parcela ponderável dos exce-
no setor urbano, em mansões e edifícios residenciais de lu- dentes demográficos, produtos rurais e lucros comerciais,
xo, e no consumo de bens duráveis e serviços sofisticados. e renda fundiária . O segundo ciclo caracteriza-se pelo que
E ainda em investimentos especulativos, de natureza finan- aparentemente é uma exportação da grande cidade para os
ceira. Se considerarmos ainda que no Brasil parcela muito centros menores e zona rural. A exportação é, em realida-
significativa dos investimentos na produção agropecuária de, uma condição para a extração de diversos outros valo-
é oriunda de créditos públicos subsidiados, e. não de recur- res excedentes, ampliando assim o processo de acumulação
sos próprios, provenientes do valor excedente, constata-se e realimentando o primeiro ciclo de exploração.
64 65
cala, que prescindem da presença próxima de outras indús- territorial do trabalho, taxas de lucro e níveis de consumo;
trias e atividades de serviços e/ ou pertencem a uma corpo- em contrapartida, tendendo à homogeneização, ampliaram
ração que redistribui sobre um vasto território suas opera- mais e mais as relações capitalistas ligadas à produção e
ções. A localização dessas indústrias se dá em razão da pre- certos valores culturais. A homogeneização completa does-
sença de uma força de trabalho mais barata, via de regra paço não é compatível com o capitalismo: a dinâmica con-
menos ativa politicamente, e que se constitui em um merca- traditória da acumulação suscita diferentes territórios, en-
do de trabalhq cativo. tre eles novos e velhos, desiguais em termos naturais e sociais.
Esta descentralização constitui-se em uma prática do Os investimentos realizados no campo e nas cidades
capital para reaver uma taxa de lucro - valores excedentes, menores pelas grandes cidades constituem condições para
portanto - abalada por constantes investimentos na gran- uma efetiva exploração, isto é, para uma efetiva continuida-
de cidade. 6 A descentralização, em realidade, verifica-se de do processo de acumulação capitalista.
em escala internacional, reorganizando não apenas as rela-
ções entre cidades e regiões, mas também entre países: nes- A distribuição de bens e serviços
te sentido New York, Londres, Tóquio, Paris e outras pou-
cas metrópoles mundiais são as grandes cidades e o restan- Com a expropriação dos meios de produção e de con-
te do mundo capitalista, a região de influência. sumo de parcela ponderável dos camponeses, com a moder-
Um ponto deve ser agora focalizado. Trata-se da tese nização da agricultura e a destruição das indústrias das pe-
do papel da grande cidade como promotora do desenvolvi- quenas cidades, o mundo rural e os centros menores estão
mento regional ou nacional através de suas indústrias, capa- preparados para o consumo de produtos industriais e servi-
zes de criarem demandas produtivas e de consumo na re- ços cujas origens estão na grande cidade. Trata-se de fertili-
gião, e da descentralização industrial criadora de empregos zantes, inseticidas, arados, produtos aliméritares industriali-
e impostos nas cidades menores e no campo. Em resumo, zados, tecidos, móveis, utilidades domésticas diversa~ e,
através dos pólos de desenvolvimento e de suas "indústrias mais tarde, eletrodoméstico's e veículos automotores, entre .
motrizes" e da difusão de inovações instaurar-se-ia o desen- outros; inclui-se também os serviços de educação, saúde,
volyimento, implicando eficiência e eqüidade sócio-espacial. bancários, contabilidade, publicidade etc. A difusão. de
Iniciado por volta de 1955, em um momento de expan- um ideário urbano, capitalista em realidade, que introduz
são capitalista, o discurso do desenvolvimento mostrou que novos valores e condiciona hábitos, ratifica e direciona a
não passa, decorridos mais de trinta anos, de uma ideolo- demanda e o consumo de bens e serviços urbanos.
gia justificadora da internacionalização do capital. O papel das cidades na distribuição de bens e serviços
Em realidade os investimentos de capital, ao invés de acentuou-se com o capitalismo. Nesta acentuação verificou-
promoverem uma homogeneização do espaço, incluindo-se sé uma integração paulatina das cidades, originando redes
aí a eqüidade sociàl, serviram para redefinir os padrões da regionais e nacionais de centros. A integração foi acompa-
diferenciação espacial, alterando-os em termos de divisão nhada pela hierarquização das cidades, uma decorrência
dos diferenciais 'de demanda e oferta de bens e serviços.
