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LUNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA, Reiter ‘Rémlo Polar ‘Coordenadora do Programa de Pés-Graduaeo em Letras "ane Schneider Direior da Faitora Unlversitieta José Lut da Siva Comissto Rattorial ‘Ana Cristina Marinho Tasio “Genie Azerédo {Uniz Antonia Monsinho Magalhies “Meniea Nebrepa editor Gera Lz Antonio Mousinho Magalhes Conselho Conseltve Parecerstas ad hoe Aloisi Dantas (UFCG) ‘Ann Adelide Peixoto Tavares (UEPE) (Giamar Teodaro Paz (USP) lis de. V. Oliveira (UEPB) (Cristina Mello (Universidade de Coimbra) “Expedito Ferraz Snior (UFPB) lisalva Modeuga Dantas (UEPB) ida Regina Marques (UNICAMP) “Ester Miriam Scarpa (UNICAMP) ‘Genilda Azerodo (UFPB) (Gent Luis de Fatia (UNESP! Ri Pro) enrique Grasano Maracho (USP) Juan AntOnjo Lopes Ferez (UNED Espana) “vino Alves Maia Tnioe (UFPB) Marcio Serle PUC-MG) ‘Maria da Gloria Bordini PUCRS) ‘Mara ds Fie B. de Mt. Batista (UFPB) ‘Maria do Rostio Greglin (UNESP/Areraguara) ‘Mara do Socorro Araaio (UFC) Maria Nazacé Soares Fonseca (UFMO) ‘Minica Nobreza (UEPB) Nadia M. de B. Moreira (UFPB) ‘Pesay Sharpe (Piri State University) ita Tereriha Schmit (UFRGS) Valdir Flores (UFRGS) Indesagio: Latindex, MLA, Portal de Perdicos CAPES. www. vistagraphos com. br ISSN 1516-1536 Graphas: Revise da Pix Graduagio om Leva (Publicads pelo Curso de Pé-Gredaaeio em Letras da Universidade Federal da Peat). ‘Vol 10, £, 2008 oto Pessoa: 2008 Semestal ‘Desero baseada em: Vol Ven. 1 GunDez. 2005) 1. Liteon Brasileira 2. Grea terse 3 Leia Li 1 Universidade Federal da Paraiba Cars de P6s-Graduapio em Letas 869. (81) (05) "Etoragio Hletnical Capa: Magno Nicola EDITORA LTDA. (83) 3222-5986 wwwidsianitormcomie / ideneditorn@ol.com br Graphs, Jofio Pessoa, v.10, n, 1, 2008 ISSN 1516-1536 CAMINHOS DA ABORDAGEM DO POEMA EM SALA DE AULA José Hélder Pinheiro Alvi RESUMO: O artigo discute procedimentos adotados por livros diditicos na abordagem do poema, sponta exemplos de obras que trazem uma proposta de trabalho voltada para a sensibilizagao do ‘Sitor, bem como chama a atengo para a importineia da leitura oral do poema como instrumento ‘iditico-pedagégico na formagio de leitores. S30 acionados, para fundamentar 2 imporincia da tara oral, as teflexdes: de Dufrenne (1969) © Zumthor (1977), Sio apontados alguns procedimentos para a leitura do texto literirio no nivel fundamental e médio buscando fugir de uma ‘cadigdo interpretativa que no leva em conta o horizonte de expectativas do leitor joven. As erspectivas de abordagem do pocma defendidas no artigo estio articuladas a documentos mais ‘ecenles, como as Orientagdes Curriculares Nacionais (2006) e as Referenciais Curriculares para 0 Ensino Médio da Paraiba (2001). PALAVRAS-CHAVE: Poesia; ensino de literatura; formaco do leitor; livro didtico; leitura ora. ABSTRACT: This article discusses the procedures adopted in didactic books for the approach of Poetry, pointing out examples of literary works with a clear intention of affecting the reader’s seasitivty, while indicating the relevance of reading the poem aloud as a didactig-pedagogical Srstegy in the formation of readers. In ordcr to support the importance of oral reading, ideas by Daftenne (1969) and Zumthor (1977) are taken into account. We also point out some procedures for ‘he reading of literary texts at basic and secondary level, trying to avoid an interpretative tradicion which does not take into account young readers horizon of expectations. The perspectives of approaching poetry argued for in this article are articulated with recent afficial documents such as Orientagées Curriculares Nacionais (2006) and Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraiba (2007), KEYWORDS: Poetry; literature teaching; reader's formation; didactic book; oral reading A fungao de uma poesia oral