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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA

PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

DIANA CRUZ RODRIGUES

ENFRENTAMENTO DAS DESIGUALDADES NA POLÍTICA ESTADUAL DE


CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NO PARÁ:
ABRANGÊNCIA E CONFORMAÇÕES EM TECNOLOGIA ASSISTIVA E
TECNOLOGIA SOCIAL

BELÉM-PA
2019
DIANA CRUZ RODRIGUES

ENFRENTAMENTO DAS DESIGUALDADES NA POLÍTICA ESTADUAL DE


CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NO PARÁ:
ABRANGÊNCIA E CONFORMAÇÕES EM TECNOLOGIA ASSISTIVA E
TECNOLOGIA SOCIAL

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Administração (PPAD) da Universidade da
Amazônia (UNAMA), como requisito parcial
para obtenção do título de doutora em
Administração.

Linha de pesquisa: Gestão do Desenvolvimento.

Orientador: Prof. Dr. Mário Vasconcellos


Sobrinho.

Co-orientadora: Profa. Dra. Ana Maria


Vasconcellos.

BELÉM-PA
2019
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer
meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a
fonte.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Nazaré Soeiro

CRB2/ 961

338.98115
R696e Rodrigues, Diana Cruz.

Enfrentamento das desigualdades na política estadual de ciência,


tecnologia e inovação no Pará: abrangência e conformações em
tecnologia assistiva e tecnologia social. / Diana Cruz Rodrigues. –
Belém, 2019.
432 f.; il.: 21 x 30 cm.

Tese (Doutorado) – Universidade da Amazônia, Pró-Reitoria de


Pós-graduação, Pesquisa e Extensão, Programa de Doutorado em
Administração, 2019.

Orientador: Prof. Dr. Mário Vasconcelos Sobrinho.

1. Política pública- análise. 2. Política de ciência, tecnologia e


inovação. 3.Desigualdade. 4. Tecnologia assistiva. 5. Tecnologia
social. I. Sobrinho, Mário Vasconcelos. II. Título.
DIANA CRUZ RODRIGUES

ENFRENTAMENTO DAS DESIGUALDADES NA POLÍTICA ESTADUAL DE


CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NO PARÁ:
ABRANGÊNCIA E CONFORMAÇÕES EM TECNOLOGIA ASSISTIVA E
TECNOLOGIA SOCIAL

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Administração (PPAD) da Universidade da
Amazônia (UNAMA), como requisito parcial
para obtenção do título de doutora em
Administração.

Linha de pesquisa: Gestão do Desenvolvimento.

BANCA EXAMINADORA:

Data de aprovação: ___/___/_____

_________________________________________
Prof. Dr. Mário Vasconcellos Sobrinho – Orientador.
Universidade da Amazônia – UNAMA.

_________________________________________
Profa. Dra. Luciana Rodrigues Ferreira – Examinadora Interna.
Universidade da Amazônia – UNAMA.

_________________________________________
Prof. Dr. Mauro Margalho Coutinho – Examinador Interno.
Universidade da Amazônia – UNAMA.

_________________________________________
Profa. Dra. Maria das Graças Ferraz Bezerra – Examinadora Externa.
Museu Paraense Emílio Goeldi – MPEG.

_________________________________________
Profa. Dra. Maria Caramez Carlotto – Examinadora Externa.
Universidade Federal do ABC - UFABC.

BELÉM-PA
2019
AGRADECIMENTOS

Ao Programa de Pós-Graduação em Administração (PPAD) da Universidade da Amazônia


(UNAMA) pela oportunidade de aprendizado acadêmico, profissional e pessoal que tive
nestes anos. À todos os professores que participaram e participam deste programa pela
generosidade e dedicação para formar pesquisadores para este campo na Amazônia. Aos
secretários e pessoal de apoio, em especial ao Igor e a Simone pela atenção, diligência e
carinho na convivência cotidiana do programa. Em especial, agradeço ao meu orientador,
Prof. Dr. Mário Vasconcellos Sobrinho, pela confiança, sensibilidade e compromisso com
minha trajetória acadêmica, e suas diversas atividades desde o mestrado, sabendo dar
autonomia e apoio no desenvolvimento de minha história.
Ao Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica (PPGPCT) da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) pela oportunidade de participar deste como
aluna especial. Foi um semestre rico de aprendizados a quem agradeço a professores,
secretários e colegas discentes. Em especial, agradeço aos professores Rafael Dias e Milena
Serafim pela paciência e generosidade com que me aceitaram para realização de estudo
dirigido e me guiarem pela estrada dos estudos sociais da C&T.
Aos amigos com quem compartilhei esta caminhada da pós-graduação. No PPAD, com todos
os colegas do programa com que realizei disciplinas, atividades e trabalhos, além de
compartilhar aprendizados e “perrengues”, risos e choros. Em especial, agradeço a todos os
amigos da turma de doutorado de 2015. Aos amigos que encontrei pelo caminho dos cursos e
eventos, que sempre tenhamos reencontros, em especial a Raquel Sobral, Catherine Rojás e
Maria do Carmo Meirelles. Aos amigos do grupo de pesquisa Gesdel, que dividem a mesma
estrada pelo compartilhar das dificuldades, desafios e conquistas, pelos risos que fizeram com
que a caminhada ficasse mais leve e colorida, em especial a Herena Correa de Melo, Hilmar
Chaves, Josevana Lucena, Michelle Bouth, Rosinele de Oliveira e Irene Costa Freitas.
Às organizações e pessoas que me receberam durante a pesquisa e proporcionaram
informações e aprendizados essenciais. Em especial, agradeço às organizações, Secretaria de
Estado de Ciência, Tecnologia e Educação Profissional e Tecnológica (SECTET) e a
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará (FAPESPA) pela abertura ao diálogo e a
informações imprescindíveis a esta pesquisa, bem como a todos os servidores que se
envolveram com o tema da política de CT&I e me ajudaram em especial a Rosenilda Freitas,
Carlos Cristiano Cardoso, Márcia Luana Souza, Leonardo Freitas, Denílson Pinheiro e
Geovana Pires. Agradeço também a todos os pesquisadores que me receberam,
compartilharam seus conhecimentos e colaboraram para desenvolvimento desta pesquisa, sem
os quais este trabalho não seria possível.
À minha família e amigos, pelo apoio e carinho de sempre. Em especial aos meus pais que
sempre me incentivaram a estudar, à minha mãe, Tereza Cruz Rodrigues, pelo suporte e
presença constante, e ao meu pai, Carlos Rodrigues, pelo cuidado e confiança. Aos meus avôs
e avós, tios e tias, primos e primas, sempre de algum modo presentes com suas lições e
alegrias.
À Deus.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento


de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
RESUMO

O objetivo desta tese é compreender como tem sido articulado e efetivado o enfrentamento
das desigualdades no processo da política de ciência, tecnologia e inovação (CT&I).
Problemas relacionados as desigualdades vêm sendo crescentemente debatidos na literatura
sobre política de CT&I em função dos impactos da aceleração da mudança tecnológica sobre
as assimetrias na distribuição de recursos e capacidades. Contudo, no processo da política de
CT&I, enfoques direcionados para o enfrentamento das desigualdades (distributivos) ainda
são marginais, sendo preponderante uma orientação de justiça social utilitarista-agregativa. A
abordagem analítica envolveu a mobilização teórica-metodológica do quadro de referência de
coalizão de defesa e da análise de discurso, de modo a propiciar o entendimento de como
diferentes enfoques discursivos orientam a articulação das políticas para enfrentamento das
desigualdades e, portanto, conformam ações a serem efetivadas. O recorte de análise partiu do
contorno da política estadual de CT&I no Pará, em um contexto subnacional e periférico, e
neste foram selecionados os casos da política de fomento a tecnologia assistiva (TA) e
tecnologia social (TS). Ambos os processos de política analisados foram finalisticamente
direcionados e a maioria dos projetos financiados alcançou o desenvolvimento de produtos
e/ou atividades disponibilizados para públicos-alvo, por canais de distribuição públicos (por
financiamento governamental ou por meios gratuitos). Enfoques alinhados com um discurso
de CT&I orientado para a sociedade tenderam a ter maior alcance para enfrentamento das
múltiplas dimensões de desigualdades. Porém, estes apresentaram dificuldades devido a maior
divergência com as práticas sociais institucionalizadas, especificamente tensões discursivas
nas práticas de desenvolvimento tecnológico e de política. Para além das disputas na agenda
entre as pautas tradicionalmente agregativas e distributivas, a emergência das pautas
distributivas na política, mesmo em posições marginais, resulta em desestabilização nos
discursos predominantes (C&T auto orientada e CT&I orientada para o mercado), os quais
tendem a se reorganizarem em enfoques discursivos responsivos a tais pautas, estabelecendo
posições reformistas que atuam em disputas discursivas dentro destas pautas, buscando uma
menor abrangência de mudanças nas práticas sociais em vigor.

Palavras-chave: Análise de Política Pública. Política de Ciência, Tecnologia e Inovação.


Desigualdade. Tecnologia Assistiva. Tecnologia Social.
ABSTRACT

This thesis aims to understand how the confrontation with inequalities in the science,
technology and innovation (ST&I) policy process has been articulated and effected. Problems
related to inequalities have been increasingly debated in the ST&I policy literature due to the
impacts of accelerating technological change on asymmetries in the distribution of resources
and capacities. However, in the ST&I policy process, approaches to coping with (distributive)
inequalities are still marginal, with a prevailing utilitarian-aggregative social justice
orientation. The analytical approach involved the theoretical-methodological mobilization of
the advocacy coalition framework and the discourse analysis, in order to provide an
understanding of how different discursive approaches guide the articulation of policies to
confront inequalities and, therefore, shape actions to be taken. The research design originated
from the state ST&I policy process in Pará, in a subnational and peripheral context. From this
policy framing, we selected the cases of assistive technology (AT) and social technology (ST)
fostering policy. Both policy processes which were analyzed were finalistically targeted and
most of the funded projects achieved the development of products and/or activities made
available to target audiences, through public distribution channels (by government funding or
by free means). Approaches aligned with a society-oriented ST&I discourse tended to be
broader in addressing multiple dimensions of inequality. However, they presented difficulties
due to greater divergence from institutionalized social practices, specifically discursive
tensions in the technological development and policy process practices. In addition to disputes
between traditionally aggregative and distributive agendas, the emergence of distributive
agendas in policy processes, even in marginal positions, results in destabilization in
mainstream discourses (self-oriented S&T and market-oriented ST&I), which tend to
reorganize themselves in discursive approaches responsive to such distributive agendas,
establishing reformist positions that act in discursive disputes within these agendas, seeking a
smaller range of changes in current social practices.

Keywords: Policy Analysis. Science, Technology and Innovation Public Policy. Inequality.
Assistive Technology. Social Technology.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Diagrama de fluxos da abordagem de coalizões de defesa. 49


Figura 2 - Três dimensões de análise de discurso propostas por Fairclough. 69
Figura 3 - Elementos de análise de práticas sociais. 71
Figura 4 - Os 10 elementos da abordagem do pensamento sistêmico de tecnologia
assistiva. 212
Figura 5 - Mapeamento dos núcleos que compõem a rede nacional de pesquisa e
desenvolvimento em tecnologia assistiva no Brasil. 227
Figura 6 - Rede de relações entre núcleos de tecnologia assistiva cadastrados na
RNPDTA e unidades de vínculo de coordenadores de projetos do edital nº
010/2013 da FAPESPA. 291
Figura 7 - Linha do tempo das principais ações no processo de política estadual de
tecnologia social no Pará, de 2012 a 2014. 336
Figura 8 - Linha do tempo das principais ações no processo de política estadual de
tecnologia social no Pará, de 2015 a 2017. 345
Figura 9 - Posições discursivas em temáticas para enfrentamento das desigualdades a
partir das orientações discursivas na política de CT&I. 393
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Índice de desigualdade em variáveis relacionadas a recursos humanos em


CT&I entre Unidades Federativas (UF) do Brasil, no período de 2002 a
2016. 136
Gráfico 2 - Número de projetos aprovados no edital nº 010/2013 da FAPESPA, de
acordo com os tipos de deficiência atendidos. 262
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Pressupostos do quadro de referência de coalizões de defesa. 48


Quadro 2 - Delineamento de subsistemas na política de CT&I no Pará por níveis de
análise. 65
Quadro 3 - Principais normas sociais da ciência propostas por Robert Merton. 79
Quadro 4 - Concepções e limites de abordagens de CT&I para um enfoque socialmente
orientado. 102
Quadro 5 - Programas por linha de ação da CT&I para desenvolvimento social no plano
de ação de CT&I 2007-2010. 120
Quadro 6 - Matriz de referência de discursos da política de CT&I a partir de uma visão
de convergência internacional. 124
Quadro 7 - Ações do programa ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento
do PPA 2008-2011 do Governo do Estado do Pará. 144
Quadro 8 - Linhas temáticas ou áreas de aplicação indicados como prioritários ou
estratégicos em editais selecionados da FAPESPA no período de 2007 a
2011. 155
Quadro 9 - Seleção de editais lançados pela FAPESPA identificados com menções
explícitas a temáticas voltadas a redução desigualdades, inclusão social ou
atendimento específico de grupos sociais vulneráveis, no período de 2008 a
2011. 156
Quadro 10 - Ações do programa ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento
sustentável do PPA 2012-2015 do Governo do Estado do Pará. 160
Quadro 11 - Ações do programa CT&I para o Desenvolvimento Sustentável do PPA
2012-2015, por municípios com execução relatada em 2015. 167
Quadro 12 - Linhas temáticas ou áreas de aplicação direcionados em editais selecionados
da FAPESPA no período de 2012 a 2015. 170
Quadro 13 - Seleção de editais lançados pela FAPESPA identificados com menções
explícitas a temáticas voltadas a redução desigualdades, inclusão social ou
atendimento específico de grupos sociais vulneráveis, no período de 2012 a
2015. 171
Quadro 14 - Ações do Programa Ciência, Tecnologia e Inovação Para o Desenvolvimento
do PPA 2016-2019 do Pará. 178
Quadro 15 - Linhas temáticas ou áreas de aplicação direcionados em editais selecionados
da FAPESPA no período de 2012 a 2015. 184
Quadro 16 - Seleção de editais lançados pela FAPESPA identificados com menções
explícitas a temáticas voltadas a redução desigualdades, inclusão social ou
atendimento específico de grupos sociais vulneráveis, no período de 2016 a
2017. 185
Quadro 17 - Chamadas públicas lançadas pela FINEP específicas a temática de
tecnologia assistiva até 2018. 229
Quadro 18 - Chamadas públicas lançadas pelo CNPq específicas a temática de tecnologia
assistiva, até 2018. 231
Quadro 19 - Paradigmas de Prestação de Serviços na Política de Tecnologia Assistiva. 241
Quadro 20 - Proposição de concepção para desenvolvimento e provisão de tecnologia 244
assistiva, a partir de um alinhamento entre a orientação discursiva do modelo
social de deficiência e da CT&I socialmente orientada.
Quadro 21 - Informações gerais dos projetos aprovados no edital nº 010/2013 da
FAPESPA. 263
Quadro 22 - Informações sobre resultados dos projetos aprovados no edital nº 010/2013
da FAPESPA. 267
Quadro 23 - Informações de vínculos institucionais e associações de coordenadores de
projetos aprovados no edital nº 010/2013 da FAPESPA. 272
Quadro 24 - Grupos de pesquisa no Estado do Pará no DGP/CNPq com linhas temáticas
de tecnologia assistiva e projetos do edital nº 010/2013 da FAPESPA com
coordenadores associados. 275
Quadro 25 - Elaborações sintéticas da concepção, desenvolvimento e avaliação de
produtos e ações de tecnologia assistiva em relação a interação com pessoas
com deficiência (PcD) e outras organizações a estas associadas. 278
Quadro 26 - Matriz de dimensões para análise de tecnologia social, conforme Dagnino
(2014). 309
Quadro 27 - Proposição de posições discursivas no processo da política de tecnologia
social no domínio da CT&I. 317
Quadro 28 - Chamadas públicas lançadas pela FINEP específicas a temática de
tecnologia assistiva até 2018. 328
Quadro 29 - Informações gerais dos projetos fomentados no âmbito da política estadual
de tecnologia social. 347
Quadro 30 - Informações sobre resultados e produtos dos projetos de tecnologia social
fomentados. 352
Quadro 31 - Informações de vínculos institucionais, associações e parcerias nos projetos
de tecnologia social fomentados. 357
Quadro 32 - Grupos de pesquisa com sede no Estado do Pará no DGP/CNPq com linhas
temáticas sobre tecnologia social. 359
Quadro 33 - Elaboração sintética da concepção, desenvolvimento e avaliação de
tecnologia social nos projetos apoiados pela SECTET, 2015-2017. 362
Quadro 34 - Conceitos de tecnologia social estabelecidos em documentos da política
estadual de TS no Pará. 372
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Dispêndios em C&T e P&D no Brasil, de 2002 a 2016 (em milhão de reais). 135
Tabela 2 - Quantidade de recursos humanos em CT&I no Brasil, de 2002 a 2016. 135
Tabela 3 - Projetos de P&D financiados por meio do FUNTEC do governo do Estado
do Pará, de 1997 a 2006. 140
Tabela 4 - Modalidades de Projetos de CT&I financiados por meio do FUNTEC do
governo do Estado do Pará, de 1995 a 2006 (em R$ 1,00). 140
Tabela 5 - Editais lançados pela FAPESPA com modalidade de fomento no formato de
bolsa ou auxílio, por categorias, no período de 2008 a 2011. 153
Tabela 6 - Editais lançados pela FAPESPA com modalidade de fomento no formato de
projeto, por categorias, no período de 2008 a 2011. 153
Tabela 7 - Previsão orçamentária e recursos financeiros aplicados em programas no
âmbito da CT&I do PPA 2012-2015 (em R$ 1.000,00). 165
Tabela 8 - Editais lançados pela FAPESPA com modalidade de fomento no formato de
bolsa ou auxílio, por categorias, no período de 2012 a 2015. 168
Tabela 9 - Editais lançados pela FAPESPA com modalidade de fomento no formato de
projeto, por categorias, no período de 2012 a 2015. 169
Tabela 10 - Metas por objetivo do programa temático de Ciência, Tecnologia e Inovação
do PPA 2016-2019 do Estado do Pará. 175
Tabela 11 - Recursos financeiros programados totais e aplicados nos anos de 2016 e
2017 por região de integração no programa de Ciência, Tecnologia e
Inovação do Pará (em R$ 1,00). 176
Tabela 12 - Editais lançados pela FAPESPA com modalidade de fomento no formato de
bolsa ou auxílio, por categorias, no período de 2016 a 2017. 182
Tabela 13 - Editais lançados pela FAPESPA com modalidade de fomento no formato de
projeto, por categorias, no período de 2016 a 2017. 183
Tabela 14 - Indicadores de C&T para Brasil, Região Norte e Pará, em 2014. 187
Tabela 15 - Distribuição percentual da população com pelo menos uma das deficiências
investigadas por Idade e Tipo de Deficiência no Brasil, censo 2010 (%). 217
Tabela 16 - Proporção da população com pelo menos uma das deficiências investigadas
por Região no Brasil, censo 2000 e 2010 (%). 218
Tabela 17 - Distribuição percentual da população de 15 anos ou mais de idade sem ou
com, pelo menos, uma deficiência investigada por nível de instrução no
Brasil, censo 2010 (%). 218
Tabela 18 - Distribuição percentual do nível de ocupação da população de 10 anos ou
mais de idade, por sexo e tipo de deficiência investigada no Brasil, censo
2010 (%). 219
Tabela 19 - Distribuição das instituições que compõem a Rede Nacional de Pesquisa e
Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva por região no Brasil. 227
Tabela 20 - Percentual de projetos de TA por tipo de desenvolvimento. 234
Tabela 21 - Distribuição de projetos de TA por estado e Distrito Federal no Brasil. 235
Tabela 22 - Projetos de tecnologia assistiva por tipo de participação específica do
público-alvo no âmbito da PNITA 2011-2013. 236
Tabela 23 - Resultados gerais de projetos de TA em termos de introdução no mercado
e/ou disponibilidade ao público-alvo. 238
Tabela 24 - Dificuldade(s) para desenvolvimento dos projetos de TA. 238
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACDA - Associação de Assistência à Criança Deficiente da Amazônia.


ACESSAR - Núcleo de Tecnologia Assistiva Acessar.
ADA - American with Disabilities Act.
ADC - Análise de Discurso Crítica.
AEE - Atendimento Educacional Especializado.
ALEPA - Assembleia Legislativa do Pará.
APL - Arranjo Produtivo Local.
BASA - Banco da Amazônia.
BIOPARÁ - Programa Paraense de Incentivo ao Uso Sustentável da Biodiversidade.
BPC - Benefício de Prestação Continuada.
C&T - Ciência e Tecnologia.
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
CAT - Comitê de Ajuda Técnica.
CD - Coalizão de Defesa.
CDPcD - Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU.
CENSIPAM - Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia.
CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e Caribe.
CEPLAC - Comissão Executiva de Planejamento da Lavoura Cacaueira.
CER - Centro Especializados em Reabilitação.
CESUPA - Centro Universitário do Estado do Pará.
CF - Constituição Federal.
CIDID - Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens.
CIF - Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde.
CIIC - Centro Integrado de Inclusão e Cidadania.
CNCTI - Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
CNRTA - Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva.
CONADE - Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
CONCITI - Conselho Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação.
CONFAP - Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa
CONSECTET - Conselho Estadual de Ciência, Tecnologia e Educação Profissional e
Tecnológica.
CONTEC - Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia.
CPATU - Centro de Pesquisa Agroflorestal do Trópico Úmido.
CT&I - Ciência, Tecnologia e Inovação.
CTDS - Coordenadoria de Tecnologia para Desenvolvimento Social.
CTI - Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer.
CTS - Ciência, Tecnologia e Sociedade.
DCR - Programa de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Regional.
DCT - Diretoria de Ciência e Tecnologia.
DECIT - Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e
Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde (MS).
DEPIS - Diretoria de Políticas e Programas para inclusão Social.
DGP - Diretório de Grupos de Pesquisa.
DTS - Diretoria de Tecnologia Social.
ELETROBRAS - Centrais Elétricas Brasileiras S.A.
ELETRONORTE - Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A.
EMATER-PA - Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará.
EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
ENCTI - Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.
ESCT - Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia.
EUA - Estados Unidos da América.
EUSTAT - Empowering Users Through Assistive Technology.
FAEPA - Federação da Agricultura e Pecuária do Pará.
FAMEP - Federação das Associações de Municípios do Pará.
FAP - Fundações de Amparo à Pesquisa.
FAPEAM - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas.
FAPESPA - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará.
FBB - Fundação do Banco do Brasil.
FCAP - Faculdade de Ciências Agrárias do Pará.
FECOMERCIO - Federação do Comércio do Estado do Pará.
FIEPA - Federação das Indústrias do Estado do Pará.
FINEP - Financiadora de Estudos e Projetos.
FIOCRUZ - Fundação Oswaldo Cruz.
FMI - Fundo Monetário Internacional.
FNDCT - Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
FUNDEB - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica.
FUNTEC - Fundo Estadual de Ciência e Tecnologia do Pará.
GEP - Governo do Estado do Pará.
HEART - Horizontal European Activities in Rehabilitation Technology.
IAN - Instituto Agronômico do Norte.
ICT - Instituição de Ciência e Tecnologia.
IDESP - Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará.
IDIS - Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social.
IEC - Instituto Evandro Chagas.
IFPA - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará.
INCUBITEC - Incubadora Tecnológica de Desenvolvimento e Inovação de Cooperativas e
Empreendimentos Solidários.
INPA - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.
INPI - Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
IPEAN - Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuária do Norte.
IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados.
ITS - Instituto de Tecnologia Social.
LABTA - Laboratório de Tecnologia Assistiva.
MCT - Ministério da Ciência e Tecnologia.
MCTI - Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
MCTIC - Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
MEC - Ministério da Educação.
MF - Ministério da Fazenda.
MMA - Ministério do Meio Ambiente.
MPEG - Museu Paraense Emílio Goeldi.
MPOG - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
MS - Ministério da Saúde.
NAC - Núcleo de Articulação e Cidadania do Governo do Estado do Pará.
NEDETA - Núcleo de Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva e Acessibilidade.
NTA - Núcleo de Tecnologia Assistiva.
OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico.
OEPAS - Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária.
OMC - Organização Mundial do Comércio.
OMS - Organização Mundial da Saúde.
ONG - Organização não-governamental.
ONU - Organização das Nações Unidas.
OS - Organização Social.
P&D - Pesquisa e Desenvolvimento.
PACTI - Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação.
PBDCT - Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
PBQP - Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade.
PCT - Parque de Ciência e Tecnologia.
PGPTA - Programa de Apoio a Pós-Graduação e à Pesquisa Científica e Tecnológica em
Tecnologia Assistiva.
PIB - Produto Interno Bruto.
PIBIC - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica.
PIBIC Jr - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica Junior.
PINTEC - Pesquisa de Inovação do IBGE.
PITCE - Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior.
PLACTS- Pensamento Latino Americano em Ciência, Tecnologia e Sociedade.
PNDPD - Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
PNITA - Pesquisa Nacional de Inovação em Tecnologia Assistiva.
PNTA - Pesquisa Nacional sobre Tecnologia Assistiva.
PPA - Plano Plurianual.
PPSUS - Programa de Pesquisa para o SUS.
PPTA - Programa Paraense de Tecnologias Apropriadas.
PRODEPA - Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Pará.
PRONEX - Programa de Apoio aos Núcleos de Excelência.
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira.
PT - Partido dos Trabalhadores.
PTA - Programa de Apoio às Tecnologias Apropriadas.
RHAE - Programa de Formação de Recursos Humanos em Áreas Estratégicas.
RI - Região de Integração.
RNP - Rede Nacional de Pesquisa.
RNPDTA - Rede Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva.
RTS - Rede de Tecnologias Sociais.
RTS-PA - Rede Paraense de Tecnologias Sociais.
SAF - Sistemas Agroflorestais.
SAGRI - Secretaria de Estado da Agricultura.
SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
SEASTER - Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda.
SEBRAE/PA - Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Estado do Pará.
SECIS - Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social.
SECT - Sistema Estadual de Ciência e Tecnologia.
SECTAM - Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente.
SECTET - Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Educação Profissional e
Tecnológica.
SECTI - Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação.
SEDAP - Secretaria Estadual de Desenvolvimento Agropecuário e de Pesca.
SEDECT - Secretaria de Estado de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia.
SEDEME - Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia.
SEDUC - Secretaria de Estado de Educação.
SEGOV - Secretaria de Estado de Governo.
SEICOM - Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Mineração.
SEINFRA - Secretaria Especial de Estado de Infraestrutura e Logística para o
Desenvolvimento Sustentável.
SEMA - Secretaria de Estado de Meio Ambiente.
SEPED - Secretaria de Políticas e Programas de P&D.
SESPA - Secretaria de Estado de Saúde Pública.
SETUR - Secretaria de Estado de Turismo.
SIP - Sistema Paraense de Inovação.
SIPAM - Sistema de Proteção da Amazônia.
SIPI - Sistema Paraense de Inovação.
SNDCT - Sistema Nacional de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia.
SNI - Sistema Nacional de Inovação.
SNPD - Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
SOFTEX - Programa Nacional de Software para Exportação.
SUAS - Sistema Único de Assistência Social.
SUS - Sistema Único de Saúde.
TA-Tecnologia Assistiva.
TIB - Tecnologia Industrial Básica.
TIC - Tecnologia de Informação e Comunicação.
TRIPS - Acordo Comercial Relativo aos Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual.
TS - Tecnologia Social.
UEAFTO - Unidade Ensino-Assistência de Fisioterapia e Terapia Ocupacional.
UEPA - Universidade do Estado do Pará.
UF - Unidade Federativa.
UFOPA - Universidade Federal do Oeste do Pará.
UFPA - Universidade Federal do Pará.
UFPR - Universidade Federal do Paraná.
UFRA - Universidade Federal Rural da Amazônia.
UNIFESSPA - Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 24

1 ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS: DIRECIONAMENTOS


TEÓRICOS E METODOLÓGICOS 33
1.1 Análise de políticas públicas 34
1.1.1 Estado, governo e sociedade na análise de política pública 36
1.2 O quadro de referência de coalizão de defesa 45
1.2.1 Pressupostos, categorias e focos analíticos principais 47
1.2.2 O subsistema da política e a coalizão de defesa como conceito central 49
1.2.3 Categorias externas que condicionam o subsistema e atuação das coalizões de
defesa 54
1.2.4 Trajetórias de mudanças e processos de aprendizado no subsistema de política 56
1.2.5 Considerações da aplicação do quadro de referência de coalizão de defesa na
orientação de pesquisa 59
1.3 Apontamentos sobre a construção do percurso teórico e metodológico: o
ofício de entrelaçar os conceitos chaves e os métodos nesta pesquisa 63
1.3.1 Delineamento do subsistema da política e dos casos na pesquisa 63
1.3.2 A análise de discurso como suporte à identificação de coalizões de defesa 66
1.4 Direções para próximos capítulos 71

2 POLÍTICA CIENTÍFICA, TECNOLÓGICA E DE INOVAÇÃO:


CONJUNTURA E ORIENTAÇÕES DISCURSIVAS 73
2.1 Concepções da política científica, tecnológica e de inovação na perspectiva
dos processos de convergências internacional 74
2.1.1 A institucionalização da política de C&T e a constituição da “C&T como
motor do progresso” 78
2.1.2 Contestações ao discurso predominante e aberturas para a constituição de
discursos alternativos 83
2.1.3 Ascensão das políticas de inovação e do discurso da C&T como fonte de
estratégia competitiva 88
2.1.4 Novas e velhas contestações e as possibilidades da uma virada pós-competitiva
na política de CT&I 94
2.2 Concepções da política de CT&I no Brasil: convergências &
especificidades 106
2.2.1 Institucionalização da política de C&T no Brasil e o discurso do
desenvolvimento via crescimento 107
2.2.3 A crise da política de C&T no Brasil e o período de transição 110
2.2.4 Consubstanciação da política de CT&I no Brasil e o discurso do
desenvolvimento via inovação tecnológica 113
2.2.5 A construção de alternativas conceituais na política de CT&I no Brasil e a
emergência de uma política de C&T para desenvolvimento social 118
2.3 Composição de uma matriz de referência dos discursos da política de
CT&I 122

3 A POLÍTICA ESTADUAL DE CT&I NO PARÁ: CONTEXTO E


ENFOQUES RECENTES 127
3.1 Apontamentos da institucionalização da CT&I no Pará e de uma política
estadual de CT&I 128
3.1.1 Primeiras iniciativas: Jardim Botânico do Grão-Pará e Museu Paraense 128
3.1.2 Expansão difusa na primeira metade do século XX 130
3.1.3 Desenvolvimento e conformações à institucionalização da política científica e
tecnológica nacional 131
3.1.4 Institucionalização de processos de descentralização na política de CT&I 133
3.1.5 Institucionalização da política científica e tecnológica estadual no Pará 138
3.2 Política estadual de CT&I em perspectiva no PPA 2008-2011 141
3.2.1 Programa ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento 143
3.2.2 Editais e execução do fomento estadual na FAPESPA 151
3.3 Política estadual de CT&I em perspectiva no PPA 2012-2015 157
3.3.1 Programa ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento sustentável 158
3.3.2 Editais e execução do fomento estadual na FAPESPA 168
3.4 Política estadual de CT&I em perspectiva parcial no PPA 2016-2019 172
3.4.1 Programa temática de ciência, tecnologia e inovação 173
3.4.2 Editais e execução financeira FAPESPA 182
3.5 Panorama da orientação de justiça social e das ações para enfrentamento
das desigualdades na política estadual de CT&I no Pará 186
3.5.1 Seleção de temas para aprofundamento da pesquisa 191

4 TECNOLOGIA ASSISTIVA: ORIENTAÇÕES DISCURSIVAS E


CONJUNTURA DA POLÍTICA NACIONAL 194
4.1 A garantia de direitos humanos às pessoas com deficiência e a tecnologia
assistiva: aspectos conceituais e históricos de conformação de políticas 195
4.1.1 Breve histórico sobre a conformação de garantia de direitos para pessoas com
deficiência 195
4.1.2 Políticas para tecnologia assistiva: conceitos e perspectivas 203
4.2 Tecnologia assistiva no Brasil: cenário de ações a partir da política de
CT&I no governo federal 217
4.2.1 A tecnologia assistiva nos planos da pasta ministerial da CT&I 220
4.2.2 Plano Nacional de Direitos da Pessoa com Deficiência "Viver Sem Limites" e
as ações a partir do Centro de Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva 223
4.2.3 Principais editais nacionais para fomento a tecnologia assistiva 227
4.2.4 Pesquisa Nacional de Inovação em Tecnologia Assistiva 232
4.3 Composição de posições discursivas para desenvolvimento e provisão de
tecnologia assistiva no âmbito da política de CT&I 239

5 TECNOLOGIA ASSISTIVA NA POLÍTICA ESTADUAL DE CT&I NO


PARÁ 247
5.1 Antecedentes 248
5.2 O fomento a tecnologia assistiva na política estadual de CT&I no Pará: o
edital nº 010/2013 da FAPESPA 252
5.2.1 Concepção de tecnologia, especificamente de tecnologia assistiva 253
5.2.2 Quem produz conhecimento e tecnologia 254
5.2.3 Protagonistas e atores da política 254
5.2.4 Modelo de inovação 257
5.2.5 Escopo priorizado 258
5.2.6 Apontamentos sobre interdiscursividade no edital nº 010/2013 259
5.3 Projetos desenvolvidos e as ações materiais das pesquisas fomentadas em
tecnologia assistiva 261
5.3.1 Caracterização geral dos projetos 261
5.3.2 Produtos e alcances materiais 265
5.4 Atores políticos e inter-relações sociais 270
5.5 Práticas dos projetos e as tensões em orientações discursivas no campo de
tecnologia assistiva 285
5.6 Coalizões de defesa para tecnologia assistiva a partir do processo da
política estadual de CT&I no Pará: limites, avanços e possibilidades para o
enfrentamento das desigualdades 287

6 TECNOLOGIA SOCIAL: ORIENTAÇÕES DISCURSIVAS E


CONJUNTURA DA POLÍTICA NACIONAL 294

6.1 Construções conceituais sobre tecnologia social 294


6.1.1 Tecnologia apropriada como uma proposta de primeira geração da C&T para
inclusão social 296
6.1.2 Emergência do marco analítico-conceitual de tecnologia social a partir dos
estudos sobre ciência, tecnologia e sociedade 299
6.1.3 Outras posições discursivas sobre tecnologia social 310
6.2 Tecnologia social no Brasil: cenário e principais ações de fomento a partir 318
da política de CT&I no governo federal
6.2.1 A tecnologia social nos planos da pasta ministerial da CT&I 318
6.2.2 Principais editais nacionais de fomento a tecnologia social 326
6.3 Considerações das posições e disputas discursivas no âmbito da política de
tecnologia social no domínio da CT&I 330

7 TECNOLOGIA SOCIAL NA POLÍTICA ESTADUAL DE CT&I NO


PARÁ 332
7.1 Criação da diretoria de tecnologia social e a RTS-PA: ênfase à estratégia
de articulações entre atores sociais 333
7.1.1 O documento de referência do I Fórum Paraense de Tecnologias Sociais 337
7.1.2 Principais atores políticos, ações materiais e interações sociais 342
7.2 Conformação da CTDS e os primeiros fomentos: ênfase à estratégia de
fomento a via projetos de C&T 344
7.2.1 Caracterização dos projetos fomentados e enquadramentos em tecnologia social 346
7.2.2 Produtos e alcances materiais 350
7.2.3 Atores políticos e inter-relações sociais 355
7.3 Busca de institucionalização do fomento à tecnologia social pela resolução
CONSECTET nº 003/2017 370
7.3.1 Concepção de tecnologia, especificamente de tecnologia social, e quem produz
conhecimento e tecnologia 371
7.3.2 Protagonistas e atores da política 372
7.3.3 Modelo de inovação 373
7.3.4 Escopo priorizado 374
7.3.5 Apontamentos sobre interdiscursividade 374
7.4 Coalizões de defesa para tecnologia social a partir do processo da política
estadual de CT&I no Pará: limites, avanços e possibilidades para o
enfrentamento das desigualdades 378

8 CONCLUSÃO 383
8.1 Articulações no processo de política para enfoques de enfrentamento das
desigualdades: limitações e potencialidades para formação de coalizões de
defesa 384
8.1.1 O papel de atores em posições chaves: os empreendedores e os intermediários
de políticas (policy brokers) 384
8.1.2 Alinhamento e disseminação de crenças: desafios de estabilização de discurso
para coesão na coalizão de defesa 387
8.1.3 Mobilização e coordenação não-trivial de ações coletivas 389
8.1.4 Tensões e ambiguidades em coalizão de defesa nascente ou minoritária 391
8.1.5 Disputas discursivas: sobreposição dos desafios dos processos formativos e das 392
dificuldades da conformação discursiva no jogo da política
8.2 Outros apontamentos para estudos futuros 393
8.3 Considerações conclusivas 394

REFERÊNCIAS 397

APÊNDICE A - Quadro de editais lançados diretamente pela FAPESPA no


âmbito do fomento estadual de CT&I, no período de 2008 a 2011 414

APÊNDICE B - Quadro de editais lançados diretamente pela FAPESPA no


âmbito do fomento estadual de CT&I, no período de 2012 a 2015 418

APÊNDICE C - Quadro de editais lançados diretamente pela FAPESPA no


âmbito do fomento estadual de CT&I, no período de 2016 a 2017 421

APÊNDICE D - Descrição de procedimentos para coleta e geração de dados


para pesquisa 423
24

INTRODUÇÃO

A perspectiva da desigualdade enquanto espaço de múltiplas dimensões se situa em


um debate sobre desenvolvimento que não se restringe à dimensão econômica, mas visa o
amplo enfrentamento das dinâmicas sociais que geram pobreza e exclusão social
(BARBOSA, 2012; LEVITAS, 2005; SEN, 2001). No âmbito destas dinâmicas de
desigualdades, a discussão de efeitos das mudanças tecnológicas nos sistemas de produção e
distribuição das sociedades contemporâneas vem crescendo, seja pelos debates iniciados pelos
movimentos de justiça ambiental e exclusão digital que, posteriormente, se expandiram no
campo da Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) (SENKER, 2003; WETMORE, 2007;
COZZENS et al., 2008; THOMAS; JUAREZ; PICABEA, 2015; VASEN, 2016); seja pela
inflexão, principalmente a partir da década de 1980, da elevação das desigualdades de renda e
riqueza em países desenvolvidos, apontada por pesquisas econômicas (AUTOR, 2014;
PIKETTY; SAEZ, 2014).
Atkinson (2014) ao colocar foco na redução das desigualdades de rendas e privações
nas sociedades contemporâneas ressalta os efeitos da aceleração das mudanças tecnológicas e
o crescente impacto destas nas direções da distribuição da renda e riqueza. Por isso, o autor
preconiza que as medidas de políticas públicas para enfrentamento destes problemas sociais
não podem se restringir aos setores de redistribuição fiscal e seguridade social, mas precisam
envolver ação intersetorial, com destaque ao papel das políticas científicas.
Especificamente no campo das políticas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I),
Wetmore (2007) nos lembra que a noção do desenvolvimento científico e tecnológico poder
exacerbar desigualdades existentes ou criar novas desigualdades na sociedade não é recente.
Mas, embora haja crescimento de debates sobre o tema, as políticas de CT&I que
permanecem sob um mainstream de racionalidade agregativa (COZZENS, 2007), ainda não
têm situado a questão de desigualdades como preocupação central, seja em países
desenvolvidos, seja naqueles considerados em desenvolvimento.
No Brasil, país marcado historicamente por elevadas desigualdades territoriais e
sociais, temáticas de desigualdades, pobreza e exclusão social povoam os discursos políticos
em diversas áreas. Apesar de serem ao longo do tempo centros ordenadores de análises e
proposições em políticas sociais, essas temáticas têm entrado no processo da política de CT&I
de forma marginal (FONSECA, 2009; SERAFIM, 2008).
Percebemos uma maior permeabilidade aos debates sobre desigualdades territoriais de
capacidades de CT&I, preocupação presente em narrativas dos membros da comunidade de
25

pesquisa, particularmente em regiões periféricas do país, que veem nestas capacidades


condições necessárias à consecução dos processos de catching up1 tecnológico e projetos de
desenvolvimento.
Os aspectos das desigualdades sociais, principalmente pronunciados por suas conexões
com pobreza e exclusão social, conquistam espaço no processo de política de CT&I mais
gradualmente. Preocupações já presentes em movimentos de tecnologias apropriadas
ganharam espaço na política de CT&I brasileira com a emergência de uma coalizão de defesa
da tecnologia para inclusão social, fundamentada por uma participação social mais plural e
direcionada a construir soluções para problemas associados à pobreza e à exclusão social
(DIAS, 2009). Mas, este movimento mantém-se distante de conseguir maior penetração no
núcleo da agenda de CT&I (DIAS, 2009; FONSECA, 2009).
Esses exemplos de diferentes enquadramentos de questões relativas às desigualdades
na política de CT&I, incorporando-se por caminhos e formas heterogêneas nos discursos e nas
práticas políticas, se prefiguram na proposição de dois desafios nacionais na atual Estratégia
Nacional de CT&I (ENCTI 2016-2022), um referente a “reduzir assimetrias regionais na
produção e no acesso à CT&I”, e outro correspondente a “desenvolver soluções inovadoras
para a inclusão produtiva e social”. Percebemos, assim, um cenário de política pontuado por
diferentes enfoques sobre as relações entre CT&I e desigualdades, os quais, então, têm
implicações no processo de definição dos focos de ação e dos desenhos de programas e
instrumentos.
Divergências entre concepções discursivas sobre a conformação do problema, sobre os
enfoques analíticos das causas e efeitos e sobre as soluções propositivas não são novidades na
articulação política sobre desigualdades ou de temas correlatos, como pobreza e exclusão
social. Para Townsend (1979), toda a política pública é permeada por determinado conceito da
situação problema a ser enfrentada e por explicações específicas sobre suas causas e efeitos.
Desta base cognitiva desenvolve-se diferentes possibilidades de recomendações de focos e
instrumentos de ação, bem como a forma de medição dos seus aspectos chaves.
Em sentido similar, Levitas (2005) defende que a matriz dos conceitos e das
formulações explicativas das situações problemas que orienta uma ação política tem
significados e modelos cognitivos formulados e contestados como parte do processo de

1
Catching up corresponde ao processo de emparelhamento ou alcance por seguidores de níveis de desempenho
de líderes, usualmente aplicado ao processo de convergência ou alcance em países em desenvolvimento ou
economias de industrialização tardia de níveis de desenvolvimento econômicos ou tecnológicos similares
àqueles de economias avançadas em países desenvolvidos (como alcance de níveis de renda, produtividade ou
acumulação tecnológica em setores industriais) (VIOTTI, 2008).
26

politics. Deste modo, entendemos que se torna essencial esclarecer as definições conceituais e
analíticas utilizadas em cada política pública para que possamos compreender a abrangência e
direção dos problemas sociais tratados e, por consequência, suas implicações em termos de
resultados a serem alcançados.
Diante do exposto, reconhecemos a relevância do debate sobre desigualdades na
política de CT&I, especificamente em relação a seus efeitos distributivos na sociedade.
Contudo, também assinalamos ser ainda uma temática negligenciada e em que encontramos
diferentes enfoques de discursos, seja sobre a abrangência das desigualdades reconhecidas,
seja sobre as formas propostas para seu enfrentamento. Por isso, ao buscarmos contribuir com
este tema, propomos analisar como vêm sendo articuladas abordagens para o enfrentamento
das desigualdades na política de CT&I e suas implicações quanto a abrangência e direções de
ação.
Este objetivo toma forma em nossa questão orientadora de pesquisa: como tem sido
articulado e efetivado o enfrentamento das desigualdades no processo da política de CT&I?
No âmbito desta pergunta geral, direcionamos três perguntas específicas e correlacionadas,
quais sejam: (i) como emergem e se articulam no processo da política da CT&I diferentes
enfoques para enfrentamento das desigualdades? (ii) qual abrangência destes enfoques e as
direções (e disputas) discursivas desenvolvidas para enfrentamento das desigualdades na
política de CT&I? (iii) em que medida se efetivam (resultados da política) no processo de
política os distintos enfoques para enfrentamento das desigualdades?
Formulado nosso conjunto norteador das questões de pesquisa, coube-nos definir uma
instância de aplicação. Ao considerar uma sensibilidade de pesquisa necessária às
especificidades do contexto de aplicação e, reconhecendo a forte heterogeneidade social e
territorial no Brasil, entendemos ser adequado a proposta de estudo do processo de política de
CT&I em nível subnacional, particularmente em situação periférica.
A priori, poderíamos conceber territórios periféricos como aqueles que reuniriam
circunstâncias mais acentuadas a instigar o enfrentamento das desigualdades, seja em termos
de condições desiguais em ativos de CT&I, seja no direcionamento da CT&I para superação
de condições sociais e econômicas precárias, assim, também propícios à análise da inter-
relação de demandas territoriais e sociais. No entanto, reconhecemos em outros estudos de
políticas no âmbito da descentralização e governos subnacionais, que a suposição de maior
sensibilidade a demandas locais, controle democrático e participação social em governos
locais tende a ingenuidade (ARRETCHE, 1996; NUNES, 1996; AFFONSO, 2000).
27

Arretche (1996) ressaltou que, apesar das instituições de âmbito local, ao serem
dotadas de poder efetivo, poderem incentivar à participação política e controle das ações de
governo por parte dos cidadãos ao estarem “mais próximas” destes, esta associação somente
se realiza uma vez que se construam e desenvolvam instituições políticas cuja natureza e
formas de funcionamento sejam compatíveis com tais princípios democráticos. Em sentido
similar, Nunes (1996) evidenciou que a proximidade do cidadão do poder descentralizado é
ambígua, pois, por um lado, reconhece factível que o poder descentralizado se torne
democratizado e sirva de palco à maior participação popular. Por outro lado, tal poder
também é identificado como possível lugar de reprodução de poder político de oligarquias
tradicionais locais que, ao procurar afirmar seus privilégios, perpetuam uma lógica de
desenvolvimento desigual e assimétrico (NUNES, 1996).
Desta forma, compreendemos que a análise de casos subnacionais na política de CT&I
auxilie a elucidar as dinâmicas que tais processos têm gerado neste domínio de política
específico (inclusive em termos de redução ou ampliação de desigualdades), particularmente
após ciclos de indução à descentralização promovidos pelo governo federal no país desde a
década de 1980. Além disso, a análise de casos subnacionais em territórios periféricos (o que
inclui também a característica de serem menos estudados na perspectiva agregativa da política
de CT&I) podem retratar circunstâncias diferenciadas ou acentuadas em relação à política de
CT&I nacional. Assim, consideramos que possa contribuir, de forma mais abstrata, para o
conhecimento de uma maior diversidade de processos desta política; e, de forma mais
aplicada, ao proporcionar conhecimentos seja para a busca de uma melhor coordenação
federativa desta política, seja constituir bases de conhecimentos endógenas a esses contextos
para discussão e construção local da política de CT&I que ilumine suas especificidades.
Neste cenário, movimentos de descentralização das políticas de CT&I no país
começaram a partir da década de 1980, sob indução do governo federal, sendo que a esfera
subnacional principal desta indução correspondeu aos governos estaduais. A descentralização
promoveu a institucionalização do processo de política na esfera estadual para CT&I na maior
parte dos estados em situação periférica do país, onde tal processo de construção institucional
não havia se constituído de forma endógena anteriormente. Contudo, as condições resultantes
desta descentralização, principalmente no que tange as capacidades institucionais,
administrativas e orçamentárias entre os estados, são muito desiguais (CGEE, 2010). Ao
considerar as desigualdades, seja de capacidades de CT&I, seja dos elementos constituintes de
processos de políticas estaduais no Brasil, reforçamos a compreensão que casos de pesquisa
no âmbito da política de CT&I em contexto subnacional, especificamente em estados
28

periféricos, podem oferecer elementos distintivos para análise de como ocorre a articulação
sobre o enfrentamento das desigualdades e em que medida tem sido efetivado.
Entre os contextos de políticas estaduais no país, selecionamos especificamente o
estado do Pará, na região norte do Brasil. O estado do Pará em termos de indicadores
convencionais de CT&I (indicadores mantidos pelas agências de fomento nacional, como
aqueles apresentados na tabela 14) pode ser caracterizado em uma posição periférica
nacionalmente, por se manter recorrentemente abaixo da média do país. Por exemplo, em
2014, em termos de dados sobre recursos humanos em CT&I, o Pará tinha 2.653
pesquisadores doutores cadastrados em grupos de pesquisa, que representa 1,89% do total
nacional; 1.885 docentes de pós-graduação sctrito sensu, 2,21% do montante nacional; 157
bolsistas de produtividade em pesquisa, 1,11% do nacional; e 84 pessoas contratadas em
atividades internas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) empresarial, 0,11% do nacional.
No entanto, estando em situação periférica, em geral, o estado do Pará também assume
posições na mediana desses indicadores no país (posições mais recorrentes estão entre a 12ª,
13ª e 14ª de 27 unidades federativas), representando, assim, uma composição intermediária de
constituição dos quadros institucionais científicos, que embora não atuem de forma central
nacionalmente, conseguem engrenar dinâmicas relativamente aderentes ao contexto científico
nacional. Neste sentido, no âmbito da região Norte, a qual reúne os menores indicadores de
CT&I nacionais, o Pará tende a situar-se de forma central, ao apresentar os maiores
indicadores científicos regionais. Ao comparar os mesmos indicadores anteriormente citados,
em 2014, para os três primeiros indicadores o Pará era o estado com maior quantidade destas
categorias de recursos humanos, detinha: 38,66% de pesquisadores doutores da região;
46,19% dos docentes de pós-graduação sctrito sensu; 62,57% dos bolsistas de produtividade
em pesquisa.
Deste modo, compreendemos que os atores políticos estaduais, particularmente
pesquisadores, tenham tanto uma ponderável participação nas relações intergovernamentais
do domínio da CT&I (que em condição periférica inclui a emulação de modelos institucionais
representativos da política nacional); quanto alcancem uma densidade de atuação no âmbito
estadual que permita interação e expressão política que conforme interesses e discursos a
partir de mescla das influências nacionais (e internacionais) e das experiências cognitivas do
cotidiano de práticas científicas locais com certa maturidade. Portanto, esta pesquisa se
configura enquanto a análise sobre como tem sido articulado e efetivado o enfrentamento das
desigualdades no processo da política de CT&I no âmbito do governo estadual do Pará, região
Norte do Brasil.
29

Ao partir da concepção que no processo de política pública há distintos enfoques e


abordagens analíticas sobre desigualdades, compreendemos também que estes sejam
orientados normativa e instrumentalmente por diferentes perspectivas de justiça social (SEN,
2001; COZZENS, 2007). Este debate sobre diferentes abordagens normativas, conceituais e
analíticas relacionadas às desigualdades privilegia aspectos cognitivos e ideacionais do
processo de política. Neste horizonte, utilizamos como referencial para análise de política
(policy) associada a seu processo político (politics), o quadro de referência de coalizão de
defesa, proposto originalmente por Sabatier e Jenkins-Smith (1993).
A noção de coalizão de defesa tem por base que a agregação dos atores individuais em
torno de determinados objetivos políticos ocorre, primariamente, pelo compartilhamento de
crenças políticas e coordenação das estratégias de ação em torno destas. Assim, as coalizões
de defesa representam a unidade de organização coletiva dos atores individuais em distintas
organizações e níveis governamentais em torno da defesa e promoção de determinadas
convicções e objetivos em um processo de política pública (SABATIER, 1993).
Ao ter como elemento chave no processo de organização coletiva o compartilhamento
de crenças e ideias entre os atores políticos, o quadro de referência de coalizão de defesa é
caracterizado enquanto perspectiva que enfatiza os processos cognitivos e ideacionais nas
políticas públicas (FARIA, 2003). Deste modo, entendemos que os distintos enfoques e
abordagens sobre desigualdades e sobre política de CT&I compõem crenças e racionalidades
dos atores políticos, as quais são construídas e compartilhadas por estes no processo de
política, podendo ser articuladas enquanto distintas coalizões de defesa. Neste sentido, este
quadro analítico favorece a percepção dos vínculos entre crenças na concepção de políticas,
como estas são instrumentalizadas em programas e projetos, bem como as implicações em
termos de resultados e impactos (efeitos distributivos).
No capítulo um (1) desta tese, nos debruçamos sobre este referencial de coalizão de
defesa no âmbito das políticas públicas, e na elaboração do percurso teórico-metodológico
proposto para a pesquisa. Na construção deste entrelaçamento entre orientação teórica e
metodológica para o processo de pesquisa, dois aspectos são realçados para abordagem
analítica. O primeiro aspecto refere-se à concatenação do referencial teórico à análise de
discurso, como abordagem analítica que propicie discernir as crenças da política por meio da
identificação dos discursos, enquanto representação da visão de mundo dos atores políticos
sobre a temática em estudo. Diante desta concatenação, o capítulo dois (2) é dedicado ao
exame das orientações discursivas na política de CT&I, tanto em conjuntura de convergência
internacional, quanto pelo recorte específico da conjuntura da política no Brasil. O segundo
30

aspecto corresponde ao delineamento dos casos de processos de política para análise. Para
tanto, partimos de uma aproximação geral ao processo de política de CT&I no governo do
estado do Pará, apresentada no capítulo (3). Este delineamento inicial visou, por um lado,
proporcionar um panorama desta política, realçando seus principais direcionamentos de
agenda, proposições estratégicas e enfoque em termos de concepções sobre desenvolvimento
e justiça social. Por outro lado, procuramos distinguir os enfoques distributivos na agenda, no
que tange a identificação dos temas específicos de fomento dirigidos para enfrentamento das
desigualdades no processo da política. Essa caracterização de temas para enfrentamento das
desigualdades foram fundamentais para permitir o aprofundamento da pesquisa por meio da
delimitação dos casos específicos de análise, sendo selecionados os temas de tecnologia
assistiva e de tecnologia social.
Os capítulos quatro (4) e cinco (5) são dedicados às análises relacionadas à tecnologia
assistiva. No capítulo 4, abordamos a conformação de orientações discursivas no campo de
tecnologia assistiva, considerando suas interações e tensões com os discursos gerais da
política de CT&I. Assim como examinamos a conjuntura da política de fomento à tecnologia
assistiva nacional. Após esta contextualização ao tema de tecnologia assistiva, no capítulo 5,
fazemos a análise do processo de política estadual de fomento à tecnologia assistiva, com
vistas ao estudo da conformação de coalizão de defesa neste e de elucidação das principais
limitações e avanços quanto ao enfrentamento das desigualdades.
De forma similar, os capítulos seis (6) e sete (7) são dedicados à análise sobre
tecnologia social. No capítulo 6, focamos nas origens e orientações discursivas em torno da
temática de tecnologia social e um recorte de sua conjuntura na política nacional. No capítulo
7, apresentamos a análise sobre o processo de política estadual de fomento à tecnologia social,
examinando seus principais atores, estratégias de institucionalização e perspectivas em
relação a conformação de coalizões de defesa, com vistas a verificar limitações e avanços no
enfrentamento das desigualdades.
Por fim, na conclusão encerramos nossa análise ao propor alguns apontamentos sobre
as articulações das coalizões de defesa nos processos de política para enfrentamento das
desigualdades analisados e no bojo do quadro de referência teórico adotado. Especificamente
no que tange a discutir condições limitantes e potenciais para formação de coalizões de
defesa. Assim como, exploramos alguns outros apontamentos sobre limitações desta pesquisa
e sugestões para estudos futuros.
31

Lugar da Pesquisadora e Interesses do Conhecimento

Este tópico foi incluído na introdução para dar espaço a breves esclarecimentos sobre
a relação da pesquisadora com o campo de pesquisa escolhido, a política de CT&I. Além de
um momento de explanação aos leitores, constitui-se em um exercício de reflexão pessoal
sobre escolhas e interesses de atuação no campo, e por isso em sua redação tomo a primeira
pessoa do singular.
Embora me entenda no campo hoje enquanto preponderantemente vinculada com o
esforço de pesquisa, essa não foi a identificação predominante durante a maior parte de minha
trajetória profissional. Atuei por doze (12) anos no gerenciamento de projetos de pesquisa
(dois iniciais como bolsista em um projeto específico, e outros 10 em fundação de apoio de
uma universidade pública), sendo assim formada em meio a cultura universitária própria da
política científica e tecnológica, com seus mitos e dilemas.
Ao entrar no mestrado, meu interesse de pesquisa foi na direção de um tema
ascendente no campo: a inovação tecnológica como promessa de desenvolvimento,
particularmente para a Amazônia. Ao analisar a tentativa de constituição de uma rede de
inovação, baseada na parceria entre universidade, empresa de base tecnológica e
agroindústrias locais, houve avanços tecnológicos, esperanças, planos, ajustes técnicos,
investimentos e obstáculos observados. Mas, diante do fracasso da formação da rede, concluí
a dissertação com mais dúvidas e inquietudes sobre a temática do que corroborações. No
intervalo de alguns meses entre o mestrado e doutorado, voltei ao campo como practitioner,
trabalhando em um arranjo de núcleos de inovação tecnológica, período de rica experiência
(esforços, expectativas e projetos) também a nutrir minhas inquietações.
No doutorado, o meu foco converteu-se propriamente ao campo de política pública,
reforçado pela experiência ainda no mestrado de intercambio em outro programa de
administração pública e governo. Assim, me propus a olhar para política de CT&I na busca de
encontrar respostas as minhas inquietações, com o acréscimo da instigação de meu orientador
de incorporar uma discussão de governança à pesquisa. Apesar de partir de certa ingênua
desconfiança das políticas de CT&I (estariam estas equivocadas ou seriam insuficientes à
realização do potencial científico e tecnológico para desenvolvimento na região?), a
reflexividade da investigação sobre o processo de política na CT&I perante minhas vivências
tem sido uma trajetória desafiante e envolvente, marcante às escolhas de direção da pesquisa
aqui apresentada.
32

Entre os aspectos que podem ser evidenciados por mim, dois considero principais: o
primeiro é a escolha do tema de desigualdades, que de início capturou meu interesse por ter
uma presença recorrente em narrativas dos atores regionais, mas que ao me aventurar em
leituras mais profundadas desta temática, abriu as janelas para uma abrangência e
complexidade instigantes. De alguma forma associada a este aspecto, está a proposição do
estudo em âmbito subnacional, reconhecidas as heterogeneidades brasileiras, dar atenção
específica ao escopo do processo de política de CT&I em contextos locais e periféricos,
também pouco estudados no âmbito da pesquisa no país, como na Amazônia, adquiriu um
sentido próprio de oportunidade para construir conhecimento localmente contextualizado, em
que busquei dar lugar de escuta e diálogo com atores locais sobre suas crenças e dilemas, ao
mesmo tempo, em que deu lugar de fala e reflexão a esta pesquisadora local em formação.
De forma geral, meu interesse de pesquisa ainda parece ser o mesmo de buscar
compreender as relações entre a C&T e concepções de desenvolvimento na sociedade, mas
tem se desenvolvido em um caminho que veio a se concretizar na análise de ações e
experiências para o enfrentamento das desigualdades na política estadual de CT&I do Pará.
Na esteira desse interesse, está presente o desejo de dar visibilidade a uma perspectiva
distributiva na CT&I e na essencialidade de contribuir a um desenvolvimento social.
33

1 ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS: DIRECIONAMENTOS TEÓRICOS E


METODOLÓGICOS

O objetivo desta pesquisa refere-se a compreender como têm sido constituídos e


efetivados enfrentamentos de desigualdades na política pública de CT&I em contexto
subnacional, especificamente em situação periférica, por meio da análise do caso da política
de CT&I no estado do Pará, região norte do Brasil. Neste capítulo, o passo inicial que
daremos nesta direção será tratarmos do referencial teórico e percurso metodológico que
orientou a análise do processo de política pública de CT&I.
Estudos sobre políticas de CT&I têm recebido uma atenção restrita, seja no campo de
Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia2 (ELZINGA; JAMISON, 1995; DIAS, 2009;
PREMEBIDA; NEVES; ALMEIDA, 2011); seja no campo de Políticas Públicas, cujo foco no
Brasil volta-se para as áreas mais usualmente reconhecidas como políticas sociais, que
Höfling (2001) identifica como as de educação, saúde, seguridade social, habitação e
saneamento.
Esta observação de certo distanciamento de análises de políticas CT&I, mesmo no
campo de Políticas Públicas, é, ao mesmo tempo, acompanhada pela proximidade com que
nós, pesquisadores, vivenciamos as ações desta e nesta política em nosso dia-a-dia. Neste
sentido, ao iniciar este capítulo sobre políticas públicas, ressaltamos a postura reflexiva que
nos é implicada ao analisarmos as políticas públicas em geral (e a de CT&I em particular)
constantemente de um duplo lugar, uma vez que ao exercer o papel de analista da política,
consequentemente, exercemos o de ator político. No caso da política de CT&I, este
imbricamento reflexivo torna-se ainda mais realçado.
Começamos o capítulo por uma breve introdução ao campo de políticas públicas e de
conceitos chaves da análise de processo de política. Posteriormente, nos detivemos de modo
mais detalhado na apresentação do quadro de referência da coalizão de defesa e sua discussão
em termos de adequação ao objeto empírico em pesquisa, a política de CT&I. Por fim,
delineamos direcionamentos do percurso teórico e metodológico para o desenvolvimento da
pesquisa.

2
O chamado campo de "Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia" (ESCT), também conhecido como "Ciência,
Tecnologia e Sociedade" (CTS) se refere à reunião de múltiplas abordagens e metodologias das ciências sociais
(sociologia, antropologia, políticas públicas, entre outras), na perspectiva interdisciplinar, com enfoque nas
diversas interações entre ciências e tecnologias nas sociedades (PREMEBIDA, NEVES, ALMEIDA, 2011).
34

1.1 ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS

A análise de política pública (policy analysis) se constituiu enquanto um campo a


partir de contribuições advindas de múltiplas disciplinas, como ciência política, economia e
administração pública, que buscam interpretar causas e consequências da ação do governo
(HAM; HILL, 1993; SOUZA, 2006; FARAH, 2011). A proposta de emergência do campo
centrado no estudo das políticas públicas surgiu, a partir da década de 1950, pela busca de
integração da pesquisa entre o sistema político e o governo, com orientação à política pública
(WEIBLE, 2017). À época, o olhar tradicional do campo da Ciência Política tendia a ver as
políticas públicas como output do sistema político, estando seu foco disciplinar no processo
de decisão política (FARIA, 2003). Enquanto o campo da Administração Pública
compreendia a política pública (já politicamente decidida) como input do processo de gestão
governamental (FARAH, 2011). Assim, o movimento da análise de políticas públicas se
ancora ao colocar a política pública como unidade de análise focal, direcionando-se
gradativamente para entender a dinâmica do processo da política pública (policy process)
(FARIA, 2003), seus diferentes atores, formas e regras de interações e organização, ideias e
crenças políticas e principais eventos ou etapas.
Alicerçada nesta consubstanciação interdisciplinar, a literatura sobre análise de
política examina a política pública enquanto integrada às demais dimensões do processo
político3. A análise de política estabelece um foco sobre a política pública (policy), enquanto
conteúdo e configuração de ações governamentais, reconhecendo nesta a interpenetração das
demais dimensões políticas, seja do processo de “jogo” político, de negociação e exercício de
poder para tomada de decisões na sociedade (politics); seja do sistema político-institucional
estabelecido para organizar a sociedade política de um território (polity) (FREY, 2000;
SOUZA, 2006).
Esta interdependência é pronunciada no cerne entre policy e politics (FREY, 2000).
Toda política pública, ao envolver a tomada de decisão sobre diferentes valores, preferências
e interesses na sociedade, carrega atrelada a si um processo político para escolha de ação em
meios a múltiplas e concorrentes alternativas. Porquanto, o processo político da tomada de
decisão (politics), condicionado por um determinado sistema político (polity), perpassa todo o

3
Frey (2000) ressalta a diferenciação de conceitos ou dimensões de política na literatura de análise de política,
que embora relacionados ao mesmo termo “política” em português, possuem termos específicos na língua
inglesa: “policy” enquanto a dimensão material da política, referente aos conteúdos concretos e configuração dos
programas políticos em resposta aos problemas da sociedade; “politics” como dimensão do processo político de
decisão, frequentemente de caráter conflituoso de exercício de poder; e “polity”, sendo a ordem juridicamente
delineada do sistema político do território, a que Souza (2006) irá denominar de sociedade política.
35

processo de construção de uma política pública (policy), desde a identificação dos problemas
a serem enfrentados, a formulação, a implementação e a avaliação desta política4. Uma vez
articulada uma política pública, esta pode moldar e produzir efeitos nos recursos (simbólicos
ou materiais) mobilizados neste próprio processo político.
Um dos delineamentos sobre análise de política pública mais referenciados é o
proposto por Dye (1992), cujo enfoque se baseia em três (3) aspectos chaves: o primeiro, é a
descrição do conteúdo da política (sob a questão orientadora “o que os governos fazem?”); o
segundo, a análise dos impactos de forças econômicas, sociais e políticas sobre a definição
deste conteúdo no contexto dos arranjos institucionais e processos políticos existentes
(“porque os governos fazem?”) e; o terceiro, a investigação das consequências destas políticas
na sociedade (“qual diferença isso faz?”).
Serafim e Dias (2012) acrescentam mais um aspecto aos três básicos formulados por
Dye (1992) que se refere à “como os governos fazem?”. Este se dirige para o processo
político em que as políticas públicas são conformadas. Dye (1992) define políticas públicas
como qualquer ação que o governo decide fazer ou não fazer. Desta forma abrangente, o autor
ressalta, como também observam Serafim e Dias (2012), que a análise das políticas públicas
deve abordar não somente o que o Estado realiza, enquanto sua dimensão mais visível, mas
também aquilo que deixa de realizar, ou seja, o que decide não fazer. A não-ação (ou a não-
decisão) pública é uma expressão de política e de exercício de poder de grupos interessados
em manter um status quo (BACHRACH; BARATZ, 1962; SERAFIM; DIAS, 2012).
Consideramos pertinente explicitar a não-ação enquanto parte do processo da política
pública. Isto porque o objetivo desta pesquisa é voltado a identificar e analisar políticas e
programas de enfrentamento das desigualdades em meio a um domínio de política pública
(CT&I), cuja lógica é preponderantemente agregativa. Assim, a não existência de programas e
ações para enfrentamento das desigualdades ou sua existência somente marginal também se
constitui em uma escolha de ação política a ser analisada.
Também realçamos outro traço da análise de políticas que se refere a, por um lado,
assumir caráter descritivo e explicativo da política pública, o qual acaba por se constituir em
campo científico e de produção de conhecimento sobre a temática; por outro lado, também
adotar caráter normativo para a política (DYE, 1992; SERAFIM; DIAS, 2012). Este caráter

4
Farah (2011) ressalta que a incorporação do campo da Administração Pública no movimento da análise de
política pública reflete uma inflexão da disciplina pelo reconhecimento do administrador público não mais como
executor “livre de valores” das políticas sancionadas, mas enquanto sujeito também participante de sua
formulação e de atuação decisiva (com poder) sobre sua efetividade, rompendo assim com a dissociação entre
Administração e Política inicialmente construída no campo.
36

normativo se expressa pelo exame da ação pública, como nos moldes do segundo e terceiro
aspecto proposto por Dye (1992), ao buscar discernir impactos (ou a falta deles) da política,
bem como propor recomendações diante destes.
Neste sentido, Singer (1990) retrata que a produção de conhecimento sobre um
processo de política pública pode influenciar tomadores de decisão sobre necessidade de
mudanças no conteúdo ou configuração do processo da política. Embora este processo de
influência seja complexo, pois é mediado por outros fatores (tais como interesses econômicos,
valores sociais e projetos políticos), o conhecimento gerado a partir da análise da política se
constitui como um subsídio potencial para uso por atores políticos no próprio processo da
política pública (SINGER, 1990). Desta forma, fica o reconhecimento da necessidade de
reflexividade dos analistas de política nestas atuações.
A partir destes apontamentos conceituais iniciais da análise de política, elucidamos
três (3) pontos básicos, mas relevantes em relação às pesquisas sobre políticas de
enfrentamento das desigualdades, que são: (1) o entrelaçamento entre a política pública e seu
processo político (policy e politics), que reconhece o exercício de poder na conformação de
decisões; (2) a abrangência da ação política de modo a incluir sua parte menos visível, a não-
ação e; (3) seu traço normativo5, como elemento relevante para habilitar a análise dos
conteúdos e formatos de políticas públicas associados a noções de justiça social, as quais se
relacionam conceitos de desigualdades e suas formas de enfrentamento.

1.1.1 Estado, Governo e Sociedade na Análise de Política Pública

Outro aspecto importante das construções conceituais no campo se refere ao espaço do


governo e às relações entre Estado e sociedade nos enfoques teóricos sobre políticas públicas.
Pelos conceitos até o momento apresentados, categorias como governo e Estado aparecem
com destaque no campo de políticas públicas, no entanto, essa configuração não tem
permanecido estática ao longo do tempo. Embora inicialmente as análises de política pública,
como os conceitos expressos até o momento, estivessem centradas no escopo do Estado,
sendo o governo (enquanto uma das instituições estatais proeminentes) compreendido como
“produtor, por excelência, de políticas públicas” (SOUZA, 2006), a partir dos anos de 1980,

5
Compreendemos que esse traço normativo é acentuado em estudos sobre a instância de avaliação de políticas
públicas (SCRIVEN, 1991; SPINK, 2001; DAHLER-LARSEN, 2012), contudo não pretendermos neste
momento aprofundar na literatura própria à avaliação de políticas, visto que esta é entendida aqui enquanto uma
instância específica do processo geral de política pública, nosso escopo principal no capítulo. Posteriormente
retomaremos a discussão de atributos normativos e de práticas sociais de avaliação de política de CT&I.
37

ocorre um certo deslocamento analítico e metodológico sobre o papel do Estado e o lócus


governamental nas políticas públicas (MELO, 2002, SOUZA, 2006; FARAH, 2011). A
compreensão da dinâmica destas mudanças na relação Estado e sociedade para as políticas
públicas e implicações às suas análises demanda contextualizar as constantes conformações
sociais e históricas destas categorias.
Deubel (2002) compreende que o Estado, em sua concepção moderna de Estado-
Nação, é um conjunto de instituições historicamente conformado, por um lado, por um
processo de construção cultural e idearia de Estado (centrado inicialmente na Europa),
enquanto uma instância de poder e de mediação social; e, por outro lado, pelas características
específicas de cada sociedade, com seus contornos econômicos, sociais, militares (entre
outros), em um determinado tempo e espaço.
Tal processo de formação histórica permite a concepção de variedades distintas de
modelos de Estado ao longo do tempo. Deubel (2002) ressalta as diferenças de conformação
entre os Estados-Nações surgidos gradualmente na Europa, por meio de respostas forjadas às
crises dos feudos, e a importação e adaptação de características desses modelos pelas elites
latino-americanas em seus processos de independência política. Para o autor, nos países
latinos americanos ocorreu uma “hibridização” das características de modelos de Estado
norte-ocidentais com aspectos endógenos das relações sociais constituídas naqueles
territórios, o que resultou em um processo mais centralizado de autoridade e reduzida
integração da população neste.
Além das diferenças de características entre Estados, Deubel (2002) também ressalta
que cada Estado em si não deve ser visto como uma entidade homogênea, mas composto por
múltiplos segmentos com posições variáveis, condicionados por aspectos históricos e sociais,
constituintes das disputas pelo exercício de poder estatal. Deste modo, para Deubel (2002), o
Estado se evidenciaria como um centro de interações complexas pela mobilização de atores
públicos e privados, com diferentes interesses. Neste conceito de Estado, dinâmico e
heterogêneo, reconhece-se aderente o entendimento de seu governo enquanto um lócus onde
se desenvolvem disputas por interesses, preferências e ideias, conforme refletido por Souza
(2006).
Ao considerar esta concepção de Estado e governo, há dois movimentos analíticos que
consideramos relevantes mencionar sob o ponto de vista da análise de políticas públicas, um
corresponde aos enfoques teóricos sobre as relações entre Estado e a sociedade, e outro sobre
o papel e espaço do Estado nas abordagens de políticas públicas.
38

Deubel (2002) assinala três enfoques teóricos sobre a relação Estado e sociedade no
campo de políticas públicas:
- teorias centradas na sociedade: preceituam que são as relações de forças na sociedade
que definem as ações do Estado, minimizando o impacto de instituições e agentes públicos
estatais; entre estas estariam correntes teóricas distintas, como enfoques marxistas e
estruturalistas, pluralistas, elitistas e da escolha pública;
- teorias centradas no Estado: apresentam visão de certa independência deste em
relação à sociedade, ao dar ênfase ao papel dos agentes estatais, políticos e burocratas, na
seleção de demandas da sociedade e na provisão de serviços públicos, de modo a minimizar a
influência de atores no entorno social, como os enfoques decisionistas do modelo racional e
incremental;
- teorias intermediárias ou híbridas: de desenvolvimento mais recente, buscam explicar
a ação e políticas públicas ao considerar a interdependência de fatores externos ao Estado
(centrados na sociedade) e elementos internos ao Estado (centrados no Estado), de forma que
assumem uma perspectiva mais horizontal entre Estado e sociedade; entre as abordagens desta
corrente são citadas as neocorporativistas, neoinstitucionalistas e teorias de redes, como redes
de políticas, comunidades de políticas e coalizões de defesa.
O movimento analítico de enfoque híbrido demonstra a complexidade das relações
entre Estado e sociedade, o qual não pode, segundo Serafim e Dias (2012), ser traduzida de
modo unidirecional e linear, pois o Estado é tanto produto, quanto catalisador das relações
sociais. Esta é a perspectiva adotada nesta pesquisa, que entendemos conciliar-se com uma
compreensão de “autonomia relativa” do Estado, pela qual se reconhece um espaço e uma
capacidade específica de atuação estatal, sendo, porém, permeável a influências da sociedade
(SOUZA, 2006). Todavia, Souza (2006) lembra que a margem da “autonomia relativa” e o
grau de desenvolvimento das “capacidades” dependem de diversos fatores (políticos,
econômicos, culturais...) e mudam em diferentes momentos históricos de cada país.
Delineado o posicionamento sobre a relação entre Estado e sociedade, um segundo
movimento analítico refere-se, então, ao papel do Estado nas abordagens conceituais e
explicativas de políticas públicas. Para Farah (2011), embora a construção teórica sobre
políticas públicas tenha originalmente se concentrado em um lócus governamental, as
mudanças na relação entre Estado e sociedade, a partir das décadas de 1970 e 1980,
provocaram ampliação das abordagens de análise de políticas públicas para além do espaço do
Estado. Organizações não governamentais, movimentos da sociedade civis e entidades do
setor privado, passaram a ser inseridas no processo de formulação, implementação e avaliação
39

de políticas públicas (FARAH, 2011). O que para a autora concretizou no campo uma
redefinição da noção de "público", incluindo não somente ações no âmbito governamental,
mas em redes mais profusas de atores sociais e novas articulações intergovernamentais
(diferentes níveis de governos e relações supranacionais) na constituição de ações de interesse
público.
Melo (2002) corrobora com as análises sobre os deslocamentos analíticos no campo de
políticas a partir das mudanças na própria agenda pública. O autor realça esse deslocamento
da agenda pública no Brasil a partir da década de 1980, caracterizando-o como produto do
encontro do projeto reformista da redemocratização e ampliação de direitos aos cidadãos, e os
constrangimentos ao modus operandi do Estado pelo projeto neoliberal e do novo
gerencialismo público. Neste contexto houve a ascensão de questões como descentralização e
o papel de governos subnacionais, participação social, accountability e a redefinição do mix
governamental e privado na provisão de bens e serviços públicos (MELO, 2002; SOUZA,
2006).
Contudo, embora o deslocamento analítico e de agenda pública seja reconhecido,
Souza (2006) pondera que, apesar das limitações à estrutura do Estado e constrangimentos
existentes aos governos, estes continuam a tomar decisões sobre situações-problema a serem
priorizadas na agenda governamental e a desenhar ou modificar políticas para enfrentá-las. Ou
seja, mesmo que ocorra maior presença dos atores de instâncias da sociedade civil e
empresarial no processo de política pública, e que estes estejam responsáveis por parte das
ações públicas, o espaço e as capacidades das instâncias governamentais continuam relevantes
à análise de políticas públicas, e ainda preponderantes em diversos domínios de políticas.
Além desta ponderação, cabe nos reportarmos a Dagnino (2004) para assinalar que o
deslocamento da agenda pública e seu consequente movimento analítico não ocorrem alheios
a disputas próprias do jogo político (politics). Para a autora, o encontro dos dois projetos
políticos6 distintos em torno da mesma agenda pública resultou em uma confluência
perversa7, uma vez que, embora ambos defendessem como ponto focal o incentivo à
participação da sociedade civil nas ações públicas, apresentavam interesses políticos
contrapostos: por um lado, um projeto construído a partir da transição democrática, em que a
participação da sociedade civil nas decisões do Estado objetivava a ampliação de direitos

6
Dagnino (2004) designa de projeto político o conjunto de crenças, concepções de mundo, e representações da
sociedade, que orienta a ação política dos diferentes sujeitos.
7
Dagnino (2004) interpreta que esta confluência perversa foi construída por meio da opacidade das distinções
entre os projetos políticos, resultado de uma crise discursiva pelo uso do mesmo conjunto de termos (em
particular em sua análise os de “sociedade civil”, “cidadania” e “participação”) com sentidos deslocados ou
ressignificados, em torno do qual havia uma disputa político-cultural.
40

sociais; e, por outro lado, um projeto gerado a partir dos preceitos neoliberais do consenso de
Washington, cuja a participação da sociedade civil visava a transferência para esta de parte
das responsabilidades sociais do Estado, reduzindo seu papel de garantidor de direitos. Deste
modo, apesar de conformarem uma agenda pública com pauta à primeira vista similar, o
conteúdo e sentido das relações propositivas entre Estado e sociedade destes projetos políticos
eram conflitivos.
Diante destes movimentos, uma das consequências que podemos ressaltar para as
abordagens analíticas de políticas públicas foi uma abertura para contemplar arranjos com
maior diversidade de atores (incluindo organizações não-governamentais e empresariais), e
maior complexidade de interações e formas de disputas. Exemplo destes novos arranjos são
abordagens que utilizam conceitos de redes, comunidades e coalizões de políticas até
enfoques teóricos sobre situações de ações públicas não centrados no Estado, como o quadro
de referência de análise institucional e desenvolvimento de Elinor Ostrom (WEIBLE, 2017).
Além disso, de forma geral, Weible (2017) tem realçado o desenvolvimento de uma maior
variedade de abordagens analíticas em termos de priorização para o escrutínio de diferentes
atividades (agenda, formulação, implementação e avaliação), escopos (estabilidade e mudança
em política, inovação e difusão de políticas) ou elementos (instituições, ideias, eventos) do
processo de política.
Em termos conceituais, estes movimentos levaram a uma maior amplitude à
concepção do fenômeno da política pública. Weible (2017) define como decisões deliberadas
(de ações ou não-ações) de um governo ou de uma autoridade equivalente (comunidade,
associação, corporação...) na direção de objetivos específicos, que podem se concretizar de
forma explícita (por estatutos, leis regulações, programas de governo e decisões executivas) e
por meios implícitos (regras-em-uso e práticas sociais).
Por essa conceituação mais fluida de política pública proposta por Weible (2017),
entendemos que a diversidade e a complexidade com que os diferentes processos de política
pública podem se configurar nos diferentes contextos territoriais, sociais e políticos é
significativamente relevante para as análises. No entanto, tal diversidade não pode ser
assumida a priori para todos os processos de política sob análise, uma vez que a extensão e a
direção da possível diversidade das formas de interações, atores e eventos no processo
demandam a investigação empírica do fenômeno e contexto específico em estudo.
A complexidade dos processos de política pública empíricos e a variedade das
abordagens analíticas requerem sensibilidade do pesquisador em identificar as dimensões e a
extensão do processo de política pública focais em seu programa de pesquisa, com vistas a
41

construção dos encadeamentos entre fenômeno empírico e abordagem analítica apropriados.


