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A MASTOFAUNA PRESENTE NAS DIVERSIFICADAS

FITOFISIONOMIAS DURANTE O INVENTÁRIO DA UHE CANA


BRAVA-GO.
OKAMOTO, Adrielle Sousa1 & JORGE DA SILVA, Nelson Júnior.

RESUMO

O bioma Cerrado possui diversas áreas fitogeográficas que garantem a busca de alimento, refúgio e
hábitat para a fauna. A inserção de um empreendimento hidrelétrico, por causa da inundação destas áreas,
resulta na dispersão da fauna para outros habitas possivelmente comprometendo os hábitos destes animais. No
presente trabalho, objetivou-se fazer a relação das áreas fitogeográficas de preferência da mastofauna presente
durante o inventário da UHE Cana Brava – GO - realizado nos anos de 1999 a 2000 - para subsidiar ações de
manejo que visam amenizar o impacto e a mortalidade destes animais ao serem transferidos para outras
localidades, lembrando que não basta somente respeitar a fitofisionomia presente, é necessário que se observe
a densidade populacional, nicho ecológico e os recursos alimentares disponíveis para posterior realização de
soltura. Em uma análise geral, a maior preferência de áreas fitofisionômicas destes grupos foi pelo ambiente:
Campo Cerrado – com 55,22% de freqüência das espécies – seguido por Cerrado Denso com 44,78% de
freqüência, Campo Aberto e Mata Ciliar ambos com 31,34% de freqüência, Ambiente Antrópico com 28,36% e
Ambiente Aquático com 2,98% de freqüência. No geral, a Classe Mammalia foi representada por 10 Ordens, 23
Famílias, 56 Gêneros e 67 Espécies.
Palavras chave: Mastofauna, UHE Cana Brava, Fitofisionomias, Cerrado

INTRODUÇÃO

O bioma Cerrado possui áreas fitogeográficas distintas que garantem a busca


de alimento, refúgio e hábitat para a fauna silvestre. É composto por formações
abertas como: campos limpos, campos sujos e campos cerrados e formações
fechadas como: cerrado (sensu stricto), cerradão e mata galeria (Eiten, 1972). Tanto
a distribuição da fauna quanto da vegetação ocorre de forma heterogênea.
Uma das formas de modificação do ambiente, através da construção de usinas
hidrelétricas, implica na destruição, parcial ou total, do hábitat atingido, originando
novos ambientes, causando alterações nas condições da água, solo e paisagem,
com conseqüências imprevisíveis para flora e fauna (Müller, 1995).
Ao se tratar da fauna existente neste hábitat, a mortalidade pode ocorrer por
afogamento (Figura 1) durante sua movimentação e, devido a uma restrição
ambiental, por isularização, havendo predação, dada a escassa disponibilização de

1
Centro de Estudos e Pesquisas Biológicas, Universidade Católica de Goiás. E-mail: asokamoto@hotmail.com
Trabalho apresentado no XXV Congresso Brasileiro de Zoologia 8 – 13 de fevereiro de 2004. Universidade de
Brasília (UnB) Brasília-DF. p.274.

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alimento mudando a dieta de alguns grupos e morte natural para os grupos que
possuem hábito alimentar específico. Estas áreas devem ser interpretadas como
instáveis ecologicamente, pois estão no entorno do futuro reservatório e os
indicativos apontam para um desequilíbrio populacional (fide Pavan, 1999 e
Carmignotto, 1999). Ao ser avaliado o impacto ambiental causado, é necessário que
se tome providências para a proteção, prevenção e preservação da fauna existente
levando em consideração a qualidade do ambiente para que a sua conservação seja
justificável.

Figura 1: Myrmecophaga tridactyla morto – Rio Tocantins

A barragem da Usina Hidrelétrica Cana Brava – UHE Cana Brava (Figura 2)


está localizada no Estado de Goiás em Minaçú, no curso do rio Tocantins com uma
área inundada de 140 km2. O inventariamento da fauna silvestre foi realizado entre
maio de 1999 e novembro de 2001, com um total de oito campanhas de campo. O
acampamento base foi instalado próximo ao Porto do Garimpo (13º04’18’’S e
48º06’57’’W) pouco abaixo do rio São Félix, de onde foram coordenadas as
atividades.

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Figura 2: Barragem da UHE Cana Brava-GO

As fitofisionomias utilizadas pelas diversas categorias mastozoológicas são:


Mata Ciliar (MC) localizada a 13º34’16’’S e 48º07’17’’W, sendo caracterizada por se
formar ao longo de cursos d’água. Cerrado Denso (CD) localizada a 13º34’59’’S e
48º07’19’’W, possui uma camada lenhosa descontínua constituída por árvores de
até 8 metros de altura, contendo algumas espécies de angiospermas e pteridófitas.
Campo Aberto (CA) localizada a 13º35’08’’S e 48º07’22’W com camadas de
arbustos permanentes de 0,8 a 1,2 metros e outra rasteira de ervas, semi-arbustos e
arbustos recorrentes de caules finos, a composição florística é idêntica à do Cerrado
Denso, com exceção das espécies arbóreas. Campo Cerrado (CC) localizada a
13º35’02’’S e 48º07’13’’W que contêm árvores e arbustos de caule expesso,
havendo ervas, semi-arbustos e gramíneas. Ambiente aquático (AQ) o próprio meio
líquido em si ou áreas relacionadas com a vegetação de corpos d’água. Um outro
tipo de ambiente citado aqui é o Ambiente antrópico (AA) que é a área onde ações
humanas destruíram as características naturais das fitofisionomias antes presentes.
Ao se comparar a comunidade de mamíferos ao uso das variações
fitofisionômicas do Cerrado, pode-se obter uma avaliação de um impacto direto
nestes grupos. Sugere-se que a mastofauna destas fitofisionomias pode ser
considerada diferente uma das outras (Müeller-Dombois e Ellenberg, 1925). Não se
pode translocar animais aleatoriamente, isto pode ocasionar sérios transtornos para
a fauna translocada e a residente. Para um melhor manejo, ao translocar os animais
resgatados visando um menor impacto, é necessário que não somente observe a
fitofisionomia de preferência deste grupo, mas também a densidade populacional
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local relacionando com a corporal associada à área de distribuição, nicho ecológico,
recursos alimentares disponíveis e é indispensável que se atente para a não soltura
destes animais em áreas das quais encontrem espécies exóticas garantindo a
sobrevivência da fauna silvestre. A qualidade de hábitat definida é crucial para o
sucesso de sobrevivência dos animais translocados.
Este trabalho relata a ocorrência e preferência de hábitats dos mamíferos
identificados no Programa de Fauna Silvestre da UHE Cana Brava anteriormente ao
enchimento do reservatório.

MATERIAIS E MÉTODOS

Para a realização do inventário de fauna da UHE Cana Brava foram utilizados


materiais e métodos de captura, marcação e soltura diferentes de acordo com cada
categoria mastofaunística e em ambas foram registrados a fitofisionomia presente no
local de coleta.
Para pequenos roedores, foram estabelecidas 5 estações de coleta por ponto
amostral em “transects” de 100 metros, cada uma constituída de duas armadilhas
Sherman, uma Tomahawk e uma snap-trap. Técnicas de marcação nas orelhas
foram adotadas utilizando brincos numerados e/ou tatuagens (Figura 3),
dependendo do grupo taxonômico. Para marsupiais, foram utilizadas, além da
metodologia de armadilhas adotadas para pequenos roedores, como metodologia
específica, foram feitas coletas no dossel arbóreo alto com armadilhas Sherman, uso
de tubos de PVC de 100 a 150 milímetros e armadilhas tipo sticky paper.
Dificilmente estes pequenos mamíferos são visualizados, pois possuem hábitos
noturnos e ficam restritos ao seu nicho específico. Com o enchimento do
reservatório a chance de sobrevivência é mínima. Desta forma, há uma perda de
fauna ainda não mensurada além de perda de material científico, principalmente por
alguns destes animais serem grandes dispersores de sementes e possuírem
relevante importância para saúde pública.

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Figura 3: Método de marcação por tatuagem em roedores

Também foram utilizadas redes de neblinas (mist-net) de 12 metros (malha 36


milímetros) para captura de morcegos, colocadas em cursos d’água secos, entradas
de cavernas e áreas abertas, no horário crepuscular. Para mamíferos de médio e
grande porte, utilizou-se a identificação visual/fotográfica, armadilhas luminosas
(Trailmaster) que detectam movimentações faunísticas e dados indiretos (pegadas,
fezes e carcaças) dos quais foram documentados fotograficamente e catalogados.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

De acordo com a Tabela 1, a Classe Mammalia foi representada por 10


Ordens, 23 Famílias, 56 Gêneros e 67 Espécies sendo de formas aquáticas ou semi-
aquáticas, semi-fossoriais, terrestres e arborícolas. Em relação à diversidade, a
Ordem Carnívora apresentou 13,44%; Ordem Artiodactyla 4,48%; Ordem
Perissodactyla 1,49%; Ordem Xenarthra 7,47%; Ordem Didelphimorphia 8,96%;
Ordem Chiroptera 28,35%; Ordem Primates 4,48%; Ordem Rodentia 28,35% Ordem
Lagomorpha 1,49% e Ordem Cetacea 1,49%.

