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EDIÇÃO ESPECIAL: VENDAS

Philip Kotler, Neil Rackham e Suj Krishnaswamy

Em muitas empresas, a força de


vendas e o pessoal de marketing
brigam como Capuletos e Montéquios
- com resultados catastróficos.
Eis a saída para pôr fim à discórdia.

A ÁREA DE CRIAÇÃO DE PRODUTOS DESCOBRIU há anos


que pouparia tempo e dinheiro se consultasse
de antemão os colegas da manufatura em vez de
tentar impor um produto já acabado. Os dois braços
perceberam que não bastava coexistir — não quando po-
diam trabalhar juntos e gerar valor para a empresa e seus
clientes. Seria de supor que equipes de marketing e ven-
das, cujo trabalho também é profundamente interligado,
tivessem descoberto algo parecido. Mas não. Em geral,
são braços independentes da organização — e, quando
atuam juntos, nem sempre se entendem. Quando as ven-
das deixam a desejar, o marketing culpa a força de ven-
das pela má execução de um plano até ali brilhante. Já a
equipe de vendas alega que o marketing dita preços alto
demais e consome uma fatia excessiva do orçamento, que
deveria ser usada para contratar mais vendedores ou para

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pagar comissões maiores ao pessoal de vendas. Em linhas • Não é difícil para a empresa avaliar a qualidade da
gerais, o departamento de vendas tende a achar que o relação de trabalho entre vendas e marketing (este
marketing está por fora da realidade dos clientes. Já o artigo traz uma ferramenta de diagnóstico para tal).
marketing acha que a força de vendas é míope: focada • É possível tomar medidas práticas para promover uma
demais na experiência individual de cada cliente, pouco relação mais produtiva entre as duas áreas uma vez
informada sobre o grande mercado, incapaz de vislum- estabelecido o ponto do qual cada uma está partindo.
brar o futuro. Em suma, cada grupo costuma menos-
prezar a contribuição do outro. Diferentes papéis para o marketing
Essa falta de alinhamento acaba ferindo o desem-
penho da empresa. Vez após vez, em projetos de pesqui- ntes de examinarmos detidamente a relação
sa e consultoria, vimos os dois grupos tropeçarem (e a entre marketing e vendas, é preciso reconhecer
empresa sofrer) devido à ausência de sincronia. Já que a natureza da função de marketing varia de
quando vendas e marketing trabalham bem juntos há, modo considerável de empresa para empresa.
sem dúvida, um avanço substancial em métricas de A maioria das pequenas empresas (e a maioria das em-
desempenho importantes: o ciclo de vendas encolhe, presas é pequena) simplesmente não possui um grupo
o custo de entrada no mercado cai, o custo de venda é formal de marketing. Suas idéias de marketing vêm de
reduzido. Foi o que ocorreu quando a IBM integrou os gerentes, da força de vendas, de agências de publicidade.
grupos de vendas e de marketing e criou um novo braço, Ali, o marketing eqüivale a vendas — e não é visto como
o Channel Enablement. Antes da mudança, vendas e um modo mais amplo de posicionar a empresa.
marketing operavam independentemente um do outro, A certa altura, a empresa pequena de sucesso contrata
disseram Anil Menon e Dan Pelino, ambos executivos um ou mais profissionais de marketing para aliviar o
da IBM. O pessoal de vendas só se preocupava em aten- fardo da força de vendas. Esse novo pessoal conduz pes-
der à demanda de produtos, não em gerá-la. O marketing quisas para estimar o tamanho do mercado, escolher
não associava a verba gasta em publicidade às vendas os melhores mercados e canais e determinar motivos
registradas, de modo que o braço de vendas não podia e influências de potenciais clientes. Trabalha com agên-
enxergar o valor de iniciativas de marketing. E, como era cias externas em publicidade e em promoções. Desen-
precária a coordenação entre ambos, era comum o mar- volve material de apoio para ajudar a força de vendas
keting anunciar um novo produto justo quando a área a atrair clientes e fechar negócios. E, por fim, usa mala-
de vendas não estava preparada para capitalizar o lan- direta, telemarketing e eventos do setor para identificar
çamento. e qualificar alvos (leads) para a força de vendas. Nesse
Intrigados por essa separação de vendas e marketing, estágio, tanto vendas como marketing vêem a equipe
fizemos um estudo para identificar práticas exempla- de marketing como um complemento à força de vendas
res que pudessem melhorar o desempenho conjunto e — e a relação entre ambas em geral é positiva.
a contribuição geral das duas áreas. Entrevistamos du- À medida que a empresa cresce e prospera, seus exe-
plas de diretores de marketing e diretores de vendas para cutivos descobrem que a função do marketing não se li-
registrar a perspectiva de cada um. Examinamos a fundo mita à definição dos quatro Ps: produto, preço, posição
a relação entre vendas e marketing numa empresa de e promoção. Descobrem que um marketing eficaz exi-
maquinário pesado, numa fabricante de insumos, nu- ge gente com tarimba em segmentação, definição de
ma firma de serviços financeiros, numa empresa de siste- metas e posicionamento. Quando a empresa contrata
mas médicos, numa companhia de energia, numa segu- profissionais com essa capacitação, o marketing ganha
radora, em duas fabricantes de aparelhos eletrônicos independência. Além disso, passa a competir com ven-
de alta tecnologia e numa companhia aérea. Entre nossas das por verbas. A missão de vendas não mudou, mas a
conclusões: do marketing, sim. Surgem desavenças. Cada braço
• A função do marketing varia segundo a empresa e o assume tarefas que, a seu ver, o outro deveria estar fa-
estágio do ciclo de vida do produto, o que pode afetar zendo, mas não está. Com freqüência, a organização
profundamente o relacionamento entre vendas e constata que há uma área de marketing dentro de vendas
marketing. e uma área de vendas dentro do marketing. Nesse es-
• O conflito entre vendas e marketing se situa em duas tágio, o pessoal de vendas gostaria que o de marketing
grandes categorias: econômica e cultural. se concentrasse em oportunidades futuras (estratégia