As múltiplas abordagens teóricas desenvolvidas procuram explicar partes do processo de
política pública ou um conjunto delimitado de seus elementos e relações, de modo que cada
teoria8 propicia uma descrição e explicação parcial da complexidade do processo, havendo
tanto sobreposições entre enfoques teóricos, como importantes diferenças (WEIBLE, 2017;
HEIKKILA; CAIRNEY, 2017).
Um exemplo da diversidade de enfoques teóricos poderia ser observado em Dye
(1992) ainda na década de 1980, em que o autor levantou nove modelos teóricos para orientar
perspectivas sobre a análise de políticas: (1) o institucionalismo (perspectiva da política
pública como resultado institucional); (2) os estágios heurísticos do processo de política
(perspectiva da política pública como ciclo de atividades políticas); (3) teoria de grupos
(perspectiva da política pública como um equilíbrio entre grupos); (4) teoria das elites
(perspectiva da política pública como preferência das elites); (5) racionalismo (perspectiva da
política pública como ganho social máximo); (6) incrementalismo (perspectiva da política
pública como variações sobre o passado); (7) teoria dos jogos (perspectiva da política pública
como escolha racional em situações competitivas); (8) teoria da escolha pública (perspectiva
da política pública como tomada de decisão coletiva por indivíduos auto interessados e; (9)
teoria de sistemas (perspectiva da política pública como resultado de um sistema).
Passadas três décadas da publicação de Dye, um exemplo mais recente pode ser
encontrado em Sabatier e Weible (2017) que ao publicarem uma antologia sobre teorias do
processo de políticas públicas ressaltaram sete (7) enfoques teóricos, os quais, embora seja
possível rastrear pontos embrionários nos enfoques citados acima, trouxeram substanciais
mudanças e refinamentos ao campo: (1) quadro de referência de múltiplos fluxos; (2) teoria
do equilíbrio interrompido; (3) teoria do feedback da política pública; (4) quadro de referência
das coalizões de defesa; (5) quadro de referência das narrativas de políticas; (6) quadros de
referência da análise institucional e desenvolvimento e dos Sistemas Sociais-Ecológicos e; (7)
Modelos de inovação e difusão de políticas.
Apesar de não ser nosso intuito fazer uma meta análise dos principais enfoques
teóricos atuais sobre o processo de política pública, ao olharmos os aportes contemplados em
Dye (1992) e em Sabatier e Weible (2017), podemos verificar uma dinâmica de renovação
teórica e vislumbrar algumas tendências e contornos atuais.

8
O termo teoria será usado em sentido genérico para designar um escopo específico de pesquisa, com
pressupostos, conceitos, propostas de relações, hipóteses ou proposições causais (WEIBLE, 2017).
42

Em termos da vertente neoinstitucionalista, há predominância de enfoques


neoinstitucionais para compreensão do processo de política a partir dos efeitos das regras e
normas sobre o comportamento dos atores e organizações, como na abordagem da análise
institucional e desenvolvimento e nas explicações das mudanças nas políticas da teoria do
equilíbrio interrompido.
Sob outro prisma, Faria (2003) destacou a emergência de uma vertente analítica de
enfoque cognitivo sobre o processo de política, cuja racionalidade dos atores está direcionada
às variáveis relacionadas às ideias e conhecimento, como é o caso do quadro de referência de
coalizão de defesa, das redes de políticas, comunidades epistêmicas e do policy learning.
A abordagem dos estágios heurísticos do ciclo do processo da política teve forte
influência no desenvolvimento teórico do campo, surgindo tanto enfoques dedicados a
aprofundar estudos sobre instâncias específicas do processo, como o quadro de referência de
múltiplos fluxos centrado na identificação de problemas e conformação da agenda; quanto
enfoques integrais críticos à visão sequencial que buscam uma interpretação mais sistêmica e
interacional ao processo, como o quadro de referência de coalizão de defesa.
Quanto ao escopo dos enfoques, Heikkila e Cairney (2017), ao fazer uma meta análise
das teorias contidas em Sabatier e Weible (2017), ressaltam dois focos. O primeiro referente
as atividades de conformação de agenda e formulação (quadro de referência de múltiplos
fluxos, quadro de referência das narrativas de políticas e modelos de inovação e difusão de
políticas). O segundo corresponde a mudança de política, este seja por um refinamento do
incrementalismo pela teoria do equilíbrio interrompido, seja por outras abordagens sistêmicas
como o quadro de referência de coalizão de defesa e das narrativas de políticas.
Em relação a características sobre a racionalidade9 de atores, entre os enfoques
teóricos contemplados em Sabatier e Weible (2017), todos têm assumido ou, pelo menos são
compatíveis, com um modelo de racionalidade limitada, orientada por atalhos heurísticos
distintos (regras-em-uso, sistemas de crenças, ou emoções), no entanto os aportes de análise
institucional e desenvolvimento e dos modelos de inovação e difusão de políticas também são
compatíveis com modelos de racionalidade mais abrangentes, nos moldes da escolha racional
(HEIKKILA; CAIRNEY, 2017).

9
A noção de racionalidade dos atores neste parágrafo está em uma perspectiva geral e de múltiplas
possibilidades conceituais, entendida como o processo pelo qual se estabelece que um sujeito eleja objetivos e
meios de ação na sociedade, que pode em alguns enfoques teóricos tender um conceito de racionalidade mais
pura (que se opõe objetivamente a uma ideia de irracionalidade); e em outros enfoques teóricos ser adotada
enquanto conceito relativo, como o processo operado na consciência do sujeito de diversos modos (eletivo,
instrumental, ...), desenvolvido a partir de um contexto social, histórico e cultural específico, produzindo lógicas
de ação distintas (GOMES; MAGALHÃES, 2008).
43

Ao ter por referência esse conjunto diverso de enfoques teóricos, consideramos cinco
(5) características do desenho de pesquisa para escolha da abordagem a ser adotada.
(1) A primeira característica se refere ao espaço focal de ação pública. Uma vez que a
pesquisa se aplica ao domínio da CT&I, anteriormente já observamos que o principal espaço
de produção de políticas públicas de CT&I no Brasil é o governamental (DIAS, 2009), bem
como o principal responsável pelo fomento à C&T também são os órgãos e empresas estatais
(MCTIC, 2018a). Por isso nossa escolha segue uma abordagem que contempla a análise de
processos de política pública a partir da estrutura governamental do domínio da política
existente, enquanto lócus de interação entre os múltiplos atores políticos envolvidos, sendo
estes governamentais e não-governamentais.
(2) A segunda característica corresponde ao nível de análise da política. Ao
estabelecermos o foco sobre o processo da política pública de CT&I em nível subnacional,
especificamente na esfera estadual, o recorte da pesquisa reflete um nível meso de análise,
podendo abranger aportes teóricos com conceitos de subsistema, redes ou comunidades de
política.
(3) A terceira característica remete à definição da abrangência do processo de política
a ser analisado, com vistas a identificar a necessidade de um aporte a uma instância específica
(como de conformação da agenda) ou de enfoque mais extenso ou integral. O objetivo desta
pesquisa é analisar não somente como têm sido articuladas ações para o enfrentamento das
desigualdades na política de CT&I, mas também como têm sido efetivadas. Assim,
reportamos as observações de Bozeman e Sarewitz (2011) que valores públicos tendem a ser
articulados simbolicamente enquanto justificativas em instâncias de configuração da agenda e
formulação no domínio da C&T, contudo, tornam-se mais voláteis no processo de
implementação, pois tendem a perder espaço de atenção cognitiva dos pesquisadores e serem
deslocados frente a objetivos concorrentes, como aqueles de produtividade científica
estritamente concebidos nos indicadores institucionalizados (número de publicações, patentes,
licenciamentos de tecnologias, mestres e doutores formados, etc.). Deste modo,
compreendemos relevante que o escopo de análise permita uma visão integrada do processo
de política, tanto em suas instâncias de agenda e formulação, como de implementação e
avaliação.
(4) A quarta característica se relaciona às análises sobre a evolução da política de
CT&I em que foram enfatizados que a concepção e crenças sobre a C&T influencia a
orientação e instrumentos operados na política de CT&I, principalmente pela posição
preeminente ou mesmo dominante que pesquisadores tendem a ocupar no processo da
44

política, em sua definição de agenda, formulação, implementação e avaliação (ELZINGA;


JAMISON; 1995; DAGNINO, 2007; DIAS, 2009; VELHO, 2011). Entendemos, portanto,
que seja um cenário de política adequado a análise de aspectos cognitivos pela relevância das
crenças e concepções de C&T sobre os desenhos de programas e instrumentos priorizados. O
próprio problema de pesquisa estando sob a temática de desigualdade também é apropriado a
abordagens cognitivas, em termos de compreender as concepções de desigualdades associadas
aos atores políticos no domínio, e como constroem a identificação e caracterização de
problemas a estas relacionados que conformam suas propostas de ação (TOWNSEND, 1979;
LEVITAS, 2005) na política de CT&I.
(5) Por fim, a quinta característica concerne ao escopo do enfoque teórico. A ideia de
enfrentamento das desigualdades em política, de forma geral, implica em alguma medida na
intenção de operar uma mudança no processo da política pública, alterando alguma dimensão
do status quo. Especificamente, a política de CT&I tende a apresentar racionalidade
utilitarista, com foco agregativo, a qual conduz a uma negligência em relação as suas
consequências distributivas (COZZENS, 2007), principalmente quando amparada em
concepções de neutralidade da ciência e determinismo tecnológico (DAGNINO, 2007). Deste
modo, de acordo com a literatura sobre política de CT&I, entendemos que a perspectiva de
desenvolvimento de políticas propostas para enfrentamento das desigualdades, neste domínio,
se caracterizem enquanto alguma forma de mudança no processo de política.
Ao considerar estes cinco (5) aspectos que escolhemos adotar o quadro de referência
de coalizão de defesa10. De forma sintética, este quadro de referência teórico enfoca a análise
do processo da política em uma perspectiva sistêmica, abordando como centralidade da
racionalidade dos atores seu sistema de crenças, com ênfase à pesquisa sobre mudanças e
aprendizados em políticas públicas em nível de subsistema (meso análise). Na próxima seção,
desenvolvemos uma revisão de literatura sobre o quadro de referência de coalizões de defesa
para análise de políticas públicas, com vistas a sua aplicação propositiva na pesquisa.

10
Livre tradução de Advocacy Coaliton Framework, sendo que o termo advocacy coalition identificamos
traduzido tanto por “coalizão de defesa” conforme em Souza (2006), Dias (2009), Souza e Secchi (2014),
Capella e Brasil (2015), e Vicente (2015), quanto por “coalizão que advoga” como em Dias (2009). Optamos
nesta tese pelo uso da tradução por "coalizão de defesa" por ser o mais frequentemente encontrado na literatura
do campo de políticas públicas no Brasil.
45

1.2 O QUADRO DE REFERÊNCIA DE COALIZÃO DE DEFESA

O quadro de referência de coalizão de defesa (CD) surgiu na década de 1980 por


trabalhos pioneiros de Paul Sabatier e Hank Jenkins-Smith. Conforme Jenkins-Smith et al.
(2017), a perspectiva principal no desenvolvimento original da abordagem era compreender o
processo de mudança em política públicas, particularmente pela investigação sobre o papel da
informação técnica e científica e da dinâmica de aprendizados, em situações de política com
considerável conflito ideológico entre os atores políticos (divergência entre os sistemas de
crenças).
Ao elaborar o quadro de referência, Jenkins-Smith et al. (2017) indicam que os autores
também procuraram superar algumas questões que consideravam na análise de política
públicas à época que englobavam três (3) aspectos. (1) Constituir uma alternativa para a
abordagem tradicional de mudança na política centrada nas instituições de governo
(executivo, legislativo e judiciário) e em poucas formas de interação política (lobby e voto),
muitas vezes sob um modelo de racionalidade dos atores com predomínio da escolha racional.
(2) Superar limitações do modelo de estágios heurísticos do ciclo de políticas, por
considerarem que fragmenta a análise do processo de política pela sua divisão e proposta
sequencial de fases de definição de agenda, formulação, implementação e avaliação, e não
fornecia suporte explicativo adequado ao processo de mudança em uma perspectiva de longo
prazo. (3) Prover síntese entre os aspectos bottom-up e top-down no processo de políticas11.
Ham e Hill (1993) estabeleciam as duas perspectivas (top-down e bottom-up) como
abordagens alternativas que iluminam distintos fatores da complexidade da interação humana
na política, um dos objetivos da abordagem de CD era propor uma visão integradora e
dinâmica das perspectivas.
As respostas a essas questões estão principalmente na proposta de agregar os atores
políticos pelo conceito de coalizão de defesa e da unidade de análise primária partir do nível
de subsistema da política. Isso em razão de que, por um lado, o conceito de coalizão de defesa

11
Conforme Ham e Hill (1993), a literatura de processos top-down para implementação de políticas preocupa-se
com os problemas relacionados à capacidade de intervenção do topo de um sistema político perante níveis locais
de execução por meio de ações de formulação e controle da política. As principais críticas deste modelo
baseiam-se na natureza ambígua do processo de política, cujos interesses contraditórios estão presentes dentro e
entre cada nível de ação, rompendo com uma visão implicitamente normativa e linear de uma direção do
processo de política de esferas centrais para locais. As abordagens chamadas bottom-up foram desenvolvidas
para enfocar a análise de políticas tomando como ponto de partida as ações dos atores locais e a natureza do
problema enfrentado (HAM; HILL, 1993; SOUZA, 2003). No entanto, as abordagens bottom-up também
enfrentam questionamentos, principalmente em condições de atuação de atores dominantes em níveis centrais ou
políticas verticalmente estruturadas (HAM; HILL, 1993; SOUZA, 2003).
46

concentra sua atenção no entendimento da ação coletiva no processo da política pelo


agrupamento de atores que possuem um mesmo conjunto normativo de crenças,
independentemente de suas afiliações organizacionais ou posições na estrutura institucional
(SABATIER; WEIBLE, 2007). Assim, os diferentes membros de coalizões, em geral,
perpassam as diversas instâncias e esferas do processo de política, o que proporciona um
sentido de transversalidade da coalizão por todo o processo da política, habilitando o analista
a perceber pela atuação dos diferentes atores de uma coalizão a interpenetração destas
instâncias e esferas na conformação do processo geral da política.
Por outro lado, a noção de subsistema da política, além de não encerrar nenhum
recorte a atividades específicas do processo de política (definição de agenda, formulação,
implementação, avaliação), busca situar o processo da política por um nível intermediário12
por recorte substantivo (domínio da política) e territorial (SABATIER; JENKINS-SMITH,
1993). Embora o recorte territorial possa implicar em foco maior na ação dos atores em
determinado nível de política, a orientação sistêmica do quadro de referência pressupõe inter-
relações entre o subsistema em análise, outros subsistemas e o sistema de política global, que
os compreende. Ao conjecturar estas inter-relações e o mapeamento de membros da coalizão
que influenciam o subsistema independente de sua posição institucional, o desenho da
abordagem visa propiciar a leitura de processos top-down e bottom-up coincidentes no
subsistema.
Ao considerar estes direcionamentos, Sabatier e Weible (2007) sintetizam que a
abordagem de CD foi desenvolvida para descrever e analisar processos de políticas públicas
(policy process) que envolvam conflitos, com a emergência e interação de atores com
distintos sistemas de crenças sobre a política e em diferentes níveis de governo. Além disso, a
abordagem enfoca situações em que se observe papel relevante da ação de especialistas e
pesquisadores, e disputas com uso de informações técnicas e científicas, em busca de
mudanças na política (JENKINS-SMITH et al., 2014; WEIBLE et al., 2011). Isso porque,
havia uma preocupação particular de Sabatier e Jenkins-Smith com o uso político da análise
de políticas públicas e, mais especificamente, com a lacuna de pesquisas no campo de
políticas públicas sobre os efeitos do uso de informações técnicas e científicas e da
participação de especialistas (experts) no processo de políticas e no aprendizado de atores

12
Capella e Brasil (2015) indicam que o subsistema é uma unidade de análise de posição intermediária, como
redes e comunidades, situada entre uma visão macro de sistema (escopo de decisões de amplo impacto na
estrutura de poder no sistema político e na sociedade) e uma perspectiva micro (processos de decisões em escopo
mais delimitado, em níveis mais localizados e restrito número de participantes).
47

(SABATIER; WEIBLE, 2007). A seguir, discutiremos mais detalhadamente as categorias


básicas e focos analíticos do quadro de referência.

1.2.1 Pressupostos, categorias e focos analíticos principais

O quadro de referência de CD foi construído com a noção de programa de pesquisa


científica que apresenta um núcleo central essencial (conjunto de pressupostos e de categorias
conceituais básicas) e, a partir deste núcleo, proporciona suporte para múltiplos escopos e
eixos auxiliares de proposições explicativas (SABATIER; WEIBLE, 2007; JENKINS-
SMITH et al., 2017). Estas proposições auxiliares envolvem variáveis, hipóteses de relações e
de trajetórias de mudanças em políticas, as quais, devem adquirir definições operacionais e
conceituais mais precisas em relação ao contexto e temática da política pública em estudo
(JENKINS-SMITH et al., 2014, JENKINS-SMITH et al., 2017).
Assim, a abordagem apresenta um formato de plataforma de pesquisa compartilhada
que estabelece uma direção integrada básica de investigação, ao mesmo tempo em que
proporciona o desenvolvimento de estudos em múltiplos desenvolvimentos teóricos, no
sentido de resolver “quebra-cabeças”13 do processo de política pública (JENKINS-SMITH et
al., 2014; JENKINS-SMITH et al., 2017).
Os pressupostos cobrem as concepções fundamentais sobre os principais conceitos e
escopos a serem explorados no quadro de referência. Seus elementos contemplam, em
particular, o direcionamento a uma perspectiva cognitiva do processo de política, centrada
sobre atores políticos individuais, cuja ação coletiva é coordenada pelo compartilhamento de
um sistema de crenças, conformando uma coalizão para sua defesa, que disputa com outras
coalizões (outro sistema de crenças) a definição de objetivos, preferencias e enfoque de
problemas e soluções sobre o conteúdo e configuração em um domínio de política. Deste
modo, a ênfase do processo de politics para definição de policy está na disputa de crenças e
ideias. Sintetizamos os pressupostos da abordagem de CD no quadro 1, enquanto diretrizes
gerais que fundamentaram sua proposição.

13
Tradução livre da expressão “puzzles of the policy process”.
48

Quadro 1 – Pressupostos do quadro de referência de coalizões de defesa


Elemento Pressuposto Propriedades
I- Subsistemas contêm incontáveis componentes que interagem de
Representa a unidade de forma não-trivial, delimitado por uma área substantiva de processo
análise primária para de política e um território.
Subsistema
compreensão dos II- Subsistemas são semiautônomas, com alguma sobreposição ou
de política
processos de política encadeamento uns com os outros.
pública. III- Subsistema da política pressupõe a existência de alguma
autoridade efetiva ou potencial.
O conjunto relevante de I- A composição de atores em um subsistema pode incluir, além de
atores de um subsistema atores de abordagens tradicionais (executiva, legislativo e
Atores de judiciário), representantes empresariais e de organizações sem fins
inclui qualquer pessoa
um lucrativos, mídia e pesquisadores.
que regularmente busca
subsistema
influenciar temas dentro II- A extensão e consistência da influência e envolvimento de cada
do subsistema. ator em um subsistema varia.
I- Dois sistemas de racionalidade orientam o indivíduo, a lógica das
consequências (busca de benefícios individuais) e a lógica da
Indivíduos possuem adequabilidade às regras sociais, sendo esta evidenciada pelo
Racionalida
racionalidade limitada e sistema de crenças individual.
de dos
capacidade de agência
atores II- O sistema de crenças atua como heurística da racionalidade do
relativa.
ator para simplificar a complexidade da realidade e orientar a
assimilação de estímulos.
O agrupamento de atores I- O agrupamento de atores por crenças, em vez de filiações por
em uma ou mais organizações (mais convencionais), é instrumental à análise de
coalizões de defesa é mudança na política, por tenderem a ser mais estáveis ao longo do
Coalizões tempo.
baseado no
de defesa
compartilhamento de II- O agrupamento por crenças também propicia enfoques de
crenças e na coordenação desenvolvimento analítico sobre a coalizão e ação coletiva interna
de ação coletiva. (coesão, interação, deserção).
Políticas e programas são I- Coalizões desenvolvem teorias causais para descrever e explicar
constituídos de forma a um problema-objeto de política, de acordo com seu sistema de
Políticas e
refletir abordagens crenças.
programas
conceituais e analíticas
públicos II- No processo de politics, coalizões disputam as teorias causais
do sistema de crenças de
uma ou mais coalizões. que prevaleceram no conteúdo e desenho da policy.
Os sistemas de crenças I- As representações causais sobre atributos de um problema e
incorporam concepções alternativas políticas têm como fonte importante as informações
Informação técnicas e científicas.
de relações causais
técnica e
moldadas por II- A forma como informações técnicas e científicas são usadas em
científica
conhecimentos sobre a debates e negociações, integradas ou desviadas dos sistemas de
realidade empírica. crença de coalizões é relevante para análise do processo da política.
A análise de processos I- Os processos de políticas são contínuos e dinâmicos,
de políticas requer incorporando aprendizados sobre falhas e sucessos.
Mudança estudos de longo prazo II- A explicação de trajetórias de mudança em políticas públicas
em políticas para revelar trajetórias de requer atenção a sequência de eventos ao longo do tempo, que
mudança e aprendizados conformam alterações incrementais ou radicais.
dos atores.
Fonte: Adaptado pela autora a partir de Jenkins-Smith et al. (2014).

O quadro de referência construído a partir destes pressupostos, enquanto plataforma


integral do programa de pesquisa, foi representado na forma de um diagrama de fluxos (figura
1) com cinco (5) categorias: (1) o subsistema da política, como unidade central de análise; (2)
49

os parâmetros relativamente estáveis do sistema; (3) os eventos dinâmicos externos,


compreendendo elementos externos que afetam o subsistema; (4) as estruturas de
oportunidades de coalizões de longo prazo e; (5) as restrições e recursos de curto prazo dos
atores, como elementos mediadores da forma como eventos externos podem ser mobilizados
por coalizões para suas atuações no subsistema.

Figura 1 – Diagrama de fluxos da abordagem de coalizões de defesa

Fonte: Jenkins-Smith et al. (2017). Tradução livre da autora.

Como já indicado nos pressupostos, o subsistema da política é a categoria estabelecida


como unidade de análise principal da abordagem, onde atuam os atores de coalizões, mediante
suas crenças e recursos, estabelecendo estratégias para influenciar as decisões governamentais
(regras institucionais, alocações de recursos, nomeações), e, portanto, os produtos e resultados
de políticas públicas (JENKINS-SMITH et al., 2014).

1.2.2 O subsistema da política e a coalizão de defesa como conceito central

O subsistema da política situa-se em um nível meso de análise, o que implica não


somente na delimitação de fronteiras “verticais” permeáveis no subsistema, com atenção para
as articulações entre macro e microssistemas, como também a delimitação de suas fronteiras
"horizontais" entre diferentes setores de políticas públicas. Weible, Sabatier e McQueen
(2009) ao conceituarem subsistemas como partições semiautônomas de um sistema político
50

mais abrangente (macro sistema) ressaltam que, uma vez que os problemas enfrentados pelas
políticas crescentemente expandem seus limites para além de concepções tradicionais, o
delineamento de subsistemas requer uma percepção das estruturas de poder e
interdependências14 entre distintos subsistemas, que podem influenciar no comportamento de
coalizões.
Neste sentido, a definição do escopo do subsistema, é tarefa fundamental para
aplicação da abordagem. Sabatier (1993) concebe subsistema de política como um conjunto
de atores que são envolvidos com um problema de política pública. Sabatier e Weible (2007)
propõem duas dimensões para auxiliar o delineamento de um subsistema e, portanto, para o
mapeamento de atores no âmbito decisório de um problema de política: dimensão funcional e
substantiva referente ao tema ou domínio setorial da política; neste âmbito, é preciso
direcionar atenção a sobreposições ou encadeamentos de possíveis intersetorialidades (e.g.
entre domínios de “ciência e tecnologia” e “educação”) e; dimensão territorial correspondente
a localizar as organizações e instituições políticas principais em foco, neste caso com cuidado
sobre aspectos intergovernamentais, observando encadeamentos entre diferentes níveis de
governo que atuam sobre a mesma temática e território.
Estas duas dimensões, substantiva e territorial, devem orientar a identificação dos
atores políticos em ação no subsistema. Cabe ressaltarmos que o quadro de referência de CD
não restringe o perfil dos atores políticos ao chamado “triângulo de ferro”, enquanto
legisladores, agentes do executivo e líderes dos grupos de interesses organizados. Ao
contrário, expande a visão para os diversos atores que se envolvem nas disputas no processo
da política, de modo tanto a incluir outros possíveis perfis como pesquisadores e consultores,
jornalistas e membros da mídia, e agentes do judiciário; quanto em considerar possíveis
formas de interação e conflito que se estabelecem (CAPELLA; BRASIL, 2015).
É preciso mencionar, conforme Schlarger (2007), que embora a unidade de análise
principal do enfoque seja o subsistema de política, que proporciona uma visão integral do
processo de política, a unidade de observação primária se refere aos atores políticos que tanto
delimitam o subsistema, quanto compõe as coalizões que nele interagem. E são as coalizões
de defesa, enquanto heurística15 agregadora da ação dos diversos atores no subsistema, o

14
Weible; Sabatier e McQueen (2009) observaram três (3) status de relações de interdependências entre
subsistemas: competitiva, simbiótica e independente.
15
Como cada subsistema pode ter centenas de atores políticos, a operacionalização da descrição e análise do
subsistema pela ação dos atores políticos no processo de política demandava alguma forma de simplificação, a
qual no quadro de referência foi operada pelo conceito de coalizão de defesa para agrupamento destes atores
(JENKINS-SMITH et al., 2017).
51

conceito principal que tem sido articulado nas aplicações da abordagem (SCHLAGER, 2007;
JENKINS-SMITH et al., 2017).
As coalizões de defesa são conceituadas como um conjunto de atores que
compartilham crenças essenciais no âmbito da política e coordenam suas ações de forma não
trivial, com o objetivo de influenciar o subsistema da política (SABATIER, 1993; JENKINS-
SMITH et al., 2017). A coalizão de defesa é um conceito básico para operacionalização do
quadro de referência de CD, sendo, segundo Sabatier (1993), alternativa de agregação de
atores em ação na política mais adequada para análises de longo prazo, em comparação com a
agregação convencional referente a afiliações de organizações e instituições formais. Para o
autor, organizações tendem a ser em grande número nas políticas, podem ter uma atuação
significativamente variável no longo do tempo (inclusive com extinção ou criação de novas),
e serem fragmentadas por nível governamental, o que as torna mais voláteis e de difícil
monitoramento no longo prazo. Além disso, o acompanhamento de atores políticos
individuais importantes no processo de política que se movimentam entre organizações torna-
se difícil, ao mesmo tempo em que uma única organização pode comportar atores individuais
com diferentes projetos políticos, não sendo recomendável assumir visão homogênea desta
em relação à política (SABATIER, 1993).
Por isso, Sabatier (1993) considera que as coalizões de defesa conferem uma forma de
agregação com um foco mais gerenciável à análise do processo de política, por atribuir um
sentido de unidade baseada no conjunto de crenças e valores que orientam as ações dos atores
perante à política. Assim, a coalizão de defesa agrega atores individuais de distintas
organizações e níveis governamentais que compartilham determinados objetivos e convicções
políticas. Ao identificar e mapear membros de uma coalizão e monitorar os recursos
mobilizados por essa, não se perde de vista a noção de vínculos desses indivíduos às
organizações e instituições relevantes na política.
Pelo conceito de coalizão acima indicado, duas características são realçadas em
relação a agregação de atores: o compartilhamento de crenças e a coordenação de ações.
Destas características, o sistema de crenças que se mantém como elemento teórico que
estrutura a composição da coalizão, estando o elemento de coordenação coletiva associado e
condicionado àquele (LEIFELD, 2013). Assim, em sentido similar, Jenkins-Smith et al.
(2014) indicavam que os principais pontos de investigação sobre coalizões visam examinar
sua formação e estabilidade ao longo do tempo, preponderantemente baseados no
compartilhamento de crenças, mas também contemplam outros fatores, como a forma pela
qual recursos são adquiridos, a existência de oponentes em comum entre membros, a adesão
52

de membros preponderantemente por interesses e capacidade de influência, e o


desenvolvimento de confiança entre membros.
Para Leifeld (2013), essa ênfase sobre o sistema de crenças como fator agregador das
coalizões tem distinguido o quadro de referência de CD na literatura de análise de política.
São baseadas em seus sistemas de crenças que as coalizões incorporam proposições causais
(teorias causas) sobre os problemas a serem enfrentados nas políticas (atributos, causas e
consequências), definem objetivos, prioridades e públicos alvos, avaliam a eficácia de
instrumentos de intervenção e selecionam estratégias de ação.
Deubel (2002) caracteriza as coalizões como comunidades de política que competem
entre si pelo domínio conceitual e material de um ou mais temas da política, e realça uma
noção de interações de atores na abordagem que reforça um sentido de integração (consenso)
interna na coalizão e de propensão ao conflito externo com outras coalizões, em função da
dinâmica de compartilhamento ou dissenso às crenças da política em um subsistema. Assim, a
identificação e evidenciação das crenças da política de atores do subsistema é o passo
fundamental para operacionalização do quadro de referência.
Contudo, os pesquisadores não devem pelo conceito de coalizão assumir
homogeneidade de crenças e na coordenação de seus membros. Weible, Sabatier e Mcqueen
(2009) e Sabatier e Weible (2007) mencionam pesquisas que retratam coalizões como tendo
um núcleo essencial mais permanente de atores e crenças principais, e uma periferia mais
difusa de crenças e objetivos secundários e membros com menor sentido de pertencimento.
Sabatier (1993) também adverte que não se deve pressupor que todos os membros de
uma coalizão tenham a mesma crença, mas sim que a maioria destes demonstrem substancial
consenso sobre as crenças essenciais da política, podendo ocorrer menor nível de
concordância interna sobre aspectos secundários. Outra ressalva é que, apesar dos atores
buscarem traduzir seu escopo de crenças essenciais profundas na construção e estabilização
das crenças da política, nem sempre as correspondências são exatas, pois diferenciações
substantivas nos subsistemas de políticas podem conduzir a distintas formas de percepção da
intervenção estatal entre diferentes domínios de políticas (SABATIER; WEIBLE, 2007).
Esta noção se relaciona à estrutura hierárquica proposta no sistema de crenças do
quadro de referência, a qual seria formada por três níveis (WEIBLE; SABATIER;
MCQUEEN, 2009; SABATIER, 1993): (i) crenças essenciais profundas, representam o nível
mais abrangente e estável, referente a valores normativos e ontológicos gerais aplicáveis a
múltiplos subsistemas, como exemplo, as crenças relacionadas a projetos políticos (crenças
liberais ou conservadoras); (ii) crenças essenciais da política, que correspondem as
53

orientações normativas e empíricas condizentes ao subsistema da política, sendo as


normativas relacionadas a diretrizes básicas e valores prioritários; e as empíricas referentes a
análises sobre o problema em identificação, a proposição de causas sobre estes e alternativas
de soluções (políticas preferenciais); estas crenças são um nível meso, com um escopo
moderado por especificidades do subsistema quanto temática e abrangência territorial, assim,
embora sejam de difícil mudança, são mais prováveis de serem ajustadas do que as crenças
profundas e; (iii) aspectos secundários ou auxiliares, referem-se a diretrizes sobre um
subconjunto temático ou sobre meios instrumentais específicos de decisão, implementação ou
controle do subsistema de política para alcance de determinados resultados desejados; estes
apresentam um escopo mais específico em termos substantivos e territoriais,
predominantemente baseados em vivências empíricas e mais propenso a aprendizados e
mudanças.
Apesar de ainda manter a proposição da diferenciação entre as crenças essenciais da
política e os aspectos secundários destas, Jenkins-Smith et al. (2017) admitem que alguns
estudos aplicados tem demonstrado certa dificuldade metodológica de distingui-las no
conjunto crenças dos atores, bem como de sustentar a hierarquia proposta entre elas, pela qual
os atores políticos tenderiam a mais facilmente alterar suas crenças em aspectos secundários,
antes de questionar as crenças essenciais. Portanto, enquanto mantenham a hipótese desta
estrutura hierárquica, os autores consideram possível metodologicamente reunir crenças da
política e aspectos secundários em uma mesma categoria, interligando-as, dependendo do
escopo focal da pesquisa.
A análise da disputa entre (e, portanto, a evidenciação de) sistemas de crenças em um
subsistema de política, em geral, segue métodos de análises textuais16. Sabatier e Jenkins-
Smith (1993) utilizam o método de análise de conteúdo para examinar a mudança longitudinal
em crenças de elites com base na abordagem de coalizões de defesa. A análise de conteúdo e
práticas de codificação continuam sendo as mais recorrentemente usadas, constatando
também o uso, em menor frequência, de surveys e análise de discurso (JENKINS-SMITH et
al., 2017). Weible et al. (2011) destaca o uso de abordagens de narrativas políticas, aqui
entendidas similares ao conceito de discursos políticos, podem oferecer análises sistemáticas
que expandem o quadro de referência de coalizão de defesa, ao associar os pressupostos de

16
Peräkylä (2005, p. 871) ao tratar de análises de textos e conversas direcionadas por um projeto democrático de
ciência comprometido com a justiça social destaca métodos de análise de narrativas, análise de discurso e análise
de conversação.
54

racionalidade limitada e do sistema de crenças com uma interpretação da construção social de


como coalizões articulam e se engajam em determinadas direções estratégicas.
Assim, pelo quadro de referência, as coalizões de defesa, orientadas por seus sistemas
de crenças e de acordo com seus recursos e estratégias, são quem assumem o protagonismo de
movimentos para mudança ou manutenção da estabilidade em um subsistema de política,
sendo os processos de aprendizados uma das formas destas mudanças ocorrerem, ao
moldarem o sistema de crenças dos atores na política. Processos de mudança e aprendizados
foram os dois focos analíticos realçados na construção e aplicação do referencial teórico desde
sua origem (SABATIER; JENKINS-SMITH, 1993; JENKINS-SMITH et al., 2014). No
entanto, processos de mudanças e aprendizados no subsistema tem suas trajetórias
influenciadas ou mediadas também por elementos externos a este, sejam relacionados ao
macrossistema ou a outros subsistemas de políticas, por isso, antes de entrarmos nestas
temáticas, retomaremos as demais quatro (4) categorias do diagrama de fluxos do quadro de
referência.

1.2.3 Categorias externas que condicionam o subsistema e atuação das coalizões de


defesa

Além da categoria de subsistema de política, o quadro de referência acomoda


categorias externas a este, que o influenciam. Sob a denominação de “parâmetros
relativamente estáveis” estão reunidas variáveis estruturais do macrossistema, que
condicionam o subsistema da política, incluindo estruturas sociais, econômicas e
institucionais e que compõem atributos estáveis da área problema foco do processo da
política.
A categoria de “eventos dinâmicos externos” é composta por eventos externos ao
subsistema, mas submetidos a uma maior propensão a mudanças, como aspectos relacionados
a condições sociais, econômicas e políticas de ocorrência no curto e médio prazo,
circunscrevendo mobilização de opiniões públicas, mudanças tecnológicas, e alterações em
cargos eleitorais e em composição de coalizões no governo. Esta categoria tanto afeta o
subsistema da política, quanto pode ser também mais facilmente afetada por este.
Entre o subsistema da política e as duas categorias externas mencionadas, o quadro de
referência de CD apresenta duas categorias de mediação ou intermediárias. Uma se refere a
estruturas do sistema político que condicionam oportunidades de longo prazo que afetam as
coalizões, contemplando conceitos relacionados ao grau de consenso necessário para
55

mudanças políticas de maior amplitude; bem como, o grau de abertura do sistema político e
intensidade de clivagens sociais neste.
A categoria corresponde a aspectos relativamente duradouros de um regime político e
institucional que afetam oportunidades de obtenção de recursos de poder pelos atores no
subsistema, criando maior facilidade ou dificuldade para atuação destes (SABATIER;
WEIBLE, 2007). A noção de consenso necessário para mudanças substantivas sugere que
quanto maior o grau de consenso requerido para a concretização de mudanças desejadas na
política, mais incentivos as coalizões de defesa terão para serem inclusivas a novos membros,
e buscarem compartilhamento de informação com oponentes, minimizando a percepção de
risco frente aos opositores (SABATIER; WEIBLE, 2007). O conceito de abertura do sistema
político envolve o número de instâncias de tomada de decisão a ser percorrida para uma
mudança substantiva, e, por fim, as clivagens sociais sobrepostas associam-se a distintas
facilidades de acesso dos diferentes atores sociais a tais instâncias (SABATIER; WEIBLE,
2007).
Cabe indicarmos que esta categoria intermediária foi acrescentada ao quadro de
referência originalmente proposto por Sabatier e Jenkins-Smith (1993), de forma a tornar a
abordagem mais sensível aos diferentes regimes e culturas políticos, em resposta às críticas de
que o quadro de referência inicial implicitamente se vinculava a prerrogativas do sistema
político norte-americano, onde as primeiras aplicações empíricas da abordagem foram
realizadas (SABATIER; WEIBLE, 2007).
A outra categoria intermediária é a de restrições e recursos de curto prazo dos atores,
que busca estabelecer como os eventos externos dinâmicos resultam em oportunidades
específicas de curto prazo para mudanças no subsistema da política, de acordo como forem
articuladas e aproveitadas pelas coalizões (JENKINS-SMITH et al., 2014).
Ao analisar as categorias da abordagem, Sabatier e Weible (2007) e Jenkins-Smith et
al. (2014) ressaltaram que esta tem passado por um aprofundamento e maior delineamento
das categorias e relações teóricas originais, inclusive com acréscimos (como é o caso de
estruturas de oportunidades de coalizões de longo prazo). Se, por um lado, ao abranger um
conjunto de múltiplas relações entre categorias relativamente amplas, tem implicado à
abordagem uma considerável complexidade teórica; por outro lado, proporciona uma
plataforma de desenvolvimento teórico que permite contribuições específicas em sua
construção coletiva.
Neste sentido, Jenkins-Smith et al., (2014) indicam que o quadro de referência tem
tendido crescentemente a receber contribuições específicas de pesquisas que enfocam um ou
56

poucas categorias teóricas ou de relações entre estas, em vez da aplicação do quadro integral.
Esta noção de plataforma, também concede flexibilidade para aplicação do quadro de
referência de CD em diferentes contextos empíricos.

1.2.4 Trajetórias de mudanças e processos de aprendizado no subsistema de política

Compreender os processos de mudanças e o papel do aprendizado nestes foi um


escopo central na elaboração do quadro de referência por Sabatier e Jenkins-Smith (1993).
Enquanto o escopo de análise em processos de mudança tem permanecido como objetivo
central de aplicação do enfoque, o aprendizado orientado para a política, embora reconhecido
como uma trajetória para a mudança, tem sido o conceito básico da abordagem menos
desenvolvido nas pesquisas aplicadas (JENKINS-SMITH et al., 2017).
Em termos de processos de mudanças em subsistemas de políticas, o quadro de
referência de CD focaliza a compreensão de sua trajetória sob o pressuposto que entender o
processo de evolução de uma política pública requer entender a sequência de eventos nela
decorridos ao longo do tempo (JENKINS-SMITH et al., 2017). Este pressuposto implica na
tendência da abordagem de realizar análises com perspectiva de longo prazo sobre o processo
de política, com a recomendação inicial de Sabatier e Jenkins-Smith (1993) de 10 anos ou
mais. Contudo, Jenkins-Smith et al. (2017) ressalvam que esta recomendação não deve ser
vista de forma literal, mas ponderada pelos objetivos da pesquisa e as características do
processo de política empírico a ser analisado, com o discernimento que a sequência de
processos temporais são necessários para o entendimento do conteúdo e configuração de uma
política pública em determinado momento e espaço.
A perspectiva temporal do quadro de referência de CD baseia-se no entendimento que
uma política pública é tanto um processo contínuo, como proposto originalmente por
Lindblom (sem início e sem fim), quanto conformada pela interpenetração das ações de
definição de agenda, formulação, implementação e avaliação, que podem ser desenvolvidas
em paralelo no mesmo subsistema de política (WEIBLE; SABATIER; MCQUEEN, 2009;
JENKINS-SMITH et al., 2017). Por exemplo, na política de CT&I, uma avaliação de um
programa tecnológico pode ser realizada, ao mesmo tempo em que uma nova chamada
pública em determinada temática científica esteja sendo formulada, ou seja, a avaliação de
falhas e sucessos de um programa gera aprendizados que influenciam decisões de atores
política na formulação ou implementação em outro programa ou atividade no subsistema da
política pública.
57

Neste sentido, entendemos a crítica da abordagem de CD ao modelo de estágios


heurísticos esteja relacionada principalmente a tendência de visão linear e sequencial de fases
independentes no processo de política e à ênfase descritiva destas fases, sem trazer em seu
bojo perspectivas explicativas próprias. A abordagem sistêmica de CD busca romper com
esses pressupostos ao proporcionar uma visão integrada, mas como observam Weible,
Sabatier e McQueen (2009), pode incorporar os conceitos17 das ações de conformação de
agenda, formulação, implementação e avaliação na sua operacionalização, não mais vistos
enquanto fases independentes e sequenciais, e sim como atividades interpenetradas e
geralmente ocorrendo de forma constante e concomitante no subsistema de política, sendo
esta.
Em termos de caracterização das mudanças na política, Jenkins-Smith et al. (2017)
assinalam dois enfoques analíticos, um quanto a sua direção, em relação a que sentido de
demandas e concepções o conteúdo e a configuração da política estão sendo modificados; e
outro no tocante a distinção de sua extensão mudança, ou seja, entre mudanças maiores (em
questões normativas ou substantivas) ou alterações menores em instrumentos ou de volume
marginal no subsistema.
São quatro (4) as trajetórias de mudanças em políticas públicas conceituadas pelo
quadro de referência de CD (JENKINS-SMITH et al., 2017): (1) as advindas de alterações ou
perturbações externas tanto dos parâmetros relativamente estáveis, quanto nos eventos
dinâmicos; (2) as baseadas em eventos internos e ações dos atores no subsistema; (3) as
geradas por meio de processos de aprendizados orientados à política e; (4) as promovidas por
acordos negociados entre coalizões previamente em forte oposição, em geral, facilitadas por
organizações intermediárias.
Como indicado por Jenkins-Smith et al. (2017), embora, pelo menos, uma dessas
trajetórias seja considerada necessária à mudança da política, a ocorrência por si só de uma
delas não é apontada como suficiente, sendo comum haver combinação destas na efetivação
de processos de mudança. Cabe também ressaltarmos que os efeitos de eventos externos não
podem ser analisados isoladamente, pois é necessário averiguar suas inter-relações com
fatores de mediação e variáveis internas do subsistema.
17
Em termos gerais, os conceitos de atividades são concebidos aqui de modo comum à literatura de análise de
política, como em Giest e Howlett (2013), Serafim e Dias (2012) e Souza (2006): Conformação de agenda como
a atividade de percepção ou reconhecimento de problemas, incorporando-os enquanto prioridade de ação
pública; formulação como a atividade de desenvolver opções de soluções, conforme preferências dos vários
atores políticos, e o processo de tomada de decisão entre estas para adoção em política para enfrentar o problema
definido; implementação sendo o conjunto de ações efetivadas da solução formulada, alterando a distribuição de
bens e serviços na sociedade; e, avaliação como a análise e monitoramento dos resultados e consequências da
política, atribuindo valor público a esta, o que pode conduzir a sua continuidade, melhorias ou extinção.
58

Outro âmbito importante de análise associada às mudanças no quadro de referência diz


respeito a relações entre trajetórias de mudanças na política e localização dos efeitos na
estrutura do sistema de crenças. Mudanças de maior amplitude no subsistema da política, se
relacionam a modificações no nível das crenças essenciais da política, que são mais difíceis de
ocorrer e geralmente requerem combinações de fatores externos e internos de mudanças;
enquanto que mudanças menores se referem a alterações em crenças secundárias ou
auxiliares, e podem seguir trajetórias de aprendizado (JENKINS-SMITH et al., 2017).
Além de tratar das diferentes fontes de mudanças, outra proposição do quadro de
referência aborda especificamente a mudança em contexto de relações intergovernamentais no
subsistema da política. É proposto que os atributos básicos da política constituídos em um
programa governamental, em jurisdição específica, não serão revisados significativamente
enquanto a coalizão que o instituiu permanecer dominante na jurisdição, exceto quando
alterações são impostas por jurisdição hierarquicamente superior (SABATIER; JENKINS-
SMITH, 1993; JENKINS-SMITH et al., 2014). Para Jenkins-Smith et al. (2017), apesar de
alguns estudos empíricos corroborarem esta argumentação, há poucas pesquisas
desenvolvidas por meio do quadro de referência com este enfoque.
O aprendizado orientado para a política, como anteriormente mencionado, foi um dos
elementos conceituais mobilizados dentro da ênfase teórica do quadro de referência voltado
para o entendimento da natureza e das relações causais subjacentes aos processos de mudança
e estabilidade da política.
De acordo com Sabatier e Jenkins-Smith (1993), o aprendizado orientado para a
política é concebido como mudanças duradouras no pensamento, ou de intenções
comportamentais, dos atores em coalizões que resultam de vivências e do desenvolvimento de
novas informações e conhecimentos, os quais conduzem ao reforço ou à necessidade de
revisão de preceitos do sistema de crenças do indivíduo ou de uma coletividade. Assim, o
aprendizado está associado ao sistema de crenças de uma coalizão, seja sobre os problemas e
soluções que devam ser direcionados no subsistema da política, seja quanto as estratégias e
instrumentos a serem utilizados para alcance de objetivos (JENKINS-SMITH et al., 2014).
Para Sabatier e Weible (2007), o impacto de aprendizados advindos da política é mais
frequentemente encontrado em modificações de aspectos secundários do sistema de crenças
de uma coalizão, ou seja, de menor abrangência. Assim como, em termos de processos, tende
a se caracterizar por efeito cumulativo de maior prazo, influenciado por ações de pesquisa
aplicada e pelo papel do debate técnico sobre aspectos críticos de políticas públicas
(SABATIER; WEIBLE, 2007).
59

Jenkins-Smith et al. (2017) elencam quatro (4) fatores analíticos enfatizados no quadro
de referência que influenciam em processos de aprendizados dos atores políticos: (1) atributos
do espaço de interação dos atores (características institucionais dos arranjos, grau de abertura
à participação, normas de conduta e regras de interação); (2) nível de conflito entre
coalizões18; (3) atributos de estímulo de aprendizado (tipos de informação, fontes de
credibilidade, experiências que os atores estão expostos) e; (4) atributos dos atores (crenças
extremas ou moderadas, recursos de acesso a informações, estratégias). Os autores também
realçam como agenda de pesquisa no quadro de referência o estudo do papel e características
de atores com atuações excepcionais ou em posições chaves na coalizão, como os
empreendedores de políticas e os intermediários de políticas (policy brokers) para a promoção
de aprendizados e mudanças nos processos de políticas.
Apresentada essa visão geral do quadro de referência de CD em termos de seus
pressupostos, categorias, conceitos e escopos principais de análise, na próxima seção, faremos
uma discussão sobre sua aplicação ao problema específico desta pesquisa de tese.

1.2.5 Considerações da aplicação do quadro de referência de coalizão de defesa na


orientação de pesquisa

A questão direcionadora desta pesquisa de tese corresponde a compreender como têm


sido articulados e efetivados enfrentamentos de desigualdades no processo da política de
CT&I em contexto subnacional, especificamente em situação periférica, que em termos
aplicados será desenvolvida sobre a política estadual de CT&I no Pará. Como indicado
anteriormente, cinco (5) características do fenômeno de pesquisa nos conduziram a adotar o
quadro de referência de CD: (1) enfoque a situações de ação pública em lócus governamental;
(2) nível de meso análise que atenda a configuração subnacional; (3) visão integrada do
processo de política pública; (4) ênfase aos elementos cognitivos ou ideacionais (crenças,
conhecimento e representações de mundo) e; (5) escopo orientado à percepção de conflitos
em torno de mudanças ou manutenção de status quo no processo da política. Entendemos que
estas foram evidenciadas na apresentação do quadro de referência na seção anterior, no

18
Jenkins-Smith et al. (2017) propõe que um nível de conflito intermediário seria o mais provável de favorecer
processos de aprendizados entre coalizões, uma vez que cria algum grau de demanda de informações (que um
nível baixo de conflito não tende a promover), porém sem elevada ameaça (característico de alto nível de
conflito), que propicia uma conduta suficientemente receptiva de atores de coalizões distintas a trocarem
informações.
60

entanto, há duas observações na aplicação do quadro de referência nesta pesquisa que


devemos distinguir.
Entre as características acima mencionadas do quadro de referência, a que
consideramos principal em termos substantivos da pesquisa se refere ao seu enfoque analítico
estar baseado nos aspectos cognitivos e ideacionais do processo da política. Por um lado, este
enfoque proporciona uma sensibilidade adequada para a análise de questões de enfrentamento
(ou não) das desigualdades em processos de políticas públicas, as quais envolvem conteúdos
normativos no que tange a convicções e princípios sobre justiça distributiva. Este enfoque
permite centrar a investigação no vínculo entre as convicções e ideias de atores políticos sobre
o enfrentamento de desigualdades (quais as proposições analíticas sobre o problema de
desigualdade no que tange a causas, consequências e alternativas de soluções) e as ações
formuladas e efetivadas no subsistema da política (programas governamentais, gastos
orçamentários, resultados e impactos da política).
Por outro lado, este enfoque sobre as ideias e conhecimentos, além de ser reconhecido
como elemento chave na leitura do processo de política em geral (FARIA, 2003; SABATIER;
WEIBLE, 2017; SOUZA, 2006), especificamente também está alinhado ao que Elzinga e
Jamison (1995) chamaram de uma virada cognitiva nos estudos sociais da C&T, a partir dos
anos 1980, e que se mantém em ativa ao se fundamentar na compreensão que as concepções
de C&T e das relações conceituais e explicativas estabelecidas entre ciência, tecnologia e
sociedade por parte dos atores políticos conformam o próprio processo da política de ciência,
tecnologia e inovação, como veremos em maiores detalhes no próximo capítulo.
Deste modo, esperamos que a partir do quadro de referência de CD seja viável tanto
identificar possíveis coalizões de defesa no subsistema da política que articulam problemas e
soluções relacionados ao enfrentamento das desigualdades, quanto analisar a abrangência
(conceitual e material) destas ações de enfrentamento das desigualdades.
Contudo, cabe indicarmos que em artigos de revisões do quadro de referência de CD,
como em Jenkins-Smith et al. (2014) e Jenkins-Smith et al. (2017), foi assinalada como uma
das agendas atuais de pesquisa o aprofundamento e reconsideração sobre a proposta do
modelo de sistema de crenças. Jenkins-Smith et al. (2014) ressaltaram a necessidade de uma
orientação teórica e metodológica mais profunda para a conceitualização das crenças
essenciais, principalmente as crenças profundas, articulando o quadro de referência com
abordagens específicas sobre a concepção de visões do mundo ou aspectos ideológicos na
política. Enquanto Jenkins-Smith et al. (2017) indicaram que análises empíricas têm sugerido
a possibilidade de agregar as crenças essências com as auxiliares da política, em virtude de
61

aplicações do quadro de referência não terem corroborado a existência de uma relação


necessariamente hierárquica entre estas, bem como mantêm o direcionamento a buscar
aprofundamento em outras abordagens como de orientação cultural, normativa ou narrativa.
Assim, recorrer a um aporte específico para orientação substantiva sobre a constituição
de crenças na política consideramos condizente com a proposta do quadro de referência
enquanto plataforma de pesquisas, e representa uma prática relativamente frequente nas suas
aplicações, conforme Weible, Sabatier e McQueen (2009), contanto que seja compatível com
seus pressupostos. Neste sentido, decidimos que a aplicação do quadro de referência de CD
nesta pesquisa será combinada com uma orientação de análise de discurso, com vistas a dar
maior suporte a concepção sobre sistemas de crenças e de representação de mundo, bem como
sobre os processos de mudanças em crenças individuais a partir de dinâmicas coletivas. Ou
seja, como tais sistemas de crenças e representacionais são constituídos por, e constituem,
relações sociais.
Cabe esclarecermos que, pela concepção original do quadro de referência de CD, a
unidade de observação primária é o ator político individual, e a partir da análise destes atores
individuais e suas crenças expressas, chega-se à agregação destes em coalizões de defesa. Por
isso, Hajer e Laws (2006) indicam que o conceito de crenças está vinculado a uma visão de
ênfase individual no processo de política, enquanto que a concepção de discursos e narrativas
atuam em um espaço mais inter-relacional (na interação discursiva do indivíduo com outros
atores nas ações coletivas), sendo a primeira mais ampla em termos de ordenação social.
Neste decurso, tanto Hajer e Laws (2006) quanto Weible et al. (2011) realçaram que
abordagens narrativas têm expandido e aperfeiçoado o quadro de referência de CD ao associar
os pressupostos de racionalidade limitada e do sistema de crenças com uma interpretação da
construção social sobre como coalizões se articulam e se engajam em determinadas direções
estratégicas.
Desta forma, compreendemos ser aplicável a integração do quadro de referência
também às abordagens discursivas, viabilizando uma leitura das inter-relações entre as
crenças dos atores individuais e as representações sociais constituídas na política de CT&I em
níveis mais abrangentes de análise, ou seja, permitindo a construção de pontes mais explícitas
entre atuações (e crenças) de atores individuais locais em níveis micro e meso de análise, e a
influência nestes de movimentos mais amplos de ordenação política e social.
Para tanto, escolhemos o enfoque de análise de discurso (AD) especificamente em sua
vertente denominada de Análise de Discurso Crítica (ADC), para esta integração em função
das características do problema de pesquisa que está relacionado com o enfrentamento das
62

desigualdades. Van Dijk (2001) argumenta que, embora ADC apresente múltiplas abordagens,
a reunião destas em uma perspectiva compartilhada tem como foco a análise de questões de
justiça social, com objetivos relacionados a explicar, expor e resistir às desigualdades sociais.
Magalhães, Martins e Resende (2017), corroboram com esta visão ao indicar que desde seu
desenvolvimento inicial, na década de 1980, a ADC tem se definido como um enfoque crítico
voltado ao estudo de problemas sociais, em particular em situações que práticas discursivas
desempenham papel relevante na produção, reprodução ou superação de desigualdades.
Entendemos também que a ADC se conforma a fundamentos do quadro de referência
de CD, seja em relação à centralidade deste ao enfoque cognitivo e ideacional, cujo exame
poderá ser orientado e operacionalizado pela análise de discursos (maior detalhamento na
próxima seção); seja pela perspectiva sobre processos de mudança na política, presente como
ponto de atenção na abordagem de CD, e que ao poder se configurar como possibilidades de
transformação social, também é preocupação norteadora na ADC.
Além desta integração ao quadro de referência da análise de discurso, outra distinção a
ser indicada é que nossa aplicação não tem como foco principal explicitamente testar
hipóteses específicas desenvolvidas no âmbito deste quadro de referência, principalmente
enquanto proposições teóricas gerais19 como formuladas em Sabatier e Jenkins-Smith (1993),
e revistas e ampliadas em outras publicações, como em Weible, Sabatier e McQueen (2009) e
em Jenkins-Smith et al. (2017). Nosso objetivo primário está em iluminar uma prática situada
de política para enfrentamento das desigualdades em CT&I e, assim, também servir como
instrumento para informar as coalizões de defesa, auxiliando no aprendizado do processo de
política. Contudo, considerações sobre contribuições teóricas no âmbito das discussões sobre
o quadro de referência advindas da análise do fenômeno empírico no que tange a categorias e
relações teóricas evidenciadas ou não no processo de política no contexto em estudo serão
realizadas em apontamentos na conclusão.
Este direcionamento atende a nossa compreensão e intenção de pesquisa de que seja
valorizado um enfoque finalístico sobre a necessidade de uma maior sensibilização na política
de CT&I para seus efeitos distributivos, ainda escassamente discutidos. Entendemos que, por
meio da articulação do quadro de referência de CD, seja possível propor a identificação de
diferentes articulações sobre enfrentamento das desigualdades no processo desta política

19
Cabe esclarecermos que estamos considerando uma diferenciação entre quadro de referência (framework),
teoria e modelo como proposto por Schlager (2007), seguindo a linha de proposição de Elinor Ostrom, para a
qual os quadros de referência provem plataformas com fundamentos para organização da pesquisa (um conjunto
de variáveis, seus conceitos e relações gerais entre estas) com uma linguagem metateórica (comum a diferentes
teorias), mas sem prover explicações ou predições específicas, estas seriam caracterizadas como teorias e
modelos teóricos, que podem ser desenvolvidas a partir destes quadros de referência.
63

estadual de CT&I, bem como, instigar maiores debates por parte das coalizões e atores
políticos, no sentido tanto de chamar atenção aos impactos, limites e potencialidades da
política, quanto sobre a necessidade e oportunidades de promover refinamentos dos modelos e
instrumentos conceituais, analíticos e metodológicos adotados em seus programas
governamentais.

1.3 APONTAMENTOS SOBRE A CONSTRUÇÃO DO PERCURSO TEÓRICO E


METODOLÓGICO: O OFÍCIO DE ENTRELAÇAR OS CONCEITOS CHAVES E OS
MÉTODOS NESTA PESQUISA

Apresentado o quadro de referência de CD e feitas ponderações de sua aplicação nesta


pesquisa, nesta seção avançaremos para elaborações do percurso teórico-metodológico,
explicitando esforços de desdobramento de conceitos chaves em direção a sua
operacionalização no campo de investigação. Em especial, nosso foco está em conceber os
delineamentos necessários às três categorias básicas para esta pesquisa: o subsistema da
política, coalizão de defesa e sistema de crenças.

1.3.1 Delineamento do subsistema da política e dos casos na pesquisa

Como indicado, a categoria de subsistema da política é a unidade de análise principal


do quadro de referência de CD, assim seu delineamento empírico serve de recorte ou fronteira
para o foco da pesquisa. Em termos conceituais, Sabatier (1993) sugeriu a delimitação de
subsistema da política a partir de duas dimensões: territorial e funcional/substantiva. Contudo,
embora seja estabelecido tais dimensões e estipulado que o espaço de análise de subsistema
seja de amplitude meso ou intermediária, este delineamento ao fenômeno específico de
pesquisa não é desprovido das relações problemáticas próprias do acoplamento entre a ideia
conceitual e os aspectos empíricos do fenômeno em estudo, nos termos realçados por Ragin
(1992a).
Neste sentido, usamos o conceito de casing de Ragin (1992a) como processo
metodológico para fazer o delineamento de subsistemas da política enquanto casos na
pesquisa. A partir da literatura de pesquisa orientada por caso20, Ragin (1992a; 2009) propõe

20
Ragin (1992b) e Byrne (2009) reconhecem que o termo caso é um constructo metodológico básico nas
ciências sociais, por isso submetido a uma pluralidade de concepções usado em múltiplos métodos, com distintas
abordagens e foco. Na publicação de Ragin e Byrne (2009), um conjunto de métodos que usam alguma definição
64

que casing é o processo de constituir (delimitar e declarar) o caso de pesquisa, pelo “encaixe”
de ideias (categorias teóricas e abstratas) e evidências (dados empíricos e especificidades) do
fenômeno em análise. Desta concepção, Byrne (2009) direciona o conceito de casos enquanto
sistemas complexos delimitados de forma substantiva pela combinação de evidências
empíricas e categorias teóricas.
Uma característica central da proposta de casing de Ragin (1992a) é sua natureza de
processo, a qual implica no reconhecimento de constantes operações metodológicas pelo qual
este entrelaçamento teórico-empírico ocorre à medida que a pesquisa avança. Para o autor, o
casing pode ocorrer em quaisquer fases do processo de pesquisa, sendo mais comum no início
e no fim. Assim, o delineamento do caso geralmente é declarado no início da pesquisa de
forma a prover identidade teórica-empírica provisória ou tentativa, mas apresenta certa fluidez
no decorrer desta, podendo sofrer delimitações posteriores por acoplamentos e ajustes
sucessivos das ideias teóricas com os dados empíricos, até seu encerramento (RAGIN,
1992a). Nesta mesma perspectiva, Ragin (1992a) pondera que os casos são múltiplos na
maioria dos esforços de pesquisa, em virtude dos conceitos e dados empíricos poderem estar
ligados de muitas maneiras diferentes.
Pela aplicação do casing na pesquisa atual no delineamento de subsistema da política,
percebemos duas principais configurações, subsequentes e sobrepostas, de casos (e
subsistemas de políticas): um delineamento inicial geral que procurou delimitar o subsistema
da política estadual de CT&I no Pará e, a partir deste, a identificação e delineamento posterior
específico de subsistemas de política vinculados às temáticas para enfrentamento das
desigualdades selecionadas para estudo em maior profundidade.
A delimitação inicial do subsistema da política estadual de CT&I no Pará, seguiu
operacionalmente as dimensões propostas por Sabatier (1993), conforme segue: (i) dimensão
territorial teve como diretriz a noção convencional21 de unidade federativa, referente ao estado
do Pará e as respectivas organizações de políticas localizadas no âmbito de seu governo

de caso como critério central ao desenho da pesquisa são denominados de métodos baseados em caso ou
pesquisas orientadas por caso (case-based methods ou case-oriented research), em alternativa a pesquisas
orientadas por variáveis (variable-oriented research). Embora ambas as alternativas de métodos articulem casos
e variáveis, a diferença para estes autores está na primazia conferida a cada instância no delineamento da
pesquisa, ou seja, na pesquisa orientada por caso, a definição do caso (ao invés de relações causais entre
variáveis) é o ponto de partida prevalente para a concepção do desenho da pesquisa.
21
Uma vez que buscamos analisar o processo político em uma esfera subnacional, consideramos que adotar a
divisão convencionalizada na organização política de divisão das unidades federativas seja apropriado à
pesquisa, contudo, reconhecemos que é uma fronteira empírica instrumental em relação ao caso (RAGIN, 1992),
que não necessariamente corresponde a admitir que a atuação de coalizões nos processos de política ocorra
plenamente no território convencionalmente delimitado, uma vez que determinados dados ou eventos podem ter
ocorrência concentrada em partes do território, enquanto outros o extrapolam.
65

estadual e; (ii) a dimensão funcional e substantiva corresponde aos atores e organizações


envolvidos no processo de política associado à temática de CT&I, cujo enfoque de
identificação esteve sob as principais organizações do governo estadual responsáveis por
programas desta temática nos planos plurianuais e do complexo de ensino superior e pesquisa.
Esta configuração foi a base para uma análise dos principais conteúdos e linhas
temáticas presentes em diretrizes e fomentados por instrumentos nesta política, na qual
buscamos discernir as ações para enfrentamento das desigualdades existentes. Por este
contorno, objetivamos uma primeira aproximação ao fenômeno de pesquisa, de forma a
proporcionar uma visão global do processo de política estadual e situar ações para o
enfrentamento de desigualdades nele, percebendo a abrangência e diversidade de dimensões
de enfrentamento existentes e sua extensão no conjunto de investimentos e ações do
subsistema da política.
A partir desta perspectiva geral, selecionamos duas temáticas específicas de
enfrentamento das desigualdades para estudo aprofundado, enquanto um nível de análise
subsequente. Deste modo, fizemos a delimitação para cada subsistema de política específico
às temáticas, em que procuramos identificar as coalizões defesa, por meio de seus sistemas de
crenças e seus recursos e estratégias mobilizados nas ações coletivas. Neste âmbito que
buscamos avançar nas respostas à questão de pesquisa sobre como ocorreram as articulações
entre atores nestas temáticas e a abrangência conceitual e material das ações promovidas.
Estes dois contornos de delimitação de subsistemas no âmbito da política paraense de
CT&I são esboçados no quadro 2.

Quadro 2 – Delineamento de subsistemas na política de CT&I no Pará por níveis de análise


Contorno de casos de
Descrição
análise
Este contorno de análise relaciona-se ao processo da política de CT&I
desenvolvida no âmbito do governo estadual do Pará, tendo como referência as
Subsistema de política
diretrizes do processo da política (Plano Diretor de CT&I, Plano Plurianual),
estadual de CT&I
relatórios institucionais das principais organizações e dados de execução
finalística.

Subsistemas de políticas Este contorno de análise corresponde a programas ou temáticas subsetoriais


estaduais de CT&I selecionados no processo estadual de CT&I no Pará, que englobem projetos e
temáticas com escopo atividades voltados para o enfrentamento de desigualdades. Seu escopo para
voltado ao enfrentamento mapeamento dos atores políticos envolverá analisar dos respectivos desenhos de
de desigualdades programa, planos, instrumentos, projetos (e respectivos relatórios) ou eventos.
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
66

Nesse desenho, temos dois níveis de análise de casos para estudo, um referente a uma
análise de contextualização e caracterização do subsistema da política estadual de CT&I, que
será o enfoque desenvolvido no capítulo 3; e, outro relacionado a análise mais aprofundada
dos subsistemas de políticas para enfrentamento das desigualdades, sendo os casos
selecionados os do subsistema da política de tecnologia assistiva (enfoque do capítulo 4) e do
subsistema da política de tecnologia social (enfoque do capítulo 5), com vistas a permitir
compreender como essas temáticas têm sido articuladas e efetivadas. Neste nível mais
detalhado de análises em que centraremos na identificação de coalizões de defesa,
operacionalizada a partir da percepção de crenças essenciais da política entre os atores
políticos em atuação nessas temáticas, e as distintas formas de coordenação de suas ações
coletivas.

1.3.2 A análise de discurso como suporte à identificação de coalizões de defesa

Coalizão de defesa é a categoria chave para agregação de atores políticos e


entendimento da ação coletiva destes no processo de política público pela ótica do quadro de
referência de CD. Pelo conceito anteriormente apresentado, as duas características principais
de uma coalizão de defesa relacionam-se ao compartilhamento de crenças sobre a política e a
existência de uma coordenação coletiva entre seus membros. Neste sentido, nossa análise de
coalizões procurou, por um lado, distinguir as crenças em atributos e instrumentos da política
de CT&I dos atores políticos e, por outro lado, compreender como estes se articulavam e
mobilizavam recursos no processo da política.
Pelo enfoque de ênfase cognitiva do quadro de referência, discernir as crenças dos
atores políticos é um ponto fundamental à pesquisa, e para nos auxiliar nesta atividade
optamos pelo método de ADC, como anteriormente indicado. Especificamente, a ADC é
comumente associada a autores como Fairclough, Wodak e van Dijk (CHILTON, 2007). Para
Fairclough (2005), a ADC não pretende fazer a análise de discurso por si, mas busca integrar
a análise de práticas discursivas e não discursivas para compreender as relações sociais, em
particular entender como mudanças nos discursos interagem com mudanças em elementos não
discursivos para transformação social. O autor (2007) destaca que os processos
governamentais e políticos são substancialmente baseados em uso de recursos de linguagem, e
que mudanças de direções e orientações em agências do governo tendem a se relacionar a
mudanças no uso da linguagem, ou seja, toda mudança social também possui uma faceta
discursiva. Um exemplo se refere à internalização de novos conjuntos de termos como
67

demonstrado na análise da reforma de orientação neoliberal na Inglaterra em que Fairclough


(2007) verificou a mudança de denominação de “beneficiário” ou “usuário” de serviços
públicos para “cliente” ou “consumidor” em discursos políticos.
Consoante à abordagem da AD, Fairclough (2001) ao desenvolver uma teoria social
do discurso, o assume enquanto prática social, e articula uma relação dialética entre o discurso
(prática social) e a estrutura social. Neste sentido, o discurso não somente é representação da
realidade, mas também apresenta efeitos constitutivos nesta, corroborando o pressuposto do
quadro de referência de CD sobre a capacidade das crenças dos atores políticos, a partir do
processo de politics, conformar o conteúdo negociado da política pública.
Assim, Fairclough (2008) defende que a mudança no discurso é parte da mudança
política, e a mudança política pode ser parcialmente compreendida em termos de efeitos
construtivos de disputas discursivas no processo de política. Porém, a mudança na política
não é somente a mudança no discurso, pois há outros elementos sociais também relevantes,
daí a importância indicada pelo autor em integrar o exame detalhado de textos (enquanto
prática social discursiva) com análise de práticas sociais não discursivas (programas e ações
efetivamente postos à prática) para compreensão da mudança social (FAIRCLOUGH, 2005).
Nesta perspectiva, segundo Fairclough (2001) em sua teoria social do discurso, o
discurso apresenta três funções: a construção de identidades e posições sociais do sujeito
(função identitária), a construção de relações sociais entre sujeitos (função relacional), e a
construção de sistemas de conhecimentos e crenças coletivas (função ideacional). Esta
terceira função do discurso entendemos se relacionar com o discernimento de sistemas de
crenças no âmbito do processo de política. Em sentido similar, em análises de discurso no
âmbito de políticas públicas, Taylor (1997) realça a relação entre texto, contexto e
consequências. A autora argumenta que a análise de discurso ao tratar de aspectos de
linguagem e significado pode ser aplicada para explorar contextos históricos no campo da
política, rastreando como problemas foram construídos e definidos: diferenças de
terminologias refletem contextos históricos específicos e seus elementos econômicos, sociais
e culturais, com implicações nas formas pelas quais conceitos são propostos, aplicados e
compreendidos.
Além disso, as contradições e conflitos de interesse do contexto também são refletidos
como discursos concorrentes que buscam pautar questões específicas na agenda, moldando a
forma como a política torna-se enquadrada nos conteúdos e linguagem dos documentos
políticos (TAYLOR, 1997). A noção de discursos concorrentes é enfatizada por Taylor (1997)
referente a uma faceta do processo da política como arena de conflitos sobre significados e
68

objetivos, no que remete a denominação de politics do discurso. A interação entre texto,


contexto e consequências também pode ser orientada a análise de resultados e impactos da
política, o que está vinculado a outro objetivo da presente pesquisa de averiguar a efetividade
de enfrentamento de desigualdades no processo da política de CT&I em termos de forma,
direção e intensidade das intervenções públicas.
Assim, entendemos que o método da ADC adere aos objetivos de operacionalizar o
exame do sistema de crenças das coalizões, bem como propicia mecanismos de diálogo entre
aspectos conceituais (práticas discursivas) e materiais (práticas não discursivas como
exercício de recursos materiais e estratégias de ação, assim como produtos e resultados da
política) no subsistema de política, consoante a questão de pesquisa proposta nesta tese. Para
tanto, algumas orientações próprias da ADC devem ser agregadas ao percurso teórico-
metodológico da pesquisa, as quais tratamos nesta seção.
Como mencionado anteriormente, a perspectiva da ADC traz uma conformação mais
detalhadamente entrelaçada entre estrutura social e as relações político-sociais advindas da
agência individual dos atores políticos que o aporte do quadro de referência de CD, cujo foco
está mais sobre esta última. Em uma perspectiva geral da análise de discurso, Gill (2002)
estabelece que o termo discurso é empregado para se referir a todas as formas de fala e textos
que, apesar da existência de diferentes abordagens, apresenta duas características básicas
compartilhadas: (1) a compreensão que a linguagem é construtiva e construída das/nas
relações sociais, havendo uma preocupação com a orientação da ação do discurso, entendido
enquanto prática social e; (2) uma ênfase à concepção que a fala e o texto são organizados
retoricamente, no sentido em que ao se relacionar a uma visão de mundo social caracterizado
pelo conflito, a natureza retórica do texto atribui uma finalidade persuasiva à organização
textual e ao exercício deste.
Nesta concepção de discurso enquanto prática social22, no âmbito da ADC, Fairclough
(2001) concebe que o discurso apresenta três dimensões para sua análise: uma diretamente
reconhecida que é o texto em si (linguagem oral, escrita ou visual); outra sendo a prática
discursiva (enfoque interacionista que toda linguagem/texto possui uma faceta de interação
entre sujeitos sociais) e; a prática social, que engloba a prática discursiva e demais elementos

22
Conforme Chouliaraki e Fairclough (1999) práticas sociais se referem a formas e maneiras habituais, em
tempos e espaços particulares (contextualmente situadas), pelas quais pessoas aplicam recursos, materiais ou
simbólicos, para agirem, e interagirem, conjuntamente no mundo. De forma geral, para Dahler-Larsen (2012) a
concepção de ações humanas enquanto prática social implica em tomar sobre estas uma perspectiva analítica
social e historicamente contextualizada, enfatizando seus aspectos interacionais e potencialmente contestáveis.
69

ou circunstancias não discursivas, sejam materiais, institucionais e organizacionais. Na figura


2, apresentamos graficamente estas três dimensões.

Figura 2 – Três dimensões de análise de discurso propostas por Fairclough

Fonte: Fairclough (2001).

Neste sentido, Fairclough (2001) define itens de exame para cada dimensão: (i)
análise do texto, denominada de dimensão descritiva, envolve o exame de itens de
vocabulário, gramática, coesão e estrutura textual; (ii) análise da prática discursiva, dimensão
analítica que busca vincular a análise de elementos textuais com um nível mais amplo de
práticas sociais dos atores, em termos da produção, distribuição e consumo dos textos em
análise. Seus itens de investigação contemplam a força dos enunciados constituídos, coerência
dos textos e intertextualidade e; (iii) análise da prática social, dimensão também analítica,
representa o lócus da interpretação de discursos que integra a análise das práticas discursivas
com práticas não discursivos de caráter econômico, político, cultural ou social, de acordo com
a orientação teórica social do pesquisador. Considerado o direcionamento da ADC para a
relação entre discurso e poder, Fairclough (2001) indica esta instância como correspondente à
reflexão dialética entre a prática social e estrutura social, recorrendo a itens de pesquisa de
ideologia23 e hegemonia24.

23
Fairclough (2001) adota o conceito de ideologia enquanto significações e construções da realidade (enquanto
mundo natural e de relações e identidades sociais) que são concebidas em múltiplas dimensões de formas e
sentidos das práticas discursivas e que contribuem para a produção, reprodução ou transformação de relações de
dominação.
24
Fairclough (2001, p. 122-123) indica que adota o conceito de hegemonia baseado em Gramsci em que
corresponde ao exercício de poder sobre uma sociedade que envolve tanto liderança quanto dominação de outras
forças sociais em domínios econômicos, políticos, ideológicos e culturais, porém somente é alcançado de forma
parcial e temporária, enquanto um equilíbrio instável. Neste cenário, os pontos de instabilidade do exercício de
poder representam os espaços de “lutas hegemônicas” para “construir, manter ou romper alianças e relações de
dominação/subordinação”.
70

Para Resende e Ramalho (2006) esta concepção de discurso enquanto prática social,
implica em considerá-lo como um modo de ação e representação historicamente situado, que
tanto é constituído socialmente como também é constitutivo de identidades sociais, relações
sociais e sistemas de conhecimento e crença. Portanto, todo texto (linguagem em uso) é visto
como produção social e historicamente situada que dizem respeito a nossas crenças, práticas,
ideologias, atividades, relações interpessoais e identidades. Essa concepção corresponde a
compreender que, por um lado, estruturas sociais organizam a produção discursiva nas
sociedades e, por outro, cada enunciado novo é uma ação individual sobre tais estruturas, que
pode tanto contribuir para a continuidade quanto para a transformação de formas recorrentes
de ação (RESENDE; RAMALHO, 2006).
Resende e Ramalho (2006) ainda ressaltaram que a vertente da ADC, em particular a
partir do trabalho de Chouliaraki e Fairclough (1999), reforçou a visão do discurso como um
momento constituinte das práticas sociais, que tem conduzido a uma menor centralidade da
análise no discurso em si, para uma abordagem mais interativa deste discurso nas práticas
sociais. Desta orientação analítica emerge a necessidade das análises dos textos serem
precedidas e integradas por análises das conjunturas sociais e políticas que os situem. Neste
sentido, realçamos duas diretrizes para pesquisa das autora, conforme expresso abaixo. A
primeira se refere a necessidade de considerar duas faces ou camadas de análise, uma
referente à conjuntura social sobre o problema em estudo e as práticas sociais específicas
relacionadas a este; e outra correspondente a análise textual, que poderiam envolver uma
diversidade de estratégias linguísticas quanto aos significados identitários, acionais ou
representacionais. A segunda se refere as práticas sociais apresentam quatro elementos ou
processos inter-relacionados que englobam o discurso (a expressão de processos de
significação ou proposição de significados sociais), a ação material, as relações sociais
(incluindo as interações e disputas de poder), e o fenômeno mental em indivíduos
(constituição e transformação de crenças, valores e desejos internos). Nesta concepção,
representada na figura 2, há uma descentralização da análise do discurso no âmbito da prática
social, e a explicitação de interações deste com outros elementos.
71

Figura 3 – Gráfico dos elementos de análise de práticas sociais.

Fonte: Adaptada pela autora a partir de Resende e Ramalho (2006).

Esta abordagem sobre práticas sociais ressalta uma perspectiva de discurso em


articulação e internalização com os demais elementos, estabelecendo assim as relações entre
discursos, enquanto ação e representação social, e crenças, enquanto fenômeno cognitivo
individual, que consideramos relevante ao entendimento do compartilhamento de crenças em
coalizões de defesa e a constituição de discursos políticos para ação coletiva destas. Bem
como, as interações entre processos de concepção conceitual e de significação de políticas
(por meio de crenças e discursos) e processos de realização material nestas (por meio de ações
materiais e relações sociais) são também realçados. Estas interligações entre processos de
concepção conceitual e realização material estão diretamente associadas a questão de pesquisa
de entender como têm sido articuladas ações para enfrentamento das desigualdades no
processo de política de CT&I e a abrangência conceitual e material que tais ações tem
alcançado.

