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ACULDA DEDE ~
OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
NA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA
DE 1976
3.2 EDIÇÃO
ALMEDINA
14 Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976
entre tantos: Schnur (ed.), Zur Geschichte der Erklãrung der Menschenrechse,
1964; KruELE, Zur Geschichie der Grund-und Menschenrechte, in Offentljches
Recht.und Folitik, Zeitschrift für HANS U. SCUPIN, 1973, p. 187 e ss.; OESTREICH,
Geschichte der Menschenrechze und Grundfreiheiten mi Urnriss, 2.2 ed., 1978, e,
mais recentemente, K. STERN, Das Staatsrecht der Bundesrepublik Deutschland,
Vol. 111/1, 1988, p. 51-99, e PECES-BARBA/PERNANDEZ GARCIA, Historia de los
derechos fundamentales, T. 1, 1998. Entre nós, v. GOMES CANOTILHO, Direito
Constitucional e Teoria da Constituição, 7. ed., 2003, p. 380 e ss; JORGE
MIR.NDA, Manual de Direito Constitucional, IV, 3. ed., 2000, p. 12 e ss. V.
ainda JACQUES MARITAIN, Les droits de l'honpne et la loi natureile, 1942.
2 V.. porém, a excelente síntese de SANTOS JUSTO, A escravatura em Roma,
in B'FDC, 73 (1997), p. 19 e ss, onde se mostra que o status jurídico do escravo
no direito romano era heterogéneo, sendo considerados coisas (res), enquanto
objecto de direitos patrimoniais do dominus, mas também homens (homines),
capazes de agir, negociar e constituir relações familiares (embora em termos
limitados) e até pessoas (personae), designadamente nas relações religiosas e
funerárias.
V. alguns exemplos elucidativos em COLLIARD, Libertés publiques, 6.
ed., 1982, citando FLJSTEL DE COULANGES, La cité antique, capitulo VIII. As
liberdades eram restritas aos cidadãos e, para estes, respeitavam aos assuntos
públicos, à participação na vida política. Em contrapartida, eles não dispunham
de garantias de autonomia na sua vida privada, inseridos como estavam numa
comunidade intensamente solidária na arte, na religião, nos, jogos e nas dis-
cussõés, em geral, em todos os aspectos da existência. V., p. ex., H. D. F. Krrro,
Os Gregos, 1969. Isto é válido sobretudo para as cidades gregas, pois em Roma,
mais individualista, adquirem relevância direitos «privados», tais como o direito
ao casamento e a liberdade negocial. Cfr. ainda JORGE MIRANDA, Manual de
Direito Constitucional, Tomo 1, 6 ed., 1997, p. 55 e 5.; BENJAMIN CONSTANT, De
la liberte cles anciens comparée à celie des m.odernes, in Cours de Politique
As Dimensões dos Direitos Fundamentais 17
Constitutionnelle, Tomo II, 2. ed., 1872, p. 537 e s. (há uma edição portuguesa
de 2001 da Tenacitas, com introdução e tradução de ANTÓNIO DE ARAÚJO).
V., sobre essa influência, F. COMPAGNONI, 1 diritti dell'uonto: genesi,
storia e impegno cristiano, 1995.
5 O cristianismo, para além das ideias de igual dignidade do género
humano e do carácter indisponível dessa dignidade, mesmo pelo próprio, trouxe
as ideias de cada indivíduo como ser único e do amor ao próximo, de modo que
se pode dizer que marcou decisivamente a origem dos direitos fundamentais, tais
como se manifestam na nossa cultura. V. ainda ISENSEE, Grundrechtsvorausset-
zungen und Ve,fassungsei-wartungen au die Grundrechtsausübung, in HdStR, V,
1992, p. 374.
6 É assim que, ainda no seguimento da tradição cristã, o poder temporal
deixa de submeter o poder espiritual (pelo contrário, haveria de defender-se a sua
subordinação a este último), tornando-se, em contraposição ao «totalitarismo» da
polis, um poderio limitado, que não pode, por isso, violar as consciências.
1$ Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976
• 9 Apud M. KREELE, ob. cit., P. 192. Note-se contudo que foi durante a
3.4 República francesa que foram elaboradas as principais leis de garantia das
liberdades, precisamente no período em que os textos constitucionais deixaram
de conter qualquer referência a direitos fundamentais. Cfr. 1. RIVERO, Libertés
Publiques, vol. 1, 1988, p. 72 e ss.
20 Sobre a polémica que a este respeito opôs G. JELLINEK e E. BOUTMY, Cf.
KRIELE, oh. cir., p. 189 e ss. (que mostra, por sua vez, a influência mútua das duas
matrizes de pensamento), e P. LUCAS VERDU, Derechos individuales, in Nueva
Enciclopedia Jurídica, vol. VII, p. 41 e ss..
