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Computação Vestı́vel - Definição e Desafios

Thiago Kenji Okada1

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Instituto de Matemática e Estatı́stica (IME) – Universidade de São Paulo (USP)
Rua do Matão, 1010 – Cidade Universitária, São Paulo - SP, CEP: 05508-090
Tel.: (11) 3091-6101
thiagoko@ime.usp.br

Resumo. Esta monografia tem como objetivo dar uma visão geral do que é
a computação vestı́vel, termo muito utilizado ultimamente graças a disposi-
tivos como o Pebble, Google Glass e o recente Android Wear. Apesar de
algo aparentemente novo, a computação vestı́vel começou na década de 1960
e muitos dos conceitos usados hoje nasceram a muito tempo atrás. Neste
artigo veremos a definição do termo, uma breve história, os desafios que a
computação vestı́vel oferece, suas aplicações e como a computação vestı́vel
pode influenciar as novas vidas. Este texto tem como base os artigos de Star-
ner [Starner 2001a, Starner 2001b] e Mann [Mann 1997], dois pesquisadores
influentes na área, além de incluir informações sobre dispositivos vestı́veis re-
centes.

1. Introdução
O termo computação vestı́vel (do termo em inglês wearable computing) pode descrever
um grande número de dispositivos e conceitos. Hoje em dia, ao pensar em computação
vestı́vel, logo vem em mente dispositivos como o “óculos inteligente” Google Glass e os
diversos “relógios inteligentes” como o Pebble, Samsung Galaxy Gear, Moto 360, entre
outros. Porém computação vestı́vel é mais que um produto terminado: idealmente o termo
deve ser usado para descrever o desenvolvimento de um estilo especı́fico de interface ao
invés da manifestação de um produto em si [Starner 2001a].
Dispositivos embarcados, de forma geral, já oferecem diversos desafios. Um dis-
positivo embarcado é aquele que combina os requisitos de processamento, hardware es-
pecializado, custo e uma fonte de energia própria (como uma bateria) para executar uma
dada tarefa. A computação vestı́vel oferece os mesmos desafios, com o agravante do pro-
blema da interface com o usuário, que inclui se o projeto do dispositivo está de acordo
com a moda vigente [Starner 2001b].
Nesta monografia, será dado uma visão geral do que é a computação vestı́vel,
passando das definições dadas na literatura, sua história e evolução, desafios encontrados
na criação de um dispositivo vestı́vel, as possı́veis aplicações e uma breve conclusão de
como a computação vestı́vel pode mudar o jeito com que as pessoas interagem com seus
dispositivos..
Durante o texto, será usado o termo “computação vestı́vel” para descrever a área
de pesquisa e conhecimento, enquanto o termo “dispositivo vestı́vel” será usado para
dispositivos que implementem os conceitos da computação vestı́vel.
2. O que é computação vestı́vel?
Ao longo dos anos diversos autores definiram o que é computação vestı́vel por suas ca-
racterı́sticas desejadas. Por exemplo, Rhodes diz que dispositivos vestı́veis devem prover
portabilidade durante o uso; permitir operação sem o uso das mãos ou com as mãos parci-
almente ocupadas; pode atrair a atenção do usuário, mesmo quando não está sendo usado
ativamente; pode rodar continuamente; e tenta perceber o contexto do usuário. Korthem
et al. definiu o termo de forma semelhante a Rhodes, porém usa o termo realidade au-
mentada para descrever uma interface que seja discreta ao usuário, ao mesmo tempo que
provê informações dependentes do contexto. Enquanto isso, Mann descreve dispositivos
vestı́veis como dispositivos sempre prontos, irrestritos, não monopolizadores da atenção
do usuário, observável e controlável pelo usuário, atento ao ambiente, útil como ferra-
menta de comunicação e pessoal [Starner 2001a].
As definições de Rhodes e Korthem et al. trazem alguns problemas. A de Rhodes,
por exemplo, englobaria os smartphones, apesar desses dispositivos não serem conside-
rados vestı́veis (e sim são computadores de uso geral). Já a definição de Korthem et al. é
muito restrita, excluindo dispositivos vestı́veis mais simples como “relógios inteligentes”
(ou outros dispositivos que não incluem uma interface com o usuário imersiva, necessária
para a realidade aumentada). Já a definição de Mann é bastante geral, e bem aceita como
a definição de um dispositivo vestı́vel.
Uma outra definição, dada por Starner, define computação vestı́vel como um
esforço para conseguir um dispositivo vestı́vel hipotético, mas ideal. A premissa é o
conceito de ciborgues ou simbiose entre homem e máquina, introduzido em 1960. Man-
fred Clynes e Nathan Kline usam o termo ciborgue para descrever uma combinação entre
homem e máquina que se torna uma extensão natural do usuário. A interface não requer
atenção consciente, assim como uma pessoa andando de bicicleta. Já J. C. R. Lickli-
der define simbiose entre homem e máquina como “cérebros humanos e computadores
acoplados de forma tão próxima que o resultado seria que nenhum cérebro humano con-
seguiria pensar e processar dados de outra maneira [. . . ]” [Starner 2001a].
Para alcançar esse modelo ideal de computação vestı́vel, Starner define vários
atributos chaves:

• Persistente e provê acesso constante a informações e serviços: criado para o uso


contı́nuo e diário, um dispositivo vestı́vel pode interagir com o usuário a qualquer
momento, interrompendo quando necessário e apropriado. Igualmente, o usuário
pode acessar o dispositivo de forma rápida e com pouco esforço. O dispositivo
tem que ser móvel e fisicamente discreto;
• Percebe e modela de acordo com o contexto: o dispositivo deve observar e modelar
o ambiente atual do usuário, o estado fı́sico e mental do mesmo, assim como seu
próprio estado interno. Em alguns casos, o usuário pode fornecer sugestões para
ajudar na tarefa do dispositivo. O dispositivo também deve informar seu estado
para o usuário, de forma explı́cita ou implı́cita. Finalmente, o dispositivo deve
mostrar o que está fazendo, de forma que o usuário possa corrigir eventuais falhas;
• Adaptar às interações baseada no contexto do usuário: o dispositivo deve adaptar
os modelos de entrada e saı́da de acordo com o que for mais apropriado, tanto
fisicamente como socialmente. Muitas vezes, a interface com o dispositivo será
algo secundário à tarefa atual do usuário e deve demandar a mı́nima atenção ne-
cessária. A interface tem que garantir a privacidade e permitir personalizações,
caso necessário;
• Aumentar e mediar interações entre ambiente e usuário: o dispositivo vestı́vel
deve providenciar informações tanto no mundo fı́sico como virtual. Por exemplo,
o dispositivo deve capturar informações do ambiente e filtrá-las para o que for
relevante ao usuário.
Apesar do próprio Starner reconhecer que esses atributos são ambiciosos
[Starner 2001a], os conceitos definidos por ele são interessantes pois não focam o que
o dispositivo vestı́vel deve ser (como as definições dos outros autores), mas sim num
objeto de estudo para tornar a interfaces desses dispositivos vestı́veis melhores.