6Cf. PALLOIX, Christian. La internacionalización de! capital. Madrid, H. Formaram-se então redes de distribuição de bens e serviços,
Blume Ediciones, 1978. isto é, de ·localidades centrais.
68 69
Cqnvém lembrar que inversamente à comercialização zam a renovação dos estoques das lojas . Os pedidos são ex-
de produtos rurais , onde o campo está no começo do cir- pedidos das metrópoles para a rede da empresa industrial;
cuito, recebendo pouco pelo que produz, no que diz respei- as mercadorias são encaminhadas da fábrica ou de um de-
to à distribuição, os habitantes do campo, e também os pósito central diretamente para o varejista.
das pequenas cidades encravadas na zona rural, encontram- Ao se eliminar o atacadista introduz-se alterações na
se no final do circuito, pagando mais caro pelos produtos estrutura funcional das cidades regionais. Entretanto, o co-
que adquirem. A rede de distribuição é assim uma rede de merciante atacadista pode permanecer em razão da existên-
extração de lucros comerciais . Vejamos como elas, num es- cia de um amplo setor varejista que não dispõe de éscala su-
quema tradicional, funcionam. ficiente para realizar compras diretamente dos grandes fa-
O industrial da grande cidade vende seu produto a bricantes: estes exigem um mínimo de valor ou volumes
um atacadista de uma cidade regional que, ao revendê-lo comprados em cada transação comercial. Justifica-se então
ao comerciante varejista da pequena cidade, adiciona uma a existência de atacadistas para os pequenos varejistas: al-
margem de lucro ao preço pago ao industrial. O comercian- guns tornaram-se poderosos, como se exemplifica com as
te varejista, por sua vez, adiciona a sua margem de lucro firmas Alô Brasil, de Goiânia, e Martins, de Uberlândia,
ao realizar a venda ao consumidor final, o homem do cam- qqe atuam em vasta área do território nacional.
po e da pequena cidade. As extrações sucessivas de lucros As redes de localidades centrais que se estabeleceram
comerciais constituem, na realidade, etapas necessárias do no Brasil fornecem um rico e variado conjunto de padrões
processo de realização do valor e da mais-valia. espaciais e modelos funcionais de distribuição de bens e ser-
A concentração da produção em poderosas indústrias viços. Padrões e modelos onde coexistem as formas mais
que apresentam um caráter oligopolista e a crescente inte- modernas de distribuição ao lado das mais tradicionais: fi-
gração territorial via uma cada vez mais densa rede rodoviá- liais regionais de vendas das grandes indústrias, atacadistas
ria asfaltada e modernos meios de comunicações têm leva- decadentes ou prósperos, representantes comerciais, cadeias
do a mudanças na rede de distribuição. Por outro lado, a de lojas departamentais- especializadas ou de supermerca-
concentração no setor terciário produziu grandes empresas , dos - a "feira" - entendida como mercado periódico
muitas das quais organizadas em cadeias de lojas, e todas - o "regatão" da Amazônia, e a pequena loja especializa-
realizando operações de compra em larga escala. Todas es- da ou que de tudo vende um pouco etc. Os diversos padrões
tas transformações - na produção, circulação e distribui- e modelos traduzem as diferentes estratégias e possibilida-
ção - levaram à progressiva eliminação do atacadista da des de realização efetiva do valor e da mais-valia, tendo
cidade regional, alterando assim a rede urbana. em vista a variabilidade no espaço da demanda efetiva, re-
Assim, grandes empresas que produzem bens cujo con- sultante, em última instância, de combinações distintas de
sumo é muito freqüente, implicando a alta rotatividade dos densidade demográfica, nível de renda e padrões culturais.