TAXON AMBIENTE
CLASSE MAMMALIA MC CD CC CA AQ AA
ORDEM CARNIVORA
Família Canidae
Cerdocyon thous x x
Chrrysocyon brachyurus x x
Pseudalopex vetulus x x x
Família Felidae
Herpailurus yagouaroudi x x
Leopardus tigrina x
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Panthera onca x
Família Mustelidae
Eira barbara x
Lutra lugicaudis x
Família Procyonidae
Nasua nasua x x
ORDEM ARTYODACTYLA
Família Tayassuidae
Pecari tajacu x
Família Cervidae
Mazama americana x x x
Mazama sp. x
ORDEM PERISSODACTYLA
Família Tapiridae
Tapirus terrestris x
ORDEM XENARTHRA
Família Dasypodidae
Dasypus novemcinctus x x
Dasypus septemcinctus x
Euphractus sexcinctus x x x
Família Myrmecophagidae
Myrmecophaga tridactyla x x
Tamandua tetradactyla x x
ORDEM DIDELPHIMORPHIA
Família Didelphidae
Didelphis albiventris x x x x x
Gracilinanus emiliae x x
Gracilinanus sp. x x
Marmosa murina x x
Monodelphis domestica x x x
Philandes opossum x
ORDEM CHIROPTERA
Família Molossidae
Molossops mattogrossensis x x
Família Mormoopidae
Pteronotus pernellii x
Família Noctilionidae
Noctilio leporinus x
Família Phyllostomidae
Subfamília Carolliinae
Carollia perspicillata x x x x
Subfamília Desmodontinae
Desmodus rotundus x
Subfamília Glossophaginae
Anoura geoffroyi x
Glossophaga soricina x x x
Subfamília Lonchophyllinae
Lioycteris spurelli x x
Subfamília Philostominae
Macrophyllum macrophyllum x x
Micronycteris danviesi x x
Mimon bennettii x
Phyllostomus hastatus x x x
Tonatia bidens x x
Thrachops cirrhosus x x
Subfamília Stenodermatinae
Artibeus jamaicensis x x x
Artibeus lituratus x x
Chiroderma villosum x
Sturnira lilium x x
ORDEM PRIMATES
Família Cebidae
Alouatta caraya x
Cebus apella x
Família Callithrichidae
Callithryx penicillata x
ORDEM RODETIA
Família Dasyproctidae
Dasyprocta azarae x x
6
Família Echimyidae
Proechimys roberti x x x
Proechimys sp. x x
Thrichomys apereoides x
Família Erethizontidae
Coendou prehensilis x
Família Hydrochaeridae
Hydrochaeris hydrochaeris x x
Família Muridae
Akodon sp. x x x
Bolomys lasiurus x x x
Nectomys squamipes x
Oecomys sp. x x
Oecomys bicolor x x
Oligoryzomys cf. chacoensis x x
Oligoryzomys fulvescens x x x
Oligoryzomys sp. x
Oryzomys capito x x x
Oryzomys subflavus x x
Oryzomys sp. x
Rattus rattus x x x
Rhipidomys mastacalis x x x
ORDEM LAGOMORPHA
Família Leporidae
Sylvilagus brasiliensis x x x
ORDEM CETACEA
Família Platanystidae
Inia geoffrensis x
Tabela 1: Áreas Fitogeográficas Preferenciais da Mastofauna

Os dados que se referem à preferência de áreas fitogeográficas foi pelo


ambiente Campo Cerrado (CC) com 55,22% de freqüência das espécies seguido por
Cerrado Denso (CD) com 44,78% de freqüência. Campo Aberto (CA) e Mata Ciliar
(MC) ambos com 31,34% de freqüência, Ambiente Antrópico (AA) com 28,36% e
aquático (AQ) com 2,98% de freqüência. Pode-se observar que grande parte desta
mastofauna não se restringe às áreas de mata ciliar, fazendo o uso das diversas
fitofisionomias resultando em boas perspectivas em relação à movimentação deste
grupo para outras áreas durante o enchimento do reservatório.
Assim como os primatas e os chiropteros, os marsupiais, em sua grande
maioria são responsáveis para a manutenção de matas ciliares e cerradão (Cerrado
Denso), especialmente por serem dispersores de sementes, sendo de certa forma,
bioindicadores da manutenção destas formações. Um tratamento diferenciado foi
dado aos marsupiais arborícolas, para uma translocação mais eficaz, garantindo sua
taxa de sobrevivência.
Os dados obtidos corroboram com a idéia de Marinho-Filho e Gastal (2001),
onde, demonstram a importância das matas ciliares para o fluxo da fauna e a
relação com os hábitats adjacentes. A preferência por áreas abertas é devido à
grande locomoção que estes animais possuem.
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BIBLIOGRAFIA

CARMIGNOTTO, A.P. 1999 Pequenos mamíferos terrestres do Cerrado (Rodentia;


Didelphimorphia) seleção de hábitats, áreas de vida e padrões direcionais de
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EITEN, G. 1972. The Cerrado Vegetation of Brazil, Botanical Revieews, 38:205-341.

MARINHO-FILHO, J. & GASTAL, M.L. 2001. Matas Ciliares: Conservação e


Recuperação. Editores: Ricardo Ribeiro Rodrigues , Hermógenes de Freitas Leitão
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MÜLLER, A.S.C. 1995. Hidrelétricas, meio ambiente e desenvolvimento. São Paulo.


Makron Books.

PAVAN, D. 1999. Consideraçoes Ecológicas sobre a Fauna de Sapos e Lagartos de


uma área de Cerrado Brasileiro sob Impacto do Enchimento do Reservatório de
Serra da Mesa. Dissertação de Mestrado. Instituto de Biociências. Universidade de
São Paulo. 159p.

NATURAE, 2002. Programa de Fauna Silvestre – Monitoramento Pré-Enchimento


UHE Cana Brava. Relatório Final.

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