Philip Kotler é titular da cátedra S.C. Johnson & Son Distinguished Professor of International Marketing na Kellogg School of
Management, da Northwestern University em Evanston, Illinois. Este é seu lie artigo para a HBR. Neü Rackham é professor visi-
tante da University ofPortsmouth, na Inglaterra, autor de Spin Selling (McGraw-Hill, 1988) e co-autor de Rethinking the Sales
Force (McGraw-Hill, 1999). Suj Krishnaswamy (sujk@stinsights.com) é fundadora e diretora da Stinsights (www.stinsights.com),
firma de estratégia administrativa e pesquisa de mercado de Chicago especializada na interface de vendas e marketing.

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de longo prazo) e deixasse ao de vendas as oportunidades sejo por um produto. Só que a força de vendas costu-
correntes (venda individual e em bloco). ma ver as grandes somas gastas em promoção — sobre-
Ao assumir tarefas mais sofisticadas, como a segmen- tudo em comerciais de TV — como dinheiro jogado fora.
tação, o braço de marketing passa a trabalhar em contato O diretor de vendas tende a achar que o dinheiro se-
maior com outros departamentos, sobretudo os de plane- ria mais bem gasto no reforço do porte e da qualidade
jamento estratégico, desenvolvimento de produtos, fi- da força de vendas.
nanças e manufatura. A empresa começa a pensar em Quando o marketing ajuda a definir o outro P, o pro-
termos de desenvolvimento de marcas em vez de produ- duto sendo lançado, o pessoal de vendas em geral
tos; gerentes de marca ganham poder na organização. se queixa de que o produto carece de recursos, do estilo
O grupo de marketing deixa de ser um humilde acessório ou da qualidade exigidos por seus clientes. É que a pers-
do departamento de vendas. Mira muito mais alto. O pes-
soal de marketing considera essencial transformar a or-
ganização numa empresa "movida a marketing". Ao in-
troduzir essa retórica, outros na empresa — incluindo
o grupo de vendas — questionam se o pessoal de marke-
ting tem a competência, a experiência e o conhecimento
para liderar a organização.
Embora sua influência em divisões de negócios cres-
ça, o marketing raramente adquire grande força no
comando-mor da empresa. Há exceções: Citigroup, Co-
ca-Cola, General Electric, IBM e Microsoft têm, todas,
um executivo de marketing no nível corporativo. Além
disso, é mais provável que o marketing norteie a estra-
tégia em grandes fabricantes de bens embalados como
General Mills, Kraft e Procter & Gamble. Mas, mesmo
assim, em tempos de crise o marketing é questionado
mais duramente — e sua equipe fica mais sujeita a cor-
tes — do que vendas.

Por que toda essa animosidade?