1.4 DIREÇÕES PARA PRÓXIMOS CAPÍTULOS

Neste capítulo, focamos na apresentação de conceitos e quadro de referência voltados


à discussão e justificação da orientação teórica e suas interações para construção do percurso
metodológico da pesquisa. Consideramos relevante informar as diretrizes de análise de
política que nos orientaram no decurso desta tese para examinar a política de CT&I a partir de
um processo de politics que seja sensível a percepção de diferentes crenças e concepções da
relação entre CTS.
72

Ao considerar as categorias conceituais do quadro de referência de CD e as


orientações da ADC, antes de analisarmos o processo de política estadual de CT&I do Pará,
buscaremos fazer um exame da trajetória e conjuntura desta política de CT&I em uma
perspectiva de contextos de convergência internacional e de conformação de especificidades
nacional. Nesta trajetória, focaremos na investigação das principais concepções, atributos e
práticas situadas deste domínio de política, com vistas a conceber as principais orientações
discursivas neste, as quais são constitutivas e constituídas das/pelas crenças e ações dos atores
políticos. Este exame, objeto do capítulo 2, também comporá o que no quadro de referência
de CD foi denominado de parâmetros relativamente estáveis do sistema, principalmente no
que tange a expressar os atributos básicos da área e valores socioculturais nela enraizados por
seus atores políticos preponderantes.
Uma vez compreendida, em termos gerais, a trajetória da política de CT&I e seus
principais atributos e orientações discursivos é que contextualizaremos e caracterizaremos o
processo de política de CT&I do governo do estado do Pará no capítulo 3. Entendemos que,
assim, teremos uma visão mais situada deste e de sua interação com outros âmbitos da
política, ou seja, de como processos de ordenação política e social mais amplos interferem nas
práticas sociais estabelecidas e nas ações e crenças de seus atores políticos.
73

2 POLÍTICA CIENTÍFICA, TECNOLÓGICA E DE INOVAÇÃO: CONJUNTURA E


ORIENTAÇÕES DISCURSIVAS

Neste capítulo, procuramos fazer uma revisão de literatura sobre política de CT&I
direcionada a compreender a conjuntura e as principais orientações discursivas deste domínio
de política. Nosso foco está em proporcionar uma conjuntura do processo da política, que em
termos gerais, ilumine alguns parâmetros relativamente estáveis do contexto no qual o
subsistema de política, a ser analisado, está situado e; em termos específicos componha uma
matriz de referência de suas orientações discursivas principais, com vistas a auxiliar-nos na
identificação de crenças dos atores no processo da política em análise nesta tese.
Do ponto de vista da análise de conjuntura para compreensão dos parâmetros
relativamente estáveis, enfocamos a identificação dos atributos básicos do domínio da política
(CT&I) e das percepções sobre a questão da desigualdade e desenvolvimento no âmbito das
relações entre CTS. Neste sentido, a nossa revisão de literatura buscou contemplar a trajetória
histórica de conformação de políticas, considerando seus principais atores políticos e
concepções e atributos sobre CTS e práticas do processo de política. Nossa ênfase sobre as
concepções e atributos da política parte da noção já exposta, qual seja, que a política pública é
constituída enquanto tradução negociada de enfoques conceituais e analíticas de seus atores
políticos.
Assim, a partir da nossa reconstituição desta trajetória do processo da política pela
revisão de literatura, também procuramos distinguir diferentes orientações discursivas deste,
ao discernir noções normativas e abordagens conceituais e analíticas para proposição de uma
matriz de referência de discursos, a qual entendemos que nos auxiliará na identificação de
crenças de atores políticos e seu compartilhamento em coalizões de defesa. Neste sentido,
buscamos abranger tanto aspectos considerados como de crenças auxiliares da política
(regras, instrumentos e práticas estabelecidos na definição de agenda, formulação,
implementação e avaliação no âmbito da política de CT&I); quanto aspectos relacionados às
crenças essenciais da política (concepção de C&T, de modelo de inovação, de quem produz
conhecimento e tecnologia na sociedade; de quem são os protagonistas legitimados e do
escopo de política priorizado), estendendo até a visão do papel da C&T em um projeto de
desenvolvimento da sociedade (interações entre C&T e desenvolvimento e o enfoque sobre
desigualdades).
Cabe indicarmos que, diversos foram os termos identificados em nossa revisão de
literatura para distinguir tais concepções e visões representacionais sobre atributos da política
74

de C&T e de problemas relacionados as desigualdades, como paradigma (VELHO, 2011),


modelo cognitivo (DAGNINO, 2007; SERAFIM, 2008), racionalidade (DIAS, 2009), cultura
da política (ELZINGA; JAMISON, 1995) e discurso (LEVITAS, 2005; VIOTTI, 2008).
Embora estes termos possam ter conceitos e operacionalidades analíticas próprias, o ponto
comum que encontramos entre eles foi que abordaram a interpretação do processo da política
a partir de um primado das ideias (FARIA, 2003). E, como anteriormente mencionado nesta
pesquisa, nós seguiremos adotando para análise das concepções expressas e orientadoras da
ação coletiva, o conceito de discurso a partir da ADC, para dialogar com as elaborações
cognitivas e ideacionais, enquanto instâncias de interpretação, representação e ação no mundo
pelos atores políticos.
O roteiro de revisão da literatura que constitui esse capítulo tem, portanto, três (3)
seções: (1) a seção inicial perpassando as concepções de política de CT&I em uma
perspectiva mais abrangente de convergência internacional, proporcionando contextualização
mais geral; (2) a segunda seção, em que adotamos um recorte mais específico para voltarmos
nossa atenção às características distintivas da política de CT&I no Brasil, averiguando suas
aderências e singularidades à trajetória de convergência internacional e; (3) a terceira seção,
em que elaboramos proposta de composição da matriz referencial dos principais discursos
identificados.

2.1 CONCEPÇÕES DA POLÍTICA CIENTÍFICA, TECNOLÓGICA E DE INOVAÇÃO NA


PERSPECTIVA DOS PROCESSOS DE CONVERGÊNCIAS INTERNACIONAL

Inicialmente, esclarecemos que o que denominamos de política científica, tecnológica


e de inovação, refere-se a três atividades diferentes: ciência, tecnologia e inovação, para as
quais cabem algumas elucidações. Neal, Smith e McCormick (2008, p. 6) entendem que
ciência corresponde às atividades que buscam o conhecimento e entendimento da realidade
por meio de método sistemático específico (qual seja o método científico). Enquanto
tecnologia relaciona-se aos esforços, baseados no conhecimento existente, de criação e de
engenharia para alcançar resultados materiais específicos (NEAL; SMITH; MCCORMICK,
2008). Por fim, a inovação, neste contexto de política, seria o desenvolvimento, especialmente
por meio da aplicação dos conhecimentos científicos e tecnológicos, dos novos produtos,
75

serviços ou processos e sua introdução para aplicação na sociedade (COZZENS; BOBB;


BORTAGARAY, 2002)25.
Ao considerar essas diferentes atividades, Cozzens, Bobb e Bortagaray (2002) definem
a política científica e tecnológica, como consistindo de três áreas: (1) uma concernente a
políticas de pesquisa que contempla ações públicas para fomento a criação de novos
conhecimentos; (2) outra referente às políticas de inovação que incluem a ações públicas para
incentivar o desenvolvimento e introdução na sociedade de novos produtos ou processos com
base nos conhecimento científicos e tecnológicos existentes e; (3) a área de políticas de
formação de recursos humanos que procura assegurar profissionais (pesquisadores e
engenheiros) para atuar nas duas primeiras. Implicitamente transpassando estas áreas, estão as
políticas e processos regulatórios (COZZENS, 2007), que estabelecem regras,
enquadramentos e prioridades nas ações de pesquisa (científica ou tecnológica), inovação e
formação de recursos humanos.
Atualmente há certa naturalização na consideração conjunta de ciência e tecnologia
(C&T) em processos de política pública, e mais recentemente um crescente movimento de
acréscimo e explicitação da inovação (CT&I) nestes. Por isso, propomos como passo inicial
da aproximação conceitual à política de CT&I, situar como decorreu sua evolução e
compreender como se construiu as inter-relações entre estas atividades, ao mesmo tempo em
que se moldaram suas distinções analíticas.
Embora a Revolução Científica, no século XVII, e a Revolução Industrial, iniciada no
século XVIII, tenham se instaurado de forma relativamente independente, passaram por um
processo de fecundação recíproca, particularmente com advento da segunda Revolução
Industrial, de modo que a associação sistemática entre ciência e tecnologia se materializa, e
crescentemente se acentua no decorrer da segunda metade do século XX (DAGNINO, 2008).
A interpenetração entre ciência e tecnologia ocorre em mútuo sentido. Por um lado, o
impulso na acumulação de capital proporcionado pelo progresso técnico, seja por aumento de
produtividade, seja por geração de novos produtos, serviços e negócios, conduz a uma
mudança técnica26 que cada vez mais incorpora conhecimentos científicos e desenvolvimento
tecnológico. A aceleração atual deste processo de incorporação em inovações de
25
Neste âmbito, Neal, Smith e McCormick (2008, p. 6) ainda introduzem dois conceitos frequentemente
articulados: pesquisa e desenvolvimento. Pesquisa enquanto processo de estudo sistemática através do qual
proposições teóricas e metodológicas científicas são desenvolvidas e avaliadas para aumentar o conhecimento ou
entendimento em determinada temática. E, desenvolvimento como o uso sistemático do conhecimento, advindo
da pesquisa, aplicado à produção de materiais úteis, recursos, sistemas ou métodos, incluindo projeto e
desenvolvimento de protótipos e processos.
26
Mudança técnica, ao ser caracterizada pela intensa apropriação de conhecimento científico e desenvolvimento
tecnológico, passa a ser recorrentemente denominada de inovação tecnológica.
76

conhecimentos científicos resulta em substanciais pressões pela redução do tempo e das


instâncias de mediação entre a emergência de um novo conhecimento e de uma inovação no
sistema capitalista contemporâneo, enfraquecendo o sentido de cortes temporais e espaciais
que diferenciavam a realização da pesquisa básica e aplicada27 (DAGNINO, 2008).
Por outro lado, ao mesmo tempo em que o conhecimento científico produz novas
tecnologias, estas tecnologias também engendram as bases (instrumentais, informacionais
etc.) pelas quais se constroem novos conhecimentos científicos, de forma que a cada vez mais
tecnologia é incorporada no fazer científico (LATOUR; WOOLGAR, 1997). Essas
vinculações conduzem a um paulatino processo de conexão entre ciência e tecnologia, e ao
tratamento conjunto dessas atividades no âmbito político (DAGNINO, 2008).
Assim, em um contexto de já considerável interpenetração entre ciência e tecnologia
no final da II Guerra Mundial, é que ocorre a institucionalização enquanto área de política
pública explícita em diversos Estados-nações das chamadas políticas científicas e
tecnológicas, sendo produto da interação gradual de diferentes iniciativas científicas,
industriais e políticas desenvolvidas desde o século XVII até ganhar maior reconhecimento
governamental no século XX (ELZINGA; JAMISON, 1995).
Para Velho (2011), a origem de institucionalização da política C&T28 é atribuída a
emergência de uma percepção pública sobre a ciência orientada pela crença que, os avanços
do conhecimento científico em suas diversas disciplinas, podem superar limitações e resolver
problemas das sociedades, até então sem solução. Essa crença teria sido fortemente
influenciada pelo desempenho dos esforços científicos e tecnológicos voltados às indústrias
de defesa e atividades militares do período entre Guerras e da II Guerra Mundial, como
exemplo expressivo o Projeto Manhattan. Portanto, a ciência assumia espaço de atenção dos
governos, com vistas a dirigir os resultados das pesquisas para seus objetivos, principalmente
sob amparo dos modelos normativos e institucionais desenvolvidos nos Estados Unidos da
América (EUA) e no Reino Unido, países vitoriosos da II Guerra Mundial.

27
A distinção entre pesquisa básica e pesquisa aplicada foi desenvolvida no âmbito da concepção da cadeia
linear de inovação, como etapas separadas tanto por uma dimensão temporal, quanto por uma dimensão espacial
(DIAS, 2005). A pesquisa básica seria uma etapa inicial, cujo objetivo é obter conhecimento sobre determinada
temática, sem considerações de uso ou aplicações especificas em termos de produtos ou processos, sendo
desenvolvida por universidades e institutos de pesquisa (NEAL; SMITH; MCCORMICK, 2008). A pesquisa
aplicada seria desenvolvida a partir da pesquisa básica (como etapa posterior) para atender alguma necessidade
reconhecida específica, sendo preponderantemente desenvolvida dentro de empresas e seus laboratórios (NEAL;
SMITH; MCCORMICK, 2008), principalmente no contexto de países de capitalismo central.
28
Embora Velho (2011) utilize em todo seu artigo o termo geral de política de CT&I para tratar da evolução
histórica do campo, nós adotaremos inicialmente o termo de política de C&T para o primeiro momento,
passando a explicitar CT&I, somente quando entendemos que ocorre a inserção de políticas específicas para
inovação neste domínio político.
77

Concernente a tal motivação de institucionalização, cabe mencionarmos as duas faces


complementares ressaltadas por Neal, Smith e McCormick (2008) sob enfoque da política
científica: a da Ciência para Política (Science for Policy) e a da Política para a Ciência (Policy
for Science)29. A primeira faceta confere um sentido de política meio à C&T, ao focar no uso
do conhecimento para melhorar a tomada de decisão pública e superar problemas em outras
áreas de políticas, como saúde, meio ambiente e energia. Uma vez legitimado o fomento à
C&T pelos benefícios potenciais contidos nesta primeira dimensão (ciência para política), a
segunda face corresponde ao desenvolvimento de uma política para regular, subsidiar e
supervisionar a condução da ciência, no que tange ao financiamento e à constituição de
estruturas para busca sistemática de conhecimento na sociedade.
A institucionalização de políticas para C&T após a II Guerra Mundial também é
marcada por um processo de difusão internacional desta, pois, como ressalta Velho (2011), há
um movimento de implantação deste domínio de política em diferentes países com adoção de
visões similares, em termos de organização institucional, foco, instrumentos e formas de
gestão, que estão associados com o próprio conceito dominante de ciência, o qual tende a ser
também internacionalmente disseminado. Por conseguinte, a autora propõe que a política de
C&T comporta um processo de convergência internacional, sendo orientada pelas concepções
dominantes sobre a ciência e o fazer científico e tecnológico, em cada período.
Contudo, cabe ressalvarmos que, embora Velho (2011) proponha um predomínio
global do que denominou de paradigma da política de CT&I em cada período temporal na
trajetória histórica da política, os períodos de enquadramento e a intensidade do predomínio
de cada concepção sofrem variações pelos distintos processos de difusão e interação social
nos contextos específicos de cada país. Assim, a trajetória conceitual da política de CT&I,
vista pela perspectiva de convergência internacional, por um lado, procura mostrar os
movimentos similares em diferentes países a partir dos processos de influência e difusão
internacionais; por outro lado, devido ao seu amplo nível de abstração, perde sensibilidade às
características específicas de cada país. Por isso, a perspectiva geral desta seção, não dispensa
um olhar sobre os processos nacionais específicos, de modo que na seção seguinte, faremos
elucidação sintética da trajetória de concepções no contexto brasileiro. Como ponderam

29
Estas duas faces da política científica foram originalmente mencionadas em um relatório da OCDE para
aconselhamentos dos países membros sobre política pública de ciência e tecnologia de 1961 (KING, 1972).
78

Elzinga e Jamison (1995), embora encontremos certa convergência internacional30 na política


de C&T, cada país desenvolve padrões de interação e de processos de política distintivos.
Por fim, cabe esclarecermos que a ascensão e predominância de uma concepção na
política (bem como na C&T) em determinado período, não implica na automática supressão
de concepções anteriores, as quais podem permanecer sendo articuladas por parte de atores no
campo. Neste sentido, a visão da trajetória temporal que empreendemos visa subsidiar a
compreensão de como distintas concepções de política de CT&I foram se conformando ao
longo dos períodos, de modo a compor distintas crenças e concepções atuais.

2.1.1 A institucionalização da política de C&T e a constituição da “C&T como motor do


progresso”

Na proposta de paradigmas da política de CT&I apresentada por Velho (2011), a


primeira concepção identificada foi a da “ciência como motor do progresso”, distintivo da
fase de institucionalização da política e presente nos modelos normativos e institucionais
dominantes à época do final da II Guerra Mundial, particularmente dos EUA e Reino Unido.
Estes modelos foram extensamente difundidos entre governos de outros países
industrializados e, mesmo entre os países ditos em desenvolvimento em seus respectivos
processos de institucionalização de política de C&T, com apoio da atuação de organismos
internacionais, principalmente a Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) e a Organização das Nações Unidas para a Educação e a Ciência e a
Cultura (UNESCO) (VELHO, 2011).
Entre as características de concepção de ciência deste período está a defesa da
autonomia da ciência, sob influência da abordagem sociológica de Robert Merton, na qual a
comunidade científica deve atuar como ator dominante da política (VELHO, 2011). Conforme
Sismondo (2010), Robert Merton adota uma abordagem funcionalista-estrutural da sociedade,
onde a ciência figurava entre suas instituições fundamentais, tal como a religião e o Estado.
Nesta perspectiva, a ciência enquanto instituição específica e unificada, demandava uma
determinada estrutura e norma social para cumprimento de sua função, entendida como a de
garantir a ampliação do conhecimento certificado à sociedade (SISMONDO, 2010). Pelo foco
normativo da visão funcionalista, para se garantir o funcionamento adequado da ciência e a

30
Elzinga e Jamison (1995) ressaltam especificamente a proeminência do progresso técnico baseado em ciência,
e a globalização da produção do conhecimento com agendas de pesquisas orquestradas por corpos e
organizações internacionais.
79

entrega de conteúdo certificado à sociedade, era necessário assegurar o atendimento do


comportamento e conduta do cientista a uma estrutura e normas sociais estabelecidas, que por
suas características, a seguir expostas, excluiu dos limites da análise sociológica o conteúdo
em si produzido pela ciência (VELHO, 2011; SISMONDO, 2010).
As quatro (4) as normas mais relevantes da estrutura social que comporia o
denominado ethos da ciência proposto por Robert Merton seguem expostas no quadro 3. No
bojo destas normas sociais da ciência está a noção de neutralidade da ciência que,
acompanhada de certa confusão entre a abordagem normativa (como os cientistas deveriam
agir) e a descritiva (como os cientistas efetivamente agem), tornou obscuro a percepção das
inevitáveis influências sociais no fazer científico (DAGNINO, 2008).

Quadro 3 – Principais normas sociais da ciência propostas por Robert Merton

Normas Descrição

Representa que o critério para avaliação de uma reivindicação científica não pode
relacionar-se à identidade de quem formula tal reivindicação, independente da origem
étnica, nacionalidade, religião ou classe (entre outras características pessoais). Esta
Universalismo norma supõe uma impessoalidade científica, sendo o conhecimento produzido verificado
somente por critérios de objetividade científica (normas cognitivas sobre regras de
evidências e estruturas teóricas de domínio de cientistas especialistas em temáticas). Um
exemplo de prática baseada nesta norma está nas avaliações por sistemas de peer review.

Reconhece que o conhecimento científico é coletivamente produzido, uma vez que todo o
desenvolvimento científico atual se baseia extensamente em resultados de diversas
pesquisas anteriores. Nesta perspectiva de construção coletiva, o conhecimento científico
Comunismo
é entendido como um bem comum, que deve ser amplamente publicizado para permitir o
acesso ao máximo de outros cientistas, os quais a partir deste poderão continuar
expandindo o conhecimento.

Refere-se a regra de conduta pela qual o cientista deve se eximir de seus interesses
Desinteresse pessoais ao desenvolver suas atividades científicas, uma vez que tais tipos de interesses
eram as causas fundamentais de comportamentos de fraudes.

Tendência da comunidade científica de questionar sistematicamente novas reivindicações


Ceticismo
até que se tornem bem estabelecidas, ao passar por diferentes tipos de arranjos
Organizado
institucionais de avaliação.
Fonte: Adaptado pela autora a partir de Sismondo (2010).

Para Dagnino (2008), a origem da ideia de neutralidade da ciência localiza-se nas


condições de surgimento da ciência, em um contexto de contraposição ao pensamento e
conhecimento de base religioso, o qual não seria neutro ou inseparável de suas práticas sociais
e crenças pretéritas. Com a ascensão e predomínio da orientação positivista da ciência, este
entendimento de neutralidade foi reforçado pela alegada necessidade (e possibilidade) de
80

supressão da subjetividade dentro dos limites de uma objetividade científica guiada por uma
lógica própria, autônoma dos processos sociais e conceitos valorativos (DAGNINO, 2008).
Relacionada ao conceito de neutralidade da ciência, estava a concepção de
determinismo tecnológico31, pelo qual a mudança tecnológica é considerada determinante da
mudança social, uma vez que o nível de desenvolvimento tecnológico estabelece os limites
potenciais do que uma sociedade pode produzir ou fazer (DAGNINO, 2008; AULER;
DELIZOICOV, 2001). Esta noção está associada a tese de que o progresso tecnológico
percorre um caminho linear progressivo, de forma que uma tecnologia apresenta uma
configuração de funcionamento e nível de eficiência ótimos definidos por características
internas, independente de influências e relações sociais a serem estabelecidas (AULER;
DELIZOICOV, 2001).
A visão da ciência como livre de valores, enquanto base de sua concepção, busca
desvincular a produção científica (e a tecnológica relacionada) dos seus contextos sociais,
políticos e econômicos, o que conduz a um movimento de “despolitização” da ciência e da
própria política de C&T, a qual pende a uma postura tecnocrática32 (DAGNINO, 2008;
ELZINGA; JAMISON, 1995). Estas crenças sobre o ethos da ciência e concepções
deterministas da tecnologia tiveram forte difusão não somente entre a comunidade de
pesquisa, como também influenciaram a concepção de ciência e de política de CT&I do senso
comum, legitimando socialmente a posição de cientistas e pesquisadores, enquanto grupo
dominante no domínio da política (DAGNINO, 2008).
A direção destas normas de funcionamento da ciência orientou as práticas de produção
e avaliação científicas e tecnológicas centradas nos próprios cientistas, enquanto únicos atores
da sociedade devidamente treinados e disciplinados àquelas (VELHO, 2011). Assim, Velho
(2011) indica que nesta concepção de política de C&T, o Estado era o principal financiador da
expansão do conhecimento científico, visto como bem comum, e delegava aos cientistas
(membros habilitados da sociedade) as funções de seleção de pesquisas (geralmente por meio
de conselhos científicos), produção, e avaliação, por meio de revisão de pares. Deste modo, a
autora assevera que a comunidade científica exercia grande poder na distribuição de recursos,

31
Contrapõe-se à noção de determinismo tecnológico tanto a visão de determinismo social, quanto a visão da
adequação sociotécnica, que serão posteriormente descritas.
32
Para Auler e Delizoicov (2001), a perspectiva tecnocrática de tomada de decisão está baseada em dois axiomas
do que denomina de cientificismo, o da superioridade teórica do conhecimento científico sobre outras formas de
conhecimentos para explicar a realidade, e o da superioridade prática do conhecimento científico para propor
soluções a problemas situados desde o campo técnico ao campo social e ético. Este tipo de concepção, portanto,
não admite a existência de ambiguidades e controvérsias (inclusive científicas) na resolução de problemas na
sociedade, bem como tal intolerância a ambiguidades reduz a propensão a práticas democratizantes ou
participativas na busca de soluções aos problemas sociais ou tecnológicos (AULER; DELIZOICOV, 2001).
81

e prestava contas preponderantemente a si própria, não havendo instrumentalizado na política


meios de controle social direto por outros atores sociais.
Elzinga e Jamison (1995) corroboram com este protagonismo de pesquisadores,
indicando prevalência da cultura acadêmica ou científica na articulação da política de C&T
deste período, cujos membros assumiram posições estratégicas como direção de agências e
conselhos de pesquisa, consultores especialistas (experts) em políticas, e gestores de grandes
projetos, laboratórios e programas de P&D financiados.
Especificamente sobre a concepção do sistema de avaliação implantado na política (o
qual enfatizava um nível micro, sobre projetos e desempenho de pesquisadores), Fonseca
(2009) argumenta que a adoção do modelo de avaliação por pares na política de C&T
conformou uma confusão entre a avaliação de resultado das pesquisas, com a avaliação de
resultados e impactos da política pública. Pois, tal sistema centrou-se na primeira forma de
avaliação, em que cientistas articulam maior domínio, e obscureceu resultados e impactos
quanto a verificação dos supostos benefícios sociais alcançados pelo fomento e ação pública
(FONSECA, 2009).
Isso relaciona-se a outra característica da relação entre C&T e sociedade deste
período, que se referiu ao modelo conceitual de desenvolvimento de inovação, chamado
modelo da cadeia linear de inovação. O enfoque da cadeia linear da inovação tem como
referencial o relatório “Science: The Endless Frontier” entregue em 1945 ao presidente Henry
Truman por Vannevar Bush, à época diretor do Escritório de Pesquisa e Desenvolvimento
Científico do governo norte-americano (DIAS, 2005; VELHO, 2011).
O modelo da cadeia linear de inovação sugere que o processo de inovação percorre
uma trajetória linear iniciada na geração de conhecimento científico por meio da pesquisa
básica, posteriormente passando pela pesquisa aplicada, para, então, transcorrer o
desenvolvimento tecnológico e sua incorporação pela inovação tecnológica em produtos e
serviços a serem produzidos e difundidos na sociedade, sendo que tal inovação promoveria o
crescimento econômico e, por sua vez, resultaria em melhoria do bem estar social
(DAGNINO; THOMAS, DAVYT, 1996; DIAS, 2005; VELHO, 2011).
Para Dias (2005), esta concepção subordinou a inovação e o desenvolvimento
tecnológico à ciência, particularmente ancorando o papel da pesquisa básica ao alcance de
objetivos mais amplos de desenvolvimento nacional. Além disso, cada elemento da cadeia era
visto como correspondendo a dimensões temporais distintas, com lógicas próprias e fronteiras
institucionais específicas, em que a concretização de uma etapa seria condição necessária e
suficiente para a consolidação do elemento seguinte, de modo que a ciência era o ponto de
82

partida para alcance do desenvolvimento social, em uma visão mecanicista e mediante uma
determinação praticamente automática (DIAS, 2005).
Decorrente do modelo linear, a racionalidade da política de C&T assume uma ênfase
na oferta de conhecimento científico, o qual ao seguir o fluxo linear seria, por suposto,
transferido a cada elemento até atingir os setores produtivos (racionalidade ofertista). Desta
forma, o escopo da política estava focado na política científica, e seus principais instrumentos
visavam o fortalecimento de capacidades de pesquisa, como fomento à infraestrutura,
formação de recursos humanos e projetos de pesquisa (DIAS, 2005, VELHO, 2011).
Nesse âmbito, ao considerar a combinação das concepções de neutralidade da ciência
e de determinismo tecnológico, características de uma abordagem positivista, assim como do
modelo linear de geração de inovação, o papel da C&T estava associado a um projeto de
desenvolvimento da sociedade para o qual proveria conhecimentos certificados e soluções
técnicas para problemas sociais e de intervenção por meio de políticas públicas (SALOMON,
1995). Essa concepção universalista e determinística de C&T era funcional dentro de um
modelo de desenvolvimento também difundido nos anos de 1950, que tem entre seus
proponentes Rostow33, para quem a trajetória de desenvolvimento econômico seria descrita
por uma trajetória única e linear composta por uma sequência de etapas históricas34, que seria
comum a todos os países (MACEDO, 2007). Macedo (2007) defende que este modelo de
desenvolvimento teve forte influência na política externa norte-americana no período da
Guerra Fria, em particular na promoção de intervenções modernizantes junto a países
periféricos (até então não industrializados), para as quais haveria uma condição vantajosa pela
disponibilidade de um acervo já acumulado de tecnologia, desenvolvido nos países
industriais.
Nesta concepção, a C&T permanece fundamentalmente direcionada a uma perspectiva
de desenvolvimento entendida enquanto produto imediato e automático do crescimento
econômico, proporcionado pela industrialização e produção em massa. Para Cozzens (2007),
tal visão conduziria a uma orientação de justiça social fortemente agregativa, que tendia a
negligenciar as consequências distribucionais nas políticas de C&T (e de outros domínios de
políticas). No âmbito de estudos e projetos de intervenções de desenvolvimento, a orientação
agregativa focava o alcance de altos níveis de crescimento econômico como a estratégia mais
33
Macedo (2007) faz uma revisão crítica da perspectiva de desenvolvimento econômico defendida por Rostow,
citando como sua principal obra o livro "As etapas do desenvolvimento econômico" de 1961.
34
Rostow propunha uma trajetória com cinco (5) etapas históricas dos países em direção à maturidade
econômica e tecnológica que contemplaria, partir de uma etapa inicial (1) de sociedade tradicional, a passagem
por fases de (2) precondições para o arranco (take-off), (3) o arranco, (4) a marcha para a maturidade, até alcance
da (5) era do consumo em massa (MACEDO, 2007).
83

adequada para o combate à pobreza absoluta, mesmo reconhecendo que o receituário de tal
estratégia poderia elevar níveis de desigualdade na sociedade, considerado, à época, um efeito
colateral que deveria ser tratado posteriormente (RAVALLION, 2005; 2014).
Especificamente no domínio da política de CT&I, a ausência de preocupação distribucional
reforçada pela noção da neutralidade da ciência conduzia à crença, mencionada por Cozzens
(2007), de que cabe a esta política produzir riqueza, e às demais políticas distribuí-la.
Cabe recordarmos, entretanto, que embora a política de C&T tivesse seu processo
decisório centrado em atores da comunidade científica, não implica afirmar que a C&T desse
período era efetivamente alheia à interferência social, ou seja, a interesses econômicos e
políticos de grupos sociais, que orbitavam em torno do sistema político ou aos quais os
próprios cientistas pertenciam (CARLOTTO, 2013). Carlotto (2013) exemplifica o próprio
sistema de financiamento público da ciência estabelecido como explicado por expectativas
políticas e econômicas predominantes na sociedade sobre resultados da C&T, como o foi
preponderante, por exemplo, na área de defesa dos EUA.
Na década de 1960 emergem questionamentos sobre algumas concepções chaves até
então utilizadas, como a de neutralidade da ciência e do determinismo tecnológico,
impulsionados tanto pela compreensão da construção social da ciência e das trajetórias
sociotécnicas, quanto pela percepção de consequências negativas imprevistas do
desenvolvimento tecnológico. Tais questionamentos sobre o conjunto de concepções
desenvolvidas, que entendemos como o discurso predominante da política de C&T até então,
introduzem um período que desestabilização deste e abertura para a constituição e disputas de
discursos alternativos.

2.1.2 Contestações ao discurso predominante e aberturas para a constituição de


discursos alternativos

Este período de acordo com a evolução histórica proposta por Velho (2011)
corresponde as décadas de 1960 e 1970 no contexto internacional da política de C&T. Embora
Velho (2011) apresente este período como um segundo paradigma (“ciência como solução e
causa de problemas”) no domínio da política, na perspectiva da constituição de disputas
discursivas, nós compreendemos que houve uma desestabilização na hegemonia do discurso
da ciência como motor do progresso, por críticas aos seus fundamentos, de modo que abriu-se
oportunidades para desenvolvimento de discursos alternativos até uma nova estabilização da
política em um novo discurso dominante.
84

Elzinga e Jamison (1995) ao fazer a análise da política de C&T pelas culturas políticas,
haviam identificado que o ambiente da política no período anterior tendia a uma
"despolitização" em função das concepções de neutralidade e valores tecnocratas associados a
cultura acadêmica prevalecente. Contudo, os autores também observaram, a partir da década
de 1960, um período intermitente de repolitização, com maior abertura a outras culturas no
domínio da política em nível internacional, em particular enfocando os EUA, Canadá e
Europa ocidental, destacaram a incidência da cultura burocrática, empresarial e de
movimentos sociais.
Este movimento de questionamento do discurso predominante até então é realçado por
Velho (2011), por um lado, enquanto relacionados à intensificação da degradação ambiental e
de seus efeitos na vida cotidiana das sociedades (poluição do ar, água e solo por substâncias
tóxicas), a permanente concentração de renda e movimentos de trabalhadores que perdiam
empregos pela intensificação tecnológica industrial. O que para a autora conduziu a uma
contestação da visão unicamente positiva dos impactos da C&T na sociedade e, portanto, da
legitimidade da suposta autonomia da ciência, de modo a propiciar um contexto de
problematização da relação entre C&T e sociedade e da necessidade de avaliação sobre o
conteúdo em si da ciência. Estes questionamentos, por outro lado, estabeleceram as bases para
emergência do campo de Estudos Sociais da C&T e contestações internas na comunidade
científica dos fundamentos de neutralidade e determinismo da C&T (VELHO, 2011).
Os estudos sobre a construção social da C&T, principalmente desenvolvidos a partir
de microanálises e com foco na conformação do conteúdo da ciência elaborado coletivamente
e negociado entre os cientistas, evidenciaram que os imperativos das relações sociais,
econômicas e políticas forjam o ambiente em que é gerado o conhecimento científico e
tecnológico, de modo que características fundamentais deste contexto social (incluindo
valores e interesses de grupos sociais dominantes) são internalizadas ao conhecimento, para
que este torne-se funcional àquele (DAGNINO, 2008).
Esta compreensão de construção social da C&T opunha-se tanto à concepção de
neutralidade da ciência, quanto também à noção de determinismo tecnológico, pois pressupõe
a tecnologia como um construto sociotécnico, o qual apresenta características de natureza
técnica consubstanciadas a condições sociais de seu desenvolvimento, como aspectos
econômicos, relações de poder, disponibilidade de recursos, regras institucionais, entre outros
(DAGNINO, 2008). Deste modo, o contexto da sociedade (econômico, social, político,
cultural, ambiental) em que uma tecnologia é desenvolvida influi no conteúdo tecnológico em
si projetado, e não somente em sua forma de uso. Nestas bases conceituais, há possibilidades
85

de desenvolvimentos tecnológicos alternativos, responsivos a distintas condições e contextos


sociais; assim como, a relação entre desenvolvimento tecnológico e mudança social não pode
mais ser considerada linear e de direção única, mas um imbricamento de influências mútuas.
No entanto, cabe mencionarmos que tais proposições sobre a não neutralidade
científica ainda se desenvolveram enquanto campo de contestações no decorrer deste período.
Mas, esta perspectiva de questionamentos e proposições da construção social da C&T conduz
a sensibilização de outros atores políticos quanto a necessidade de controle social da C&T em
um movimento no sentido de sua politização (ELZINGA; JAMISON, 1995).
Velho (2011) destacou neste movimento uma confrontação à elevada autonomia dos
cientistas na definição de suas agendas de pesquisa, as quais deveriam ser aproximadas por
sinais de relevância de atores da sociedade. No entanto, a racionalidade de geração de
inovação permaneceu ainda concebida de forma linear, alterando-se somente o sentido
direcional sugerido, que passava a ser normativamente proposto como “demand pull”, ou seja,
seria a sociedade, por seus meios instrumentalizados (notadamente os mecanismos de
mercado em países capitalistas) que deveriam orientar os desenvolvimentos tecnológicos e
científicos necessários.
Entretanto, para efetividade desta vinculação da agenda de pesquisa de C&T às
demandas de outros atores e mecanismos sociais externos à ciência, pronunciou-se enquanto
alternativa na política à necessidade de criar incentivos aos pesquisadores a atenderem
demandas da sociedade, preponderantemente do setor industrial, estabelecendo-se a noção de
Política de C&T vinculacionista (VELHO, 2011).
Esta característica do vinculacionismo também foi emulado no contexto dos países
periféricos latino americanos. Segundo Dagnino, Thomas e Davyt (1996), as empresas locais
nestes países apresentavam limitadas trajetórias tecnológicas, seja pela industrialização
baseada na substituição de importação (foco em produtos e serviços existentes), com a
aquisição de pacotes tecnológicos, muitas vezes das matrizes de multinacionais instaladas,
seja pelas políticas e condições macroeconômicas periféricas, desfavoráveis à inovação (juros
elevados, dependência econômica e tecnológica). Portanto, a difusão e articulação interna da
concepção do “demand pull” nestes países, diante de uma realidade de ausência de demandas
empresariais sobre o sistema de C&T local, levou a realçar o papel vinculacionista da política
de C&T, onde a promoção de interações entre as universidades e institutos de pesquisas e o
setor produtivo ficou a cargo dos primeiros, os quais deveriam produzir C&T com foco na
realização de transferências tecnológicas (DAGNINO; THOMAS; DAVYT, 1996). Na
86

próxima seção, quando tratarmos especificamente da trajetória da política no Brasil,


voltaremos ao conceito de vinculacionismo.
Ao considerar este cenário da política de C&T, Velho (2011), assinala que a ênfase do
processo de política de C&T voltou-se à política tecnológica, e, apesar da comunidade
científica atuar como ator principal na condução e implementação da política, passou a
exercer uma autonomia restrita nos países centrais, uma vez que ocorreu o fortalecimento de
outros atores, em especial dos burocratas e políticos, participantes já tradicionais de outras
áreas de políticas.
Neste período, também observamos iniciativas de desenvolvimento tecnológico
alternativos, associadas a movimentos sociais ou a contextos periféricos, que Thomas, Juarez
e Picabea (2015) irão denominar de uma primeira geração de tecnologias para inclusão social.
Os autores destacam três (3) proposições conceituais de tecnologias concebidas a partir de
1960, senão vejamos. Em primeiro lugar, as tecnologias democráticas, cuja ideia surgiu de
questionamentos que tecnologias geradas para produção em larga escala, implicavam na
internalização de conceitos amparados em decisões centralizadoras, verticais e autoritárias.
Por isso, sua proposta caracterizava-se por um desenvolvimento tecnológico voltado a
pequena escala, com processos de tomada de decisões em nível comunitário e uso discreto de
recursos naturais. Em seguida, as tecnologias intermediárias focadas no desenvolvimento de
pequenas indústrias focadas no atendimento a mercados locais, com tecnologias maduras e
uso intensivo de materiais primas e mão-de-obra disponíveis principalmente em países
considerados subdesenvolvidos, o que pretendia também resolver problemas de desemprego.
A terceira se refere as tecnologias apropriadas, conceito mais amplamente difundido entre
estes, baseava-se na noção de seleção de tecnologias focalizadas em características e
necessidades das comunidades de usuários. Seus atributos chaves correspondiam a
tecnologias maduras, de baixo custo e intensidade de conhecimento científico e tecnológico,
cujas instalação e equipamentos fossem simples e intensivas em mão-de-obra, geralmente
aplicada a escalas reduzidas, como comunitária ou familiar.
Parte dessas concepções de composição e intervenção tecnológicas traziam em seu
bojo discussões de projetos de desenvolvimento sobre um enfoque de sistema centro-periferia,
como aquelas articuladas pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
(CEPAL), que questionavam a noção de trajetória única e estágios comuns de
desenvolvimento (MACEDO, 2007). Thomas, Juarez e Picabea (2015) realçam que, nas
décadas seguintes, o conceito de tecnologias apropriadas passou a ser incorporado em
intervenções de projetos de desenvolvimento, financiados por agências multilaterais ou
87

governamentais, e programas de assistência internacional a países classificados como


subdesenvolvidos. Contudo, em geral, esses projetos receberam críticas por assimilar um
modelo de implementação top-down de transferência tecnológica e uma noção ortodoxa de
eficiência que limitavam o desenvolvimento produtivo ao inibir inovações e o aproveitamento
de conhecimentos e tecnologias dos atores sociais locais, tendendo a consolidar uma
dependência tecnológica de países periféricos a trajetórias centrais (THOMAS; JUAREZ;
PICABEA, 2015). Deste modo, não obstante essas concepções trouxessem contestações ao
modelo de desenvolvimento de trajetória única e linear, ainda carregavam uma noção
tecnológica neutra e determinista.
As reivindicações contrárias a neutralidade científica e determinismo tecnológico, bem
como as repercussões de impactos negativos de tecnologias na sociedade implicavam em
contestações aos modelos de interação entre a C&T e o desenvolvimento. Era preciso
considerar que o avanço no desenvolvimento científico e tecnológico não necessariamente
coincidiria com o progresso social e moral (SALOMON, 1995). O entendimento das
interações entre C&T com o desenvolvimento da sociedade precisava incorporar novos
modelos analíticos, com elementos estruturais e conjunturais, que o afastasse de visões mais
simplistas de linearidade e determinismo, trazendo em seu bojo a complexidade efetivamente
envolvida nestas relações.
Por fim, em termos de procedimentos de avaliação da política de C&T, embora o
processo de avaliação por pares tenha permanecido como o principal mecanismo, as
contestações sejam de impactos negativos de tecnologias, seja pela necessidade de
atendimento a demandas, provocaram o desenvolvimento de novas metodologias e
instrumentos de avaliações tecnológicas. Sediadas em geral por unidades governamentais,
estes instrumentos visavam identificar setores com demandas de conhecimentos (estudos e
prospecções tecnológicas), ou analisar resultados e impactos de programas tecnológicos.
Godin (2003) também reportou, a partir de 1960, um maior desenvolvimento de
estatísticas e indicadores para a política de C&T. Esta procura em construir e manter séries de
dados e indicadores de C&T foi empreendida principalmente pela National Science
Foundation (NSF) dos EUA e pela OCDE, e inicialmente teve como foco uma abordagem
conceitual de input-output, com dados sobre financiamento e recursos humanos (formação e
ocupação de cientistas e pesquisadores), de um lado; e de produção científica e tecnológica,
principalmente traduzidas em termos de publicações científicas, patentes e balanço de
pagamentos tecnológicos, por outro lado (GODIN, 2003). O autor assinala que a iniciativa de
concepção destes sistemas de informações de C&T principalmente nos EUA buscou
88

responder a um conjunto de ações regulatórias legislativas sobre órgãos executivos e as


políticas públicas implementadas. Embora percebemos estas iniciativas como um esforço em
estabelecer mecanismos de avaliação do valor público da política, uma vez que a proposição e
elaboração destes indicadores eram realizadas por pesquisadores, membros da própria da
comunidade científica, em posição central na política, consideramos que houve uma
conformação destes sistemas de informações à representação interpretativa do status quo da
política.

2.1.3 Ascensão das políticas de inovação e do discurso da C&T como fonte de estratégia
competitiva

Na década de 1980, observamos a ascensão à condição hegemônica de um novo


discurso na política, em um contexto marcado pela ascensão e fortalecimento do pensamento
neoliberal e aprofundamento dos processos de globalização e financeirização da economia
capitalista. Do ponto de vista econômico, nesta conjuntura de um regime de acumulação
baseado na predominância do capital financeiro, ocorre como indicado por Dagnino (2008)
uma intensificação de constrangimentos sobre o Estado e os setores produtivos da economia
para acelerar o retorno sobre os investimentos de capital, os quais são impelidos, entre outras
estratégias, a buscar reduzir, assim, as dimensões temporais e espaciais entre a produção de
conhecimento científico e tecnológico e sua apropriação por meio de inovações tecnológicas.
Carlotto (2013) também lembra que já se tem neste momento uma consolidação da
organização profissional da pesquisa científica e tecnológica, cuja ordenação das relações
sociais, principalmente a partir do assalariamento e de uma gestão hierarquizada, viabiliza
maior controle entre investimento e resultado, bem como maior direcionamento econômico.
Para a autora, esta organização profissional vincula-se mais estreitamente ao processo de
mercantilização da ciência, do que o alicerçamento e instrumentos jurídicos, como de
propriedade intelectual. Neste tocante, Velho (2011) também ressalta o fato de, em países de
capitalismo central, grande parte dos pesquisadores já trabalharem fora do sistema acadêmico.
Do ponto de vista da administração pública, este movimento repercutiu por meio do
modelo da Nova Administração Pública (NAP), associada às ideias do gerencialismo, baseou-
se na incorporação de práticas de gestão do setor privado e de uma cultura empreendedora,
com ênfase a valores de eficiência administrativa e competitividade, nas práticas de
organizações públicas (PAULA, 2005). Segundo Paula (2005), o gerencialismo surgiu nos
movimentos neoliberais de reforma do Estado iniciados no Reino Unido (durante mandatos da
89

primeira ministra Thatcher) e nos EUA (governo Reagan), o qual preconizava a redução da
estrutura do Estado e de seus gastos com bem-estar social; bem como a transposição de suas
práticas para uma lógica empresarial e de mercado, de origem em abordagens funcionalistas,
que enfatizava aspectos técnicos e obscurecia aspectos políticos da gestão.
Mediante difusão destes preceitos de reformas de Estado e na administração pública,
com forte presença de recomendações de organismos multilaterais internacionais nos moldes
do consenso de Washington, tornam-se recorrentes em diversos países ações de privatização,
desregulamentação econômica e financeira, e a redução de gastos estatais em funções de bem-
estar social como estratégia de controle fiscal, como condição para atrair e manter
investimentos estrangeiros diretos, por meio de elevados níveis de retorno do capital.
Em termos mais específicos da relação entre C&T e sociedade, destacamos que houve
no período um aumento de consenso em torno de que a inovação baseada no conhecimento
científico e tecnológico constituía fator crítico para a competitividade e o crescimento
econômico em mundo globalizado, com contínua difusão por agências internacionais,
destaque à OCDE, com a disseminação de ideias associadas à economia do conhecimento35
(CARLOTTO, 2013). Viotti (2008) identifica que a construção de um discurso da inovação
tecnológica como fator fundamental no desenvolvimento econômico e social, sobrepôs-se à
percepção da estreita ligação entre o conceito de inovação então formulado, com base na
perspectiva schumpeteriana, e a apropriação privada dos benefícios da C&T.
Esse movimento também aprofundou a desconstrução das noções mertonianas de
ciência e das especificidades desta como uma esfera social e cognitiva diferenciada
(CARLOTTO, 2013). Para Velho (2011), a concepção da ciência como socialmente
construída, cujo conteúdo em termos de foco, direção e uso são sujeitos à análise e avaliação,
se tornava cada vez mais aceita, e, embora com debates ainda controversos entre os cientistas,
avançou em constituir certo consenso entre analistas da política e da C&T, tomadores de
decisão, burocratas e políticos, inclusive porque sua abordagem conceitual e analítica tende a
atender melhor as posições argumentativas e interesses desses atores no processo de disputa
da política frente à comunidade científica.

35
Segundo Powell e Snellman (2004) a economia do conhecimento envolve setores de produção e serviços
baseados em atividades intensivas em conhecimento que contribuem para a aceleração do avanço científico e
tecnológico, bem como apresentam processos de obsolescência mais rápidos. Os autores reconhecem que o
termo engloba diferentes abordagens e focos de pesquisa, ressaltando três correntes: uma com foco em indústrias
intensivas em C&T, e o conhecimento enquanto fonte de inovação e produtividade; a segunda enfoca análises de
possíveis diferenciações econômicas em termos de novas formas e arranjos organizacionais e tipos de trabalhos
na economia conhecimento; e, por fim, a terceira linha concentra-se de forma mais estreita em uma orientação
gerencial sobre o papel do aprendizado e inovação contínua em empresas.
90

A partir do fortalecimento da visão de construção social da ciência, Velho (2011)


ressaltou mudanças na concepção de locais e de atores sociais em que a produção de
conhecimento e tecnologia vem a ser reconhecida na política. Neste sentido, novas
abordagens explicativas da relação da C&T e sociedade são desenvolvidas, entre estas, o
modelo dos Sistemas Nacionais de Inovação (SNI), contrapondo-se ao modelo linear de
inovação, ganhou notório destaque. Viotti (2003) situa a emergência da abordagem sistêmica
da inovação durante a década de 1980 e início de 1990 em um contexto de debate sobre os
diferenciais de desenvolvimento econômico e tecnológico de países de industrialização
avançada, particularmente EUA, Japão e Europa.
Esse aporte sistêmico do SNI prescreve que inovações assumem diferentes formatos
(produtos ou processos, incrementais ou de ruptura) e não ocorrem em uma sequência
perfeitamente linear, pois possuem múltiplas fontes (pesquisadores, engenheiros,
concorrentes, usuários, regulação) que podem incidir em qualquer etapa do processo inovativo
(pesquisa, desenvolvimento tecnológico e mercadológico, difusão) e, por isso, se
desenvolvem por meio de variadas formas de interação entre os diversos atores, apresentando
um fluxo multidirecional e com ciclos de retroalimentação (OECD, 1997). Nesta perspectiva,
o conceito de sistema nacional de inovação, como expresso nos termos da OECD36 (1997), se
baseia na premissa que o desempenho inovativo de um país depende em larga escala de como
os vários atores interagem na produção, distribuição e aplicação de diferentes tipos de
conhecimento, enquanto elementos de um sistema institucional de criação e uso coletivos de
conhecimento e tecnologia.
Como noção fundamental deste modelo de inovação está a centralidade da empresa
como lócus do processo inovativo e a concepção que conhecimentos científicos e
tecnológicos necessários a mudança técnica no processo produtivo são elementos endógenos a
este, ou seja, requerem que os atores empresariais se apropriem destes para produzir a
inovação, em seu contexto de atuação (OECD, 1997). Deste modo, a eficácia da ação política
de promoção da inovação não está mais em somente produzir um "estoque" de conhecimentos
científicos e tecnológicos em universidades e institutos de pesquisa, mas transita para a ênfase
sobre os canais de interações entre estes e as empresas, que proporcionem que tais
conhecimentos sejam absorvidos ou, preferencialmente, coproduzidos por estas.

36
A OECD/OCDE foi uma das agências multilaterais que exerceu papel proeminente na ampla difusão entre
países desenvolvidos e em desenvolvimento do modelo analítico de sistemas de inovação como base para
proposição de políticas de inovações e indicadores a ela associados (GODIN, 2009; CARLOTTO, 2013).
91

Além da centralidade das empresas (e assim do mercado), responsáveis pela


organização da produção e da inovação, o SNI realça o papel de dois outros atores no
processo inovativo, os governos e as universidades e institutos pesquisa, como canais
institucionais para obtenção de fontes externas de conhecimento pelas empresas (OECD,
1997). Assim, o recorte analítico do modelo concentrou-se sobre a atuação de três (3)
categorias de atores: as instituições de pesquisa (e.g. universidades e laboratórios de
pesquisa), responsáveis pela produção de conhecimento; o Estado, responsável por regular os
processos de produção, fluxos de difusão e reprodução de conhecimentos; e as empresas,
responsáveis pela absorção ou coprodução destes conhecimentos e tecnologias, e a realização
de processos inovativos em si.
Neste contexto, a emergência da inovação enquanto foco de ação do Estado nas, então,
políticas de CT&I, e a primazia do papel das empresas nesta, conferiu um novo foco ao
processo de política, que se voltou a programas de incentivo e gestão da inovação tecnológica,
cuja ênfase não mais concentra-se na pesquisa científica no interior do processo de avanço
tecnológico, mas progressivamente abrange a capacidade de gestão e comercialização da
pesquisa (VELHO, 2011; CARLOTTO, 2013). Houve a construção de instrumentos para
política que enfatizassem a parceria entre o setor público e o setor privado, e acrescentam-se
novas modalidades de fomento voltadas às empresas para que implementassem processos
inovativos tecnológicos, legitimadas como ator relevante no processo da política (VELHO,
2011; CARLOTTO, 2013). A política de inovação, enquanto cerne desta construção
discursiva que se tornava predominante na política, passou a se afirmar de forma cada vez
mais explícita, reconfigurando paulatinamente a denominação do domínio da política de C&T
para CT&I.
Essa aproximação da política de CT&I do setor privado também estava encadeado
com movimentos mais amplos da administração e políticas públicas, como os preceitos do
gerencialismo, ao buscar transpor o ethos empresarial para organizações públicas, incluindo
em ambientes acadêmicos, como as universidades, laboratórios e institutos públicos de
pesquisa (DIAS, 2009). A importação de tal ethos empresarial à política também teve
rebatimento nas práticas de avaliação, Velho (2011) indica que, embora o sistema de revisão
por pares tenha continuado a ser amplamente utilizado, gradualmente ocorreu um alargamento
destas para incorporar atores e interesses de fora do sistema científico, com avanços no
desenvolvimento de metodologias para análise de impactos econômicos e sociais de
tecnologias, e novos instrumentos de prospecção tecnológica.
92

Godin (2004) ressaltou o acréscimo às estatísticas e indicadores do domínio da política


de surveys de inovação, em particular o modelo desenvolvido pela OCDE (Manual de Oslo),
com substancial difusão internacional. Estas surveys específicas sobre inovação, surgiam
principalmente do processo de contestação dos presumidos efeitos lineares da conversão da
produção científica (publicações) e produção tecnológica (patentes) em proporcionais
inovações na sociedade. Por isso, seu foco foi voltado em mensurar, de alguma forma mais
direta, as inovações tecnológicas em produtos e processos realizadas em empresas, e as
possíveis interações destas com demais atores (em particular dentro das três categorias
priorizadas pelo modelo de sistemas de inovação) durante o processo inovativo.
Se olharmos para a concepção de projeto de desenvolvimento, fundamentado na
interação C&T e sociedade a partir da abordagem de sistemas de inovação, percebemos a
rejeição ao conceito de linearidade e o afastamento do sentido de determinismo tecnológico.
Contudo, como expõem Cozzens et al. (2008), sua articulação está sobre um projeto de
competitividade, direcionamento para a obtenção de desenvolvimento econômico e
indicadores agregados.
Por um lado, observamos na abordagem de SNI um esforço em elucidar os fatores e
mecanismos interacionais que habilitam os atores sociais a apropriarem-se de conhecimentos
científicos e tecnológicos para promoção de mudanças técnicas, e como estas interações
moldam trajetórias tecnológicas na sociedade. Esta perspectiva favorece uma visualização em
termos comparativos dos diferentes sistemas nacionais (bem como regionais, estaduais, etc.),
e busca explicar como maiores ou menores capacidades e intensidades de fazer científico,
desenvolvimento tecnológico ou desempenho inovativo são desenvolvidas (COZZENS,
2008).
Assim, a abordagem proporciona uma visão de desigualdades em uma dimensão
geográfica (podendo ser aplicado a múltiplas escalas), e busca oferecer soluções para
aumentar a capacidade do desenvolvimento científico, tecnológico e inovativo de países
(setores, regiões...) que propiciem um catching up dessas áreas aos padrões científicos,
tecnológicos e inovativos de regiões consideradas mais desenvolvidas (COZZENS, 2008;
VIOTTI, 2008). Esta lógica baseia-se na ideia que uma maior capacidade inovativa permitiria
um progresso técnico que promoveria maior agregação de valor e competitividade na base
produtiva da sociedade, que, por sua vez, constitui condições promotoras de um crescimento
econômico sustentado, com preservação ambiental e bem-estar social (VASEN, 2016).
Sua ênfase à competitividade e aos fundamentos na economia do conhecimento
conduz a propor soluções salientariam a necessidade de incentivos ao direcionamento a
93

setores de maior intensificação tecnológica, e a adoção de critérios de qualidade científica e


tecnológica que sobressaiam a ideia de internacionalização com foco em países centrais, e
alcance de padrão de “excelência ou classe mundial” (COZZENS; PEREIRA, 2008).
Por outro lado, a centralidade nas empresas implica em uma substancial restrição do
foco de atenção da abordagem frente a diversidade de grupos sociais existentes nas
sociedades. Cozzens et al. (2008) observaram que, apesar do aporte de sistemas de inovação
aludir a existência de múltiplos atores envolvidos na produção de conhecimento e sua
conversão em inovação, sua ênfase analítica e práticas narrativas raramente consideram outras
categorias de atores, além das três anteriormente mencionadas (empresas, governo e
instituições do complexo de C&T) como, por exemplo, organizações relacionadas a
movimentos sociais.
A abordagem de sistemas de inovação, ao ter o foco nas empresas como
direcionadoras principais do desenvolvimento de processos inovativos, legitima os
mecanismos de mercado como referência para estes. Cozzens (2008) propõe que, a priori,
estratégias de desenvolvimento tecnológico e inovação podem ser dirigidos para conceber
produtos e serviços adequados a diferentes níveis de rendas e apropriadas as heterogeneidades
de grupos sociais e condições ambientais, entretanto, tendo o mecanismo de mercado como
base de incentivo destes, na prática, têm produzido resultados mais restritos. Um exemplo é
que a maior parte do desenvolvimento tecnológico e inovação ancorada em empresas tendem
a ser destinada a consumidores de faixas de renda alta ou média e alta, e, quando o caso,
somente em fases posteriores de difusão alcança versões para baixa renda (COZZENS, 2008).
Tal situação é ressaltada por Cozzens e Pereira (2008) enquanto a distinção entre necessidade
e demanda (expressa por necessidade ou desejo combinado à capacidade de aquisição), sendo
que a ênfase em mecanismos de mercado provoca um desenvolvimento tecnológico e de
inovações responsivo predominantemente a demanda, e, assim, amplie o gap entre o
atendimento destas e de necessidades sociais mais amplas.
Para Cozzens (2007), o padrão dominante de justiça social na política de CT&I sob
esta concepção é uma combinação de orientação utilitarista com princípios liberais associados
à valorização da propriedade intelectual, enquanto mecanismo de política de inovação. A
concepção utilitarista defende a intervenção e o investimento do Estado em P&D, justificado
pelo seu potencial de geração de benefícios, particularmente relacionado ao crescimento
econômico, bem como por reconhecer que falhas de mercado (como aquelas relacionadas a
incerteza e ao imediatismo) reduziriam os investimentos privados a níveis abaixo do “ótimo”
social. Ao mesmo tempo que, a racionalidade liberal, neste âmbito bastante influenciadora das
94

legislações de propriedade intelectual, busca estabelecer mecanismos de mercado para


estímulo ao desenvolvimento de P&D privado. Cozzens (2007) ressalta que, desta
combinação, emerge uma orientação agregativa que tanto induz a uma presença de
investimentos governamentais na área de C&T (custos por mecanismo predominante público),
quanto mantém mecanismos de distribuição de benefícios da inovação baseados no mercado
(apropriação predominantemente privada via propriedade intelectual).
Outra restrição é que esta visão focal voltada ao mercado e empresas, combinada à
perspectiva agregativa do desenvolvimento econômico prevalecente, apesar de incentivar
convergências da política de CT&I com políticas industriais, tem como consequência
restringir suas convergências e interações com políticas sociais. A internalização pelos demais
grupos sociais não focais de benefícios gerados pelo aumento de competitividade e inovação
tecnológica seria predominantemente pelo transbordamento de efeitos positivos à sociedade
da geração de empregos e qualificação, o que aumentaria a renda paulatinamente, e por novas
oportunidades de negócios e melhorias de produtos ou serviços (VASEN, 2016).
Deste modo, o papel nucleador da empresa na política é reforçado, mas distancia o
olhar de concepções políticas com enfoque mais distributivo, pois negligencia-se a atenção a
dimensões de desigualdades sociais e seus efeitos cumulativos37 em um mesmo território
(COZZENS, 2008). Assim como, entendemos que a ênfase de um projeto de desenvolvimento
baseado na competitividade ainda mantém uma visão indireta da relação entre avanço da C&T
e promoção de desenvolvimento social (enquanto redução da pobreza, exclusão social e
desigualdades), pois este permanece pressuposto como transbordamento a partir da concepção
de desenvolvimento econômico.

2.1.4 Novas e Velhas Contestações e as Possibilidades da uma Virada Pós-Competitiva


na Política de CT&I

Embora a questão de enfrentamento das desigualdades e de enfoque específico ao


desenvolvimento social não seja, em geral, preocupação central no mainstream no campo de
políticas de CT&I, a considerar sua ênfase de orientação econômica agregativa, Wetmore
37
Cozzens (2008) usa o termo vantagens acumuladas para referir-se a dinâmicas de desigualdades sobrepostas
(verticais e horizontais) que conduzem a concentração de recursos e oportunidades para pessoas que já possuem
múltiplas formas de vantagem social (por exemplo, maior renda, qualificação ou acesso a informação
privilegiada). No campo da sociologia da ciência, Merton (1968) já havia usado o termo de vantagens
cumulativas também para analisar desigualdades nos sistemas de distribuição de recompensa, comunicação e
alocação de recursos na ciência, denominando de Efeito Mateus (the Matthew Effect), um conjunto de processos
sociais de seleção que levam a concentração de recursos científicos a pesquisadores ou instituições com maior
prestígio.
95

(2007) distingue um aumento de discussões neste tópico reforçado por debates sobre justiça
ambiental, exclusão digital e aumento de desigualdades de rendas em países de
industrialização avançada, principalmente a partir de meados da década de 1990.
Sinalizações de uma ampliação de espaço alcançado por estas discussões, embora
ainda circunscrito, são encontradas no campo dos estudos sociais de C&T em edições
especiais sobre a temática como em “Science, Technology & Human Values” sobre tecnologia
e desigualdades (2003, v. 28, n. 1), na “Science and Public Policy” sobre ciência, política
pública e injustiça social (2007, v. 34, n. 2) e o uso do conhecimento para coesão e inclusão
social (2012, v. 39, n. 5), e em “Technological Forecasting & Social Change” sobre
consequências distribucionais de tecnologias emergentes (2012, v. 79, n. 2).
Da perspectiva do campo de estudos sobre desigualdade e pobreza, a aceleração das
mudanças tecnológicas e o crescente impacto destas nas direções da distribuição da renda e
riqueza nas sociedades têm levado às políticas científicas, tecnológicas e de inovação a se
tornarem eixos explicativos relevantes em pesquisas sobre desigualdades (ATKINSON, 2014;
AUTOR, 2014). De modo que, Atkinson (2014) propôs que as medidas em termos de
políticas públicas para enfrentamento de desigualdades e privações nas sociedades
contemporâneas não podem se restringir a setores de redistribuição fiscal e seguridade social,
mas devem envolver uma ação intersetorial, com destaque ao papel das políticas científicas.
Neste contexto, que observamos um novo momento de busca de maior politização da
política de CT&I no sentido proposto por Elzinga e Jamison (1995), ou seja, de emergência de
novas (e antigas) contestações ao discurso hegemônico e desenvolvimento de políticas e
discursos alternativos. Velho (2011) compreende movimentos de construção do que possa a
ser um novo paradigma para a política de CT&I, a partir de 2000, que denomina de “Ciência
para o Bem da Sociedade”, embora ainda em um estágio de desenvolvimento ainda
“especulativo” e “preliminar”.
Vasen (2016) propõe um olhar similar ao buscar analisar a possibilidade de estar
sendo desenvolvida uma inflexão pós-competitiva na política de CT&I. Seu exame da política
baseia-se na identificação de marcos teóricos e conceituais que estabelecem como prioridade
de atenção e ação finalística os objetivos sociais sobre os econômicos. Apesar do autor
concluir que ainda não se tenha alcançado um marco alternativo sistemático e coerente para a
política (o que em nossa perspectiva de disputas discursivas podemos traduzir enquanto
ascensão de um novo discurso a uma posição prevalente), é constatado um extenso
movimento de tomada de consciência das limitações das abordagens convencionais da política
de CT&I para direcionar questões de interesse social.
96

As duas perspectivas, de Velho (2011) e Vasen (2016), exploram a construção de


concepções alternativas de política que enfoquem o desenvolvimento de CT&I enfatizando
seus aspectos e objetivos sociais. Contudo, Velho (2011) desenvolve uma perspectiva mais
abrangente e mesmo propositiva sobre pontos comuns do que seria uma nova de concepção de
C&T e da política de CT&I em ascensão, enquanto Vasen (2016) analisa discursos
alternativos específicos referentes a estratégias de políticas de CT&I, realçando suas
similaridades, mas também suas distinções, e realçando aplicações com tendência reformistas.
Entre os traços gerais comuns, Velho (2011) preconiza que o foco da política de CT&I
assume um propósito propriamente de direção finalística (e não mais sobre uma atividade-
meio: pesquisa, tecnologia ou inovação), o bem-estar social, orientado pela ampla
participação social na definição de objetivos e instrumentos da política, que devem ocorrer
não somente em nível nacional, mas em diferentes escalas decisórias regionais e locais. Vasen
(2016) também identificou entre os discursos examinados a centralidade dos objetivos sociais,
que deslocam metas relacionadas a crescimento econômico e competitividade, as quais
embora continuem oportunas em alguns discursos, não são mais o horizonte finalístico de
ação e legitimação dos investimentos públicos.
À luz desta ênfase aos aspectos sociais, há um aprofundamento do exame da não
neutralidade da C&T e suas implicações. Conforme Dagnino (2008), uma vez que se
reconhece que os valores sociais dominantes de determinada sociedade são incorporados ao
processo e aos produtos do fazer científico e tecnológico, as características deste
conhecimento são intrinsecamente funcionais à dinâmica desta sociedade específica, e,
portanto, tornam-se disfuncionais a contextos e valores sociais, econômicos, políticos e
culturais predominantemente diferentes. Este aprofundamento das implicações de efeitos
constitutivos de tecnologias em contextos sociais diferentes de sua origem, resultam na
proeminência da participação social nas atividades da CT&I.
Este enfoque é retratado por Velho (2011) refletido em uma nova acepção de ciência,
em que, apesar dos pesquisadores terem papel destacado, amplia-se para integrar a
participação de múltiplos atores, incorporando leigos e conhecimentos locais (tradicionais ou
populares), por meio de uma construção de conhecimento predominantemente interdisciplinar
e em diferentes arranjos e locais, em uma orientação pós-positivista. Configura-se, assim, uma
nova concepção de ciência que admite desenvolvimentos alternativos de conhecimentos e
tecnologias e convive com diferentes formas de saberes.
De forma similar, Jasanoff (2002) lembra que as tecnologias não podem mais ser
consideradas enquanto meros artefatos físicos, mas como objetos social e materialmente
97

estabilizados em redes heterogêneas de atores, instituições e normas, discursos e elementos


não-humanos. Deste modo, tecnologias nunca são desenvolvidas em espaços moralmente
neutros, mas concebidos e empregados dentro de noções de riqueza e autoridade configuradas
em contextos sociais e culturais específicas (JASANOFF, 2002).
Neste sentido, a relação entre CT&I na sociedade continua a seguir modelos
interativos de desenvolvimento inovativo, porém estes deixam de ter foco na empresa, de
forma a ampliar a possibilidade de escolhas e influências de racionalidades alternativas de
múltiplos atores sociais, criando, assim, um conjunto potencialmente mais abrangente de
atores na interação e processos mais complexos (VELHO, 2011). Vasen (2016) e Thomas,
Juarez e Picabea (2015) ressaltam algumas concepções de CT&I que trazem novos enfoques,
como de pesquisa e inovação responsável, grassroots, inovação social e tecnologia para
inclusão social.
Abordagens participativas correspondem à emergência de uma governança da CT&I
mais representativa do e para o público geral, como observado por Vasen (2016). Esta
articulação da participação social é direcionada a propiciar uma sensibilização a distintos
contextos sociais de produção de CT&I e de interação entre CT&I e desenvolvimento, neste
caso trazendo uma contestação ao atributo da convergência nas concepções de
desenvolvimento (JASANOFF, 2002).
Jasanoff (2002) discorre que a concepção de convergência em políticas de
desenvolvimento refere-se à tendência destas de assumir que o futuro das pessoas deve
convergir a uma única forma desejável de vida, mesmo que suas trajetórias passadas tenham
seguido cursos radicalmente diferentes. E, este padrão para convergência tem sido moldado às
nações industriais ricas não somente em termos de seus níveis de renda, mas também de suas
instituições sociais, culturais e políticas, cujas formas de vida são tomadas como pontos finais
lógicos do progresso (JASANOFF, 2002). Para a autora, projetos de desenvolvimento nestas
concepções, em geral, carregam uma hiper racionalidade (uniformidade de interpretação do
mundo) que parte de contrapontos desiguais, com elevados riscos às chamadas consequências
imprevistas pelas transferências de tecnologias "inapropriadas".
Deste modo, como alertava Salomon (1995), se, por um lado, a C&T pode exercer
uma atribuição relevante em processos de desenvolvimento, por outro lado, suas
consequências não podem ser consideradas enquanto garantias de benefícios, mas precisam
ser avaliadas por uma constelação de mudanças políticas, econômicas, sociais, culturais e
ambientais em constante interação. A incerteza e a ambiguidade têm se tornado
reconhecidamente presentes na sociedade globalizada na transição do milênio (2000), como
98

na concepção de sociedade de risco, na qual a CT&I se incluem, pois, ao mesmo tempo em


que são portadoras de soluções à miséria ou doenças, também podem ter impactos
devastadores (SALOMON, 1995; JASANOFF, 2002).
Porém, como lembra Jasanoff (2002), a vulnerabilidade aos erros, acidentes e
impactos negativos da CT&I tem sido desigualmente distribuída. Nos grandes realinhamentos
sociotécnicos, nem todas as sociedades e atores conseguem exercer a mesma voz e capacidade
de agência (JASANOFF, 2002). Se os estudos sociais de C&T concluem que não há
mudanças técnicas, nem ritmos e direções, predeterminadas às sociedades, também não se
pode subestimar o poder de alguns setores econômicos, corporações e nações de impor seus
processos industriais, produtos e serviços (SALOMON, 1995). Neste sentido, Jasanoff (2002)
identifica um crescente consenso que exercícios de implementação tecnológica em larga
escala (material, econômica e social) devem ser concebidos com humildade em relação a
múltiplas contingências do que entendemos saber sobre o mundo em qualquer momento.
Estas críticas ao atributo de convergência e o reconhecimento de processo de
confrontação de modelos de desenvolvimento também são observados por Vasen (2016) que
se refere ao movimento como uma agenda pós-desenvolvimentista. Nesta perspectiva, Velho
(2011) compreende que as pressões relacionadas ao recrudescimento de processos de
globalização e de diretrizes de organizações internacionais como FMI e OMC conduziram a
uma maior reflexão sobre os processos de difusão e emulação de políticas públicas
internacionalmente e suas consequências específicas em cada país. O que impulsionou um
efeito de retomada de enfoques nacionais, e mesmo subnacionais, no sentido de voltar-se para
uma construção endógena, ao considerar suas especificidades históricas, econômicas,
ambientais, sociais e culturais, guiados por um projeto de desenvolvimento e sociedade.
No horizonte deste discurso propositivo encontramos um cenário cuja conformação da
agenda e formulação de política de CT&I seja direcionada finalisticamente a objetivos sociais,
a partir de processos de participação social, e que sua implementação proporcione uma
conexão de saberes voltada a construção endógena de identificação de problemas e
proposição de soluções em uma sociedade. Tal desenho de processo de política exigiria uma
renovação no conjunto de instrumentos e práticas sociais da política de CT&I convencional,
ou seja, requer que os atores políticos constituam e incorporem o discurso e desenvolvam
processos de aprendizado que permitam a elaboração de novas práticas legitimadas para
seleção, fomento, execução e avaliação de atividades de CT&I na sociedade.
99

Do ponto de vista dos enfoques de desigualdade, a proposição contextualizada e de


ampliação dos grupos sociais a fazerem parte na construção científica e tecnológica favorece a
percepção de diferentes dimensões de desigualdades sociais. A perspectiva apresenta uma
ênfase a um problema de natureza qualitativa do fazer conhecimento científico e tecnológico,
ou seja, não seria suficiente a garantia de instalação de uma capacidade científica e
tecnológica em termos quantitativos (número de cientistas, equipamentos, instituições, etc.),
mas fundamentalmente que esta capacidade opere agendas de pesquisa vinculada às
necessidades de uma pluralidade de grupos sociais locais, priorizando aqueles mais
vulneráveis a desvantagens cumulativas.
Neste sentido, o enfoque proporciona uma ênfase mais distributiva em uma lógica
bottom-up, de modo que a apropriação de benefícios da C&T se daria de forma mais direta e
tangível pelos grupos sociais a que os projetos e atividades fossem direcionados.
Indiretamente, o transbordamento de benefícios à sociedade mais ampla também ocorre, seja
pela possibilidade de reaplicação de metodologias e tecnologias desenvolvidas, seja,
principalmente, pela redução de parcelas desta sociedade sujeitas a problemas de privação
(grupos beneficiados diretos), que se associa a uma melhoria do desenvolvimento humano ou
social. Assim, se estabelece uma relação mais direta entre o avanço da C&T e a promoção de
desenvolvimento, concebido a partir de processos participativos com variados grupos sociais
situados.
A partir de tal enfoque distributivo, em vez de agregativo, da política de CT&I, há
possibilidade de diálogos com orientações de justiça social contratualistas, comunitarianistas
ou igualitaristas. Cozzens (2007) distingue que a ampliação de espaços de discussão e ação
nas políticas de CT&I sobre dinâmicas de desigualdades têm gerado três (3) principais formas
intervenção: (1) medidas que visem reduzir a desvantagens históricas na CT&I de grupos
específicos como questões relacionadas a gênero e grupos étnicos; (2) investimentos de CT&I
focados em resolver em problemas ligados à pobreza, denominadas de políticas pro-poor
(doenças negligenciadas, tecnologias para residências de baixo custo, etc.); e, (3) ações de
CT&I para construção de capacidades em grupos ou comunidades vulneráveis de produzir e
absorver conhecimentos e inovações, adotando abordagens participativas para definição e
resolução de problemas focados nestes.
Ao estarem as concepções de definição de agendas, formulações e implementações de
ações de CT&I orientadas para a sociedade comprometidas com práticas participativas e de
bottom-up, o mesmo se reflete na instância de avaliação. Velho (2011) salienta que políticas
sistêmicas e contextualizadas tem que ser avaliadas de acordo com essas características
100

norteadoras, cabendo o desenvolvimento de métodos e abordagens compatíveis, em


substituição a indicadores convencionais, estes padronizados e difundidos em uma escala
internacional, principalmente sob enfoque de países centrais. Assim, o controle na qualidade
de pesquisa deve ser realizado durante diferentes fases de seu processo em contexto de
aplicação, para incorporar os diferentes atores afetados e ponderar interesses econômicos,
políticos e sociais.
Neste sentido, o sistema de avaliação, além da revisão por pares ampliada (mediante
participação de outros atores com saberes relevantes além dos acadêmicos), deve contemplar
instrumentos de participação pública para análise de impactos sociais das políticas, e estar
comprometido com a ampla disseminação de resultados (VELHO, 2011). Para deste modo,
segundo a autora, prover condições de construir uma combinação entre relevância social
(entendida com foco em contextos específicos) e excelência acadêmica (normas éticas e
cognitivas que orientam o avanço da ciência).
Consideramos que tais concepções discutidas situam a política de CT&I em
perspectiva de três pontos chaves essenciais: (1) orientação à consecução direta de objetivos
de bem-estar social, e não somente ao crescimento econômico e competitividade, cujos
valores básicos que não tem conseguido alcançar resultados em termos de redução de
desigualdades, pobreza e exclusão social; (2) enfoque endógeno da interação entre CT&I e
desenvolvimento e; (3) ampliação da participação de múltiplos atores sociais em desenhos e
implementação de tecnologias em modelos com maior tendência a movimentos bottom-up.
Está subjacente a estes três pontos chaves a compreensão que há múltiplas dimensões
de desigualdades inter-relacionadas no processo de política. Cozzens et al. (2008) ao analisar
dinâmicas de desigualdades na política de CT&I propõem três (3) macrodimensões de
desigualdades sobrepostas. A primeira, as desigualdades distribucionais, que se relacionam à
forma como custos e benefícios do desenvolvimento científico e das mudanças tecnológicas
são desigualmente distribuídos na sociedade, diz respeito, assim, aos efeitos distribucionais de
CT&I entre variados indivíduos e grupos sociais. A segunda, as desigualdades estruturais, que
se referem às desigualdades no modo como capacidades em CT&I, sejam estas institucionais,
organizacionais ou individuais, estão atribuídas na sociedade, em termos territoriais, de classe
social, de grupos étnicos, de gênero etc. Esta dimensão de desigualdade está na base dos
processos distribucionais desiguais. O conceito combina a noção de ativos de CT&I (recursos
físicos, humanos, financeiros, sociais, entre outros) com os fluxos pelos quais estes ativos
vêm a ser aumentados ou diminuídos de forma desigual. Por fim, as desigualdades
representacionais, que correspondem às desigualdades na participação política, social,
101

econômica e em atividades culturais que implicam em distintos graus de poder de


representação de interesses e visões de mundo perante a CT&I e diferentes formas e alcances
de práticas de accountability, expressando diferenças de permeabilidade nos processos
decisórios dos vários grupos sociais.
Com base nestas três (3) dimensões de desigualdades inter-relacionadas, Cozzens et
al. (2008) formularam a noção de ciclo de interação entre estas desigualdades, por meio do
qual pode haver processos cumulativos em que estas se reforçam mutuamente. Por exemplo, a
manutenção ou ampliação de desigualdades estruturais reforçam as assimetrias de
representação, o que, por sua vez, conserva dinâmicas distributivas desiguais. Portanto, os
autores sugerem que o enfrentamento de desigualdades existentes no âmbito da política de
CT&I deve ser vista em termos interacionais destas três dimensões. Deste modo, o
enfrentamento efetivo de dinâmicas de desigualdades distribucionais na política de CT&I
envolveria ações concomitantes nas dimensões estruturais e de representação, para combater
os efeitos cumulativos existentes.
No entanto, até este momento nosso panorama seguiu uma construção discursiva em
um tom mais propositivo, e, assim também, de concepção ideal. Os princípios apresentados
são aqueles que entendemos constituírem um discurso de política de CT&I orientada para a
sociedade, porém de caracterização mais normativa. Como indicamos anteriormente, Vasen
(2016) e Thomas, Juarez e Picabea (2015) analisaram algumas concepções de atividades de
CT&I identificadas a estes esforços que denominamos de socialmente orientados, contudo,
em uma perspectiva que combina o exame de suas ideias com suas práticas, de modo a
discernir limitações e distinções em suas abordagens. No quadro 4, apresentamos uma síntese
destas abordagens em termos de construções conceituações chaves, descontinuidades e
continuidades à concepção convencional e limitações a concepção socialmente orientada, do
ponto de vista normativo que vimos até o momento.
102

Quadro 4 – Concepções e limites de abordagens de CT&I para um enfoque socialmente orientado


Continuidades a concepção convencional
Descontinuidades a concepção convencional da
Abordagens Concepções chaves ou limitações ao enfoque socialmente
política
orientado
Embora reconheça o entrelaçamento entre objetivos A abordagem mantém uma centralidade na
Direcionadas a solucionar problemas de grande
econômicos e sociais, estes figuram como finalísticos, atividade de inovação do enfoque de
envergadura (elevado comprometimento de
seja pela vinculação entre inovação tecnológica, sistemas de inovação. A implementação via
recursos humanos e investimentos) e impactos
Grandes inovação social e mudança cultural; seja pelo grandes projetos e elevados investimentos
de longo prazo em sociedades sob enfoque
desafios1 entendimento que o foco nas demandas das empresas em países centrais, é pouco viável aos países
global, que requer abordagem colaborativa e
não consegue tratar falhas de mercado. Também periféricos e também não tem direcionado
ênfase à sua natureza social, por exemplo, a
compreende que grandes desafios requerem modelos atenção a problemas mais comuns neste,
questão da mudança climática.
de ação colaborativa, em vez de ênfase competitiva. como a pobreza ou o desemprego.