se manifesta em relagdo a0 “horizonte de expectativa” dos ouvintes: aquém de qualquer julgamento racional, 0 texto responde a uma questo feita em mim. As vezes, ele a explicita, mitificando-a, ou entio afasta, ou ironiza; esta comelago permanece sempre como ponto” de ancoragem em nossa afetividade profunda e nossos fantasmas, em nossas ideologias, nas pequenas lembrancas didrias, ou até €m nosso amor pelo jogo ou atragio pelas facilidades de uma moda. (Paul Zumthor, 1997, p. 67) Ler e compreender Um olhar panordmico dirigido a diferentes obras didéticas que tragam Propostas de trabalho com a poesia percebera que um paradigma predomina: os Poemas so apresentados para serem interpretados a partir de um determinado Doutor em Literatura Brasileira / USP; Professor da UFCG. 20 Graphos. Jodo Pessoa, Vol 10,,N. 1, 2008 - ISSN 1516-1536 modelo. Este modelo tanto pode ser influenciado pela tradigdo retérica, sobretudo quando se apéia no reconhecimento de figuras de linguagem, quanto pode ser filiado a tradicionais correntes da critica literdria como a estilistica, 0 estrutu ralismo ¢ a critica sociolégica. No Ambito da influéneia estruturalista, 0 reconhe- cimento das fungdes da linguagem, por exemplo, esteve presente por mais de duas décadas, em quase todos 0s livros didaticos do ensino médio. O estudo das figuras de linguagem, a partir de fragmentos de obras literdrias, permanece até hoje nos livros didaticos. Mesmo 0s livros voltados para criangas (primeiro ¢ segundo ciclos do ensino fundamental) ainda sio permeados por exercicios de interpretacio sempre marcadamente racionalistas”. Hoje no se usa mais o termo “questionario” que constava em obras até a década de 80 do século passado, permanecendo os novos modelos de orientago dentro do mesmo paradigma de abordagem do poema, ora de uma perspectiva meramente racional, ora de modo instrumental. Ou seja, passou-se para o ensino fundamental e médio um modelo de abordagem com © poema que prima pela andlise e interpretaco, esquecendo-se, muitas vezes, 0 horizonte de expectativa dos leitores ~ criangas e jovens ~ ou langando-se mao dos poemas meramente para estudar gramdtica, teoria do verso, vocabulirio e, nalgumas obras, como estimulo a criago. As respostas dos alunos aos exercicios deveriam, sempre, corresponder ao que havia sido posto como a resposta correia. E como a formagio da maioria de nossos professores, no ambito da poesia, é, no minimo, problemitica, muitos destes profissionais se limitam a manter a resposta que © livro didatico indica, quase sempre sem criar um espago minimo para qualquer discussio. Junte-se a isto, a metodologia: partindo da minha experiéncia de aluno do nivel médio, no final da década de 70 do século XX, quantas vezes liamos em siléncio um poema no livro diditico, depois respondiamos ao questionario e s6 no final 0 poema era lido em vor. alta, quando era... Ou seja, nfo havia, como continua nfo havendo em muitas préticas, uma aproximacio mais afetiva do texto, a possibilidade de destaque para uma imagem, um ritmo diverso, uma sonoridade. O encantamento que poderiamos ter tido era quase sempre sufocado pelo modelo de aproveitamento do poema. ‘Ao expor estas questdes, no estamos querendo negar o valor de mais de um século de trabalho com a leitura interpretativa, fundada em preceitos da hermenéutica ¢ de outras correntes teéricas. Apenas duvidamos da eficacia destes procedimentos para leitura com criangas ¢ adolescentes. A impressio que se tem é a de que nfo temos conseguido passar para nossos alunos e alunas 0 encantamento que temos pelos poemas e muito menos conseguimos plantar um quinhdo de curiosidade ante s tantas riquezas de sentido que podem nascer do encontro do leitor com o texto em verso. Nao podemos esquecer que a tradigio de ensino de nossos cursos de letras pouco tem primado por uma formagio