3. História e evolução
Provavelmente o primeiro dispositivo vestı́vel mencionado na literatura foi o calculador
de probabilidade em jogos de roleta vestı́vel de Thorp e Shannon, dois professores do MIT
(Massachusetts Institute of Technology). Eles estavam interessados na probabilidade de
diversos jogos de azar. A ideia que Thorp teve em 1955, era calcular posição e velocidade
da bola e da roda para prever os futuros caminhos a serem percorridos, e daı́ prever onde
a bola pararia. Um dispositivo vestı́vel foi desenvolvido em 1961 para aumentar as chan-
ces de ganho dentro de cassinos (Figura 1), entretanto o dispositivo só foi revelado em
1966, por conta do medo que os autores tinham de serem abordados usando o dispositivo
[Thorp 1998, Starner 2001b].
Porém, se considerarmos um computador um dispositivo programável pelo
usuário (ou seja, não especializado como foi o caso do dispositivo criado por Thorp e
Shannon), a computação vestı́vel como conhecemos hoje foi inventado por Steve Mann,
durante o fim da década de 1970 e inicio da década de 1980. Ele desenvolveu diversos
tipos de dispositivos vestı́veis de uso geral, incluindo instrumentos musicais vestı́veis,
computadores baseados em som, e dispositivos para auxiliar cegos. Em 1981, Mann
desenvolveu um dispositivo de uso geral com uma tela montada na cabeça. O sistema
provia texto, gráficos, áudio, vı́deo, e era controlado com um teclado de uma mão primi-
tivo. Graças a sua generalidade, esse sistema seria o que a maioria das pessoas descreveria
como um “computador” hoje. O sistema permitia que diversos tipos de aplicações fossem
executadas enquanto o usuário andava fazendo outras coisas. O computador podia até ser
programado enquanto o usuário caminhava ao redor [Mann 2013].
A Figura 2 mostra a evolução dos dispositivos desenvolvidos por Mann ao longo
dos anos. Avanços na miniaturização de componentes diminuı́ram o tamanho dos dispo-
sitivos com o passar dos anos [Mann 1997].
Em 1989, uma tela de LEDs vermelhos criado pela Reflection Tecnhnology per-
mitiu que pessoas comuns desenvolvessem dispositivos vestı́veis a partir de produtos co-
merciais. Usando essa tela, Steve Feiner desenvolveu um sistema de realidade aumentada.
Em 1990, a Xybernaut Corporation (originalmente Computer Products & Service Incor-
porated ou CPSI) começou a comercializar dispositivos vestı́veis em diversas áreas. Em
1994, Mann fez streaming de um vı́deo do seu dispositivo vestı́vel para a World Wide
Web, permitindo que espectadores vissem o que ele estava vendo. Por não existir prove-
dores de rede sem fio, o sistema foi feito de forma manual. Em 1998, Mann desenvol-
Figura 1. O dispositivo vestı́vel inventado por Thorp: do tamanho de uma caixa
de cigarros, com um fio indo para os sapatos para controlar o tempo da roleta,
enquanto outro fio era conectado a um fone de ouvido para receber os resultados
[Melanson 2013]

veu um protótipo de um relógio rodando o sistema operacional GNU/Linux (Figura 3)


[Mann 2013].
Mais recentemente, temos os primeiros dispositivos vestı́veis disponı́veis para
o público geral. Por exemplo, temos “relógios inteligentes” disponı́veis para o grande
público como o Pebble [peb ] e os diversos relógios baseados na plataforma Android Wear
como o LG G Watch, Moto 360 e Samsung Gear Live [and ]. Além disso, recentemente
tivemos a criação de diversos dispositivos vestı́veis voltados para quem pratica esportes:
dispositivos com funcionalidades especı́ficas, geralmente no formato de relógios ou pul-
seiras e com sensores como pedômetros, monitores cardı́acos, monitores de atividade, etc
[Voo 2014]. E, apesar de ainda não estar disponı́vel para o público geral, o Google Glass é
outro exemplo de dispositivo vestı́vel que tem um público bem maior que os dispositivos
vestı́veis normalmente encontrados na literatura [goo a].

4. Desafios
A computação vestı́vel oferece diversos desafios, assim como qualquer outro sistema
de computação. Cada problema enfrentado pela computação vestı́vel está direta-
mente ligado a outro. Por exemplo, a bateria afeta a quantidade de processamento,
a interface de operação, o tamanho do dispositivo, entre outros. Starner discute al-
guns desafios enfrentados que são necessários para desenvolver um dispositivo vestı́vel
[Starner 2001a, Starner 2001b]:
• Energia;
Figura 2. A miniaturização de componentes na industria permitiu os dispositivos
vestı́veis ficarem cada vez mais discretos ao longo dos anos: (a) protótipo de
1980 com monitor CRT de 1,5”: (b) protótipo do final da década de 1980 com
monitor CRT de 0,6”; (c) um monitor comercial do inicio da década de 1990; (d)
protótipo do final da década de 1990, praticamente indetectável, consistindo de
óculos, controle na mão e um computador embaixo da camiseta [Mann 1997].

• Dissipação de calor;
• Rede;
• Interface;
• Privacidade.