Enfoque no modo de geração de inovações ao


Mantém um viés pró-industrial e à inovação,
incorporar práticas participativas durante o
Amplia as três categorias focais (empresas, ao institucionalizar processos top-down de
transcurso do processo de pesquisa e
pesquisadores, governo) dos sistemas de inovação, participação, com a finalidade mais de
desenvolvimento que moldam seu resultado.
reconhecendo a relevância de melhor representação reduzir a oposição e movimentos radicais
Pesquisa e Busca criar espaços para deliberação
dos diferentes grupos sociais. contra novas tecnologias do que promover
inovação participativa que envolvam vários atores
Desenvolvimento de mecanismos e práticas uma reflexão e deliberação democrática.
responsáveis1 (governo, academia, indústria e sociedade civil),
participativas no processo da política e das atividades Focado para análise de tecnologias
incluindo assim o público afetado (leigos e
de CT&I, incluindo a institucionalização de métodos emergentes, como nanotecnologia, foi
usuários), de forma a refletir mais
de avaliação por múltiplas perspectivas de usuários. preponderantemente desenvolvida nos EUA
adequadamente os valores dos distintos grupos
e em países na União Europeia.
sociais.
Formula um processo participativo e
Esta proposição faz uma crítica epistemológica ao Examinada a partir das experiências da Rede
democrático de co-construção de novos sistemas
conceito tradicional de tecnologia e sua vinculação a de Tecnologia Social do Brasil, os limites
sociotécnicos entre diferentes atores sociais, cujo
processos de dominação no sistema capitalista. Por identificados foram uma ênfase a soluções
protagonismo está sobre organizações da
isso, direciona suas experiências principalmente a pontuais de problemas de grupos sociais
sociedade civil. Seu foco está em questões
coletivos organizados por associações ou vulneráveis, em vez de soluções sistêmicas
relacionadas a problemas no âmbito da pobreza,
Tecnologias cooperativas, rejeitando a centralidade da empresa e a que respondessem às dinâmicas locais de
vulnerabilidades e exclusão social. Preconiza um
sociais1,2 ênfase na competitividade de mercado. Fundamenta-se produção, aprendizado e mudança
formato de desenvolvimento tecnológico bottom-
em leitura críticas da concepção de tecnologias tecnológica. A concepção de implementação
up, que parte das necessidades dos grupos e
apropriadas, buscando-se afastar de sua lógica ainda tende a ser ofertista pelo banco de
movimentos sociais, que podem ser auxiliados
hierárquica e determinista, para propor um processo tecnologias sociais e centrada em
por organizações governamentais, de instituições
de produção de conhecimento e tecnologia interativo e organizações estatais, embora pretende-se
de C&T ou outras organizações da sociedade
em um modelo de implementação bottom-up. empoderar a organização da sociedade civil.
civil.
103

Continuidades a concepção convencional


Descontinuidades a concepção convencional da
Abordagens Concepções chaves ou limitações ao enfoque socialmente
política
orientado
Aborda a produção de inovações orientadas à
Foco da agenda de problemas voltado diretamente a Permanece com ênfase à inovação, mas
inclusão social, a partir do conhecimento
questão de desigualdades e inclusão social, procura adaptada a contextos periféricos, de escassez
acadêmico. Propõe estabelecer vínculos entre a
Inovação para priorizar a vinculação entre política de CTI e política e desigualdades. Bem como, ainda preserva
política de CT&I e organizações acadêmicas
desenvolvimento social, em vez da política industrial ou do enfoque de uma concepção mais top-down nas relações
com as políticas sociais, pelas quais o Estado
inclusivo1 competitividade. Nisso, também estimula parcerias e entre a comunidade acadêmica e demais
atua como demandante de inovações de baixo
fluxos relacionais e informacionais da comunidade atores sociais na produção de conhecimento
custo em situações que o acesso a tecnologias
acadêmica com movimentos sociais de base. e tecnologia na sociedade.
seja um fator de exclusão social.
Voltada a resgatar conhecimentos tecnológicos Examinada a partir da implementação da
Focada principalmente em grupos vulneráveis e
de grupos sociais vulneráveis (principalmente os Rede Honey Bee, registra poucas
conhecimentos locais, em vez dos atores
Inovações de conhecimentos tradicionais), de forma a experiências e uma restrição de alcance
convencionais, tem como pontos principais de
base recuperar e promover capacidades de inovação social, devido ao conceito circunscrito a
implementação a cooperação entre atores sociais
(grassroots)2 de pessoas marginalizadas para gerar soluções artefatos de baixo conteúdo tecnológico, e a
(associativismo) em oposição a competitividade e a
tecnológicas alternativas (baixo custo, eficientes difusão mantendo uma lógica de ênfase no
valorização do conhecimento tácito e tradicional.
e ambientalmente sustentáveis). mercado via microempreendedores.
Termo que apresenta maior gama de propostas Além do direcionamento a objetivos sociais, duas As aplicações de inovações sociais tendem a
conceituais. Três realçadas são: Experiências de características comuns às abordagens de inovação pressupor uma convergência de interesses
desenvolvimento e disseminação de tecnologias social a distanciam da abordagem convencional: a entre a sociedade civil e o mercado,
organizacionais para promover a transformação ênfase na promoção de mudanças de base social, relacionados a regimes de responsabilidade
social em grupos desfavorecidos; ressignificação cultural ou organizacional (não focada social, com ênfase a possibilidades de
Inovação social2
de tecnologias para gestão ou coordenação de necessariamente na mudança técnica); e pela consenso, e não de conflito. Neste sentido,
novos processos produtivos; e, novas formas de articulação de conhecimentos científicos e sua proposta configura-se mais enquanto
organização ou combinação de conhecimentos tecnológicos combinados com outras formas de uma complementação ou acréscimo ao
(científicos e tácitos) para alcance de objetivos conhecimentos, principalmente o tácito de usuários e modelo de desenvolvimento tecnológico
sociais, culturais ou políticos. cidadãos envolvidos nas mudanças sociais propostas. existente, do que uma crítica substituta deste.
Abordagem mais associada a concepção
Indica um gap de desenvolvimento inovativo em convencional, cuja solução social às
Desenvolvimento de inovações tecnológicas para produtos e processos de baixo custo que atendam a necessidades de grupos marginalizados
Inovação para
o mercado de baixa renda, com produtos e população pobre. Propõe este segmento como uma (entendidos como consumidores não
base da
processos focados no atendimento de oportunidade de criação de um novo mercado, cuja atendidos) segue lógica de mercado, centrada
pirâmide2
necessidades de pessoas pobres. lucratividade estaria no grande volume de vendas de em empresas. Omite-se quanto a necessidade
baixo preço. de participação dos usuários nos processos
inovativos, mantendo um modelo top-down.
1
Abordagens discutidas em Vasen (2016). 2Abordagens discutidas em Thomas, Juarez e Picabea (2015).
Fonte: Adaptado pela autora a partir de Vasen (2016) e Thomas, Juarez e Picabea (2015).
104

São sete (7) as construções discursivas e práticas destacadas, entre estas o ponto
comum é estarem orientadas a diretamente resolver problemas de cunho social, questionando,
em alguma medida, as formulações convencionais ainda predominantes na política de CT&I.
No entanto, como podemos ver, as abordagens assumem múltiplas concepções da interação da
C&T e sociedade, de enfoque de problemas priorizados (e consequentemente soluções), de
categorias de atores sociais postos como protagonistas, de desenho de políticas e mecanismos
de intervenção social, e de níveis e formatos de participação nestes. Por um lado, entendemos
que o próprio direcionamento de atenção às especificidades contextuais (de regiões, públicos
alvos e seus problemas e culturas distintos) mencionado na construção discursiva que
apresentamos conduz a uma certa multiplicidade de formatos de aplicações de políticas e
programas. Por outro lado, embora sejam abordagens mais sensíveis aos problemas sociais e
voltadas a propor soluções via atividades diretas de CT&I, o nível de aderência ou
compromisso destas às concepções normativas acima discutidas também variam.
Vasen (2016) defende que a maioria das abordagens adota uma tendência mais
reformista aos pressupostos convencionais, com exceção à proposta exposta de tecnologia
social que implica em maior mudança substantiva (maior ruptura discursiva) no processo de
política. Thomas, Juarez e Picabea (2015) também ressaltam que algumas abordagens que
examinam, como a grassroots e a inovação para a base da pirâmide, mantêm uma concepção
de interação entre C&T e sociedade quase que exclusivamente restrita às relações via
mercado. Bem como, não exploram as possibilidades de conexões entre conhecimentos tácitos
e tradicionais (enfatizados na grassroots) e conhecimentos científicos e tecnológicos
(fundamento da inovação tecnológica para base da pirâmide).
Compreendemos que as contestações em prol da necessidade da política de CT&I se
tornar orientada a objetivos sociais neste período causou uma desestabilização no discurso
dominante de promoção de competitividade e enfoque no desenvolvimento econômico, com
abertura a construções discursivas alternativas. Tal desestabilização faz com que os atores
políticos busquem construir concepções, desenhos e instrumentos de políticas que respondam
às contestações (ou a uma parte selecionada destas), mas estes o fazem a partir de seus
próprios sistemas de crenças (discursos de pertencimento). Ou seja, ao ter que responder às
contestações (diferenciadamente percebidas ou enfatizadas de acordo com o contexto do
processo de política), atores políticos ajustam (em menor ou maior grau) seus discursos para
incorporar soluções ou alternativas aos problemas apontados, no âmbito de um processo de
politics ou disputa discursiva.
105

Assim, aqueles atores vinculados ao discurso dominante tendem a responder as


contestações, alterando o mínimo possível as crenças nucleares, e buscando alternativa que
leve a nova estabilização dele. Aqueles atores vinculados a discursos minoritários ou contra
hegemônicos no processo de política buscam aproveitar a oportunidade de desestabilização do
discurso dominante para ampliar ou consolidar suas próprias elaborações discursivas, gerando
alternativas mais distanciadas das crenças essenciais daquele. Assim, entendemos a
diversidade de propostas conceituais de orientação a problemas sociais em desenvolvimento
na política de CT&I, com maior ou menor comprometimento (continuidade) aos pressupostos
dominantes.
Entretanto, também cabe indicarmos que, apesar de Vasen (2016) e Thomas, Juarez e
Picabea (2015) buscarem sintetizar a variabilidade de concepções de CT&I socialmente
orientadas em torno de alguns termos ou denominações específicas, pode haver considerável
pluralidade de proposições no âmbito de uma mesma denominação. Thomas, Juarez e Picabea
(2015) chamam a atenção para isso ao tratarem do termo de "inovação social", o qual
contemplaria a maior variedade de proposições conceituais. Deste modo, as disputas
discursivas38 se dão não somente em termos de construções de significados de soluções
alternativas ao direcionamento de objetivos sociais, mas também em termos de significantes,
ou seja, de quais significações devem ser atribuídas a determinadas denominações, em
particular aquelas denominações que ganham destaque no processo de política pública.
Esta trajetória de evolução de concepções da política de CT&I exposta nesta seção foi
representa uma leitura elaborada de forma a permitirmos distinguir diferentes discursos. Esta
opção de análise das elaborações discursivas a partir da síntese de concepções
instrumentalizadas no processo de política, por um lado, reconhecemos que, em certa medida,
realçou os discursos dominantes (principalmente nos períodos de estabilização) que, ao serem
"vitoriosos" no processo de politics, tenderam, assim, a serem prevalecentes na descrição de
desenhos, instrumentos e valores presentes nas políticas públicas. Por outro lado, buscamos
dar visibilidade a discursos alternativos (especialmente nos períodos que identificamos como
de desestabilização), em relação às críticas dos discursos prevalecentes, e suas conceituações
e abordagens analíticas de problemas-soluções propostas.
Concordamos que há uma pluralidade de concepções nesses discursos alternativos que
deveria ser mais especificamente examinada, o que é, em parte, objetivo desta pesquisa ao

38
Como mencionamos anteriormente, Dagnino (2004) expõe este tipo de disputa discursiva em torno do
significado e implicações da participação social nas políticas públicas, enquanto um confronto entre dois projetos
políticos distintos (um neoliberal e outro de ampliação de direitos sociais) no contexto brasileiro.
106

procurar compreender a abrangência conceitual de discursos de enfrentamento de


desigualdades na política de CT&I. Embora reconhecemos isso, mas também considerando
que exploraremos este aspecto em termos da análise de casos empíricos posteriormente, para
efeito de elaboração de nossa matriz de discursos de referência na terceira seção deste
capítulo, representaremos um discurso alternativo de uma política de CT&I orientada para a
sociedade com pressupostos propositivos com uma concepção mais idealista, como a
apresentada anteriormente.
De forma geral, nesta seção vimos a dinâmica de articulações e rearticulações de
discursos de atores no processo da política, que passou por ciclos de estabilidades e
mudanças. E, apesar da noção de discursos ter sido apresentada por períodos temporais,
seguindo fases de ascensão, predomínio e contestações, não devemos pensar em uma ampla
homogeneização de discurso ou irrestrita substituição nos momentos de contestação.
Compreendemos que os distintos discursos assinalados (preferências ideológicas,
pressupostos sobre C&T, foco, formas de gestão e instrumentos) mantêm-se existentes, porém
com maior ou menor grau de capacidade de influência e orientação da racionalidade dos
atores na política, de acordo com os resultados das interações (cooperativas ou competitivas)
entre os atores que os adotam no processo de política.
Na próxima seção, faremos a aproximação desta perspectiva sobre concepções da
política de CT&I ao contexto brasileiro, com vistas a identificar tanto as convergências e
singularidades nos discursos, quanto fazer uma descrição da conjuntura deste processo de
política no país.

2.2 CONCEPÇÕES DA POLÍTICA DE CT&I NO BRASIL: CONVERGÊNCIAS &


ESPECIFICIDADES

Nesta seção, de forma similar à anterior, buscamos compreender as concepções sobre


a política de CT&I, porém, agora, aplicadas ao contexto específico do Brasil. Assim,
apresentamos uma revisão de literatura mais distintiva da trajetória da política no país, em
uma posição periférica das relações econômicas e políticas internacionais. Partimos da noção
que, embora a visão de convergências internacionais da política de CT&I seja reveladora de
concepções da relação entre C&T e sociedade e da política de CT&I difundidas em termos
globais, sob forte influência de países centrais e agências multilaterais, estas concepções
também são moldadas de modo distinto pelas interações sociais, econômicas e políticas
características de cada contexto, principalmente quando situados em condições periféricas,
107

por não encontrarem correspondências às conjunturas e estruturas dos países centrais, onde
algumas das concepções revistas foram originalmente elaboradas.
Portanto, examinaremos o percurso de institucionalização e desenvolvimento da
política de CT&I nacional com foco em suas formações discursivas e, ao mesmo tempo,
perpassando suas principais características e eventos, de modo que também proporcione uma
base de contextualização para posteriormente (no capítulo 3) abordarmos o caso do processo
da política de CT&I no estado do Pará.

2.2.1 Institucionalização da política de C&T no Brasil e o discurso do desenvolvimento


via crescimento

A institucionalização de política públicas de C&T se desenvolveu a partir da década


de 1950, com a constituição de uma estrutura legal e institucional à área e mediante iniciativas
predominantemente centralizadoras pelo governo federal, principalmente no decorrer da
ditatura militar (DIAS, 2009). Representativo das primeiras ações estruturantes deste período
no nível federal foi a criação em 1951 de agências de fomento chaves da política: os, à época,
Conselho Nacional de Pesquisa39 (CNPq) e da Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal de
Nível Superior40 (CAPES). Segundo Dias (2009), a comunidade de pesquisa41 em coalizão
organizada na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) teve forte influência
na orientação deste processo. O governo federal também promoveu uma ampliação de bases
institucionais científicas nos territórios subnacionais, principalmente por meio da
incorporação, implantação e expansão de universidades e institutos de pesquisas federais
(CGEE, 2010).
O intervalo de tempo entre a institucionalização da política de C&T, enquanto
domínio explícito, no Brasil não foi muito distanciado da institucionalização em países
centrais, que ocorreu, em geral, no pós-II Guerra Mundial. No entanto, devemos reconhecer
uma grande deficiência no país em termos de formação e consolidação das instituições de
C&T e das condições estruturais e industriais típicas do desenvolvimento destas nos países
centrais, quando da institucionalização do domínio da política. Assim, Suzigan e Albuquerque
(2008) ressaltaram que o Brasil apresentou três (3) atributos críticos em seu processo histórico

39
Atualmente Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
40
Atualmente Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
41
Dagnino (2007) define comunidade de pesquisa como o conjunto de profissionais que se dedicam ao ensino e
à pesquisa em universidades públicas, e aqueles que, ao terem sido ali socializados na cultura institucional das
práticas de pesquisa, atuam em institutos de pesquisa e agências de fomento.
108

de formação de instituições de C&T, foi: (1) tardio em relação a países de industrialização


avançada e mesmo a outros países da América Latina, por seu impedimento de
desenvolvimento no período colonial por Portugal; (2) limitado, pela separação entre
atividades de ciência e de ensino quando da constituição das primeiras instituições de C&T e;
(3) problemático por ser marcado por substanciais desigualdades sociais e territoriais.
Deste modo, a institucionalização da política de C&T no país, embora compartilhasse
crenças essenciais desse período em termos de convergência internacional de concepções de
C&T (neutralidade científica, determinismo tecnológico e modelo linear de inovação), teve
prioridades e desenhos próprios pelas lacunas na estrutura de C&T, características do
processo de indução industrial nacional, bem como da implantação do regime militar
autoritário na década de 1960.
Para Viotti (2008), este período da política de C&T caracterizasse como uma fase
estruturante e mantém uma identidade conceitual até o final dos anos de 1970 associada a uma
estratégia de busca do desenvolvimento pelo crescimento econômico e industrialização
extensiva, sob uma orientação nacional-desenvolvimentista. Cabe destacarmos que,
diferentemente da descrição de convergência internacional em que as décadas de 1960 e 1970
foram marcadas por processos de contestações aos pressupostos dominantes e em que a
comunidade de pesquisa sofre uma relativa perda de poder (restrição de autonomia) no
processo da política, a tendência de politização do domínio da política de C&T no país é
bloqueada pelo regime autoritário em vigor.
Conforme Dias (2009), embora membros da comunidade de pesquisa tenham, como
outros segmentos da sociedade brasileira, sofrido censura e repressão do Regime Militar, dois
fatores foram decisivos para a pouca alteração na política de C&T deste período: (1) a
percepção predominante de neutralidade da C&T compartilhada pelos militares; e (2) o
projeto desenvolvimentista destes que colocava o avanço da C&T como uma das estratégias
relevantes. Esse contexto permitiu que a comunidade de pesquisa permanecesse com elevado
grau de autonomia na política, em uma ênfase à política científica, mais do que a tecnológica,
com investimentos diferenciados a algumas áreas de particular interesse dos militares (e
condizentes com a agenda de pesquisa internacional), como física nuclear, petroquímica,
aeronáutica e engenharia de materiais.
Portanto, a política de C&T deste amplo período foi evidenciada por uma concepção,
por um lado, ofertista (própria do modelo linear de inovação) e, por outro lado,
vinculacionista (pela tentativa de supostamente responder a lacunas no processo de indução
de industrialização), pela qual se acreditava que o conhecimento científico e tecnológico
109

gerado pelas universidades e institutos de pesquisa brasileiros seria progressivamente


absorvido pela nascente indústria nacional (CGEE, 2010; VIOTTI, 2008). Contudo, Viotti
(2008) observa que, dada a condição periférica do país no capitalismo mundial e a estratégia
de industrialização baseada em substituições de importações, a maioria das atividades de P&D
no período no país foi realizada por universidades, institutos e empresas públicas, com
participação reduzida de empresas privadas. Pois, como a base da indústria instalada era de
corporações multinacionais, estas mantiveram sua estrutura de desenvolvimento tecnológico
de produtos e processos em seus países de origem (VIOTTI, 2008).
Apesar de não alcançar influência nas políticas nacionais entre as décadas de 1960 e
1970, uma oposição a esta concepção dominante de política de C&T foi desenvolvida como
alternativa pelo chamado Pensamento Latino Americano em Ciência, Tecnologia e Sociedade
(PLACTS) (DAGNINO; THOMAS; DAVYT, 1996). De acordo com Dagnino, Thomas e
Davyt (1996), o PLACTS, influenciado pela teoria da dependência, buscava construir um
diagnóstico crítico ao modelo de C&T adotado e suas implicações no contexto latino-
americano com o objetivo de promover transformações sociais.
Para Dagnino, Thomas e Davyt (1996), uma contribuição importante do PLACTS foi a
análise contextualizada das condições latino-americanas, pela qual, embora não tenha se
contraposto propriamente à noção de ofertismo (considerado condição necessária para
desencadear processos de inovação orientados às necessidades latino-americanas), o percebia
como não suficiente para alcance de tal objetivo. Assim, havia questionamentos em relação ao
padrão de transferência de pacotes tecnológicos de países centrais para a industrialização
baseada na substituição de importações em países periféricos, o qual ficava a cargo dos
agentes microeconômicos, em particular das empresas, em grande parte de corporações
multinacionais. O PLACTS defendia um processo de seleção de mix tecnológico mais
centralizado e de construção estratégica no Estado, pela qual a transferência de tecnologia
seria dirigida para subsidiar um desenvolvimento tecnológico local com foco nas condições
específicas de produção nacionais e no atendimento das necessidades das sociedades latino-
americanas (DAGNINO; THOMAS; DAVYT, 1996).
Entre os conceitos desenvolvidos no âmbito do PLACTS para explicar a política
científica neste contexto, estavam os de política explícita e implícita de Herrera (1995). Para o
autor, política explícita refere-se àquela exposta em documentos oficiais, leis, regulamentos,
planos de C&T e de desenvolvimento, e declarações governamentais. Enquanto a política
implícita, que efetivamente determina o papel da ciência na sociedade, embora mais difícil de
se identificar por não ter elementos de estruturação formal, expressa a demanda de C&T
110

advinda do projeto nacional42 de desenvolvimento, ou do projeto político de sociedade vigente


(HERRERA, 1995).
Herrera (1995) articulava estas duas facetas distintas de política da C&T para tratar de
contradições desta nos projetos nacionais desenvolvimentistas latino americanos, ao tentar
emular políticas explícitas de C&T de países industrializados, sem que se efetivassem as
consequentes mudanças na estrutura social, econômica e política correspondentes (como
maior distribuição de rendas, reforma na agricultura, ruptura com setores que reforçam
dependências externas, reforma do Estado). Tal contradição implicava na constituição de uma
política implícita de desenvolvimento limitado de estruturas de P&D (visto que a manutenção
dos projetos nacionais vigentes nestes países prescindia de um intenso avanço interno), que
atendessem uma demanda restrita do sistema nacional, em particular aquela para a qual não
houvesse oferta adequada de C&T externa.
Dagnino, Thomas e Davyt (1996) em uma revisão das contribuições do PLACTS
ressaltaram seu aporte ao campo ao compreender a dinâmica de desenvolvimento da C&T
como processos sociais contextualizados. No entanto, os autores advertem que uma das
limitações do movimento quanto a proposições de políticas a C&T para transformação social,
em virtude de sua vinculação à teoria da dependência, foi a subordinação de mudanças nas
atividades de C&T a prévias transformações mais substanciais nos contextos políticos,
econômicos e sociais na América Latina.

2.2.3 A Crise da Política de C&T no Brasil e o Período de Transição

Na virada das décadas de 1970 a 1980, em um contexto marcado pela crise econômica
e problemas fiscais no país, bem como da ascensão do pensamento neoliberal, ocorre
concomitante crise na política de C&T e, assim, a desestabilização do discurso até então
dominante. O período no Brasil foi caracterizado em termos econômicos pela hiperinflação e
pelas tentativas de seu controle, que somente se estabilizará a partir dos meados de 1990; e,
em termos políticos, pelo movimento de redemocratização que coexiste com a crise da dívida
e da reforma do Estado, orientada pelo consenso de Washington43, resultando no desmonte do
aparato institucional do Estado desenvolvimentista anterior.

42
Segundo Herrera (1995, p. 126) projeto nacional corresponderia ao “conjunto de objetivos, ao modelo de país,
a que aspiram os setores sociais que têm, direta ou indiretamente, o controle econômico e político da
comunidade” (tradução nossa).
43
Conjunto de recomendações direcionadas a partir da década de 1980 por organizações financeiras
internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial para os países em
111

Do ponto de vista da orientação neoliberal, esperava-se que a abertura do mercado


interno provocaria pressões competitivas que estimulariam as empresas nacionais a buscar a
modernização industrial, pela capacitação tecnológica, assim como atrairia novos
investimentos estrangeiros diretos para o setor produtivo, o que contribuiria para a absorção
tecnológica via transferência de tecnologias externas (VIOTTI, 2008). Porém, Dias (2009)
ressaltou que a forma abrupta com que esta abertura foi conduzida no Brasil implicou em
pesadas falências de empresas nacionais em variados setores (como, por exemplo, na indústria
têxtil paulista).
Neste mesmo contexto, Viotti (2008) salienta que a produtividade média do
trabalhador permaneceu estagnada nas décadas de 1980 e 1990, e os setores que tiveram
aumento de produtividade, este foi associado a maior concentração em empresas líderes
crescentemente sob controle de capital estrangeiro, com processos de renovação tecnológica
por meio da importação de máquinas e equipamentos, e redução do número de empregos
industriais na economia. Portanto, a abertura de mercado e o enrijecimento da legislação de
propriedade intelectual44 ocorridas no período não resultaram em um estímulo significativo a
maior capacitação e desenvolvimento tecnológico do país (VIOTTI, 2008).
Para Viotti (2008) este período representou uma segunda fase de orientação da política
de C&T nacional, que estaria vinculada a uma estratégia de desenvolvimento pela busca da
eficiência competitiva, como política explícita. Da perspectiva de disputas discursivas,
entendemos este período como uma transição, pelo reconhecimento da necessidade de
mudança do discurso dominante, desestabilizado pela crise na orientação nacional-
desenvolvimentista que o mantinha, com a busca de posicionamentos alternativos,
considerando inclusive os próprios movimentos de convergência internacional tanto de
ascensão dos preceitos liberais no cenário macro, como de já ascensão do discurso pró-
inovação tecnológica de orientação competitiva nas concepções específicas de políticas de
CT&I.
No núcleo da política de C&T, houve grande flutuação nos gastos federais de C&T,
com momentos de fortes reduções, de modo que a comunidade de pesquisa que permaneceu
como ator dominante no processo desta política, manteve prioritariamente foco em políticas

desenvolvimento com foco na realização de reformas de orientação neoliberal, que visavam o controle fiscal e
redução da intervenção do Estado na economia, e a abertura de mercados (VIOTTI, 2008).
44
Na década de 1990, o estabelecimento e adesão do Brasil ao Acordo Comercial Relativo aos Aspectos dos
Direitos de Propriedade Intelectual (TRIPS), e a posterior consolidação da Organização Mundial do Comércio
(OMC), sucedeu o endurecimento de mecanismos de propriedade intelectual, até então difusos e de baixa
complexidade, e necessidade de adequação da legislação brasileira a tais normas internacionais, contempladas
nas seguintes leis nacionais: Propriedade Industrial (Lei n° 9.279/1996); Cultivares (Lei nº 9.456/97); Programas
de Computador (Lei n° 9.609/98); e Direitos Autorais (Lei n° 9.610/98) (VIOTTI, 2008).
112

científicas, especificamente de fomento à pesquisa e à formação de mestres e doutores,


característico da concepção do modelo linear. Mas, como observou Dias (2009), a partir desse
período de crise de financiamento estatal, a comunidade de pesquisa passou a assumir uma
postura mais agressiva em busca de fontes de recursos alternativas, adotando um modelo
denominado de neovinculacionista.
Segundo Serafim (2008), o padrão neovinculacionista relaciona-se a reconfiguração da
universidade enquanto espaço central na relação pesquisa-produção, e que começa a ser
defendido por iniciativa da própria comunidade de pesquisa. Neste contexto, surge como
novidade na política de C&T explícita e implícita a promoção do empreendedorismo,
principalmente pela criação de incubadoras de empresas de base tecnológica e de parques
tecnológicos, que representa uma introdução da inovação como um objetivo da política, mas,
embora esta estive crescentemente no discurso da política, ainda apresentava pouca
efetividade em sua prática (VIOTTI, 2008).
Em termos da organização político e institucional da política de C&T no período,
ressaltamos dois aspectos, o primeiro foi o estabelecimento de uma pasta ministerial à
temática, com criação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) em 1985 (Decreto nº
91.146/85), que se torna um lócus de formulação e coordenação da política. O segundo
aspecto foi a indução pela esfera federal de um processo de descentralização de políticas de
C&T em direção aos governos estaduais, principalmente liderado pelo papel difusor do CNPq
com a promoção dos chamados sistemas estaduais de C&T, fortalecido no contexto da
redemocratização e de processos mais amplos de descentralização política no país (CGEE,
2010).
Cabe notarmos que a defesa do processo de descentralização no Brasil neste período
envolvia projetos políticos distintos, tanto associada a um ideário neoliberal que a prescrevia
como condição necessária à eficiência e controle democrático em um contexto de Estado
mínimo; quanto a movimentos democráticos progressistas, para os quais a descentralização
estimularia uma democracia participativa de base territorial (ARRETCHE, 1996; NUNES,
1996). Entendemos que esta confluência também estava presente nos discursos de
descentralização de C&T, que contemplava tanto dirigir a política para “especificidades
regionais” (conforme CGEE, 2010, p. 23), o que traz uma noção de incluir novos atores
regionais e estaduais em processos decisórios não-centralizados; como também um sentido de
melhorar a eficiência dos gastos à adequação contextual e descentralizar o fomento, então,
bastante centralizado na estrutura federal.
113

Embora a iniciativa de descentralização da política de C&T neste período também


tenha sido restringida pela redução de gastos estatais, a indução do governo federal estimulou
a criação ou consolidação45 de bases institucionais estaduais da política de C&T, com
substancial emulação das instituições federais (secretarias de governo, fundos e fundações de
fomento estaduais de C&T). Além disso, este processo de indução, ressoava e tinha apoio nas
comunidades de pesquisa existentes nestes estados, em grande parte constituída durante a
ampliação e desconcentração de atividades de C&T federais (universidades e institutos de
pesquisa) do período anterior, e para quem o fomento estadual geraria complementariedade ao
do governo federal.

2.2.4 Consubstanciação da política de CT&I no Brasil e o discurso do desenvolvimento


via inovação tecnológica

No final da década de 1990, em um cenário de recuperação econômica e com a criação


dos Fundos Setoriais como nova fonte orçamentária ao Fundo Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (FNDCT), ocorre a ascensão da agenda de inovação tecnológica
como atributo nuclear da elaboração discursiva da política explícita de C&T no Brasil
(VIOTTI, 2008, CARLOTTO, 2013), refletindo certa convergência ao discurso de ênfase em
competitividade difundido internacionalmente.
Os argumentos básicos que colocaram o foco do processo da política sobre a inovação
basearam-se fortemente na importância da promoção da competitividade das empresas, por
meio da inovação tecnológica, para alcançar um crescimento e desenvolvimento econômico
sustentado, conforme construído desde a década de 1980 nos países centrais, e com
substancial emulação dos instrumentos e programas destes mesmos países (CARLOTTO,
2013).
Deste modo, o discurso construído por esta orientação da política indica que, embora o
Brasil tenha alcançado uma considerável capacidade científica, para esta se efetivar em fonte
de desenvolvimento ao país, seria necessário materializá-la em inovações tecnológicas de
produtos e serviços à sociedade (CARLOTTO, 2013). Neste sentido, há um esforço para criar
um novo aparato jurídico e institucional, de modo que novos instrumentos de fomento nesta
direção sejam estabelecidos; bem como, desenvolve-se um conjunto de diretrizes e planos que

45
Segundo Silva (2000), até 1985, somente quatro (4) estados brasileiros possuíam fundações de fomento à
C&T: São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Atualmente, conforme o Conselho Nacional
das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP, 2018), todos os estados brasileiros possuem
fundações de fomento, com exceção de Roraima.
114

orientem a nova matriz cognitiva, com incisiva influência dos modelos internacionalmente
difundidos, em particular do Sistema Nacional de Inovação.
Na função regulatória da política, uma série de novas legislações emergiram
vinculadas à agenda, entre estas destaca-se a lei de incentivo à inovação (10.973/2004), a Lei
do Bem referente a concessões de incentivos fiscais (11.196/2005). A lei de incentivo à
inovação buscou estimular a relação entre instituições públicas de C&T e empresas,
assegurando um rol de formatos e conteúdos para estas parcerias, além de, como ressalta
Carlotto (2013) estabelecer que essas envolvam-se diretamente no processo de
comercialização de conhecimento, sobretudo por meio do patenteamento e do licenciamento
de novas tecnologias. Também procurou constituir mecanismos de estímulos à inovação
diretamente para as empresas, por meio destas legislações, como programas de renúncias
fiscais e de subvenção econômica do governo em projetos de P&D e inovação empresariais.
Em 2016, houve novo movimento regulatório de aprofundamento desta agenda, com as
aprovações da emenda constitucional n° 85 e da Lei nº 13.243/2016, denominada de novo
marco legal da CT&I.
Além das modificações legais, ainda no final do segundo (2º) governo de Fernando
Henrique Cardoso, havia se iniciado uma séria de discussões sobre o avanço de instrumentos
e medidas para promoção da inovação no âmbito da política científica e tecnológica, como
registrado no Livro Verde da CT&I (MCT, 2001) e no Livro Branco da CT&I (MCT, 2002),
respectivamente o documento concebido como base para debates da segunda (2ª) Conferência
Nacional de CT&I, e o outro sendo a expressão de seus resultados. Com o governo de Luís
Inácio Lula da Silva, há uma continuidade na concepção da política de CT&I, contudo esta
torna-se articulada de forma mais estruturada por meio da Política Industrial, Tecnológica e
de Comércio Exterior (PITCE) e do Plano de Ação do MCT 2004-2007.
A PITCE baseia-se na seleção de setores como opções estratégicas (semicondutores,
software, bens de capital e fármacos e medicamentos) e atividades portadoras de futuro
(biotecnologia, nanotecnologia, biomassa e energias renováveis). Ao analisar os setores
priorizados, Dias (2009) ressalva que estes têm uma relevância pequena na participação no
Produto Interno Bruto (PIB) e na geração de emprego do país (exceção ao setor de bens de
capital), e que não são necessariamente dinâmicos em termos de difusão de conhecimento em
um contexto periférico. Estes pontos levantam questionamentos sobre a eficácia da promoção
de desenvolvimento econômico e social nacional a partir das áreas estratégicas da PITCE,
associados também a negligência quanto a avaliação de seus resultados (diretos e indiretos)
em termos de estratégias de desenvolvimento mais amplas.
115

Cabe mencionarmos, que esta concepção de setores estratégicos da PITCE está


associada a ideia de economia do conhecimento, que valoriza setores baseados em avanços
científicos. Assim, apesar de realçar o propósito finalístico do desempenho inovativo, permite
considerável subordinação deste à necessidade de implementação de uma substancial
estrutura de desenvolvimento científico e tecnológico no ambiente do sistema, enquanto peças
institucionais chaves. Isso favorece a instrumentalização de políticas de expansão de
capacidades científicas (criação ou ampliação de novas universidades, institutos de pesquisa e
organizações similares e de formação e fixação de recursos humanos), concebidas como
condições prévias e necessárias ao catching up.
Em relação ao enfoque específico da promoção da competitividade empresarial na
PITCE e, de forma geral, trazido no bojo da política, Carlotto (2013) assinala que enquanto
objetivo de política afasta-se do âmbito de ação setorial do MCT, uma vez que estaria mais
essencialmente vinculado a outras pastas, como o próprio Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior. Logo, para tal objetivo se concretize, minimamente, a autora
destaca a necessidade que os atores “no e por meio” do MCT empenhassem-se para que a
inovação dirigida ao aumento da competitividade das empresas se torne pauta priorizada de
outros setores do governo, já que ultrapassa sua pasta específica. Bem como,
comprometessem-se em uma reforma estrutural do sistema nacional de C&T para que este
efetivamente atue com foco em aumentar tal competitividade.
Contudo, Viotti (2008) observa que a política econômica do período continuou
alicerçada em extremamente elevadas taxas básicas de juros, câmbio flutuante, e superávit
primário. É um cenário o que inibe investimentos de risco, com retorno de longo prazo, como
P&D e inovação tecnológica, enquanto favorece setores voltados para exportação, intensivos
em recursos naturais, como produtores de commodities, cuja estratégia competitiva prescinde
de investimentos substanciais em P&D e inovação, ou mesmo de mão-de-obra
significativamente qualificada (VIOTTI, 2008). Neste caso, configura-se um ambiente
macroeconômico que reflete uma política econômica implícita em direção distinta daquela
traçada na PITCE e de foco no estímulo à inovação.
Carlotto (2013) acrescenta outros aspectos que corroboram com o entendimento que
não se conseguiu constituir demandas consistentes de P&D pelas empresas que conformasse a
ciência como componente dinâmico da economia no padrão atual de desenvolvimento
brasileiro, em um contexto de capitalismo periférico. Entre os elementos evidenciados pela
autora estão: (1) a preservação de um baixo investimento em P&D por parte das empresas,
apesar dos incentivos aportados; (2) o aumento do número de patentes sob controle de
116

cidadãos e instituições estrangeiras no Brasil, que aponta para um aumento da “taxa de


dependência tecnológica” a partir de 1990, ao mesmo tempo que tem-se uma forte presença
de instituições públicas de C&T entre os maiores titulares nacionais de pedidos de patentes no
Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e; (3) a contínua adoção por parte dos
empresários no Brasil, como principal estratégia associada a P&D, da aquisição de máquinas
e equipamentos, conforme resultados recorrentes da Pesquisa de Inovação (PINTEC).
Diante do exposto, Carlotto (2013) e Dias (2009) defendem que o discurso da
promoção da inovação tecnológica no Brasil advém antes de parte da comunidade de pesquisa
do que do setor empresarial do país. Conforme Carlotto (2013), o fato do conhecimento
científico não ser reconhecido como fator decisivo e necessário à dinâmica econômica
prevalente no Brasil, propicia que a comunidade de pesquisa aqui mantenha forte autonomia
relativa no domínio da política de CT&I, e torna pouco factíveis explicações do processo
político que atribuam às necessidades econômicas suas transformações internas. O que
corrobora com Dagnino (2007) que a comunidade de pesquisa, não somente é o ator central
que domina os processos decisórios na política de CT&I, mas também é quem apresenta
maior interesse no conteúdo e resultados dessas políticas.
Em sentido similar, Dias (2009) examina que, embora as empresas privadas tenham
sido contempladas pelo foco da política em inovação, em termos, por exemplo, de incentivos
financeiros (renúncias fiscais e subvenções), os atores empresariais nacionais pouco
influenciam decisivamente no processo da política, de forma que o atendimento de demandas
expressas dos empresários ainda é marginal frente ao conjunto de atividades e montante de
investimentos realizados em C&T. Como exemplo, conforme dados do MCTIC (2018b), no
ano de 201346, do total de dispêndios públicos com P&D no país 8,25% corresponderam a
atividades de desenvolvimento tecnológico industrial, enquanto 62,05% foram destinadas a
instituições de ensino superior e 9,76% a pesquisas não-orientadas.
Carlotto (2013) também demonstra que no período de 2000 a 2010, houve crescimento
contínuo do número de pesquisadores atuando em tempo integral nas organizações de ensino
superior do país (aumento percentual de 142,7%), ao mesmo tempo que ocorreu uma redução
no número de pesquisadores em empresas (diminuição de 6,5%).
Assim, as interpretações centradas no processo político ou sociológico da
consolidação de um foco explícito na política de inovação no âmbito do processo da política
científica e tecnológica a compreendem como uma estratégia de cientistas e demais membros

46
De acordo com a série de dados denominada de "Dispêndios públicos em pesquisa e desenvolvimento (P&D),
por objetivo socioeconômico", disponibilizada pelo MCTIC somente até 2013.
117

da comunidade de pesquisa em legitimar a institucionalização e o investimento público em


políticas de C&T no contexto pós-ditadura e de influência neoliberal (CARLOTTO, 2013;
DIAS, 2009). Paradoxalmente, a defesa da subordinação da ciência às necessidades
empresariais, por meio do discurso da CT&I orientada para o mercado, fortaleceu a
institucionalização do regime disciplinar e estatal de C&T, baseado amplamente no
financiamento de pesquisa em universidades e institutos públicos (CARLOTTO, 2013). Dias
(2009) conclui que ao filiar-se ao discurso de inovação, com foco na empresa privada, o ator
dominante da política de C&T (comunidade de pesquisa) garantiu o controle sobre variados
canais de recursos financeiros que foram criados sob a racionalidade gerencialista
(principalmente o FNDCT).
Neste sentido, embora aparentemente contraditório, a ascensão da agenda de inovação
empresarial na política de C&T (criando o amálgama da política de CT&I) tendeu a fortalecer
a posição privilegiada de cientistas e pesquisadores em sua direção no Brasil. Esse movimento
foi possível a partir da combinação de duas dinâmicas desta política realçadas por Dagnino
(2016), enquanto sua anomalia e atipicidade.
A primeira dinâmica refere-se a anomalia da política pelas crenças ainda persistentes
de neutralidade científica e determinismo tecnológico, tanto entre os membros da comunidade
de pesquisa, quanto aos outros atores sociais, que implica em aceitar que a C&T esteja
direcionada "em busca da verdade e da eficiência", atendendo indiferentemente a distintos
projetos políticos de sociedade (DAGNINO, 2016). Conforme Dagnino (2016), esta
concepção conduz a uma despolitização da política de CT&I, no âmbito de uma orientação
tecnocrática, que dirige o processo decisório de avanço da C&T e de sua política a emular
agendas de grupos de pesquisa ou de países líderes em cada área de conhecimento, mantendo
a postura autocentrada da comunidade de pesquisa, em detrimento de uma discussão mais
ampla das direções e implicações sociais, econômicas e políticas destas agendas e escolhas.
A segunda dinâmica é a atipicidade da política no país corresponde a sua condição
periférica no sistema capitalista, de forma que, o comportamento empresarial em nosso
ambiente de industrialização tardia e limitada, torna-se divergente daquele em países e
ambientes de industrialização avançada, onde foram modelados para o sistema nacional de
inovação, particularmente no que tange a propensão à inovação e ao investimento em P&D no
ritmo e intensidade propostos (DAGNINO, 2016). Deste modo, as condições
macroeconômicas e periféricas (elevadas taxas de juros, economia baseada em commodities
para exportação, dependência tecnológica e cultural) provocam baixa propensão a inovar no
empresariado local, o qual, quando inova, o faz majoritariamente pela aquisição de máquinas
118

e equipamentos (pacotes tecnológicos já maduros) importados de países centrais. Portanto, a


emulação de políticas de CT&I de modelos importados de países centrais falha por não
conseguir modelar adequadamente o comportamento empresarial local (aparentemente
irracional frente ao modelo, mas adaptado a condição econômica periférica) e mantém uma
orientação ofertista e neovinculacionista na política.
No que depreendemos que no país, a ascensão do discurso de promoção da inovação
empresarial na política explícita de CT&I reforça concepções ofertistas típicas do modelo
linear de inovação, que mantém um direcionamento implícito com ênfase à política científica
(fomento à pesquisa e formação de recursos humanos), centrada na comunidade de pesquisa,
amparado nas concepções de neutralidade científica e determinismo tecnológico.
Dias (2009) adverte que esta estratégia tem consequências relevantes ao processo e
identidade da política científica e tecnológica. O autor crítica o tratamento conjunto, sem
adequada distinção conceitual, da política científica e tecnológica e da política industrial e de
inovação, uma vez que resulta em subestimar a abrangência de escopo da política de C&T,
que ficaria concentrada no ambiente e racionalidade das empresas, em detrimento de outros
atores e racionalidades sociais (movimentos e grupos sociais, organizações não-
governamentais, universidades e institutos de pesquisa), e, mesmo, de outros setores de
políticas públicas fins que a política de C&T, enquanto política meio, potencialmente poderia
auxiliar (saúde, agricultura familiar, desenvolvimento social, ...). À medida que a promoção
de inovações tecnológicas empresariais progressivamente é articulada como a finalidade
máxima da política de C&T, altera-se a própria identidade da política científica e tecnológica,
e a afasta de sua configuração socialmente mais ampla de política-meio (DIAS, 2009).
Este viés da agenda de inovação tecnológica empresarial, amparado em lógicas e
objetivos essencialmente de promoção de competitividade e em relações de mercado, implica
em uma crescente importância destes elementos no processo da política de CT&I no contexto
brasileiro, o que limita seus objetivos e focos, assim como a distância de questões mais
abrangentes, de conteúdo político e social, fundamentais para discussão de um projeto de
sociedade que tenha como enfoque o desenvolvimento social.

2.2.5 A construção de alternativas conceituais na política de CT&I no Brasil e a


emergência de uma política de C&T para desenvolvimento social

Como vimos nos movimentos de convergência internacional da política de CT&I,


diversas são as contestações à restrição do enfoque de ênfase à competitividade baseado no
119

modelo do sistema nacional de inovação, bem como, de forma mais ampla, à constituição de
uma orientação que dirija atenção a grandes problemas sociais do país, principalmente
relacionado ao combate à pobreza, redução de desigualdades e das dinâmicas de exclusão
social. O esforço de articulação de política de CT&I voltado para a inclusão social que tenha
alcançado a agenda do processo de política no país (embora em posição marginal) com algum
destaque, principalmente na primeira década de 2000, refere-se ao movimento de elaboração
de uma política de C&T para desenvolvimento social, apoiado em proposições conceituais
sobre tecnologia social.
O tema da inclusão social entrou na agenda governamental da CT&I no início do
primeiro governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2006), em que, entre as sinalizações
desta inserção no processo de política, podemos observar, conforme realçado por Fonseca
(2009) a criação, em 2003, no âmbito do MCT de uma Secretaria de C&T para Inclusão
Social (SECIS); em 2004, com o estabelecimento da Área de Tecnologia para
Desenvolvimento Social na agência de fomento federal Financiadora de Estudos e Projetos
(FINEP); e a institucionalização da Rede de Tecnologias Sociais (RTS), em 2005. Como
comentamos, apesar do tema ter se mantido marginal no processo de política (DIAS, 2009;
FONSECA, 2009), consideramos que a breve revisão de algumas das características na
trajetória da política seja útil para nossa compreensão de como discursos alternativos da
política tem conseguido se articular e quais suas dificuldades de materialização.
A novidade do tema de inclusão e desenvolvimento social na política explícita de
C&T, como apontado por Fonseca (2009), não se refere somente a temática em si, mas, ao
fato desta não ter emergido apenas no âmbito da própria política de C&T, mas em
movimentos de desenvolvimento de tecnologias com participação de setores da sociedade
civil, como organizações não-governamentais (ONG), por exemplo, Instituto de Tecnologia
Social (ITS), criado em 2000, e da Fundação do Banco do Brasil (FBB), que em 2001
instituiu o Prêmio “Tecnologias Sociais”. A busca de construção conjunta entre ONG e
organizações públicas de um entendimento comum de tecnologias sociais e da articulação de
uma política para sua promoção, resultou na criação da RTS, em 2005.
Fonseca (2009) ressaltou que a RTS, em 2008, estava composta por 640 organizações
de múltiplos setores, caracterizando um perfil de atores políticos diferenciado das categorias
tradicionais de C&T, e, assim, conferindo um caráter de inovação institucional no processo da
política. Contudo, Dias (2009) observa que a complexidade e diversidade das demandas de
ONG e movimentos sociais junto a SECIS se, por um lado, reflete em um caráter plural de
ações, por outro lado, cria um desequilíbrio entre os atores interessados em incidir sobre a
120

agenda social da C&T e o escasso espaço e orçamento destinados a esta no processo de


política global da CT&I, implicando em uma significativa diluição de esforços.
Exemplo desta diversidade pode ser vista no Plano de CT&I 2007-2010, em que no
âmbito da chamada “Prioridade Estratégica IV” de CT&I para desenvolvimento social haviam
duas linhas principais, de Popularização da CT&I e Melhoria do Ensino de Ciências e de
Tecnologias para Desenvolvimento Social, com diversos programas conforme o quadro 5. No
Plano Plurianual (PPA) 2012-2015, essas duas linhas de ação são praticamente mantidas em
termos de conteúdo, identificadas nos objetivos “promover a popularização da ciência,
tecnologia e inovação e a melhoria da educação científica” e “promover a ciência, tecnologia
e inovação para a inclusão produtiva e o desenvolvimento social”, sendo que suas previsões
orçamentárias somadas para os quatro (4) anos do plano equivalem a 1,7% (362.160.286,00)
do total do orçamento destinado à CT&I (20.870.536.022,00). A limitação em termos de
recursos orçamentários dirigidos a C&T para desenvolvimento social no contexto do processo
de política de CT&I é uma das razões que conduzem a considerá-la em posição marginal.

Quadro 5 – Programas por linha de ação da CT&I para desenvolvimento social no plano de Ação de
CT&I 2007-2010
Linha de Ação Programas
Apoio a Projetos e Eventos de Divulgação e de Educação Científica, Tecnológica e de
Inovação
Popularização da Apoio à Criação e ao Desenvolvimento de Centros e Museus de Ciência, Tecnologia e
CT&I e Melhoria Inovação
do Ensino de
Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas – OBMEP
Ciências
Conteúdos Digitais Multimídia para Educação Científica e Popularização da C,T&I na
Internet
Implementação e Modernização de Centros Vocacionais Tecnológicos
Programa Nacional de Inclusão Digital
Apoio à Pesquisa, Inovação e Extensão Tecnológica para o Desenvolvimento Social
Programa Comunitário de Tecnologia e Cidadania
Tecnologias para
Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Regional com Enfoque em
Desenvolvimento
Desenvolvimento Local e Arranjos Produtivos Locais
Social
Apoio à Pesquisa e Desenvolvimento Aplicados à Segurança Alimentar e Nutricional
Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário e Agroindustrial para Inserção Social
Capacitação em CT&I para o Desenvolvimento Social (esta última não tinha previsão
orçamentário no plano).
Fonte: Adaptado pela autora a partir de MCT (2010b).

Neste sentido, Fonseca (2009) também defendeu que, embora o tema da inclusão
social tenha conseguido ser inserido no processo de política de CT&I, não causou um
desequilíbrio no balanço de forças entre os atores políticos existente. Por um lado, isso
possibilitou um nível de conflito ou rejeição menor à sua entrada na pauta, por outro lado, a
manteve em uma posição marginal no processo da política. O autor ressalta que, além da
121

restrição de recursos, o perfil dos dirigentes da SECIS era associado ao exercício de funções
político-eleitoral, sem vinculação prévia à comunidade de pesquisa (perfil profissional
tradicionalmente presente nos quadros do MCT), e a maior parte do orçamento executado pela
SECIS advinha de emendas parlamentares, e não da fonte do MCT (em 2008, 88% do
orçamento da SECIS teve origem em emendas parlamentares de bancadas, individuais e de
comissões). Esses aspectos levam Fonseca (2009) a argumentar que majoritariamente a
comunidade de pesquisa não expressava interesse significativo ao tema em pauta,
principalmente por estarem comprometidos com outras concepções e discursos da política de
CT&I.
Relacionada a esta articulação de concepções alternativas, um conceito chave de
construção no processo de política está sobre "tecnologia social". A definição assumida pela
RTS de tecnologia social foi que “compreende produtos, técnicas ou metodologias,
reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e que representam efetivas
soluções de transformação social” (RTS, 2005). Dias (2009) indica que na RTS, ao
contemplar um conjunto heterogêneo de atores, há uma diversificada percepção sobre o
próprio tema da Tecnologia Social. Fonseca (2009), por exemplo, exemplifica um ponto de
tensão entre diferentes atores sobre escala de alcance das experiências de tecnologias sociais e
as escalas dos problemas sociais brasileiros, em contexto de debate sobre as possibilidades e
condições de reaplicação das tecnologias. Mas, ao considerar valores e interesses comuns dos
atores da rede, estes havido se empenhado por atingir uma convergência mínima para a ação
no sentido de viabilizar a geração e a reaplicação de tecnologias.
Fonseca (2009) e Dias (2009) defendem que o enfoque tecnológico dirigido à inclusão
e desenvolvimento social precisava partir de uma compreensão de não-neutralidade científica
e não-determinismo tecnológico, assim, sendo fundamental que o desenvolvimento
tecnológico ocorra com a participação inclusiva dos usuários locais, de modo a incorporar
seus valores e condições locais do contexto de aplicação. Pontos conceituais convergentes aos
princípios associados a construção de discurso socialmente orientado de política de CT&I,
como vimos anteriormente. Desta forma, a tecnologia social se distinguiria das tecnologias
convencionais, caracterizadas pela desassociação entre espaço e momento de
desenvolvimento da solução, e as dimensões espaciais e temporais de sua difusão e utilização.
Neste caso, a própria reaplicação depende de um processo de avaliação e apropriação local da
solução proposta ao novo contexto local.
Mas, Dias (2009) adverte que a priorização de ações da política voltada à inclusão e
desenvolvimento social da SECIS tende a adotar uma postura mais conservadora em termos
122

de concepção de C&T, o que inibe a noção de produção de conhecimentos e tecnologias com


a participação ativa dos atores socialmente excluídos, com o objetivo de emancipação destes.
Para Fonseca (2009), a política de C&T para inclusão e desenvolvimento social não logrou
materializar seu potencial de transformação social, que a tornasse uma política meio para
efetiva produção de conhecimento e tecnologias para as áreas fins das políticas sociais e da
agenda de inclusão e desenvolvimento social governamental (combate à pobreza e fome,
segurança alimentar e hídrica, saneamento e habitação para baixa renda, entre outros). No
caminho para um ponto de inflexão no processo de política, o autor destaca a necessidade de
avançar em uma mudança das concepções de C&T, em particular do ator principal do
processo política, a comunidade de pesquisa.
Entretanto, nos últimos anos, enquanto em termos institucionais o foco predominante
na política de inovação tem continuamente avançado, a área de C&T para desenvolvimento
social tem tido enfraquecida sua posição. Em 2016, com a fusão dos, então, Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação e Ministério das Comunicações, entre as reformas na
estrutura administrativa realizadas houve o rebaixamento da SECIS para o nível de Diretoria,
Diretoria de Políticas e Programas para inclusão Social (DEPIS), subordinada à Secretaria de
Políticas e Programas de P&D (SEPED) e a desarticulação da RTS.

2.3 COMPOSIÇÃO DE UMA MATRIZ DE REFERÊNCIA DOS DISCURSOS DA


POLÍTICA DE CT&I

Como inicialmente proposto, esta pesquisa visa compreender como se desenvolvem


ações de enfrentamento das desigualdades no processo da política de CT&I, seja em termos
de abrangência e direções conceituais, seja de ações e resultados alcançados. Neste capítulo,
discutimos as diferentes concepções de ciência, tecnologia e sociedade que orientam as
políticas de CT&I, e como tais concepções, entendidas enquanto discursos, expressam
abordagens conceituais e analíticas distintas sobre questões que envolvem projetos de
desenvolvimento e enfrentamento das desigualdades, com implicações de enfoques
prioritários de identificação de problemas, formulação de soluções, e desenhos e instrumentos
preferenciais no processo da política.
Neste sentido, buscamos sintetizar um quadro referencial dos discursos da política
para auxiliar-nos na evidenciação de sistemas de crenças na análise do caso empírico e na
compreensão de pontos de disputas relevantes a serem desenvolvidas nos próximos capítulos
desta tese. Lembramos que estes discursos, propostos a partir da revisão de literatura,
123

representam uma moldagem síntese e simplificadora de uma ampla diversidade de estruturas


de crenças possíveis dos atores políticos, em uma aproximação ao conceito de sistema de
crenças de Sabatier e Jenkins-Smith (1993).
Decidimos sintetizar três (3) discursos para compor um referencial para a análise da
política em uma perspectiva mais abrangente e de tipo ideal, a partir da abordagem de
convergência internacional, conforme apresentado no quadro 6, denominados de modo
sintético em:
- discurso da política da C&T auto orientada, em função da centralidade da política
estar direcionada aos próprios cientistas em contexto similar da noção de discurso da ciência
como motor do progresso, proposto por Velho (2011);
- discurso da CT&I orientada para o mercado, em função da centralidade da política
estar direcionada ao lócus da inovação empresarial, em contexto similar da noção de discurso
da inovação como fonte de estratégia competitiva e;
- discurso da CT&I orientada para a sociedade, em função da busca de uma política
com foco finalístico no voltado a uma pluralidade de direções para atendimento dos diferentes
grupos sociais. Este discurso pretende ser representativo de concepções voltadas a orientação
de ênfase social e distributiva em emergência no processo da política de CT&I.
Posteriormente, discutimos as singularidades dos discursos na política no Brasil,
particularmente nos moldes da conformação dos discursos da C&T auto orientada e da CT&I
orientada para o mercado.
124

Quadro 6 – Matriz de referência de discursos da política de CT&I a partir de uma visão de convergência internacional
Discurso da CT&I orientada para o Discurso da CT&I orientada para a
Componentes Discurso da C&T auto orientada
mercado sociedade

Ciência socialmente neutra de valores e Ciência socialmente construída, considerada Ciência socialmente construída, que valoriza
Concepção de ciência
interesses, sob orientação positivista uma forma de conhecimento superior conexões de diferentes formas de saberes

Concepção de tecnologia Determinismo tecnológico Constructo sociotécnico Constructo sociotécnico


Quem produz Cientistas e engenheiros por meio de redes Cientistas e diferentes atores sociais por
conhecimento e Cientistas complexas de interações com outros atores meio de redes interacionais e conexões de
tecnologia sociais saberes
Membros da comunidade científica, empresas Membros da comunidade científica,
Protagonistas da política Membros da comunidade científica
e governo sociedade civil, empresas e governo
Modelo de inovação Modelo linear Modelo interativo focado na empresa Modelo interativo em múltiplos loci

C&T propiciam industrialização e produção Inovação tecnológica gera desenvolvimento Contestação ao atributo da convergência em
Interação da ciência e em massa como fonte de crescimento econômico (via competitividade e agregação concepções de desenvolvimento e à ênfase
tecnologia e projeto de econômico necessário a estágios de de valor) que transborda benefícios sociais por econômica. Orientação ao desenvolvimento
desenvolvimento desenvolvimento em uma sequência linear e melhorias de emprego, qualificação social (múltiplas dimensões) a partir de uma
universal. profissional e novos produtos. construção endógena.

Prioridade de enfoque Crescimento econômico como solução ao Enfoques distributivos sensíveis a múltiplas
Orientação agregativa a partir da combinação
problema-solução sobre combate à pobreza nas etapas iniciais da clivagens sociais e efeitos cumulativos das
de concepções liberais e utilitaristas.
desigualdades sequência linear de desenvolvimento. dinâmicas de desigualdades existentes.

Escopo priorizado Foco na política científica Foco na política de inovação Foco finalístico no bem-estar social

Concepção de definição Agenda centrada na comunidade científica, Orientada pelo aporte do sistema nacional de Agenda localmente situada e abordagens
de agenda e formulação estratégias desenhadas no modelo big science inovação à agenda e estratégias industriais. participativas de formulação de alternativas

Concepção de
Top-down Top-down Bottom-up
implementação

Avaliação por pares para ciência,


Análise micro orientada, baseada em Abordagens participativas e
Concepção de avaliação metodologias de impacto tecnológico,
avaliação ad hoc por pares de projetos. contextualizadas.
indicadores econômicos e de inovação
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
125

Pelo que revisamos na trajetória da política de CT&I no Brasil, a ênfase para a


inovação tecnológica, no âmbito do discurso da CT&I orientada para o mercado, emerge
como política explícita por uma estratégia de legitimação frente tanto à orientação neoliberal e
gerencialista, quanto à forte difusão internacional do modelo de sistemas nacionais de
inovação, enquanto política de sucesso de países centrais. Porém, nesse contexto, algumas
condições estruturais e conjunturais estão ausentes para a efetividade desta concepção como
política implícita, uma vez que: não se configura uma demanda relevante sobre a C&T
nacional ou na constituição P&D próprio pelos principais setores econômicos do país
(atipicidade periférica); bem como, não houve mudanças substanciais no período em políticas
industrias e econômicas correlatas que procurassem alterar cenário que tem favorecido setores
voltados para exportação e intensivos em recursos naturais, e tolhe a propensão a
investimentos de risco e de retornos de longo prazo, como são os caso de atividades de P&D e
inovação tecnológica.
Assim, cientistas e pesquisadores permanecem como os atores mais interessados e de
maior poder no processo da política de CT&I, mantendo-se esta majoritariamente como uma
política para ciência (policy for science) e pouco sensível a sua função de política meio
(science for policy). Portanto, embora a política de CT&I explícita crescentemente expresse o
discurso em prol da inovação tecnológica, sua política implícita ainda preserva espaço e
fomento consideráveis a concepção de uma C&T auto orientada.
No que compreendemos que, apesar da ocorrência de desestabilização do discurso da
C&T auto orientada com o fim do modelo nacional-desenvolvimentista na década de 1980 e
1990, seus atores políticos dominantes conseguiram estabelecer uma nova estabilização
discursiva sem a necessidade de uma mudança disruptiva na política. Por um lado,
entendemos que atores políticos afiliados àquele discurso dominante promoveram de certa
forma uma "atualização" em alguns aspectos do seu sistema de crenças preponderante, que é
inclusive compatível (e funcional) para integração com uma agenda científica internacional, a
qual seus pares em grupos pesquisas e centros de excelência em países centrais tendem a
estarem vinculados. Distinguimos como aspectos mais propensos a alterações aqueles
associados principalmente a uma busca de aproximação ao setor empresarial
(neovinculacionismo) e adoção de mecanismos privados de gestão e de comercialização da
pesquisa (modelo gerencialista).
Por outro lado, não houve significativa perda de poder da comunidade científica no
processo de política, nem ruptura na direção principal de fomento (políticas de pesquisa e de
formação de pesquisadores no complexo público de ensino superior e de pesquisa), ao
126

contrário durante a primeira década de 2000 houve aumento de investimentos nesta direção.
Neste sentido, também consideramos que existiu espaço suficiente no processo da política
para que estes atores mantivessem outros aspectos de seu sistema de crenças menos alterado,
ou mesmo para que outros atores não alterassem seu sistema de crenças. Concebemos que
aspectos menos propícios a mudanças foram a concepção dos cientistas como protagonistas
tanto da produção de conhecimento e tecnologia na sociedade, quanto do processo da política,
em que permaneceram dominantes, por isso conservando a agenda científica e da política
CT&I autocentrada nas dinâmicas próprias desta categoria de ator político.
De outro modo, também observamos no país a existência e articulação de atores
políticos comprometidos com a construção de uma política de CT&I que direcione esforços
diretamente a soluções dos problemas sociais no país, filiando-se ao discurso da CT&I
orientada para a sociedade. Uma mobilização destes atores pode ser constatada em torno da
política da C&T para inclusão, especificamente relacionada a proposição de políticas de
tecnologia social.
Diante do exposto, a partir da revisão de literatura sobre concepções de políticas de
CT&I e da síntese que elaboramos, consideramos possível encontrar na análise de casos
empíricos de processos da política de CT&I no Brasil atores políticos mobilizados em
coalizões filiadas aos três (3) discursos descritos no quadro 6. Além desses, também
examinamos factível identificar atores políticos cuja orientação discursiva seja um amálgama
dos discursos da C&T auto orientada e da CT&I orientada para o mercado, dada a
incompletude das mudanças realizadas no processo da política para aderência mais integral a
este último discurso mencionado.
A partir desta matriz referencial de discursos, nos próximos capítulos adentraremos o
objeto empírico a ser analisado quanto as ações para enfrentamento das desigualdades no
âmbito do processo da política de CT&I no estado do Pará. Portanto, no capítulo três (3) a
seguir, faremos uma contextualização e caracterização do subsistema de política estadual de
CT&I do Pará, de forma a identificar concepções e ações relacionadas ao enfrentamento das
desigualdades, bem como compreender a abrangência e possíveis inter-relações destas ações
com as demais desenvolvidas no processo desta política pública.
127

3 A POLÍTICA ESTADUAL DE CT&I NO PARÁ: CONTEXTO E ENFOQUES


RECENTES

Após revisarmos, no capítulo anterior, a trajetória da política de CT&I tanto no


contexto de uma visão mais ampla de convergência internacional, quanto no contexto
nacional brasileiro, neste capítulo, buscamos olhar especificamente para o processo da política
estadual de CT&I no Pará para buscar entender seus principais enfoques recentes e identificar
as ações para enfrentamento das desigualdades encontradas neste contexto.
Assim, fazemos nossa primeira aproximação ao processo da política com um
delineamento inicial de um subsistema de política de CT&I no âmbito do governo estadual do
Pará. O objetivo é alcançar uma visão global deste subsistema e situar as ações para o
enfrentamento de desigualdades nele, discernindo a abrangência em termos de diversidade de
dimensões de enfrentamento existentes e de sua extensão nos investimentos realizados.
Para o delineamento desse subsistema de política estadual de CT&I, procuramos
seguir as duas dimensões norteadoras, territorial e a substantiva, conforme por Sabatier (1993)
e Sabatier e Weible (2007): (i) para delimitação territorial, nosso foco está no processo da
política no âmbito do governo estadual do Pará, abrangendo assim suas estruturas
institucionais e ações governamentais específicas, embora reconhecendo estas enquanto
permeáveis a influências e relações intergovernamentais; (ii) para delimitação substantiva ao
tema da CT&I, enfocamos a identificação e análise dos programas dedicados a esta temática
nos últimos três (3) planos plurianuais (PPA), e as principais organizações governamentais
neles envolvidas.
Neste sentido, o capítulo está dividido em seis (6) seções. A primeira se refere a uma
breve introdução a conformação institucional da CT&I no Pará e da política estadual de
CT&I, seguida de uma seção para apresentação de indicadores atuais de CT&I do estado. As
três (3) seções seguintes são dedicadas para cada período de PPA em foco: 2008-2011, 2012-
2015, e 2016-2019. Em cada um desses períodos, buscamos analisar os principais programas
nas temáticas associadas a CT&I, as principais organizações envolvidas e seus documentos
norteadores de políticas complementares. Na sexta seção, direcionamos a visão deste
panorama da política para uma leitura específica das ações para enfrentamento das
desigualdades.
Compreendemos que esta contextualização e caracterização inicial do processo de
política estadual de CT&I pode iluminar atributos básicos deste (agenda, formas de ações e
instrumentos preferenciais, e organizações chaves), bem como nos proporcionar uma visão da
128

abrangência das ações para enfrentamento das desigualdades no conjunto das ações e política
públicas, inclusive possibilitando a distinção de temáticas de ações para aprofundamento da
pesquisa nos capítulos seguintes.

3.1 APONTAMENTOS DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA CT&I NO PARÁ E DE UMA


POLÍTICA ESTADUAL DE CT&I

Como indicamos, o enfoque neste capítulo está sobre a política de CT&I mais recente
no governo do Pará, a partir do PPA elaborado em 2008. Mas, a conformação de instituições
para C&T no estado tem uma trajetória anterior, que embora não seja nosso foco, entendemos
que precise ser, ao menos, brevemente contextualizada.
Conforme Nonato e Pereira (2013), o processo de construção social das atividades de
desenvolvimento científico na Amazônia Brasileira poderia ser dividido em quatro (4)
períodos47: o primeiro referente "expedições filosóficas e demarcatórias" realizadas na região
durante os séculos XVI, XVII e XVIII, composta seja por missionários, seja por cientistas,
principalmente naturalistas; o segundo correspondente as iniciativas inaugurais de
institucionalização por meio de museus e jardins botânicos na região no século XIX; o
terceiro concernente a criação das primeiras escolas técnicas, faculdades e institutos de
pesquisa de 1900 a 1950 e; o quarto pelo desenvolvimento de relativo alicerçamento
institucional, com a diversificação e descentralização das agendas de pesquisa, das ações
inter-relacionadas e de fontes de financiamento.

3.1.1 Primeiras iniciativas: Jardim Botânico do Grão-Pará e Museu Paraense

No Pará registrou-se, em 1798, a implantação do Jardim Botânico do Grão-Pará, dois


anos após sua ordenação pela Coroa Portuguesa, no contexto da organização de redes de
jardins botânicos entre nações europeias e suas coloniais (NONATO; PEREIRA, 2013;

47
O CGEE (2010) ao analisar o processo de construção de políticas de fomento de CT&I no contexto
subnacional brasileiro também propõe uma periodização com uma divisão em cinco (5) fases, sendo que a
primeira que corresponde às iniciativas até a década de 1950, que é sintetizada enquanto uma fase de
desconcentração ou descentralização difusa. Apesar de concordarmos com o sentido amplo da noção de ações
difusas, consideramos a periodização proposta por Nonato e Pereira (2013) particularmente interessante por (1)
detalharem melhor as diferentes concepções e ações nos governos locais acerca do desenvolvimento científico
em um abrangente espaço de tempo (XVI ao XX), que não está em foco no estudo do CGEE; (2) partirem de
uma perspectiva do governo local para tratar iniciativas de C&T, ainda que influenciadas por governos centrais,
divergente de uma perspectiva mais centrada na coordenação do governo federal do estudo do CGEE; (3)
desenvolvem um resgate histórico de iniciativas específicas da região amazônica.
129

SANJAD, 2001). Deste modo, o jardim botânico paraense tornava-se o primeiro espaço
institucional dedicado à pesquisa científica e experimentação agrícola na região, funcionando
tanto para aclimatação de espécies exógenas, quanto para cultivo e envio de espécies
endógenas (SANJAD, 2001). Contudo, como identificado por Sanjad (2001), com o processo
de independência do Brasil, a concepção do projeto de jardins botânicos perde importância no
contexto que o desenvolvimento de projeto científico precisava ser vinculado a construção de
uma identidade nacional. Assim, embora mantido por mais algumas décadas por meio de
articulações locais no âmbito do governo provincial do Pará, a partir de 1840 o jardim
botânico paraense perdeu seu caráter experimental. A partir de então, uma perspectiva de
atuação mais abrangente, conformando-o como jardim público ao que este autor se referiu
enquanto a transformação de um “jardim do império” para se tornar um “jardim da cidade”,
sendo extinto definitivamente em 1873.
No entanto, em torno do jardim se reuniram vários intelectuais, auxiliando a constituir
o que Sanjad (2001) caracterizou como uma emergente “comunidade científica” que, por
meio do exercício de cargos políticos, avançaram em um processo de profissionalização
científica na província com o estabelecimento de um Liceu Paraense, em 1841, com a
proposta de criação de um museu de história natural e de uma biblioteca pública. Neste
sentido, em 1866, um grupo de intelectuais (várias destes professores no Liceu, naturalistas,
profissionais liberais e políticos) reuniram para formar a Associação Philomática do Pará,
com o objetivo de implantar um museu paraense nos moldes das organizações de história
natural europeias (NONATO; PEREIRA, 2013; SANJAD, 2001). Em 1871, a Biblioteca
Pública e o Museu Paraense foram instalados oficialmente com apoio do governo provincial,
funcionando no prédio do Liceu (NONATO; PEREIRA, 2013; SANJAD, 2001).
Na década de 1890, já no regime republicano, o primeiro governador do Pará (Lauro
Sodré) convidou o zoólogo suíço Emílio Augusto Goeldi para dirigir o Museu Paraense e o
reestruturou estabelecendo-o como Museu Paraense de História Natural e Etnografia
(NONATO; PEREIRA, 2013; SANJAD, 2006). Posteriormente, seu nome foi novamente
alterado para “Museu Paraense Emílio Goeldi” (MPEG) em 1900, por decisão do governador
Paes de Carvalho, em homenagem ao zoólogo que permaneceu no cargo de diretor até 1907.
Enquanto o período em que fluía grande volume de riqueza proporcionado pela economia da
borracha, o Museu teve sua "belle époque" para naturalistas e colecionadores. Entretanto, a
crise financeira no estado do Pará nas décadas seguintes colocou seu funcionamento em risco,
de modo que, em 1955, foi incorporado ao governo federal, vinculando-se ao recém-criado
CNPq, sob a tutela do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), sediado em
130

Manaus (NONATO; PEREIRA, 2013). Somente na década de 1980, o MPEG retomou sua
autonomia organizacional em relação ao INPA, vinculando-se diretamente ao CNPq, e na
década de 1990, integrando o MCT, como unidade de pesquisa (NONATO; PEREIRA, 2013;
FAULHABER, 2005).

3.1.2 Expansão difusa na primeira metade do século XX

Com a decadência da economia da borracha48, o projeto de desenvolvimento científico


passou vincular-se a outros esforços do governo, principalmente na formação de uma rede
instrucional e na diversificação e ordenamento da produção agrícola regional, com a criação
de as escolas técnicas e faculdades (NONATO; PEREIRA, 2013). Nonato e Pereira (2013)
destacam, neste período, a criação de várias organizações como a Escola de Farmácia do Pará,
em 1904; Faculdades de Odontologia e de Medicina e Cirurgia do Pará, em 1912; a Escola de
Engenharia do Pará, em 1931, o Instituto de Patologia Experimental do Norte (atual Instituto
Evandro Chagas), em 1936 e; vinculado ao Ministério da Agricultura, o Instituto Agronômico
do Norte (IAN), em 1939, e sua decorrente atividade de ensino por meio da implementação da
Escola de Agronomia da Amazônia, em 1945.
Costa (2012) salienta a atuação do IAN, atual Centro de Pesquisa Agroflorestal do
Trópico Úmido (CPATU), unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA) da Amazônia Oriental. O autor relata que o instituto foi instalado entre os anos
de 1941 e 1942 com um programa de pesquisa parcialmente herdado do extinto Departamento
Científico de Estudos da Borracha da Companhia Ford Industrial em sua tentativa de operação
em Fordlândia, voltado à aplicação de conhecimentos científicos nas áreas de agropecuária e
silvicultura. Em 1962, as áreas de ensino e pesquisa do IAN se cindiram resultando na
Faculdade de Ciências Agrárias do Pará (FCAP, atualmente Universidade Federal Rural da
Amazônia) e no Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuária do Norte (IPEAN), que
foi incorporado como CPATU à EMBRAPA no período da ditadura militar (COSTA, 2012).

48
A efetiva aproximação entre as atividades de pesquisa do MPEG e a problemática da borracha no Pará
apresenta algumas controvérsias, para Costa (2012) tal aproximação foi fortuita e tardia, Nonato e Pereira (2013)
corroboram que tal aproximação ocorreu já no início da queda do preço da borracha, por solicitação do governo,
mas ressaltam produções importantes do diretor à época, Jacques Huber, sobre a qualidade do látex e o cultivo
de seringueiras. Costa (2012) entende que esta falta de proximidade se relaciona a própria condição de
dominação mercantil em que se baseava o comércio de borracha na região amazônica: centralizada nas mãos de
aviadores que monopolizavam as operações comerciais e submetiam os atores da exploração extrativista, de
modo que, a disseminação de um cultivo ordenado da seringueira alteraria ou destruiria as relações sociais em
que se baseava seu processo de dominação econômica e política, desestimulando iniciativas de transformação
produtiva.
131

3.1.3 Desenvolvimento e conformações à institucionalização da política científica e


tecnológica nacional

Na década de 1950, como vimos no capítulo 2, ocorreu a institucionalização de um


domínio de política pública específico para a C&T no Brasil, caracterizado entre outras ações
pela criação do CNPq e da CAPES. Esta institucionalização se desenvolveu por meio de
processo de centralização da política de pesquisa científica e tecnológica e de formação de
quadros científicos nestes órgãos no governo federal49. Concomitante a um processo de
federalização de universidades, a maioria destas criadas a partir da aglutinação de faculdades
pré-existentes (OLIVEN, 2002). Como ressalta Oliven (2002), no período da nova república,
foram criadas 22 universidades federais, cuja concepção era de que em cada estado da
federação estivesse instalada, ao menos, uma universidade federal.
Este movimento de expansão da educação superior e sua estruturação em torno de um
modelo de universidade federal também ocorreu na Região Norte, concretizando-se no Pará
com a criação da Universidade Federal do Pará (UFPA) em 1957, a partir da congregação de
sete (7) faculdades (entre federais, estaduais e privadas) existentes em Belém de Medicina,
Direito, Farmácia, Engenharia, Odontologia, Filosofia, Ciências e Letras e Ciências
Econômicas, Contábeis e Atuariais (UFPA, 2019).
Conforme Costa (2012), a partir da década de 1970, a UFPA se constituiu enquanto
organização voltada à pesquisa conjuntamente com sua função de ensino superior. O
movimento que pode ser associado a Lei da Reforma Universitária (Lei n° 5540/68) e
favorecido com maiores incentivos a pós-graduação no país por meio da CAPES (OLIVEN,
2002). A UFPA, até hoje, se destaca no cenário regional e estadual. Devido a nosso enfoque
estadual à CT&I, cabe indicarmos que esta universidade mantém o maior número de grupos
de pesquisa (534 no censo de 2016 do CNPq50) e pesquisadores doutores associados a estes
no estado (2.047 mesmo censo de 2016 do CNPq). Bem como o maior número de programas
de pós-graduação em funcionamento atuando em todas as áreas de conhecimento (71 cursos
entre mestrado, doutorado e programas de mestrado e doutorado em 2016 conforme

49
O estudo anteriormente citado do CGEE (2010) sobre o processo de construção de políticas de fomento de
CT&I no contexto subnacional brasileiro caracterizou as décadas de 1960 e 1970, enquanto um período de
centralização.
50
Consulta no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq (2019b).
132

CAPES51), tendo papel relevante na formação de quadros de pesquisa das demais que se
constituíram no estado.
Neste período, ao discutir a constituição de organizações e de agendas de pesquisa na
Amazônia, Faulhaber (2005) observou a construção da região enquanto “fronteira científica”,
entendida como unidade socioterritorial passível de ser incorporada a partir de diferentes
perspectivas. Desta maneira, a noção de fronteira assumia tanto caráter de “fronteira
internacional”, pelo interesse de pesquisa de diversas nações sobre a região e, principalmente,
a partir da década de 1970, com o acirramento das preocupações e debates ambientais
(FAULHABER, 2005; NONATO; PEREIRA, 2013). Quanto um caráter de “fronteira
econômica e social” ser incorporada dentro de projetos de expansão e integração nacionais,
particularmente marcada pelo desenvolvimentismo (FAULHABER, 2005).
Faulhaber (2005) ressaltava um fio condutor entre a significações de tais fronteiras
sobrepostas sobre a região, o projeto de Estado nacional e, a estratégia de intervenção por
meio da política científica e tecnológica em vigor. Ou seja, quais desafios de construção de
conhecimento e de representações sobre a natureza e ocupação humana eram direcionados.
Nonato e Pereira (2013) também observaram os movimentos políticos, econômicos e sociais
na constituição de agendas científicas na região, evidenciando duas direções principais. Por
um lado, a conformação de projetos de desenvolvimento por agroindústrias, madeireiras e
mineradoras que demandaram ordenamentos territoriais e competências científicas e
tecnológicas específicas e; por outro lado, relacionada também às consequências destes
projetos, a demanda pelo desenvolvimento de estudos e competências científicas sobre
impactos econômicos, sociais e ambientais destes empreendimentos, influenciados por foros
internacionais em que a problemática ambiental e o desenvolvimento econômico eram
debatidos como conferências das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano.
Tanto Nonato e Pereira (2013), como Costa (2012), salientam temáticas de referência
no desenvolvimento científico no estado em relação a agropecuária e manejo florestal, tendo
como um dos expoentes o CPATU/EMBRAPA e a geologia, geoquímica e geofísica, com
desenvolvimento significativo na Universidade Federal do Pará. Principalmente nas décadas
finais do século XX e início do XXI, o fortalecimento de agendas socioambiental e
biotecnológica enquanto estratégicas para gerar modelos de desenvolvimento fundamentados
em concepções de aproveitamento sustentável da biodiversidade e inclusão social de
populações tradicionais como amplamente discutido na 4ª Conferência Nacional de CT&I

51
Consulta ao Geocapes da CAPES (2019).
133

(BECKER, 2010; MCT; CGEE, 2010). Na próxima seção, tais temáticas também aparecem
evidenciadas no cenário de indicadores de CT&I no estado.

