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ANÁLISE DO FILME HANNA ARENDT – de Margarethe Von Trotta

Hanna Arendt é uma dessas pessoas especiais que vez por outra aparecem em
nosso mundo. Digo especial não por estar acima dos outros mortais ou ter algo de
extraordinário, mas simplesmente por ser ela mesma, a serenidade em meio ao caos,
focada em suas crenças baseadas nos mais puros princípios da filosofia, liberdade e
política na acepção correta do termo, originária das polis Gregas.
Teve a fortuna de ser criada por mãe liberal o que lhe possibilitou crescer com ideias
próprias e já muito nova entregou-se a leitura e conhecimento dos filósofos clássicos.
No filme em questão, vê-se uma Hanna já madura, decidida e por vezes arrogante e
fria, traços marcantes de sua personalidade e que justamente a fazem ser tão especial ao
ser fiel às suas próprias ideias e conceitos. A relação liberal e cúmplice com seu segundo
marido Heinrich também fica bem clara como uma importante base de seu equilíbrio
emocional e mental.
Hanna não é como muitos que vestem máscaras diferentes para cada situação da
vida. Ela é a mesma em sala de aula, na discussão com seus alunos e na vida privada, na
discussão com seus amigos. Esta característica faz com que em certo momento, apenas
aqueles amigos verdadeiros, ou seja, que a amam pelo que ela é de verdade
permaneçam, enquanto outros que ela considerava tão próximos como familiares, em
determinado ponto afastam-se por preferirem a limitação e estreiteza de suas crenças à
verdade trazida a luz da razão.
Neste filme, vê-se a Hanna professora universitária nos EUA já uma filósofa-
cientista política respeitada pela comunidade intelectual da época, oferecendo seus
serviços ao The New Yorker para cobertura do julgamento de Einchmann, o que
prontamente é aceito pelo editor do jornal, considerando uma honra que uma intelectual
tão respeitada desejasse ocupar esta posição.
Apesar de todos os nazistas julgados em Nuremberg após o término da guerra, o
julgamento de Einchmann tinha uma conotação e peso diferentes, pois seria realizado em
Jerusalém no seio da cidade mais importante para os Judeus. Einchmann foi capturado
pelo Mossad na Argentina após um período de observação sigilosa e levado para Israel e
seu julgamento seria usado como catalisador do ódio e sentimento de revolta que a
situação vivida pelos povo Judeu na Alemanha deixou.
Hanna com sua mente inquiridora de filósofa pretendia observar de perto e tirar suas
próprias conclusões a respeito deste homem que ali representava um regime.
Ao longo do filme vemos o desenvolvimento do seu pensamento, através de sua
observação acurada e isenta das declarações de Einchmann sentado no banco dos réus,
atrás de uma parede de vidro à prova de balas e à prova de som.
Seus cinco artigos demoraram muito para serem concluídos pois, conforme se
observa, o pensamento filosófico precisa de tempo para germinar e crescer plenamente e
exige tempo para amadurecer. Hanna não se rende as exigências do editor do jornal e
passa longos períodos meditando a respeito do assunto.
Ao final deste período de maturação, quando da publicação dos artigos, instala-se o
caos no mundo acadêmico, na universidade onde ela leciona e na comunidade judaica
mundial e Hanna passa a receber diversas cartas revoltadas dos leitores do periódico
acusando-a de nazista e injusta, algumas até com palavras pesadas e ameaças mais
graves.
Acontece que em seus artigos Hanna oferece uma opinião isenta de pré-conceitos
de raças ou crenças e analisa Einchemann à luz da filosofia pura considerando seu ethos e
seu pathos como faria o mais puro filósofo grego da antiguidade. Além disso, ela menciona
que os próprios Judeus em posições superiores ajudaram o regime nazista.
Hanna vê Einchmann como o que de fato ele é: um burocrata que não pensa e
apenas segue as ordens, com frieza e fidelidade canina, levando em conta apenas o dever
e a obediência que deve a seus superiores. Ele considera que cumpriu seu trabalho com
eficiência e respeitando as ordens e que não tinha que saber o que seria feito das pessoas
mais adiante, mas apenas organizar o transporte de forma eficaz. Fica claro no filme que
este entendimento de Hanna foi inferido das próprias declarações de Einchmann e ao
invés de pensar como a maioria, cujo raciocínio estava toldado pela emoção e revolta,
Hanna vê nas declarações dele sua própria natureza, limitada e bruta de um ser que não
pensa. Ela diz: “ter conhecimento não é pensar ou pensar não é ter conhecimento, mas a
capacidade de saber escolher entre o bem e o mal, o feio e o bonito e saber se posicionar na hora
certa”. Ela não isenta o regime Nazista da culpa dos extermínios, mas compreende que
aquele homem especificamente declara-se inocente das acusações por que de fato não se
considera culpado pois apenas cumpriu ordens. Diante de uma declaração desta natureza,
a filósofa compreende que seria pedir demais de um ser que não exerce a ação de pensar
ou discernir que compreendesse de fato a gravidade de suas ações e a extensão da dor
infligida a outros seres humanos.
Da mesma forma, em outra ocasião, quando resolver declarar-se a respeito das
críticas, diante de uma plateia lotada na universidade ela diz: “tentar entender não é o
mesmo que perdoar”.
A experiência vivida na cobertura deste julgamento levou-a conclusão do que seria
um de seus importantes conceitos: a banalidade do mal. Para ela o “mal é sempre extremo
– nicht banal, nicht radical, o bem é profundo e radical”. Não quer dizer que o mal se tornou
normal, trivial, mas que era assustadora a ideia de que toda aquela engrenagem cruel de
eliminação de pessoas era composta por seres humanos “normais”. Ela esperava ver a
perversidade e o sadismo de Einchmann para explicar suas ações, mas viu apenas um
homem comum, normal, por isso o conceito que ela desenvolveu.
Conhecer melhor o pensamento de Hanna Arendt nos dá a oportunidade de
repensar conceitos e abrir a mente no sentido de aplicar o pensamento filosófico aos
processos complexos do mundo atual aprendendo com os erros do passado e por outro
lado aprendendo a ampliar o contexto da observação para conduzir o pensamento a
respeito de qualquer situação dentro da postura isenta e dilatada que Hanna sempre
demonstra em seus escritos, como disse ela, “nunca amei um povo”, o que ela ama de
verdade são seus amigos sinceros e a filosofia que a faz pesar e existir de fato.

Natal, 18-08-2104

Jacinta F.M.Carvalho

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