metodolégica adequada. S6 recentemente, com uma exigéncia do Ministério da Educagio, & que vamos ter um pouco mais de tempo para formacio metodolégica ¢ para estigio- Estudamos estes problemas em dois artigos, respectivamente em Abordagem do poema: roteiro de um desencontro (BEZERRA e DIONISIO, 2001) e Reflexdes sobre o livro diditico de literatura (BUZEN e MENDONGA, 2006). Graphos. Jodo Pessos, v, 10,n, 1, 2008 ISSN 15161 docente. Nossos cursos de Letras, em sua maioria, tém mais o rosto de bacharelado do que de licenciarura, Outro dado curioso: quase ndo chegam as nossas escolas antologias mais abrangentes de nossos poctas. E mesmo quando chegam, no temos uma tradi¢ao que leve o professor a trabathar com estas obras de um modo mais independente, tendo no livro didiitico um apoio, ¢ ndo a tinica possibilidade de trabalho. Se por um lado o quadro anteriormente pingado ¢ preocupante, uma ver que nao ha muitas perspectivas de mudanga, por outro, de modo isolado, em diferentes lugares, professores realizam experiéneias as mais diversas, ora voltadas para a apreciago cotidiana do poema, ora articulando-o com a cancio popular e com diferentes géneros da literatura popular, ora aliando poesia ¢ teatro, realizando montagens temiticas ou da obra de determinado poeta. Este tipo de atividade, além de favorecer uma convivéncia mais demorada com os poemas, possibilita 0 acesso a um conjunto mais significativo de textos. Nao devemos esquecer que, atualmente, para os jovens que tém acesso a Internet, so intimeros os blogs e os sites sobre poesia € poetas, O ideal seria discutir em sala de aula os eritérios que presidem esses suportes. Destaco, agora, alguns trabalhos que foram publicados, deixando de lado outros, apenas para evidenciar que hi caminhos que fogem ao padrio do livro didético; acreditamos que esses caminhos precisam ser mais divulgados ¢ conhe- cidos. Maria Antonieta Antunes Cunha é uma das pionciras com a publicagdo de seu Poesia na escola (1975), onde faz importantes reflexdes ainda atuais sobre a situag2o da poesia na escola (a partir de uma pesquisa com 190 professoras primérias realizada em Belo Horizonte). A autora enfrenta questdes importantes como critérios para se definir 0 que seja “O bom poema para criancas”, e “A utilizago do poema na escola”, Ha também uma boa antologia de poemas comentados que engloba tanto a produgdo especifica para crianga quanto textos de poetas consagrados como Drummond e Bandeira. E nessa obra que a professora critica mineira lembra que “o principal critério para a escolha do texto poético parece-nos ser o proprio entusiasmo do professor pelo pocma: a partir dos que 0 tocam é que deveri selecionar os que tm chances de agradar a seus alunos” (p. 44). A obra de Maria Antonieta A. Cunha ficou na primeira edig&o e nao teve a circulago que mereceria. ‘Vania Resende (1993) também vivenciou e relatou experiéncias diversas com 0 poema em sala de aula, dando énfase 2 um trabalho de sensibilizagio & convivéncia mais corporal com o poema. O trabalho de Vania Resende abrange todos os ciclos do ensino bésico. Diferentes sdo as atividades sugeridas pela autora Para criangas menores, & indicada uma gama de poemas infantis ora para serem vivenciados a partir de jogos dramiticos, ora como atividade de ilustrago ou atividades diversas, como trabalho com sucata, argila, etc. A aproximagao do poema com a cangio folelérica e popular também comparece no inventario de Graphos. Joio Pessoa, Vol 10, N, 1,2008 - ISSN 1516-1536 sugestdes da autora. Jé para criancas maiores, a partir da 7* e 8* séties ( hoje 8°. ¢ 9, Ano), além da indicagdo de dezenas de poemas, as sugestées de abordagem englobam desde a dramatizagio, o debate, até o estudo comparativo de poemas de diferentes autores ¢ formas da poesia A riqueza de sugestdes apresentadas pela professora mineira pode ser