estoques das lojas - artigos de limpeza e higiene pessoal, As diferenças existentes, que vão traduzir-se em várias
alimentos em conserva, entre outros -, possuem filiais de redes de distribuição atuando com base em uma mesma re-
:venda.em centros metropolitanos regionais como Porto Ale- de urbana, constituem uma temática extremamente signifi-
gre, Belo Horizonte, Salvador e Recife. Deles partem perio- cativa para pesquisas, com o propósito de contribuir para
dicamente viajantes que, com itinerários prefixados , reali- a compreensão da complexa rede urbana brasileira e seu pa-
70 71
pel no processo de acumulação capitalista e de reproqução Estas funções- comercialização de produtos rurais, produ-
dos diferentes grupos sociais. ção industrial, vendas vareji?tas, prestação de serviços di-
versos etc. - reportam-se aos processos sociais, dos quais
A difusão de valores e ideais a criação, apropriação e circulação do valor excedente cons-
titui-se no mais importante; ganhando características especí-
A grande cidade desempenha ainda o papel de centro ficas na estrutura capitalista. Em outros termos, estrutura,
difusor de idéias e valores capitalistas. A finalidade última processo, função e forma são, conforme aponta Milton San-
desta difusão é a de criar condições de reprodução de to- tos, categorias de análise da realidade social, devendo ser
do o sistema social. Trata-se de um ideário, transformado consideradas no estudo da rede urbana. 7
em iqeologia, por meio do qual difundem-se idéias e valo- A conexão entre estrutura, processo , função e rede ur-
res que são apresentados corrio modernos, urbanos, senão bana, enquanto forma espacial, diz respeito não apenas ao
metropolitanos, e cosmopolitas. presente, mas também ao passado através de suas "rugosida-
Justifica-se assim a modernização do campo, a implan- des". A força de inércia da forma espacial criada no passa-
tação de filiais das grandes empresas nacionais e multinacio- do, especialmente em virtude de uma certa flexibilidade fun-
nais no país, o papel crescente do Estado capitalista, e o ca- cional das cidades, exerce um papel marcante nas redes urba-
ráter natural - fora do controle social, portanto - da ex- nas criadas no bojo de outros modos de produção, ou de fa-
ploração e das diferenças sócio-espaciais; os conflitos sociais ses distintas do capitalismo. Deste modo é necessário que
são minirnizados ou solucionados, e as notícias selecionadas. se tenha cautela quando consideramos a rede urbana enquan-
· As redes nacionais de televisão constituem um bom to forma espacial. Processo e forma implicam relações que
exemplo, senão o melhor, dos veículos através dos quais di- podem ser complexas, iludindo o pesquisador. Formas seme-
funde-se todo um ideário urbano-capitalista. Estas redes es- lhantes podem ser originadas de processos distintos: neste
tão centralizadas nas duas maiores cidades do país, Rio de sentido, se do processo pode-se inferir qual a forma resultan-
J aneir'o e São Paulo, . estando estruturadas de acordo com te, o inverso não é verdadeiro, pois uma dada forma pode
os principais escalões da rede urbana brasileira - as metró- . ser originada de diferentes processos, como lembra Olsson. 8
poles regionais e as capitais regionais. Vejamos que formas espaciais a rede urbana pode assu-
Eis o segundo ciclo de exploração da grande cidade so- mir e qual o significado delas. Assume formas simples e
bre o campo e cidades menores. A acumulação de diversos complexas, isto não implicando uma necessária evolução
valores excedentes na grande cidade enseja novos investimen- das primeiras para as segundas.
tos de capital, reiniciando-se assim, via rede urbana, os ci-
clos da exploração e a aparente perpetuação do sistema social. A rede dendrítica
tica caracteriza-se primeiramente pela sua origem colonial, o qual privilegia parcialmente a cidade primaz em detrimen-
ou seja, é no âmbito da valorização dos territórios conquis- to de sua hinterlândia. Em realidade, à medida que se afas-
tados pelo capital europeu que nasce e se estrutura uma re- tam da cidade primaz, os centros urbanos diminuem grada-
de dendrítica. Seu ponto de partida é a criação de uma cida- tivamente de tamanho populacional, valor de vendas do co-
de estratégica e excentricamente localizada face a uma futu- mércio atacadista, serviços e em termos de expressão políti-
ra hinterlândia. Esta cidade, de localização junto ou próxi- ca. A figura 9 descreve diagramaticamente as característi-
mo ao mar, é o ~onto inicial de penetração e conquista do cas acima mencionadas.