á duas fontes de atrito entre vendas e marketing.
Uma é econômica, outra cultural. O atrito eco-
nômico é causado pela necessidade de divisão
da verba total alocada pela cúpula gestora para
custear vendas e marketing. A rigor, a força de vendas
tende a criticar o modo como o marketing gasta o di-
nheiro em três dos quatro Ps: preço, promoção e pro-
duto. Tomemos o preço. O grupo de marketing sente
pressão para atingir metas de receita e quer que a for-
ça de vendas "venda o preço", em vez de "usar o preço
para vender". O pessoal de vendas geralmente prefere pectiva do grupo de vendas é moldada pelas necessidades
preços menores porque assim pode vender com mais de cada cliente. Já a equipe de marketing está interessada
facilidade e porque o preço baixo dá mais margem para em lançar produtos cujos recursos tenham amplo apelo.
negociação. Além disso, há tensão organizacional em A verba de cada grupo também reflete que depar-
torno de decisões de preço. Embora caiba ao marketing tamento detém mais poder na organização, fator signi-
definir preços sugeridos de varejo ou de tabela, e preços ficante. Na hora de repartir a verba, o presidente tende
promocionais, vendas tem a última palavra no preço a privilegiar o braço de vendas. "Por que devo investir
de transação. Quando é necessário um preço particu- em mais marketing quando posso obter resultados me-
larmente baixo, o marketing em geral não tem voz. O lhores contratando mais vendedores?" disse a nós o
diretor de vendas vai diretamente ao diretor de finanças cabeça de uma empresa. É comum o presidente encarar
— o que não deixa o grupo de marketing eufórico. a área de vendas como mais tangível, com mais impacto
Custos de promoção também são fonte de atrito. no curto prazo. Além disso, a contribuição do grupo
O grupo de marketing precisa gastar para despertar de vendas aos resultados é mais fácil de julgar do que
no cliente a consciência, o interesse, a preferência e o de- a do pessoal de marketing.

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O conflito cultural entre vendas e marketing é ain-


da mais arraigado que o conflito econômico. Em parte,
isso ocorre porque cada área atrai um tipo de gente
distinta, que gasta seu tempo de maneira muito distinta.
O pessoal de marketing, que até recentemente tinha mais
educação formal que o de vendas, é bastante analítico,
voltado a dados, focado em projetos. Seu grande in-
teresse é criar uma vantagem competitiva para o futu-
ro. Essa gente julga friamente o desempenho de seus pro-
jetos e é implacável com iniciativas infrutíferas. Só que
esse foco no desempenho nem sempre parece ação para
colegas de vendas, pois a coisa toda transcorre atrás
de uma mesa, e não lá fora, em campo. O pessoal de ven-
das, por sua vez, passa todo o tempo falando com clien-
tes reais e potenciais. É mestre no cultivo de relaciona-
mentos; não só sabe se a clientela está inclinada ou não
a comprar como fareja que recursos do produto vão em-
placar e quais serão ignorados. Quer estar sempre em
movimento. Está habituado à rejeição, e não se deprime
com isso. Vive para fechar uma venda. Não surpreende
que esses dois grupos de indivíduos achem difícil traba-
lhar a contento juntos.
Se a organização não alinha com carinho os incen-
tivos, os dois grupos também entram em conflito por
coisas aparentemente simples — como em que produtos e agendas. Um grupo pouco sabe sobre as atividades
concentrar as vendas. O pessoal de vendas talvez pro- do outro — até que surgem conflitos. Encontros entre
mova produtos de margens inferiores para cumprir sua os dois, em caráter ad hoc, provavelmente são voltados à
cota, embora o marketing queira que venda produtos solução de conflitos e não à cooperação pró-ativa.
de margens de lucro maiores e futuro mais promissor. Definido. No relacionamento definido, os dois grupos
Em termos mais gerais, o desempenho dos dois grupos é criam processos — e normas — para evitar atritos. O
julgado de modo bem distinto. O pessoal de vendas fa- lema é "boas cercas fazem bons vizinhos". O pessoal de
tura ao fechar vendas, e ponto. É fácil ver quem (e o quê) marketing e o de vendas sabem a quem cabe o quê,
se sai bem, quase que instantaneamente. Já a verba do e em geral se limitam àquilo que lhes diz respeito. Os dois
marketing é voltada a programas, não a pessoas — e leva grupos começam a estabelecer um vocabulário comum
muito mais tempo para alguém saber se um programa em áreas de potencial disputa — "Como definir um
ajudou a criar vantagens competitivas de longo prazo lead?", por exemplo. As reuniões ficam mais reflexivas;
para a empresa. alguns levantam questões como "O que esperamos uns
dos outros?" Os grupos trabalham juntos em grandes
eventos como feiras e conferências de clientes.
Quatro tipos de relacionamento Alinhado. Quando vendas e marketing estão alinha-
iante dos potenciais conflitos econômicos e cul- dos, há fronteiras claras, mas flexíveis, entre ambos.
turais, seria de esperar que surgisse certa ten- Os dois promovem treinamento e planejamento em con-
são entre marketing e vendas. E, com efeito, junto. O grupo de vendas entende e usa termos do mar-
costuma haver, sim, um certo grau de disfunção, keting como "proposta de valor" e "imagem da marca".
mesmo quando os chefes dos dois grupos se dão bem. O pessoal de marketing ouve o de vendas sobre contas
Os departamentos de vendas e marketing nas empresas importantes. Além disso, exerce um papel em vendas
que estudamos exibem quatro tipos de relacionamen- transacionais, ou comoditizadas.
to. Essa relação vai mudando à medida que cada grupo Integrado. Com vendas e marketing totalmente inte-
amadurece — passando da falta de alinhamento (e de grados, as fronteiras desaparecem. Os grupos reformu-
uma situação em geral conflituosa) à plena integração lam o relacionamento para partilhar estruturas, siste-
(e à ausência de conflito). Poucas vezes, porém, vimos mas e recompensas. O marketing — e em menor escala
casos de total integração das duas áreas. vendas — passa a se concentrar em tarefas estratégicas
Indefinido. Quando o relacionamento é indefinido, voltadas ao futuro (como a sondagem de mercado) e às
vendas e marketing cresceram de modo independente, vezes se desdobra em grupos upstream e downstream.
cada qual envolvido basicamente com as próprias tarefas O pessoal de marketing se envolve profundamente na

