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O Tesouro de Vix 1

Henri-Paul Eydoux

A mais rica descoberta da Gália independente

O Tesouro de Vix

1 Introdução

Todas as quartas-feiras, a venerável Sociedade Nacional dos Antiquários da França,


fundada em 1804 e que conta em seu seio com os maiores especialistas em história e em
arqueologia, dentre os quais dezesseis membros do Instituto, reúne-se na grande sala,
solene e lambrisada, do Conselho dos Museus Nacionais no Palácio do Louvre. A
ordem do dia comporta comunicações sobre a Antiguidade e sobre a Idade Média.

No dia 21 de janeiro de 1953, a assembleia ouviu primeiramente uma exposição sobre


“a primeira obra de arte egípcia realizada na França no séc. XVIII”, depois uma segunda
sobre “as descobertas arqueológicas feitas na região de Mailhac, no Aude”. A hora
avançava quando Guy Gaudron, inspetor dos museus e membro da sociedade, foi
sentar-se no lugar designado para os autores de comunicações, na extremidade da
imensa mesa. No tom pacífico que convém a uma assembleia “essencialmente estudiosa
e calma”, como ela mesma gosta de lembrar, ele anunciou que René Joffroy, sócio
correspondente nacional, havia descoberto em Vix, próximo a Châtillon-sur-Seine, “um
magnífico móvel funerário do período céltico, cuja principal peça consiste em uma
imensa cratera de bronze, altura 1,50m, com decoração grega arcaica”. O relatório
acrescenta que três membros da sociedade tomaram a palavra em seguida e
“concordaram em sublinhar o caráter excepcional do achado, que coloca em pauta de
uma só vez problemas de capital importância”.

Foi anunciada assim, pela primeira vez, uma das mais sensacionais descobertas
arqueológicas jamais feitas na França. Em 15 de maio seguinte, o próprio René Joffroy
compareceu perante a Academia de Inscrições e Letras e apresentou o resultado
completo de suas pesquisas. Os céticos renderam-se às evidências. Os amadores de
história anedótica teriam podido, de fato, registrar que alguns especialistas, mal
informados, haviam por um momento emitido algumas dúvidas sobre essas descobertas
que – é necessário reconhecer – transtornavam muitos dos conhecimentos adquiridos.

2 Sobre o monte Lassois, anos de escavações

No entanto, René Joffroy era conhecido por seus trabalhos e seus achados. Como ele se
tornou arqueólogo? Dificilmente poderemos saber, pois ele é modesto e discreto sobre
seus motivos. Felizmente, sua bonomia, sua sorridente cordialidade, assim como sua
indulgência com respeito a seus confrades – que não é regra geral, é necessário dizer, no
meio dos arqueólogos – valem-lhe simpatias unânimes e numerosos amigos. E
chegamos a saber por intermédio destes que se trata de uma vocação de juventude, de
uma notável precocidade. Originário do Alto Marne, quando ainda estava no liceu o
jovem Joffroy havia retomado as escavações de um cemitério merovíngio situado
próximo a Chaumont, que já havia sido bem explorado. Ele gostava de fazer longos
passeios pelos campos, procurando sílices talhados, fazendo coleções, principalmente de
entomologia. A familiaridade com a terra e a natureza, o estudo das paisagens são as
virtudes primeiras para o arqueólogo.

Todavia, foi em direção à filosofia que se orientou René Joffroy. Ele fez sua licenciatura
e, com sua desmobilização em 1940, foi nomeado para o colégio de Châtillon-sur-Seine
para fazer uma simples substituição de três meses. Lá permaneceu, no entanto, por
dezessete anos, até 1957, data em que foi nomeado conservador adjunto no Museu de
Antiguidades Nacionais, em Saint-Germain-en-Laye.