território à sua retaguarda, e sua porta de entrada e saída. É no interior remoto da hinterlândia da cidade primaz
Desde o início concentra as principais funções econô- que se localizam os mercados periódicos . Mais além ainda
micas e políticas da hinterlândia, transformando-se em um o território transforma-se no campo de ação preferencial
núcleo desmesuradamente grande em relação aos demais de mascates, vendedores itinerantes sem localização defini-
centros que controla. É uma "cidade primaz". da, cuja função básica é a de promover a integração de
A cidade primaz concentra a maior parte do comércio áreas da fronteira econômica ao mercado mundial. E, na
atacadista exportador e importador, através do qual toda medida em que a área remota integra-se à economia mun-
.a região vê viabilizada a sua participação na divisão interna- dial de modo mais sólido, os mascates passam a ter uma lo-
cional do trabalho. Concentra assim a maior parte da ren- calização mais definida, quer em mercados periódicos,
da bem como a elite regional de raízes fundiária e mercan- quer em mercados permanentes. Ou então deslocam-se pa-
til. Principal mercado de trabalho urbano, transforma-se ra novas áreas de fronteira onde continuam a exercer o
no mais importante foco das correntes migratórias de desti- mesmo papel (ver o artigo de PLATTNER, S. M. in SMITH,
no urbano. C. A., 1976).
Em segundo lugar, a rede dendrítica caracteriza-se pe- Um.dos melhores exemplos de rede dendrítica foi aque-
lo excessivo número de pequenos centros, pequenos pontos- le da rede urbana da Amazônia no período áureo da borra-
de-venda indiferenciados entre si no que se refere ao comér- cha, 1890-1910 aproximadamente. Como cidade primaz,
cio varejista. Resulta esta característica do baixo nível de primeiro núcleo criado pelos portugueses, estava Belém,
demanda da população e de sua limitada mobilidade espa- ponto de conquista e portão da Amazônia. A rede urbana
cial, advinda em parte da precariedade das vias e meios de regional não era, em realidade, nada mais que a forma es-
transporte. pacial do sistema de comercialização da borracha, sistema
A ausência de centros intermediários intersticialmente · controlado pelas firmas de Belém. O comércio realizado pe-
localizados constitui-se em sua terceira característica. Deri- los "regatões", forma fluvial de mascate, tinha a função
va ela do padrão de interações comerciais atacadistas mar- de integrar os mais longínquos vales à rede comandada pe-
cado por múltiplas transações onde cada pequeno centro re- la capital paraense.
cebe de e envia para um núcleo maior e mais próximo da Na verdade, são muitos os exemplos de redes urbanas
cidade primaz. As interações assim direcionadas impedem regionais que no Brasil foram inicialmente estruturadas co-
o aparecimento de centros intermediários intersticialmente mo redes dendríticas. As de São Luís, Recife, Salvador e Rio
localizados. Tal padrão espacial de interações constitui, por de Janeiro são exemplos. A excentricidade locacional destas
outro lado, um esquema de drenagem de recursos em geral, cidades primazes constitui-se em uma notável "rugosidade".
74 75
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e consumo, com a coleta e distribuição intra-regional de
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cional dos fluxos vinculados à produção regional.
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Redes complexas
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A complexidade funcional, por outro lado, pode estar
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associada à existência de numerosos tamanhos demográfi-
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w cos de centros, sem que isto implique uma única regra, co-
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a.. mo aquela formulada por Zipf. Esta regra, para a qual exis-
~ tem evidências empíricas, nem por isso pode ser associada
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(.)
à complexidade funcional dos centros de uma rede urbana
o e, muito menos, ser vista como um modelo normativo.
Convém agora tecer um comentário sobre a questão
da forma espada! complexa da rede urbana. Ela é resultan-
te da ação de vários processos, cada um implicando locali-
zações específicas, dotadas de uma lógica que, se não é ine-
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o xorável, é simultaneamente própria a cada atividade e ao
w
a: o momento de sua implantação, e geral no âmbito do capita-
lismo, visando a maximização dos lucros. Mas qu.e não é
o aleatória: cada localização resulta de uma decisão dotada
o de maior ou menor racionalidade.