O problema de dissipação de energia, porém, já foi resolvido. Na época em que


o Starner publicou o artigo [Starner 2001a], ele cita que os processadores de desktop da-
quela época atingiam mais de 100W de dissipação de energia. Num dispositivo vestı́vel
isso seria desconfortável pois eles poderiam atingir temperaturas de mais de 40o C, além de
exigirem dissipadores de calores ativos como ventoinhas (o que exige energia adicional).
Porém com a chegada de processadores com baixa dissipação de energia (TDPs, ou Ther-
mal Design Power de 2W ou menos), como os processadores ARM R ou Intel R AtomTM
[Wang and Dey 2011], o problema foi resolvido (tanto que smartphones não queimam a
mão do usuário durante o uso) e por isso esse ponto será omitido deste artigo.

4.1. Energia
Energia provavelmente é um dos fatores que mais limita o desenvolvimento de dispositi-
vos móveis. Enquanto o número de transistores continua a crescer de forma exponencial,
a capacidade das baterias cresce de forma linear [Starner 2001a], como mostrado na Fi-
gura 4.
Durante o desenvolvimento dos dispositivos móveis, a capacidade energética do
dispositivo provavelmente é um dos principais fatores que guia do desenvolvimento. Isso
porque a bateria vai afetar o tamanho, peso, custo e mesmo a satisfação do usuário final
ao usar o dispositivo. Por exemplo, uma bateria muito pequena pode frustrar o usuário
final por ter duração muito curta, porém uma bateria muito grande pode tornar o disposi-
tivo muito grande e pesado dependendo, do dispositivo a ser desenvolvido (por exemplo
imagine um “óculos inteligente”) [Starner 2001a].
Ainda é necessário levar em conta durante o desenvolvimento do dispositivo
móvel a maneira que o usuário irá carregar seu dispositivo. Um bom projeto leva em
Figura 3. Um relógio-computador com capacidades de videoconferência capaz
de rodar um aplicativo de conferência atrás de um relógio transparente, execu-
tando o XF86 dentro de um sistema GNU/Linux [Mann 2013].

conta a rotina diária do usuário, por exemplo, se a bateria durar 16 horas de uso e ser
carregada em 8 horas, o usuário pode carregar a bateria enquanto estiver dormindo e usar
durante um dia inteiro. Se o dispositivo exigir recargas constantes isso pode se tornar um
problema [Starner 2001a]. O Google Glass foi um exemplo disso: apesar de inovador,
alguns usuários reclamaram que a bateria do Google Glass dura muito pouco, chegando a
chamar isso de “tendão de Aquilles” do dispositivo [Y 2013].
Um agravante para os problemas citados acima é o fato de um único usuário poder
ter diversos dispositivos móveis, conectados por uma rede sem fio, pois nesse caso cada
dispositivo tem sua própria fonte de energia, provavelmente de capacidades diferentes, e
se tornam pontos independentes de falhas [Starner 2001a]. Um sistema que seja depen-
dente desses dispositivos, como por exemplo um monitor da saúde do usuário, composto
de vários dispositivos diferentes (por exemplo, um monitor cardı́aco e um smartphone),
pode falhar caso a bateria de qualquer um dos dispositivos acabe, podendo gerar proble-
mas não planejados durante o projeto do sistema.
Uma solução para os problemas citados acima é projetar o sistema de forma a
se adaptar a rotina diária do usuário. Por exemplo, uma jaqueta vestı́vel pode ser car-
regada por um carregador sem fio embutido no armário [Starner 2001a]. Uma outra
ideia é carregar o dispositivo a partir do próprio corpo do usuário, por exemplo, se apro-
veitando da emissão de calor, respiração, pressão sanguı́nea, movimento, entre outros
[Starner 1996, Starner 2001a]. Ou mesmo aproveitar a energia do ambiente, como células
solares ou ondas de rádio [Starner 2001a]. Qualquer ideia que permita ao usuário apro-
veitar melhor o seu dispositivo é bem vinda.
Figura 4. Evolução do poder de processamento X densidade de energia nas
baterias [Zehr 2014]