21 Mesmo em França, apesar da força da tradição jacobina, sempre uma
parte da doutrina considerou (e essa é desde 1958 a opinião dominante) que as
Declarações de direitos e os preâmbulos constitucionais são parte integrante da
Constituição. Cf. A. HAIJRIOU, Droit Constitutionnel et Institutions Folitiques,
4. ed., 1970, p. 193 e ss. Partindo desse pressuposto, o Conseil Constitutionnel
alargou, desde 1971, o controle (que é só preventivo) da constitucionalidade à
conformidade das leis com os direitos «preambulares». Cf. L. FAv0REU/ .1-A
JOLOWICCZ, (orgs.), Les grandes décisions du Conseil Constitutionnel, 1995.
24 Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976
The Unired Nations and Hu,nan rights 1 945-1995, 1995; STEINIALSTON, Interna-
tional Human rights in contexr. Law, politics, morais, 1996; AA.VV., Internatio-
na! Hurnan Ri,ghts: Law and practice, Haia, 1997.
29 A Declaração foi aprovada com 48 votos a favor, sem votos contra e
com oito abstenções (África do Sul, Arábia Saudita, Bielo-Rússia, Checos-
lováquia, Jugoslávia, Polónia, Ucrânia e URSS).
30 Ambos em vigor desde 1976. O Pacto sobre Direitos Cívicos e Políticos,
que obrigava em 1982 cerca de 70 Estados e 85 em 1988, já foi ratificado entre-
tanto (até Agosto de 2000) por 144 Estados (dos cerca de 193 membros da ONU
- não são partes, entre outros, Andorra, Arábia Saudita, China, Cuba, Guiné-
-Bissau, Indonésia e Turquia).
31 Entre elas, destacam-se, por exemplo, as que respeitam à proibição do
genocídio, da discriminação racial e da tortura, à protecção das crianças e à
igualdade das mulheres. V. uma recolha importante em REBECCA WALLACE,
International Human Rights. Texi and Materiais, 1997 e, em português, no
Boletim do Ministério da Justiça, n.9 245 (Abril de 1975) e JORGE MIRANDA,
Direitos do Homem, 2. 2 ed., 1989.
As Dimensões dos Direitos Fundamentais 27
- Cfr., por todos, P. REUTER, Droit International Puhlic, 5.4 ed., 1976,
p. 204 e ss.; SEIDL-HOIIENVELDERN, V 5lkerrecht, 6.» ed., 1987, p. 172 e ss.; e,
entre nós, A. QUEIRÓ, Lições de Direito Internacional Público, policop., 1960,
p. 4 e ss. e p. 114; AZEVEDO SOARES, Lições de Direito Internacional Público,
1996, p. 315 e ss; GONÇALVES PEREIRA/FAUSTO DE QUADROS, Manual .... ci,
p. 392 e ss.
52 O Protocolo facultativo anexo ao Pacto sobre Direitos Cívicos e Políti-
cos da ONU foi entretanto assinado por 96 dos 144 Estados membros (entre os
quais, em 1992, a Federação Russa, mas não os EUA), e a jurisdição do Tribunal
europeu passou a ser imperativa (a partir da entrada em vigor do Protocolo
Adicional nY 11 em 1 de Novembro de 1998) para todos os 41 países membros
do Conselho da Europa (que, no entanto, já tinham emitido entretanto a declara-
ção prevista nos artigos 25.» e 46» da Convenção Europeia). Também 16 dos 25
1
Estados signatários da Convenção Americana assinaram já o protocolo adicional
em que reconhecem a jurisdição do Tribunal aí previsto.
V. P. van DuK/G. J. H. VAN HO0F, Theory and practice ofthe European
54 Algumas destas críticas não devem deixar de ser tomadas a sério, não
por uma aceitação indiscriminada do relativismo cultural, mas porque, de facto,
não há necessariamente uma superioridade moral no grau de tolerância típico das
sociedades ocidentais perante determinados fenômenos sociais (como a pomo-
grafia, a idolatria do consumo ou a descaracterização da família) -- a ideia «oci-
dental» de direitos fundamentais, se pretende ser universal, tem de enriquecer-se
no contacto com outras culturas.
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Ao contrário do que às vezes acriticamente se afirma, os direitos fun-
damentais internacionais sempre manifestaram uma vocação cosmopolita, que,
aliás, se encontra na própria origem do movimento no Ocidente.
As Dimensões dos Direitos Fundamentais 35
61 Isto não significa que estes direitos sejam juridicamente menos valiosos.
Por outro lado, não se pretende no momento actual senão estabelecer um catálogo
mínimo de direitos que possa ser protegido pela generalidade dos ordenamentos
jurídicos internos.
62 Todas estas afirmações são apenas tendencialmente verdadeiras, como
se pode verificar, por exemplo, pelo facto de Portugal ter introduzido reservas ao
ratificar a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (a maior parte das quais
entretanto abandonadas, como veremos).