Châtillon-sur-Seine: uma pequena cidade com aproximadamente cinco mil habitantes,


uma etapa da rota de Paris a Dijon passando por Troyes, à margem do Sena, que tem
sua nascente a uns cinquenta quilômetros de distância e ainda não passa de uma estreita
ribeira. A história deixou aí grandes lembranças (foi à sombra de sua igreja de Saint-
Vorles que São Bernardo fez seus estudos) e alguns monumentos interessantes. A
última guerra, infelizmente, não poupou a encantadora cidade, que teve mais de
duzentos prédios destruídos. Devemos sublinhar aqui que a municipalidade, consciente
do grandioso passado da cidade e ainda que tendo de fazer face aos encargos
acumulados pelas ruínas, conseguiu consagrar três milhões de francos à organização de
seu museu. E esse crédito, devemos notar, foi outorgado antes da descoberta do famoso
tesouro de Vix, atualmente o mais belo enfeite do museu para o qual atrai visitantes do
mundo inteiro.

Por que René Joffroy, vindo apenas por um trimestre a Châtillon-sur-Seine, aí


permaneceu por longos anos? A arqueologia o reteve. A esse respeito, a região
preenchia seus desejos. A aproximadamente cinco quilômetros de Châtillon existe um
extraordinário campo de exploração: o monte Lassois, uma colina que se eleva no vale
do Sena.

De 1929 a 1939, um arqueólogo local, J. Lagorgette, havia explorado o sítio e revelou


sua importância. Com sua morte, em 1942, René Joffroy retomou o canteiro. Devido à
sua posição estratégica, o monte Lassois havia sido ocupado desde a época neolítica e
tomou uma enorme importância no fim da primeira Idade do Ferro, há dois mil e
quinhentos anos. Um poderoso oppidum aí se erguia, circundado por um fosso de 12m
de largura com 5m de profundidade e estendendo-se por mais de 3km; muralhas e
enormes levantamentos de terra completavam o sistema defensivo. Uma importante
população deve ter-se multiplicado sobre esse sítio, a julgar pela massa de objetos que
aí foram recolhidos: armas, utensílios, jóias e pérolas, fivelas, cerâmicas. É tal o número
de cacos recolhidos que ultrapassa, e muito, o milhão.

Assim era a colheita arqueológica que fazia René Joffroy, graças a um trabalho
incansável, conduzido com um rigoroso método e uma prudente discrição. Todos os
objetos recolhidos estavam bem datados e mostravam que o oppidum do monte Lassois
atingira o apogeu de sua ocupação no séc. VI a. C.
Rapidamente, o serviço de monumentos históricos interessou-se pelas pesquisas e pelas
descobertas de Joffroy e concedeu-lhe créditos. Para a campanha de 1952, ele recebeu
250.000 francos. O inverno chegara e a má estação obrigava-o a abandonar seu canteiro.
Mas restavam-lhe alguns milhares de francos e ele decidiu fazer uma última sondagem.
De fato, algumas pedras jaziam em um campo próximo e sua natureza geológica
provava que elas haviam sido para lá transportadas. Por quê estariam elas lá? René
Joffroy quis verificá-lo. Ele pensava fazer uma dessas breves escavações pelas quais se
conclui facilmente uma campanha arqueológica, como para testemunhar o pesar de
guardar as pás e as enxadas até o retorno dos dias bonitos.

Ora, essa sondagem de última hora acarretaria uma descoberta sensacional. É o caso de
crer que os arqueólogos, à força de frequentar os deuses mortos, atraem seus favores
secretos e que eles atraem sua mitologia do azar e da sorte…

3 Por uma fria jornada de janeiro

Era, nos primeiros dias de janeiro de 1953, um fim de tarde cinzento e frio. René
Joffroy, que devia voltar a Châtillon, acabava de deixar o canteiro, mas seu fiel Moisson
queria aproveitar os últimos momentos do dia para escavar um pouco mais, adiantando
o trabalho do dia seguinte. Moisson é um camponês do lugar, que começou a trabalhar
nas escavações do lugar em 1929, com J. Lagorgette. É um sólido trabalhador que,
como tantos habitantes da terra, tem um profundo senso de observação e uma espécie de
dom para auscultar a terra. Adquiriu uma verdadeira paixão pela pesquisa e, muito
frequentemente, as horas não contam para ele quando o solo revela algum achado
interessante.