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gestão de contas importantes. Os dois grupos projetam força de vendas. O ideal talvez seja que os chefes de ven-
e implementam métricas comuns. O processo orçamen- das e de marketing estabeleçam uma relação mais ali-
tário fica mais flexível e menos contencioso. Surge a nhada e promovam, juntos, novas capacitações. Para pas-
cultura do "sucesso ou fracasso juntos". sar da relação definida para a alinhada:
Criamos um instrumento de avaliação para ajudar a Incentive a comunicação disciplinada. Para melhorar
organização a tomar o pulso da relação entre os depar- o relacionamento entre dois departamentos da empresa,
tamentos de vendas e de marketing (veja o quadro "Ven- o primeiro passo é, inevitavelmente, melhorar a comu-
das e marketing trabalham bem juntos?")- Criada para nicação. A coisa, porém, não é tão simples como aumen-
que pudéssemos entender melhor a situação observa- tar a comunicação entre os dois. Maior comunicação
da em nossa pesquisa, a ferramenta foi rapidamente custa caro — é algo que consome tempo, arrasta a to-
adotada pelos executivos que estudávamos para uso pró- mada de decisão. Sugerimos, antes, a comunicação mais
prio. Sem um instrumento objetivo desses, é muito di- disciplinada. Promova reuniões regulares entre vendas
fícil para o gestor julgar a cultura e o ambiente de tra- e marketing (pelo menos trimestrais, talvez bimestrais
balho da empresa. ou mensais). Certifique-se de que grandes oportunida-
des, bem como problemas, entrem na pauta. Focalize a
discussão em medidas que possam sanar problemas,
Hora de avançar e até abrir oportunidades, no intervalo até a reunião