4.2. Rede
Assim como qualquer dispositivo móvel, o tipo de rede disponı́vel e a quantidade de ener-
gia pode limitar a quantidade de comunicação que o dispositivo vestı́vel pode executar.
Por isso, bits por segundo por watt é geralmente uma medida mais significativa para co-
nexões sem fio do que banda máxima. Outro sério problema de dispositivos móveis é a
interoperabilidade entre diferentes serviços.
Para dispositivos vestı́veis, a rede envolve comunicações de três tipos: fora do
corpo com a rede fixa, no corpo entre os dispositivos, e perto do corpo para objetos perto
do usuário. Cada uma dessas redes exige um diferente tipo de projeto [Starner 2001b].

4.2.1. Comunicações com redes fixas fora do corpo

Existem diversos padrões para comunicação entre dispositivos sem fio e a infra-estrutura
fixa. Por exemplo, redes de comunicação celular como o GSM (Global System for Mo-
bile Communications), TDMA (Time-division multiple-access) e CDMA (Code-division
multiple-access), além de padrões como o 3G e o 4G, permitem que dispositivos móveis
como smartphones se comuniquem a velocidades de vários megabits por segundo à gran-
des distâncias das antenas base [Starner 2001b].
Porém, mesmo considerando que essas redes hoje, em dia, são populares, alguns
problemas continuam. Por exemplo, quanto mais longe dos grandes centros mais difı́cil é
conseguir um bom sinal. Mesmo que mais torres e sinais de satélite atenuem o problema,
não é interessante financeiramente investir em áreas remotas [Starner 2001b]. Esses pro-
blemas podem ser resolvidos com o uso de cache [Endler and Goldman 2014] ou DTNs
(Delay Tolerant Network) [de Oliveira et al. 2014], respectivamente, porém dependem do
tipo de aplicação.
Mesmo desconsiderando o problema acima, o uso de comunicações fora do corpo
é custoso considerando o ponto de vista da energia utilizada [Starner 2001b]. Uma ideia
seria usar comunicações no corpo entre os dispositivos, e usar apenas o dispositivo com
maior capacidade de bateria (como um smartphone) para realizar as comunicações fora
do corpo (e mesmo assim de forma esporádica, para não drenar a bateria rapidamente).

4.2.2. Comunicações no corpo entre dispositivos

Mesmo que as comunicações entre dispositivos no corpo sejam menos custosas que as
comunicações fora do corpo entre dispositivos e a rede fixa, a energia continua sendo
um fator essencial, pois cada dispositivo tem que ter sua própria bateria, provavelmente
pequena. Além disso temos o problema de interoperabilidade entre dispositivos, pois é
necessário haver um protocolo de rede em comum entre os dispositivos [Starner 2001b].
Algo que veio para resolver estes dois problemas é o Bluetooth 4.0. Esta nova
versão do padrão Bluetooth tem um novo perfil dedicado a comunicações de baixo custo
de energia, chamado LE (Low Energy). Esse perfil permite que um dispositivo simples
com uma bateria de relógio possa funcionar por meses ou anos sem manutenção [blu b].
Além disso, o protocolo já está disponı́vel tanto na plataforma iOS da Apple como An-
droid do Google, o que resolve o problema de interoperabilidade [blu b, blu a].

4.2.3. Comunicações com objetos perto do corpo

Comunicações com objetos perto do corpo tradicionalmente são semelhantes a


comunicações entre dispositivos no corpo, exigindo dispositivos com baterias, muitas
vezes, de baixa capacidade. Porém, tecnologias como etiquetas RFID passivas permi-
tem que o dispositivo em questão não tenha necessariamente uma bateria (a energia seria
transmitida de forma sem fio a partir do leitor da etiqueta) [Starner 2001b].
Mesmo que esse tipo de tecnologia limite o número de aplicações possı́veis, ainda
é possı́vel desenvolver algumas aplicações interessantes, como identificação de usuários
dentro de uma sala. Esquemas desse tipo trariam as vantagens de sensores inteligentes
sem os problemas relacionados com o fornecimento de energia [Starner 2001b].