63 Tendo isto em vista, poderíamos convencionar que da pluralidade de
designações que nos oferece a matéria, a expressão «direitos fundamentais», sem
deixar de ser um super-conceito designaria em sentido estrito os direitos consti-
tucionalmente protegidos; à perspectiva internacionalista atribuir-se-iam o termo
«direitos do homem», ou, melhor ainda, o de «direitos humanos», e guardar-se-
-iam as fórmulas «direitos naturais, «direitos originários», e em geral as que
transportam uma carga afectiva (direitos «imprescritíveis», «inalienáveis»,
«invioláveis») para a dimensão filosófica.
As Dimensões dos Direitos Fundamentais 3()
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Caso curioso é, por exemplo, o do artigo 7. 9 da Constituição de 1822,
que começa por afirmar um direito do homem (natural), do qual retira como
consequência («conseguintemente») uni direito fundamental (positivo).
Os Direitos Fundamentais na Constituição Porruuesa de 1976
acima. .
- As Dimensões dos Direitos Fundamentais 47
catálogo que formulou e que não estão sujeitos aos seus poderes de
livre disposição.
Como acabamos de ver, a nossa lei fundamental confia à
Declaração Universal dos Direitos do Homem um papel de relevo
na interpretação e integração dos preceitos relativos aos direitos
fundamentais.
Ao fazê-lo, não tem certamente por objectivo a descoberta de
uma solução eficaz para um problema de técnica jurídica, pois que
tal não justificariam nem a clareza nem a completude da Declaração
Universal, sobretudo se comparadas com outros instrumentos mais
acabados (p. ex., os Pactos Internacionais das Nações Unidas ou a
Convenção Europeia).
Também é evidente que não se trata apenas de afinar as normas
internas pelas concepções dominantes na comunidade internacional,
na perspectiva de uma «uniformização normativa»: não seria este
um meio adequado para o fazer e não é crível que fosse essa a inten-
ção num sistema que não abdica da superioridade do direito consti-
tucional interno sobre o direito internacional.
Pretende-se, sim, proclamar a subordinação do catálogo interno
de direitos fundamentais a um princípio de valor que transcende a
vontade política dos Estados: a «dignidade inerente a todos os
membros da família humana», que é «fundamento da liberdade, da
justiça e da paz no mundo», como se lê no Preâmbulo da Declaração
Universal 83 .
A Declaração Universal, que consagra esse valor do Homem
como «ideal comum de todos os povos e nações», é, por essa boa
razão, escolhida como factor de unidade na interpretação do con-
junto dos direitos fundamentais. Só que essa trans-estadualidade
que em primeira linha se crisma na remissao do n. o 2 do artigo 16°,
. . -
2. O processo de democratização
3. Os fenómenos de socialização
A superação do liberalismo não foi, contudo, apenas uma obra
política. Foi a própria sociedade liberal que ruiu, substituída por
uma nova ordem a que se convencionou chamar «sociedade técnica
de massas» 14 .
A industrialização e o progresso técnico desenraizaram os
homens das suas terras, amontoaram-nos nas cidades, impuseram-
-lhes um ritmo acelerado de vida e desenharam-lhes os horizontes
de um bem-estar material. Privados do seu espaço e do seu tempo,
arregimentados em estruturas intermédias, desde a fábrica ao sindi-
cato e ao partido, dirigidos e controlados pela publicidade (propa-
ganda) e pelos meios de comunicação de massa que lhes ditam as
ideias e os produtos prontos a consumir - os homens dissolvem-se
na sociedade e nela encontram o seu destino. O indivíduo torna-se
um ser dependente, uma espécie-tipo do género humano.
A sociedade, por seu lado, fragmenta-se em grupos. Revelam-
-se as diferenças mal escondidas e, com a divisão do trabalho, das
actividades e das profissões, os interesses multiplicam-se ainda mais
entre si, uns contra os outros, procurando a melhor posição num
mundo social sem lugares marcados e em movimento contínuo. A
• construção da harmonia liberal é destruída pela erupção de urna luta
entre preferências diversas, onde certas contraposições se manifes-
tam com tal intensidade que algumas doutrinas e teorias descobrem
na sociedade antagonismos radicais e historicamente determinantes.
O Estado começa a ser cada vez mais solicitado a intervir na
• vida social e a Administração ultrapassa definitivamente a sua con-
dição aparente de esquadra de polícia e repartição de finanças. Não
foi apenas uma intervenção de necessidade, que durasse apenas
enquanto as guerras mundiais desarticularam a sociedade privada e
• mobilizaram os recursos para uma administração marcial. Termina-
das as guerras, verifica-se que a sociedade mudou: a paz social não
4. As tendências actuais
26 É com esse sentido que se pode falar de gerações de direitos, não impli-
cando' uma sucessão nwrtis causa dos direitos novos aos velhas. Também se pode
falar de camadas, mas essa imagem é mais estática e menos sugestiva da com-
plexidade de cada época.
Os Direitos Fundamentais no Contexto da sua Evolução Histórica 69
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