3.1.4 Institucionalização de processos de descentralização na política de CT&I

Desde o início da década de 1980, já havia articulação dirigida pelo CNPq para
descentralização de política de C&T no país pelo estímulo à constituição dos chamados
sistemas estaduais de C&T (SECT), conforme previsto no III Plano Básico de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PBDCT). Ainda em 1980, haviam sido realizados
dois encontros (um na região norte e outro na região nordeste) e diagnósticos preliminares da
função de C&T de nove (9) estados no Nordeste, norteando tais articulações no III PBDCT
(MARCELINO, 1985; CGEE, 2010). Conforme o CGEE (2010), dois anos após as ações
iniciais do CNPq era identificada a existência de 23 Secretarias Estaduais de C&T (SECT) e
de 18 planos estaduais de C&T.
A previsão de criação de órgãos, programas ou fundações estaduais voltadas à
promoção do desenvolvimento da C&T também era uma das linhas de articulação no III
PBDCT. Com a Constituição Federal (CF) de 1988, esse movimento foi fortalecido com a
introdução no artigo 218 (§5) da possibilidade dos estados criarem fundos de fomento à C&T,
pela vinculação de parcela das suas receitas orçamentárias às entidades públicas de fomento
ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica. Silva (2000) identificou 23 fundos estaduais
criados nestes moldes até 2000. Além disso, foi incluída no rol das competências comuns
entre União, estados, distrito federal e municípios, conforme art. 23 da CF, a de "proporcionar
os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência"52.
Faulhaber (2005) ressalta que tal movimento de regionalização era personalizado na
figura de Lynaldo Cavalcante de Albuquerque, presidente do CNPq à época, que havia sido
reitor da Universidade de Campina Grande. Os argumentos mobilizados para defesa da
regionalização abrangiam (ALBUQUERQUE, 2004; CGEE, 2010; MARCELINO, 1985) dois
pontos. O primeiro de dotar o Sistema Nacional de Desenvolvimento C&T (SNDCT) de
coordenação efetiva ao melhorar a geração de informações sobre as realidades regionais,
reconhecidamente desiguais no país, evitar duplicidade e pulverização de ações ao articular
atividades nacionais e estaduais e, obter apoio à execução da política nacional por ações
desdobradas no âmbito estadual, particularmente em estados que tais organizações e

52
Com a Emenda Constitucional nº 85 de 2015 esta competência foi ampliada para "proporcionar os meios de
acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação".
134

estruturas não existiam. O segundo ponto relacionado à concepção de atender a linhas de


pesquisa voltadas às “especificidades regionais”, com a consolidação de uma capacidade
regional de pesquisa que desenvolva soluções e alternativas tecnológicas adequadas a
realidades sociais e econômicas locais. Sendo, assim, dada ênfase ao alinhamento de agendas
de pesquisa às necessidades de desenvolvimento econômicos regionais.
Apesar da forte adesão da previsão nas constituições estaduais da criação de fundos e
de incentivar a criação de bases institucionais de C&T descentralizadas, esta indução foi
restrita pelo próprio cenário de crise econômica da década de 1980 que, no caso da política de
C&T, somente se reestabilização novamente no âmbito federal no final da década de 1990
com a criação dos fundos setoriais. Contudo, ainda que a descentralização tenha sido
efetivamente constrangida em sua operacionalidade pela crise econômica, este cenário de falta
de recursos federais e ascensão dos preceitos neoliberais, impulsionou articulação discursiva
em torno deste movimento, também, na direção de constituir alternativas de fontes de fomento
a C&T junto aos governos estaduais e entidades privadas. Esse constrangimento,
principalmente econômico de indução do governo federal à descentralização na década de
1980, fez com que o CGEE (2010) caracteriza-se o período como de descentralização
restringida.
Na década de 1990, houve a busca por iniciativas de descentralização público-privada
por parte do governo federal, particularmente relacionadas ao Programa Brasileiro da
Qualidade e Produtividade (PBQP) e do Programa Nacional de Software para Exportação
(SOFTEX) e os rebatimentos de criação dos fundos estaduais e de Fundações de Amparo à
Pesquisa (FAP) estaduais, resultantes das previsões constitucionais do final da década anterior
(CGEE, 2010).
No entanto, indução mais forte a estruturação institucional do processo de
descentralização e maior desconcentração de entidades federais somente ocorreu a partir da
2000, com a estabilização de fontes de fomento na política federal, que até hoje representa a
maior participação no financiamento a CT&I em todos os estados da federação, exceto o de
São Paulo (CGEE, 2010).
Na tabela 1, podemos verificar a expansão do volume de investimentos no domínio de
CT&I em termos de gastos federais, estaduais e empresariais. Observamos que houve
crescimento acentuado dos investimentos tanto dos dispêndios estaduais (571% em C&T no
período), quanto do dispêndio federal (522% em C&T), sendo este predominante.
135

Tabela 1 - Dispêndios em C&T e P&D no Brasil, de 2002 a 2016 (em milhão de reais)

Dispêndios 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016


Federais em C&T 6.522 8.688 11.476 15.974 22.577 26.394 33.336 34.022
Federais em P&D 4.828 6.418 8.483 12.069 16.039 20.020 26.102 26.592
Estaduais em C&T 3.473 3.900 4.282 7.138 10.201 13.650 17.266 19.842
Estaduais em P&D 2.932 2.916 3.427 5.611 6.999 9.782 12.842 14.907
2003 2005 2008 2011 2014
Empresariais em P&D1
5.098 7.112 10.708 15.156 18.171
1
Dados da PINTEC, como esta pesquisa inclui empresas governamentais que realizam inovação, como o
exemplo da PETROBRAS, os valores registrados estão, em alguma medida, parcialmente em duplicidade com
os dispêndios governamentais acima. A periodicidade da PINTEC é diferenciada, por isso anos de referência são
indicados separadamente.
Fonte: MCTIC (2018b) e IBGE (2017).

O ponto relevante para entendermos o processo de descentralização em CT&I é


analisarmos a distribuição dos profissionais deste campo. Na tabela 2, examinamos o
crescimento de recursos humanos em categorias relacionadas ao exercício de atividades de
CT&I, com destaque para o número de pesquisadores doutores, cujo aumento no período foi
de 316% total para o país.

Tabela 2 - Quantidade de recursos humanos em CT&I no Brasil, de 2002 a 2016

Recursos humanos em
2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016
CT&I
Docentes em PPG stricto
79.113 40.725 47.571 53.706 60.038 71.507 85.449 95.182
sensu
Pesquisadores doutores
37.625 53.900 65.515 76.936 96.641 - 140.272 156.580
(DGP)
Pessoas ocupadas em P&D 2003 2005 2008 2011 2014
empresarial1 38.523 47.628 48.082 71.351 76.243
1
A periodicidade da PINTEC no decorrer do intervalo de tempo em pesquisa foi: 2003, 2005, 2008, 2011 e 2014,
por isso indicação de ano para os dados advindos desta pesquisa é diferenciada.
Fonte: Capes (2017), CNPq (2017) e IBGE (2017).

No gráfico 1, aplicamos um indicador de desigualdade (índice de Theil) para analisar a


distribuição do crescimento destes recursos humanos por unidade federativa (UF)53.
Encontramos que, principalmente para as categorias relacionadas a membros da comunidade
de pesquisa (pesquisadores com doutora e docentes da pós-graduação), houve redução das

53
O índice de Theil é um método de medição de nível de desigualdade, reconhecido por responder com forte
sensibilidade aos princípios de transferência entre unidades em análise e permitir decomposição da medição de
desigualdade em termos inter e intragrupos (RODRIGUES; VASCONCELLOS SOBRINHO; FERREIRA,
2017). Quanto maior o índice, maior a desigualdade na distribuição do recurso em medição entre as unidades em
análise. Maior detalhamento sobre o método e resultados aplicados a outras categoriais de análise podem ser
consultados em Rodrigues, Vasconcellos Sobrinho e Ferreira (2017).
136

desigualdades, indicando que a expansão destes profissionais tendeu a ocorrer em maior


proporção nos estados periféricos do que nos centrais. Portanto, podemos compreender que
houve certa desconcentração de atividades de CT&I e uma ampliação da comunidade de
pesquisa em estados periféricos.
Cabe considerarmos que processos de descentralização foram movimentos presentes
nos diversos domínios de políticas públicas no país a partir da década de 1980. Entretanto,
estes processos se desenvolveram de forma distintas em termos de coordenação federativa nos
diferentes domínios, seja na função financiamento, seja na de execução, seja na de regulação,
como exposta por Arretche (2010). Esta autora ressalta que soluções regulatórias mais
abrangentes e estruturadas foram desenvolvidas em políticas como de saúde, educação e
assistência social, em que o governo federal construiu instâncias de coordenação federativa
para controle e gestão de programas em âmbito intergovernamental. Exemplos são as
estruturas institucionais relacionadas ao Sistema Único da Saúde (SUS), ao Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) e do Bolsa Família.

Gráfico 1 – Índice de desigualdade em variáveis relacionadas a recursos humanos em CT&I entre


Unidades Federativas (UF) do Brasil, no período de 2002 a 2016

*Dados extraídos de Capes (2017), CNPq (2017) e IBGE (2017).


Fonte: Elaborado pela autora (2019).

No que tange a política de CT&I, compreendemos que a coordenação federativa se


baseou principalmente na função de financiamento, mais expressiva no governo federal, de
modo a induzir a execução de fomento e cofinanciamento estadual dentro de determinados
137

modelos de instrumentos e concepção de programas de pesquisa, como são os casos dos


chamados programas institucionais do CNPq54. Exemplos, PRONEX, INCT, Fixação de
Doutores e Iniciação Científica, executados de modo descentralizado por adesão dos governos
estaduais, geralmente via FAP. Auxiliar a isso, há forte processo de emulação dos modelos
institucionais e agendas nacionais ou dos estados centrais na construção de políticas
subnacionais, direcionados principalmente pelo compartilhamento de crenças acessórias da
política entre membros da comunidade de pesquisa.
Uma vez que a política de CT&I nacional é dominada por atores da comunidade de
pesquisa e tendo considerado grau de insulamento frente a outros atores sociais, como vimos
no capítulo anterior, entendemos que a articulação de mecanismos de coordenação federativa
mais abrangentes que operassem obrigações compulsórias fiscais ou administrativas aos
governos subnacionais seria de difícil articulação política. Portanto, em termos regulatórios,
os governos subnacionais gozam de amplas prerrogativas legais para tomar decisões
autônomas sobre o conteúdo e o formato dos programas governamentais neste domínio de
política, com substancial espaço às divergências de prioridades e focos de políticas. Além
disso, reconhecemos que apresentam capacidades orçamentárias e administrativas, bem como,
mecanismos institucionais e de controle no domínio muito desiguais.
Neste cenário, entendemos que o principal motor do avanço subnacional desta política
tende a ser a expansão e fixação de membros da comunidade de pesquisa nos territórios. Pois,
em geral, estes são formados em ambientes de C&T de territórios mais centrais (sejam
nacionais, sejam internacionais) e, ao retornarem ou se instalarem em territórios periféricos,
tornam-se a principal força de demanda pela institucionalização e ampliação desta política nos
governos subnacionais. Este movimento, embora resulte em um encontro de forças e
articulação de interesses locais bastante distinto na agenda geral do governo (levando a um
maior ou menor espaço e prioridade da CT&I no orçamento governamental estadual),
internamente no domínio da política, conduz a uma forte convergência de modelos
institucionais e agendas de fomento compartilhados no âmbito da comunidade de pesquisa
nacional.
Em relação à regulação federal sobre a política de CT&I, as principais iniciativas
foram voltadas à normatização das condições de financiamento e de conteúdos da política
CT&I, principalmente a partir da década de 2000, com aprovação de variadas legislações.

54
O CNPq atualmente mantém em sua estrutura organizacional uma coordenação-geral de cooperação nacional,
tendo uma coordenação específica para tratar dos programas em parcerias com os estados, a Coordenação de
Parcerias Estaduais (COPES).
138

Entre estas podemos citar a criação da chamada lei de incentivo à inovação (10.973/2004), a
Lei do Bem referente a concessões de incentivos fiscais (11.196/2005) e, mais recentemente,
a emenda constitucional n° 85, com o denominado novo marco legal da CT&I, Lei
13.243/2016. Tais legislações apresentam ênfases na introdução da agenda de políticas de
inovação tecnológica no domínio da política, movimento relacionado ao discurso em prol da
CT&I orientada para o mercado. Tais legislações federais tendem a ressoar em iniciativas
similares das legislações no âmbito estadual, uma vez que estados e municípios também
gozam de prerrogativas legais concorrentes sobre o sistema de ciência, tecnologia e inovação.

3.1.5 Institucionalização da política científica e tecnológica estadual no Pará

Como apontamos até o momento, houve diversas iniciativas de desenvolvimento de


pesquisas científicas e tecnológicas e sua institucionalização em organizações específicas no
Pará, sejam operadas a partir de atores locais endogenamente orientados, sejam operadas pela
junção de atores locais, nacionais ou internacionais, gestadas na confluência de projetos
científicos e de desenvolvimento endógenos e exógenos. Contudo, no início da década de
1980, as principais organizações de C&T instaladas no estado estavam sob a administração e
financiamento do governo federal (UFPA, CPATU, MPEG, entre outras). De modo que, o
processo de institucionalização de um domínio de política estadual específico a C&T (e
posteriormente de CT&I acompanhando o movimento nacional da comunidade de pesquisa)
foi moldado com forte influência da indução federal a descentralização.
Em 1989, a Constituição Estadual incorporou um capítulo dedicado a C&T (capítulo
IV)55 e atendeu a premissa do artigo 218 da CF ao prever no art. 291 a vinculação de, no
mínimo, três décimos por cento da receita orçamentária estadual ao fomento ao ensino e à
pesquisa científica e tecnológica, cuja aplicação seria exercida por instituição específica de
amparo ao desenvolvimento da pesquisa, ciência e tecnologia, nos termos da lei.
Além disso, no art. 290, neste mesmo capítulo, previu a criação de um Conselho
Estadual específico para C&T (art. 290), o qual entre suas atribuições estavam "I-opinar,
obrigatoriamente, sobre a política estadual de ciência e tecnologia", bem como opinar sobre
propostas orçamentárias e avaliar resultados neste âmbito. Tal conselho seria formado por

55
Em 2016, o capítulo IV e seus artigos foram alterados pela Emenda Constitucional estadual nº 69, que os
moldes da EC federal nº 85, que explicitou o termo inovação na identidade do campo da política, e operou
mudanças equivalentes da EC federal nos artigos da Constituição Estadual, assim como explicitou a Fundação
Amazônia de Amparo a Estudos de Ciência, Tecnologia e Inovação do Pará (que assume o papel de FAP
estadual) como responsável pela gestão dos recursos vinculado ao fomento a CT&I.
139

representantes do poder executivo, legislativo, representantes de associações de municípios,


iniciativa privada e, majoritariamente, de instituições de pesquisas e de associações
científicas, expressando a legitimação do predomínio da comunidade de pesquisa neste campo
da política. Outro marco desta construção de um domínio específico a política de C&T
estadual no Pará foi a criação, em 1993, da Universidade do Estado do Pará (UEPA) pela Lei
nº 5.747.
Cabe esclarecermos que o fundo de fomento previsto em 1989 foi regulamentado pela
Lei Complementar Estadual nº 29 somente em 1995, instituindo o chamado Fundo Estadual
de Ciência e Tecnologia do Pará (FUNTEC) e o Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia
(CONTEC), regulamentado pelo Decreto nº 1.166 de 1996. Tanto o FUNTEC, quanto o
CONTEC, foram associados a Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente
(SECTAM), secretaria estadual responsável por “planejar, coordenar, supervisionar, executar
e controlar as atividades setoriais, a cargo do Governo do Estado, que visem ao
desenvolvimento científico e tecnológico e à proteção, conservação e melhoria do meio-
ambiente”, conforme lei nº 5.752 de 1993.
No entanto, apesar dos avanços em termos de previsões legais e organização formal, a
temática de C&T ficou distante de ser priorizada na agenda governamental. No âmbito da
Secretaria estadual, a atenção política com a temática de meio ambiente, principalmente no
contexto econômico e social do Pará, cujas demandas e complexidades relacionadas aos
processos vinculados a questão ambiental são realçadas. Algumas críticas da comunidade de
pesquisa em relação a efetividade da política de C&T deste período são compiladas em Cruz
(2007) e Silva (2007), que abrangem tanto o não cumprimento dos patamares de
investimentos conforme previsão legal, quanto a falta de estrutura institucional e
administrativa para efetivo acompanhamento e avaliação dos fomentos. Na tabela 3,
apresentamos levantamento de projetos de P&D financiados por meio do FUNTEC no
período de 1997 (primeiro edital de fomento lançado) a 2006.
Na tabela 4, um levantamento geral por tipos de projetos apoiados por recursos
financeiros do FUNTEC aplicados no fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico
no estado do Pará, baseado em Silva (2007), por períodos de governos 1995 a 2006. Embora
cada tabela apresente recorte distinto de classificação e abrangência de projetos, é possível
observarmos que os valores anuais de investimentos via FUNTEC eram relativamente baixos
e com ampla variação entre os anos. Além disso, também verificamos que, em geral, sua
aplicação ocorria por meio de editais de chamadas públicas voltados a comunidade a
pesquisa.
140

Tabela 3 - Projetos de P&D financiados por meio do FUNTEC do governo do estado do Pará, de 1997
a 2006

Valor Instituições Contempladas


Nº de Valor Total Médio por (% de projetos aprovados por instituição)
Ano
projetos (R$ 1,00) projeto
(R$ 1,00) UFPA UFRA UEPA MPEG Embrapa IEC Outras
1997 0 - 0 0 0 0 0 0 0 0
1998 45 1.986.840,00 44.152 51,11 6,67 15,56 4,44 11,11 6,67 4,44
1999 0 - 0 0 0 0 0 0 0 0
2000 45 1.729.890,00 38.442 60 15,56 8,89 0 8,89 4,44 2,22
2001 69 1.381.794,00 20.026 55,07 7,25 7,25 1,45 14,49 7,25 7,24
2002 2 70.052,00 35.026 50 0 0 0 50 0 0
2003 84 2.519.916,00 29.999 58,33 7,14 3,58 3,57 16,67 5,95 4,76
2004 90 3.997.350,00 44.415 63,33 6,67 7,78 6,67 5,56 3,33 6,66
2005 2 45.064,00 22.532 50 0 50 0 0 0 0
2006 1 36.000,00 36.000 100 0 0 0 0 0 0
TOTAL 338 11.766.906,00 34.813,33 - - - - - - -
*Inclusos projetos de P&D voltados para o setor produtivo; pesquisa básica e aproveitamento econômico da
biodiversidade; pesquisa na área de saúde; e, projetos em convênio com o CNPq (PRONEX, DCR, Jovens
Pesquisadores), excluídos projetos institucionais de bolsas de estudo e cursos de pós-graduação, eventos
científicos, publicações científicas e similares. Fonte: Adaptada pela autora a partir de Cruz (2007).

Tabela 4 - Modalidades de Projetos de CT&I financiados por meio do FUNTEC do governo do estado
do Pará, de 1995 a 2006 (em R$ 1,00)

Projetos Projetos Projetos


Modalidade de contratados contratados contratados Total
projetos (1995-1998) (1999-2002) (2003-2006)
Quant. Valor total Quant. Valor total Quant. Valor total Quant. Valor total
Desenvolvimento do
12 560.051 38 1.276.380 66 1.622.814 116 3.459.245
setor produtivo1
Pesquisas básicas e
sobre a 18 843.554 45 1.636.292 86 3.129.649 149 5.609.495
biodiversidade2
Pesquisas voltadas
15 583.222 32 875.883 57 2.224.076 104 3.683.181
para a área de saúde2
Cursos de Pós-
13 457.704 21 615.069 7 180.037 41 1.252.810
Graduação
Bolsas de Estudo e
0 - 0 - 90 2.213.802 90 2.213.802
Difusão Tecnológica
Eventos Científicos 26 367.331 47 695.424 57 573.813 130 1.636.568
Publicações 32 48.290 16 102.360 5 68.400 53 219.050
3
Outros 0 - 5 323.350 5 901.410 10 1.224.760
Total 116 2.860.152 204 5.524.758 373 10.914.001 693 19.298.911
1
Inclusos projetos do Programa Inovar Pará 2005; PRONEX, DCR, Jovens Pesquisadores e Editais anuais
voltados para cadeias produtivas estratégicas do Estado; 2Inclui projetos dos Programas PRONEX, DCR e
Jovens Pesquisadores, em convênio com o CNPq e dos editais anuais para projetos dessas temáticas; 3Inclui
despesas com recursos do FUNTEC não relacionadas com o financiamento de projetos e atividades finalísticas
voltadas para o desenvolvimento científico e tecnológico do Pará.
Fonte: Adaptada pela autora a partir de Silva (2007).
141

Esta conformação institucional prevaleceu na política de C&T no estado Pará até o


ano de 2007, quando identificamos mudanças institucionais de reconfiguração. Em 2007,
inicia-se novo mandato de governo, o qual reestruturou em termos institucionais o domínio da
política de CT&I, ao criar dois espaços novos significativos, uma secretaria com ampla
dedicação à CT&I e uma FAP estadual aos moldes institucionais de organizações congêneres
estaduais no país.
Portanto, em 2007, a temática de CT&I é desvinculada da SECTAM, sendo criada a
Secretaria de Estado de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia (SEDECT)56, a qual ainda
que não fosse secretaria exclusiva à CT&I, nesta a temática alcançará maior centralidade. E,
no mesmo ano, houve implantação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará
(FAPESPA)57. É fundamentada nestas duas organizações que serão construídos os programas
de governos nas temáticas relacionadas a CT&I nos PPA seguintes e, delas, partiram suas
principais diretrizes e ações como examinaremos na próxima seção.

3.2 POLÍTICA ESTADUAL DE CT&I EM PERSPECTIVA NO PPA 2008-2011

As orientações estratégicas do PPA do governo do estado do Pará de 2008-2011


(intitulado de “Construindo o Pará de Todas e Todos”) ressaltaram sua construção por meio
de planejamento territorial participativo58, que propunha como diretriz principal a construção
de “Novo Modelo de Desenvolvimento”, em que a temática de CT&I era realçada, conforme
trecho do documento:

A grande meta do PPA 2008–2011 foi definida como a construção de um ‘Novo


Modelo de Desenvolvimento’, ou seja, pensar desenvolvimento em sua dimensão e
diversidade territorial, estimulando a mudança da matriz produtiva do Estado de forma a
permitir uma maior difusão social dos impactos do aumento do Produto Interno Bruto
(PIB) em termos de distribuição de renda e da melhoria das condições de vida da
população, bem como estimular políticas de desenvolvimento de Ciência, Tecnologia &
Inovação, compatibilizando o aumento de produtividade e o aproveitamento sustentável
dos potenciais social, energético e capital natural locais. (PARÁ, s/d, p. 7-8, grifo
nosso).

Este PPA foi organizado em três (3) tipologias de programas: Programa Apoio
Administrativo, Apoio às Políticas Públicas e Serviços ao Estado e os Finalísticos. E foi
56
Lei nº 7.017/2007.
57
Lei complementar 061/2007, a qual revoga Lei Complementar nº 29/1995, que instituía o FUNTEC.
58
Em termos de organização territorial do estado, foi adotada a divisão do mesmo em 12 regiões de integração:
Araguaia, Baixo Amazonas, Carajás, Guamá, Lago de Tucuruí, Marajó, Metropolitana, Rio Caeté, Rio Capim,
Tapajós, Tocantins e Xingu.
142

expresso por três (3) macros objetivos de governo: "Qualidade de vida para todas e todos"
(abrangendo 83,16% dos programas); "Inovação para o desenvolvimento" (8,06% dos
programas) e; "Gestão participativa, descentralizada, de valorização e respeito aos servidores
públicos" (8,78% dos programas).
Apesar de certa centralidade discursiva em torno da temática de CT&I nas orientações
estratégicas do PPA e do potencial da política de CT&I enquanto política meio (science for
policy), ao examinarmos o PPA observamos que a temática ficou preponderantemente
concentrada em único programa denominado de "Ciência, Tecnologia e Inovação para o
Desenvolvimento" na modalidade de programas finalísticos, classificado no eixo de "Políticas
de Desenvolvimento Econômico", posteriormente renomeado para "Políticas de
Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente".
Cabe indicarmos ainda que, o único programa que explicitamente indicou buscar
integração com o programa de "CT&I para o desenvolvimento" ou o "Desenvolve Pará", que
tinha como objetivo "incrementar a competitividade sistêmica da economia, gerando emprego
e renda", do qual a SEDECT também era responsável no que tange a sua vertente de atuação
voltada ao desenvolvimento econômico, uma vez que havia herdado a maior parte das
competências da antiga Secretaria de Estado da Indústria, Comércio e Mineração. Estes dois
programas foram os únicos em que a SEDECT foi indicada entre seus órgãos executores.
Enquanto a FAPESPA, foi citada como órgão executor em três programas (CT&I para o
Desenvolvimento, Universidade Pública com Qualidade59, e Pará, Território da Juventude)
onde novamente verificamos a justaposição destes órgãos somente no programa CT&I para o
Desenvolvimento, reforçando a ponderá-lo como principal representativo da agenda de CT&I
estadual.

59
Este programa tem como objeto geral a ampliação e fortalecimento da UEPA e possui a elaboração de ações
bastante vinculada ao tema da educação superior. Embora consideramos que este tema tem claras interseções
com o da CT&I, o programa teve a finalidade específica de atender a uma instituição de educação superior em
particular, no que resultou em um desenho mais restrito das demandas desta universidade, inclusive para sua
equiparação frente às demais principais universidades e institutos de pesquisa no estado. Deste modo, além de ter
parte significativa de suas ações voltadas mais a agenda da educação, este programa não se configurou em um
espaço efetivo de representação ampla da comunidade de pesquisa no estado, nem de seus anseios gerais da
relação CTS. Cabe mencionarmos que em suas ações não são citados nenhum dos termos ciência, tecnologia ou
inovação, somente o de pesquisa, em sua integração com ensino e extensão. Assim, entendemos que o espaço
para uma agenda de CT&I estadual foi efetivamente representado no programa de Ciência, Tecnologia e
Inovação para o Desenvolvimento.
143

3.2.1 Programa Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento

O programa CT&I para o Desenvolvimento tinha como objetivo "produzir e aplicar


conhecimento articulado com as necessidades de desenvolvimento econômico e social do
Estado". Teve como público-alvo inicialmente indicado "Instituições de Ensino, Pesquisa e
Unidades Produtivas", sendo este alterado em revisão do PPA no final de 2008 para
"Sociedade", embora não tenha havido mudanças significativas nos produtos e ações
propostas, exceto pela ação "Implementação de Tecnologia de Informação e Comunicação
para o Desenvolvimento do Estado (NavegaPará)".
Originalmente, este programa tinha 21 ações abrangendo o valor total de R$
176.058.349 (2,3% do orçamento geral do poder executivo). Em 31 de dezembro de 2008, foi
realizada uma revisão no PPA 2008-2011, na qual vários ajustes em termos de descrição de
ação, objetivo e produto, bem como em RI e valores aprovados, foram realizados. O programa
passou a ter 19 ações com o valor aprovado R$ 342.103.242 (4,9%).
As duas maiores alterações em termos de valores, e, assim, entendemos também
quanto a abrangência e centralidade de seus direcionamentos para política estadual de CT&I,
foram na ação já citada do NavegaPará e na ação de Implementação do Sistema Paraense de
Inovação (SIPI), que passam a ser as ações com maior investimento programado, conforme
quadro 7.
A ação relacionada ao NavegaPará, inicialmente programada em R$ 3.783.944, foi
recomposta para R$ 133.988.392 (aumento de mais de 3.500%) e prevista a ser implementada
em 11 (Baixo Amazonas, Carajás, Guamá, Lago de Tucuruí, Marajó, Metropolitana, Rio
Caeté, Rio Capim, Tapajós, Tocantins, Xingu) das 12 RI no estado, ação com maior
amplitude de regiões previstas no programa de CT&I para o Desenvolvimento. Esta ação
passou a representar quase 40% do orçamento do programa e tornou-se de grande difusão e
divulgação do âmbito do governo estadual.
144

Quadro 7 – Ações do Programa Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento do PPA 2008-2011 do Governo do Estado do Pará
Valor
Ação Objetivo Produto Região de Integração %
previsto
Criar ambiente favorável à incorporação de tecnologia e inovação em
Implementação de Tecnologia de Baixo Amazonas, Carajás, Guamá,
processos e produtos, aumentando/proporcionando a criação de
Informação e Comunicação para o Usuário Atendido Lago de Tucuruí, Marajó,
vantagens competitivas nos planos regional, nacional e internacional e 133.988.392 39,2%
Desenvolvimento do Estado - (Un) Metropolitana, Rio Caeté, Rio
proporcionando uma ampla inclusão digital dos diversos setores
NAVEGAPARÁ Capim, Tapajós, Tocantins, Xingu
produtivos.
Implementação do Sistema Paraense de Sistema Baixo Amazonas, Carajás, Guamá,
Articular redes e instrumentos de inovação no âmbito estadual. 53.084.877 15,5%
Inovação – SIPI Implementado (Un) Metropolitana, Rio Caeté, Xingu
Criar instrumentos indutores de inovação voltados ao desenvolvimento Parque Tecnológico Baixo Amazonas, Carajás,
Implementação de Parques Tecnológicos 38.962.532 11,4%
regional integrado e sustentável Implementado (Un) Metropolitana
Fomento à Pesquisa Científica, Tecnológica
Baixo Amazonas, Carajás, Guamá,
e de Inovação em Áreas de Conhecimento Induzir a geração de conhecimento específico e de excelência para Projeto Apoiado
Marajó, Metropolitana, Rio Caeté, 35.799.249 10,5%
Estratégicas para o Desenvolvimento do aplicação no ambiente produtivo. (Un)
Tocantins, Xingu
Estado
Formação de Redes de Pesquisa em Ciência Apoiar a constituição de redes de pesquisa em torno de temas Rede de Pesquisa Baixo Amazonas, Carajás, Guamá,
25.329.292 7,4%
e Tecnologia prioritários para o desenvolvimento científico e tecnológico regional. Formada (Un) Metropolitana, Rio Caeté
Produzir conhecimento de excelência sobre a realidade regional,
Recurso Humano Baixo Amazonas, Carajás, Lago de
Formação e Fixação de Recursos Humanos possibilitando a formulação de soluções efetivas para os problemas 21.531.355 6,3%
Formado (Un) Tucuruí, Metropolitana, Rio Caeté
econômico-sociais.
Araguaia, Baixo Amazonas,
Apoio ao Desenvolvimento da Ciência,
Disseminar o conhecimento científico e tecnológico, identificando e Estudante Carajás, Guamá, Lago de Tucuruí,
Tecnologia e Inovação no Ensino 7.544.878 2,2%
formando novos talentos e criando estruturas para estimular a pesquisa. Beneficiado (Un) Metropolitana, Rio Caeté, Rio
Fundamental, Médio e Tecnológico
Capim, Tocantins
Fomento à Difusão da Ciência, Tecnologia e Socializar o conhecimento científico e tecnológico, criando e Evento Apoiado Baixo Amazonas, Carajás, Guamá,
6.950.639 2,0%
Inovação consolidando mecanismos de divulgação. (Un) Metropolitana, Rio Caeté
Possibilitar a mudança do perfil competitivo da base econômica
Indução à Inovação de Processos e Produtos Empresa Apoiada Baixo Amazonas, Carajás,
industrial, aperfeiçoando processos e produtos da indústria, através de 4.503.577 1,3%
em Empresas que atuam no Pará (Un) Metropolitana, Tocantins
especialistas que atuem diretamente ou em cooperação com empresas
Apoio à Implantação do Sistema Estadual de Sistema de
Aumentar densidade tecnológica e competitividade de produtos, Baixo Amazonas, Carajás,
Avaliação de Qualidade e Certificação de Certificação 2.680.590 0,8%
qualificando o consumo e gerando impacto positivo na economia. Metropolitana
Produtos Implantado (Un)
145

Valor
Ação Objetivo Produto Região de Integração %
previsto
Sistema de Gestão
Implantação do Sistema de Gestão de Criar instrumento de aprovação, gerenciamento e avaliação dos
de Projetos Metropolitana 2.150.797 0,6%
Projetos em Ciência, Tecnologia e Inovação projetos e bolsas apoiados pela Fundação
Implantado (Un)
Implementação de Mecanismos de
Induzir a integração da ciência, tecnologia e inovação potencializando Sistema Implantado Baixo Amazonas, Carajás,
Promoção da Ciência, Tecnologia e 2.112.460 0,6%
sua aplicação. (Un) Metropolitana
Inovação - CT&I
Implementação de Ações do Uso de Gás Gás Natural
Viabilizar o uso de gás natural no Estado do Pará Metropolitana 2.011.866 0,6%
Natural Distribuído (M3)
Viabilizar o funcionamento e às operações indispensáveis as Unidade
Implementação de Ações da GASPARÁ Metropolitana 1.609.495 0,5%
atividades. Implementada (Un)
Instrumento de Baixo Amazonas, Carajás, Guamá,
Divulgação de Informações sobre Ciência, Difundir a Produção em Ciência, Tecnologia e Inovação, reforçando a
Divulgação Lago de Tucuruí, Metropolitana, 1.258.869 0,4%
Tecnologia e Inovação cultura nessa temática.
Apoiado (Un) Rio Caeté, Tocantins, Xingu
Induzir a criação e fortalecimento de ambientes de inovação para Empresa Apoiada Baixo Amazonas, Carajás,
Apoio à Incubação de Empresas 1.129.755 0,3%
viabilizar empreendimentos competitivos. (Un) Metropolitana
Promover Intercâmbio de conhecimento com organismos
Cooperação Internacional em Ciência, Cooperação
internacionais, aperfeiçoando recursos humanos e Instituições de Metropolitana 702.298 0,2%
Tecnologia e Inovação Efetivada (Un)
ensino e pesquisa.
Baixo Amazonas, Carajás, Guamá,
Indução à Tecnologia Industrial Básica a Difundir a Tecnologia Industrial Básica (TIB) nas instituições de Instituição Atendida Lago de Tucuruí, Metropolitana,
532.603 0,2%
Processos Produtivos ensino e pesquisa, empresas e para os empreendedores em geral. (Un) Rio Caeté, Rio Capim, Tocantins,
Xingu
Fortalecer a economia a partir da atração de plantas industriais e do
Atração para o Estado de Empresas desenvolvimento de produtos inovadores em ambientes como: distritos Empresa Araguaia, Baixo Amazonas,
219.718 0,1%
Detentoras de Capacidade Inovativa e áreas industriais, parques de ciência e tecnologia e incubadoras de Implantada (Un) Carajás, Metropolitana, Tocantins
empresas.
Legenda: Un = Unidade.
Fonte: Adaptado pela autora a partir de PARÁ (2007a).
146

Segundo Daher e Cardoso (2012) a primeira etapa de implantação do NavegaPará


abrangeu convênio entre o Governo do Estado do Pará (GEP) e a Rede Nacional de Pesquisa
(RNP) para utilização da rede de fibras óticas existentes na região metropolitana da capital do
estado (Belém) para interligação dos órgãos governamentais estaduais, anterior
interconectados via serviços privados de menor qualidade de conexão e maior custo,
compondo a se denominou de RedeMetrobel. Ainda em 2007, um convênio entre o GEP e a
Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. (Eletronorte), subsidiária da Centrais Elétricas
Brasileiras S.A. (Eletrobrás), para utilização da rede de fibra ótica existente no cabo para-
raios das linhas de transmissão da Eletronorte para fins de oferta de serviços de
telecomunicação (DAHER; CARDOSO, 2012; GONÇALVES, 2011).
Por este convênio com a Eletronorte, foram realizados investimentos para iluminar a
rede das fibras óticas para transporte de dados, de modo que a Eletronorte poderia
comercializar esse transporte de dados junto a prestadores de serviços, enquanto o GEP
poderia utilizar a infraestrutura para fins de inclusão digital, que envolvia a conexão de órgãos
governamentais estaduais, pontos de acesso às prefeituras municipais e, ao menos, um ponto
de acesso livre à população.
Gonçalves (2011) ressalta que esta solução tecnológica, somente foi possibilitada por
acordo político-econômico entre Eletronorte e GEP. Ou seja, envolveu tanto alinhamento dos
interesses políticos, uma vez que pela primeira vez havia no GEP e no governo federal o
mesmo partido no poder (Partido dos Trabalhadores). Quanto a conformação de interesses
econômicos, considerando que: a Eletronorte tinha interesse em aumentar seu faturamento no
setor de serviços de telecomunicações (o que efetivamente ocorreu) e que os equipamentos
adquiridos pelo GEP para iluminar a rede deverão ser incorporados ao contrato de concessão
pública da Eletronorte, ao final do convênio e; o GEP pretendia constituir alternativa de
acesso aos serviços de telecomunicações, seja em pontos do estado onde anteriormente não
dispunha destes, seja em locais que já dispunha, mas, por meio dos contratos considerados de
elevado custo com operadores privados (GONÇALVES, 2011).
Outra ação estruturante posterior, foi a construção das chamadas infovias de rádios
para municípios que não estavam nas regiões perpassadas por linhas de transmissão,
principalmente no nordeste paraense (DAHER; CARDOSO, 2012). Por fim, estas ações
estruturantes de oferta de acesso foram acompanhadas pela implementação da rede de
infocentros que atuariam como espaços para inclusão digital à população (DAHER;
CARDOSO, 2012; GONÇALVES, 2011). Gonçalves (2011) considerou que o NavegaPará
teve significativo impacto na oferta de acesso via internet em municípios do Pará, uma vez
147

que, em 2006, somente 4 municípios no estado tinham conexão via fibra ótica, e, em 2010,
eram 52 municípios com acesso, 23 destes tendo como única opção de conectividade de banda
larga a oferecida pelo NavegaPará.
Contudo, embora tenha sido considerada bem-sucedida em termos de fornecer
alternativa tecnológica para acesso à internet, a implementação em termos de sustentabilidade
econômica e política das ações de inclusão social, via infocentros, e dos pontos vinculados a
prefeituras, será objeto de questionamento e nova conformação no próximo PPA.
A ação referente a implementação do SIPI foi a segunda maior em comprometimento
individual de valor. Compreendemos ser a mais significativa da concepção discursiva
empregada na política estadual CT&I, estando estreitamente integrada a diversas outras ações
do programa. Entre estas integrações, cita-se: a implementação dos parques tecnológicos;
indução à inovação em processos e produtos em empresas que atuam no Pará; apoio à
implantação do Sistema Estadual de Avaliação de Qualidade e Certificação de Produtos;
apoio à incubação de empresas; indução à tecnologia industrial básica (TIB) em processos
produtivo e; atração para o estado de empresas detentoras de capacidade inovativa. Assim,
esta ação é entendida como o nó central da formulação discursiva proposta na política
estadual de CT&I do período, inclusive enquanto teor da principal diretriz institucional com a
publicação do decreto nº 729, de 19 de dezembro de 2007, que dispunha sobre a instituição do
SIPI.
Esta concepção discursiva está vinculada ao discurso da CT&I orientada para o
mercado, tendo como inspiração a noção de sistema nacional de inovação, como vimos no
capítulo 2. Tal concepção pode ser exposta na finalidade do SIPI pelo decreto nº 729 em
"promover convergência de ações governamentais, empresariais, acadêmicas, de pesquisa
científica e tecnológica para, de forma cooperada, desenvolver a inovação no Estado do Pará",
com vistas a alcançar os seguintes objetivos:

I - promover a integração e a articulação entre órgãos, entidades, empresas de direito


público e privado, organizações da sociedade civil de interesse público - OSCIP,
universidades, institutos de pesquisa, visando acolher ideias, subsídios e indicadores
para a formulação e implementação de políticas e práticas que impulsionem o
desenvolvimento tecnológico no Estado;
II - indicar propostas para a formulação da política estadual de inovação tecnológica,
de forma compatível com a política nacional adotada;
III - promover a cooperação entre o Estado, organismos nacionais e internacionais,
agências multilaterais, organizações não-governamentais nacionais e estrangeiras, que
atuam na área da inovação tecnológica;
IV - identificar e divulgar linhas de financiamento e fomento no âmbito nacional,
estrangeiro ou internacional para aplicação em programas, projetos, ações e atividades
relacionadas com a inovação tecnológica no Estado;
148

VI - praticar outras ações e atividades compatíveis com a finalidade do SIPI." (Pará,


2007b, p. 1, grifo nosso).

Como vimos, a base desta orientação discursiva centra-se no papel da inovação


tecnológica com lócus na empresa em, a partir da incorporação de conhecimentos científicos e
desenvolvimentos tecnológicos, gerar benefícios econômicos pela oferta de novos
(melhorados) produtos, processos e serviços, aumentando a competitividade de empresas
locais, e consequentemente gerando desenvolvimento econômico, o qual, por sua vez, cria
transbordamentos de benefícios sociais (por meio de empregos, maior arrecadação de
impostos aos governos, maior atração de infraestrutura etc.). Consideramos que esta
orientação está exposta nos diversos objetivos programados das ações acima mencionadas:

Aumentar densidade tecnológica e competitividade de produtos, qualificando o


consumo e gerando impacto positivo na economia. (PARÁ, 2007a, p. 89).

Induzir a criação e fortalecimento de ambientes de inovação para viabilizar


empreendimentos competitivos. (PARÁ, 2007a, p. 89).

Fortalecer a economia a partir da atração de plantas industriais e do desenvolvimento de


produtos inovadores em ambientes como: distritos e áreas industriais, parques de
ciência e tecnologia e incubadoras de empresas. (PARÁ, 2007a, p. 90).

Criar instrumentos indutores de inovação voltados ao desenvolvimento regional


integrado e sustentável. (PARÁ, 2007a, p. 93).

Possibilitar a mudança do perfil competitivo da base econômica industrial,


aperfeiçoando processos e produtos da indústria, através de especialistas que atuem
diretamente ou em cooperação com empresas. (PARÁ, 2007a, p. 94).

Cabe mencionarmos que, em termos de governança, conforme o Decreto nº 729/2007,


o SIPI foi previsto ter sua estrutura organizacional baseada no Fórum Paraense de Inovação,
cuja representação era disposta por representante do "poder executivo" do estado (dirigentes
da SEDECT, SEGOV60, UEPA, IDESP61, FAPESPA, PRODEPA62), do "setor empresarial do
estado" (FIEPA63, FECOMERCIO64, FAEPA65, SEBRAE/PA66, e mais seis empresas que
desenvolvam atividades de inovação); e, do "setor de ensino superior e tecnológico e
institutos de pesquisas" no estado (3 representantes de universidades federais, 2 universidade
ou instituição particular de ensino de nível superior, 4 membros de instituições de ensino
tecnológico ou profissionalizante, e 3 representantes de institutos de pesquisa). Este desenho

60
Secretaria de Estado de Governo.
61
Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará.
62
Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Pará.
63
Federação das Indústrias do Estado do Pará.
64
Federação do Comércio do Estado do Pará.
65
Federação da Agricultura e Pecuária do Pará.
66
Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Estado do Pará.
149

de representação claramente reflete os três atores âncoras da abordagem de sistemas de


inovação: governo, empresas, e instituições de pesquisa.
No entanto, apesar da maior parte das ações serem desenhadas nesta orientação
discursiva, na definição dos indicadores do programa, observamos configuração bem distinta.
Afora o indicador "incremento da taxa de inclusão digital no estado do Pará" vinculado
especificamente a ação relacionada ao NavegaPará, os três (3) demais indicadores são
relacionados à concepção de modelo linear de inovação: "Taxa do aumento de produção
científica", "Taxa de aumento de bolsas para ciência e tecnologia" e "Incremento do número
de pedidos de patentes e afins". Chama nossa atenção que nenhum indicador tenha sido
definido diretamente relacionado a medição de inovação ou estivesse direcionado ao lócus
principal desta no discurso, as empresas. Ao contrário, os indicadores permanecem vinculados
a conformação tradicional de pressuposição da inovação enquanto consequência necessária da
produção científica e da produção tecnológica na forma de patente, diretamente relacionados a
interesses da comunidade de pesquisa (fomento à produção científica e a bolsas para C&T).
Embora soe contraditório, essa distinção de concepção, entre ações e indicadores
programados, tende a refletir o amálgama no Brasil das orientações discursivas da C&T auto
orientada e da CT&I orientada para o mercado. Em que na política explícita de CT&I ascende
o discurso pró-inovação tecnológica empresarial, cuja racionalidade é legitimada em contexto
de ascensão do neoliberalismo e gerencialismo. Enquanto, na política implícita, mantém-se a
orientação centrada aos atores da comunidade de pesquisa, uma vez que estes permanecem no
domínio da política, e, portanto, resultando por predominar nesta política os valores próprios
do campo científico, como indicadores de prestígio e mérito acadêmico.
Se retomarmos Dagnino (2016), essa configuração está associada, por um lado, a
atipicidade periférica, em que os atores empresariais e industriais locais não estão interessados
em exercer seu poder político e econômico no campo da política de CT&I, visto que suas
estratégias de lucratividade estão baseadas sobre outras bases que não a de desenvolvimento
interno de P&D. Por outro lado, a persistência das crenças anômalas de neutralidade científica
e determinismo tecnológico, entre boa parte dos membros da comunidade de pesquisa
(mesmo aqueles explicitamente defensores da CT&I orientada para o mercado), e dos demais
atores sociais, que legitima o domínio da comunidade de pesquisa no processo decisório no
campo da política sob tendências tecnocráticas.
Para compreender melhor a política implícita, averiguaremos na próxima subseção o
fomento à CT&I realizado no âmbito da FAPESPA, organização responsável pela aplicação
dos recursos estaduais dedicados ao tema. Para encerrarmos o exame do PPA, cabe
150

assinalarmos seus alcances registrados em dois relatórios localizados. Um que sintetiza sua
execução no período de 2008-2010 no governo de Ana Júlia Carepa do Partido dos
Trabalhadores (PT) data de março de 2011; outro referente ao ano somente de 2011, já no
governo de Simão Jatene do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
Em termos de execução financeira, no período de 2008 a 2010, foram aplicados 51%
do total dos valores programados, perfazendo R$ 163,8 milhões nos três (3) anos, e em 2011
foi executado 29,6% do previsto naquele ano, correspondendo a R$ 30,5 milhões, totalizando,
assim, R$ 194,3 milhões.
Em relação a ação referente ao NavegaPará e o indicador de incremento da taxa de
inclusão digital no estado do Pará, tanto no relatório referente a avaliação de 2008 a 2010,
quanto ao de 2011, foram considerados como tendo superado as metas e parâmetros previstos.
Em relação a ação de Implementação do SIPI, esta é realçada no relatório de 2008-
2010, enquanto tendo sua meta física alcançada, com a implementação de sete (7) sistemas,
embora não sejam indicadas maiores informações neste relatório ou no seguinte de 2011.
Ação ressaltada nos dois relatórios foi a de Implementação de Parques Tecnológicos, com o
Parque de Ciência e Tecnologia (PCT) Guamá, sendo caracterizado em fase de consolidação e
operação.
Além dessas ações, que consideramos como as que tiverem maior expressão em
termos de política explícita, outras ações de fomento a C&T foram destacas diferentemente
nos relatórios. No relatório sobre 2008-2010, as ações de "Fomento à Pesquisa Científica,
Tecnológica e de Inovação em Áreas de Conhecimento Estratégicas para o Desenvolvimento
do Estado" e de "Formação de Redes de Pesquisa em Ciência e Tecnologia" foram realçadas
como tendo alcançado margens substanciais de execução nos dois primeiros anos, mas
perdido desempenho em 2010. No relatório sobre 2011, a ação de "Formação e Fixação de
Recursos Humanos" foi realçada como importante eixo de atuação via concessão de bolsas
pela FAPESPA.
Os três (3) demais indicadores previstos67 tiveram comportamentos distintos. (i) O
incremento do número de pedidos de patentes e afins teve medições negativas nos primeiros
anos (-71% e -30,8% respectivamente), não havendo registro de sua medição em 2010, e com
recuperação no último ano (16,7%). (ii) A taxa de aumento de bolsas para ciência e tecnologia
cresceu nos dois primeiros anos (394% e 30,35% respectivamente), não tendo registro em

67
Cabe indicarmos que os dois relatórios são gerais do PPA 2008-2011, e com informações bastante sucintas por
programa. No caso do programa de CT&I para o Desenvolvimento, este apresenta teor de ênfase descritiva das
ações e não são informados em relação aos indicadores registrados nenhuma indicação quanto a fonte de dados
ou métodos aplicados.
151

2010, caiu no último ano (-32,9%). (iii) A taxa do aumento de produção científica teria caído
em 2008 (-18,8%), crescido em 2009 (5,1%) e não houve registro de medição em 2010 e 2011.
Cabe lembrarmos que, a política de CT&I no âmbito do governo estadual teve sua
institucionalização prevista a partir do final da CE de 1989, sendo iniciada a partir da década
de 1990, porém em contextos não priorizados. Mesmo a criação da SEDECT e da FAPESPA
era recente em termos governamentais, de forma que não haviam sido constituídos
adequadamente quadros burocráticos com aprendizados da dinâmica da temática de CT&I que
subsidiassem a institucionalização de processos de avaliação internos, principalmente em
relação a indicadores de desempenho típicos da CT&I, atípicos para as demais políticas
públicas. Assim, entendemos que parte das dificuldades da falta de registro de avaliações e
medições de indicadores nos relatórios do PPA relacionam-se a essa situação em processo de
institucionalização da política estadual.

3.2.2 Editais e Execução do Fomento Estadual na FAPESPA

A FAPESPA, criada em julho de 2007, foi entidade governamental que passou a ser
responsável pela aplicação das "dotações e recursos consignados no orçamento do Estado, nos
termos do art. 291 da Constituição Estadual, equivalentes a 1% (um por cento) das receitas
correntes líquidas do Estado" (PARÁ, 2007c), substituindo, assim, o FUNTEC. Conforme seu
estatuto (decreto estadual nº 2.133/2010), a FAPESPA tem "por finalidade promover
atividades de fomento, apoio e incentivo à pesquisa científica, tecnológica e de inovação no
Estado do Pará". Ao seguir o padrão do CNPq e várias outras FAP no país, a FAPESPA tem
utilizado o formato de lançamento dos editais de chamadas públicas para selecionar projetos
para fomento, com a seleção e avaliação do mérito científico e técnico realizada por câmaras
de assessoramento científico, formadas por pesquisadores doutores.
Ainda em 2007, quatro (4) editais de fomento a CT&I foram lançados, alguns ainda
sob a nomenclatura do FUNTEC/SECTAM, mas executados pela FAPESPA posteriormente a
partir de sua estruturação. Esses editais foram típicos do fomento tradicional da política de
C&T, voltados ao apoio de formação de recursos humanos na área (ampliação da comunidade
de pesquisa estadual) e à pesquisa científica e tecnológica, sendo dois (2) editais de bolsas
(PIBIC Jr, e de mestrado e doutorado); e dois editais em parceria com o CNPq (“Jovens
Pesquisadores” e “Núcleos de Excelência/PRONEX"), referente a modelos de programas
institucionais induzidos por esta agência de fomento federal.
152

No período de vigência do PPA 2008-2011, conforme registros no website da


FAPESPA, levantamos 70 editais em que a Fundação participou como financiadora,
cofinanciadora ou gestora dos recursos aplicados no âmbito da CT&I, tendo sido 20 editais
em 2008, 21 em 2009, 21 em 2010, e 8 em 2011. Destes, detivemo-nos a examinar aqueles
lançados diretamente pela FAPESPA no âmbito do fomento estadual, com ou sem parcerias
de terceiros, resultando em 6068 editais de fomento a CT&I (quadro detalhado dos editais no
Apêndice A).
Em um primeiro recorte, procuramos classificar os editais pela configuração principal
do fomento (bolsas ou projetos) e categorias de aplicação. Conforme tabela 5, apresentamos
os editais caracterizados pela concessão de fomento no formato de bolsa. Cabe observarmos
que, em relação à categoria de bolsas a programas institucionais, principalmente relacionados
ao Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia ( CENSIPAM), Comissão
Executiva de Planejamento da Lavoura Cacaueira (CEPLAC) e Instituto Evandro Chagas
(IEC), a FAPESPA atuou predominantemente como gestora dos programas, cujos orçamentos
eram totalmente ou majoritariamente destinados às próprias organizações financiadoras.
Afora esta categoria, o maior quantitativo dos editais de bolsas lançados se referiu a pós-
graduação stricto sensu e de iniciação científica, editais de formatos tradicionais na política de
CT&I nacional, voltados preponderantemente à formação de cientistas e realização de
pesquisa científica e tecnológica, considerando que a pós-graduação stricto sensu é o principal
espaço institucionalizado de produção científica no país.
Outra categoria de destaque foi a de bolsas para programa inclusão digital, cujos
editais estavam relacionados a atuação em infocentros vinculados ao NavegaPará, no que
podemos verificar sua relação direta com a ação correspondente do PPA. Não localizamos
editais de bolsas voltados a recursos humanos nas empresas, como RHAE69 do CNPq. Mas,
identificamos que a VALE S.A. financiou integralmente 2 editais no âmbito da pós-graduação
stricto sensu, com temáticas direcionadas às áreas estratégicas de atuação desta empresa, bem
como o SEBRAE/PA foi o financiador dos editais de bolsas voltados a pós-graduação lato
sensu, ambos direcionados para a temática de design, com ênfase na área de madeira e
móveis.

68
Dos 70 editais identificados no período no site da FAPESPA, excluímos do exame a ser discutido: 5 editais
lançados pelo CNPq/MCT, 2 editais lançados pela UEPA, 1 edital lançado pela VALE S.A., e 2 editais de
prêmios que, embora tenham registro de lançamento pela FAPESPA, no site desta fundação não localizamos
informações seja sobre o edital em si, seja sobre o resultado. Assim, resultando nos 60 editais a serem
examinados.
69
Programa de Formação de Recursos Humanos em Áreas Estratégicas (RHAE).
153

Tabela 5 – Editais lançados pela FAPESPA com modalidade de fomento no formato de bolsa ou
auxílio, por categorias, no período de 2008 a 2011

Bolsas
Bolsas para Bolsas para Bolsas de Bolsas para Bolsas Auxílio a
para pós-
programas programas programas programa de para pós- participação
Ano Bolsas graduação
de iniciação de iniciação institucio- inclusão graduação em eventos
stricto
científica científica Jr nais digital lato sensu C&T
sensu
2008 6 3 1 1 0 0 0 1
2009 7 0 1 1 2 2 1 0
2010 10 2 1 1 5 1 0 0
2011 6 1 1 0 2 1 1 0
Total 29 6 4 3 9 4 2 1
*Dados extraídos de FAPESPA (2018).
Fonte: Elaborada pela autora (2019).

Na tabela 6, apresentamos o mesmo recorte para os editais caracterizados pela


concessão de fomento no formato de projetos. A categoria com maior quantitativo foi a de
projetos relacionados a pesquisa científica e tecnológica, modalidade mais tradicional na
política de CT&I, e de atendimento direto da comunidade de pesquisa. Nesta categoria
estavam editais voltados às ações de pesquisa científica e tecnológica no PPA, como a
formação de redes de pesquisa em C&T e a fixação de recursos humanos. No entanto,
somente localizamos 5 editais voltados ao apoio de atividades de P&D e inovação em
empresas, sendo todos estes lançados em parcerias com outras entidades (FINEP ou
SEBRAE/PA), destes 3 sem aporte de recursos da FAPESPA.

Tabela 6 – Editais lançados pela FAPESPA com modalidade de fomento no formato de projeto, por
categorias, no período de 2008 a 2011

Projetos Projetos
Projetos Projetos Projetos Projeto de
de P&D e Projetos para de
Nº de de de de publicações
Ano inovação popularização programas
editais pesquisa eventos inclusão tecno-
em de C&T de pós-
C&T C&T digital científica
empresas graduação
2008 13 4 2 1 2 1 2 1
2009 11 8 2 1 0 0 0 0
2010 5 2 0 1 1 1 0 0
2011 2 0 1 1 0 0 0 0
Total 31 14 5 4 3 2 2 1
*Dados extraídos de FAPESPA (2018).
Fonte: Elaborada pela autora (2019).
154

Assim, embora a política explícita estivesse focada no desenho de sistemas de


inovação, como vimos, em que a centralidade do processo inovativo e tecnológico é conferida
as empresas, corroboramos que os editais de fomento lançados pela FAPESPA no período de
2008 a 2011 (política implícita) conferem maior centralidade a formatos e espaços
tradicionais da política de CT&I no país (formação de mestres e doutores e fomento à
pesquisa científica e tecnológica em universidades e institutos de pesquisa).
Outro recorte que buscamos estabelecer no exame dos editais correspondeu às
temáticas prioritárias nos editais da FAPESPA deste período. Desde 2007, houve definição
dos temas prioritários de pesquisa em editais lançados em parceria com o CNPq (editais nº
002/2007 "PRONEX" e 003/2007 "Jovens Pesquisadores"). Esta prática se repetiu com alguns
editais do período, conforme demonstramos no quadro 8.
Pelas linhas temáticas observadas no quadro 8, verificamos que cinco (5) temas estão
presentes em todos os recortes, embora por vezes não usados os mesmos descritores, que são:
Agricultura, Pecuária e Agroindústria (incluindo temas de tecnologia da madeira,
recurso/biomassa florestal, silvicultura); Energia; TIC; Biotecnologia (incluindo
aproveitamento econômico da biodiversidade/recursos naturais, engenharia biológica) e;
Pesca e Aquicultura. Seguido destes, somente não citado no edital de Redes Colaborativas
(014/2008) está o tema em torno da mineração, incluindo linhas como tecnologia mineral e
novos materiais, geologia, pesquisa mineral e verticalização mineral.
Além da previsão das áreas e linhas temáticas nestes editais, alguns destes temas
prioritários foram fomentados por meio de editais específicos, a realçar no período o de
agricultura familiar (018/2008 e 006/2010), o de biotecnologia (015/2009 voltado a
biocosméticos), ambos com financiamento público, e de mineração (021/2008, 018/2009 e
007/2010), com financiamento da VALE S.A, reforçando os temas identificados
anteriormente.
155

Quadro 8 – Linhas temáticas ou áreas de aplicação indicados como prioritários ou estratégicos em editais selecionados da Fapespa no período de 2007 a 2011
Editais nº 002/2007 Edital nº 014/2008 Edital nº 002/2011
"PRONEX" e nº 003/2007 "Redes Cooperativas de Edital nº 012/2009 "PRONEX" "PD&I em microempresas e
Editais
"Jovens Pesquisadores" Pesquisa em CT&I" (parceria com o CNPq) empresas de pequeno porte"
(parceria com o CNPq) (financiamento total próprio) (parceria com a FINEP)
– Agricultura e Agroindústria – Pesca e Aquicultura Linhas de apoio: Foco: – Agrobioindústria
– Biotecnologia – Tecnologia da Informação e – Agricultura, Pecuária e – Biotecnologia – Aproveitamento Econômico
– Energia Comunicação Agroindústria – Energia de Recursos Naturais;
– Pesca e Aquicultura – Engenharia Biológica – Biodiversidade e – Tecnologia da Informação e – Energia
– Tecnologia da Informação e – Energias Renováveis e Biotecnologia Comunicação – Tecnologia da Informação e
Comunicação Eficiência Energética – Energia – Pesca e Aquicultura Comunicação;
– Tecnologia Mineral e novos – Biomassa Florestal – Pesca e Aquicultura – Agricultura Tropical e – Tecnologia de Alimentos
materiais – Tecnologia da Informação e Produtos da Floresta. – Tecnologia Aplicada à Saúde
– Agropecuária Comunicação – Geologia e Pesquisa Mineral. – Turismo
Temas – Tecnologia da Madeira – Tecnologia Mineral e novos – Recursos Minerais e Novos – Verticalização Mineral
Priorizados – Transporte e Infraestrutura materiais materiais – Pesca e Aquicultura.
– Saneamento – Tecnologia da Madeira – Pesquisa Agropecuária
– Saúde – Transporte e Infraestrutura – Silvicultura
– Segurança Pública – Saneamento – Tecnologia de Redes de
– Educação – Saúde Comunicação
– Segurança Pública – Sistemas Embarcados
– Educação – Certificação e Qualidade de
– Recursos Florestais Software.
– Economia da Inovação
– Tecnologia do Alumínio
*
Para cada ano, identificamos os editais com definição de áreas ou linhas temáticas com maior destinação de recursos financeiros. No ano de 2010, prevaleceram editais
denominados de horizontais, ou seja, que não direcionam linhas temáticas específicas, houve somente dois editais com definição de linhas temáticas, mas ambos os editais
correspondiam ao atendimento integral de temas exclusivos, o de agricultura familiar (006/2010) e o de novas tecnologias aplicação a mineração (007/2010), de modo que
todas as suas linhas se referiam ao único tema principal. Por atender um único tema, optamos por não os incluir, fazendo menção sobre editais de temas exclusivos no texto
corrido do capítulo.
Fonte: Adaptado pela autora a partir de FAPESPA (2018).
156

O último recorte que buscamos identificar foi a menção explícita em editais de


objetivos ou temáticas relacionados à redução de desigualdades, inclusão social ou ao
atendimento a grupos vulneráveis na sociedade. Desde já, realçamos que nosso levantamento
foi limitado aos temas direcionados explicitamente nos editais, como forma de verificar
aqueles que chegaram a certa priorização na agenda na política de CT&I estadual. Assim,
estes não representam a totalidade das temáticas de enfoque distributivo articuladas na
comunidade de pesquisa, ou mesmo as temáticas que tenham alcançado a aprovação de
fomento em editais direcionados ou não, ou seja, aqueles de concorrência geral. De acordo
com o quadro 9, encontramos 14 editais associados a estas temáticas, identificando 7 enfoques
(inclusão digital, redução de desigualdades territoriais, atendimento a agricultura familiar e a
populações tradicional, feminina, criança, adolescente e idosa).

Quadro 9 – Seleção de editais lançados pela FAPESPA identificados com menções explícitas a
temáticas voltadas a redução desigualdades, inclusão social ou atendimento específico de grupos
sociais vulneráveis, no período de 2008 a 2011
Nº Temáticas
total Redução de
Ano Agricultura Crianças e População Populações Inclusão
de desigualdade Idosos
editais familiar adolescentes feminina tradicionais digital
territorial
013/2008
2008 4 018/2008 004/2008 - - - -
022/2008
001/2009
013/2009 013/2009 008/2009
2009 5 013/2009 013/2009 013/2009
023/2019 023/2019 024/2009
023/2009
012/2010
2010 4 006/2010 004/2010 - - - -
008/2010
2011 1 - - - - - - 004/2011
Total 14 2 5 2 2 1 1 7
*Dados extraídos de FAPESPA (2018)
Fonte: Elaborado pela autora (2019).

Todos os editais referentes à temática de inclusão digital abrangem atividades do


NavegaPará e atuações no âmbito de infocentros e, majoritariamente, fomento por orçamento
estadual, 3 com apoio do Banco da Amazônia (BASA), refletindo arranjos locais as ações. Os
demais correspondem a editais de pesquisa científica e tecnológica, realçada a questão das
desigualdades territoriais, as quais foram mencionadas em 5 editais, os quatro primeiros em
parceria com o CNPq, no âmbito do programa de fixação de doutores (Desenvolvimento
Científico Regional) e do programa de Pesquisa para o SUS (PPSUS), dois destes com
destinação a regiões específicas do estado (Santarém e Marajó).
157

Ressaltamos também editais do PPSUS em parceria com o CNPq e o Departamento de


C&T (DECIT) da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do
Ministério da Saúde que definiram linhas temáticas específicas para atenção a populações
tradicionais vulneráveis, população feminina, crianças e adolescentes e idosos. Temáticas que
apareceram somente nesta configuração de edital, de modo que verificamos que emergem em
confluência seja de relações intergovernamentais e seja intersetoriais.
Por fim, houve 2 editais específicos dedicados a agricultura familiar lançados pela
FAPESPA, com recursos próprios. Este tema figura entre os prioritários na agenda estadual
de CT&I e, como vimos em seção conformação institucional da C&T no Pará, firmou-se
como objeto de pesquisa primado de algumas importantes organizações historicamente
situadas (como o CPATU/EMBRAPA e UFRA, na mesma origem do IAN), com objetivos de
atendimento finalístico à região (COSTA, 2012).

3.3 POLÍTICA ESTADUAL DE CT&I EM PERSPECTIVA NO PPA 2012-2015

Durante o mandato de governo de Simão Jatene (2011-2014), houve mudanças na


organização da secretaria estadual responsável pela pasta de CT&I e na FAPESPA. A pasta
referente ao desenvolvimento econômico antes vinculada a SEDECT retorna a ser secretaria
independente70 (Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Mineração) e a temática de
CT&I torna-se o tema exclusivo da agora denominada Secretaria de Estado de Ciência,
Tecnologia e Inovação (SECTI), subordinada à Secretaria Especial de Estado de
Infraestrutura e Logística para o Desenvolvimento Sustentável (SEINFRA). A FAPESPA
deixou de ser subordinada a SECTI (como era anteriormente com a SEDECT), e passou a ser
vinculada diretamente a SEINFRA71.
No documento de estratégias do PPA 2012-2015 (intitulado “Pacto pelo Pará”),
também foi realçado um processo de planejamento estratégico por meio da participação da
sociedade civil, com a realização de audiências públicas nas 12 regiões de integração e
disponibilização no site da SEPOF de um portal dedicado ao PPA para envio de sugestões via
internet de cidadãos. Este PPA foi concebido com três eixos ("transformação pelo
conhecimento", "transformação pela produção" e "transformação pela gestão e governança"),
e cinco diretrizes: "Promover a Produção Sustentável"; "Promover a Inclusão Social";

70
Lei ordinária do estado do Pará nº 7.570, de 22 de novembro de 2011.
71
Lei complementar do estado do Pará nº 82, de 9 de maio de 2012. Cabe mencionarmos que a fundação mudou
também de denominação para Fundação Amazônia Paraense de Amparo à Pesquisa, mantendo a sigla
FAPESPA.
158

"Agregar Valor à Produção por meio do Conhecimento"; "Fortalecer a Gestão e Governança


com Transparência" e; "Promover a Articulação Político-Institucional e Desconcentração do
Governo". Embora a CT&I não assume papel explícito central de concatenação do plano
como no anterior, é situada em conjunto com a educação enquanto conhecimento, novamente
atribuída à função de promover agregação de valor à produção, como no trecho seguintes:

Diretriz 3 – AGREGAÇÃO DE VALOR À PRODUÇÃO POR MEIO DO


CONHECIMENTO
A valorização da produção e a difusão do conhecimento têm a perspectiva de pensar e
incentivar a ciência, a tecnologia, a inovação e a educação como bens imateriais da
população paraense e como suportes estratégicos de consolidação do desenvolvimento
estadual.
Nesse sentido, a prioridade de governo nesse campo está atrelada ao desenvolvimento
com sustentabilidade, tendo como objetivo primeiro criar e aplicar conhecimento de
modo integrado às necessidades da sociedade paraense, fomentando a
incorporação de novas tecnologias ao sistema produtivo local (PARÁ, 2011, p. 14,
grifo nosso).

O PPA 2012-2015 foi organizado em dois (2) tipos de programas: "Programa de


Manutenção da Gestão", referente a ações de natureza administrativas e; "Programa
Finalístico", correspondendo a bens ou serviços ofertados à sociedade. Inicialmente, foram
previstos três (3) programas que identificamos como concernentes à política de CT&I:
"Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável" (R$205.953.643,00);
"Disseminação de Ciência, Tecnologia e Inovação" (R$16.274.792,00) e; "Sistema Paraense
de Inovação" (R$121.861.324,00). Todos pertinentes a área de Infraestrutura e Logística para
o Desenvolvimento Sustentável. Contudo, este PPA sofreu 3 revisões, e na de 2013 72, estes
três programas foram unificados no programa "Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) para o
Desenvolvimento Sustentável", sob a responsabilidade de execução da SECTI e FAPESPA.
Este programa será nosso objeto de exame na próxima subseção.

3.3.1 Programa Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável

O programa CT&I para o Desenvolvimento Sustentável tinha como objetivo


"promover a produção, difusão e aplicação do conhecimento científico, tecnológico e
inovador" e o público-alvo definido foi "pesquisadores, estudantes, atores das cadeias
produtivas estratégicas, instituições de ciência tecnologia e inovação, empresas e órgãos
governamentais", envolvendo, assim, os três atores chaves dos sistemas de inovação.

72
Lei do estado do Pará nº 7.763/2013.
159

No quadro 10, apresentamos as 16 ações previstas no programa ordenadas pelo valor


programado. As três ações com valores significativamente maiores que as demais eram
"Incentivo a Projetos de Pesquisa em Ciência e Tecnologia" e "Concessão de Bolsas para
Pesquisa em Ciência e Tecnologia", ambas ações típicas de fomento a C&T de interesse geral
da comunidade de pesquisa, e "Consolidação do Parque de Ciência e Tecnologia Guamá", que
havia sido foco no PPA anterior, no âmbito do enfoque de sistemas de inovação, estando
neste PPA novamente priorizado, inclusive sinalizado como agenda mínima no plano.
Cabe indicarmos que o NavegaPará, anteriormente ação do programa de CT&I para o
Desenvolvimento (PPA 2008-2011), tornou-se programa próprio neste PPA, com execução
compartilhada com pela PRODEPA, SECTI e FAPESPA. O programa passou a situar-se em
duas diretrizes de atuação, tanto de "Promoção da inclusão social" no que tange as ações de
inclusão digital a população em geral, quanto de "Promoção à articulação político-
institucional e desconcentração do Governo", em relação a implementação dos mecanismos
de integração dos municípios do estado por meio de ações de descentralização e
desconcentração da estrutura administrativa do governo estadual, neste caso particularmente
contribuindo com soluções de TIC para esta.
Daher e Cardoso (2012) indicam que, em 2011, com a entrada do novo mandato
governamental houve realinhamento do NavegaPará, com o que seria uma terceira fase de
execução. Por um lado, o convênio com a Eletronorte foi renegociado e estendido. Por outro
lado, também foram renegociados todos os convênios do governo estadual com as prefeituras
municipais atendidas, que passaram a ratear os custos de implementação do programa, bem
como serem responsáveis pela segurança e manutenção dos seus pontos de acesso, inclusive
infocentros. Além disso, houve continuidade das ações estruturantes de construção de
infovias, com vistas a ampliar o acesso via banda larga do programa para outros municípios
ainda não atendidos.
160

Quadro 10 – Ações do Programa Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável do PPA 2012-2015 do Governo do Estado do Pará
Valor
Nº Ação Objetivo Produto Região de Integração %
previsto1
Araguaia, Baixo Amazonas,
Carajás, Guamá, Lago de
Incentivo a Projetos de Pesquisa em Ciência e Fomentar o desenvolvimento de projetos de pesquisa Projeto de Pesquisa
1 Tucuruí, Marajó, 118.197.251 69,8%
Tecnologia em ciência, tecnologia e inovação Apoiado (Un)
Metropolitana, Rio Caeté, Rio
Capim, Tocantins, Xingu
Araguaia, Baixo Amazonas,
Possibilitar a geração de conhecimento significativo
Concessão de Bolsas para Pesquisa em Bolsa Concedida Carajás, Guamá, Marajó,
2 para o desenvolvimento da ciência tecnológica na 24.177.224 14,3%
Ciência e Tecnologia (Un) Metropolitana, Rio Caeté, Rio
região amazônica
Capim, Tocantins, Xingu
Expandir ambiente indutor e viabilizador de inovação Parque de Ciência e
Consolidação do Parque de Ciência e
3 voltado ao desenvolvimento sustentado da região Tecnologia Guamá Metropolitana 11.193.000 6,6%
Tecnologia Guamá
metropolitana de Belém. Consolidado (Prc)
Fomentar a criação de redes de pesquisa em áreas
Apoio ao Desenvolvimento de Redes de produtivas estratégicas que promovam o Rede de Pesquisa
4 Metropolitana 3.081.394 1,8%
Pesquisa em Áreas Produtivas Estratégicas desenvolvimento tecnológico e a verticalização das Apoiada (Un)
cadeias produtivas
Criar ambiente indutor e viabilizador de inovação para Parque de Ciência e
Implantação do Parque de Ciência e
5 o desenvolvimento sustentado da região oeste do Tecnologia Baixo Amazonas 2.970.000 1,8%
Tecnologia Tapajós
Estado Implantado (Prc)
Manutenção do Contrato de Gestão do Parque Assegurar o funcionamento do Parque de Ciência e Repasse Realizado
6 Metropolitana 2.820.000 1,7%
de Ciência e Tecnologia Guamá Tecnologia Guamá. (Un)
Araguaia, Baixo Amazonas,
Disseminação de Ciência, Tecnologia e Promover a divulgação, difusão e disseminação da Pesquisador Apoiado Carajás, Guamá, Lago de
7 2.086.600 1,2%
Inovação ciência, tecnologia e inovação. (Un) Tucuruí, Metropolitana, Rio
Caeté, Rio Capim, Xingu
Promover o fortalecimento de incubadoras de Baixo Amazonas, Carajás,
Apoio à Incubação de Empresas de Base Incubadora Apoiada
8 empresas voltadas ao desenvolvimento de Lago de Tucuruí, 1.403.104 0,8%
Tecnológica (Un)
empreendimentos inovadores de base tecnológica. Metropolitana, Rio Caeté
Criar ambiente indutor e viabilizador de inovação para Parque de Ciência e
Implantação do Parque de Ciência e
9 o desenvolvimento sustentado da região sudeste do Tecnologia Carajás 970.500 0,6%
Tecnologia Tocantins
Estado. Implantado (Prc)
161

Valor
Nº Ação Objetivo Produto Região de Integração %
previsto1
Implantação do Museu Interativo de Ciência e Elaboração do Plano Museológico para fins de Plano Museológico
10 Metropolitana 829.000 0,5%
Tecnologia implantação do Museu de Ciência e Tecnologia. Elaborado (Prc)
Incentivar a realização de serviços de propriedade
Indução à Aplicação da Tecnologia Industrial intelectual, metrologia, avaliação da conformidade, Serviço Realizado Marajó, Metropolitana, Rio
11 469.000 0,3%
Básica –TIB normalização e gestão tecnológica para agregação de (Un) Caeté, Tocantins, Xingu
valor a bens, serviços e processos.
Baixo Amazonas, Carajás,
Aplicação da Gestão do Conhecimento para Estimular a adoção de práticas de gestão do
12 Prática Adotada (Un) Lago de Tucuruí, 452.000 0,3%
Inovação conhecimento para viabilização da inovação
Metropolitana, Rio Caeté
Baixo Amazonas, Carajás,
Realização de atividades massificadoras, fixas e
Realização de Eventos para Popularização de Evento Realizado Guamá, Lago de Tucuruí,
13 itinerantes de popularização do conhecimento 392.500 0,2%
Ciência, Tecnologia e Inovação (Un) Metropolitana, Rio Caeté, Rio
científico e tecnológico, em âmbito estadual
Capim, Tocantins, Xingu
Sistema de Araguaia, Carajás, Guamá,
Identificação e Mapeamento de Competências Desenvolver o observatório estadual de Ciência,
14 Informação Metropolitana, Rio Caeté, 192.000 0,1%
em Ciência, Tecnologia e Inovação Tecnologia e Inovação
Implantado (Prc) Tocantins
Disseminar as tecnologias sociais identificadas junto
as comunidades, instituições de ensino, pesquisa e
Transferência de Tecnologias Sociais para o extensão, ONGs e empresas, garantindo sua Tecnologia Social Baixo Amazonas, Guamá, Rio
15 180.000 0,1%
Desenvolvimento reaplicação em benefício da melhoria da qualidade de Disseminada (Un) Capim
vida da população local/regional e indução da
capacidade de governança das comunidades.
Implantação de Centros de Estudos e Polo de
16 Desenvolvimento de Pesquisas Científicas e Incentivar a iniciação científica na educação básica Conhecimento Metropolitana 21.000 0,01%
Tecnológicas - Polos do Conhecimento Implantado (Un)
1
Em virtude do desenho de ações neste programa ter sido resultado de revisão do PPA em 2013 para os anos de 2014 e 2015, o valor previsto informado se refere ao
orçamento para estes dois anos somente.
Legenda: Un = Unidade; Prc = Percentual.
Fonte: Adaptado pela autora a partir de Pará (2013).
162

Ao examinar as ações deste PPA com a do anterior, apesar da mudança partidária no


governo (do PT para o PSDB), observamos certa continuidade das ações na agenda do
programa de CT&I, em dinâmica representativa do incrementalismo. A orientação explícita
da política continua referenciada na noção de sistemas de inovação, com aumento do enfoque
sobre a implementação de parques tecnológicos, e mantendo ações relacionadas a incubação
de empresas e TIB. Ações de fomento tradicionais para pesquisa científica e tecnológica
(incluindo o fomento a redes de pesquisa) em áreas estratégicas, formação de recursos
humanos (concessão de bolsas) e disseminação também são reconhecidas em ambos os
programas dos dois PPA.
Uma distinção, embora em posição marginal em termos de programação de aplicação
de recursos, foi a inclusão no programa atual de múltiplas ações explícitas relacionadas a
popularização de C&T e a tecnologia social. Esses dois temas já faziam parte, em conjunto
com a inclusão digital, de uma agenda da C&T para inclusão social no governo federal,
particularmente pela atuação da SECIS/MCT, nos mandatos anteriores de governos do PT.
Ações de popularização de C&T tinham recorte atendido na ação "apoio ao desenvolvimento
da CT&I no ensino fundamental, médio e tecnológico" do PPA anterior, pela concessão de
bolsas e projetos em parceria com a Secretaria do Estado de Educação (SEDUC). Neste PPA,
outros desenhos de estratégias de ação haviam sido planejados (museu interativo e eventos).
Contudo, a questão da tecnologia social não havia ainda que simbolicamente ou
marginalmente entrado na agenda do programa de CT&I no PPA anterior73, sob mandato do
PT, emergindo explicitamente no planejamento no PPA atual sob governo do PSDB.
Para o período deste PPA, ainda em 2011, houve a publicação de outro documento
com diretrizes norteadoras ao domínio estadual da política de CT&I, o Plano Diretor de
Ciência, Tecnologia e Inovação (2011-2015)74. O plano diretor de CT&I 2011-2015 foi
elaborado no âmbito da SECTI com o objetivo de expressar “o posicionamento estratégico da
SECTI / Governo do Pará quanto à concepção e delineamento de políticas públicas em
Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I)” (SECTI, 2011, p. 8). Assim, o documento foi
estruturado em seis (6) seções principais: Os Dilemas do Desenvolvimento sustentável da
Amazônia; Desenvolvimento Industrial no Pará: tendências atuais; Biotecnologia e
Bionegócios: os desafios de uma “economia verde”; SECTI: Organização e propósitos;

73
A menção que localizamos a ações de tecnologia social durante o período do PPA 2008-2011 se referiu a
registros sobre o início de execução em 2011 pela SECTI e FAPESPA em parceria com a UFPA, UFRA e
EMATER do projeto Ações de Tecnologia Social para Consolidação do Sistema Paraense de Inovação (SIPITS),
financiado pela FINEP no estado, conforme relatório institucional da FAPESPA 2011.
74
Decreto estadual nº 264/2011.
163

SECTI: Objetivos estratégicos, ações e metas; Gestão Estratégica: o Sistema Paraense de


Inovação.
Entendemos que o mesmo apresenta uma primeira parte (envolvendo as três seções
inicias) referente a discussão de uma concepção do contexto e de cenários estratégicos para
CT&I no estado para duas áreas entendidas como prioritárias na economia (indústria de forma
geral, biotecnologia e bioindústria, de forma específica75) para aplicação do conhecimento,
com vistas a "gerar maiores oportunidades de emprego, melhor distribuição de riquezas e
aumento da competitividade de empresas e demais organizações da sociedade civil, com
melhoria da qualidade de vida da população" (SECTI, 2011).
Posteriormente, uma segunda parte (abrangendo a 4ª e 5ª seção) com a proposta de
organização institucional e planejamento da secretária para o período. E, por fim, as bases
conceituais e instrumentais da política explícita do Sistema Paraense de Inovação (SIP),
enquanto a "estratégia mais eficiente para o desenvolvimento das sociedades contemporâneas,
principalmente se alicerçados em relações de confiança e colaboração entre os agentes"
(SECTI, 2011). Tais agentes são definidos explicitamente no documento a partir da "teoria da
hélice tríplice", nas três categorias já comentadas da abordagem de sistema de inovação:
"instituições geradoras de conhecimento - ICT", "setor empresarial" e "entidades
governamentais" (SECTI, 2011).
Portanto, observamos continuidade da orientação discursiva na política explícita em
relação ao período anterior. E que, embora a CT&I seja configurada nos objetivos gerais da
política como estratégia para melhoria da qualidade de vida da população, este alcance último
se dá prioritariamente mediado pela geração de emprego, pelo aumento da competitividade de
empresas e, por meio destes, melhor distribuição de riqueza, conforme discurso da CT&I
orientada para o mercado. Bem como, apesar das organizações da sociedade civil serem
nomeadas enquanto ator na sociedade a ser beneficiado pela política de CT&I, na
instrumentalização da governança desta política não estavam legitimados enquanto atores
políticos pela abordagem conceitual elaborada/articulada.
A estrutura de governança regulamentada neste período estava sobre o Conselho
Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação (CONCITI)76, o qual visava "garantir a
representatividade do Poder Público, das Instituições de Ciência e Tecnologia (ICT) sediadas
no Estado e das empresas que, em território paraense, desenvolvem bens e serviços baseados

75
Neste plano diretor já foi mencionada a concepção de um Programa Paraense de Incentivo ao Uso Sustentável
da Biodiversidade (BIOPARÁ).
76
Decreto estadual nº 488/2012.
164

em ciência, tecnologia e inovação" (SECTI, 2011). A representação foi definida pelo decreto
estadual do CONCITI como composta: pelo poder público estadual por: SECTI, Assembleia
Legislativa do Pará (ALEPA), FAPESPA, Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e
Mineração (SEICOM), Federação das Associações de Municípios do Pará (FAMEP),
Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA), Secretaria de Estado da Agricultura
(SAGRI); pelas ICT no estado por: UEPA, UFPA, Universidade Federal Rural da Amazônia
(UFRA), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), Universidade
Federal do Oeste do Pará (UFOPA), EMBRAPA, MPEG, IEC, CEPLAC, Sistema de
Proteção da Amazônia (SIPAM), uma associação científica, uma instituição privada de ensino
e pesquisa, e um instituto ou centro de pesquisa privado e; pelo setor empresarial por: FIEPA,
FAEPA, SEBRAE/PA, um representante de Parque de Ciência e Tecnologia 77 (PCT)
localizado no Estado do Pará, e uma empresa que investe em ciência, tecnologia e inovação.
No que tange ao poder pública estadual, verificamos que houve expansão da
representação anterior prevista ao Fórum Paraense de Inovação. Mas, esta seguiu direção para
aquelas secretarias associadas aos denominados setores produtivos (SEICOM, SAGRI), em
acordo a orientação discursiva predominante. Assim, não foi legitimada pela inclusão outras
secretarias cuja temática de atuação mantém intersetorialidade reconhecida e havia operado
parcerias no governo anterior (inclusive com cofinanciamento de ações/editais), como as
temáticas de educação e saúde (SEDUC e SESPA). A representação das ICT também
aumentou em um representante, mantendo-se, assim, como maioria no conselho, enquanto a
representação do setor empresarial teve seu quantitativo reduzido.
De forma similar ao PPA anterior, apesar da orientação discursiva da política explícita
está preponderantemente ancorada na CT&I orientada para o mercado, o desenho de seus
indicadores apresentou divergências. O indicador "grau de implantação e desempenho do
Sistema Paraense de Inovação" foi o único diretamente associado ao tema, apesar de
operacionalmente envolver medições de natureza distinta (implantação e desempenho). Os
três demais estão voltados à medição do atendimento finalístico da comunidade de pesquisa,
em particular o de "pesquisadores atendidos em ações de ciência, tecnologia e inovação" e
"pesquisadores atendidos em ações de disseminação de conhecimentos científicos". O
indicador referente ao "número de laboratórios cadastrados no sistema de informações em

77
O decreto nº 488/2012 estabelece que o representante do PCT estivesse caracterizado enquanto setor
empresarial, contudo entendemos que pertença a comunidade de pesquisa, visto que seu representante,
geralmente é seu diretor presidente, e que este cargo tem sido exercido por pesquisadores doutores, professores
licenciados da UFPA, portanto, membros da comunidade de pesquisa. Além disso, a própria concepção e
trajetória do PCT vincula-se a elaboração discursiva típica do neovinculacionismo na política de CT&I.
165

CT&I do estado do Pará" relacionava-se ao mapeamento da infraestrutura dos laboratórios de


pesquisa existentes principalmente em universidade e institutos de pesquisa. Embora tivesse
como um dos objetivos disseminação de informações de possíveis serviços a serem ofertados
a setores empresariais, o indicador sobre o número de laboratórios cadastrados mantinha o
enfoque sobre o mapeamento junto à comunidade de pesquisa, e não em possíveis
desdobramentos deste.
Conforme relatórios de avaliação anuais do PPA disponíveis referente aos anos 2013 e
78
2015 , a execução financeira dos programas corresponderam aos percentuais da tabela 7. Ao
ter como parâmetro os valores liquidados nestes anos, ainda considerando os valores
informados para o programa do NavegaPará nos mesmos anos (R$ 18.626,32 milhões),
entendemos que a inversão de aplicação em programas de CT&I tendeu a ser menor neste
período que no PPA anterior.