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I
dissecar a gênese e a natureza funcional e locacional de ca- evidência dos momentos diferenciados que caracterizam o
da atividade, considerando-se apenas o agregado de cida- seu processo genético-evolutivo.
des como se elas tivessem sido jogadas ao acaso sobre um Alguns segmentos da rede urbana incorporam vários
tabuleiro. momentos da história, enquanto outros podem ser mui-
to recentes, incorporando apenas o presente. Em outras
palavras, os processos sociais que definem e redefinem
Rede urbana e periodização uma rede urbana não atuam por igual em toda a sua ex-
tensão. A periodização verifica-se de modo espacialmen-
Do mesmo modo que se estabelece uma periodização te desigual.
da história, definindo-se períodos, é possível periodizar as Ao se caracterizar a rede urbana como objeto da perio-
formas espaciais, entre estas a rede urbana. dização é necessário que se tenha em conta a variação espa-
Os períodos da história podem ser considerados co- ço-temporal daqueles elementos gerais que lhe são pertinen-
mo sendo resultantes de uma operação intelectual que per- tes. Reportam-se eles às cristalizações materiais e às rela-
mite identificar tempos históricos. Cada um destes tempos ções vinculadas às instâncias econômica, jurídico-política
constitui-se em uma combinação dos elementos das instân- e ideológica. Os elementos da rede urbana a serem conside-
cias que compõem a totalidade social, a instância econômi- rados devem dar conta da gênese da rede urbana, da locali-
ca, jurídico-política e ideológica. Cada instância, contudo, zação absoluta e relativa das cidades - isto é, o sítio e a
por desfrutar de uma relativa autonomia no bojo da totali- posição -, da forma espacial da cidade e da rede, da paisa-
dade social, possui uma dinâmica própria, uma temporali- gem e das funções urbanas, dos agentes sociais envolvidos
dade específica. Deste modo cada combinação das instân- no processo de produção e das relações entre eles, e das ar-
cias, isto é, cada tempo histórico, é uma combinação de tem- ticulações com espaços externos ao da rede.
pos distintos. 9 Cada um dos elementos considerados pode assumir
As três instâncias acima indicadas entrecruzam-se e uma certa especificidade em cada uma das combinações es-
completam-se de diferentes modbs. As formas espaciais con- paço-temporais que participa. Assim, a localização relati-
têm e estão contidas nas três instâncias, constituindo desta va de uma cidade pode ter um significado especifico no mo-
maneira uma dimensão da totalidade social. Por esta razão · mento de sua criação, e outro em um momento posterior.
podem ser periodizadas. O mesmo se pode dizer do sítio. As diferentes especificida-
A este respeito Milton Santos afirm~ que cada lugar, des combinadas dos mesmos elementos, por outro lado, de-
cidade e, por extensão, a rede urbana, constitui uma reali- finem os diversos momentos da rede urbana. Assim, um da-
dade social resultante de uma combinação singular de variá- do momento pode ser caracterizado pela importância das
veis que datam de idades diferentes, havendo o que ele de- cidades ribeirinhas e comerciais, enquanto, no momento se-
nomina de tempo espacial próprio a cada lugar ou segmen- guinte, pela magnitude dos centros localizados em terra fir-
to da rede urbana. A periodização das formas espaciais é me e dotados de outras funções. As cidades do momento
a reconstrução do tempo espacial, ou seja, a colocação em anterior continuam a existir, porém situam-se em um pla-
no secundário no que se refere ao papel econômico e políti-
9 Cf. ALTHUSSER, Louis. Ler o capital. Rio de Janeiro, Zahar, 1980, v. 3. co que desempenham.
81
o papel de transfoimadora da sociedade. Também não de- tanto por metrópoles como por capitais regionais. São indi-
ve ser objetivo, agora no final do século XX, constatar se . cadas com base nas características internas de cada uma
a cidade cabeça da rede urbana é "parasita" ou "criado- em termos de épocas e processos distintos de valorização
ra" de sua hinterlândia: porque isto, via de regra, pressu- econômica. Admite-se que expressem diferentes padrões
põe a aceitação do reverso da medalha, isto é, a aceitação de participação no processo de criação, apropriação e circu-
do papel do planejamento do Estado capitalista em criar so- lação do valor excedente.
luções via, por exemplo, os pólos de desenvolvimento ou As redes urbanas de nível metropolitano que se indi-
as denominadas cidades de porte médio. Soluções que nun- ca são as seguintes: Belém, Curitiba, Goiânia e Fortaleza.
ca foram soluções. Uma alternativa que nos parece válida, Aquelas comandadas por capitais regionais são, entre tan-
mas que não será considerada na presente proposta, é a tas outras, as de Bagé, Caxias do Sul, São José do Rio Pre-
de estabelecer as conexões entre a rede urbana e o movimen- to, Montes Claros, Caruaru, Mossoró e Porto Velho·.