U
ma vez que uma organização entenda a natureza seguinte. Vendedores e gente de marketing devem sa-
da relação entre seus grupos de marketing e de ber quando e com quem se comunicar. A empresa de-
vendas, a cúpula gestora talvez queira promover ve formular diretrizes e processos sistemáticos como
um alinhamento mais forte entre os dois (o que "É preciso envolver o gerente de marca toda vez que
nem sempre é necessário; o quadro "É preciso um ali- a oportunidade de vendas superar os US$ 2 milhões"
nhamento maior?" pode ajudar a empresa a decidir ou "Nenhum material de apoio do marketing irá para
se deve ou não mudar algo). a gráfica sem passar pelo pessoal de vendas" ou "O mar-
Da relação indefinida à definida. Se a divisão de ne- keting será convidado para a avaliação das dez principais
gócios ou a empresa forem pequenas, é bem possível que contas". É preciso, ainda, montar um banco de dados
a relação entre o pessoal de vendas e o de marketing seja atualizado e fácil de usar com fontes de apoio. As pessoas
boa e informal, e dispense ajustes. Isso ocorre sobretudo ficam frustradas — e perdem tempo — buscando aju-
quando o grande papel do marketing é apoiar a força de da no lugar errado.
vendas. No entanto, a alta direção deve intervir se sur- Crie missões conjuntas; reveze funções. À medida que o
gem conflitos regularmente. Como observamos lá atrás, alinhamento dos departamentos aumenta, é importante

a organização constata que há uma área do


marketing dentro de vendas e uma área de vendas dentro do marketing.

isso costuma ocorrer porque os grupos competem por criar oportunidades para que o pessoal de marketing e o
recursos escassos e porque seus respectivos papéis não de vendas trabalhem juntos. Isso familiarizará um como
foram claramente definidos. Aqui, é preciso estabelecer o modo de pensar e agir do outro. Para gente de marke-
regras claras de interação — incluindo pontos de trans- ting, sobretudo pesquisadores e gerentes de marca, é útil
ferência de tarefas importantes como o cortejo de poten- acompanhar visitas de vendas de vez em quando — e se
ciais clientes. envolver na busca de soluções alternativas para clientes
Da relação definida à alinhada. Um relacionamento desde o início do processo de vendas. Deveria, também,
definido pode ser confortável para ambas as partes. participar de reuniões importantes de planejamento
"Pode até não ser perfeito", ouvimos de um diretor de contas. Já o pessoal de vendas deveria ajudar a formu-
de vendas, "mas é muito melhor do que antes." Só lar planos de marketing e participar de reuniões de pla-
que ficar nesse nível não será salutar se o setor estiver nejamento de produtos. Deveria conferir de antemão
sofrendo mudanças substanciais. Se o mercado estiver campanhas publicitárias e de promoção de vendas. De-
se comoditizando, por exemplo, uma força de vendas veria partilhar seu profundo conhecimento de hábitos
tradicional talvez seja onerosa demais. Já se o mercado de compra de clientes. O pessoal de marketing e o de
ruma para a customização, será preciso recapacitar essa vendas deveriam criar, juntos, uma cartilha para expan-

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Fim da g u e r r a entre vendas e marketing

são dos negócios com as dez principais contas de cada Vai a reuniões da equipe, a reuniões com o cliente, a reu-
segmento de mercado. Também juntos, deveriam plane- niões de estratégia do cliente. Não desenvolve um pro-
jar eventos e conferências. duto, mas volta e diz: 'Eis o que esse mercado precisa. Eis
Indique alguém do marketing para trabalhar com a o que está surgindo', e então trabalha de mãos dadas com
força de vendas. Esse indivíduo precisa ter a confiança de o vendedor e o cliente para desenvolver o produto."
ambos os grupos. Sua função é ajudar a resolver conflitos Situe lado a lado o pessoal de marketing e de vendas. Já
e compartilhar com cada grupo o conhecimento tácito está mais do que provado que quando fisicamente próxi-
do outro grupo. É importante não interferir demais nas mas as pessoas interagem com mais freqüência e são
atividades dessa pessoa. Um profissional de marketing mais propensas a trabalhar bem juntas. Um banco que es-
em nosso estudo descreveu o papel desse contato da se- tudamos instalou os braços de vendas e de marketing
guinte forma: "É alguém que vive com a força de vendas. num centro comercial vazio: cada um dos diversos gru-

É preciso um alinhamento maior?


A natureza da relação entre vendas e marketing em sua organização pode cobrir todo o espectro — de indefinida (equipes agem
com independência) a integrada (equipes partilham estruturas, sistemas e recompensas). Nem toda empresa quer, ou deve, pas-
sar da relação indefinida à definida ou da definida à alinhada. A tabela abaixo pode ajudá-lo a decidir sob que circunstâncias a
empresa deve promover uma integração maior dos braços de vendas e marketing.