No dia seguinte pela manhã, Moisson chega muito cedo na casa de René Joffroy.
“Ontem à noite”, diz ele, “ao retirar a terra, um grande objeto apareceu”. Logo, de que
poderia se tratar? Um grande objeto, quando o monte Lassois só concedera até o
presente momento cacos de cerâmica, jóias, pedaços de metal? Moisson é positivo:
“Parece muito pesado; dir-se-ia de bronze. É curvo, como uma albarda de mula”.

Joffroy fica ansioso: há aproximadamente dez anos que ele escava e nada parecido se
lhe apresentou; ele compreende que o achado é excepcional. Mas, como a hora das aulas
é chegada, ele deve apresentar-se no colégio. Nessa manhã, ele tem quatro horas de
curso – quatro horas que, ele o confessará, pareceram-lhe terrivelmente longas. Ao
meio-dia, ele dispensa a hora do almoço; monta em sua moto e se dirige ao terreno das
escavações. Com uma rápida olhadela, avalia a importância da descoberta: o objeto que
apareceu é a alça de um vaso (de uma cratera) antigo, mas de tão grandes dimensões
que não se conhece um equivalente no mundo.

René Joffroy alerta logo seus amigos arqueólogos da região, que foram sempre bons
companheiros em seus trabalhos: René Paris, seu adjunto no museu de Châtillon, e o
cônego Moutton. Ele envia telegramas ao diretor da circunscrição arqueológica e a Guy
Gaudron, inspetor dos museus – o mesmo que, alguns dias mais tarde, irá comunicar a
descoberta à Sociedade dos Antiquários da França. E é nas piores condições que
empreendem então o resgate da cratera. Não é necessário fazer uma escavação muito
vasta, que deterioraria o sítio e deslocaria os objetos que poderiam encontrar-se nas
redondezas. Trata-se de cavar um verdadeiro poço, o mais estreito possível. O tempo
está terrível; as pessoas afundam na lama e a cratera aninha-se em uma cloaca. Uma
bomba é trazida, mas, por ser aspirante, ela também é às vezes repelida… As páginas do
diário de escavações cobrem-se de terra viscosa e será necessário, já de noite, passar-
lhes água para que se possa empreender à sua leitura.

Um macaco é instalado sobre três vigas acima do buraco. Menos de quatro dias não
bastam para extrair a enorme cratera, que descreveremos mais adiante. Em que triste
estado ela aparece! ela fora esmagada; o pescoço e o pé entraram no bojo; as alças
devem ser desmontadas, pois se mantêm por intermédio de apenas uma cavilha.
Felizmente, constata-se imediatamente que não falta nenhum pedaço de metal e que será
possível reconstituir em seu estado original este espantoso e suntuoso recipiente – o
maior que a Antiguidade já nos legou.

À medida em que são descobertos, os pedaços são transportados para Châtillon, seja de
jipe, seja de charrete, deitados sobre um leito de palha, através dos campos caóticos e
dos caminhos cobertos de gelo. À noite, até horas avançadas, Joffroy, sua mulher e seus
amigos procedem à limpeza. Toda a lama foi recolhida dentro de caixas, mas, como o
frio era grande, ela se transformou em blocos gelados; é necessário esperar que eles se
derretam para examiná-los com cuidado.

O rumor de uma grande descoberta espalhou-se e numerosos curiosos acorrem,


calcando o terreno, atrapalhando o trabalho. Após resgatar e tirar a cratera, dever-se-á,
para afastá-los, afirmar que as pesquisas estão encerradas e que não se pode contar com
nenhum outro achado. Alguns dias depois, acompanhado apenas de Moisson, René
Joffroy poderá então retomar e continuar a escavação e outros objetos, raros e
magníficos, serão descobertos.