to operário, tal como Moreira procura fazer. Em segundo lugar sugere-se o estudo comparativo de
Vamos especificar um pouco mais a proposta. Conside- duas redes urbanas comandadas por capitais regionais. Es-
ramos ser necessário que se aprenda a gênese e a dinâmica tas redes devem ser diferentes no que se refere ao conteú-
da rede urbana, abordando: do social e econômico de suas hinterlândias ou ao momen-
(a) as condições externas e internas da criação, apro- to em que foram criadas. Em ambos os casos procurar-se-á
priação e circulação do valor excedente, suas mu- identificar a natureza e o significado destas diferenças. Al-
danças e as condições presentes;
(b) os diferentes agentes sociais que participam do pro-
cesso acima indicado, e o papel mutável de cada
j guns pares são a seguir indicados: Piracicaba e Jequié, Ma-
rília e Sobral, Campos e Cascavel, Lages e Imperatriz.
Esperamos que os resultados dos estudos a serem reali-
um deles; zados a partir destas proposições permitam uma maior com-
(c) o processo de articulação e rearticulação intra e in- preensão da natureza e significado da rede urbana brasileira.
ter-regional;
( d) a forma inicial da rede urbana e sua funcionalida-
de, bem como as mudanças verificadas;
(e) as conseqüências econômicas, sociais e políticas, a
cada momento, do modo como a rede urbana fun -
ciona.
Com isto em mente, é possível então analisar o proces-
so migratório, a comercialização dos produtos rurais e a
drenagem da renda fundiária; a análise dos investimentos,
a distribuição de bens e serviços e a difusão de valores e
idéias são também temas relevantes para serem abordados,
r
complementando o primeiro conjunto de temas indicados.
As nossas proposições tornam-se agora mais concretas,
indicando-se um conjunto de redes urbanas comandadas
91
Obra clássica e fundamental sobre hierarquia e área de Coletânea privilegiando as relações entre tamanho de ci-
influência das cidades, publicada originalmente em 1933. dade e desenvolvimento, e pólos de crescimento. Contém,
Foi influenciada pelos economistas clássicos (Smith e Ri- entre outros, artigos de François Perroux, J. Lasuén e
cardo), pelos marginalistas (Menger e Von Wieser), por Niles Hansen sobré pólos de crescimento.
Werner Sombart e Max Weber. Reflete também a longa GEIGER, Pedro P. A evolução da rede urbana brasileira.
tradição dos estudos geográficos alemães que .vêm de J. Rio de Janeiro, Centro Brasileiro de Pesquisas Educacio-
G. Kohl e R. Gradmann, entre outros. nais, 1962.
Na primeira parte são consideradas as relações econômi- Estudo pioneiro sobre o conjunto da rede urbana brasi-
co-espaciais estáticas e, a seguir, os processos que atuam leira e sua dinâmica. Referência básica.
alterando uma rede de localidades centrais. Seguem-se en- GEORGE, Pierre. Geografia urbana. Coord . da trad., Lilia-
tão uma proposição operacional e uma aplicação à re- na Laganá. São Paulo, Difel, 1983.
gião meridional da Alemanha. Contém um capítulo "A cidade e a região. As redes ur-
CLARK, David. Introdução à geografia urbana. Trad. de Lú- banas", onde são discutidas as principais relações entre
cia Helena Gerardi e Silvana Maria Pintaudi. São Pau- cidade e hinterlândia.
lo, Difel, 1982. HARVEY, David . Justiça social e a cidade. Trad. de Arman-
Contém capítulo sobre o tema "A localização urbana e do Correia da Silva. São Paulo, Hucitec, 1980.
o sistema urbano", onde as cidades são consideradas co- Coletânea de ensaios. O capítulo 6 é extremamente útil,
mo centros de serviços, centros de manufatura e centros abordando a dinâmica das relações cidade-campo a par-
gerenciais. tir da circulação do excedente.
CORRÊA, Roberto L. Repensando a teoria das localidades J OHNSON, E. A. J . The organization of space in developing
centrais. In: SANTOS, Milton, org. Novos rumos da geo- countries. Cambridge, Harvard University Press, 1970.
grafia brasileira. São Paulo, Hucitec, 1982. O conceito de' 'sistema dendrítico'' é discutido pelo autor .
Ensaio . Procura repensar a rede de localidades centrais
MARX, Karl & ENGELs; Friedrich. A ideologia alemã (I
como um produto do capitalismo.