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pos e equipes de vendas e de marketing foi instalado keting pode pedir, por exemplo, que o diretor de ven-
num escritório. Sobretudo nos estágios iniciais de um das sintetize as descobertas da força de vendas no mês
esforço de alinhamento maior, esse tipo de proximida- ou trimestre. Ou o marketing pode criar formulários para
de é uma bela vantagem. A maioria das empresas, po- informes mais breves, analisar relatórios de visitas e
rém, centraliza o marketing e deixa geograficamente dados de CRM de modo independente, ou pagar aos
dispersos os integrantes do braço de vendas. Nesse ca- vendedores para serem entrevistados por gente de mar-
so, é preciso mais empenho para facilitar a comunica- keting e para sintetizar o que vai pela cabeça de seus
ção entre as duas funções e para promover um trabalho colegas de vendas.
compartilhado. Da relação a l i n h a d a à integrada. A maioria das
Melhore o feedback da força de vendas. O marketing empresas funcionará bem se vendas e marketing esti-
está sempre se queixando de que o pessoal de vendas verem alinhados. Isso vale sobretudo se o ciclo de vendas
não tem tempo para partilhar suas experiências, idéias for relativamente curto, o processo de vendas for ra-
e insights. Com efeito, poucos vendedores têm motiva- zoavelmente linear e não houver uma cultura forte
ção para gastar seu precioso tempo dividindo com o de responsabilidade partilhada. Em situações complica-
marketing tudo o que sabem sobre o cliente. Afinal, têm das ou em rápida evolução, há bons motivos para pro-
cotas a cumprir e tempo limitado para visitas e ven- mover uma relação integrada entre vendas e marke-
das. Para alinhar melhor vendas e marketing, a direção ting (o quadro "Guia de integração de vendas e marke-
precisa garantir que a experiência da força de vendas ting" traça questões a serem exploradas). Isso significa
possa ser explorada com um mínimo de distúrbio. O mar- integrar atividades diretas como planejamento, defini-

Guia de integração de vendas e marketing


Para promover a integração entre vendas e marketing sua empresa deve se concentrar nas seguintes tarefas:

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Funil de compra
Pela tese convencional o marketing responderia pelos pri-
meiros quatro passos do funil de compra típico — cons-
cientização do cliente, conhecimento da marca, conside-
ração da marca e preferência pela marca (o funil reflete o
modo como marketing e vendas influenciam decisões de
compra do cliente). O marketing gera preferência pela
marca, cria um plano de marketing e busca leads para ven-
das antes de entregar a execução e o acompanhamento a
vendas. Tal divisão de trabalho deixa o marketing focado
em atividades estratégicas e impede que se intrometa em
oportunidades de vendas isoladas. Se as coisas não cor-
rem bem, começa o jogo da culpa. Vendas critica o plano
para a marca, e o marketing acusa vendas de não traba-
lhar com afinco ou inteligência suficientes.
O grupo de vendas é responsável pelos quatro últi-
mos passos do funil — intenção de compra, compra,
fidelidade do cliente e defesa do cliente. Em geral, ven-
das desenvolve o próprio funil para atividades de ven-
da nos dois primeiros passos (incluindo prospecção, de-
finição de necessidades, preparação e apresentação de
propostas, negociação de contratos e implementação
da venda). Tirando a geração de leads na fase de pros-
peccão, o marketing em geral não exerce nenhum papel
nessas tarefas.