adaptada a diferentes situagdes e complementada com outros poemas Outro livro que defende a perspectiva de uma pedagogia diferenciada para 0 trabalho com o texto literirio no nivel fundamental é Pela leitura literdria na escola de 1°, Grau, de Paulo Bragatto Filho (1995). Na unidade III, “Da leitura literitia”, 0 autor apresenta propostas de leitura de diferentes textos literdrios. De modo geral, a obra de Bragatto Filho é uma defesa oportuna e bem fundamentada da leitura literéria no nivel fundamental, descolada de certo pragmatismo dos livros didaticos. Beatriz Citelli, em seu livto Produgdo e leitura de textos (2001), cuja primeira parte é denominada “Em busea do poema”, relata uma rica experiéncia de leitura e produgio de poemas no ensino fundamental. O trabalho, realizado de modo rigoroso, mostra um eficiente didlogo entre leitura e produgo de texto em verso. O livro traz: também iniimeras sugestdes de vivéncia sensivel da natureza, busca o aprimoramento de imagens e o trabalho final de construgo de poemas. Hi que se ressaltar que a experiéncia de criar esti intimamente ligada A atividade de ler, de estar atento & dimensio sensivel da poesia. Se 0 trabalho de sensibilizago com o poema tem sido estimulado no nivel fundamental, no médio ele praticamente nao chegou. A priséo a abordagem historicista da literatura tem limitado 0 acesso dos jovens a poesia. Por outro lado, creio que é perfeitamente possivel realizar a leitura de um livto de poemas e fizé-lo de modo mais vertical. Por exemplo, uma obra como Marilia de Dirceu, de Tomas Antonio Gonzaga, pode ser lida de uma perspectiva bem mais ampla do que é feita nos livros diditicos. Intimeras sio as possibilidades de abordar a experiéncia amorosa ali representada, que vai desde o sabor de carpe diem, presente em varios poemas, até a discusso das formas hist6ricas do galanteio e o modo de revelagao do sentimento amoroso do homem para com a mulher. Pode-se discutir também as formas de abordagem da natureza que devem ser observadas a partir das peculi idades historicas do estilo de época a que o livro pertence. Experiéncias realizad: com esta obra, com alunos do nivel médio de escolas piblicas, confirmam a hipétese de que ¢ possivel trabalhar, no nivel médio, livros de poemas de modo mais vertical, sem cair num racionalismo analitico refinado, titil e necessério na academia, mas muitas vezes dificil e monétono para o jovem leitor, nem cair num sentimentalismo meloso. Se nos iiltimos dez anos o ensino da lingua portuguesa ¢ de produgio textual vém softendo iniimeras mudangas, influenciadas pelas pesquisas lingiiis ticas, 0 mesmo niio se pode dizer do ensino da literatura. A colegio Aprender ¢ Ensinar com textos, coordenada por Ligia Chiappini e Adilson Citelli, representa um esforgo coletivo de oferecer reflexdes, relatos de experiéncias e orientagdes metodolégicas ao profissional do ensino bisico. No ambito desta colegio, desta- Graphos. Jodo Pessoa, ¥. 10,1. 1, 2008 ISSN 1516-1536 3 camos, além da obra de Beatriz Citelli, 0 livro Leitura e construg@o do real: 0 lugar da poesia ¢ da ficgo (construcdo, desconstrugio e reconstrugio na busca do significado no/do poema), coordenado por Guaraciaba Micheletti que traz uma orientagiio metodolégica precisa sobre os procedimentos de andlise do poema. Os estudos realizados tm como suporte a rica tradigio legada pela estilistica. Esta perspectiva de teor analitico-interpretativo parece-nos adequada ao ensino médio. Creio, por outro lado, que o professor poder langar mao deste material ndo para ministrar aulas expositivas, mas pra fazer com que os alunos, paulatinamente, descubram sentidos no poema a partir da observagio de determinado ritmo, de uma repetigio, de uma imagem, por exemplo. Ponto de partida ‘A experiéneia de quase quinze anos lecionando no ensino fundamental ¢ médio nos proporcionou