Tabela 7 – Previsão orçamentária e recursos financeiros aplicados em programas no âmbito da CT&I


do PPA 2012-2015 (em R$ 1.000,00).

Dotação
Valor Atualizada no %
Ano Programa Liquidado
programado orçamento geral Execução
do estado
Ciência e tecnologia para o
2013 77.044,00 71.749,11 22.191,48 31
desenvolvimento sustentável
Disseminação de ciência, tecnologia
2013 2.732,15 1.306,29 734,24 56
e inovação
2013 Sistema paraense de inovação 18.476,15 22.887,06 7.672,44 34
Ciência, tecnologia e inovação para
2015 68.596 62.898 23.628 38
o desenvolvimento sustentável
Fonte: Adaptada pela autora a partir de Pará (2014; 2016).

Coerente com as previsões orçamentárias, as três (3) ações com maior nível de
investimentos executados em 2015, e que neste sentido, podem ser consideradas as ações
prioritárias, foram a de "incentivo a projetos de pesquisa em ciência e tecnologia" (R$ 8,578
milhões), "consolidação do PCT Guamá" (R$ 7,463 milhões) e "concessão de bolsas para
pesquisa em ciência e tecnologia" (R$ 5,633 milhões). Por outro lado, quatro ações foram
indicadas como não executadas durante o período do PPA, com atividades somente
preliminares realizadas, de modo que deveriam ser reprogramadas em próximo período:
implantação do PCT Tapajós (Santarém); implantação do PCT Tocantins (Marabá);

78
Relatórios disponíveis em SEPLAN (2019). Para o ano de 2012, somente o programa de disseminação de
CT&I constava nos volumes dos relatórios, por este ter uma representação parcial, correspondendo a menor parte
da previsão orçamentária, do que compôs o programa de CT&I para o Desenvolvimento Sustentável, optamos
por não apresentar este dado somente parcial de 2012. Os relatórios referentes a 2014 não estavam disponíveis.
166

implantação do Museu Interativo de Ciência e Tecnologia e; implantação de Centros de


Estudos e Desenvolvimento de Pesquisas Científicas e Tecnológicas - Polos do Conhecimento
(agenda mínima).
Nos modelos de relatório de avaliação aplicados, havia um relato síntese para todas as
ações programadas, incluindo a indicação de execução das ações nos municípios do estado, no
que tange ao atendimento de regiões de integração. No quadro 11, apresentamos um resumo
da listagem dos municípios relatados por ação, pelo qual observamos que houve considerável
concentração das atividades no município de Belém. Em geral, o alcance em termos de
amplitude de municípios era restrito, sendo que a ação com maior alcance registrado foi de 21
municípios frente 144 no total do estado (14,6%).
Por fim, no relatório de avaliação do ano de 2015, também foi desenvolvido para o
programa um tópico com as principais realizações, no qual foram realçadas as seguintes:

- Conclusão das obras do Espaço Inovação e do Laboratório de Qualidade do Leite,


localizados no Parque de Ciência e Tecnologia Guamá (PCT Guamá);
- Apoiadas 50 redes de projetos voltados a redes de pesquisas em plantas medicinais e
fitoterápicos, fruticultura tropical (açaí e cacau) e software;
- Concessões de 65 bolsas de doutorado;
- Concessões de 150 bolsas de mestrado;
- Concessões de 200 bolsas de iniciação científica;
- Contratação de 20 projetos ligados a realização de eventos regionais, nacionais e
internacionais;
- Apoio a 31 pesquisadores para participação em eventos nacionais e internacionais”
(PARÁ, 2016).

Observamos que as realizações ressaltadas são, em geral, relacionadas aos indicadores


de investimentos (input) em CT&I, como quantidade de bolsas e projetos apoiados de
interesse direto da comunidade de pesquisa, sem maiores informações sobre possíveis
impactos destes, com vistas a compará-los com os objetivos definidos no Plano Diretor CT&I.
167

Quadro 11 – Ações do programa CT&I para o Desenvolvimento Sustentável do PPA 2012-


2015, por municípios com execução relatada em 2015
Ações do programa CT&I para o Desenvolvimento Sustentável do PPA 2012-2015, por
municípios com execução relatada em 2015
Ação Municípios com execução em 2015
Aplicação da Gestão do
-
Conhecimento para Inovação
Apoio à Incubação de Empresas de
1 (Belém)
Base Tecnológica
Apoio ao Desenvolvimento de Redes
de Pesquisa em Áreas Produtivas 1 (Belém)
Estratégicas
18 (Altamira, Ananindeua, Barcarena, Belém, Bragança,
Concessão de Bolsas para Pesquisa Breves, Cametá, Capanema, Castanhal, Conceição do
em Ciência e Tecnologia Araguaia, Eldorado dos Carajás, Marabá, Óbidos, Oriximiná,
Paragominas, Parauapebas, Santarém, Soure)
Consolidação do Parque de Ciência e
1 (Belém)
Tecnologia (PCT) Guamá
12 (Abaetetuba, Altamira, Ananindeua, Belém, Bragança,
Disseminação de Ciência, Tecnologia
Cametá, Capitão Poço, Marabá, Paragominas, Parauapebas,
e Inovação
Santarém e Tucuruí).
Identificação e Mapeamento de
Competências em Ciência, 1 (Belém)
Tecnologia e Inovação
Implantação de Centros de Estudos e
Desenvolvimento de Pesquisas
1 (Belém) ações preliminares somente
Científicas e Tecnológicas - Polos do
Conhecimento
Implantação do Museu Interativo de
1 (Belém) ações preliminares somente
Ciência e Tecnologia
Implantação do PCT Tapajós 1 (Santarém) ações preliminares somente
Implantação do PCT Tocantins 1 (Marabá) ações preliminares somente
21 (Altamira, Ananindeua, Barcarena, Belém, Benevides,
Bragança, Brasil Novo, Cametá, Castanhal, Itaituba, Igarapé-
Incentivo a Projetos de Pesquisa em
Açu Magalhães Barata, Marabá, Marituba, Paragominas,
Ciência e Tecnologia
Redenção, Santa Bárbara do Pará, Santa Izabel do Pará, Santa
Maria do Pará, Soure e São Miguel do Guamá)
Indução à Aplicação da Tecnologia 4 (Bragança, Belém, Santarém, e um município na RI do
Industrial Básica –TIB Marajó)
Manutenção do Contrato de Gestão
1 (Belém)
do PCT Guamá
Realização de Eventos para
1 (Belém)
Popularização de CT&I
Transferência de Tecnologias Sociais
1 (Belém)
(TS) para o Desenvolvimento
Fonte: Adaptado pela autora a partir de Pará (2016).
168

3.3.2 Editais e Execução do Fomento Estadual na FAPESPA

No período de vigência do PPA 2012-2015, conforme registros no website da


FAPESPA, identificamos 48 editais lançados pela Fundação. Destes, 6 editais em 2012, 12
em 2013, 23 em 2014 e 7 em 2011 (quadro detalhado no Apêndice B). Como no período do
PPA anterior, fizemos um primeiro recorte de exame ao classificar os editais pela
configuração principal do fomento (bolsas ou projetos) e categorias de aplicação.
Na tabela 8, observamos uma redução em editais de bolsas relacionados a inclusão
digital (NavegaPará) e dos programas institucionais (em que a FAPESPA atuava como
gestora). E não houve fomento a bolsas para iniciação científica júnior, voltada aos estudantes
do ensino médio ou fundamental de escolas públicas. De outra parte, houve aumento dos
editais de bolsas para apoio a programas de pós-graduação stricto sensu, continuando a ser o
maior quantitativo de editais lançados, inaugurando inclusive editais em parceria com a
CAPES, que não ocorreu anteriormente.

Tabela 8 – Editais lançados pela FAPESPA com modalidade de fomento no formato de bolsa ou
auxílio, por categorias, no período de 2012 a 2015

Bolsas para Bolsas


Bolsas para Bolsas para Bolsas para Auxílio a
pós- Bolsas de para
programas programas pós- participação
Ano Bolsas graduação programas programa
de iniciação de iniciação graduação em eventos
stricto institucionais de inclusão
científica científica Jr lato sensu C&T
sensu digital
2012 2 0 1 0 1 0 0 0
2013 3 1 1 0 0 1 0 0
2014 7 5 1 0 1 0 0 0
2015 5 3 1 0 0 0 0 1
Total 17 9 4 0 2 1 0 1
*Dados extraídos de FAPESPA (2018)
Fonte: Elaborada pela autora (2019).

Na tabela 9, os editais para fomento de projetos de pesquisa científica e tecnológica


permanecem prevalecendo. Contudo, houve redução dos editais voltados a P&D e inovação
em empresas (somente 1). Portanto, apesar da política explícita reforçar o discurso da CT&I
orientada para o mercado, houve menos fomento voltado para empresas via FAPESPA no
período. Houve, ao contrário, maior concentração de fomento em editais direcionados a
comunidade de pesquisa diretamente, seja no fomento de projetos, seja no de bolsas
(centrados mais proporcionalmente a pós-graduação stricto sensu). E, similar ao que
169

aconteceu na modalidade de bolsas, não houve editais para fomento a projetos de inclusão
digital (NavegaPará) e de popularização de C&T nas escolas públicas.

Tabela 9 – Editais lançados pela FAPESPA com modalidade de fomento no formato de projeto, por
categorias, no período de 2012 a 2015

Projetos
Projetos Projetos de Projetos de Projeto de
Projetos Projetos de para Premiação de
Nº de de P&D e programas de publicações
Ano de eventos inclusão populari- destaque
editais pesquisa inovação em pós- tecno-
C&T digital zação de científico
C&T empresas graduação científica
C&T
2012 4 2 0 1 0 0 0 0 1
2013 9 8 0 1 0 0 0 0 0
2014 16 11 1 1 0 0 3 0 0
2015 2 1 0 1 0 0 0 0 0
Total 31 22 1 4 0 0 3 0 1
*Dados extraídos de FAPESPA (2018)
Fonte: Elaborada pela autora (2019).

Ao examinar o recorte em relação ao direcionamento às temáticas prioritárias,


observamos que, por um lado, em 2012 e 2015, todos os editais foram horizontais, não
havendo direcionado a temáticas específicas, exceto o edital do PPSUS (003/2012) voltado a
temas da saúde, conforme parceria estabelecida com o DECIT/MS. Por outro lado, nos anos
de 2013 e 2014, houve vários editais verticais, com temáticas direcionadas, segundo o quadro
12.
Se considerarmos os seis (6) temas direcionados no período anterior, o de agricultura,
pecuária e agroindústria permanece sendo priorizado nos 4 recortes de editais deste período.
O tema de biotecnologia e aproveitamento econômico da biodiversidade, pois é transversal às
linhas de pesquisa de três editais de 2013 (Saúde e Fruticultura Tropical – Açaí e Cacau) e
linhas de pesquisa de dois projetos temáticos de 2014 (Agricultura e Pecuária Familiar, e
Bioenergia), além de constar no edital nº 003/2014. Deste modo, entendemos que
biotecnologia continua priorizada, mas houve uma busca de direcionar esforços para cadeias
produtivas vistas como estratégicas pelo governo estadual.
170

Quadro 12 - Linhas temáticas ou áreas de aplicação direcionados em editais selecionados da FAPESPA no período de 2012 a 2015
Programa de Incentivo à Inovação
Programa de Apoio a Núcleos Conjunto de editais "Programa de
Conjunto de editais "Apoio ao em Microempresas e Empresas de
Emergentes - Auxílio à Pesquisa - Projetos
Editais Desenvolvimento de Rede de Pequeno Porte –
PRONEM/FAPESPA/CNPQ Temáticos"
Pesquisa" (2013) InovaPará/Tecnova
(edital 008/2013)1 (2014)
(edital 003/2014)

– Agricultura, Pecuária e Pesca


– Ambiente e Desenvolvimento
– Saúde - Plantas Medicinais e – Agricultura e Pecuária Familiar – Petróleo e gás
Sustentável
Fitoterápicos (edital 001/2013) (edital 004/2014) – Energias alternativas
– Assistência Social e Direitos
– Fruticultura Tropical: – Sociedade e Sustentabilidade – Tecnologia da Informação e
humanos
Melhoramento da Cadeia Do Açaí Urbana/Rural (edital 005/2014) Comunicação
Temas – Ciências Biológicas, Biomédicas
(edital 002/2013) – Saúde (edital 006/2014) – Mineração
Direcionados (saúde) e Biotecnológicas
– Software (edital 003/2013) – Mineração (edital 007/2014) – Agricultura e pecuária
– Ciências Exatas e Naturais
– Fruticultura Tropical: – Violência e Segurança Pública – Pesca e aquicultura
– Educação, Trabalho e Renda
Melhoramento da Cadeia do (edital 008/2014) – Bionegócios
– Engenharias
Cacau (edital 004/2013) – Bioenergia (edital 009/2014) – Sustentabilidade ambiental.
– Direito e Reforma do Estado
– Música e Cultura
1
Incluímos o edital nº 008/2013, por este explicitar uma discriminação de linhas temáticas preferenciais, mas consideramos que a amplitude de áreas de conhecimento nele
estabelecida tão abrangente, inclusive por mencionar grandes área inteiras como engenharias, ciências exatas e naturais, e ciências biológicas e biomédicas (saúde), que não
alcance ser propriamente um direcionamento de temáticas específicas.
Fonte: Adaptado pela autora a partir de FAPESPA (2018).
171

A TIC foi outro tema que se manteve em prioridade, com recortes no edital nº
003/2013 e nº 003/2014, contemplada em linhas de pesquisa no edital nº 008/2014 de
violência e segurança pública. Os temas de energia (particularmente no recorte de energias
alternativas e bioenergia) e mineração não foram contemplados nos editais de rede de
pesquisa em 2013, mas foram nos editais de 2014. Somente a temática de pesca e aquicultura
que teve seu espaço reduzido, principalmente no fomento voltado a pesquisa de C&T, estando
explicitado somente no edital nº 003/2014. Por fim, temas de saúde e segurança pública
mantiveram-se na agenda, com certa proeminência, e a questão da sustentabilidade foi tornada
mais explícita.
Em relação a identificação das temáticas especificamente relacionadas a questão de
desigualdades, inclusão social ou grupos sociais vulneráveis, conforme quadro 13,
encontramos 8 editais associados a estas temáticas, identificando 7 enfoques (inclusão digital,
redução de desigualdades territoriais, doenças negligenciadas, atendimento a agricultura
familiar, a população feminina, idosos e pessoas com deficiência). Assim, houve redução da
quantidade de editais em relação ao período anterior. No entanto, cabe indicarmos que, neste
período, foi lançado um edital PPSUS (011/2013), programa em que diversos recortes
populacionais específicos foram contemplados no período anterior, mas o texto deste edital
não estava disponível no site, de modo que não pudemos considerá-lo.

Quadro 13 – Seleção de editais lançados pela FAPESPA identificados com menções explícitas a
temáticas voltadas a redução desigualdades, inclusão social ou atendimento específico de grupos
sociais vulneráveis, no período de 2012 a 2015
Temáticas
Nº total Populaçõ Pessoas
de Agricul Redução de Crianças e Populaçã Doenças
Ano es Inclusão com
editais tura desigualdade adolescente o Idosos negligenc
tradicion digital deficiên
familiar territorial s feminina iadas
ais cias
2012 0 - - - - - - - - -
010/201
2013 2 - - - - 010/2013 - 009/2013 -
3
004/20 005/201
14 005/2014 4
2014 6 022/2014 - 008/2014 - - 006/2014
007/20 006/2014 006/201
14 4
2015 0 - - - - - - - - -
Total 8 2 1 0 1 3 0 1 3 1
*Dados extraídos de FAPESPA (2018)
Fonte: Elaborada pela autora (2019).

Os enfoques mais mencionados se referiram às temáticas de agricultura familiar, que


já vinha sendo contemplada no período anterior, e de tecnologia assistiva voltado ao
172

atendimento de pessoas com deficiência, mobilidade reduzida e idosos, que emergiu na


agenda neste período. Observamos também que, embora a temática de tecnologia social tenha
emergido com ação específica no programa de CT&I para Desenvolvimento Sustentável no
PPA, não houve direcionamento específico da mesma via editais pela FAPESPA.

3.4 POLÍTICA ESTADUAL DE CT&I EM PERSPECTIVA PARCIAL NO PPA 2016-2019

Em 2015, houve o início de novo mandato no governo estadual, tendo se reelegido o


governador Simão Jatene pelo PSDB. Neste mandato, houve novas mudanças nos contornos
das duas principais organizações de gestão da política de CT&I no estado, devido a
reestrutura administrativa. A Secretaria de Estado responsável pela pasta de CT&I passou a
agregar, também, a temática da educação profissional e tecnológica79, denominando-se de
Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Educação Profissional e Tecnológica
(SECTET).
A FAPESPA teve sua denominação alterada para Fundação Amazônia de Amparo a
Estudos e Pesquisas (manteve a mesma sigla), e recebeu a agregação de áreas e funções de
pesquisa econômica e social do extinto Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e
Ambiental do Pará (IDESP)80. A fundação também voltou a estar vinculada diretamente a
SECTET.
O PPA81 do período 2016-2019 (intitulado "Governo Regionalizado, Desenvolvimento
Integrado") teve a construção dos desdobramentos de objetivos, metas e ações estruturada a
partir de 12 RI, sendo esta divisão territorial a base de organização dos programas. Os
programas foram organizados em duas modalidades: os programas temáticos, correspondentes
a temas estruturantes de políticas públicas (entre os quais havia o de "Ciência, Tecnologia e
Inovação") e; o programa de gestão, manutenção e serviços à administração pública estadual.
Novamente foi relatado a realização de audiências nas RI durante a elaboração do PPA.
O macro-objetivo deste PPA era "reduzir a pobreza e a desigualdade social e regional
por meio do desenvolvimento sustentável" (PARÁ, 2015) e apresentava cinco (5) diretrizes e
quatro (4) dimensões estratégicas:

79
Inicialmente expressa enquanto educação técnica e tecnológica pela Lei estadual nº 8.096/2015,
posteriormente denominada de educação profissional e tecnológica pela Lei estadual nº 8.404/2016,
permanecendo esta até o final do referido mandato.
80
Lei complementar do estado do Pará nº 098/2015.
81
Lei estadual n° 8.335/2015.
173

I - promover a produção sustentável;


II - promover a inclusão social;
III - agregar valor à produção por meio do conhecimento;
IV - fortalecer a gestão e governança com transparência;
V - promover a articulação político-institucional e desconcentração de governo."
(PARÁ, 2015, p. 1 - diretrizes).

I - governança territorial e político-institucional;


II - economia sustentável;
III - inclusão social;
IV - infraestrutura social. (PARÁ, 2015, p. 1 – dimensões estratégicas).

O PPA ainda está em execução, tendo sofrido uma revisão em 2017 para o período de
2018 e 2019. Nosso exame, então, contemplará seu desenho geral e relatórios de avaliação
para os dois primeiros (2016 e 2017).

3.4.1 Programa temática de Ciência, Tecnologia e Inovação

O programa temático de CT&I foi relacionado explicitamente na dimensão estratégica


da "economia sustentável" e associado às diretrizes de "agregar valor à produção por meio do
conhecimento" e " promover a produção sustentável". Assim, podemos corroborar que há
contínua vinculação de programas de CT&I às diretrizes e dimensões econômicas dos PPA, e
fraco ou nenhum direcionamento elaborado destes às diretrizes e aos objetivos relacionados às
políticas sociais (exemplo, a de "promover inclusão social"). Única exceção houve na
ação/programa específicos relacionados ao NavegaPará nos PPA anteriores, no entanto, o qual
sofreu um processo de distanciamento da CT&I.
No PPA anterior, o programa referente ao NavegaPará foi separado do programa
principal da CT&I, embora ainda tivesse como coexecutores a SECTI e a FAPESPA e, como
vimos na execução do fomento pela FAPESPA, o programa havia sofrido substancial redução
de inversão financeira pela FAPESPA. No PPA atual não há mais menção a "NavegaPará" ou
a ações relacionadas a "infocentros" e "inclusão digital", termos provavelmente ainda bastante
vinculados ao mandato de governo exercido pelo PT. Ações relacionadas a esta temática
identificamos no PPA atual no objetivo "Ampliar a conectividade e acessibilidade digital" do
programa "Infraestrutura e Logística", em que havia previsão de implantação de zonas de
acesso livre de internet e de pontos comunitários de acesso à internet. Mas, já sob a
174

responsabilidade exclusiva da PRODEPA (atual Empresa de Tecnologia da Informação e


Comunicação do Estado do Pará)82.
Diante do exposto, entendemos que o tema da inclusão digital, embora mantido, em
alguma medida como pauta na agenda do governo estadual geral, não conseguiu se
estabelecer na agenda específica de CT&I. A execução das ações de inclusão digital do
NavegaPará nos mandatos de governo anteriores havia sido focada nos infocentros, em geral,
geridos por prefeituras ou por organizações da sociedade civil, assim, distantes do ator
político principal da CT&I. Ao considerar as características da política de CT&I,
compreendemos que a sustentação do tema na agenda pressupunha o estabelecimento e
fortalecimento deste também enquanto campo de pesquisa, com grupos de pesquisadores que
atuassem politicamente, o que não identificamos.
O programa de CT&I tinha três objetivos: (i) promover a produção, difusão e
aplicação do conhecimento científico, tecnológico e inovador, aplicado a todas as RI, sob a
responsabilidade da SECTET e FAPESPA; (ii) apoiar a infraestrutura para o desenvolvimento
do conhecimento e da inovação", contemplado em 4 RI, sob a responsabilidade da SECTET e;
(iii) produzir informações socioeconômicas e ambientais para subsidiar a elaboração,
monitoramento e avaliação de estudos e pesquisa, sob a responsabilidade da FAPESPA.
Cabe indicarmos que este último objetivo está estreitamente vinculado as funções do
antigo IDESP, incorporado para funcionamento no âmbito da FAPESPA, relacionado a
elaboração de estudos e estatísticas de interesse do governo estadual. Uma vez que estas
atividades são realizadas em duas diretorias na FAPESPA originadas do IDESP, e que no
curto espaço de tempo decorrido não houve suficiente interação entre as distintas diretorias na
FAPESPA para integração de agendas, não contemplaremos ações 83 e metas deste objetivo
em nosso exame.
Na tabela 10, apresentamos as metas previstas para os dois primeiros objetivos citados
no programa, considerando que indicador do processo proposto era a "taxa de cobertura de

82
Reconhecemos que a PRODEPA está subordinada a SECTET na estrutura administrativa estadual, mas
entendemos que sua associação esteja estabelecida pela prestação de serviços na área de TIC, construída pela
implementação dos projetos estruturantes do Programa NavegaPará, enquanto que as ações de inclusão digital
ficavam a cargo da Secretaria responsável pela pasta de CT&I (SEDECT/SECTI). Por isso que compreendemos
que a responsabilidade das ações mencionadas estarem somente com a PRODEPA indica um afastamento da
agenda nuclear da CT&I, lembrando que, embora subordinada a SECTET, a PRODEPA não consta como
executora de nenhuma ação do programa temático de CT&I.
83
Somente duas ações foram previstas neste objetivo: Realização de Estudos, Formulação e Geração de
Informações Sociais, Econômicas e Ambientais (informado execução de 85 estudos em 2016 e 291 em 2017); e
Consolidação do Portal Paraense de Inovação, essa ação embora associada ao teor da política de CT&I foi
informada como não executada nos dois anos cobertos e não relacionada a metas do objetivo (elaborar e divulgar
939 estudos e pesquisas; consolidar o Sistema de Informação do Estado).
175

ações em Ciência e Tecnologia" entre as RI. Observamos que foi especificado quantitativos a
serem alcançados em cada RI, na busca de implementar a gestão regionalizada das políticas
no bojo do desenho elaborado para o PPA. Contudo, nos relatórios de avaliação anual
emitidos referentes ao período 2016 e 2017 (PARÁ, 2017; PARÁ, 2018) não houve indicação
de alcances quantitativos por RI para programa temático de CT&I, sendo feito somente um
relato de ações em andamento e editais de fomento lançados, não se atingindo um
monitoramento, ao menos em termos de informações públicas, efetivamente regionalizado do
planejamento.

Tabela 10 – Metas por objetivo do programa temático de Ciência, Tecnologia e Inovação do PPA
2016-2019 do estado do Pará

Promover a produção, difusão e


Apoiar a infraestrutura para o desenvolvimento do
Objetivos aplicação do conhecimento
conhecimento e da inovação
científico, tecnológico e inovador
Metas Metas
Conceder Implantar
Implantar
bolsas de Implantar o Parque Consolidar Apoiar a
o Parque
Região de Fomentar formação Apoiar o museu de Ciência o Parque implantação
de Ciência
Integração projetos cientifica, eventos de e de Ciência do Parque
e
de atração e de Ciência Tecnologia e de Ciência e
Tecnologia
pesquisa fixação de C,T&I de do Tecnologia Tecnologia
do Tapajós
doutores e/ou Belterra Tocantins do Guamá de Tucuruí
(Santarém)
profissionais (Marabá)
Araguaia 14 136 50 0 0 0 0 0
Baixo Amazonas 160 458 134 1 1 0 0 0
Carajás 86 286 62 0 0 1 0 0
Guajará 360 2382 144 0 0 0 1
Guamá 62 138 58 0 0 0 0 0
Lago de Tucuruí 16 114 16 0 0 0 0 1
Marajó 20 98 60 0 0 0 0 0
Rio Caeté 48 140 46 0 0 0 0 0
Rio Capim 16 86 18 0 0 0 0 0
Tapajós 8 44 8 0 0 0 0 0
Tocantins 50 152 40 0 0 0 0 0
Xingu 44 102 42 0 0 0 0 0
*Dados extraídos de FAPESPA (2018)
Fonte: Elaborada pela autora (2019).

A programação de aplicação de recursos financeiros também foi definida por RI,


conforme a tabela 11. Havia substancial concentração dos recursos programados na região
denominada de Guajará, onde está localizada a região metropolitana de Belém, capital do
176

estado, em que também estão situadas as sedes das principais universidades e institutos de
pesquisa do estado. Ao examinarmos a execução financeira em 2016 e 2017, esta
concentração de acentuou ainda mais, ficando nesta região, na média, com 90% dos recursos
aplicados no programa. Cabe indicarmos que, a execução financeira total do programa em
2016 foi de R$ 24,237 milhões, representando 37,66% do valor anual orçado; e em 2017 de
R$ 29,326 milhões, representando 29,01% do valor orçado naquele ano.

Tabela 11 – Recursos financeiros programados totais e aplicados nos anos de 2016 e 2017 por região
de integração no programa de Ciência, Tecnologia e Inovação do Pará (em R$ 1,00)

Percentual do Percentual do
Valor total Percentual do
Região de integração valor aplicado em valor aplicado
programado valor total
20161 em 20172
Araguaia 2.026.361,00 0,9% - -

Baixo Amazonas 17.227.184 8,1% 2,6% 2,4%

Carajás 9.227.882 4,3% 1,0% 0,5%


Guajará 161.889.414 75,8% 90,5% 89,6%
Guamá 4.933.546 2,3% - -
Lago de Tucuruí 2.086.385 1,0% - -
Marajó 1.851.623 0,9% 0,5% -
Rio Caeté 4.282.265 2,0% 4,4% 6,7%
Rio Capim 1.653.339 0,8% - -
Tapajós 647.979 0,3% - -
Tocantins 4.015.375 1,9% 0,7% -
Xingu 3.669.837 1,7% - -
Total 213.511.190 100,0% 99,7% 99,2%
1
Detalhamento por RI individual disponível para 99,7% no relatório de avaliação anual de 2016, uma vez
que 0,3% residuais dos recursos aplicados foram categorizados como outras RI.
2
Detalhamento por RI individual disponível para 99,7% no relatório de avaliação anual de 2017, uma vez
que 0,7% residuais dos recursos aplicados foram categorizados como outras RI.
Fonte: Adaptada pela autora a partir de Pará (2015; 2017; 2018).

Em relação ao conteúdo das ações propostas, conforme quadro 14, ressaltamos o


sentido de continuidade do planejamento da política explícita. Das 13 ações programadas
entre as 12 diferentes RI, 11 ações estão diretamente relacionadas às ações previstas nos PPA
anteriores, em particular o de 2012-2015. As duas outras ações que, embora novas em termos
de descrição de ação ("Fortalecimento de Núcleos de Inovação Tecnológica" e a "Implantação
do ParaFarma"), relacionam-se ao escopo de promoção de um sistema estadual de inovação e,
principalmente, a última no bojo da indução de bioindústrias e do Programa Paraense de
Incentivo ao Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOPARÁ), elaborados no planejamento do
ciclo anterior.
177

Entre as ações do ciclo anterior, três passaram a não estar mais explícitas no
planejamento atual, são as de "Identificação e Mapeamento de Competências em Ciência,
Tecnologia e Inovação", de "Realização de Eventos para Popularização de Ciência,
Tecnologia e Inovação" e de "Transferência de Tecnologias Sociais para o Desenvolvimento".
Especialmente no que tange a inexistência de menção explícita ou a ações dedicadas
exclusivamente a temas de popularização da CT&I, de tecnologia social ou de inclusão
digital, compreendemos que este programa apresentou um desenho de política explícita de
CT&I menos plural frente aos dois anteriores, sem que temáticas usualmente relacionadas à
inclusão social na C&T estivessem espaço de destaque.
Assim, apesar deste planejamento ter como mote em seu macro-objetivo a redução da
pobreza e da desigualdade social e regional, em termos de justiça social, a visão que
prevaleceu no programa de CT&I foi de concepção de natureza agregativa de geração de
benefícios a sociedade. Portanto, de efeitos sociais indiretos da CT&I por meio de
pressupostos processos de desenvolvimento econômico. Bem como, ainda que o modelo de
planejamento geral adotado tenha sido direcionado a regionalização e descentralização,
permaneceu uma acentuada concentração de execução de CT&I na região metropolitana da
capital nos dois anos averiguados.
De forma similar ao mandato de governo anterior, em 2015 houve a elaboração de
novo plano diretor para a área de CT&I. Com contornos de dar continuidade e fortalecer à
concepção estratégica do plano diretor anterior, este plano aborda, de forma geral, a
contribuição da CT&I a vocações econômicas do estado (citadas: agronegócio, logística,
agricultura familiar, energia, mineração, biodiversidade, florestal, turismo e gastronomia,
serviços ambientais/recursos hídricos, e pesca e aquicultura), dando certo destaque à
verticalização mineral, enquanto "permanente demanda da sociedade local", mas, mantém a
visão de ênfase estratégica à bioindústria, pois:

os grandes eixos estratégicos do desenvolvimento amazônico dependem de um vigoroso


impulso nos processos de agregação de valor à biodiversidade regional – o principal
ativo disponível –, convocando-se à tarefa todo o saber disponível, em nível nacional e
internacional, e trabalhando-se em rede. (SECTET, 2015, p. 14).

Dito em outras palavras: inéditas cadeias de produção bioindustriais (fármacos, fito-


medicamentos, cosméticos, alimentos, bebidas, nutrientes, óleos, etc.), alimentadas por
redes de pesquisa associadas à biodiversidade, com articulação das estruturas regionais
(produtivas, científicas e culturais) aos circuitos nacionais e internacionais
intensificação dos fluxos comerciais e financeiros, em igual escala – com
aproveitamento das “janelas de oportunidades” abertas pelo atual cenário tecno-
econômico mundial. (SECTET, 2015, p. 15).
178

Quadro 14 – Ações do Programa Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento do PPA 2016-2019 do Pará
Nº Ação Região de Integração Produto/Unidade de Medida
1 Apoio à Implantação do Museu de Ciência de Belterra Baixo Amazonas Museu Implantado
Baixo Amazonas
Apoio à Implantação e Consolidação de Incubadora de Base Tecnológica e Carajás
2 Incubadora Criada
Gerencial Guajará
Lago de Tucuruí
Baixo Amazonas
Apoio ao Desenvolvimento de Rede e Projeto de Pesquisa em Cadeia
3 Carajás Projeto Apoiado
Produtiva Estratégica
Guajará
Apoio ao Processo de Acreditação de Laboratório Prestador de Serviço Carajás
4 Laboratório Acreditado
Tecnológico Guajará
Araguaia
Baixo Amazonas
Carajás
Guajará
Guamá
Lago de Tucuruí
5 Concessão de Bolsa de Pesquisa em Ciência e Tecnologia Bolsa Concedida
Marajó
Rio Caeté
Rio Capim
Tapajós
Tocantins
Xingu
6 Consolidação do Parque de Ciência e Tecnologia Guajará Parque de Ciência e Tecnologia Consolidado
Araguaia
Baixo Amazonas
Carajás
Guajará
Guamá
Lago de Tucuruí
7 Disseminação de Ciência, Tecnologia e Inovação Evento Apoiado
Marajó
Rio Caeté
Rio Capim
Tapajós
Tocantins
Xingu
179

Nº Ação Região de Integração Produto/Unidade de Medida


Baixo Amazonas
8 Fortalecimento de Núcleos de Inovação Tecnológica Carajás Modelo de Fiscalização Implantado
Guajará
9 Gestão do Parque de Ciência e Tecnologia do Guamá Guajará Repasse Realizado
10 Implantação de Polo de Conhecimento em Áreas Estratégicas Guajará Polo de Conhecimento Implantado
11 Implantação do ParaFarma Guajará Parafarma Implantado
Baixo Amazonas
12 Implantação do Parque de Ciências e Tecnologia Carajás Parque de Ciência e Tecnologia Implantado
Lago de Tucuruí
Araguaia
Baixo Amazonas
Carajás
Guajará
Guamá
Lago de Tucuruí
13 Incentivo a Projeto de Pesquisa em Ciência e Tecnologia Projeto de Pesquisa Apoiado
Marajó
Rio Caeté
Rio Capim
Tapajós
Tocantins
Xingu
Baixo Amazonas
Carajás
Guajará
14 Indução à Aplicação da Tecnologia Industrial Básica – TIB Serviço Realizado
Marajó
Rio Caeté
Xingu
Fonte: Adaptado pela autora a partir de Pará (2015).
180

A resposta concebida no plano diretor para alcançar o desenvolvimento desta


bioindústria está na implementação de um sistema de inovação alicerçado na economia do
conhecimento (SECTET, 2015). O reconhecimento de lacunas para o estabelecimento de tal
sistema de inovação no estado, é visto enquanto reforçando a necessidade de ações públicas
para sua consolidação:

O fato de não haver, ainda, no Estado do Pará, um sistema de inovação consolidado,


estabelece um descompasso entre suas possibilidades potenciais e as oportunidades
oferecidas por políticas transversais alocadas para CT&I, sobretudo em nível nacional,
destinadas a investimentos em pesquisa e desenvolvimento. (SECTET, 2015, p. 24).

Ilustra bem esse quadro o fato de o Estado do Pará ter aprovado junto à FINEP, em
2012, tão somente 4 projetos, dentre os 565 aprovados em todo o país. No ano anterior,
o Pará teve 7 projetos aprovados de um total de 413. Dos projetos contratados, apenas 4
estiveram voltados, direta ou indiretamente, para empresas. A quase nula participação
de empresas do Pará no Plano Inova Empresa, executado pelo BNDES e pela FINEP – e
que prevê recursos da ordem de R$ 32,9 bilhões para atividades intensivas em CT&I –,
é outro indicador alarmante das dificuldades estruturais presentes.
Tal constatação alerta à necessidade de o Sistema Paraense de Inovação ser fortalecido,
organizado e, ao mesmo tempo, direcionado para processos produtivos mais baseados
em conhecimento, em consonância com o potencial de geração de riquezas em âmbito
regional. (SECTET, 2015, p. 24).

Para alcance desta consolidação de um sistema de inovação no estado são indicados os


seguintes pontos:

(...) a conjugação de inúmeros fatores: educação de qualidade em todos os níveis;


densidade e qualidade da produção científica; empresas interessadas em inovação
tecnológica (investimento em P&D); aperfeiçoamento dos mecanismos de propriedade
intelectual e de transferência de tecnologia para inovação; infraestrutura científico-
tecnológica adequada (com consolidação de um sistema de parques tecnológicos,
incubadoras de empresas e laboratórios); tecnologias sociais de disseminação do
conhecimento; melhoria da ambiência normativo-legal e interlocução orgânica e
sistemática entre os diversos atores institucionais do processo (Estado e sociedade
civil). (SECTET, 2015, p. 24).

Diante destes pontos, entendidos enquanto desafios para a política de CT&I, foram
propostas as duas diretrizes do plano diretor:

a) Fomento à ciência, à inovação e à promoção, transferência e disseminação de


tecnologias sociais para fins de desenvolvimento econômico e social
e
b) Implantação de uma nova política de educação profissional e tecnológica, em vista da
formação de capital humano, com particular atenção às necessidades do setor produtivo
e dos programas estratégicos de desenvolvimento regional/local. (SECTET, 2015, p.
30).

No que tange a política específica de CT&I, correspondente a primeira diretriz (a


segunda associa-se a temática de educação), percebemos que muitos dos pontos acima
realçados vieram a se tornar ações previstas no programa temático do PPA. Exceção ao tema
de tecnologia social, que apesar de seu termo ser mencionado na diretriz, entre os desafios e
181

objetivos, não foi contemplado explicitamente no programa do PPA. Em termos do plano


diretor o tema de tecnologia social foi incorporado no eixo estratégico de "apoio à pesquisa e
ao empreendedorismo para o desenvolvimento sustentável".
Uma ação a ser ressaltada, que constou no plano diretor e que nestes dois anos de
execução do PPA recebeu atenção na atuação da SECTET, refere-se aos esforços para
construção de "ambiência normativo-legal". Esta busca de institucionalização legal envolveu
tanto o estabelecimento da política explícita voltada ao fomento da inovação tecnológica, com
a aprovação da lei estadual nº 8.426/2016, chamada lei de inovação do Pará, e da emenda à
CE nº 69, aos moldes da emenda nº 85 à CF. Quanto a institucionalização de mecanismos de
governança da política, seja no reforço das funções do Conselho Estadual, que neste período
torna-se Conselho Estadual de Ciência, Tecnologia e Educação Técnica e Tecnológica
(CONSECTET), cujo regimento foi aprovado pelo decreto estadual nº 1.311/2015; seja na
coordenação da política pela instituição formal do denominado Comitê Gestor de Políticas
Estaduais de Ciência, Tecnologia e Inovação (decreto estadual nº 1.429/2015), presidido pela
SECTET, com a participação da FAPESPA, PRODEPA e UEPA.
Em relação ao CONSECTET, houve nova conformação de seus integrantes, mas sem
alterações relevantes no desenho de representação. As entidades de C&T continuam sendo a
categoria com maior representação (UEPA, UFPA, UFRA, IFPA, UFOPA, UNIFESSPA84,
EMBRAPA, MPEG, IEC, uma associação científica, uma instituição privada de ensino e
pesquisa, e um instituto ou centro de pesquisa privado, um representante de Parque de Ciência
e Tecnologia localizado no Estado do Pará). No poder público estadual ocorreu atualização
das denominações de secretarias e a inclusão da pasta do turismo (SECTET, FAPESPA,
PRODEPA, ALEPA, SEDEME85, SEDAP86, SETUR87, FAMEP), permanecendo, portanto,
com visão de interação intersetorial focada nas pastas de enfoque econômico. Em termos de
representação empresarial, houve a inclusão de mais uma entidade (além das anteriormente
existentes FIEPA, FAEPA, SEBRAE/PA e FECOMERCIO, foi incluída uma entidade da
iniciativa privada ligada ao financiamento e desenvolvimento de programas de pesquisas
científicas ou tecnológicas).
Além desta estrutura governamental, também cabe mencionarmos que, no âmbito da
política estadual de CT&I, duas Organizações Sociais (OS) estão em funcionamento: a

84
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará.
85
Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia.
86
Secretaria Estadual de Desenvolvimento Agropecuário e de Pesca.
87
Secretaria de Estado de Turismo.
182

Fundação Guamá, responsável pelo contrato de gestão do PCT Guamá88 e; a Biotec-


Amazônia, responsável pela gestão do chamado programa BioPará89. Ambas as organizações
são lideradas por membros da comunidade de pesquisa, e tem suas missões alinhadas aos
objetivos explícitos da política de CT&I, no que tange a ideia de constituição de uma base
científico-tecnológica capaz de interagir com negócios associados ao conceito de economia do
conhecimento.

3.4.2 Editais e Execução financeira FAPESPA

Nos dois primeiros anos deste período de PPA que estamos examinando (2016 e 2017)
identificamos 24 editais no website da FAPESPA em que esta participou como financiadora,
cofinanciadora ou gestora de recursos aplicados no âmbito da CT&I, tendo sido 11 em 2016 e
13 em 2017, conforme Apêndice C. Em termos do recorte de editais por modalidade de
fomento (bolsas na tabela 12 e projetos na tabela 13), observamos que houve menor
pluralidade dos tipos de bolsas e projetos financiados. Na modalidade de bolsas, prevaleceram
as de apoio a pós-graduação, e na modalidade de projetos predominou os de pesquisa
científica e tecnológica, categorias mais tradicionais de atendimento a comunidade de
pesquisa.

Tabela 12 – Editais lançados pela FAPESPA com modalidade de fomento no formato de bolsa ou
auxílio, por categorias, no período de 2016 a 2017

Modalidade de fomento no formato de bolsas 2016 2017 Nº de editais


Bolsas para pós-graduação stricto sensu 2 2 4
Bolsas para programas de iniciação científica 1 2 3
Bolsas para programas de iniciação científica Jr 0 0 0
Bolsas de programas institucionais 0 0 0
Bolsas para programa de inclusão digital 0 0 0
Bolsas para pós-graduação lato sensu 0 0 0
Auxílio a participação em eventos C&T 0 0 0
Bolsa para pesquisador visitante 1 0 1
Total 4 4 8
*Dados extraídos de FAPESPA (2018)
Fonte: Elaborada pela autora (2019).

Por um lado, neste período não houve editais lançados em parcerias com as agências
de fomento nacionais (CNPq e CAPES). Esses editais em parcerias foram comuns nos
88
Primeiro contrato de gestão assinado em 2009.
89
Primeiro contrato de gestão assinado em 2017.
183

períodos anteriores, mas, nestes dois anos em análise, estas agências nacionais já contavam
com menor capacidade financeira, devido os cortes no orçamento de CT&I no governo
federal. Conforme relato de dirigente da política estadual de CT&I, houve dificuldades dessas
agências neste período em cumprir com os repasses de convênios firmados anteriormente90.
Por outro lado, os cinco (5) editais lançados em parceria de cofinanciamento no período foram
com agências internacionais, 4 com o Fundo Newton do Conselho Britânico, e um com
determinado conjunto de agências francesas. Os editais em conjunto com estas agências,
principalmente com o Fundo Newton (com formatos específicos) trouxeram maior
diversidade de modalidades de fomento no período, e foram estes, como trataremos a seguir,
que terão maior variedade de recorte a temáticas relacionadas a desigualdades sociais.
Apesar da política explícita, seja no PPA, seja no Plano Diretor, ter tido um
movimento de reafirmação na direção de um discurso CT&I orientada para o mercado, na
execução da política implícita de fomento da FAPESPA não houve editais efetivados para
P&D e inovação em empresas. Cabe lembrarmos que os editais deste tipo de fomento
lançados nos períodos anteriores haviam sido financiados por parceiros (FINEP e
SEBRAE/PA).

Tabela 13 – Editais lançados pela FAPESPA com modalidade de fomento no formato de projeto, por
categorias, no período de 2016 a 2017

Modalidade de fomento no formato de projetos 2016 2017 Nº de editais


Projetos de pesquisa C&T 4 8 12
Projetos de P&D e inovação em empresas 0 0 0
Projetos de eventos C&T 2 1 3
Projetos de inclusão digital 0 0 0
Projetos para popularização de C&T 0 0 0
Projetos de programas de pós-graduação 0 0 0
Projeto de publicações tecnocientíficas 0 0 0
Premiação de destaque científico 0 0 0
Cursos e treinamentos de curta duração 1 0 1
Total 7 9 16
*Dados extraídos de FAPESPA (2018)
Fonte: Elaborada pela autora (2019).

Outro recorte que averiguamos corresponde as temáticas priorizadas nos editais.


Houve três principais recortes no período, de acordo com o quadro 15, que corresponde ao

90
Conforme entrevistada concedida por um dos dirigentes da política de CT&I: "Naquele momento também nós
nos deparamos com uma série de entraves (...) falta de repasse de recursos CNPq, CAPES, FINEP e aquilo ali
nos gerou diversos transtornos administrativos porque nós não conseguíamos pagar as pesquisas".
184

desenho dos editais InterPará 2016 e 2017 e as áreas priorizadas nos editais de bolsa de pós-
graduação. Cabe mencionarmos que, considerando a abordagem de planejamento aplicada no
PPA de estruturação a partir das RI, a FAPESPA lançou, neste período, editais que buscassem
seguir uma orientação a partir de vínculos territoriais, os denominados editais InterPará.
Assim, lançou editais voltados a projetos de redes de pesquisa cujas organizações líderes do
complexo de C&T tivessem que ser sediadas ou com unidades permanentes em cada região.

Quadro 15 – Linhas temáticas ou áreas de aplicação direcionados em editais selecionados da


FAPESPA no período de 2012 a 2015
Conjunto de editais
Conjunto de editais InterPará Concessão de quotas InterPará "Apoio ao
"Apoio ao Desenvolvimento de Redes institucionais de bolsas de Desenvolvimento de
Editais de Pesquisa na Região de Integração" doutorado e mestrado Redes de Pesquisa na
acadêmico Região de Integração "
(001/2016, 002/2016,
003/2016, e 004/2016) (001/2017 e 002/2017) (007/2017, 008/2017,
009/2-17 e 010/2017)
– Mercado, produto e
comercialização;
– Cadeias produtivas locais e/ou
Temas Arranjos produtivos locais;
direcionados – Turismo;
– Estudo, produção e manejo de
espécies vegetais;
– Desenvolvimento regional – Açaí;
– Preservação da biodiversidade;
sustentável; – Agricultura Familiar;
– Saúde;
– Biodiversidade, – Palma de Óleo;
– Mineração;
biotecnologia e – Cacau;
– Produção e conservação de energia;
bioindústria; – Turismo &
Agronegócio;
– Produção, transporte e uso Gastronomia;
– Dinâmicas territoriais, ações
energia – Pesca e Aquicultura
coletivas e desenvolvimento
sustentável;
– Agricultura familiar;
– Educação;
– Violência e segurança pública;
– Desenvolvimento urbano e fluxo
migratório
Fonte: Adaptado pela autora a partir de FAPESPA (2018).

Os editais InterPará lançados em 2016 trouxeram conformação ampla de temas


prioritários, abrangendo tanto enfoques a geração econômica e cadeias produtivas, quanto
enfoques voltados a temáticas de políticas sociais, como saúde, educação, preservação do
meio ambiente e segurança pública. No entanto, os editais de 2017 trouxeram um desenho
mais restrito de temas, todos voltados às cadeias produtivas, portanto, com enfoque de
conhecimento centrado na dimensão econômica de desenvolvimento. Outra observação é que
os temas e exigências foram padronizados em cada ano para todas as regiões contempladas (6
RI em 2016 e 5 RI em 2017). A concepção de planejamento e formulação de propostas de
185

intervenção a partir de territórios entendemos que traga, ao menos implicitamente, a


necessidade de consideração de singularidades (econômicas, sociais, culturais, institucionais
etc.) de cada RI. Entretanto, entendemos que os editais do InterPará não alcançaram refletir ou
expressar tais especificidade por RI, uma vez que resultaram por englobar uma
homogeneidade de temáticas e requisitos pelo agrupamento de RI em cada ano.
Em relação aos temas prioritários mais recorrentes dos ciclos de PPA anteriores
(biotecnologia, TIC, agropecuária, mineração, energia, sustentabilidade), percebemos certa
continuidade destes entre as temáticas priorizadas no quadro 16, com reforço a temas
relacionados a biotecnologia e biodiversidade, agropecuária, energia e sustentabilidade. A
temática do turismo, anteriormente mencionado somente no edital de 002/2011, torna-se mais
realçado neste período.
No que tange a um olhar mais específico às temáticas de enfrentamento das
desigualdades, inclusão social ou grupos sociais vulneráveis, conforme quadro 16,
encontramos 13 editais associados a estas temáticas, identificando 8 enfoques (redução de
desigualdades territoriais, atendimento a agricultura familiar, a população idosa e de pessoas
com deficiência, economia inclusiva, acesso universal/equitativo a água potável, e doenças
negligenciadas).

Quadro 16 – Seleção de editais lançados pela FAPESPA identificados com menções explícitas a
temáticas voltadas a redução desigualdades, inclusão social ou atendimento específico de grupos
sociais vulneráveis, no período de 2016 a 2017
Temáticas
Nº de Redução de Pessoas Acesso
Ano
editais Agricultura desigualdade Crianças e População Idosos Populações Inclusão com
Economia
equitativo
Doenças
familiar adolescentes feminina tradicionais digital inclusiva negligenciadas
territorial deficiências a água
001/2016, 001/2016, Newton
Newton
002/2016, 002/2016, Fund
2016 6 - - - - - - - Fund (Edital
003/2016, 003/2016, (Edital
2016-17)
004/2016 004/2016 2016-17)
007/2017, 007/2017,
008/2017, 008/2017, Confap -
2017 7 - - 012/2017 005/2017 - 012/2017 - -
009/2017, 009/2017, JPI/2017
010/2017 010/2017
Total 13 8 8 0 0 1 1 1 1 1 1
*Dados extraídos de FAPESPA (2018)
Fonte: Elaborado pela autora (2019).

Compreendemos que os editais do InterPará, ao cobrir 11 RI, exceto a região


metropolitana (a qual historicamente vem recebendo maior investimento em CT&I),
buscaram, em alguma medida, atuar sobre desigualdades territoriais de recursos de CT&I;
bem como tinham entre as temáticas priorizadas a agricultura familiar. Além desses, em 2017,
186

a FAPESPA lançou novo edital de fomento a tecnologia assistiva. Neste período, houve
número maior de enfoques, com algumas temáticas que não havia constado antes, as quais
emergiram por editais em cofinanciados por agências internacionais. Como já havíamos
observado anteriormente, em relação a composição de temas mais plurais de atendimento a
grupos vulneráveis por influência intergovernamental (caso do PPSUS), neste período,
novamente encontramos uma diversidade de temas relacionados a desigualdades sociais em
editais com influência de agências de fora do estado, neste caso, internacionais.
Na próxima seção, procuramos voltar nossa atenção especificamente a esses recortes
de fomento a temas relacionados ao enfrentamento de desigualdades na política estadual, com
vistas a discernir temas para aprofundamento da pesquisa.

3.5 PANORAMA DA ORIENTAÇÃO DE JUSTIÇA SOCIAL E DAS AÇÕES PARA


ENFRENTAMENTO DAS DESIGUALDADES NA POLÍTICA ESTADUAL DE CT&I NO
PARÁ

Ao ter em perspectiva os três últimos programas de CT&I nos PPA do estado do Pará,
de modo geral, constatamos que a orientação explícita principal da política tem recebido um
sentido de continuidade em torno da concepção de sistema inovação, com orientação de
justiça social utilitarista-agregativa, com ênfase à dimensão econômica de intervenção da
CT&I para o desenvolvimento. Em termos da política implícita, a maior regularidade e
montante de fomento na agenda esteve associado às modalidades de reprodução, ampliação e
fortalecimento da comunidade de pesquisa, principalmente relacionadas concessão de bolsas e
apoio à pós-graduação stricto sensu e à pesquisa científica e tecnológica.
Em termos de escopo da política, enquanto explicitamente realça o papel da inovação
tecnológica (o que conduziria em si a políticas de ênfase à inovação), o faz vinculando esta à
noção de economia do conhecimento, ou seja, a ideia de processos inovativos que demandam
elevada intensidade de C&T. Desta forma, estabelecendo-se um discurso que, embora ressalte
a inovação, mantém esta atrelada ou necessariamente conexa (e, assim, de certa maneira
dependente) a processos de pesquisa científica e tecnológica91, própria do métier e interesse

91
Viotti (2015) destaca nos casos da Coreia do Sul e Taiwan como a produção de tecnologias ou inovações
seguiram trajetórias direcionadas ao aprendizado tecnológico ativo na indústria, a partir de uma apropriação
inicial de conhecimento por difusão tecnológica, construindo capacidades tecnológicas no nível das empresas.
Tal capacidade tecnológica na empresa é considerado elemento essencial ao processo de catching up, de modo
que o autor propõe que países retardatários ou periféricos no desenvolvimento industrial deveriam enfocar sua
política tecnológica primeiro no desenvolvimento de sistemas de aprendizagem ativa, e não de sistemas de
187

do ator principal da política, a comunidade de pesquisa. De modo que não identificamos pleno
abandono do modelo linear de inovação na política de CT&I, uma vez que a concepção de
inovação tecnológica estimulada é gerada majoritariamente (ou, por vezes, integralmente) por
atores da comunidade de pesquisa, reforçando na política implícita um escopo de política
científica, particularmente voltado a temas próprios da economia do conhecimento com
ressonância na comunidade de pesquisa local (como biotecnologia e TIC).
Para esclarecer esse contexto, entendemos que dois contornos precisam ser elucidados
no estado no que corresponde a assimetria, ou descolamento, entre o desenvolvimento
científico e os processos inovativos locais, retomando a origem do que Dagnino (2016) se
referiu como atipicidade periférica. O estado do Pará, ainda que não esteja entre os estados
com melhores indicadores científicos nacionais, em geral, apresenta indicadores próximos da
mediana do país e melhores entre os estados da região norte, conforme tabela 14.

Tabela 14 – Indicadores de C&T para Brasil, Região Norte e Pará, em 2014


Média Região Média Posição Posição
Variáveis Brasil Pará
Nacional Norte Regional Nacional Regional
Nº de Matrículas em Mestrado
25.326 938 1.630 233 753 9ª 1ª
Profissional
Nº de Matrículas em Mestrado 115.552 4.280 5.223 746 2.652 13ª 1ª
Nº de Matrículas em
95.383 3.533 2.584 369 1.605 13ª 1ª
Doutorado
Nº de Docentes em Pós-
85.449 3.165 4.081 583 1.885 12ª 1ª
Graduação
Nº de Pesquisadores Doutores 140.272 5.195 6.863 980 2.653 14ª 1ª
Nº de Bolsistas de Produtiv.
14.073 521 251 36 157 15ª 1ª
em Pesquisa
Dispêndios realizados pela
2.822.740 104.546 94.944 13.563 49.178 14ª 1ª
CAPES1
Dispêndios realizados pelo
2.634.764 97.584 83.953 11.993 42.115 13ª 1ª
CNPq1
Dispêndios Estaduais em
17.266.863 639.513 632.134 90.305 211.880 10ª 1ª
C&T1
Dispêndios Estaduais em
12.842.533 475.649 170.974 24.425 56.878 14ª 2ª
P&D1
*Dados extraídos de Capes (2017), CNPq (2017) e MCTIC (2017).
1
Valores em R$ 1.000,00.
Fonte: Elaborada pela autora (2019).

inovação, uma vez que estes espelhados em países avançados industrialmente refletem um processo complexo de
ambientes institucionais e de capacidades inovativas já maduros.
188

No entanto, indicadores de inovação da PINTEC (IBGE, 2017) demonstraram que, em


2014, somente 67392 empresas implementaram inovação de processo ou produto no estado do
Pará. Entre estas, 412 (61,2%) declararam que o grau de novidade do principal produto em
que houve inovação se caracterizava como "novo para a empresa, mas já existente no
mercado nacional". E quanto ao grau de novidade para o principal processo em que houve
inovação, 646 (95,9%) empresas declararam esta mesma opção (IBGE, 2017). Isso revela que
a ampla maioria das inovações implementadas no estado referiam-se efetivamente aos
processos de difusão tecnológica de inovações anteriormente desenvolvidas em outros lugares
Ainda, entre as empresas que implementaram inovação de produto ou processo, 645 (95,8%)
indicaram ter baixa ou nenhuma atividade interna de P&D e 495 (73,5%) assinalaram a
aquisição de máquinas e equipamentos como mais alto grau de importância das atividades
inovativas desenvolvidas. E, somente 84 pessoas estavam ocupadas em P&D no total destas
673 empresas (IBGE, 2017).
De acordo com este cenário, consideramos que fica realçada a baixa propensão ao
desenvolvimento de atividades de P&D e inovação tecnológica pelas empresas do Pará, ainda
mais em setores de alta intensidade tecnológica, ou aqueles comumente relacionados a
economia do conhecimento, uma vez que a economia estadual se caracteriza enquanto
preponderantemente extrativista ou agrária. Assim, embora o estado tenha certa capacidade
científica, inclusive com quatro programas de pós-graduação considerados de excelência pela
CAPES (Geologia e Geoquímica, Genética e Biologia Molecular, Desenvolvimento
Sustentável do Trópico Úmido e Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários) em temas
associados a pautas ressaltadas na agenda da política de CT&I (como biotecnologia,
mineração e sustentabilidade), há claramente um deslocamento entre a caracterização de
capacidade empresarial e de capacidade da comunidade de pesquisa.
Neste contexto, o estímulo à política de inovação ocorre a partir da perspectiva da
política científica e tecnológica, articulada por atores da comunidade de pesquisa, dissociada
da perspectiva de uma política industrial, que fosse articulada por atores empresariais ou
governamentais. Deste modo, como indicado em estudos sobre o domínio na política
brasileira (CARLOTTO, 2013; DIAS, 2009), apesar da política à inovação tecnológica ser
92
Conforme IBGE (2016), a PINTEC é realizada por amostra não aleatória, por considerar que a "inovação é um
fenômeno raro", portanto realiza um cadastro de seleção de "empresas que possuem maior probabilidade de
serem inovadoras e de aumentar a fração amostral para este subconjunto", com base em informações como
empresas que tenham se beneficiado de incentivos fiscais a P&D e inovação; que declararam ter realizado
aquisição de máquinas, equipamentos e instalações; que tenham tido projetos reembolsáveis ou de subvenção
econômica junto a FINEP; que constem como inovadoras em edições anteriores da PINTEC; e que constem em
dados de patentes e de contratos de transferência de tecnologia do Instituto Nacional da Propriedade Industrial
(INPI), por exemplo. O total de empresas no Pará na PINTEC 2014 foi 1.430.
189

realçada enquanto discurso na política explícita, este realce (a partir de um persistente modelo
linear de inovação implícito) tem como efeito legitimar o fomento público em C&T na
política implícita.
Nesse panorama geral, pontos principais da agenda estão no escopo do
desenvolvimento de pesquisas científicas e tecnológicas em temas que gerariam agregação de
valor econômico em cadeias produtivas selecionadas como estratégicas. Cenário que
identificamos enquanto orientação econômica agregativa e de concepção de justiça social
utilitarista (COZZENS, 2007), cujo desenvolvimento social ocorreria por consequências dos
transbordamentos de efeitos positivos na economia (geração de empregos, aumento de
arrecadação governamental para inversão pública, melhoria de infraestrutura etc.). Esta visão
também distinguimos no trecho relatado de um dos dirigentes da política estadual
entrevistado.

Uma sociedade só consegue se desenvolver quando os seus atores sociais, a própria


sociedade, ela consegue se aparelhar intelectualmente do conhecimento. Não é inútil
abrir estradas, ou asfaltar estradas, ou construir pontes, não é inútil porque isso aqui
ajuda as pessoas a transitarem, a produção a circular com mais facilidade, isso gera
oportunidades etc. Mas, se não formos capazes de melhorar a qualidade da produção,
inovar a produção, aplicar conhecimento, agregar valor aquilo que é gerado no estado,
você vai continuar tendo estradas para apenas transitar commodities, matérias-primas
não desenvolvidas, que gera pouco excedente econômico, que gera pouco recurso, que
gera apenas ocupações de baixa qualificação, de baixos salários e vamos continuar
sendo exportadores de matérias-primas e importadores de produtos manufaturados e
industrializados. Vamos continuar a ser pobres, com toda a riqueza que a natureza nos
deu. Vamos continuar a ser desiguais. O estado vai continuar a arrecadar muito pouco,
para poder depois transferir essa arrecadação em serviços públicos de qualidade, em
infraestrutura adequada e assim por diante. Ou mudamos o padrão do modelo produtivo
do estado, isso exige conhecimento, isso exige inovação, ciência e tecnologia, e também
qualificação da base, qualificação e educação, escola de qualidade e formação
profissional, ou não adianta continuarmos a construir as coisas, porque elas não nos
levaram a lugar nenhum. Então, isso que é difícil de entender porque isso aqui é
imaterial, isso não é perceptível a olho nu, precisa ter um plano estratégico de governo,
supõem um projeto de país. (entrevista concedida por dirigente da política estadual de
CT&I).

Compreendemos que enfoques distributivos de justiça social se configuraram como


marginais no processo da política de CT&I estadual. Do ponto de vista de ser expresso nos
instrumentos de diretrizes formais da política, encontramos como temas mencionados: o da
inclusão digital (principalmente nos PPA de 2008-2011 e 2012-2015 e no plano diretor 2011-
2015); da tecnologia social (principalmente no PPA de 2012-2015 e nos dois planos
diretores); da agricultura familiar (enquanto vocação econômica no plano diretor 2016-2019)
e; da desigualdade na distribuição de recursos e capacidade nos territórios (plano diretor e
PPA 2016-2019).
190

No que tange a execução do fomento em CT&I, houve maior emergência de


direcionamentos de temas associados ao enfrentamento das desigualdades e inclusão social.
Identificamos 11 temáticas, conforme os quadros 15, 22 e 29 apresentados93. Parte dessas
temáticas surgiram especificamente em editais em parcerias com agências nacionais e
internacionais (como a de populações tradicionais, de acesso equitativo à água e economia
inclusiva). Cabe acrescentarmos que, a temática de tecnologia social foi direcionada por edital
excepcionalmente lançado pela SECTET em outubro de 2017 (006/2017). Sob esta temática,
foram dirigidos enfoques a saneamento comunitário, cadeias produtivas da biodiversidade,
pesca artesanal, softwares livres e gestão de pequenos empreendimentos, e outras tecnologias
sociais aplicadas ao desenvolvimento socioeconômico.
Frente aos temas que chegaram à agenda, não podemos deixar de mencionar que
vários ficaram opacos, inclusive se consideramos temas recorrentes no âmbito de
desigualdades horizontais (COZZENS; GATCHAIR, THAKUR, 2006). Por exemplo, apesar
da questão de populações tradicionais ter sido direcionado em dois editais (um em parceria
com CNPq e DECIT/MS, outro com consórcio francês), questões étnico-raciais não foram
contempladas fora desse contexto específico. De forma similar, desigualdades de gênero
foram restritamente mencionadas em tópicos específicos de saúde da mulher (em edital em
parceria com CNPq e DECIT/MS) e da população carcerária feminina no edital sobre
violência e segurança pública. Mesmo a questão de desigualdades territoriais, foram
abordadas em termos de meso regiões, mas não se tratou das desigualdades entre zonas
pobres, ou periféricas, de centros urbanos, em que a composição de desigualdades sociais que
conformam o que concebemos enquanto assimetrias territoriais torna-se mais clara.
Também cabe assinalarmos que, somente os editais de enfrentamento das
desigualdades territoriais adotaram o próprio tema enquanto critério de elegibilidade de
fomento (região exclusiva ou prioritária para atendimento). Os demais editais voltados às
questões relacionadas às desigualdades sociais ou inclusão social, em geral, direcionaram as
temáticas enquanto linhas priorizadas de pesquisa ou de inovação, não as refletiram em
critérios de avaliação ou elegibilidade de proponentes ou parceiros participantes
(organizacionais ou individuais) envolvidos em seus próprios processos de seleção. Exceção
foi o edital do Fundo Newton "Researcher Connect", que estabeleceu enfoque distributivo no
que tange a critérios de elegibilidade ao demandar que as propostas demonstrassem

93
Embora reconhecemos que algumas dessas temáticas podem se sobrepor (como a agricultura familiar e a
economia inclusiva), nossa intenção em dispô-las foi de encerrar uma classificação, mas de discernir a
abrangência de temas articulados com uma perspectiva distributiva na agenda estadual.
191

alinhamento em relação a diversidade de participantes "especialmente relativos à gênero,


etnia, classe social, orientação sexual." (BRITISH COUNCIL, 2016). Ressaltamos este
aspecto por entender que há tendência na política de CT&I, sob discurso centrado nos
cientistas, que grupos sociais vulneráveis ou em desvantagem na sociedade sejam vistos mais
enquanto beneficiários de linhas de pesquisa e de intervenção, do que enquanto atores a serem
incorporados e empoderados como exercendo papel ativo no desenvolvimento de
conhecimento e de soluções aos problemas por eles enfrentados.
Deste modo, considerando a marginalidade dos enfoques distributivos na agenda
corrente na política de CT&I, observamos que, mesmo quando alguns destes enfoques
chegam à agenda, tendem a ter sua abrangência limitada, ou somente parcialmente
direcionada em linhas específicas de pesquisa (como exemplificado na questão do gênero ou
étnico-racial). Bem como, estas temáticas e os grupos sociais a estas correspondentes,
principalmente relacionadas a desigualdades sociais, tendem a ser assumidas enquanto objetos
de pesquisa e sujeitos passivos, não enquanto sujeitos a serem incorporados ativamente no
próprio processo de produção do conhecimento científico e tecnológico. Incorporação esta,
seja pelo estímulo de pessoas destes grupos se tornarem cientistas, seja pela participação
destes nas equipes de pesquisa, por meio de uma articulação de saberes científicos, populares
ou tradicionais.

3.5.1 Seleção de temas para aprofundamento da pesquisa

Feitas estas observações sobre a orientação de justiça social predominante na política e


sobre algumas limitações de abrangências de enfoques distributivos marginais na agenda e de
conformações que estes temas abordados tendem a sofrer no modus operante do fazer
científico preponderante, retomamos o recorte de temas, com vistas a seleção de enfoques no
aprofundamento da pesquisa.
Optamos por considerarmos somente os editais lançados exclusivamente com recursos
do tesouro do estado pela FAPESPA e SECTET, de modo a focarmos em enfoques que
tenham emergido internamente no processo da política. Localizamos sete (7) enfoques
distributivos:
- agricultura familiar contemplada em editais específicos e em linha temática de editais
mais gerais;
- desigualdade territorial contemplada por editais específicos por RI ou município;
- inclusão digital contemplada em editais específicos, relacionados ao NavegaPará;
192

- população feminina como linha temática em edital de segurança pública;


- pessoas com deficiências e idosos contemplados pelo desenvolvimento de tecnologia
assistiva em editais específicos e em linha temática de editais mais gerais;
- doenças negligenciadas contempladas como linha temática em edital de saúde e;
- tecnologias sociais contempladas em edital específico.
Entendemos que a análise de qualquer um desses temas seja útil quanto a elucidar
diferentes dinâmicas de enfrentamento das desigualdades na política de CT&I, contudo para
seleção de tema para nossa pesquisa consideramos os seguintes apontamentos:
- alguns temas alcançaram a agenda de fomento estadual via editais de forma mais
pontual, como o das doenças negligenciadas e da população carcerária feminina, ao serem
mencionados como linhas temáticas em somente um edital cada;
- o tema da inclusão digital, como vimos anteriormente, entrou em declínio na agenda
no período do PPA 2012-2015, contemplado somente por meio de um edital de bolsas para
monitores para funcionamento de infocentro, sem, portanto, envolvimento direto de
pesquisadores, e não sendo direcionado na agenda neste último período de PPA examinado.
Deste modo, chegamos a quatro (4) temas que encontramos mais prevalentes na
agenda estadual (agricultura familiar, desigualdades territoriais, tecnologia assistiva e
tecnologia social). Entre esses, selecionamos os temas de tecnologia assistiva e de tecnologia
social para estudo aprofundado em termos da abordagem de coalizões de defesa. Nossa
escolha correspondeu a singularidades no processo estadual destas duas temáticas.
Primeiro, o tema de tecnologia assistiva foi o único destas quatro temáticas que não foi
citado em documentos de diretrizes específicas da política estadual de CT&I (considerando-se
os programas de PPA examinados e os planos diretores). No entanto, foi objeto de dois editais
específicos e linha temática de outros dois editais via FAPESPA, o que pode indicar que seus
atores articuladores tenham buscado caminhos ou estratégias alternativas à política interna do
domínio da CT&I para alcance da agenda.
Em seguida, o tema de tecnologia social esteve presente por menções nos documentos
da política explícita (tanto em programa de PPA 2012-2015, quanto nos dois planos
diretores), e foi o único que teve seu fomento via edital lançado diretamente pela SECTET,
em que havia uma unidade administrativa própria dedicada ao tema. Assim, entendemos ter
sido um tema cujos atores articuladores tenham adotado uma estratégia de busca de
institucionalização no domínio da política estadual de CT&I.
O desenho de pesquisa, a partir dessas duas temáticas, permite compreender como
temas de enfoque distributivos para enfrentamento das desigualdades têm sido articulados no
193

processo da política pública estadual de CT&I. Também, por meio de suas singularidades
inicialmente identificadas, proporciona diversidade analítica, seja em termos organizacionais
(uma vez que o tema de tecnologia assistiva esteve centrada no fomento via FAPESPA, e o de
tecnologia social em processos da SECTET), seja em termos das possíveis estratégias e
alcances da coordenação coletiva de coalizões de defesa.
Os próximos capítulos são dedicados a análise dos subsistemas de política específicos
a tecnologia assistiva (capítulos 4 e 5) e tecnologia social (capítulos 6 e 7). Para cada tema,
abordamos em um capítulo inicial às concepções discursivas e a conjuntura da política
nacional, enquanto uma aproximação e contextualização da temática. Em segundo capítulo, a
análise do subsistema de política estadual, com o mapeamento dos principais atores políticos
e exame de práticas sociais exercidas.
194

4 TECNOLOGIA ASSISTIVA: ORIENTAÇÕES DISCURSIVAS E CONJUNTURA


DA POLÍTICA NACIONAL

O objetivo deste capítulo é contextualizar políticas de fomento à tecnologia assistiva


(TA) para o enfrentamento das condições de desigualdades das pessoas com deficiência e
idosos, com vistas a subsidiar nossa análise da política estadual de fomento a TA no âmbito
da CT&I no Pará. Neste sentido, buscamos entender, por um lado, as construções conceituais
e de modelos analíticos que se desenvolveram no campo da TA para identificar orientações
discursivas para a política pública de seu fomento. Por outro lado, na segunda parte do
capítulo, procuramos conjecturar o desenvolvimento desta política de fomento a TA no
governo federal do Brasil. A compreensão, tanto das orientações discursivas em torno da
política de TA, quanto do contexto nacional de desenvolvimento desta política, serão suportes
para nossa análise da política de fomento a TA pelo governo estadual do Pará, no próximo
capítulo.
Neste horizonte, o capítulo está dividido em três (3) seções. A primeira refere-se a
revisão de literatura sobre aspectos conceituais e analíticos de TA, a partir de perspectiva da
trajetória histórica do campo, além de prover algumas tendências atuais para recomendações
de políticas públicas. A partir desta revisão, visamos entender possíveis diferenças de
orientações discursivas instruídos em práticas de desenvolvimento tecnológico neste campo
de política e pesquisa, auxiliando a conjecturar a política de fomento a TA no Brasil, objeto
da segunda seção.
Na segunda seção, contextualizamos a política para fomento de TA no âmbito do
governo federal do Brasil, procurando identificar seus principais programas e configuração
das ações desta temática no âmbito da política de CT&I. Assim, verificar como a temática de
TA esteve pautada nos planos institucionais da pasta ministerial da CT&I, desde 2004 até
tornar-se tema transversal no Plano Nacional de Direitos da Pessoa com Deficiência "Viver
sem Limites", quando alcança maior espaço na agenda política com a constituição do Centro
de Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva. De forma complementar, também
verificamos os principais editais nacionais para fomento a TA e o cenário de desenvolvimento
de TA no país a partir da Pesquisa Nacional de Inovação em Tecnologia Assistiva.
Por fim, na última seção, retomamos a discussão de orientações discursivas para
desenvolvimento e provisão de TA e confrontamos com os discursos gerais da política de
CT&I e as práticas situadas no país. Deste modo, procuramos debater possíveis tensões entre
195

na conformação de posições discursivas no campo no contexto brasileiro, e lançar luz a alguns


aspectos limitadores e potencializadores para políticas públicas de TA.

4.1 A GARANTIA DE DIREITOS HUMANOS ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E A


TECNOLOGIA ASSISTIVA: ASPECTOS CONCEITUAIS E HISTÓRICOS DE
CONFORMAÇÃO DE POLÍTICAS

Políticas para desenvolvimento de TA emergiram no âmbito de movimentos e


conquistas políticas para assegurar equiparação de direitos e oportunidades às pessoas com
deficiência na sociedade. Neste sentido, antes de entrarmos em aspectos conceituais da
própria TA, consideramos necessário fazer uma introdução e breve histórico dos movimentos
de conformação de garantia dos direitos para estas pessoas, com a revisão de alguns conceitos
e concepções discursivas relevantes.