cão de alvos, avaliação de clientes e desenvolvimento de cliente, título usado em empresas como Kellogg's,
de propostas de valor. Já integrar processos e sistemas Sears Roebuck e United Air Lines. Em certas empresas
dos dois grupos é mais difícil; é preciso trocá-los por o diretor de cliente pode ser mais uma espécie de om-
processos, métricas e sistemas de recompensa comuns. budsman ou defensor do cliente, embora o título tam-
A organização deve montar bancos de dados parti- bém possa indicar uma responsabilidade maior pela
lhados, bem como mecanismos para o contínuo aprimo- gestão da receita.
ramento. O mais difícil é mudar a cultura para garan- Defina etapas nos funis de marketing e de vendas. Ven-
tir o suporte à integração. Os melhores exemplos de das e marketing são responsáveis por uma seqüência
integração que encontramos foram de empresas que de atividades e eventos (às vezes chamada de funil)
já prezavam a divisão de responsabilidades e o plane- que levam o cliente a comprar e, se tudo correr bem,
jamento disciplinado; que eram movidas a métricas; a estabelecer uma relação duradoura. Um funil desses
que vinculavam recompensas a resultados; e que eram pode ser descrito a partir da perspectiva do cliente ou
administradas através de sistemas e processos. Para do vendedor (um funil típico, baseado na seqüência
passar de uma relação alinhada para uma integrada: de decisão do cliente, aparece no quadro "Funil de com-
Nomeie um diretor de receita (ou de cliente). A princi- pra"). O marketing em geral é responsável pelos pas-
pal justificativa para a integração de vendas e marketing sos iniciais — despertar a atenção do cliente e cultivar
é que os dois braços têm uma meta comum: a geração sua preferência pela marca, criar um plano de marketing
de uma receita rentável e cada vez maior. Faz sentido e gerar leads para vendas. Cabe a vendas executar o pla-
colocar ambos sob um executivo pertencente à direto- no de marketing e cortejar os leads. Essa divisão de tra-
ria. Empresas como Campbell's Soup, Coca-Cola e FedEx balho tem méritos. É simples e impede o marketing de
têm um diretor de receita responsável pelo planeja- se envolver demais em oportunidades de vendas indivi-
mento e pela geração da receita necessária à consecu- duais à custa de atividades mais estratégicas. Só que en-
ção das metas da empresa. O diretor de receita deve ter tregar o trabalho a vendas traz sérios riscos. Se as coisas
controle sobre as forças que afetam a receita — sobre- não vão bem, vendas pode dizer que o plano era ruim.
tudo marketing, vendas, serviços e definição de preços. Já o marketing pode dizer que o pessoal de vendas não
Esse gerente também pode ser chamado de diretor agiu com suficiente afinco ou inteligência. Além disso,

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o pessoal de marketing pode perder contato com clien- e oportunidades de negócios da empresa. A equipe
tes ativos. Vendas, por sua vez, costuma ter um funil upstream compartilha seus insights com altos gerentes
próprio para descrever a seqüência de tarefas de ven- e criadores de produtos — e participa do desenvolvi-
da. Um funil desses — integrado ao sistema de CRM e mento de produtos.
a processos de projeção de vendas e análise de contas Estabeleça metas de receita e sistemas de recompensa
— é uma base cada vez mais relevante para a ges- comuns. A organização integrada não terá sucesso se
tão de vendas. Infelizmente, o marketing não costu- vendas e marketing não dividirem a responsabilida-
ma ter voz nesses processos. Certas empresas em nosso de por metas de receita. "Vou usar tudo o que for pre-
estudo, porém, integraram o marketing ao funil de ciso para garantir o sucesso de vendas — pois no final
vendas. Durante a prospecção e a qualificação, por das contas também sou julgado pela meta de vendas",
exemplo, o marketing ajuda vendas a criar padrões disse um gerente de marketing. Uma das barrei-
comuns para leads e oportunidades. Durante a etapa ras a metas comuns, contudo, é a espinhosa questão
de definição das necessidades, o marketing ajuda ven- da partilha de recompensas. O pessoal de vendas tradi-
das a formular propostas de valor. Na fase de concep- cionalmente trabalha por comissão; o pessoal de mar-
ção de soluções, o marketing fornece material de apoio keting, não. Para integrar bem as duas funções, a gerên-
a soluções — modelos organizados e guias de custo- cia terá de rever a política geral de remuneração.
mização para que o pessoal de vendas possa criar Integre as métricas de vendas e de marketing. A ne-

friamente o desempenho de seus


projetos. Só que esse foco no desempenho nem sempre parece ação
para os colegas de vendas.