a realizagao de inimeras experiéncias em sala de aula com alunos de diferentes faixas etérias ¢ niveis sécio-econémicos. Animou-nos ¢ continua a animar-nos a certeza de que criangas e jovens gostam muito de poesia ¢ de que 0 desatio do professor 6, inicialmente, a sua propria formagio como leitor de poesia e, em um segundo momento, no nivel da formagdo metodolégica, como jéafirmamos, Formado em letras, pressupde-se que um(a) professor(a) de literatura tenha uma vivéncia significativa com © poema e que conhega minimamente nossos poetas. Isto é tenha uma vivéncia de leitura que transcenda em muito o parco material oferecido pelos manuais de ensino médio. No Ambito metodoldgico & que precisamos de mais reflexio. Nosso pais, 20 longo dos anos vem, quase sempre, importando metodologias, mas sem uma reflexdo sobre as especificidades locais, e, consequentemente, as necessérias modi- ficagdes que uma realidade peculiar reclama. Ainda nfo entendemos que precisamos olhar mais reflexivamente para nossas tradigdes, nosso modo de ser, para, a partir dai, irmos formulando metodologias adequadas as nossas realidades. O exemplo mais bem acabado de que podemos pensar metodologia a partir de nossa experigncia particular ¢ toda pedagogia formulada por Paulo Freire. Onde nasceu 0 método Paulo Freire? Entre homens ¢ mulheres simples do Nordeste, lutando para aprender a ler nas condigdes as mais adversas. Os métodos de alfabetizagao utilizados pouco ajudavam a essas pessoas, do mesmo modo que tantos modelos de interpretagio, devidamente aliceryados nas diversas teorias, tém pouca ressondncia entre criangas e jovens leitores. A questio metodolégica, portanto, € um desafio que devera ser enfrentado paulatinamente, a partir da sistematizagio de diferentes experiéneias nos mais diversos lugares. Nao sc trata, por outro lado, de abandonar a tradi¢ao formulada a partir de tdo diversificadas experiéneias. Antes, dialogar com cla, sem recusa ¢ autocentrismo. Esse desafio precisa ser enfrentado com urgéncia e, como vimos, temos j4 exemplos de traba- Ihos significativos. Indicamos a seguir alguns tépicos na busca de uma perspectiva 24 CGraphos. Jio Pessoa, Val 10,,N, 1,2008- ISSN 1516-1536 imetodolégica que privilegie o diflogo texto-leitor, bem como uma aproximagie mais sensivel do texto literdrio em geral c do poema em particular. Pertinéncia da voz ‘A tradigo da leitura silenciosa comegou a se instalar em nossa sociedade a partir do nascimento da imprensa, no século XVP. Em nosso tempo, em que ler em Piféncio é um fato, esta opcao vem abafando a possibilidade de uma rica expe- Héncia em sala de aula: a realizagio oral do poema como um procedimento meto- oldgico pode contribuir para formar leitores de poesia. Diferentes pesquisadores tam destacado a importincia da leitora oral do poema. Bosi (2003) lembra que, s= wo loitor conseguir dar, em voz alta, 0 tom justo ao pooma, la jd tera feito uma bos imerpretaglo, isto uma leitura ‘afinada’ com 0 espirito do texto” (P- 469). Esta Teibura afinada pressupée repetidas leituras em que se deverd tentar inflexSes as mais diversas de palavras, frases, do poema como um todo, Dufrenne (1969), também refletiu longamente sobre a realizagdo oral do poema ¢ nos lembra que © poeta trabalha com a lingua, isto é com um. sistema fonolégico e sintitico, andlogo cm sua expressio semantica, a0 ssistema dos sons que a harmonia clissica oferece aos misicos; por outro lado ele compe encamando a lingua na fala, gragas 2 Bete material que os érgios da fonago constituem, ¢ convida 20 Ieitor, como 0 muisico ao executante, para operar a mesma) conversdo sobre 0 poema: a mediagio do material ¢ necessdria para elevar a matéria a seu ser sensivel, a realizar assim. o objeto estético desejado pelo poeta. (p. 12) ssa defesa, que 0 filésofo faz do cariter oral da poesia, nfo é undnime