4.3. Privacidade
Por serem dispositivos usados no dia-a-dia, a computação vestı́vel oferece uma grande
preocupação do usuário quanto à privacidade. Privacidade não é a mesma coisa que
segurança: segurança envolve a proteção da informação de usuários não-autorizados; pri-
vacidade é o controle do usuário sobre suas informações pessoais [Starner 2001b].
Starner cita como exemplo de quando a segurança e a privacidade divergem, um
sistema com etiquetas ativas implementadas numa companhia como medida de segurança.
Todos os funcionários tem que usar o dispositivo durante todo o tempo. Cada dispositivo
comunica sua presença para o ambiente por meio de transmissões a rádio. Esse sistema
garantiria a segurança, porém traria problemas à privacidade do usuário: seria possı́vel
saber a localização de todos os funcionários da empresa, permitindo aos empregadores
monitorarem as atividades dos seus funcionários.
Uma alternativa às etiquetas ativas, seria projetar um sistema em que o usuário
controla a informação a ser transmitida. Ou seja, o dispositivo vestı́vel pode concentrar,
processar e filtrar qualquer dado coletado sobre o usuário, antes de enviá-lo para o sistema
[Starner 2001b]. Essa maneira é semelhante como o sistema GPS funciona: a informação
de posição do usuário não é transmitida a terceiros a menos que o sistema necessite dessa
funcionalidade. É assim que o Google Latitude, que permite amigos e familiares desco-
brirem a posição do usuário por meio do serviço Google Maps, funcionava [goo c].
Essa abordagem economiza bateria, pois não é necessário o dispositivo ficar en-
viando sinais ativamente, e sim apenas capturar os sinais quando necessita. Além disso,
os usuários terão mais controle da informação compartilhada, tornando o sistema mais
confortável de ser adotado do ponto de vista do usuário. De uma forma geral, dispositivos
vestı́veis devem oferecer alguma maneira do usuário controlar as informações relaciona-
das a privacidade [Starner 2001b].
Starner cita diversas maneiras de proteger a privacidade do usuário, criando as
seguintes barreiras [Starner 2001b]:
• Fı́sica: nesse caso, algum mecanismo cria uma barreira fı́sica entre os dados e os
potenciais atacantes. Por exemplo, dados importantes podem ser isolados da rede
quando não estiverem em uso;
• Tecnológica: uso de criptografia e identificadores biométricos – leitores de digital,
iris, entre outros – como barreiras;
• Legislativa: a lei pode especificar condições onde a privacidade é considerada
violada;
• Social: sistemas podem usar convenções sociais para criar barreiras. Por exem-
plo, guardar dados sensı́veis do usuário em algo que lembre um diário, algo que
culturalmente é considerado pessoal;
• Obscurecer: um dispositivo vestı́vel pode esconder os dados sensı́veis de uma
pessoa (misturando arquivos ou colocando em pastas diferentes) de maneira a
confundir um atacante casual.
Algumas dessas barreiras são muito simples e não oferecem muita proteção. Por
exemplo, usar técnicas de obscurecer dados sensı́veis só evitaria um eventual ataque vindo
de um atacante despreparado. A barreira legislativa e social só funcionaria caso existisse
alguém supervisionando o uso do dispositivo. Porém, ao combinar essas diferentes bar-
reiras é possı́vel tornar o ataque cada vez menos interessante a um possı́vel atacante.
Os dispositivos vestı́veis também podem criar diferentes barreiras para se adaptar
às diferentes condições polı́ticas, técnicas e sociais do usuário [Starner 2001b].

4.4. Interface
Nesta seção, o termo interface será usado entre as diferentes formas de interação entre
seres humanos e computadores. Isso inclui, mas não está limitado a, interfaces humano-
computador, fatores psicológicos, fı́sicos e humanos, ergonomia, projeto e estilo.