soluções para os clientes sem ter de estar sempre rein- cessidade de métricas comuns torna-se crucial à medi-
ventando a roda. Quando o cliente está prestes a de- da que o marketing é inserido no processo de vendas
cidir, o marketing contribui com estudos de caso, his- e que vendas faz um papel mais ativo no marketing.
tórias de sucesso e visitas às instalações para ajudar a "Para termos o contato que temos com o cliente",
dissipar qualquer dúvida do cliente. E, durante a ne- diz Larry Norman, superintendente do Financial Mar-
gociação do contrato, o marketing assessora a equi- kets Group, parte do grupo Aegon USA, "precisa-
pe de vendas com o planejamento e a definição de mos ser movidos a métricas e contar com indicadores
preços. Naturalmente, ao envolvimento do marketing do desempenho tanto de vendas quanto do marke-
no funil de vendas deveria corresponder o envolvimen- ting." Num nível mais geral, empresas como General
to de vendas nas decisões estratégicas que o grupo de Electric têm "o número" — a meta de vendas com a
marketing está tomando. O pessoal de vendas deve- qual vendas e marketing estão comprometidos. É pre-
ria participar, ao lado do marketing e de P&D, de de- ciso lembrar, porém, que por maior que seja a inte-
cisões de segmentação de mercado, de oferta de pro- gração de vendas e marketing o ideal é adotar também
dutos (a quais segmentos) e de posicionamento de tais métricas para medir e premiar cada grupo de modo apro-
produtos. priado.
Divida o marketing em dois grupos. Há fortes ra- É mais fácil definir e monitorar métricas de ven-
zões para dividir o marketing num grupo estraté- das. Entre as mais comuns estão o percentual da cota
gico (upstream) e num tático (downstream). O marketing de vendas atingido, o número de novos clientes, o
tático desenvolve campanhas publicitárias e promocio- número de vendas fechadas, o lucro bruto médio por
nais, material de apoio, casos, ferramentas de vendas. cliente e despesas de vendas em relação ao total ven-
Ajuda o pessoal de vendas a desenvolver e qualifi- dido. Quando o pessoal tático do marketing se envolve
car leads. A equipe estratégica usa a pesquisa de merca- no processo de vendas — em equipes de contas cruciais,
do e o feedback de representantes de vendas para aju- por exemplo —, faz sentido medir e premiar seu desem-
dar a vender produtos existentes em novos segmentos penho usando métricas de vendas. Como, então, avaliar
de mercado, criar novas mensagens e projetar ferramen- o pessoal do marketing estratégico? Com base na
tas de vendas melhores. O marketing upstream dedi- precisão da projeção de produtos, ou no número
ca-se à sondagem do cliente. Ou seja, monitora a voz de novos segmentos de mercado que descobre? A mé-
do cliente e desenvolve uma longa visão de ameaças trica vai variar conforme a atividade de marketing.

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Fim da g u e r r a e n t r e v e n d a s e m a r k e t i n g

Altos gerentes devem estabelecer parâmetros distintos


para gerentes de marca, pessoal de pesquisa de mercado, É comum a direção descrever a relação de trabalho en-
gerentes de sistemas de informação de marketing, ge- tre vendas e marketing como insatisfatória. Os dois la-
rentes de publicidade, gerentes de promoção de vendas, dos, diz, não se comunicam o bastante, deixam a dese-
gerentes de segmento de mercado e gerentes de produto. jar no desempenho e se queixam demais. Nem toda
Fica mais fácil montar um conjunto de métricas quando empresa quer — ou deve — avançar da relação defi-
objetivos e tarefas do marketing es tão claramente traça- nida para a alinhada ou da alinhada à integrada. Mas
dos. Ainda assim, já que o pessoal do marketing estraté- toda empresa pode e deve melhorar a relação entre
gico dedica-se mais a plantar as sementes de um futuro vendas e marketing. Quando bem planejada, essa melho-
melhor do que a ajudar a colher a safra atual, métricas ria trará para o cerne da empresa o conhecimento ínti-
usadas para julgar seu desempenho são necessariamente mo que o pessoal de vendas tem da clientela. Vai, ainda,
menos tangíveis e mais subjetivas. ajudar a empresa a atender melhor o cliente hoje e a
Naturalmente, a diferença entre julgar resultados criar produtos melhores para o futuro. Vai ajudá-la a
presentes e futuros complica, para a empresa, a tarefa conjugar a habilidade intangível de forjar relações com
de criar métricas comuns para vendas e marketing. O uma capacitação analítica mais concreta. Vai levar a
marketing upstream, particularmente, precisa ser ava- empresa a pensar com carinho na forma como recom-
liado segundo o que gera ao longo de um período mais pensa o pessoal e se tais sistemas de recompensa são apli-
longo. O pessoal de vendas, por seu lado, age com o cados com justiça em toda área. E, melhor de tudo, essa
intuito de converter a demanda potencial em ven- melhoria vai turbinar o crescimento tanto da receita
das hoje. Com a relação de trabalho entre vendas e quanto do lucro.
marketing mais interativa e interdependente, a orga-
nização integrada continuará a enfrentar esse problema
— difícil, mas longe de insuperável.

— Sinceramente, prefiro esperar o patrocínio certo.

JULHO 2006 53
Fonte: Harvard Business Review, v.84, n.7, p.42-53, jul.2006

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