- Feuerbach) . Trad. de José Carlos Bruni e Marco Au-
_ , coord. Regiões de influência das cidades. Rio de Ja-
rélio Nogueira. 5. ed. São Paulo, Hucitec, 1986.
neiro, IBGE-Ministério da Habitação e Urbanismo, 1987.
Um dos textos fundamentais do materialismo histórico,
Aplicação ao Brasil dos princípios básicos da teoria das
localidades centrais. Estudo descritivo, constitui-se em e também um clássico do tema cidade-campo, cuja dinâ-
um quadro de referência para outras pesquisas. mica é considerada. Leitura fundamental.
DUGRAND, Raymond. Villes et campagnes en Bas-Lan15ue- MOREIRA, Ruy. O movimento operário e a questão cidade-
doc. Paris, Presses Universitaires de France, 1963. campo no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1985.
Exame da dinâmica das relações cidade-região em área Análise da dinâmica da organização sócio-espacial brasi-
vitivinicultora marcada pela magnitude da propriedade leira. Os conceitos de "espaço molecular" e "espaço mo-
fundiária citadina. nopolista" são básicos para o tema.
FAISSOL, Speridião, org. Urbanização e regionalização; rela- PRED, Allan. Sistemas de cidades em economias adiantadas.
ções com o desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro, Trad. de Maria José Cyhlar Monteiro . Rio de Janeiro,
IBGE, 1975. Zahar, 1979.
96
As origens da Primeira
Guerra Mundial
Ruth Henig
Analisa a dinâmica da rede urbana norte-americana, pri- As origens da Segunda
Guerra Mundial
vilegiando o papel das grandes empresas na iirticulação Ruth Henig
dos centros da rede urbana. o Antigo Regime
W illiam Doyle
SANTOS, Milton. O espaço dividido; os dois circuitos da Formaçlo de palavras
em português
economia dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro, Val ter Kehdi
Liv. Francisco Alves, 1979. Maquiavelismo
Sérgi o Bath
Distingue dois espaços de atuação das cidades do Tercei- A Poética de Aristóteles
ligia M ilitz da Costa
ro Munà0: um está vinculado ao circuito superior, e o Conquista e colonizaçlo
outro ao circuito inferior. da América espanhola
J org e Luiz Ferre1ra
SINGER, Paul. Desenvolvimento econômico e evolução urba- Vozes verbais
Amini Boainain Hauy
na. São Paulo, Nacional, 1968. A década de 50 -
Populismos e metas
Estudo sobre a gênese e dinâmica de segmentos da rede desenvolvlmentlstas
no Brasil
urbana brasileira: São Paulo, Blumenau, Porto · Alegre, M arly Rodrigues
Belo Horizonte e Recife. A década de 60 -
Rebeldia, contelitaçlo •
represslo polltlca
_ . Economia política da urbanização. São Paulo, Brasilien- Maria Helena Paes
se, 1973. A década de 70 -
Apogeu e crise da ditadura
Coletânea incluindo estudo sobre a gênese e evolução militar brasileira
Nad ine Habert
da cidade, bem como sobre campo e cidade na América A década de 80 -
Latina. Brasil, quando a muitidAo
voltou às praças
Marly Rodrigues
SMITH, Caro! A., org. Regional analysis; v. 1, Economic Grande sertio: veredas -
systems; v. 2, Social syst~ms. New York, Academic Press, Roteiro de leitura .
Kathrin Holzermayr Rosenfleld
1976. o Impressionismo
Juan José Balzi
Coletânea de artigos sobre redes de localidades centrais A Semana de Arte Moderna
Neide Rezende
em áreas subdesenvolvidas. A Revolução Mexicana
i i
229 As Missões
Ju lio Ouevedo
230 O prfncipe - .
Roteiro de le1t~ra ,
Januário Fran c1sco M egale
231 Primeiras estórias -
Roteiro de leitura
Dác ia Antôn io de Castro
232 Sonetos de Camões -
Roteiro de leitura .
Antonio Medina Rodng ues
233 A rosa do povo e Claro
enigma _ Roteiro de leitura
Francisco Achcar
234 A ilustre Casa de Ramires -
Roteiro de leitura
José de Paula Ramos Jr .
235 Construtivismo - 'oe Piaget
a Emilia Ferreiro
Maria da Graça Azenha