centre os estudiosos. Mas parece-me a mais consistente. Ele conclui a sua argy- mentagao lembrando que “Ao examinar a linguagem postica, nfo esqueceremos de gue ela se destina & fala” (p. 12). Por outro lado, ha que se lemobrar de ale no se tite de qualquer realizagio oral. Dificil 6 encontrar esse tom adequado, o que xigitd do letor um ire vir de leturas ¢rcleturas. Num pats como 0 nosso, em die sre bem recentemente o tom tetorico-pamasiano foi dominante na leitura do poema, defender a Ieitura oral ndo é defender 0 tom declamatério, qué reduz Gualquer poema ao mesmo padtio de leitura. E é aqui que temos que ouvir também aaqueles que se posicionam contra a leitura oral do poema e colher de cada reflexio aigum contributo para chegarmos a um ponto de vista equilibrado, Para Emil Staiger (1975), “Recitado, um poema lirico ndo pode ser apreciado como merece”. Mais adiante ele pondera: “Mais plausivel ¢ um recital para um circulo pequeno, para pessoas a cuja sensibilidade possamos abandonar-nos.” Creio que o espaeo da + Fle Bajad, em seu Ler e Dizer (1994), faz um apanhado histérivo desta passagem da liar of! para a silenciosae das tenses gue afetaram esse percurso. importante se faz Jembax que a rica Taiggo como a da Literatura de Corde! nordestina teve, durante déeadas, a vor (cantata oa falada) ‘como seu grande instrumento de divulgacio ¢ apreciagio. Graphos. Jodo Pessoa, v. 10,1. 1, 2008 —ISSN 1516-1536 25 sala de aula pode ser esse “pequeno circulo” em que cada leitor poderd tentar a realizagdo oral de diferentes poemas, ao mesmo tempo em que, num nivel mais avangado, poder-se-A justificar cada realizagio, Paul Zumthor (1997), que refletiu longamente sobre poesia oral, a natureza da voz e a performance do artista popular, chama a atencao para o fato de “em taziio de um antigo preconceito em nossos espiritos e que pré-forma nossos gostos, todo produto das artes da linguagem se identifica com uma escrita, donde a dificuldade que encontramos em reconhecer a validade do que nao o &” (p. 11) Muitas de suas pesquisas so extremamente pertinentes para se pensar o valor da experigncia oral do poema. Destaco mais uma reflexo do consagrado pesquisador da poesia de diferentes povos. Para ele, voz & querer dizer e vontade de existéncia, lugar de uma auséncia que, nela, se transforma em presenga; cla modula os influxos césmicos que nos atravessam € capta seus sinais ressondneia infinita que faz cantar toda matéria... como atestam tantas lendas sobre plantas e pedras enfeiticadas que, um dia, foram déceis. (p. 11) Quantas vezes, na experiéncia cotidiana da leitura de poemas em sala de aula, no somos surpreendidos com depoimentos de alunos que passaram a gostar de poesia depois de terem realizado varias audigdes de diversos poemas. E, a partir dai, muitos vao se tomnando leitores de poesia. Diferentes ¢ repetidas leituras orais em sala de aula podem ajudar o leitor a encontrar, além do tom adequado, 0 andamento mais preciso que poderé detonar a percepco do “sentimento” que o poema comunica. Imaginemos, a titulo de exemplo, uma leitura lenta, pausada, de “O caso do vestido”, de Carlos Drummond de Andrade, sobretudo de um fragmento como este: “Me joguei a suas plantas,/Fiz toda sorte de dengo/no chao rocei minha cara//me puxei pelos cabelos, me lancei na correnteza/me cortei de canivete/me atirei no sumidouro// bebi fel ¢ gasolina/rezei duzentas novenas// dona, de nada valeu:/ vosso marido sumiu” (Carlos Drummond de Andrade). O tipo de verso, a enumeragio das ages, perpassada por uma dor to cortante, pedem uma realizacio oral mais ripida, ora mais compassada, ora mais alta, ora mais sussurrada, Essas diferenciadas modalizagdes podem ser experimentadas ao longo das leituras e releituras orais que podem ser realizadas em sala de aula, Percurso metodolégico As diferentes formas de abordagem do poema