4.4.1. Vestuário, projeto e estilo

Dispositivos vestı́veis são muitas vezes tratados também como parte do vestuário de uma
pessoa, por isso é necessário levar em conta diversos fatores como a moda atual, o es-
tilo pessoal que varia de pessoa a pessoa, diferentes tamanhos e gêneros, entre outros
quesitos que tem mais haver com a parte social e menos com a parte computacional do
desenvolvimento de dispositivos vestı́veis.
Além disso, por ser usado no dia-a-dia o dispositivo não pode ser muito grande
ou pesado, com o risco de não servir no usuário ou tornar seu uso desgastante. Com
os dispositivos vestı́veis, pode ser necessário primeiro determinar a forma e depois a
funcionalidade, e não o contrário como ocorre tradicionalmente [Starner 2001b].
Um exemplo disso é a nova geração do Google Glass: na versão inicial o Google
Glass era oferecido como um produto pronto e sem possibilidades de personalização. Na
nova versão, o usuário pode escolher diferentes armações e formatos para combinar com
seu estilo [Dingman 2013].

4.4.2. Interface com periféricos

Periféricos para dispositivos móveis tendem a ter um tamanho reduzido para melhorar a
portabilidade do dispositivo, porém infelizmente eles não podem ser tão pequenos por
culpa dos limites fı́sicos do ser humano. O limite que o olho humano consegue enxergar
depende da resolução da tela e seu tamanho. Igualmente, o tamanho dos dedos do usuário
limita o local e a quantidade de teclas de um teclado. Os periféricos tem que ser portáteis,
usáveis e discretos [Starner 2001b].
Periféricos também tem que levar em conta o contexto do usuário e a parte social
[Starner 2001b]. Por exemplo, um dispositivo que aceita comandos por voz pode aceitar
comandos por outra forma de entrada para os casos do usuário estiver em uma situação
em que falar pode ser inaceitável (por exemplo, num cinema).
O Google Glass é um bom exemplo de como a entrada de dados pode ser pro-
blemática. Por possuir uma câmera que pode gravar o que o usuário está visualizando a
qualquer momento, o Google Glass foi banido de diversos estabelecimentos por conta da
privacidade [goo b].
Diferente dos computadores tradicionais, onde a interface homem-máquina prin-
cipal ainda é o teclado e o mouse, nos dispositivos vestı́veis as interfaces foram evoluindo
com o passar do tempo. A Figura 5 mostra isso, mostrando os diferentes dispositivos de
entrada de dados usados por Mann. Já na Figura 6 vemos como o Google Glass interage
com o usuário: usando comandos de voz, a interface se torna mais natural [goo e].

5. Aplicações
Por ser uma área muito grande, é difı́cil prever todos os tipos de aplicações possı́veis
da computação vestı́vel. Portanto, nessa seção serão descritas algumas das aplicações
mais interessantes vistas na literatura, assim como algumas aplicações mais recentes que
apareceram nos dispositivos vestı́veis atuais.

5.1. Ajudar na comunicação


Um dispositivo vestı́vel pode ajudar na comunicação entre humanos. Starner cita a se-
guinte situação: imagine um viajante americano que fala inglês e está visitando o México.
Ele poderia usar seu dispositivo vestı́vel para traduzir cardápios e placas para o inglês. De
forma similar, o usuário poderia pesquisar frases num dicionário, caso precise. Indo além,
seria possı́vel usar reconhecimento de voz e traduzir diretamente do espanhol para o inglês
[Starner 2001a].
Figura 5. Teclados e mouses operados com uma mão: (a) um dos protótipos
iniciais por Mann foi construı́do no corpo de uma lâmpada flash eletrônica e per-
mitia o controle simultâneo do computador, câmera e do flash; (b) teclado/mouse
comercial feito pela Handkey Corp. O “mouse” consiste de um sensor de
inclinação; (c) mouse virtual. A câmera no óculos localiza o dedo na imagem,
que controla o cursor [Mann 1997].

Figura 6. No Google Glass a interface principal é via comandos de voz. Antes


de dizer um comando, o Glass precisa estar ativado (apertando o touchpad ou
fazendo um movimento especı́fico com a cabeça) e o usuário precisa dizer a
frase “ok glass” [goo e].

Recentemente o Skype apresentou uma tecnologia similar, traduzindo automati-


camente conversas em tempo quase real [Lowensohn 2014]. Não seria difı́cil imaginar
uma implementação dessa técnica num dispositivo como o Google Glass.