4 Um pequeno jazigo

As pedras transportadas, cuja presença no terreno levara a se fazer uma sondagem,


pertenciam a uma colina funerária nivelada desde muito tempo. Tais colinas existem aos
milhares na França. Há muito tempo elas são o grande recurso dos arqueólogos locais.
Mas nenhuma iria conceder um mobiliário tão surpreendente, tão rico como o do monte
Lassois.
Esta colina tinha originariamente 42 m de diâmetro e deveria alcançar 5 ou 6m em seu
ponto mais alto. À primeira vista, nada fazia suspeitar de sua existência. As pedras das
fiadas haviam sido, na época galo-romana, recuperadas para as construções; as que
tinham ficado no lugar haviam sido enterradas e, por vezes, os labores traziam-nas à
superfície, como foi o caso das que, marcadas por René Joffroy, conduziram-no à sua
descoberta. É um verdadeiro milagre que a câmara sepulcral no centro do túmulo tenha
permanecido ignorada. Durante mais de dois milênios, os arados passaram e os trigais
amadureceram sobre uma terra que ocultava uma prodigiosa peça decorativa.

O jazigo era, na verdade, relativamente pequeno. formava uma espécie de cubo, cuja
base não media mais de nove metros quadrados. A sepultura, em parte escavada em
terras de aluvião, havia sido dotada de um madeiramento destinado a evitar os
desmoronamentos, e os lados eram revestidos de pranchas. Após a inumação, a sala
havia sido recoberta por um teto de madeira sobre o qual as terras foram depositadas.
Todo esse dispositivo havia desabado e pesadas pedras haviam se amontoado dentro da
sala, esmagando alguns objetos e deslocando outros.

Quando realizava suas escavações, Joffroy deve ter invejado a sorte de seus colegas em
arqueologia romana ou egípcia, que, erguendo uma laje, penetraram em uma sala com
paredes e abóbadas em pedra, onde tudo permanecera em seu estado original desde que
o morto aí fora depositado. No túmulo de Vix, só havia o caos e a desordem. O frio e a
água que invadira a escavação atrapalhavam consideravelmente as pesquisas. Foi
necessário um total de 170 horas de trabalho para escavar alguns metros cúbicos. A
planta do túmulo pôde no entanto ser traçada com uma margem de erro de localização
que não passava de 5cm.

Fazendo a mais rica descoberta que já saíra do solo da Gália independente, Joffroy
sentia-se recompensado por tantos anos de labor incessante, de pesquisas às vezes vãs,
fazendo seu o célebre ditado segundo o qual não é necessário ter esperança para
compreender, nem ser bem-sucedido para perseverar. O mundo científico rendeu-lhe as
mais calorosas homenagens e Jérôme Carcopino, nosso grande mestre de estudos
antigos, proclamava: “Na essência e na forma, ele traz a chancela de um mestre; ele
prova, pela extensão da erudição e firmeza do pensamento, que ao autor simplesmente
tocou a recompensa que mereciam a clarividência de seu saber e a obstinação de seus
esforços.”
O monte Lassois era repentinamente promovido às grandes honras. Nem mesmo se
sonhava em contestar esse qualificativo um pouco ousado de “monte”, já que ele é uma
simples colina – uma colina-testemunha, como dizem os geógrafos – formada pela
erosão do planalto que costeia a margem direita do Sena. Por seu lado, a pequena
comunidade de Vix, sobre cujo território foi feita a descoberta, conheceu de um dia para
o outro a popularidade. O “tesouro de Vix” – uma bela auréola para uma pobre vila sem
riquezas, que não possui mais de cem habitantes. O museu do Louvre organizou com
ele, no mesmo ano, uma exposição que fez sensação. A grande imprensa, normalmente
tão pouco inclinada a tratar da arqueologia, apoderou-se da questão e nela encontrou
matéria para grandes reportagens com títulos sensacionais.

René Joffroy se viu até mesmo qualificado por um hebdomadário de grande tiragem
como “Sherlock Holmes da arqueologia”… Ele foi o primeiro a ser surpreendido, senão
incomodado, por essa publicidade, que não corresponde ao seu modo de viver.

Fonte: Eydoux, Henri-Paul. A Ressurreição da Gália. Col. Grandes Civilizações


Desaparecidas. Otto Pierre Editores Ltda. Rio de Janeiro: 1979, p. 9-35.

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