em sala de aula, no nivel fundamental, sobretudo nas fases iniciais de ensino, deveriam ter na leitura oral um de seus procedimentos basicos. A expresso de alegria que brota do rosto de tantas crlangas quando lemos poemas como “A bailarina”, de Cecilia Meireles, é um sintoma de que a poesia pode ser um elemento fundamental de educagio da sensibilidade. O devaneio infantil, materializado nas palavras ritmadas de Cecilia, 26 Graphos. Joio Pessoa, Vol 10.,N. 1, 2008 - ISSN 1516-1536 algm de propiciar outros devaneios, oferece um instante de convivéncia com a misica da lingua em sua dimensio mais bela. Quintana, com seu Pé de pilio, inicia colocando 0 Ieitor ja no meio da fabula: “O pato comprou sapato foi logo tirar Tetrato/ © macaco retratista/ era mesmo um grande artista./ Disse a0 pato: nio se mexa/ Para depois nio ter queixa”, Embalado pelos disticos setissilabos, pela fantasia poética, vamos alimentando a fantasia, levados por um tom brincalhiio, marca do poeta. Até o quinto ano, a leitura de poemas como estes dois sio ouvidos © acompanhados pelas criangas com interesse ¢ alegria. A lista de poemas poderia ser grande. Ainda de Cecilia, lembremos “O menino azul”, “A chécara do Chico Bolacha”, “Ou isto ou aquilo” ¢ tantos outros que convidam a leitura oral. Outros Poemas, como “A danga dos pica-paus”, de Sidénio Muralha, poderiam ampliar a lista. Todos eles como que nos convidam a dangar. E a poesia, nesta fase da vida, mistura-se com danca ¢ alegria, para lembrar 0 importante verso de Mario Quintana: “A poesia é a danga e a danga 6 alegria.” E com as criangas maiores, sobretudo a partir do oitavo ano? E os pré- adolescentes ou ja adolescentes do nono ano em diante? Nao se pode nunca esquecer de que a poesia tem no ritmo uma de suas grandes cartadas para nos fisgar. A leitura oral continua a ser um instrumento indispensavel. As vezes apenas ler e solicitar que cada aluno retome aspectos que chamaram sua atengio ¢ livremente comentar. Outras vezes, ler mais detidamente, conversar sobre a Possivel experiéncia humana que esti ali condensada. Um poema como “José”, convida a leitura ¢ releitura © pode ser discutido respeitando-se 0 horizonte de experiéncia de leitores jovens. Ainda com Drummond, poderiamos lembrar “A bomba” que, dita num andamento mais ripido. pode ir contaminando 0s leitores em sala de aula. Diferentes vozes vio repetindo versos marcantes, que pedem um tom ora trgico, ora lirico, ora sarcéstico. Ao proferir versos como éstes: “A bomba/ é uma flor de pinico apavorando os floricultores/ A bombal & miséria confederando milhdes de misérias”, poderemos sentir que poesia nio & s6 expresso de sentimento amoroso, de dor, de saudade, de melancolia; & também combate, indignacio, ironia, resisténcia. Como esqueeer, nessa linha dos poemas que pedem voz, uma obra-prima como “O operirio em construcdo”, de Vinicius de Moraes? E, a partir dese poema, as tantas pontes possiveis com a literatura de cordel? No ambito desse géncro, nascido ora para ser cantado ora para set lido em “comunidades de leitores”* da zona rural do nordeste brasileiro, o ritmo da sextilha Popular, também pode contribuir para a formaco de leitores de poesia. O ritmo quase alucinante da Chegada de Lampidéo no Inferno, de José Pacheco, 0 tom trégico de “A morte de Nana”, de Patativa do Assaré sfo algumas das inimeras possibilidades de Ieitura oral em sala de aula. Ainda com Patativa, como no * Comunidade de leitores” & uma imporcante categoria formulada por Roger Chastir (1999), em gfesio com o mesmo titulo. Para o historiador da leita, “A litura no & somente uma operacie abstrata de inteleesio; ela ¢ engajamento do corpo, inscrigfo num espaco, relagio consigo e-conex Stes Eis por que deve-se voltar a atengéo ‘particularmente para ‘as manciras de ler que

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