5.2. Lembretes sensı́veis ao contexto


Com o auxı́lio dos diversos sensores, dispositivos vestı́veis podem prover lembretes
sensı́veis ao contexto atual do usuário. Ao invés de atuar como uma simples secretária,
avisando ao usuário de um evento de forma programática, o dispositivo pode recolher
dados do ambiente e mostrar lembretes considerando com quem o usuário está, sua
localização, o horário atual, entre outros.
Starner imagina um dispositivo vestı́vel que, durante uma conversa com determi-
nada pessoa, mostra os textos dos últimos e-mails, a definição de uma palavra estranha no
dicionário, recomendações de restaurantes locais caso esteja perto do horário de almoço,
entre outros [Starner 2001a].
O Google Now oferece algo similar (ainda sem tentar identificar com quem o
usuário está no momento), provendo informações ao usuário de acordo com o seu local e
hora. Além disso, o Google Now já está disponı́vel no Google Glass [goo d].

5.3. Realidade Aumentada


A realidade aumentada coloca elementos virtuais no mundo fı́sico. Dispositivos vestı́veis
tornam a realidade aumentada muito mais prática. A realidade aumentada pode, por
exemplo, tornar cada objeto da realidade um link: visitantes de museus e turistas
podem descobrir fatos e curiosidades sobre artefatos simplesmente olhando para eles
[Starner 2001a].
Starner cita um exemplo onde a realidade aumentada pode ser bastante útil na
venda de novos produtos: imagine um usuário com dispositivo vestı́vel nas ruas de Nova
York. Ele vê uma propaganda de uma calça jeans, que seu dispositivo vestı́vel detecta.
Uma loja, ao perceber que tem estoque sobrando daquela calça no tamanho do usuário,
envia uma promoção direto para o dispositivo vestı́vel do usuário [Starner 2001a].

5.4. Assistente pessoal para pessoas com deficiência


Com a capacidade de processar imagens em tempo real, um dispositivo montado na
cabeça do usuário pode ajudar pessoas com deficiência visual parcial. Por exemplo, a
Figura 7 mostra como um filtro pode ajudar na leitura [Mann 1997].

Figura 7. Usando um filtro visual como esse pode ajudar pessoas com de-
ficiência visual parcial a ler [Mann 1997].

6. Conclusão
Apesar da computação vestı́vel ter mais de 40 anos, pode-se dizer que ela está começando
de fato agora, graças a popularização dos primeiros dispositivos vestı́veis disponı́veis para
o grande público. De fato, a área ainda está engatinhando: as aplicações realmente in-
teressantes da computação vestı́vel, como a tradução simultânea de uma conversa entre
duas pessoas, ainda não apareceram para o grande público. Os dispositivos vestı́veis
atuais como o Android Wear e o Google Glass se limitam a ser um assistente pessoal
sensı́vel ao contexto, geralmente conectados a um smartphone. Porém, a popularização
desses dispositivos é importante, pois vai incentivar tanto empresas como desenvolvedo-
res a investirem mais na área.
Mann diz que as pessoas tem um certo receio que fiquemos muito dependentes da
computação vestı́vel, e isso provavelmente é verdade: hoje muitas pessoas são dependen-
tes dos seus smartphones. Porém Mann argumenta, assim como pessoas modernas não
conseguem mais viver sem roupas, muito provavelmente no futuro ficaremos confusos ou
perdidos sem uma tela de computador guiando nossos passos.
Isso não significa necessariamente que as pessoas ficarão mais “burras”: assim
como a invenção de calculadoras permitiram que as pessoas fizessem cálculos complexos
com maior velocidade, e com isso, resolvessem problemas mais complexos, a computação
vestı́vel no futuro ajudará a resolver problemas [Mann 1997]. Obviamente isso exigirá
ainda alguns anos de desenvolvimento na área.

Referências
[and ] Android Wear. http://www.android.com/wear/. Acessado em: 26 de Ju-
nho de 2014.
[blu a] Bluetooth Low Energy — Android Developers. https://developer.
android.com/guide/topics/connectivity/bluetooth-le.html.
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