4.1.1 Breve histórico sobre a conformação de garantia de direitos para pessoas com
deficiência

Para Sassaki (1997), as sociedades em suas várias culturas já apresentaram e, mesmo


atualmente apresentam, diversidade de práticas sociais em relação a pessoas com deficiência,
em virtude de condições atípicas em que estas aparentavam não pertencer à maioria da
população. De um marco cultural da civilização europeia ocidental, este autor indica que,
após vasto período das práticas de exclusão social94 direcionadas as pessoas com deficiência,
a partir do final do século XIX iniciou-se um conjunto de novas práticas sociais, que o autor
propõe dividir em três (3) períodos: de segregação social, de reabilitação e integração social e
de inclusão social.
O primeiro período de atendimento público às pessoas com deficiência caracterizado
pela segregação social, predominante entre o final do século XIX até a década de 1940,
segundo Sassaki (1997), correspondeu às práticas de provisão de abrigo, alimentação e de
assistência médico-social em hospitais e organizações filantrópicas e de caridade, que
mantinham essas pessoas internadas em caráter permanente, segregadas da comunidade. Com

94
Compreendemos a exclusão social, conforme Levitas et al. (2007), como um processo complexo e
multidimensional, que envolve a falta ou a negação de recursos, serviços, bens ou direitos que conduzem a
incapacidade de pessoas em participar de relações e atividades comuns, disponíveis para a maioria das pessoas
em uma sociedade, seja nos âmbitos econômicos, sociais, culturais ou políticos, que afeta tanto a qualidade de
vida da pessoa, individualmente, quanto a equidade e coesão da sociedade como um todo.
196

o passar do tempo, este tipo de organização foi se especializando para atender pessoas por
tipo de deficiência, como por exemplo, organizações especiais para pessoas cegas ou surdas,
de modo que outras formas de segregação institucional foram sendo praticadas (SASSAKI,
1997). Sassaki (2003) ainda menciona que o termo mais comum a designar estas pessoas era
de "inválidos", trazendo um sentido de pessoa socialmente inútil ou sem valor a agregar à
sociedade.
Contudo, Barnes (2012) realçou alguns fatores que motivaram mudança política para
expansão de serviços a este público, relacionado a um aumento da visibilidade e politização
do tema, principalmente nos EUA e em países europeus, perante o grande número de civis e
militares feridos durante a II Guerra que passavam a fazer parte deste grupo alvo da política,
pelas denúncias e mobilização sobre os extermínios das pessoas com deficiência, realizados
no regime nazista e pelo próprio crescimento da expectativa de vida das pessoas com
deficiência e dos idosos, que demandavam melhores condições de vida.
Emergiu, assim, a partir da década de 1950 e perdurando até a de 1980, conforme
Sassaki (1997), um segundo período de atendimento a pessoas com deficiência denominado
de reabilitação e integração social. Para o autor, esta modalidade de atendimento para
reabilitação ainda era realizada em organizações e hospitais especializados em uma
perspectiva assistencialista. A partir da década de 1960, houve grande crescimento destas
instituições especializadas, que passaram a contemplar diferentes espaços de formação e
ocupação para estas pessoas, como escolas especiais, centros de habilitação e reabilitação,
oficinas de trabalho, clubes e associações desportivas especiais (SASSAKI, 1997).
Dois princípios básicos foram desenvolvidos neste período. O primeiro, foi de busca
da "normalização", que procurava tornar disponível às pessoas com deficiência algumas
condições de vida análogas aos modelos construídos e acessíveis de modo geral na sociedade
(SASSAKI, 1997). Sassaki (1997) realça que ainda era evidente um sentido de segregação
neste preceito de normalização, ao se criar ambientes parecidos com aqueles vivenciados pela
população em geral, mas separados destes. Já na década de 1980, o autor indica a ascensão do
termo de "mainstreaming" no âmbito da educação especial, que correspondia a um avanço na
tentativa de integração, ao buscar introduzir alunos com deficiência em alguns serviços
educacionais regulares na comunidade. No entanto, de forma geral, nesta fase a noção de
reabilitação e integração ainda constituíam esforço unilateral da pessoa com deficiência em se
ajustar e se tornar mais aceitável aos moldes da sociedade existente, havendo pouca, ou
nenhuma exigência, para a sociedade quanto às modificações de espaços, objetos, práticas
sociais ou atitudes em favor desta integração (SASSAKI, 1997).
197

Neste período, Sassaki (2003) ainda ressalta grande diversidade e evolução nas
denominações usadas para caracterizar as pessoas com deficiência, desde "incapacitados" ou
"incapazes", preponderante entre 1920 e 1960, que reforçava a ideia do indivíduo como sem
capacidade, ou com capacidade residual enquanto sua principal característica; posteriormente,
torna-se mais comum termos como "deficiente" ou "excepcional", reiterando a noção de
pessoas que não conseguem fazer, ou viver, como a maioria da população; até que, na década
de 1980, surge denominações como de "pessoas deficientes", "pessoas portadoras de
deficiência", "pessoas com (ou portadoras) necessidades especiais", sendo notável nestes
termos a evidenciação de valor à "pessoa", como principal caracterização, e a deficiência
passa a ser um aspecto secundário.
Porém, os significados de "portador" e "especial" vieram a ser questionados pelos
movimentos de pessoas com deficiência. A ideia de "portador" estaria relacionada a algo não
permanente, ou que poderia ser deixado de carregar ou portar, que não reflete a experiência
das pessoas com deficiência para as quais a deficiência faz parte intrínseca de sua condição de
vida (SASSAKI, 2003). A noção de direitos, ou necessidade especiais, tem duplo
questionamento. No que tange a "direitos especiais", contradiz o foco de exigência dos
movimentos das pessoas com deficiência em torno da equiparação dos direitos e
oportunidades com as demais pessoas em sociedade, e não seu tratamento ou direitos
especiais; e em relação a "necessidades especiais", considerou-se que não agrega valor
diferenciado às pessoas com deficiência (SASSAKI, 2003). Assim, o atual termo em uso para
designação é o de "pessoa com deficiência", consagrado na Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência (CDPcD) da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2007.
Apesar das críticas ao período de reabilitação e primeiras tentativas de integração
social, o decorrer das década de 1960, 1970 e 1980, Sassaki (1997) e Garcia (2014)
registraram o surgimento dos movimentos de mobilização das pessoas com deficiência e seus
aliados (parentes, cuidadores, profissionais no campo), com a formação e articulação de
organizações em que as pessoas com deficiência tomaram o protagonismo das ações e
reinvindicações95, ampliando a conscientização e disseminação de informações sobre os
problemas, necessidades e potencialidades das pessoas com deficiência. Estas mobilizações
resultaram na aprovação de legislações específicas para assegurar os direitos destas pessoas,
inclusive em Constituições de países latino-americanos.

95
Bueno (2016) citou o lema “Nada sobre nós, sem nós”, elaborado no movimento social por direitos das
pessoas com deficiência na África do Sul, na década de 1980 no período do apartheid, como representativo da
militância por uma maior visibilidade, inclusão e empoderamento destas pessoas.
198

De forma que, Sassaki (1997) identificou um terceiro, e atual (a partir de 1990),


período de interação da sociedade com as pessoas com deficiência, chamado de inclusão
social. De acordo com o autor, a principal característica desta fase é que o conceito de
inclusão social abrange o processo pelo qual a própria sociedade deve se adaptar e ajustar para
poder incluir às pessoas com deficiência, ao mesmo tempo que estas pessoas se preparam para
assumir papéis nesta sociedade. Portanto, a inclusão social consubstancia-se em um processo
de esforço bilateral pelo qual as pessoas com deficiência, ainda excluídas em múltiplas
dimensões sociais, e a sociedade procuram equacionar problemas e tomar decisões sobre
soluções conjuntamente para a equiparação de oportunidades (SASSAKI, 1997).
Embora seja esperado que essas fases de interações das pessoas com deficiência na
sociedade não ocorram no mesmo tempo e nas mesmas condições (conceituais e materiais)
em todos os países ou segmentos populacionais, visto que até hoje há substancial exclusão
social em relação as pessoas com deficiência, Sassaki (1997) ressalta que a noção de trajetória
dessas interações seja adequada tanto para compreender como diferentes políticas, programas
e ações públicos são moldados em torno dos conceitos e concepções que desenvolvemos
sobre ou com as pessoas com deficiência; quanto para entender algumas concepções e
tendências que passam a ser difundidas e em torno das quais os atores políticos, incluindo
movimentos de pessoas com deficiência, buscam influenciar políticas nos diversos países,
principalmente a partir de convenções internacionais.
Entre estas, destacamos a atual CDPcD da ONU96. De acordo com a Convenção,
pessoas com deficiência são definidas como:

aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas" (BRASIL, 2009, p. 2).

E, com o objetivo de promover e assegurar o exercício pleno e equitativo dos direitos


humanos e liberdades fundamentais pelas pessoas com deficiência traz orientações permeadas
pela concepção de inclusão social, estabelecendo oitos (8) princípios norteadores:

a) O respeito pela dignidade inerente, a autonomia 97 individual, inclusive a liberdade de


fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas;

96
O Brasil ratificou esta Convenção, promulgada por meio do decreto nº 6.949/2009.
97
Apesar de poderem ter significados similares, autonomia e independência adquirem sentidos diferenciados nos
movimentos de pessoas com deficiência, conforme apontou Sassaki (1997): autonomia corresponde à condição
de maior ou menor domínio ou controle que a pessoa com deficiência exerce para frequentar diversos ambientes
físicos e sociais, com vistas a alcançar seus objetivos. Enquanto independência se refere à oportunidade e
199

b) A não-discriminação;
c) A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade;
d) O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da
diversidade humana e da humanidade;
e) A igualdade de oportunidades;
f) A acessibilidade;
g) A igualdade entre o homem e a mulher;
h) O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo
direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade. (BRASIL, 2009, p. 2).

A passagem de fases de segregação e de esforço de reabilitação e integração unilateral da


pessoa com deficiência para uma fase de interação, baseada em concepção de inclusão social, cuja
responsabilidade é vista tanto da parte da pessoa com deficiência, quanto das pessoas sem
deficiência, está relacionada a mudança de modelo de concepção médico da deficiência para o
modelo de concepção social, conforme diversos autores (BARNES, 2012; BORG; LARSSON;
ÖSTERGREN, 2011; BRASIL, 2009; GALVÃO FILHO, 2013; GARCIA, 2014; LAYTON,
2015; SASSAKI, 1997).
O modelo médico de deficiência foi o primeiro a ser concebido e se baseia em
considerar a deficiência como atributo individual, anormalidade funcional ou problema
médico intrínseco da própria da pessoa, cuja causas podem estar relacionadas a doenças,
acidentes, violências ou origens genéticas, e que tem como consequência limitações para esta
pessoa realizar e participar de atividades comuns da vida em sociedade (BORG; LARSSON;
ÖSTERGREN, 2011; GARCIA, 2014). Nesta concepção, a relação entre sociedade e a pessoa
com deficiência seria norteada a partir de práticas de assistência médica, cujo objetivo seja o
tratamento individual voltado para cura ou reabilitação de capacidades funcionais, com vistas
a corrigir o problema individual ou adaptar esta pessoa ao contexto ou padrão físico-social
existente (BORG; LARSSON; ÖSTERGREN, 2011; GARCIA, 2014). Nos casos em que se
considerasse não ser possível a cura ou adequada reabilitação, a pessoa, em função de suas
graves restrições, deveria ser segregada em ambientes especiais (GARCIA, 2014).
Em termos de políticas públicas, esta concepção do modelo médico da deficiência traz
enfoque sobre implementação, modificações ou reformas em políticas de saúde, tendendo a
negligenciar intervenções em outras áreas políticas, como social, cultural ou de infraestrutura,
ou mesmo as dimensões de intersetorialidade entre estas diversas políticas (BORG;
LARSSON; ÖSTERGREN, 2011; BUENO, 2016; GALVÃO FILHO, 2013; GARCIA,
2014).

capacidade de tomar decisões que afetam sua própria vida, em termos de aspectos pessoais, sociais ou
econômicos, sem depender de outras pessoas como familiares ou profissionais especializados, ou seja, ter
oportunidade de exercer a autodeterminação.
200

O modelo social de deficiência surgiu a partir de maior politização da temática e


movimentos com participação das pessoas com deficiências, pela qual os problemas
relacionados a deficiência não estão tanto na pessoa com deficiência quanto estão na
sociedade que a exclui, ao estabelecer restrições e desvantagens para esta no exercício de
papéis e de atividade sociais (GARCIA, 2014; SASSAKI, 1997).
Sassaki (1997) exemplifica, entre as desvantagens impostas pela sociedade, a
existência de ambientes restritivos de acesso e objetos e bens inacessíveis em termos físicos;
atitudes e comportamentos preconceituosos, baseados em contestáveis padrões de
normalidade e em experiência histórica de opressão e segregação em relação às pessoas com
deficiência; pré-requisitos para desempenho de funções sociais (entre estas educação e
emprego) alcançáveis somente por uma maioria aparentemente homogênea e; substancial
desinformação sobre as necessidades e os direitos das pessoas com deficiência. Estas barreiras
resultam e perpetuam práticas sociais discriminatórias, de modo que o problema da exclusão
social não estaria nas condições físicas ou intelectuais em si das pessoas com deficiência, mas
decorrente da incapacidade da sociedade em prever e incorporar a diversidade humana
(SASSAKI, 1997).
A partir desta concepção do modelo social de deficiência, Garcia (2014) ressaltou que
a causa do problema de exclusão social e a responsabilidade por sua inclusão social não são
creditadas às próprias pessoas com deficiência, mas comportam problemática de inter-relação
entre a sociedade e as pessoas com deficiência, visto que a deficiência não é mais a doença ou
anormalidade da pessoa, e sim condição de exclusão no sistema social. Neste sentido, o
problema da deficiência não está mais localizado em inadequação da pessoa com deficiência
para convivência na sociedade, mas em inadequação da sociedade, que impõe barreiras físicas
e sociais, excluindo oportunidades de livre convivência das pessoas com deficiência
(GARCIA, 2014).
Assim, enquanto as pessoas com deficiência possam necessitar da provisão de
produtos de apoio, ou de serviços assistenciais que ampliem suas autonomias, devem ser
respeitados e garantidos seus direitos fundamentais, inclusive aqueles relacionados a
autodeterminação e participação social, de forma que quaisquer intervenções devem ser feitas
com elas e não somente para elas (GARCIA, 2014; SASSAKI, 1997). Além de que, cabe à
sociedade eliminar as barreiras físicas, institucionais e comportamentais existentes para que as
pessoas com deficiências possam ter acesso aos locais, informações, produtos e serviços
necessários ao desenvolvimento humano em suas múltiplas dimensões: educacional,
profissional, espiritual, social etc. (SASSAKI, 1997).
201

Nesta perspectiva, o princípio da acessibilidade98 comporta a noção de que a


deficiência ao longo da vida é condição universal, considerando que qualquer pessoa pode,
em algum momento, mesmo que temporariamente, apresentar algum tipo ou severidade de
deficiência e mobilidade reduzida (BUENO, 2016; GARCIA, 2014). Portanto, a existência de
deficiência, ou impedimentos, é percebida como condição humana que se torna inevitável, seja
quando envelhecimento, seja quando sofremos acidentes ou adoecemos. Assim, ações públicas
para acessibilidade contemplam, por um lado, o atendimento não somente dos segmentos
específicos das pessoas com deficiência, mas também, diferentes grupos com mobilidade
reduzida em caráter permanente ou temporário, como idosos, gestantes e lactantes, e pessoas
acidentadas; e, por outro lado, a redução de causas sociais que produzem impedimentos, ou
deficiências, como acidentes de trabalho e de trânsito, atuando na esfera da prevenção (BUENO,
2016; GARCIA, 2014).
Outro aspecto relevante do modelo social da deficiência, que está reconhecido na
própria CDPcD da ONU, corresponde a percepção de interseccionalidades das condições de
desigualdades sociais. Isto é, o discernimento que outras características que levam a formas de
discriminação social (gênero, cor, pobreza, idade etc.) se sobrepõe às barreiras impostas à
deficiência, podendo afetar o acesso a oportunidades e garantia de direitos entre as pessoas
com deficiência, em distintas condições.
Como consequência desta visão mais ampla socialmente das causas e implicações da
deficiência, o modelo social traz rebatimentos em relação as políticas públicas voltadas ao
atendimento deste público, principalmente ao expandir sua abrangência entre diferentes
domínios políticos, estendendo-se da política de saúde para outros âmbitos, como a educação,
assistência social, direitos humanos, infraestrutura, e ciência e tecnologia, reconhecendo sua
intersetorialidade (GARCIA, 2014). Bem como, o papel da pessoa com deficiência torna-se
ativo e central na tomada de decisão sobre políticas, produtos e serviços, e nas práticas sociais
a estes relacionados. Sassaki (1997) e Goldman e Tachau (1996) reforçam a importância do
empoderamento e da self-advocacy das pessoas com deficiência nos processos de políticas
públicas, exercendo de forma crítica suas vozes e conhecimentos de seus lugares de fala.
A ascensão do modelo social da deficiência influenciou mudanças na caracterização
da deficiência pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que, em 2001, substitui a

98
Conforme a CDPcD (decreto nº 6.949/2009), com vistas a proporcionar acessibilidade, os Estados devem
"assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio
físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e
comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona
urbana como na rural. Essas medidas, que incluirão a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras à
acessibilidade".
202

Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (CIDID), cujo


enfoque não considerava os aspectos sociais e ambientais, entre outras fragilidades, pela
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). A perspectiva
aplicada na CIF buscou integrar os modelos médico e social de deficiência ao propor modelo
"biopsicossocial”, no intuito de proporcionar síntese por visão multidimensional da
deficiência, considerando seus aspectos biológicos, psicológicos e sociais (BARNES, 2012;
BORG; LARSSON; ÖSTERGREN, 2011; GARCIA, 2014). De modo que, são previstas três
instâncias para minimizar o impacto das deficiências na autonomia e capacidade de
participação a provisão de TA, as intervenções ambientais para acessibilidade e cuidados ou
apoios pessoais (LAYTON, 2015). Borg, Larsson e Östergren (2011) ressaltam ainda que na
CIF a falta de provisão de TA à pessoa com deficiência é uma barreira ocasionada pela
sociedade, e, portanto, a noção de funcionalidade é uma interação dinâmica entre a domínios
individuais (biológicos e psicológicos) e sociais.
Embora reconheçam os avanços relevante na orientação da CIF e as interações entre
os diferentes aspectos na dinâmica de vida das pessoas com deficiência, Barnes (2012) e
Garcia (2014) realçam uma persistência das práticas e dos discursos típicos do modelo
médico, mesmo em ambientes e públicos que supostamente adotam o modelo biopsicossocial.
Para estes autores, permanece uma primazia do "bio" a frente dos demais aspectos, ou seja, há
manutenção de ênfase em intervenções focadas a partir de aspectos biológicos individuais,
acompanhada por uma negligência em intervenções sociais inclusivas. Segundo Garcia (2014,
p. 75) é necessário "transitar do biopsicossocio para o sociopsicobio" para que ocorra
comprometimento com processos epistemológicos efetivamente interdisciplinares sobre a
deficiência entre os profissionais, pesquisadores e atores políticos envolvidos.
Ao examinar os modelos discutidos sobre deficiência99 fica expresso as construções e
disputas discursivas existentes no campo e as tensões nos conceitos e práticas sociais no âmbito
das políticas, uma vez que atores buscaram influenciar os processos de políticas públicas e moldar
práticas em determinadas direções, de acordo com suas concepções sobre deficiência. Na próxima
subseção, entraremos especificamente no tópico sobre política de TA, no qual estas influências
discursivas compõe um dos aspectos relevantes de sua constituição e prática.

99
Garcia (2014) ainda ressalta um novo modelo em desenvolvimento denominado de "modelo da diversidade",
que a partir do modelo social estaria sendo elaborado no Movimento de Vida Independente da Espanha, o qual
recomenda que pessoas com deficiência não sejam mais percebidas como pessoas com incapacidades, mas
enquanto “pessoas com diversidade funcional”.
203

4.1.2 Políticas para tecnologia assistiva: Conceitos e perspectivas

Como comenta Galvão Filho (2009), TA é uma expressão relativamente nova e sua
conceituação encontra-se em um processo de construção e sistematização, mas a utilização de
recursos a que nos referimos como de TA remonta aos primórdios da história, exemplificada
no uso de um pedaço de pau como uma bengala improvisada. Deste mesmo exemplo,
compreendemos que recursos de tecnologia podem incorporar substancial intensidade
tecnológica em seu desenvolvimento ou podem se constituir em objetos e práticas simples.
A primeira citação do termo de TA no âmbito de documentos de política oficial é
reconhecido à peça legislativa norte-americana American with Disabilities Act (ADA) de
1988100 (BERSCH, 2017; ITS, 2018). A motivação principal em torno da provisão de TA
enquanto política pública pode ser sintetizada na conhecida citação de Mary Pat Radabaugh
de que "Para americanos sem deficiências, a tecnologia torna as coisas mais fáceis. Para
americanos com deficiências, a tecnologia torna as coisas possíveis"101 (RADABAUGH, 1988
apud NATIONAL COUNCIL ON DISABILITY, 1993). Assim, a utilização de TA por
pessoas com deficiência foi reconhecida como uma necessidade essencial à realização de uma
vida digna dessas pessoas, inclusive em suas atividades cotidianas, sendo um meio de buscar
equiparar oportunidades e direitos fundamentais para estas na sociedade. Desta maneira, a
temática de TA surge na trajetória das políticas pelos direitos da pessoa com deficiência
enquanto um elemento necessário para sua qualidade de vida, autonomia e independência.
No ADA, TA é prevista e conceituada em termos de recurso de TA ("item, peça de
equipamento ou sistema de produto, independentemente se adquirido comercialmente de
fabricação padronizada, ou se modificado, ou se produzido de forma personalizada, usado
para aumentar, manter ou melhorar as capacidades funcionais de pessoas com deficiência") e
serviço de TA ("qualquer serviço que auxilie diretamente um indivíduo com deficiência na
seleção, aquisição ou uso de um dispositivo de TA").
Atualmente, a CDPcD da ONU estabelece como obrigação de todos os Estados Partes
realizar e promover a pesquisa, desenvolvimento, disponibilidade e emprego de TA
adequados a pessoas com deficiência para auxiliar nas diversas atividades, como na
mobilidade, habilitação e reabilitação, liberdade de expressão e acesso à informação,
participação na vida política e pública.

100
Registrado pela Public Law 100-407 de 19/08/1988 do Congresso dos EUA, cujo objetivo era estabelecer um
programa de provisão de tecnologia assistiva para pessoas com deficiência, entre outros propósitos.
101
Tradução livre da autora de For Americans without disabilities, technology makes things easier. For
Americans with disabilities, technology makes things possible.
204

Bersch (2017) e Galvão Filho (2009) ao revisar conceitos relacionados à temática


também encontraram com frequência outras denominações como ajuda técnica e tecnologia
de apoio, principalmente a partir de um referencial europeu. Galvão Filho (2009) ressalta que
em documentos europeus, diferentes traduções são usadas, sendo que embora o termo
“assistive technology” seja o oficialmente utilizado nos documento em inglês, prevalecia até
então o uso de "tecnologia de apoio" em Portugal, e de "tecnología de la rehabilitación" na
Espanha, mas que conceitualmente o Consórcio EUSTAT (Empowering Users Through
Assistive Technology) no âmbito da União Europeia mantinha o mesmo conceito que
englobava "produtos e serviços capazes de compensar limitações funcionais, facilitando a
independência e aumentando a qualidade de vida das pessoas com deficiência e pessoas
idosas" (EUSTAT, 1999, p. 2).
Assim, apesar do uso de diferentes terminologias e algumas distinções conceituais em
relação a sua amplitude (produtos, serviços, métodos, práticas, área de conhecimento), a
finalidade ("para quê") da TA é proposta como característica base que define sua
singularidade conceitual (GALVÃO FILHO, 2013; GARCIA, 2014). Neste sentido, a TA é
recurso de uso individual da pessoa com deficiência para auxiliar a superar alguma barreira
para exercício de suas atividades em equiparação de oportunidades com as demais pessoas.
Como propõem MacLachlan et al. (2018), a finalidade principal é manter ou melhorar o
funcionamento e independência da pessoa com deficiência para, assim, promover seu bem-
estar.
Desta maneira, duas características devem ser observadas. A primeira é que a pessoa
com deficiência é seu usuário direto, e diferenciando a TA de outros recursos médicos e de
reabilitação (mesmo que informacionais ou educacionais) exercidos por profissionais
(GALVÃO FILHO, 2013; BERSCH, 2017). Esta preocupação de diferenciação tinha um
propósito claro quando da instituição dos primeiros programas de incentivo ao
desenvolvimento e financiamento de TA, de forma que estes fossem adequadamente
direcionados a atender às pessoas com deficiência, e não fosse capturados para financiamento
de tecnologias de saúde em geral, utilizadas por hospitais ou profissionais de saúde, que,
embora pudesse incluir as pessoas com deficiência, era de prestação de serviço comum e já
tinham canais de políticas próprios. A segunda é que a TA deve servir à pessoa com
deficiência para superação de barreiras e condições específicas para exercício de sua
autonomia e inclusão social, distinguindo de recursos de uso pessoal usados para finalidades
gerais por pessoas com ou sem deficiência.
205

Outra concepção associada a TA corresponde a classificação e terminologias de


produtos assistivos para pessoas com deficiência padronizados pela norma internacional ISO
9999:2016102. Esta norma segue a conceituação de produto assistivo alicerçada na CIF,
definindo produto assistivo como "recursos, equipamentos, instrumentos e softwares,
especialmente produzidos ou geralmente disponíveis, usados por pessoas com deficiência para
participação; para proteger, apoiar, treinar, medir ou substituir funções, estruturas ou
atividades corporais; para prevenir impedimentos, limitações de atividades ou restrições de
participação"103 (ISO 9999:2016). Esta concepção baseada em produto é mais restrita que o
conceito geral de TA que, em geral, envolve outras atividades, como os serviços. Mas, seu
objetivo aponta para um esforço de normalização da classificação e terminologias usadas para
desenvolver e ofertar produtos assistivos, com vistas a melhor a informação e segurança na
tomada de decisão sobre estes para usuários e profissionais.
Bersch (2017) ressalta que formatos de classificação de TA são relevantes por
organizar a utilização, prescrição e pesquisa de recursos e serviços relacionados, bem como
oferecer ao mercado orientações específicas ao desenvolvimento e oferta de produtos e
serviços, em nível de especialização adequado. Dada a restrição da norma ISO 9999 a
concentrar-se em produtos104, Garcia e Galvão Filho (2012), ao revisarem diferentes
classificações de TA no âmbito dos estudos para a Pesquisa Nacional de Tecnologia Assistiva
2012, destacam a classificação proposta no modelo Horizontal European Activities in
Rehabilitation Technology (HEART).
Este modelo organiza a classificação de TA em três (3) componentes: (1)
Componentes Técnicos (comunicação, mobilidade, manipulação e orientação); (2)
Componentes Humanos (tópicos sobre deficiência, aceitação da ajuda técnica, seleção da
ajuda técnica, aconselhamento, assistência pessoal) e; (3) Componentes Socioeconômicos
(noções básicas de ajuda técnica, noções básicas de desenho universal, emprego, prestação de
serviços, normalização/qualidade, legislação/economia, recursos de informação) (GARCIA;

102
Até a norma ISO 9999:2002 o termo utilizado era de “Ajudas Técnicas”, sendo que a partir da revisão da
norma publicada em 2007 passou-se a usar a expressão “Produto Assistivo”.
103
Livre tradução pela autora.
104
Na norma ISO 9999:2016, os produtos assistivos são classificados em 12 classes: Produtos assistivo para
medir, apoiar, treinar ou substituir funções do corpo; para educação e treinamento em habilidades; ligados ao
corpo para apoiar funções neuromusculoesqueléticas ou relacionadas ao movimento (órteses) e substituir
estruturas anatômicas (próteses); para atividades de autocuidado e participação no autocuidado; para atividades e
participação relacionadas com mobilidade pessoal e transporte; para atividades domésticas e participação na vida
doméstica; Móveis, acessórios e outros produtos de apoio para atividades de apoio em ambientes internos e
externos feitos pelo homem; para gestão de comunicação e informação; para o controle, transporte,
movimentação e manuseio de objetos e dispositivos; para controle, adaptação ou medição de elementos de
ambientes físicos; para atividades de trabalho e participação no emprego; para recreação e lazer.
206

GALVÃO FILHO, 2012). Para os autores, os componentes e seus tópicos internos


orientadores no modelo HEART, oferecem concepção ampla de TA (sendo passível de incluir
produtos, serviços ou práticas metodológicas de participação, por exemplo), além de
responderem de forma mais completa aos processos formativos e de desenvolvimento
aplicados a TA.
No Brasil, o Comitê de Ajuda Técnica (CAT), previsto pelo Decreto nº 5.296/2004 no
âmbito do Programa Nacional de Acessibilidade, estabeleceu em 2007 que o termo TA era o
mais adequado para uso em documentação legal e técnica no exercício de suas
competências105. Embora o termo anteriormente utilizado fosse o de ajuda técnica, previsto no
decreto 3.298/1999 que regula a política nacional para a integração da pessoa portadora de
deficiência no país, o CAT (BRASIL, 2009) optou por sua atualização e adequação ao termo
de TA por entender que este traz maior amplitude conceitual no que se refere a compreensão
de tecnologia enquanto aplicação de conhecimento, não se restringindo, assim, a um artefato
ou produto que auxilia uma função, mas contemplando serviços, estratégias e práticas
destinados a promover a participação das pessoas com deficiência na sociedade.
Galvão Filho (2009) ainda contextualiza que o termo TA já vinha sendo o mais
frequentemente utilizado no meio acadêmico nacional tanto em documentos e pesquisas,
como em disciplinas e cursos ofertados; e, sendo o objetivo do CAT estruturar diretrizes para
uma área de conhecimento, a expressão "tecnologia" tendia a melhor se adequar ao intuito.
Por fim, o autor relata que foi considerada uma vantagem da especificidade da expressão TA,
contrapondo-se a termos mais genéricos como tecnologia de apoio e ajuda técnica.
O conceito de TA106 desenvolvido pelo CAT é "uma área do conhecimento, de
característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias,
práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e
participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua
autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social" (BRASIL, 2009).
A comissão de conceituação e estudo de normas do CAT também realizou pesquisas
sobre classificação de TA em seu âmbito de política pública, tendo registrado referências a
ISO 9999, ao HEART, e a classificação Nacional de TA do Departamento de Educação dos

105
De acordo com o decreto nº 5.296/2004, o CAT é responsável por: "I - estruturação das diretrizes da área de
conhecimento; II - estabelecimento das competências desta área; III - realização de estudos no intuito de
subsidiar a elaboração de normas a respeito de ajudas técnicas; IV - levantamento dos recursos humanos que
atualmente trabalham com o tema; e V - detecção dos centros regionais de referência em ajudas técnicas,
objetivando a formação de rede nacional integrada".
106
Ao ser conceituada enquanto uma área de conhecimento, o CAT (BRASIL, 2009) recomenda o uso da
expressão tecnologia assistiva no singular.
207

EUA, contudo não concluía pela padronização de determinada metodologia, uma vez
considerava que esta dependeria dos objetivos para as quais a classificação seria aplicada
(BRASIL, 2009). Em 2012, no âmbito do Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com
Deficiência (Plano Viver sem Limite), de forma a regulamentar a concessão de subvenção a
instituições financeiras para concessão de créditos para aquisição de bens e serviços de TA a
pessoas com deficiência, foi publicada a portaria interministerial MF/MCTI/SEDH nº
362/2012, a qual estabelece classificação para bens e serviços de TA no país em doze (12)
áreas macro107:
1. auxílios para a vida diária e a vida prática;
2. comunicação aumentativa e/ou alternativa (CAA);
3. recursos de acessibilidade ao computador;
4. sistemas de controle de ambiente;
5. projetos arquitetônicos para acessibilidade;
6. órteses e próteses;
7. adequação postural;
8. auxílios de mobilidade;
9. auxílios para qualificação da habilidade visual e recursos que ampliam a
informação a pessoas com baixa visão ou cegas;
10. auxílios para ampliação da habilidade auditiva e para autonomia na comunicação
de pessoas com déficit auditivo, surdez e surdo-cegueira;
11. adaptações em veículos e em ambientes de acesso ao veículo;
12. esporte e lazer.
Ainda no âmbito do CAT (BRASIL, 2009), são realçados dois princípios associados a
garantia de direitos das pessoas com deficiência e à TA, vinculados a acepção do modelo
social de deficiência, o do desenho universal e o da tecnologia social. O desenho universal é
um conceito que se relaciona a perspectiva da acessibilidade e da deficiência ao longo da vida
como uma condição universal, e prevê-se a incorporação de uma nova cultura de concepção
de produtos, ambientes, serviços e atividades que possam ser usados por todas as pessoas, ou
seja, que considere desde seu projeto a diversidade de condições humanas de modo a
promover a participação, utilização e acesso de toda a comunidade (GALVÃO FILHO, 2013).

107
Segundo Bersch (2017), a classificação utilizada na portaria interministerial nº 362/2012 foi desenvolvida
originalmente em 1998 por ela e José Tonolli com base no Programa de Certificação em Aplicações da
Tecnologia Assistiva da California State University Northridge.
208

O conceito de desenho universal está previsto na lei nº 13.146/2015 (lei brasileira de


inclusão da pessoa com deficiência - estatuto da pessoa com deficiência) como uma regra de
caráter geral para promoção da acessibilidade, incluindo a concepção de recursos de TA.
Bersch (2017) ressalta que o entendimento de desenho universal não se aplica somente à
concepção e desenvolvimento de espaços ou artefatos, mas enquadra-se a metodologias e
ações sociais, inclusive à ação educacional. Orientada pelo desenho universal, a ação
educacional é pesquisada e exercida considerando a diversidade de aprendizagem existente
entre os alunos na escola e o seu valor na qualificação da educação para todos (BERSCH,
2017).
Neste sentido, Galvão Filho (2013) menciona a correspondente abordagem de desenho
universal na aprendizagem, cuja aplicação efetiva requer a construção de um novo paradigma
educacional aberto, flexível e inclusivo, o qual tenha a capacidade de responder
individualmente às necessidades e potencialidades de cada aluno, respeitando o ritmo e o
modo de aprendizagem, independentemente deste aluno ser uma pessoa com ou sem
deficiência. Contudo, este autor entende que há uma necessidade de discernir o
desenvolvimento de novas tecnologias educacionais pela orientação do desenho universal de
aprendizagem, o qual atenderia as necessidades cognitivas de todos (inclusive dos alunos com
deficiência), do desenvolvimento de TA para uso no ambiente educacional, que auxilie o
aluno com deficiência a superar barreiras ou impedimentos próprios de sua condição (como o
uso de instrumentos de comunicação aumentativa e alternativa).
Nesta perspectiva, entendemos a defesa que a equiparação de oportunidades às pessoas
com deficiência deve contemplar tanto mudanças e implantação de novos paradigmas no
âmbito social, guiadas pela concepção do design universal, quanto o atendimento via recursos
ou práticas de TA específicos a condições de diversidades de pessoas com deficiência. O que
compreende a síntese proposta do modelo sociopsicobio, na expressão de Garcia (2014), em
que a mudança social propicia a visibilidade e entendimento das condições de deficiência com
e para as pessoas com deficiência que fortaleçam modelos inclusivos de ambientes e práticas
sociais, ao mesmo tempo que incentivam o desenvolvimento e ampliação de recursos e
serviços que atenda de forma específica às condições diversas destas pessoas.
Nesta questão do design de tecnologia, Bueno (2016) ressalta o conceito de
usabilidade, enquanto relevante no contexto de TA de forma a assegurar o atendimento das
necessidades dos usuários e redução do risco de abandono. A noção de usabilidade refere-se a
atributos de uso do produto, ou seja, não está relacionada ao produto em si, mas a análise da
qualidade da interação entre usuário e produto, uma vez que, como indicam Bevan, Carter e
209

Harke (2015), o mesmo produto pode ter níveis de usabilidade substancialmente distintos,
dependendo do usuário que o utilize, de seu objetivo e contexto de uso. Esta concepção foi a
incorporada para construção do conceito de usabilidade na norma ISO 9241:2011 enquanto "a
medida em que um produto pode ser usado por usuários específicos para atingir objetivos
especificados com eficácia, eficiência e satisfação em um contexto especificado de uso"
(BEVAN; CARTER; HARKE, 2015). Estes autores realçam que a usabilidade assume um
conceito abrangente que ao abordar os resultados da interação entre pessoa e produto (incluso
a noção de serviço, sistema e ambiente), vai além da análise do uso regular do produto, para
integrar também atividades relacionadas ao aprendizado de uso, proteção a erros,
acessibilidade e manutenção deste, enfatizando a experiência do usuário e um design centrado
no ser humano.
Esta ênfase na experiência do usuário e de design centrado no ser humano relaciona-se aos
processos interativos de design e, no caso de TA, ao grau de envolvimento e participação de
pessoas com deficiência no processo de design e desenvolvimento tecnológico. Esta concepção de
envolvimento das pessoas com deficiência no desenvolvimento da TA está na base da proposição
do CAT (BRASIL, 2009) de incluir a tecnologia social como princípio para esta área de
conhecimento. A comissão temática de conceituação e estudo de normas do CAT (BRASIL,
2009) explicita o conceito de tecnologia social proposto no âmbito do Instituto de Tecnologia
Social (ITS)108, e sugere que sua orientação conceitual auxilia a estabelecer um modelo de
desenvolvimento de soluções tecnológicas que valorize o conhecimento do usuário, pessoas
com deficiência, bem como suas demandas e seus contextos de uso, de modo a colaborar para
que este usuário efetivamente se aproprie e usufrua de uma TA que atenda sua necessidade e
expectativa.
Para Garcia (2014), a aplicação do conceito de tecnologia social no campo da
tecnologia assistiva implica na adoção de uma matriz epistemológica específica, que tenha
como ponto de partida: (1) a concepção de problemas e necessidades em perspectiva pelas
pessoas com deficiência, mobilidade reduzida e pessoas idosas; que (2) o desenvolvimento de
conhecimentos e aplicações se dê por meio da integração de saberes científicos e populares,
estabelecendo, assim, como modus operandi a participação enquanto orientação à democracia
e aos direitos de cidadania e; (3) que resulte em melhoria da qualidade de vida, via ampliação

108
O conceito de tecnologia social citado pelo CAT (BRASIL, 2009) é “um conjunto de técnicas e metodologias
transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população e apropriadas por ela e que
representam soluções para inclusão social e melhoria das condições de vida”, o qual é a conceituação proposta e
mantida pelo ITS em suas atividades até hoje, conforme seu website (http://itsbrasil.org.br/conheca/tecnologia-
social/).
210

de autonomia e independência das pessoas com deficiência, e em bem-estar social, via


inclusão social. Portanto, essa matriz epistemológica baseia-se enraizamento de uma conexão
nítida entre relevância científica e relevância social, entre pesquisa e aplicação na sociedade.
Neste sentido, entendemos que a recomendação do enfoque de tecnologia social pelo
CAT (BRASIL, 2009) no desenvolvimento da TA esteja diretamente relacionada a questão da
participação ativa da pessoa com deficiência na coprodução de TA, considerando a
conceituação adotada e a contextualização de benefícios expressa. No entanto, também
compreendemos que algumas aplicações de sentido de tecnologia social ao desenvolvimento
de recursos de TA podem referir-se a outras características, como a preocupação com um
baixo custo ou com soluções de baixa intensidade tecnológica, que, embora particularmente
relevantes em contextos periféricos, não necessariamente estejam comprometidas com a
noção de interação do usuário no desenvolvimento tecnológico. Isso porque o próprio
conceito de tecnologia social é polissêmico e objeto de disputas discursivas no campo da
política de CT&I, conforme discutimos no capítulo 5. Por isso, consideramos importante
distinguir o aspecto destacado do conceito pelo Comitê, neste caso, especificamente a
participação do usuário na coprodução tecnológica.
A partir de estudo de Águas (2012) sobre abordagens participativas em espaços
públicos, Bueno (2016) discute processos interativos no desenvolvimento tecnológico
diferenciando duas formas de envolvimento do usuário: a consulta e a participação ativa. Para o
autor, a consulta refere-se à coleta de informações junto ao público alvo sobre desenhos e opções
tecnológicas já encaminhadas por um grupo de especialistas tecno-burocratas, de modo que há um
distanciamento e capacidade de influência limita dos usuários à concepção e desenvolvimento do
projeto. De outra maneira, a participação ativa associa-se a noção do co-design, uma vez que os
sujeitos-usuários são considerados enquanto uma categoria de especialistas e participam em todas
as fases do processo, com vistas a buscar soluções mais adequadas a toda comunidade e usuários,
bem como criando um sentido de pertencimento aos participantes, que previno o abandono
tecnológico e promove o empoderamento dos usuários (ÁGUAS, 2012; BUENO, 2016).
A participação da pessoa com deficiência é ressaltada enquanto ponto relevante no
desenvolvimento e oferta de TA, como, por exemplo, no relatório final do Consórcio
EUSTAT (1999) em que é diagnosticado o problema que o mercado de recursos de TA na
Europa era substancialmente direcionado por profissionais provedores de serviços, e não
pelos usuários finais, os quais apresentavam pouca liberdade ou influência no processo de
decisão, conduzindo a insatisfação e risco de abandono, um cenário associado a persistência
de um modelo médico na provisão de TA. As organizações de defesa dos direitos das pessoas
211

com deficiência demandam uma perspectiva centrada no usuário, em que os profissionais ou


provedores de serviços sejam reconhecidos enquanto agentes relevantes, mas compondo uma
variedade de opções e alternativas, cuja adoção esteja sob o protagonismo dos usuários finais,
considerado o significativo impacto desta decisão em suas vidas (EUSTAT, 1999).
Apesar dos avanços conceituais e da institucionalização de políticas para promoção de
tecnologias assistivas em diversos países, considerando-se as atividades de indução em torno
da CDPcD da ONU e da CIF no âmbito da OMS, o atendimento das pessoas com deficiência
no mundo ainda é bastante restrito seja em termos de quantidade de pessoas alcançadas, seja
em termos da qualidade de participação conquistada. As pessoas com deficiência ainda têm
cotidianamente negados seus direitos humanos básicos, como oportunidades de educação,
trabalho e assistência médica adequadas, e mesmo de circular livremente e tomar decisões
sobre o que afeta suas vidas (BORG, LARSSON E ÖSTERGREN, 2011). A OMS (WHO,
2018) divulga que, atualmente, em média somente 1 em 10 pessoas que precisam de algum
tipo de TA, conseguem acesso a esta109. As razões dessa omissão são várias, como custos
elevados de aquisição, falta de conscientização e informação sobre soluções existentes,
indisponibilidade destas soluções ao alcance do público, lacunas de pessoal treinado e
formado adequadamente para atendimento e prestação de serviços, ausência de alternativas de
financiamento, dificuldades estas que incidem de alguma forma enquanto problemática e
desafio de políticas públicas (WHO, 2018).
MacLachlan et al. (2018) publicaram um position paper no âmbito da Cúpula Global
sobre Pesquisa, Inovação e Educação sobre TA, ocorrido em agosto de 2017, no que tange a
políticas de TA. A partir das discussões sobre os principais avanços e os problemas
persistentes, temáticas chaves para melhoria de políticas nesta área foram realçadas como a
adoção de uma perspectiva sistêmica, a atuação política das pessoas com deficiência e seus
aliados, os argumentos econômicos na política que podem ser articulados pelos grupos de
advocacy, fatores mediadores no acesso a TA e desigualdades no seu alcance, incluindo a
relevância dos recursos de baixo custo. No encerramento desta seção, apresentamos a seguir
estas perspectivas.
A importância em se adotar uma perspectiva sistêmica nas políticas de tecnologia
assistiva relaciona-se a observação em MacLachlan e Scherer (2018) que uma das
dificuldades em alcançar maiores progressos na provisão de TA resulta da implementação de

109
Exemplos deste atendimento precário relatado pela OMS (2018), refere-se a que a produção de próteses
auditivas atualmente atende a menos de 10% da necessidade global, sendo que menos de 3% das necessidades de
aparelhos auditivos são atendidas em países em desenvolvimento anualmente.
212

iniciativas e atividades desconectadas. Há a necessidade em se reconhecer as conexões entre


os diferentes componentes do que os autores denominaram de sistema de TA, que abrange
desde ações para o desenvolvimento, aplicação e organização de conhecimentos afins até o
fornecimento, uso e avaliação de impacto de produtos, serviços e práticas assistivas
(MACLACHLAN; SCHERER, 2018). Dar a devida visibilidade a estas conexões envolve,
por um lado, articular conhecimentos interdisciplinares e de múltiplas fontes, e, por outro
lado, encadear práticas e políticas de forma a conectar suas características intersetoriais (em
múltiplos domínios de políticas) e intergovernamentais (em múltiplos níveis de governo), bem
como seus aspectos de interseccionalidade em relação a outras condições de desigualdades
(desigualdades territoriais, de renda, de gênero, de cor, de idade etc.) que influenciam sobre o
acesso a TA na sociedade.
Ao considerar as múltiplas conexões no processo de política e de desenvolvimento de
tecnologia assistiva, MacLachlan e Scherer (2018) distinguem dez (10) elementos norteadores
em uma abordagem sistêmica de TA, conforme figura 4.

Figura 4 – Os 10 elementos da abordagem do pensamento sistêmico de tecnologia assistiva

Fonte: MacLachlan e Scherer (2018). Tradução livre da autora.

MacLachlan e Scherer (2018) colocam as pessoas com deficiência no centro da


imagem por entenderem que o enfoque na experiência do usuário seja a resposta necessária
para alcançar uma visão integradora de sistemas de tecnologias assistivas. Os autores
reconhecem as pessoas (usuários de recursos de TA) como altamente diferenciadas, não
somente pelo tipo de deficiência e sua origem (congênitas, doenças, acidentes,
envelhecimento etc.), mas também como tendo experiências pessoais únicas ao longo da vida
em diferentes setores (saúde, educação, emprego, conexão social etc.) e sob distintas
213

condições sociais. Por isso, o usuário (tendo em vista sua condição, necessidades, contexto de
uso e preferências), deve ser o condutor do processo de TA: da formulação de políticas, do
projeto de produtos ou serviço, do fornecimento, do treinamento, da entrega, do
monitoramento até a avaliação (MACLACHLAN; SCHERER, 2018).
Contudo, esta perspectiva sistêmica traz desafios substanciais aos atores políticos, dois
desses correspondem ao enfoque intersetorial e de ações ao longo prazo. MacLachlan e
Scherer (2018) destacam que responder às necessidades de TA das pessoas, particularmente
na perspectiva da deficiência ao longo da vida, não é um processo de etapa única. Tanto o
desenvolvimento em si de novas necessidades tecnológicas, ou de combinações destas,
demanda tempo e diferentes fases para sua provisão; quanto a participação inclusiva das
pessoas com deficiência nos distintos setores de vida pública e privada (inclusas as atividades
do próprio desenvolvimento da TA) requer tempo e mudanças mais amplas seja em termos de
acessibilidade nos variados ambientes físicos na sociedade, seja em termos de reconstrução de
visões e valores na sociedade sobre as condições, potencialidades e dificuldades sobre (e com)
estas pessoas (MACLACHLAN; SCHERER, 2018). Neste sentido, os autores argumentam a
necessidade de ruptura com os processos de discriminação e com os formatos de
institucionalização das pessoas com deficiência que mantêm limitações sociais.
No entanto, há algumas lacunas básicas identificadas no processo de política atual que
emperram processos mais amplos, ou mesmo eficazes, de mudanças. MacLachlan et al.
(2018) realçam três tipos de lacunas com base nos aprendizados da Política Africana sobre
Deficiência e Desenvolvimento: (1) pouco conhecimento dos formuladores e tomadores de
decisão em políticas sobre as concepções e instrumentos de políticas específicas para a
temática da deficiência; (2) pouco conhecimento dos representantes das pessoas com
deficiência sobre alternativas de políticas convencionalmente desenvolvidas em nível
internacional, e mesmo nos casos em que estes representantes foram consultados, raramente
os documentos finais de políticas e programas refletiam suas principais preocupações e; (3)
substancial ausência de monitoramento e avaliação dessas políticas e programas, de forma a
considerar preocupações dos diversos grupos de pessoas com deficiências.
Para MacLachlan et al. (2018) a rota crítica para superação destas dificuldades é a do
empoderamento das pessoas com deficiência para fortalecimento de sua atuação política e de
seus aliados, incluindo o estabelecimento institucional de mecanismos e instrumentos que
interponham sua participação no desenvolvimento, monitoramento e avaliação das políticas,
por meio de organizações da sociedade civil representativas. Para esses autores as
organizações da sociedade civil ao representar as pessoas com deficiência assumem papéis
214

importantes no fornecimento de acesso a informações às pessoas com deficiência e outros


atores sociais, em formatos acessíveis e alternativos, a fim de promover a participação efetiva
aos grupos sociais e indicar canais de comunicação e serviços. Bem como, na articulação de
programas ou espaços de capacitação para defesa de direitos humanos, liderança e
conscientização às pessoas com deficiência e seus aliados para prepará-los ao engajamento
político em prol das tecnologias assistivas.
Este engajamento político pode ser facilitado pela criação de espaços ou canais
específicos para participação significativa de entidades da sociedade civil representantes das
pessoas com deficiência. Mas, uma vez que os formuladores de políticas estão envolvidos
com diferentes demandas ou mesmo distanciados da realidade das pessoas com deficiência, a
persistência deste engajamento é outro fator crítico para manter a interação com os demais
atores políticos de forma a progressivamente aumentar a conscientização dentro dos diferentes
domínios de formulação de políticas (MACLACHLAN et al., 2018). No âmbito da
perspectiva sistêmica, MacLachlan et al. (2018) sugerem que sejam necessários vários
empreendedores políticos nos diversos domínios e níveis do processo de política, que
articulem interações entre áreas relevantes, traduzam conteúdo técnico e boas práticas de
políticas internacionais em argumentos e materiais orientadores para engajar políticos e outros
sociais em prol da TA.
Além das próprias pessoas com deficiência e suas entidades representacionais, Layton
(2015) também ressalta a conscientização do papel político dos profissionais e pesquisadores
de TA, que muitas vezes negligenciam sua atenção e ação à compreensão do processo da
política e seus fatores decisivos. Em nível sistêmico, a atuação de qualquer ator social
permanecerá limitada se desconsiderar os aspectos políticos em suas práticas e atividades,
assim cabe aos profissionais e pesquisadores de TA buscar entender e atuar sobre os fatores
políticos em direção a políticas mais eficazes, seja em termos de influenciar na inserção e
conformação da temática na agenda, orientar a formulação de políticas, propor programas ou
ações de implementação, e participar em processos de avaliação (LAYTON, 2015). A autora
realça que, ademais do direito a qualidade de vida das pessoas com deficiência ser um
imperativo ético por si, o apoio destes pesquisadores e profissionais de diferentes áreas pelo
processo de advocacy pode auxiliar a oferecer aos formuladores de políticas um conjunto de
argumentos em um quadro de referência familiar estes, incluindo estudos e argumentos sobre
economia de custos e eficiência ressaltados em vários cenários governamentais.
Assim, embora os argumentos econômicos não sejam os principais na finalidade de
atendimento da política de TA, tanto Layton (2015) como MacLachlan et al. (2018) assinalam
215

em também haver a formulação destes argumentos para investir em TA e acessibilidade


enquanto parte da estratégia de advocacy para a política. Layton (2015), em consonância com
o modelo social da deficiência, sugere-se uma reformulação de um discurso de custos
individuais no atendimento a patologias para uma direção de custos e benefícios sociais e o
que chamou de "economia da inclusão". MacLachlan et al. (2018) destacam alguns dos
argumentos econômicos mais difundidos de benefícios gerais advindos de investimentos em
acessibilidade e TA. O primeiro, os investimentos para acessibilidade conduzem à prevenção
de acidentes na população em geral, e principalmente em idosos, mantendo-os uma vida
independente e reduzindo custos na política de saúde e assistência social. O segundo, a
provisão de TA pode trazer impactos positivos sobre a força de trabalho existente e futura,
seja na reabilitação ou habilitação de pessoas com deficiência para o trabalho atual, seja
melhoria de sua qualificação para o futuro. Além disso, a indústria de TA tende a crescer pela
ampliação do mercado de produtos assistivos, estimulado pelo crescimento populacional e
pelo aumento da longevidade. Por fim, em termos de oportunidades de inovação tecnológica,
muitas soluções tecnológicas desenvolvidas em produtos assistivos podem gerar aplicações
mais amplas (transbordamentos) para produtos tecnológicos de uso geral.
Outra questão levantada por Layton (2015) quanto a considerações econômicas na
política de TA está na relação entre alocação de recursos e resultados alcançados. A autora
observou dois problemas comuns nesta relação em políticas de TA, por um lado, apesar da
retórica política poder ser expressamente consistentes com os valores éticos de equiparação de
oportunidades e direitos às pessoas com deficiência, os recursos investidos podem ser tão
poucos frente as necessidades, que tais valores não chegam a ser realizados enquanto
resultados, podendo neste caso configurar-se como uma política simbólica (HAM; HILL,
1993). Por outro lado, muitas políticas e ações públicas são enquadradas e avaliadas somente
em termos do valor investido, sem apreender efetivamente quais foram os resultados públicos
deste investimento, em termos de benefícios gerados as pessoas com deficiência e sua
inclusão na sociedade (LAYTON, 2015).
Para além dessas dificuldades gerais, outra questão que MacLachlan et al. (2018)
ressaltaram foi a interseccionalidade entre condições de desigualdades. Particularmente a
partir do reconhecimento da desigualdades de acesso em termos territoriais, os autores
sinalizam para a necessidade de estabelecer mecanismos e desenhos de políticas que
propiciem que os programas e ações se desdobrem e alcancem adequadamente os diferentes
contextos subnacionais, principalmente para os rurais, devendo prever soluções flexíveis em
216

termos de formatos de execução, de modo que as mesmas atividades possam ser feitas por
estratégias e organizações distintas com foco no atendimento dos direitos dos cidadãos.
Além da distribuição desigual territorial de serviços para TA, comumente concentrado
em regiões urbanas e de maior densidade demográfica, Durocher et al. (2017) analisa outras
condições desiguais de acesso a TA no Canadá, mencionando também a condição de
ocupação da pessoa com deficiência (sendo que pessoas com empregos formais e militares
tendem a ter maior acesso) e limitações caso a pessoa já receba outros benefícios
governamentais, comum entre idosos. MacLachlan et al. (2018) ressalta também a maior
dificuldade de meninas e mulheres terem acesso a TA, apontando que a superação de
condições de deficiência ocorre por uma realização progressiva ao longo do tempo e tende a
sofre uma "domesticação" pela presença de outras discriminações existentes na sociedade.
Mas, entre das múltiplas condições que resultam em um acesso desigual a TA por
quem precisa, a desigualdade de renda, por sua transversalidade, tende a ser a mais
direcionada em termos de políticas. Cabe mencionarmos que, mesmo quando há políticas
direcionadas ao estabelecimento de programas de empréstimos para aquisição de TA, em
países de alta renda, como o caso dos EUA, análises desses programas demonstravam que,
embora estejam fazendo a diferença para muitas pessoas na possibilidade de compra de
recursos de TA, aproximadamente metade das pessoas que se candidatam não eram aprovadas
para o empréstimo (WALLACE, 2003). Se, por um lado, diante da quantidade de pessoas não
atendidas pelo programa, Wallace (2003) sugere que o financiamento de empréstimos não
pode ser a única solução para as necessidades de provisão de TA às pessoas com deficiência.
Por outro lado, podemos conjecturar que o acesso universal, com a ampliação substancial de
atendimento à população que precisa utilizar recursos de TA, requer a necessidade de
desenvolvimento de tecnologias de baixo custo, como indicada por MacLachlan et al. (2018).
Isso em razão de que, como argumentam MacLachlan et al. (2018), a maior parte das
lacunas e críticas no âmbito da política de TA acima exposta são semelhantes em contextos de
países de alta, média e baixa renda, contudo nos países com menores rendas, há desafios
adicionais, pois, em geral, a indústria de TA, quando existente, tem uma produção limita; há
poucos profissionais adequadamente habilitados para prestação de serviços; e, os sistemas
para prestação de serviços são mal estruturados. O que resulta que o fornecimento de produtos
assistivos é inadequado em termos de variedade, e aqueles disponíveis, ou são inacessíveis
quanto ao preço para a maioria da população, ou são de baixa qualidade (mal ajustados e
ajustáveis, e inadequadamente explicados) (MACLACHLAN et al., 2018).
217

Neste sentido, MacLachlan et al. (2018) argumentam que o foco de inovações no


desenvolvimento em TA sobre soluções de alta intensidade tecnológica seja pertinente ao
contexto de alcance atual do desenvolvimento tecnológico, mas provavelmente há uma
necessidade muito maior de produtos de TA e soluções de acessibilidade que sejam mais
acessíveis e de baixa intensidade tecnológica para atividades instrumentais básicas da vida
diária. Portanto, recursos de TA de baixo custo e menor intensidade tecnológica tendem a
serem mais eficazes no âmbito da política pública para prover um amplo acesso às pessoas
que deles necessitam, alcançando, assim, maior impacto em termos de população beneficiada.

4.2 TECNOLOGIA ASSISTIVA NO BRASIL: CENÁRIO DE AÇÕES A PARTIR DA


POLÍTICA DE CT&I NO GOVERNO FEDERAL

Conforme dados do censo de 2010 (SDH/PR, 2012), 45,6 milhões de pessoas no Brasil
declararam ter, pelo menos, um tipo de deficiência (visual, auditiva, motora ou
mental/intelectual) em diferentes níveis de severidade, que equivale a 23,9% da população
brasileira. Destes, 8,3% apresentavam, pelo menos, um tipo de deficiência severa, sendo
3,46% com deficiência visual severa; 1,12% com deficiência auditiva severa; 2,33% com
deficiência motora severa; e, 1,4% com deficiência mental ou intelectual (SDH/PR, 2012).
Essa parcela da população está distribuída entre diferentes características de idade,
sexo, região, entre outras. A maioria (25.800.681) são mulheres (26,5% da população
feminina) e 19.805.367 são de homens (21,2% da população masculina), estando 38.473.702
dessas pessoas vivendo em áreas urbanas enquanto 7.132.347 vivem em áreas rurais
(SDH/PR, 2012). Apresentamos alguns desses dados sobre a distribuição da população
brasileira com, pelo menos, uma deficiência investigada no censo de 2010, conforme as
tabelas 15, 16, 17 e 18, respectivamente referentes a proporção por idade e tipo de deficiência,
por região brasileira, por nível de instrução e por nível de ocupação.

Tabela 15 – Distribuição percentual da população com pelo menos uma das deficiências investigadas
por Idade e Tipo de Deficiência no Brasil, censo 2010 (%)
Deficiência Deficiência Mental ou
Faixa etária Deficiência Visual
Auditiva Motora Intelectual
0 a 14 anos 5,3 1,3 1,0 0,9
15 a 64 20,1 4,2 5,7 1,4
Acima de 65 anos 49,8 25,6 38,3 2,9
Fonte: SDH/PR (2012).
218

De forma geral, observamos que são as pessoas idosos que vivenciam a maior
proporção de deficiências, corroborando a noção da deficiência como uma questão enfrentada
no curso da vida. Na tabela 16, verificamos que houve um acréscimo relevante no número da
população com deficiência no país entre os censos de 2000 e 2010 em todas as regiões,
estando distribuído em proporção relativamente similar entre as regiões, mas sendo o
Nordeste a região com maior proporção.

Tabela 16 – Proporção da população com pelo menos uma das deficiências investigadas por
Região no Brasil, censo 2000 e 2010 (%)
Região 2000 2010
Norte 14,7 23,4
Nordeste 16,8 26,63
Sudeste 13,1 23,03
Sul 14,3 22,51
Centro Oeste 13,9 22,50
Total (Brasil) 14,5 23,92
Fonte: SDH/PR (2012).

As tabelas 17 e 18 correspondem a informações sobre oportunidades de educação


(nível de instrução) e trabalho (nível de ocupação), sendo que em termos de nível instrução
(tabela 17), é possível corroborar que as pessoas com deficiência apresentam menor
realização educacional para todos os níveis quando comparadas as pessoas sem nenhuma
deficiência, sendo que a maioria daquelas (61,1%) tende a não conseguir ter qualquer
instrução ou somente alcançar o nível fundamental incompleto.

Tabela 17 – Distribuição percentual da população de 15 anos ou mais de idade sem ou com, pelo
menos, uma deficiência investigada por nível de instrução no Brasil, censo 2010 (%)
Pessoas com ao menos Pessoas sem nenhuma
Nível de instrução
uma deficiência deficiência
Sem instrução e fundamental incompleto 61,1 38,2
Fundamental completo e médio incompleto 14,2 21
Médio completo e superior incompleto 17,7 29,7
Superior completo 6,7 10,4
Não determinado 0,4 0,7
Fonte: SDH/PR (2012).

Em relação a ocupação, em 2010, havia 44,07 milhões de pessoas com pelo menos
uma deficiência em idade ativa, mas somente 20,4 milhões estavam ocupadas, entre estas a
tabela 18 demonstra que os homens tendem a ter maior probabilidade de conseguir uma
219

ocupação em relação a mulheres, e os que apresentam algum tipo de deficiência visual são
aqueles com maior nível de ocupação entre os demais tipos de deficiência. Bueno (2016)
também indicou que o nível médio de renda da população de pessoas com deficiência varia
entre “mais de ½ a 1 salário mínimo” (maioria entre deficiência motora e mental / intelectual)
e “mais de 1 e 2 salários mínimos” (maioria entre deficiência visual e auditiva.

Tabela 18 – Distribuição percentual do nível de ocupação da população de 10 anos ou mais de


idade, por sexo e tipo de deficiência investigada no Brasil, censo 2010 (%)
Tipo de deficiência Homens Mulheres
Deficiência mental ou intelectual 20,2 14,2
Deficiência motora 39,3 25,2
Deficiência visual 60,6 39,8
Deficiência auditiva 49,9 28,3
Fonte: SDH/PR (2012).

Os dados selecionados demonstram que as pessoas com deficiência representam uma


parcela significativa da população brasileira, distribuídas por todo território nacional, em
áreas urbanas e rurais, e cuja condição de deficiência tende a aumentar as dificuldades para
realizações de vida, como no caso do nível de instrução e da taxa de ocupação. Com o
objetivo de buscar assegurar a equiparação de oportunidades e os direitos das pessoas com
deficiência no Brasil, há um conjunto de legislações existentes no país (BRASIL, 2019). A
Constituição Federal de 1988 assegura direitos para as pessoas com deficiência em diversos
pontos110, sendo também importantes avanços o Decreto nº 6.949/2009 que promulgou no
país a CDPcD da UNO, que também se equivalente a norma constitucional e a Lei n°
13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da
Pessoa com Deficiência). Em termos de promoção à pesquisa e ao desenvolvimento de TA
integrada em um plano de ação intersetorial de atendimento as pessoas com deficiências
ressaltamos o Decreto nº 7.612/2011, que institui o Plano Nacional de Direitos da Pessoa com
Deficiência "Viver Sem Limite".

110
Como no art. 23 das competências comuns da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios versa
sobre a garantia do cuidado com a saúde e a proteção social; no art. 7 que trata sobre os direitos sociais há a
prerrogativa da inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, proibindo qualquer discriminação
no tocante a salário e critérios de admissão; no art. 203 em relação à assistência social, há previsão da habilitação
e reabilitação das pessoas com deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária, e a garantia de
benefício mensal àquelas pessoas com deficiência que não possuírem meios de prover à própria manutenção ou
de tê-la provida por sua família; no art. 208 da educação aborda o direito ao atendimento educacional
especializado, preferencialmente na rede regular de ensino; no art. 227 quanto à criação de programas de
prevenção e facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos
arquitetônicos; e no art. 244 quanto à garantia de acessibilidade nos logradouros, edifícios de uso público e
veículos de transporte coletivo.
220

Nesta seção, procuramos fazer uma breve contextualização de como a promoção à TA,
em termos de planejamento de política, programas e configuração de ações particularmente no
âmbito da política de CT&I recente, com vistas a alcançarmos um cenário de conjuntura para
as ações na política de CT&I no governo estadual do Pará.

4.2.1 A tecnologia assistiva nos planos da pasta ministerial da CT&I

As duas principais agências de fomento vinculadas a pasta ministerial responsável pela


política de CT&I, CNPq e FINEP, lançaram chamadas de fomento específicas para
desenvolvimento de TA no país, sendo que a primeira identificada foi no ano de 2005 pela
FINEP, a qual posteriormente lançou outros quatro (4) editais específicos até 2018. Pelo
sistema de busca do CNPq, identificamos dois (2) editais específicos ao fomento de
tecnologia assistiva, seno que esta agência também financiou ações por meio de estudos e
projetos encomendas, como são os casos das três (3) Pesquisas Nacionais sobre Tecnologia
Assistiva desenvolvidas até o momento. Estas ações demonstram que a temática de TA, ainda
que marginalmente frente ao conjunto de programas e ações realizados, foi inserida na agenda
da política de CT&I nacional.
Em termos de documentos oficiais orientadores da política nacional, encontramos
menção específica à TA a partir do Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação
(PACTI) 2007-2010, embora no relatório de gestão do MCT do período de 2003-2006,
houvesse menção de apoio ações de disseminação de TA em conjunto com o MEC em
atividades para melhorias do ensino de ciências nas escolas no âmbito de Popularização da
ciência e da tecnologia no Eixo Ciência e Tecnologia para a Inclusão e o Desenvolvimento
Social.
Neste PACTI 2007-2010, sob o emblema da Ciência, Tecnologia e Inovação para o
Desenvolvimento Nacional, as atividades inscritas à TA foram previstas em dois programas
no eixo estratégico de "promover a popularização e o ensino de ciências, a universalização do
acesso aos bens gerados pela ciência, e a difusão de tecnologias para a melhoria das condições
de vida da população", que correspondia ao escopo da linha de ação "C,T&I para o
Desenvolvimento Social". Um programa referia-se ao Apoio à Criação e ao Desenvolvimento
de Centros e Museus de Ciência, Tecnologia e Inovação, no qual estava a meta de criar um
centro de referência em TA no país, com o objetivo de "estimular que os centros e museus de
ciência de maior porte estejam capacitados, até 2010, para receberem visitantes com
necessidades especiais" (MCT, 2010). Outro programa correspondia ao apoio à Pesquisa,
221

Inovação e Extensão Tecnológica para o Desenvolvimento Social, que visava "contribuir para
a solução de problemas sociais com a utilização de ferramentas de TA, trabalho e renda,
habitação, saneamento ambiental, agricultura familiar, educação, esporte e lazer" (MCT,
2010), em que foi prevista meta relacionada ao apoio a 80 projetos de pesquisa e
desenvolvimento de TA.
No entanto, no relatório do plano elaborado pelo MCT (2010), não há menção ao
centro de referência em TA (cuja criação somente se concretizou em 2012 no âmbito do Plano
Viver Sem Limite). E, no programa de apoio à pesquisa, inovação e extensão tecnológica para
o desenvolvimento social há breve registro exemplificativo de projetos de inclusão social
relacionados a uma fábrica de cadeira de rodas e a um Centro de Terapia Celular para estudo e
tratamento de pacientes com necessidades especiais, mobilidade reduzida e idosos, sem fosse
explicitada a expressão TA. Cabe esclarecermos que no período a FINEP havia lançando um
único edital específico de TA em 2010.
Em relação as Conferencias Nacionais de CT&I, até os registros de síntese das
conclusões e recomendações da 3ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação
em 2005 (MCT; CGEE, 2006) os termos de TA ou ajuda técnica111 não tinham sido
assinalados, foi somente na 4ª Conferencia em 2010 (MCT/CGEE, 2010), que a TA surge
como temática explicitamente citada, novamente pela proposta de criação de um Centro
Nacional em TA, visando a implementação de projetos de acessibilidade em escolas, espaços
públicos e meios de comunicação (por este objetivo se percebe uma clara ampliação da
justificativa anteriormente enquadrada no PACTI) e pela proposição de criação de um fundo
setorial próprio para financiamento de atividades de inovação social, tecnologia social e
assistiva.
Na Estratégia Nacional de CT&I (ENCTI) 2012-2015, no âmbito do setor prioritário
da C,T&I para o Desenvolvimento Social, especificamente na linha das "Tecnologias para
Inclusão Social" há o que consideramos um avanço de agenda na advocacy para TA, uma vez
que se tem a proposição de um programa específico (e não mais ações avulsas) no
planejamento da pasta de CT&I, denominado de "Programa de inovação em tecnologia
assistiva". Este programa é relacionado explicitamente ao esforço intersetorial do Plano
Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (PNDPD) “Viver sem Limite", em que, por
um lado, a atuação do MCTI teria contribuído para que a temática de TA no âmbito das
garantias de direitos das pessoas com deficiência ganhasse relevância nacional; e, por outro

111
No sentido relacionado à tecnologia assistiva de recurso para apoio às pessoas com deficiência.
222

lado, o próprio fomento e desenvolvimento de TA também se tornava uma prioridade no


âmbito da CT&I para desenvolvimento social (MCTI, 2012). Na próxima subseção, faremos
apresentaremos as principais ações de desenvolvimento de TA no âmbito deste programa.
De forma geral, nesta concepção da ENCTI a temática da tecnologia assistiva está
situada no desafio de "superação da pobreza e redução das desigualdades sociais e regionais"
na vertente "inclusão produtiva e social". O programa de inovação em tecnologia assistiva,
âmbito particularmente vinculado ao MCTI no PNDPD, havia quatro iniciativas principais
(MCTI, 2012):
- fomento à inovação tecnológica empresarial para o desenvolvimento de produtos,
processos e serviços focados a pessoas com deficiência, com mobilidade reduzida e idoso,
com alinhamento com a política de compras governamentais no setor;
- estabelecimento de uma linha de crédito para aquisição de produtos de TA, voltada
prioritariamente às pessoas com deficiência de baixa renda;
- disponibilização de Catálogo Nacional de Produtos de Tecnologia Assistiva via
internet e;,
- criação do Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva, na unidade de
pesquisa do MCTI em Campinas (SP), o Centro de Tecnologia da Informação (CTI) Renato
Archer.
Na ENCTI 2016-2022, conforme relatos de avanços ocorridos na CT&I pelo MCTIC
(2016), na parte social, foi realçado o desenvolvimento e difusão de tecnologias assistivas que
resultaram das atividades do Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva
(CNRTA), que contava à época com 29 núcleos regionais que compunham a rede de pesquisa
em TA, constituída no âmbito do Plano Viver sem Limites. A temática de tecnologia assistiva
consta como uma estratégia "fomento à P&D na área de Tecnologia Assistiva, voltada para as
pessoas com necessidades especiais", no que foi chamado de tema estratégico "Ciências e
Tecnologias Sociais". Embora tenha sido mantida a menção da participação pelo MCTIC do
PNDPD no texto sobre o tema estratégico, não houve detalhamentos de ações relacionadas a
estratégia de TA.
Cabe observarmos que a temática de TA esteve como um dos temas de articulação da
SECIS, criada em 2003 (em 2004 também houve a implantação de uma Área de Tecnologia
para Desenvolvimento Social na FINEP que tinha a TA como uma de suas atribuições), sendo
que o período de financiamento de TA via editais específicos pelas agências de fomento federais
abrangeu de 2005 (FINEP) a 2016 (CNPq), neste último ano a SECIS sofre rebaixamento para o
223

nível de diretoria na fusão dos ministérios da CT&I e das comunicações, com uma progressiva
desarticulação de várias temáticas sob sua atribuição.
Fonseca (2009) relata que a temática de TA estava na agenda da SECIS, e seu fomento
foi operacionalizado em parceria desta com o CNPq e FINEP, mas até o período de 2009
considerava que os recursos envolvidos apresentavam uma baixa disponibilidade para a
temática, com ações descontinuadas e sem a devida articulação. Para Fonseca (2013), com a
vinculação ao PNDPD e a uma estratégia alinhada a noção de inovação tecnológica
empresarial, a temática de TA passou a assumir um novo papel no âmbito da política CT&I
para desenvolvimento social, com um aumento do volume financeiro dedicado a temática e
um maior destaque a suas ações.
Fonseca (2013) entende que, embora a noção de exclusão social que estava base para
agregação de temáticas de política de CT&I para desenvolvimento social permitisse a
inserção de diferentes temas tecnológicos como de tecnologia social, tecnologia digital (TIC
para inclusão digital) e TA em seu eixo, a trajetória de ações de inclusão digital e da TA
tendiam a uma perpetuação da lógica de desenvolvimento tecnológico existente, focado em
modelos de produção e desenvolvimento de países de capitalismo avançado e com menor
participação da sociedade civil, em comparação com as experiências vigentes de tecnologia
social (FONSECA, 2013). A seguir, olhamos em maior detalhe as ações de fomento a TA no
PNDPD e do Centro de Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva (CNRTA).

4.2.2 Plano Nacional de Direitos da Pessoa com Deficiência "Viver sem Limites" e as
ações a partir do Centro de Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva

O PNDPD foi instituído em 2011 pelo Decreto nº 7.612 com o objetivo de "promover,
por meio da integração e articulação de políticas, programas e ações, o exercício pleno e
equitativo dos direitos das pessoas com deficiência, nos termos da CDPCD". Assim, o plano
abrange tanto uma concepção intersetorial, via programas e ações envolvendo vários
ministérios do governo federal, quanto sua execução também por meio de descentralização de
atividades, via colaboração com Estados, Distrito Federal, Municípios, e com a sociedade.
O PNDPD foi concebido a partir do modelo social de deficiência com forte
colaboração do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE),
instância superior de deliberação colegiada, no âmbito da pasta ministerial dos Direitos
Humanos (decreto nº 3.298/1999), com constituição paritária de representantes por órgãos da
administração pública federal e da sociedade civil (SDH/PR, 2014). Para buscar dar conta da
224

intersetorialidade, a estrutura de governança governamental do plano contemplava112: um


comitê gestor do plano, coordenado pela SDH/PR, formado também pela Casa Civil,
Secretaria Geral da Presidência da República (PR), Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão (MPOG), Ministério da Fazendo (MF), Ministério do Desenvolvimento Social (MDS)
e; outro grupo interministerial de articulação e monitoramento, também coordenado pela
SDH/PR e composto por Casa Civil, Secretaria Geral da PR, MPOG, MF, MDS, Ministério
da Saúde (MS), Ministério da Educação (MEC), MCTI, Ministério da Previdência Social,
Ministério das Cidades, Ministério dos Esportes, Ministério da Comunicação, Ministério
Cultura.
Em relação as parcerias intergovernamentais com os entes federados (estados, distrito
federal e municípios), foi estabelecido um formato de formalização via termo de adesão,
inspirado no funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) no que tange a divisão de
gastos nas ações governamentais. Até 2014, 25 estados e o Distrito Federal haviam aderido ao
plano, sendo formados os respectivos comitês locais, além de que diversos estados criaram
suas versões estaduais do plano, como é o caso do Plano Existir no estado do Pará, de modo
que houve um efeito de indução relevante também.
O PNDPD estabeleceu quatro (4) eixos âncoras de atuação. O primeiro de acesso à
educação, que envolveu diversas políticas e programas para promover a inclusão das pessoas
com deficiência em todos os níveis de ensino, da educação fundamental até a profissional e
superior. Entre as ações ressaltadas neste eixo estão a implantação das salas de recursos
multifuncionais, financiamento para acessibilidade nas escolas públicas e universidades
federais, programa de formação de professores para atendimento educacional especializado
(AEE) (SDH/PR, 2014). O segundo eixo de atenção à saúde, que abrangeu uma reformulação
da agenda de cuidado das pessoas com deficiência, discutida e pactuada com os demais entes
federativos no âmbito do SUS, que inclui a implementação de uma rede de cuidados à pessoa
com deficiência, articulando diversos serviços para prevenção, diagnóstico precoce,
tratamento e reabilitação. Nesse contexto da rede, foram desenvolvidos o programa nacional
de triagem neonatal, elaboradas e disseminadas variadas diretrizes terapêuticas específicas e
criados os centros especializados em reabilitação (CER)113, que podem agregar oficinas
ortopédicas para ampliação da oferta de órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção

112
Denominações de ministérios e órgãos conforme 2014.
113
Antes do PNDPD, a maior parte dos centros de reabilitação que existentes no Brasil pertencia à Rede Sarah
de Hospitais de Reabilitação e à Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). Os CER visam
congregar práticas para reabilitação de tipos de deficiência (física, visual, auditiva e intelectual), sendo há
estipulado três tipos de credenciamento referente à CER II, III e IV, cujos números que indicam a quantidade de
tipos de deficiência tratados.
225

(SDH/PR, 2014). O terceiro eixo de inclusão social, onde as pessoas com deficiência já eram
definidas como público prioritário do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), o eixo no
PNDPD buscou fortalecer as ações compreendendo alterações nas regras do benefício de
prestação continuada (BPC) e criação do BPC Trabalho; a criação de Centros-Dia de
Referência enquanto espaços voltados para o acolhimento de jovens e adultos com deficiência
dependentes de cuidados, durante o dia para permitir que seus familiares trabalhem ou
estudem nesse período; e, a implantação de Residências Inclusivas, enquanto serviço de
acolhimento integral (SDH/PR, 2014). E o quarto eixo de acessibilidade, que contemplou
ações na área habitacional (unidades adaptáveis no programa Minha Casa, Minha Visa) e de
financiamento de produtos de TA, via condições de crédito especiais com juros subsidiados, e
redução de alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidentes sobre este
tipo de produto utilizado por pessoas com deficiência (SDH/PR, 2014).
Seja amplitude ações, programas e políticas abrangidas no PNDPD, seja pelo volume
de recursos alocados, este plano tem sido considerado como a maior política pública de
atenção às pessoas com deficiência até então desenvolvida no governo federal (BERSH, 2017;
BUENO, 2016). Uma das diretrizes do plano, conforme lei, era a promoção do acesso, do
desenvolvimento e da inovação em TA. O campo de TA desenvolveu uma transversalidade
com os quatro (4) eixos do plano, como no apoio e prescrição às pessoas com deficiência para
as atividades de reabilitação, na provisão de recursos de TA para as salas de recursos
multifuncionais nas escolas ou para os centros-dia de referência, e como objeto de
financiamento para aquisição pessoal. E, no decorrer do PNDPD ganhou tal visibilidade que,
em documento da SDH/PR (2014) sobre o plano, as políticas de estruturação e
desenvolvimento de pesquisa e TA foram configuradas como um dos eixos deste.
Mecanismo de governança intersetorial governamental específico para as políticas de
TA previsto no PNDPD foi o Comitê Interministerial de Tecnologia Assistiva, sob a
coordenação do MCTI, contava com a participação da SDH/PR, do MF, do MPOG, do MEC,
do MS e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Este comitê tinha
a finalidade de "formular, articular e implementar políticas, programas e ações para o fomento
ao acesso, desenvolvimento e inovação em tecnologia assistiva" (art. 12 da lei 7.612/2011).
Entre as ações no âmbito do TA destacamos a criação do Centro de Nacional de
Referência em Tecnologia Assistiva (CNRTA) no CTI Renato Archer por meio da Portaria do
MCTI nº 139 de 2012. O centro que já havia sido inscrito em planejamento anterior do MCTI,
enquanto demanda do campo de TA, tornou-se o núcleo articulador das principais ações e
226

programas nesta temática. Bueno (2016) realça diversos estudos114 e ações estruturantes
realizados no processo de implantação do CNRTA que incluíam, via método de roadmapping
tecnológico, identificar e alinhar os principais stakeholders em TA no país para elaboração do
Plano de Implantação do CNRTA, considerando-se os alcances transversais da temática no
PNDPD, que contemplava ações junto ao MS, MEC, SDH e MF. Em conjunto com essa
estruturação e alinhamento com foco para atendimento das metas do PNDPD, o CNRTA
também buscou identificar, estimular e institucionalizar núcleos de pesquisa e
desenvolvimento TA no país que pudessem dar suporte as ações nacionalmente de políticas
públicas, e fortalecesse o campo de pesquisa e desenvolvimento em TA, por meio de ações
colaborativas e interativas.
Neste sentido, foi articulada a Rede Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento em
Tecnologia Assistiva (RNPDTA), institucionalizada pela Portaria do MCTI nº 1.230, de
3/12/2013, agregando 54 instituições de pesquisa ou ensino superior. Conforme site da
RNPDTA (CTI, 2019), há 84 núcleos de pesquisa e desenvolvimento de TA compondo a
rede, atuando em distintas áreas de conhecimentos. Muitos destes núcleos foram instaurados
ou apoiados a partir de editais específicos para TA lançados, em particular o edital nº 84/2013
MCTI/CNPq. Contudo, cabe ressaltarmos que a distribuição destas instituições e núcleos no
território nacional é bastante desigual, seja por instituições (tabela 19), seja por núcleos
(figura 5).
De acordo com Bueno (2016), o programa de inovação em TA, com o fomento de
editais específicos, e a atuação do CNRTA ao estruturar o campo e articular a RNPDTA
trouxe um foco maior à temática de TA na agenda de pesquisa, com a disseminação do
conceito e o incentivo à pesquisa, visto que os pesquisadores não concorriam tão fortemente
por financiamento nos editais específicos para desenvolver suas pesquisas. Contudo, o autor
também indicava que nem todos os núcleos já apresentavam produtos de TA desenvolvidos e
disponíveis, o que demonstra que estes possuíam diferentes estágios de maturidade de
pesquisa e desenvolvimento.

114
Conforme Bueno (2016), a partir de informações via entrevistas com pessoas do CTI Renato Archer, vários
estudos no processo de implantação do CNRTA e mesmo outros realizados anteriormente a sua criação sobre os
cenários de desenvolvimento de TA, que incluíram visitas a centros de referência em TA na Alemanha,
Argentina, Espanha, EUA, Canadá, Chile, Itália e Suécia, foram realizados pelo ITS, financiados pelo CNPq.
227

Tabela 19 – Distribuição das instituições que compõem a Rede Nacional de Pesquisa e


Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva por região no Brasil
Região Número de instituições
Centro-Oeste 5
Nordeste 7
Norte 8
Sudeste 20
Sul 14
Fonte: Adaptada pela autora a partir de CTI (2019).

Figura 5 – Mapeamento dos núcleos que compõem a Rede Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento
em Tecnologia Assistiva no Brasil

Fonte: CNRTA/CTI apud Bueno (2016).

Outras iniciativas relevantes foram o desenvolvimento do Catálogo Nacional de


Produtos de Tecnologia Assistiva, a elaboração do Livro Branco da Tecnologia Assistiva no
Brasil, e as pesquisas nacionais sobre TA. Na próxima subseção, verificaremos os editais
específicos lançados relacionados ao programa de inovação para TA, e posteriormente um
cenário sobre a pesquisa e desenvolvimento de TA no país, a partir da última Pesquisa
Nacional de Inovação em Tecnologia Assistiva.

4.2.3 Principais editais nacionais para fomento a tecnologia assistiva

Cabe notarmos que, embora o PNDPD tenha expandido políticas e programas por
diversos domínios de política pública (educação, saúde etc.), o processo de formulação,
228

implementação e avaliação em cada domínio de política específica passou a incorporar e ser


moldado pela racionalidade substantiva e instrumental vigente, orientada deste modo pelo
sistema de crenças, diretrizes e instrumentos típicos daquele domínio. Por exemplo, se as
ações do PNDPD na área da saúde foram necessariamente inseridas na lógica e mecanismos
do SUS, na política de CT&I se desenvolveu no âmbito de instituições, práticas sociais e
instrumentos existentes.
Ao todo, a FINEP lançou cinco (5) editais específicos115 para promoção a pesquisa,
desenvolvimento e inovação em TA até 2018, conforme o quadro 17. Embora os dois
primeiros editais (2005 e 2010) fossem voltados a instituições de ensino superior e pesquisa, a
partir da chamada lançada no final de 2011, após lançamento do PNDPD, observamos que
houve um maior incentivo à relação entre instituições de ensino superior e pesquisa e
empresas e uma chamada de subvenção econômica específica para empresas.
Este movimento de busca de aproximações entre as denominadas ICT e empresas está
tanto relacionado a ascensão da agenda pró inovação empresarial, de forma geral, na política
de CT&I; quanto também se refere a um enfoque ou transposição específica deste movimento
geral para o âmbito do campo de TA ao considerar que um dos grandes desafios para acesso a
TA por parte das pessoas que dela necessitam no país corresponde ao cenário do mercado
nacional, alimentado com produtos majoritariamente importados com preços elevados,
estando disponível somente a quem possui poder aquisitivo suficiente (ZULIAN; ZANETTI,
2015), o que legitimaria a necessidade de P&D nacional, voltado a produtos economicamente
viáveis.

115
Almeida (2015) indica que em 2007 e 2008 também foram lançados dois editais de subvenção econômica
voltados para fomento à inovação em empresas brasileiras que, embora contemplassem um objetivo geral que
englobava diversas temáticas, entre estas estava a de tecnologia assistiva referente ao desenvolvimento de
equipamentos ou dispositivos para facilitar a execução de atividades da vida diária e laborais de pessoas com
deficiência, de tecnologia assistiva. Também identificamos que, em 2015, foi lançada chamada pública
MCTI/SECIS/FINEP/FNDCT - Viver Sem Limite - 01/2015 para apoio a projetos de pesquisa, desenvolvimento
tecnológico e inovação para atendimento às diretrizes do Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência
- Viver sem Limite, na qual tecnologia assistiva era um dos temas contemplados.
229

Quadro 17 – Chamadas públicas lançadas pela FINEP específicas a temática de tecnologia assistiva até 2018
Proponente Projetos Valor
Ano Chamada pública & objetivo Linhas temáticas
elegível aprovados aprovado
MCT/FINEP/Ação Transversal – Tecnologias Assistivas – 09/2005: a) Saúde Universidade
Projetos de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias que b) Mobilidade ou Instituição
Sem
2005 reduzam ou eliminem as deficiências física, mental, visual e/ou c) Comunicação de Ensino 25
informação
auditiva ou as limitações decorrentes dessas a fim de colaborar para d) Habilitação para o trabalho Superior e/ou
a inclusão social das pessoas portadoras de deficiência e dos idosos. e) Execução de atividades básicas. de Pesquisa
MCT/FINEP - Ação Transversal - Tecnologia Assistiva – 01/2010: Linha Temática 1: Métodos, técnicas e dispositivos Instituição
Projetos de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias inovadoras relacionados a Comunicação Alternativa ou Aumentativa Científica e
para inclusão social, melhoria da qualidade de vida e da autonomia (CAA) e uso de Tecnologias de Informação e Tecnológica
2010 de pessoas com deficiências, diagnóstico precoce, tratamento, Comunicação por pessoas com comprometimentos na (ICT) pública 11 9.221.413,82
reabilitação e prevenção de deficiências física, auditiva, visual, comunicação. Linha Temática 2: Equipamentos e ou privada
intelectual e múltipla métodos para teste e diagnóstico precoce de deficiências sem fins
auditiva e visual e para reabilitação. lucrativos
MCTI/SECIS/FINEP/FNDCT – Cooperação Empresa-ICT – a) Deficiências Visuais
ICT, pública
Tecnologia Assistiva – 01/2011: Projetos cooperativos entre b) Deficiências Auditivas
ou privada
Empresas Brasileiras e Instituições Científicas e Tecnológicas - c) Deficiências Físicas
sem fins
ICT para o desenvolvimento tecnológico e a inovação de produtos d) Deficiências Múltiplas
lucrativos
2011 assistivos voltados para pessoas com deficiência, pessoas idosas e 8 12.263.567,81
(empresas
pessoas com mobilidade reduzida, a fim de contribuir para sua
enquadradas
inclusão social, autonomia e independência e também visando
como
melhorar a competitividade das empresas brasileiras que atuam
intervenientes)
neste setor.
MCTI/FINEP/FNDCT - Subvenção Econômica à Inovação - Modalidades definidas a seguir: atletismo; basquetebol
01/2012: Subvenção Econômica a empresas brasileiras para o em cadeira de rodas; bocha; ciclismo; esgrima em
desenvolvimento de produtos inovadores, específicos para o cadeira de rodas; futebol de cinco; futebol de sete;
Empresas
2012 treinamento e/ou a prática de esportes paraolímpicos, que envolvam goalball; halterofilismo; hipismo; judô; natação; remo; 2 3.900.575,14
Brasileiras
risco tecnológico associado a oportunidades de mercado, a fim de rugby em cadeira de rodas; tênis de mesa; tênis em
promover a inclusão social das pessoas com deficiência. cadeiras de rodas; tiro com arco; tiro esportivo; vela; e
voleibol sentado.
MCTI/SECIS/FINEP/FNDCT – Cooperação ICT-Empresa – Temas: Desenvolvimento tecnológico de produtos
TECNOLOGIA ASSISTIVA – 01/2013: Projetos cooperativos assistivos (substituição de importações; e solução
ICT e
entre Instituições de Pesquisa Científicas e Tecnológicas (ICT) e inovadora); Pesquisa e/ou desenvolvimento tecnológico
2013 Empresas 5 6.837.050,26
empresas brasileiras, visando o desenvolvimento de tecnologias de produtos inovadores, incluindo métodos e técnicas
Brasileiras
voltadas para pessoas com deficiência, idosas e com mobilidade (CAA; Sistemas de Controle de Ambiente; Adequação
reduzida. Postural; Adaptações em Veículos; Esporte e Lazer).
Fonte: Adaptado pela autora a partir de FINEP (2018).
230

Contudo, há dificuldade ressaltada pelos pesquisadores de TA em fazer com que os


protótipos e produtos por eles desenvolvidos ganhem escala de produção e cheguem ao
público-alvo (SDH/PR, 2014; BUENO, 2016), o que poderia ser (parcialmente) facilitado por
mecanismos de articulação de conexões entre instituições de pesquisa e empresa, como são os
casos dos editais conjuntos ou específicos para as empresas. Assim, estas iniciativas advindas
da política de CT&I, neste caso especificamente da TA, acabam por transladar estratégias de
neovinculacionismo entre universidade-empresa, como enfoque de solução para a questão do
acesso a TA pelas pessoas com deficiência.
Contudo, Almeida (2015) indicava que pouco se conhecia, mesmo no âmbito da
FINEP, sobre os resultados efetivos dessas chamadas públicas em termos de impacto para o
mercado consumidor de TA no Brasil, ou seja, em medida os projetos financiados resultaram
em produtos e serviços, novos ou melhores, as pessoas com deficiência. A autora, que
também fazia parte do quadro FINEP, buscou analisar projetos de TA referente a três (3)
editais daquela financiadora quanto ao impacto116 no mercado de TA, e concluiu que este foi
pequeno, identificando as seguintes dificuldades.
Primeiro, a etapa após a obtenção do protótipo, ou prova, de conceito do produto era a
maior dificuldade, pois o perfil das empresas brasileiras que submeteram projetos a
financiamento de produtos assistivos era composto majoritariamente de microempresas e de
pequeno porte que, em geral, não tinham capacidade financeira para colocar o produto em
linha de produção sem ter que articular novos financiamentos ou parcerias posteriores para o
escalonamento da linha de produção.
Depois, o desenvolvimento do produto não finalizava em um primeiro projeto de
pesquisa financiado, sendo comumente necessários vários ciclos de projeto para que se tivesse
chegado ao produto e a estrutura adequada da linha de produção.
Por fim, os grupos de pesquisas aprovados ao longo das chamadas mantinham certa
regularidade, de modo que se suponha uma continuidade de pesquisas, mas não havia uma
articulação sistemática entre estes para a troca de informações e experiências, sinergias
tecnológicas e melhoria de processos.
Podemos entender que os perfis das chamadas públicas da FINEP foram afins aos
instrumentos e lógicas gerais adotadas por aquela agência, bem como as chamadas públicas
de financiamento implementadas pelo CNPq. Além do financiamento via encomendas de

116
Para Almeida (2015) impacto no mercado de TA foi caracterizado quando o produto ou serviço desenvolvido
nos projetos financiados estivessem disponíveis para comercialização no mercado ou uso pelas pessoas com
deficiência.
231

estudos específicos de apoio a atividades de TA no âmbito do CNRTA, como foram os casos


do Catálogo Nacional de Produtos de Tecnologia Assistiva, das pesquisas nacionais sobre TA
e do Livro Branco da Tecnologia Assistiva no Brasil, o CNPq lançou dois editais específicos
para TA, voltados para a RNPDTA, conforme quadro 18.

Quadro 18 – Chamadas públicas lançadas pelo CNPq específicas a temática de tecnologia assistiva,
até 2018
Proponente Projetos
Ano Chamada pública & objetivo Linhas temáticas
elegível aprovados

MCTI-SECIS/CNPq Nº 84/2013
– TECNOLOGIA ASSISTIVA
Doutor,
Projetos de pesquisa sobre
vinculado a
tecnologia assistiva, Os projetos deverão
instituição de
notadamente oriundos de estar caracterizados
ensino superior
Núcleos de Tecnologia como pesquisa científica 13 para
ou de pesquisa
Assistiva da Rede Nacional de e tecnológica e Núcleos
pública ou
Núcleos de Pesquisa, relacionar-se com a consolidados
privada sem fins
Desenvolvimento e Inovação em classificação de
lucrativos ou a 18 para
Tecnologia Assistiva, com a tecnologia assistiva
2013 empresa pública, Núcleos
finalidade precípua de estabelecida nas
que execute emergentes
desenvolvimento e entrega de diretrizes da ADA,
atividades de
produtos ou serviços adotado pelo CAT e 31 para
CT&I,
tecnológicos voltados ao aplicado na Portaria Núcleos
obrigatoriamente
atendimento das necessidades de Interministerial nascentes
coordenador de
pessoas com deficiência, MF/MCTI/SDH nº.
um núcleo de
incapacidades ou mobilidade 362/2012.
tecnologia
reduzida, visando sua
assistiva.
autonomia, independência,
qualidade de vida e inclusão
social

CNPq/MCTIC/SECIS Nº
20/2016 - TECNOLOGIA
ASSISTIVA Os projetos deverão
estar caracterizados
Projetos de pesquisa sobre
como pesquisa científica
tecnologia assistiva, oriundos de Doutor,
e tecnológica e
Núcleos de Tecnologia vinculado a
relacionar-se com a
Assistiva já constituídos, com a Instituição
classificação de
finalidade precípua de Científica, 34 projetos
tecnologia assistiva
2016 desenvolvimento e entrega de Tecnológica e de (resultado
estabelecida nas
produtos ou serviços Inovação (ICT) preliminar)
diretrizes da ADA,
tecnológicos voltados ao pública ou
adotado pelo CAT e
atendimento das necessidades de privada sem fins
aplicado na Portaria
pessoas com deficiência, lucrativos.
Interministerial
incapacidades ou mobilidade
MF/MCTI/SDH nº.
reduzida, visando sua
362/2012
autonomia, independência,
qualidade de vida e inclusão
social.
Fonte: Adaptado pela autora a partir de CNPq (2018).
232

O primeiro edital do CNPq de 2013 claramente estava associado ao processo de


fomento à estruturação de núcleos no âmbito da RNPDTA, em que podemos corroborar a
existência de núcleos em diferentes níveis maturidade (o que foi configurado pela categoria de
submissão dos núcleos referente a "em consolidação", "emergentes" e "nascentes"), sendo
aprovados ao todo 62 núcleos, ainda que não contemplando os 84 cadastrados na RNPDTA.
O segundo edital, lançado mais recentemente, já não cita o PNDPD, mas mantém partes das
linhas gerais de enquadramento de TA do primeiro, bem como a explicitação dos núcleos de
TA, demonstrando uma continuidade dos moldes de formulação que, em geral, não
observamos nos editais da FINEP, em que as condições, formas de classificação e
enquadramento dos recursos de TA eram substancialmente alterados a cada edital.
Por fim, além da FINEP e CNPq, cabe explicitarmos que a CAPES, agência do MEC,
também lançou edital específico (n° 59/ 2014) para apoio ao que denominou de Programa de
Apoio a Pós-Graduação e à Pesquisa Científica e Tecnológica em Tecnologia Assistiva no
Brasil (PGPTA), em que 15 projetos foram aprovados, enquanto indução temporária de área
estratégica. O que demonstra que os esforços para estruturação do campo de pesquisa e
desenvolvimento de TA no Brasil também envolveu articular o enraizamento da temática no
sistema de pós-graduação, lembrando que este representa a instância principal de produção de
pesquisa e conhecimento científico no país.

4.2.4 Pesquisa Nacional de Inovação em Tecnologia Assistiva

Foram realizadas três (3) pesquisas nacionais sobre TA117 executadas pelo ITS,
referentes aos períodos de 2005-2006 (1ª), 2007-2008 (2ª) e 2011-2013 (3ª). As pesquisas
tiveram seu levantamento de dados e informações orientados a dois propósitos: (1) identificar
e caracterizar organizações e projetos de pesquisa e inovação desenvolvidos no campo da TA,
para compreender o potencial de contribuição em termos de produção de conhecimentos,
produtos e/ou serviços para a inclusão social de pessoas com deficiência; (2) abrangência e
característica de resultados alcançados apurados, com vistas a avaliar políticas públicas no
campo e oferecer feedback para a formulação e implementação destas (DELGADO GARCIA
et al., 2017).

117
As duas primeiras pesquisas foram realizadas sob a denominação "Pesquisa Nacional sobre Tecnologia
Assistiva" (PNTA), e no livro a terceira passou-se a adotar a denominação de "Pesquisa Nacional de Inovação
em Tecnologia Assistiva" (PNITA-III), renomeando no livro de 2017 correspondente a esta pesquisa (2011-
2013) as pesquisas anteriores para esta nomenclatura.
233

Conforme relatório da terceira pesquisa, foram quatro (4) as perspectivas prioritárias


de análise, conforme segue: estudar as trajetórias e tendências das atividades de CT&I118 em
TA no Brasil, com o objetivo de verificar se tem respondido às diretrizes da política pública
de inclusão social das pessoas com deficiência e TA; averiguar as disparidades regionais
brasileiras na produção de CT&I sobre TA; analisar o alcance da participação das pessoas
com deficiência no processo de CT&I em TA e; entender se os produtos e serviços
desenvolvidos em TA conseguem ou não ser comercializados e/ou disponibilizados para
pessoas com deficiência.
Neste sentido, com vistas a oferecer um breve cenário destes pontos no país, iremos
trazer algumas informações da pesquisa para cada uma destas perspectivas. A 3ª pesquisa
identificou 240 projetos em desenvolvimento no período (2011-2013), 131 a mais que a
pesquisa anterior (2007-2008), demonstrando uma ampliação de atividades no campo. Destes
projetos, a maioria (61%) é desenvolvido em organização acadêmicas ou de pesquisa,
preponderantemente nas públicas federais. Houve uma considerável redução da participação
de organizações do terceiro setor, antes com 24% em 2007-2008, passando a 7%, em 2011-
2013, enquanto a participação das empresas manteve estável em 27% neste último período, e
com 6% relacionados a organizações governamentais outras que não acadêmicas ou de
pesquisa.
Observamos, deste modo, uma ênfase de desenvolvimento no âmbito das organizações
de ensino superior e pesquisa, que se reforça ao verificarmos na tabela 20, que a maior parte
dos projetos em desenvolvimento no período de 2011-2013 se referem a projetos de pesquisa,
mantendo aproximadamente o mesmo da pesquisa anterior. O que entendemos que expressa
uma tendência do campo de TA de se conservar centrado no chamado complexo de C&T,
com uma indicação de redução da participação das organizações da sociedade civil nos
projetos.

118
No livro referente ao relatório desta terceira pesquisa (DELGADO GARCIA et al., 2017) é recorrentemente
explicitado somente o termo "inovação", considerando uma "concepção ampla" que incluiu desde atividades de
pesquisa, desenvolvimento tecnológico de produtos, serviços e processos, até a introdução de resultados destes
no mercado. Porém, entendemos que essa concepção ampla pode conduzir a uma indistinção entre atividades da
política de CT&I que, embora inter-relacionadas, podem ser conceitualmente diferenciadas, como exposto, em
pesquisa (que potencialmente inclui o âmbito científica), desenvolvimento tecnológico (que potencialmente
inclui fase iniciais de design de protótipos e fases avançadas de escalonamento de processos) e inovação (que,
pela orientação do Manual de Oslo da OCDE consistiria na agregação destes avanços para efetiva
implementação ou introdução de produtos, serviços e processos no mercado). Assim, apesar do sentido amplo
aplicado contemplar perspectivas como do Manual de Oslo em que a inovação apresenta etapas científicas,
tecnológicas, organizacionais etc., compreendemos que a diferenciação entre ciência, tecnologia e inovação
sejam relevantes na análise da política de CT&I, uma vez que uma crítica existente nesta política é sua contínua
ênfase sobre o alcance de resultados científicos e acadêmicos, e menor efetividade de resultados em inovação.
Portanto, optamos por usar a expressão "CT&I", em vez de resumir esse universo de distintas atividades no
termo inovação.
234

Tabela 20 – Percentual de projetos de TA por tipo de desenvolvimento


Projeto de TA por tipo de desenvolvimento PNITA 2007-2008 PNITA 2011-2013
Desenvolvimento de pesquisa 52,3 52,5
Desenvolvimento de Produto 22,9 35,8
Desenvolvimento de serviço 24,8 11,7
Fonte: Adaptada pela autora a partir de Delgado Garcia et al. (2017).

Outra perspectiva da PNITA correspondia a questão das disparidades regionais no


desenvolvimento de TA no país. De acordo com a tabela 21, examinamos que a distribuição
de projetos de TA mantém substancialmente assimétrica entre os estados brasileiros, embora
esta distribuição esteja menos assimétrica no período de 2011-2013 do que em relação a
2007-2008, considerando os esforços de ampliação territorial de pesquisas em TA realizados
no âmbito da RNPDTA e dos editais de fomento nacionais. Zulian e Zanetti (2015) também
encontram assimetria regional similar na distribuição de núcleos de TA na RNPDTA.
Chamamos atenção ainda a duas observações, uma que se refere ao número de oito (8)
estados que no período de 2011-2013 não foram identificados com qualquer projeto de TA em
desenvolvimento, sendo que cinco (5) destes localizados na região norte. E outra que, além da
assimetria entre as regiões e os estados, esta assimetria deve se refletir mais intensamente
internamente nestes estados entre seus municípios, considerando a atual concentração na
distribuição de organizações do complexo de C&T.
Uma vez que a pesquisa e desenvolvimento de TA tem se centrado em organizações
do complexo de C&T nacional, que por si são desigualmente distribuídas no país, a tendência
de concentração em pesquisas de TA segue padrão similar de concentração dos indicadores de
C&T gerais (RODRIGUES; VASCONCELLOS SOBRINHO; FERREIRA, 2017). Em
sentido semelhante, conforme relatório da pesquisa 2011-2013, Delgado Garcia et al. (2017)
também relacionam esta assimetria ao "efeito Mateus" de tendência a assimetria na
distribuição de recursos e resultados científicos.
A terceira perspectiva prioritária da PNITA 2011-2013 aborda o tema da participação
do usuário nos projetos de TA desenvolvidos no Brasil, especificamente a participação das
pessoas com deficiência. Duas questões foram direcionadas a esta temática na pesquisa, uma
primeira solicitava a identificação geral se houve ou não participação do público-alvo no
projeto, e uma segunda questão que requeria a qualificação do tipo de participação exercido,
com vistas a proporcionar uma identificação mais específica do que se considerou
participação.
235

Tabela 21 – Distribuição de projetos de TA por estado e Distrito Federal no Brasil


Estados Região PNITA 2007-2008 PNITA 2011-2013
AC Norte 2 0
AM Norte 1 3
AP Norte 0 0
PA Norte 0 11
RO Norte 0 0
RR Norte 0 0
TO Norte 0 0
Subtotal Norte 3 14
AL Nordeste 0 7
BA Nordeste 4 3
CE Nordeste 0 11
MA Nordeste 0 1
PB Nordeste 0 1
PE Nordeste 2 6
PI Nordeste 0 0
RN Nordeste 0 3
SE Nordeste 0 0
Subtotal Nordeste 6 32
DF Centro-Oeste 3 10
GO Centro-Oeste 0 3
MS Centro-Oeste 1 2
MT Centro-Oeste 0 0
Subtotal Centro-Oeste 4 15
ES Sudeste 1 6
MG Sudeste 3 36
RJ Sudeste 17 20
SP Sudeste 31 60
Subtotal Sudeste 52 122
PR Sul 3 19
RS Sul 36 24
SC Sul 6 14
Subtotal Sul 45 57
Total 110 240
Fonte: Adaptada pela autora a partir de Delgado Garcia et al. (2017).

Conforme a questão geral, a maior parte dos projetos de TA teve a participação regular
do público-alvo (50,8%), um percentual menor de projetos teve participação esporádica
(38,8%), e 10,4% dos projetos não contemplou participação. No entanto, ao discriminar as
formas de participação, o resultado da pesquisa (disposto na tabela 22) indica que 15,4% dos
projetos caracterização a participação do público-alvo enquanto unicamente como objeto de
estudo, o que, na realidade, descaracteriza uma participação efetiva deste público ao significar
236

um papel passivo. Portanto, a PNITA conclui que 20,7% dos projetos de TA no país não
contemplaram a participação de pessoas com deficiência em seu escopo.

Tabela 22 – Projetos de tecnologia assistiva por tipo de participação específica do público-alvo


no âmbito da PNITA 2011-2013
Tipos de participação Percentual (%)
Não participou 5,3
Participou unicamente como objeto de estudo 15,4
Participou durante a fase de elaboração 28,2
Participou durante a fase de testes 38,5
Participou da equipe técnica 12,6
Fonte: Adaptada pela autora a partir de Delgado Garcia et al. (2017).

O maior percentual de tipo de participação foi referente a fase de testes (38,5%), o que
representa uma capacidade de influência mais restrita dos usuários ao design, que seria uma
modalidade mais próxima a consulta), visto que as decisões de desenvolvimento foram
tomadas pelos pesquisadores ou especialistas, de modo que ao usuário cabe testar um modelo
já definido de produto, serviços e sistema, dentro de uma proposta cognitiva já modelada, bem
como a propensão a alterações no projeto por parte da equipe técnica tende a ser em menor
extensão, uma vez que o comprometimento cognitivo e pragmático de termos de escolhas
técnicas e de finalidade, de tempo e de dedicação já ser elevado, passando a serem entendidas
como ajustes e correções, dificilmente importando em modificações nucleares no design. Por
fim, a participação ativa, em condições mais horizontais de oportunidades de influência no
processo de decisão, ocorreu em somente 12,6% dos projetos, em que o público-alvo foi parte
da equipe técnica.
Como visto na seção anterior, a recomendação de participação ativa das pessoas com
deficiência de projetos de TA se relaciona tanto ao processo de empoderamento e
engajamento deste público, quanto a melhoria na assertividade das pesquisas e adequação do
design de produtos, serviços e métodos aos seus usuários, reduzindo o risco de abandono do
recurso. Desta maneira, Delgado Garcia et al. (2017) sugerem a necessidade de uma reflexão
sobre a efetividade desta participação nos projetos de TA no país, de modo a potencializar
essa participação seja na governança das políticas, seja no desenvolvimento das pesquisas e
projetos.
Zulian e Zanetti (2015) alertam que a preocupação nacional expressa no PNDPD na
direção de uma mudança no cenário de acesso a TA pelo usuário brasileiro tem como uma das
diretrizes basilar à participação dos usuários nas pesquisas e desenvolvimentos de TA, de
237

modo a assegurar o atendimento das demandas e necessidades desta parcela da população.


Contudo, ainda que a importância da participação dos usuários seja uma recomendação do
CNRTA nas articulações com os núcleos e uma diretriz explícita da RNPDTA, as autoras
ainda realçam que merece maior atenção pelas equipes de pesquisa e desenvolvimento.
Consoante com os resultados da PNITA 2011-2013, elas reportam, conforme mapeamento
realizado pelo CNRTA em 2014, que dos 84 núcleos da RNPDTA 54 não apresentaram
qualquer informação sobre a participação do usuário nas pesquisas, mesmo considerando que
houve diferentes formas de levantamento de dados junto a estes núcleos.
Sobre o aspecto qualitativo das participações registradas neste mapeamento do
CNRTA, Zulian e Zanetti (2015) advertem para uma lacuna no entendimento sobre como
deve ocorrer a participação do usuário no projeto de TA, uma vez que esta participação,
quando registrada como existente, estava ligada predominantemente à fase de teste de
protótipos exclusivamente, resultado novamente similar a PNITA 2011-2013. Para as autoras,
tal prática restrita de participação dos usuários que não se envolve nas fases de concepção e
desenvolvimento pode comprometer a assertividade das pesquisas e usabilidade dos produtos,
levando que os produtos ou recursos desenvolvidos (com alocação de verbas públicas)
venham a ser subutilizados posteriormente pela população alvo. Elas ainda ressalvam que tal
participação dos usuários poderia ter acontecido na maior parte dos projetos da RNPDTA,
visto que existem na rede diversas parcerias com organizações de atendimento às pessoas com
deficiência (ZULIAN; ZANETTI, 2015).
Por fim, a quarta perspectiva privilegiada de análise da 3ª PNITA foi a avaliar a
eficácia dos produtos e serviços desenvolvidos em TA em alcançar uso pelas pessoas com
deficiência. A tabela 23 observamos que a maioria dos projetos (60%) conseguiu introduzir
no mercado ou disponibilizar um produto ou serviço ao público-alvo, contudo também é
elevado o percentual de projetos (40%) que não conseguiram alcançar resultados diretos as
pessoas com deficiência. Por meio do mapeamento da RNPDTA, realizado pelo CNRTA,
Zulian e Zanetti (2015) identificaram que dos 84 núcleos da rede, 29 núcleos haviam
disponibilizado 115 produtos a usuários até 2014, a maior parte destes localizados na região
sudeste, seguida da sul. Neste mapeamento, as autoras verificaram que a maior parte dos
núcleos com produtos disponibilizados (22) tinham mais de 3 anos de funcionamento, e
muitos dos produtos disponibilizados estavam em desenvolvimento antes do edital de
fomento específico a RNPDTA. Estas informações indicam que há uma concentração de
disponibilidade de produtos em 35% dos núcleos da rede, provavelmente aqueles com grau de
238

estruturação e maturidade maior que pode se relacionar ao maior tempo de funcionamento, e


que, em geral, localizados na região sudeste e sul.

Tabela 23 – Resultados gerais de projetos de TA em termos de introdução no mercado e/ou


disponibilidade ao público-alvo
Resultados gerais a introdução de produtos ou serviços Número de Percentual
no mercado e/ou disponibilidade a público-alvo projetos de TA
Não conseguiu introduzir/disponibilizar 95 40%
Sim, conseguiu introduzir/disponibilizar produto 108 45%
Sim, conseguiu introduzir/disponibilizar serviço 37 15%
Fonte: Adaptada pela autora a partir de Delgado Garcia et al. (2017).

Para uma aproximação aos principais desafios para alcançar a comercialização ou


disponibilidade de produtos e serviços às pessoas com deficiência, a PNITA levantou as
dificuldades de desenvolvimento dos projetos de TA (tabela 24). A dificuldade mais relatada
foi de insuficiência de recursos financeiros, o que pode, por um lado, corresponder a análise
de Almeida (2015) quanto a dificuldade de escalonamento do processo produtivo, uma vez
que a maioria das empresas no ramo de TA no país eram micro e pequenas, caracterizando o
mercado enquanto ainda incipiente.

Tabela 24 – Dificuldade(s) para desenvolvimento dos projetos de TA


Respostas sobre dificuldades Nº de respostas Percentual
Não houve dificuldade 51 21,3%
Dificuldade de ausência ou insuficiência de recursos humanos 87 36,3%
Dificuldade de ausência ou insuficiência de recursos financeiros 133 55,4%
Dificuldade de inserção ou penetração no mercado 50 20,8%
Outras dificuldades 42 17,5%
Fonte: Adaptada pela autora a partir de Delgado Garcia et al. (2017).

Bueno (2016) também corroborou via entrevistas dificuldades na relação entre


pesquisadores e empresas, sendo que o principal gargalo seria que as empresas, em geral, não
tinham experiência no desenvolvimento de TA, visto que esse mercado seria bastante pautado
pela comercialização de produtos importados e muito ramificado entre diferentes tipos de
produtos e serviços (saúde, engenharia, softwares etc.).
Cabe lembrarmos, que outra diretriz da PNDPD está no desenvolvimento de produtos
de baixo custo, que seriam economicamente viáveis para a maioria da população que deles
necessita. Porém, não temos informações sobre como esse direcionamento está sendo
contemplado nos projetos da PNITA.
239

4.3 COMPOSIÇÃO DE POSIÇÕES DISCURSIVAS PARA DESENVOLVIMENTO E


PROVISÃO DE TECNOLOGIA ASSISTIVA NO ÂMBITO DA POLÍTICA DE CT&I

Políticas para desenvolvimento de TA tendem a confluir orientações discursivas


advindas de políticas para garantia de direitos para pessoas com deficiência com orientações
discursivos próprias da política de CT&I, cujo desenvolvimento tecnológico envolverá, em
alguma medida, os atores políticos (e suas crenças) típicos da C&T, cientistas e
pesquisadores. Desta maneira, buscamos nesta seção fazer algumas ponderações sobre as
relações entre os discursos119 de orientação da política de CT&I, discernidos no capítulo 2, e
as orientações discursivas associadas aos modelos sobre deficiência abordados na seção
anterior.
Galvão Filho (2013) mencionava como um dos novos desafios do campo da TA que
diante do emergente crescimento deste, principalmente pela ampliação do fomento à pesquisa
e desenvolvimento, aumentaria também os riscos de distorções e imprecisões conceituais.
Deste modo, era necessário um esforço para sustentar uma coerência entre a concepção ampla
(no sentido de transversal e interdisciplinar) da TA, que atravessa diferentes fronteiras entre
áreas do conhecimento; ao mesmo tempo que, se mantivesse um compromisso finalístico
desta concepção direcionada às necessidades das pessoas com deficiência, a partir do modelo
social de deficiência.
Entendemos semelhante a preocupação de Garcia (2014) em reconhecer e refletir
sobre a existência de tensões nos conceitos e nas práticas sociais no âmbito da TA. O autor
propõe exames da relação entre a concepção expressa e a prática exercida pelos atores no que
tange a visão de deficiência, a atuação na política pública e o desenvolvimento da TA, visto
que estes podem tanto revelar situações contraditórias, quanto indicar propostas e estratégias
de superação de impasses.
Na perspectiva desta pesquisa, consideramos que o campo da TA enquanto
relativamente recente e compondo um espaço de confluências entre dois domínios de políticas
que, embora interligados neste tema, possuem trajetórias discursivas específicas.
Consequentemente, compreendemos que, ao menos, parte das tensões conceituais ou
contradições entre estes conceitos e suas práticas sociais advém das buscas dos atores sociais
em acoplar os conteúdos discursivos sobre deficiência e sobre desenvolvimento tecnológico

119
Possíveis relações entre discursos são também denominadas como interdiscursividade na ADC, que
representa uma forma de análise sobre as diferenças relações que um discurso pode estabelecer com outros,
como expressando um sentido de oposição, de superioridade/inferioridade (relações de concorrência), de
colaboração, de busca de legitimidade, entre outras.
240

desta confluência temática, de modo a conformar o processo de política e de pesquisa em TA.


Aqui, retomando a noção que os discursos são constituídos (pelas) e constituem as práticas
sociais dos atores políticos nelas vem a se envolver.
No que tange às políticas para garantia de equiparação de direitos e oportunidades para
pessoas com deficiência, as duas principais orientações discursivas recorrentemente citadas
em diversos trabalhos correspondem aos modelos médico e social de deficiência. No capítulo
referente à Comissão de Temática de Conceituação e Estudo de Normas do CAT (BRASIL,
2009), é anexo um quadro referente a dois paradigmas de prestação de serviços na política de
TA proposto em 2006 no âmbito do Programa de Certificação em Aplicações da Tecnologia
Assistiva da California State University Northridge, conforme quadro 19. Neste quadro,
observamos um paradigma de déficit individual, que corresponde ao modelo médico de
deficiência, e outro paradigma tecnológico-ecológico associado ao modelo social de
deficiência.
Por todos os materiais analisados neste capítulo, o modelo médico se encontra
amplamente em declínio em termos das orientações discursivas dos principais instrumentos
de política se considerarmos tanto as concepções da CIF no âmbito da OMS, quanto da
própria CDPcD na ONU. No entanto, como alertam Barnes (2012) e Garcia (2014) esta
transição para a proposta de um modelo social ou integrado de intervenção que considere
todos aspectos biológicos, psicológicos e sociais equilibradamente ainda se encontra em
disputa com as práticas anteriormente institucionalizadas, e, portanto, enraizadas ao longo do
tempo pelo modelo médico seja nos processos de políticas, seja nas ações de assistência, seja
nas pesquisas científicas e tecnológicas.
Compreendendo este movimento nas concepções dos modelos sobre deficiência, que
por si já apresenta suas próprias disputas discursivas e de práticas sociais, precisamos também
considerar que no âmbito da política de TA vem agregar neste às orientações discursivas das
concepções e representações de crenças, valores e problemas afetos a questão do
desenvolvimento científico e tecnológico, suas práticas e instituições particulares. Por isso,
nesta subseção, de forma propositiva fazemos algumas reflexões tentando entender as
interações entre as orientações discursivas sobre deficiência e sobre CT&I.
Entendemos que a concepção de déficit individual, particularmente no que tange aos
aspectos de autoridade e centralidade que o conhecimento técnico-científico assume frente as
demais formas de conhecimentos e atores sociais, incluso as próprias pessoas com deficiência,
tenderia a ter suas práticas mais propensas confluírem ao discurso da C&T auto orientada.
Provavelmente, durante as três décadas seguintes do pós-Guerra estas orientações discursivas
241

se alinhavam no que tange as pesquisas científicas e tecnológicas no âmbito da questão da


deficiência sem encontrar maiores atritos. Visto que, nesta concepção o papel do
conhecimento científico e técnico, em particular nas especialidades da saúde, assume posição
de autoridade sobre o paciente ou usuário, conduzindo a uma relação top-down na tomada de
decisão sobre implementação de tratamento e/ou de desenvolvimento tecnológico, em que as
decisões ficam centradas nos pesquisadores e as pessoas com deficiência, constituem-se mais
provavelmente enquanto objetos de estudo para intervenção.

Quadro 19 – Paradigmas de Prestação de Serviços na Política de Tecnologia Assistiva


Elementos Paradigma do Déficit Individual Paradigma Tecnológico-Ecológico
Sistemas de recursos de TA: informações,
Foco do O paciente, o cliente, o estudante, o
financiamento, disponibilidade e
Paradigma indivíduo com deficiência
desenvolvimento de TA.
Falha individual na realização das
Natureza do principais atividades de vida tais como: Falta de acesso aos recursos apropriados:
Problema caminhar, ver, trabalhar, aprender, ferramentas informações e treinamento.
autocuidado.
Um desencontro entre os objetivos, as
Origem do Um defeito físico, mental ou emocional capacidades do indivíduo e os recursos do
Problema do indivíduo ambiente, a “medicalização” na busca da
solução de problemas através de recursos
Relatos amplos e consistentes sobre erros ao
A incontestável observação da adquirir a TA apropriada para pessoas com
deficiência do indivíduo e a deficiência; níveis extensos de pobreza,
Evidência que o
confirmação por diagnóstico médico; desemprego e segregação entre pessoas com
Problema Existe
dependência dos serviços de saúde, deficiência; poucos ganhos em amenizar um
suporte médico e outros serviços problema mesmo depois de enormes gastos
com recursos.
Consequências Internalização de um “status” de
Internalização do papel do diferente e
do Problema para consumidor/cliente e externalização da ação
aceitação de um “status” menor.
o Indivíduo de adquirir recursos
Restauração da função quando possível, Acesso a TA que apoia objetivos
Busca de Solução ou adaptação para o déficit. Ex.: utilizar econômicos, sociais, educacionais e
muletas ou membro artificial. comunitários.
Avaliação médica e tratamento de Desenvolvimento de tecnologia e de
reabilitação, educação especial, sistemas de serviços integrados que são
Estratégias
tecnologia de reabilitação, serviços direcionados às expectativas e necessidades
Empregadas
designados para uso exclusivo de do consumidor; sistema guiado pelo
pessoas com deficiência. mercado.
Ganhos em habilidades funcionais A remoção de barreiras sistêmicas e
individuais (ex.: habilidade para estruturais, considerando a si mesmo e
caminhar, habilidades comerciais sendo considerado como uma pessoa capaz;
Consequências
adquiridas) aceitação e confianças nos maior confiança nas ferramentas
das Estratégias
sistemas de serviços, internalização do econômicas, ambientais, legais e sociais
papel e do comportamento de ser um utilizadas e valorizadas pelo “padrão
paciente ou cliente. americano”.
Promover capacidade funcional, retorno
Resultados ao trabalho, promover ajustes Oportunidades iguais, liberdade de escolha,
Pretendidos personalizados, menor suporte de realização de objetivos pessoais.
serviços.
Fonte: Programa de Certificação em Aplicações da Tecnologia Assistiva da California State University
Northridge em Brasil (2009).
242

Em termos de desenvolvimento tecnológico especificamente, a concepção de déficit


individual e da C&T auto orientada tendem a ser auto reforçar quanto a centralidade dos
pesquisadores e especialistas, que baseados em seus conhecimentos científicos, deteriam as
melhores condições de tomar decisões "técnicas" adequadas sobre a concepção e
desenvolvimento de produtos e serviços. Neste sentido, são estes atores sociais que tendem a
dirigir a agenda de desenvolvimento tecnológico, que se daria principalmente por meio de
projetos de pesquisa e desenvolvimento.
Na concepção tecnológica-ecológica, já observamos características desenvolvidas no
modelo social de deficiência que privilegiam a participação e a prevalência da tomada de
decisão da pessoa com deficiência, em um modelo mais interativo de desenvolvimento
tecnológico. A partir desta percepção, concebemos que há o reconhecimento da TA como um
constructo sociotécnico, sendo relevante considerar a participação dos usuários, pessoas com
deficiências, para desenvolvimento adequado de recursos e atividades de TA e acompanhar as
interações daqueles com os produtos assistivos.
Contudo, na perspectiva exposta do quadro 19, também há uma ênfase em considerar
que a pessoa com deficiência assume o papel principal de "consumidor/cliente", indicando
que o desenvolvimento tecnológico é direcionado "às expectativas e necessidades do
consumidor" e por um "sistema guiado pelo mercado". Este posicionamento nos conduz a
compreender que a concepção tecnológica-ecológica esteja alinhado ao discurso da CT&I
orientada para o mercado, cujo desenvolvimento tecnológico e provisão de TA está focado em
processos de inovação centrado em empresas/mercado para atendimento da pessoa com
deficiência enquanto consumidor, ou seja, um enfoque mais voltado a demandas
(necessidades ou interesses somados a capacidade de compra para tal) do que a necessidades
em si. A própria perspectiva sistêmica de TA também apresenta facilidade de diálogo com
abordagens de sistemas de inovação.
Entretanto, averiguamos também nas discussões expostas na seção anterior as
advertência de pesquisadores quanto a insuficiência de atendimento das necessidades de todas
as pessoas com deficiência, principalmente relacionada a problemas relacionados a
precariedade de renda, como, por exemplos, a falta de disponibilidade de produtos e serviços
acessíveis em que contextos de baixa renda e que, mesmo em programas de concessão de
empréstimos subsidiados em países desenvolvidos, substancial parte da população que precisa
de TA não é contemplada.
Essas críticas tem conduzido pesquisadores a reconhecerem falhas de mercado e de
políticas na provisão de TA, e fazerem recomendações diversas no sentido de que seja
243

necessário criar soluções alternativas nas distintas facetas de um sistema de TA para um


amplo atendimento às pessoas com deficiência, como: soluções de financiamento e provisão
públicos ou por arranjos híbridos; reflexões sobre a tendência atual de desenvolvimento de
produtos de alta intensidade tecnológica, que ao implicar em valores mais agregados (preços
mais elevados) tende a excluir a maior parte da população que deles precisam; e a defesa de
uma atribuição mais ativa e abrangente das pessoas com deficiência, para além de sua conduta
como consumidores, que venham a assumir um papel mais integral de cidadãos, fortalecendo
suas atuações sócio-políticas de ações em organizações da sociedade civil e nos processos de
políticas públicas.
Estas observações nos fazem supor que o modelo social de deficiência possa gerar
aproximações tanto ao discurso da CT&I orientada para o mercado quanto ao discurso da
CT&I orientada para a sociedade. O alinhamento do modelo social da deficiência com um
discurso da CT&I orientada para a sociedade comporia distinções não somente ao paradigma
de déficit individual, mas também ao paradigma tecnológico-ecológico de prestação de
serviço de TA.
Como o discurso da CT&I orientada para a sociedade, as atividades de TA mantêm
uma perspectiva sistêmica, mas como o enfoque desse discurso é de ênfase distributiva (e não
somente agregativa), sensíveis as diferentes clivagens sociais, seu foco de atendimento e
desenvolvimento não estaria na intensificação do avanço tecnológico dos sistemas de recursos
de TA guiados por demandas de mercado, e sim em um desenvolvimento tecnológico com
maior pluralidade que se adeque as diferentes condições de vida e experiência das pessoas
com deficiência. Guiados pelo objetivo principal de ampliar a população atendida, o foco
posiciona-se em reduzir os efeitos cumulativos da dinâmica de desigualdades atual no
desenvolvimento de TA, emergindo enfoques para soluções de baixos custos, baixa
intensidade tecnológica e com atenções específicas a questões de acesso e participação de
pessoas com deficiência com diversidade de condições de renda, gênero, cor, idade,
localização territorial etc. Neste caso, a consideração da TA enquanto constructo sociotécnico
(tese forte) conduz a considerar que a concepção e desenvolvimento de recursos de TA deve
não somente incluir um perfil de pessoas com deficiência (implícito em geral neste perfil
alguma capacidade de compra), mas sim abranger uma pluralidade de pessoas com deficiência
em uma diversidade de condições de desigualdades.
Deste modo, o principal problema de falta de acesso a TA está em um desencontro
entre uma relativa restrita demanda percebida (que direciona o desenvolvimento de TA
preponderantemente em países desenvolvidos em trajetórias de intensificação tecnológica) e
244

um amplo conjunto de necessidades não atendidas e não atendíveis via condições de mercado
atual, para qual soluções tecnológicas alternativas e plurais são requeridas. Assim, são
enfatizadas soluções de baixa intensidade tecnológica e de baixo custo, cuja provisão possa
ser realizada de forma flexível por arranjos alternativos, envolvendo possíveis parcerias com
organizações da sociedade civil relacionadas a garantia de direitos das pessoas com
deficiência.
Assim, as pessoas com deficiência e suas organizações são reconhecidas não somente
enquanto suas necessidades ou demandas de consumo, mas enquanto potencialmente
provedoras de conhecimentos, de propostas de soluções e de execução de atendimentos, ao
menos parcialmente, a estas necessidades. Este status confere uma relação mais horizontal da
participação dessas pessoas e suas organizações junto a pesquisadores, formuladores de
políticas ou executivos de empresas para efetiva coprodução de TA, incluindo a conformação
de uma agenda política de desenvolvimento tecnológico e de provisão.
De forma propositiva, partindo do quadro 19 do Programa de Certificação em
Aplicações da Tecnologia Assistiva da California State University Northridge, sugerimos
uma terceira concepção para provisão e desenvolvimento de TA, resultante de um
alinhamento entre o modelo social de deficiência e o discurso da CT&I orientada para a
sociedade constante no quadro 20.

Quadro 20 – Proposição de concepção para desenvolvimento e provisão de tecnologia assistiva, a


partir de um alinhamento entre a orientação discursiva do modelo social de deficiência e da CT&I
socialmente orientada
Elementos Discurso Socialmente Orientado
Desigualdades no acesso a TA por diferentes grupos sociais requer reduzir
Foco do Paradigma
efeitos cumulativos no desenvolvimento e provisão de TA
Natureza do Problema Acesso restrito da população que necessita de recursos TA.
Um desencontro entre uma relativa restrita demanda percebida (com trajetória
Origem do Problema de intensificação tecnológica) e um amplo conjunto de necessidades não
atendidas e não atendíveis via condições de mercado atual
Evidencias diversas de falta de acesso da maior parte da população que precisa
Evidência que o Problema
de recursos de TA, exemplo, 1 a cada 10 pessoas que precisam de algum
Existe
recurso de TA consegue acesso, segundo OMS (2018).
Consequências do Internalização de um “status” de cidadão e externalização da ação de buscar
Problema para o Indivíduo equiparação de direitos a todos
Acesso a TA que apoia objetivos econômicos, sociais, educacionais entre outros
Busca de Solução
a partir dos valores e trajetórias próprios de cada comunidade.
Desenvolvimento de soluções de TA direcionado às diversas necessidades de
Estratégias Empregadas pessoas por meio de variadas formas de arranjos, com papel realçado a parcerias
com organizações da sociedade civil.
Engajamento social e político da pessoa com deficiência, considerando a si
Consequências das mesma e pela sua comunidade como uma pessoa capaz. Maior confiança na
Estratégias ampliação de oportunidades e processos sociais de inclusão participativa na
educação, política, economia, etc.
Resultados Pretendidos Oportunidades iguais para todos, com enfoque distributivo.
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
245

No entanto, ainda que propomos esses alinhamentos que, hipoteticamente, seriam mais
compatíveis entre as orientações discursivas sobre deficiência e sobre CT&I (modelo médico
e discurso da C&T auto orientada; e modelo social com os discursos da CT&I orientada para
o mercado, por um lado, e da CT&I orientada para a sociedade, por outro lado),
reconhecemos que na prática tal confluência de orientações tende a ser mais diversa. Isto é,
embora entendamos que esses acoplamentos discursivos sejam possíveis e construídos em
práticas de política e pesquisa de determinados atores do campo de TA, o que por si já
resultaria em disputas discursivas neste, em particular entre uma concepção tecnológica-
ecológica e uma socialmente orientada, compreendemos que outros movimentos mais
complexos também estejam em dinâmica.
A partir da perspectiva da política de CT&I nacional, concluímos que, apesar da
ascensão da agenda da inovação tecnológica no âmbito do discurso CT&I orientada para o
mercado e da inserção marginal do discurso da CT&I orientada para a sociedade, o discurso
da C&T auto orientada não foi preponderantemente superado. Este permanece ainda como
orientação discursiva de muitos atores, seja em sua forma mais tradicional, seja como um
amalgama deste discurso com o de inovação tecnológica em ascensão, como discutimos no
capítulo 2.
Características do cenário de desenvolvimento de projetos de TA no Brasil, como
vistas nas PNITA, Almeida (2015) e Zulian e Zanetti (2015) são indicações de algumas dessas
vinculações da política de CT&I a uma orientação ainda centrada nos atores acadêmicos e
científicos e suas organizações típicas, com pouca abertura para participação de outros atores,
mesmo aqueles diretamente interessados e afetados (pessoas com deficiência), em termos
tanto quantitativos de projetos, mas principalmente em termos qualitativo da possibilidade de
construção mais horizontal de conhecimento e produtos.
Entendemos que as principais condições de contradições nos discursos e práticas de
TA no país podem ocorrer quando pesquisadores com trajetórias científicas atreladas a um
discurso da C&T auto orientada (notadamente vinculado a neutralidade científica,
determinismo tecnológico e cientificismo) entram no campo de TA e buscam aderir às
orientações do modelo social de deficiência, predominante no campo discursivo dos
movimentos pró direitos das pessoas com deficiência. As tensões e atritos na conformação de
práticas e acomodações de crenças entre uma orientação científica e tecnológica centrada na
academia, por um lado; e uma orientação sobre deficiência centrada no protagonismo da
pessoa com deficiência, por outro lado, são diversas e muito provavelmente resultam na
246

possibilidade de contradições. Como, apesar da participação das pessoas com deficiência nos
projetos e do direcionamento ao desenvolvimento tecnológico economicamente viável serem
diretrizes explícitas do CNRTA e da RNPDTA, tal oportunidade de participação seja por estes
próprios atores indicada como pouco efetiva e não termos encontrados levantamento de dados
específicos sobre a questão da acessibilidade econômica dos produtos desenvolvidos.
Chama nossa atenção que muitos trabalhos acadêmicos e diretrizes políticas de TA
discutam os diferentes modelos de deficiência, como aqueles citados na seção anterior, que
procuram explicitar e refletir sobre as crenças sobre deficiência e suas repercussões em termos
de abrangência e alcances das ações políticas e de desenvolvimento de TA. Mas, são mais
raros os trabalhos que discutem explicitamente as crenças sobre o processo de CT&I e suas
diferentes repercussões nestas mesmas ações de política e desenvolvimento de TA, como a
questão da necessidade de mudança na matriz epistemológica citada por Garcia (2014).
Compreendemos que tem havido um esforço de reflexão sobre a questão da deficiência, mas
pouco esforço de autorreflexividade sobre a relação entre ciência, tecnologia e sociedade
(CTS) pelos pesquisadores do campo.
Ao lado disso, observamos que possivelmente relações interdiscursivas também têm
sido estabelecidas enquanto estratégias para alcançar maior espaço de agenda pelo campo de
TA na política de CT&I, considerando o movimento dialético entre natureza constituída e
constituinte dos discursos. Um exemplo deste movimento está na aproximação interdiscursiva
entre o discurso de defesa a TA e acessibilidade para pessoas com deficiência e o discurso
pró-inovação empresarial na constituição e emergência à agenda do Programa de Inovação em
TA no âmbito da ENCTI 2012-2015 e do PNDPD, como também observado por Fonseca
(2013). O discurso de defesa aos direitos das pessoas com deficiência no âmbito da política de
CT&I tem expressado trajetórias de aproximações, afastamentos e tensões entre tanto um
discurso da CT&I orientada para a sociedade (principalmente relacionado as suas interações e
recomendações associadas a tecnologia social e articulações no âmbito da SECIS); quanto o
discurso da CT&I orientada para o mercado, sendo que neste, por sua posição mais
privilegiada na política, tem articulado maior acesso a alocação de recursos, contudo também
com as repercussões de desenho de fomento e práticas próprias deste discurso.
247

5 TECNOLOGIA ASSISTIVA NA POLÍTICA ESTADUAL DE CT&I NO PARÁ

Neste capítulo descrevemos e analisamos o processo de política específico de


desenvolvimento de tecnologia assistiva (TA) no âmbito do domínio da política de CT&I no
governo estadual do Pará. Portanto, focaremos nesta temática de fomento a TA no governo
estadual do Pará para mapearmos seus principais atores e ações de política, caracterizando,
assim, o que denominamos de subsistema de política estadual para pesquisa e
desenvolvimento de TA, reportando-nos as orientações do quadro de referência de coalizão de
defesa discutidas no capítulo 1. O objetivo direcionador desta análise é compreender como
têm sido articuladas ações para enfrentamento das desigualdades no que tange ao fomento a
TA na política estadual de CT&I no Pará.
A partir dos referenciais adotados nesta pesquisa, buscamos analisar este fomento ao
desenvolvimento de TA em termos da identificação de atores políticos chaves e possíveis
coalizões de defesa existentes, com vistas a compreender suas articulações para promoção da
temática no processo de política de CT&I no Pará, bem como a abrangência das ações
públicas realizadas, tanto em relação a alcances materiais, quanto às dimensões conceituais do
enfrentamento das desigualdades.
Neste horizonte, o capítulo está dividido em seis (6) seções, em que buscamos abordar
o processo de política para o fomento a tecnologia assistiva a partir do domínio da CT&I no
governo estadual do Pará. Deste modo, procuramos mapear o subsistema de política para o
fomento estadual a TA e identificar possíveis coalizões em atuação e articulação neste.
Inicialmente, na primeira seção, tratamos do que chamamos de antecedentes ao fomento
estadual para TA no Pará, em que procuramos tanto entender o desenvolvimento de um
campo de pesquisa sobre a temática no estado, particularmente no que tange a constituição de
grupos e núcleos de pesquisa e o apoio da política federal a estes; quanto compreender quais
principais aspectos contribuíram para que a temática chegasse na agenda do processo de
política, buscando de algum modo reconstruir esta trajetória.
Da segunda (2ª) a quinta (5ª) subseção, desenvolvemos um desenho de análise sobre o
fomento e consequente desenvolvimento de projetos de TA inspirado no exame de prática
social baseado nas interações dos quatro (4) elementos caracterizados por Chouliaraki e
Fairclough (1999) e Resende e Ramalho (2006): discursos, fenômenos mentais, ações
materiais, relações sociais. Assim, na segunda subseção abordamos as orientações discursivas
e interdiscursividade no edital nº 010/2013 da FAPESPA. O exame das ações materiais, em
termos dos projetos desenvolvidos, seus produtos e alcances materiais, realizamos na
248

subseção 3. Em seguida, na quarta subseção, examinamos os atores políticos envolvidos e


suas interações sociais no âmbito dos projetos. E, por fim, na quinta subseção, retomamos as
orientações discursivas do edital e analisamos as conformações e tensões frente a estas das
práticas e concepções exercidas pelos atores (políticos e de pesquisa) no campo de TA
estadual.
Compreendemos que este desenho de análise nos permita agregar na apreciação de
coalizões de defesa, aspectos ideacionais (com ênfase em crenças e discursos) e de recursos
de ação (com ênfase em relações sociais e ações materiais) que conformam possibilidades e
limites para organização coletiva. Desta forma, esperamos entender a abrangência discursiva e
alcances materiais do enfrentamento das desigualdades pelo fomento da TA na política
estadual de CT&I do Pará, e contribuir à análise da política e a organização de coalizões de
defesa nesta temática. Assim, na última seção, retomamos a noção de coalizão de defesa e
buscamos aplicá-la a TA a partir do processo da política estadual de CT&I no Pará para
elucidar alguns aspectos limitadores, de avanços e de possibilidades futuras para o
enfrentamento das desigualdades.
O processo de pesquisa que deu origem a este capítulo foi direcionado a partir do
percurso teórico-metodológico elaborado no capítulo 1. Em termos de procedimentos de
coleta de dados envolveu tanto pesquisa documental, quanto realização de entrevistas com
atores políticos e eventuais visitas aos locais de atividades de pesquisa. O exame documental
principal abrangeu documentos relacionados ao processo de edital de fomento e aos processos
dos 15 projetos financiados, ambos junto a FAPESPA. De forma complementar e acessória,
foram empreendidas pesquisa em websites referenciados no texto. As entrevistas foram
direcionadas inicialmente aos 15 coordenadores de projetos financiados (tendo conseguido 11
entrevistas), e posteriormente ampliadas para quatro (4) servidores públicos atuantes na
FAPESPA, dois dirigentes da política estadual de CT&I e uma pesquisadora referenciada por
demais coordenadores de projetos. Uma descrição dos procedimentos de coleta e geração de
dados para pesquisa pode ser verificada no Apêndice D.

5.1 ANTECEDENTES

Conforme mapeamento no âmbito da RNPDTA, em 2013, havia no Pará três núcleos


de pesquisa em TA associados à rede.
249

Um Núcleo de Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva e Acessibilidade120


(NEDETA) da Universidade do Estado do Pará (UEPA), coordenado por Ana Irene Alves de
Oliveira. A pesquisadora também é líder do grupo de pesquisa cadastrado no DGP/CNPq
denominado de "Inovação tecnológica e Inclusão Social" da área de Fisioterapia e Terapia
Ocupacional, tendo como linhas de pesquisa o desenvolvimento típico e atípico, TA, e
inclusão Social. Conforme currículo Lattes121, esta pesquisadora já possuía histórico de
atividades na área de atendimento a pessoas com deficiência, tendo, em 1997, fundado a
Associação de Assistência à Criança Deficiente da Amazônia (ACDA), atuado como
presidente e em sua diretoria. Desenvolveu a pesquisa de mestrado (2001-2004) e doutorado
(2007-2010) na área de TA, com diversas produções científicas publicadas sobre a temática
específica.
O primeiro financiamento que visava a implantação do núcleo foi concedido pela
FINEP após a pesquisadora ganhar, em 2005, o Prêmio FINEP na Categoria Inovação Social,
na região norte. No edital do CNPq nº 84/2013, a pesquisadora teve projeto aprovado para o
núcleo na categoria de núcleos em consolidação. O escopo de atuação do núcleo registrado na
RNPDTA se referia a "consolidação do grupo de pesquisa do NEDETA e fortalecimento de
pesquisa em TA e inclusão social em nível institucional e interinstitucional" (CTI, 2019), e as
categorias de TA cadastradas eram adequação postural, órteses e próteses, auxílios para a vida
diária e vida prática, recursos de acessibilidade ao computador, e comunicação aumentativa e
alternativa.
Na sequência, o Núcleo de Tecnologia Assistiva122 (ACESSAR) da Universidade
Federal Rural da Amazônia (UFRA), coordenado por Andréa da Silva Miranda. Conforme
currículo lattes da pesquisadora123, verificamos que a mesma havia desenvolvido seu
mestrado (2000-2002) e doutorado (2002-2007) na temática de acessibilidade, com
experiência no desenvolvimento de projetos de interfaces centradas em usuários com
deficiência, livro, capítulo de livro e artigos em eventos nesta temática específica. O núcleo
foi criado em 2011 a partir de ações e projetos junto ao MEC para oferta de cursos de
formação continuada e atividades de extensão sobre educação inclusiva e acessibilidade. No
edital do CNPq nº 84/2013, a pesquisadora teve projeto aprovado para o núcleo na categoria
de núcleos nascentes. À época do registro da RNPDTA, o escopo de atuação do núcleo

120
Website do núcleo disponível em http://www.nedeta.com.br/.
121
Conforme se pode verificar em: http://lattes.cnpq.br/8839751954613395.
122
Conforme website do núcleo sua denominação é Núcleo Amazônico de Acessibilidade, Inclusão e Tecnologia
(https://nucleoacessar.ufra.edu.br/).
123
Conforme se pode verificar em: http://lattes.cnpq.br/0376285432699286.
250

envolvia desenvolvimento de sistemas de informação, e atualmente inclui linhas de educação


e de intervenção assistiva por animais. As categorias de TA atendidas eram de esporte e lazer,
e auxílio para a educação escolar.
Por fim, o Núcleo de Tecnologia Assistiva124 (NTA) do Instituto Federal do Pará
(IFPA), coordenado por Waldinete Conceição do Socorro Oliveira da Costa Rolim, à época
cedida pelo MPEG/MCTI. Conforme informação do currículo lattes da pesquisadora 125, o
mestrado (1995-1996) e doutorado (1996-2001) não foram desenvolvidos em temáticas
especificas da TA, acessibilidade ou de direitos de pessoas com deficiência, mas na área de
educação ambiental e científica. Tal temática de TA surge em suas atividades a partir da
coordenação de projetos como "Ciência sem Barreiras: a alfabetização científica para a
inclusão social", de desenvolvimento de TA para popularização de C&T no CentrAlCiência
do IFPA, e a implantação do Núcleo de Tecnologia Assistiva "Ciência Sem Barreiras"126. A
produção científica da pesquisadora está mais associada a difusão científica, exceto a
participação de eventos da RNPDTA e do CNRTA não há publicações científicas específicas
sobre TA.
O escopo do NTA registrado na RNPDTA correspondia a pesquisas e
desenvolvimento de TA para "pessoas com necessidades educacionais especiais de forma a
propiciar o acesso, a apreensão e o aprendizado do conhecimento científico e tecnológico nas
áreas de atuação do IFPA e instituições parceiras" (CTI, 2019), nas categorias de TA de
esporte e lazer, e auxílio para a educação escolar.
Ao considerar o mapeamento inicial destes três núcleos, observamos que já se
encontrava em estruturação, ou funcionamento, grupos de pesquisa e desenvolvimento na área
de TA nas organizações do complexo de C&T no estado do Pará, tendo, no caso desses três
grupos/núcleos, já acessado de alguma forma recursos alocados à temática no âmbito da
política federal.
Em março de 2006, conforme relatório de histórico do NEDETA, foi realizado o 1º
Fórum de Tecnologia Assistiva e Inclusão Social da Pessoa Deficiente no estado, organizado
por aquele núcleo. O II Fórum foi realizado em 2008 em parceria com o V Simpósio Paraense
de Paralisia Cerebral, e o III Fórum em parceria com V Seminário Nacional de Promoção de
Inclusão Mediada pelas Tecnologias Assistivas e o VI Simpósio Paraense de Paralisia

124
Não conseguimos identificar um website do NTA/IFPA, mas o instituto possui uma resolução nº 509/2017
CONSUP que regulamenta atividades de NTA na organização, com a previsão de existência de um NTA em
cada campus.
125
Conforme se pode verificar em: http://lattes.cnpq.br/5515487263661636.
126
O programa "Ciência sem Barreira" estava associado à Diretoria do CentrAlCiência do IFPA.
251

Cerebral em 2010, demonstrando uma crescente articulação da temática no estado. Neste


mesmo ano, a pesquisadora Ana Irene Oliveira, coordenadora do NEDETA, aprovou junto ao
CNPq127 o projeto para realização da 1ª Feira Paraense de Tecnologia Assistiva,
Acessibilidade e Inclusão Social das Pessoas com Deficiência em 2011.
Segundo relatado pela pesquisadora128, esta 1ª Feira foi relevante para dar visibilidade
a temática de TA no estado. A feira ocorreu de 29 a 31 de outubro de 2011 no Auditório do
Centro Integrado de Inclusão e Cidadania (CIIC), vinculado à Secretaria de Estado de
Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda (SEASTER), e contemplou três vertentes
(científica, difusão de produtos e cultural) com diversas atividades, como stand de produtos
assistivos de empresas nacionais, mesas e workshops com pesquisadores nacionais,
apresentação de trabalhos locais e uma premiação. A pesquisadora indicou que realização do
evento em um ambiente associado a Secretaria estadual responsável pela política de direitos
das pessoas com deficiência facilitou a sensibilização e articulação com pessoas chaves no
governo estadual, resultando na visita do próprio governador do estado no último dia da feira.
Cabe mencionarmos que, logo após este período, em novembro de 2011, o governo
federal também lançava o PNDPD "Viver Sem Limite", proporcionando ampla visibilidade a
políticas para assegurar direitos às pessoas com deficiência (contemplada como vimos a
temática de TA) e contando com a indução federal para a celebração de termos adesões junto
a governos estaduais e municipais para descentralização de iniciativas.
Após a Feira, a pesquisadora relatou que teve três audiências com o governador, as
duas primeiras para tratar de oportunidades de fomento para TA no estado, acompanhadas
pelo Secretário de CT&I, e a última sobre o Plano Estadual de Ações Integradas à Pessoa com
Deficiência "Plano Existir", versão estadual do PNDPD.
No ano seguinte, foi lançado o Plano Existir em 23/10/12 para o período 2012-2014
(APAE-PA, 2019). De acordo com site do Núcleo de Articulação e Cidadania do Governo do
Pará (NAC) (2019), as linhas de atuação do Plano Existir, articuladas às diretrizes nacionais
do PNDPD, incluem TA e acessibilidade. A cartilha do Plano Existir (NAC, s/d) divulga
como uma de suas ações a "Pesquisa e Inovação em Tecnologia Assistiva", contemplando a
UEPA, pela ampliação do NEDETA129, e sua transformação em "Centro Estadual de

127
Edital MCT/CNPq/MEC/SEB/CAPES Nº 51/2010 - Seleção pública de propostas para realização de Feiras de
Ciências e Mostras Científicas.
128
Conforme anotação em caderno de campo de entrevista (não gravada) realizada com a pesquisadora Ana
Irene Alves de Oliveira.
129
O NEDETA atualmente é vinculado a Unidade Ensino-Assistência de Fisioterapia e Terapia Ocupacional
(UEAFTO), que é habilitada como CER II, compondo a rede de atendimento via SUS, desenvolvido a partir do
PNDPD (Viver sem limite) e do Plano Estadual Existir.
252

Referência em Tecnologia Assistiva". A FAPESPA, responsável pelo fomento em TA. E a


SECTET, como órgão responsável pelo apoio a projetos realizados pela UEPA e mantendo
reserva de vagas para as pessoas com deficiência em cursos ofertados. Foi neste contexto que
a temática de TA chegava à agenda do governo estadual e, em 2013, a FAPESPA lançou o
primeiro edital nº 010/2013 – Tecnologias Assistivas.

5.2 O FOMENTO A TECNOLOGIA ASSISTIVA NA POLÍTICA ESTADUAL DE CT&I


NO PARÁ: O EDITAL Nº 010/2013 DA FAPESPA

A FAPESPA lançou dois editais específicos para TA, o edital nº 010/2013 e o nº


012/2017, este último em janeiro de 2019 ainda se encontra em fase de avaliação e seleção
das propostas. Além desses, a Fundação também havia incluído a temática de TA em outros
editais (nº 005/2014 e nº 006/2014), contudo não houve projeto de TA aprovados nestes
editais. Portanto, nosso foco de análise é o edital nº 010/2013, cujos projetos já foram
executados e podemos fazer um exame mais amplo da prática social de fomento e
desenvolvimento de TA por meio da relação entre orientação discursiva do instrumento da
política (edital), a orientação dos atores para pesquisa e para política, as interações entre os
atores, e as ações materiais e resultados dos projetos.
Assim, nesta seção, a partir da perspectiva contextual anterior, analisamos
textualmente o edital nº 010/2013 – Tecnologias Assistivas da FAPESPA, de modo a iluminar
suas características principais em termos de desenho de instrumento e de orientação
discursiva no campo da TA.
O edital nº 010/2013 foi lançado em junho de 2013, com previsão orçamentária de R$
1.500.00,00 para capital, custeio e bolsas, e aceitava como proponentes elegíveis tanto
pesquisadores (mestres ou doutores vinculados à instituição de pesquisa ou ensino superior),
quanto inventores (sem exigência de vínculo institucional ou formação em nível superior). O
apoio financeiro era destinado para três tipos de modalidade relacionadas ao resultado
esperado do desenvolvimento. Primeiro, o projeto de produto assistivo, pelo qual se chegasse
a um conjunto de subsídios técnicos, bem definidos e detalhados, para um desenvolvimento
sequencial de um protótipo ou do produto assistivo em si. Nesta modalidade, o valor máximo
de propostas era até R$ 200.000,00. A segunda modalidade era para o protótipo de produto
assistivo ou produto assistivo, pelo qual se esperava alcançar a factibilidade de protótipo ou
produto assistivo, cujo desenvolvimento sequencial seria sua produção ou comercialização
para acesso ao público-alvo. Nesta modalidade, o valor máximo de propostas are até R$
253

200.000,00. Já a terceira modalidade era para o projeto de ações de TA, pelo qual poderia ser
implementada e sistematizada metodologia ou estratégia de TA que contribuísse para
aprendizagem, autonomia e/ou inclusão social de pessoas com deficiência. Nesta modalidade,
o valor máximo de propostas era até R$ 100.000,00.
Cabe mencionarmos que, o desenho deste edital é bastante semelhante aos moldes do
edital nº 006/2012 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas
(FAPEAM)130, lançado em conjunto a Secretaria de Estado de C&T e a Secretaria de Estado
dos Direitos da Pessoa com Deficiência também do Amazonas, no valor de R$ 2.500.000,00,
no âmbito do Programa Estadual de Atenção à Pessoa com Deficiência "Viver melhor",
versão estadual do PNDPD daquele estado.
As diferenças principais que observamos entre este edital da FAPEAM e o lançado
pela FAPESPA se refere, por um lado, à abertura para a modalidade de projetos de ações de
TA que não havia no da FAPEAM, estando este mais restrito a concepção do produto
assistiva. Por outro lado, a FAPESPA não mencionava que o edital nº 010/2013 era resultante
de alguma ação articulada de parceria com outras secretarias integrante do Plano Existir, o
que, ao menos textualmente, a FAPEAM explicitou.
Feitas essa descrição inicial, procuramos organizar características expressas
textualmente no edital nº 010/2013, seguindo componentes de análise similares aos
selecionados na composição dos discursos da política de CT&I no capítulo, com vistas a
identificar algumas orientações discursivas.

5.2.1 Concepção de tecnologia, especificamente de tecnologia assistiva

No item 6 de Definições é explicitada:

Tecnologia Assistiva: área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que


engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam
promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com
deficiência incapacidades ou mobilidade reduzida, visando à sua autonomia,
independência, qualidade de vida e inclusão social. (FAPESPA, 2013, p. 3).

Esta definição de TA usada no edital corresponde ao conceito elaborado pelo CAT, no


âmbito da política de garantia dos direitos das pessoas com deficiência, embora não tenha sido

130
Até o lançamento do edital nº 010/2013 pela FAPESPA, o CNPq ainda não havia lançado edital específico
para TA, a FINEP havia lançado quatro (4) editais específicos, porém com desenhos bem distintos, o mais
próximo em termos de linha temática e objeto geral seria a chamada nº 01/2011 (projetos cooperativos entre
Empresas Brasileiras e Instituições Científicas e Tecnológicas - ICT para o desenvolvimento tecnológico e a
inovação de produtos assistivos).
254

explicitada esta referência. Esta intertextualidade indica um alinhamento com o


desenvolvimento conceitual de TA daquela instância de política pública. As linhas temáticas
seguiram as categorias de deficiências previstas no decreto nº 5.296/2004: "deficiências
visuais", "deficiências auditivas", "deficiências físicas", "deficiências múltiplas", "deficiências
intelectuais", e "deficiência psicossocial". Também houve a citação explícita neste item do
edital que o enquadramento dos projetos também estaria em conformidade com a CDPcD:

No âmbito deste Edital serão apoiados projetos que se enquadrem preferencialmente nas
seguintes linhas temáticas, definidas consoante o tipo de deficiência classificada no
Decreto Nº 5.296 - de 2 de dezembro de 2004 e conforme as categorias da Convenção,
adotada pela ONU, sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Promulgado pelo Decreto 6.949, de 25/8/09. (FAPESPA, 2013, p. 5).

5.2.2 Quem produz conhecimento e tecnologia

No item 9 de critério de elegibilidade do edital, é previsto o enquadramento de dois


tipos de proponentes: "Pesquisador" (membro de instituição de pesquisa e/ou ensino superior)
e "Inventor" (sem exigência de formação superior e vinculação institucional) (FAPESPA,
2013, p. 7 e 8). Consideramos que a abertura para o personagem "Inventor", desvinculado da
comunidade de pesquisa, indica um afastamento de uma visão de CT&I centrada nesta
comunidade, e a aceitação a outros atores sociais além dos pesquisadores como competentes
para desenvolver tecnologia, em uma proximidade aos discursos de CT&I orientada para o
mercado ou de CT&I orientada para a sociedade.
Cabe esclarecermos que a FAPESPA não realizava fomento direto do tesouro estadual
a organizações com finalidades lucrativas, de modo que o personagem "Inventor" também
poderia ser uma abertura viável de contemplar empreendedores ou atores empresariais que
tivessem interesse em se candidatar para desenvolvimento do projeto.

5.2.3 Protagonistas e atores da política

Este componente de certa forma engloba o anterior e acrescenta outros atores da


política. Encontramos menção a atores e protagonistas da ação de fomento ao
desenvolvimento de TA em vários pontos do edital, sendo que interpretamos que os
protagonistas seriam os pesquisadores e inventores, tanto por serem o público a quem o edital
é direcionado, como em: "O Estado do Pará (...) torna público este Edital e convida os
interessados (pesquisadores e inventores) a apresentarem propostas nos termos aqui
255

estabelecidos." (FAPESPA, 2013, p. 1, grifo nosso). Quanto por ser o proponente que
assumirá as responsabilidades relacionadas à coordenação da proposta de projetos e ações a
serem realizadas com várias citações no decorrer do edital, como no item 17.1 "Do
coordenador da proposta aprovada (pesquisador/inventor)" (FAPESPA, 2013, p. 1, grifo
nosso).
Outros atores mencionados se referem a: (i) equipe da FAPESPA, como na citação
relacionada a ações de seleção e avaliação, como em "A equipe técnica da FAPESPA
procederá ao enquadramento das propostas" e "A avaliação dos relatórios, parcial e final,
apresentados pelo coordenador do projeto, será realizada pela área técnica da FAPESPA"
(FAPESPA, 2013, p. 11 e 15 respectivamente); (ii) outros membros da comunidade de
pesquisa citados enquanto papeis de "Comitê de Avaliação e Seleção" (formado por
pesquisadores) responsável pela "análise e julgamento de mérito e relevância das propostas",
"equipe do projeto" e "bolsistas" (FAPESPA, 2013, p. 11, 11, 3 e 14 respectivamente) e; (iii)
o mercado também é um termo explicitado no edital, e compreendemos que pode ser inserido
como um ator configurado na política ao assumir um papel de mediador ou condicionante
pelo qual os produtos assistivos desenvolvidos chegariam (ou não) ao acesso das pessoas com
deficiência. Nesta perspectiva, podemos mencionar as seguintes citações ao mercado no
edital.
No item 8 "Exigências Metodológicas por Modalidade":

b) Introdução: contextualiza a proposta com descrição do projeto, processos de solução,


produtos e política existentes, mercado, normas de legislação e usuários; (FAPESPA,
2013, p. 6, grifo nosso).

No item 9.2 "Critérios de elegibilidade da proposta":

f) O projeto deverá atender a uma das linhas temáticas deste Edital, conforme descrito
no subitem 7.2, bem como indicar explicitamente o produto assistivo objeto da
proposta e sua relevância para o mercado de Tecnologia Assistiva; (FAPESPA,
2013, p. 8, grifo nosso).

No item 12 "Critérios de Julgamento":

Abrangência e Mercado - Abrangência do projeto na solução dos problemas definidos


na linha temática específica / Impacto do produto, objeto do projeto, no mercado
e/ou importância estratégica para o público a que se destinará (FAPESPA, 2013, p. 11,
grifo nosso).

Estes critérios e exigência do edital relacionado a condições do mercado do projeto de


produto ou protótipo a ser desenvolvido, coloca o mercado, ao menos a priori, em uma
posição de atenção privilegiada para a elaboração e análise de propostas. Ou seja, estudar
256

condições de mercado, projetar o produto para ser relevante ao mercado ou ter impacto neste,
tornam-se critérios explicitamente importantes. Não há menção ou recomendação quanto ao
desenvolvimento de projetos de produtos ou protótipos de baixo custo ou economicamente
acessíveis, ou viáveis, a maioria das pessoas com deficiência, mesmo que seja reconhecido na
literatura e no movimento de TA, como no âmbito do CNRTA, as falhas de mercado no
atendimento da maior parte das pessoas que precisam destas soluções, como discutido na
seção anterior.
As Pessoas com deficiência também são citadas no edital com um sentido finalístico
das ações, como em:

Selecionar propostas para apoio financeiro a projetos de pesquisa que visem ao


desenvolvimento de produtos, protótipos de produtos, metodologias, estratégias,
práticas, serviços e ações que elevem a autonomia, independência, qualidade de vida
e inclusão social de pessoas com deficiência, com mobilidade reduzida e idosos
(FAPESPA, 2013, p. 1, grifo nosso).

Produto Assistivo: produto ou parte dele, equipamento ou sistema fabricado em série ou


sob medida, utilizado para aumentar, manter ou melhorar as capacidades funcionais
das pessoas com deficiência, baseados em protótipos de produtos (FAPESPA, 2013,
p. 4, grifo nosso).

As onze (11) menções que localizamos o termo "pessoa(s) com deficiência"


correspondem a este sentido finalístico de desenvolvimento tecnológico, o que é relevante
considerando-se a própria concepção de TA ter enquanto diferenciação conceitual sua
finalidade, como discutido anteriormente observando-se Galvão Filho (2013) e Garcia (2014).
Contudo, somente haver este tipo de sentido às pessoas com deficiência é uma restrição no
que tange a noção de empoderamento ou capacidade de engajamento destas pessoas.
Observamos que os demais atores mencionados, em geral, trazem um sentido acional, ou seja,
encontram-se em situação de sujeitos e acompanhados de verbos de ação ou potencial ação,
como nos trechos:

Do coordenador da proposta aprovada (pesquisador/inventor) (sujeito):


a) Examinar e assinar o ICCAF (ação), para certificar-se de seus direitos, deveres e
obrigações; (FAPESPA, 2013, p. 11, inserção em negrito entre parênteses nossa);

A equipe técnica da FAPESPA (sujeito) procederá (ação) ao enquadramento das


propostas (FAPESPA, 2013, p. 11, inserção em negrito entre parênteses nossa);

O Comitê de Avaliação e Seleção (sujeito) poderá fixar (potencial ação) critérios


adicionais de julgamento, além dos aqui estabelecidos (FAPESPA, 2013, p. 13, inserção
em negrito entre parênteses nossa).
257

A não menção das pessoas com deficiência nessa condição de sujeito-ação conduz a
uma perspectiva destas enquanto beneficiárias passivas do desenvolvimento tecnológico.
Corrobora com este entendimento, a questão que não há menção, recomendação de critério ou
exigência no edital em relação à participação de pessoas com deficiência, ou de associações
que as representem em qualquer etapa de ação da política, seja de formulação ou
concordância com o projeto, seja em sua implementação ou participação da equipe técnica,
seja de sua avaliação. A existência de previsões similares habilitaria um mecanismo
institucional para inserção destas pessoas ou de suas associações para participar do processo
de desenvolvimento, monitoramento ou avaliação da política, como proposto por MacLachlan
et al. (2018).
Esta configuração da pessoa com deficiência somente enquanto finalidade da política,
mas não habilitado textualmente enquanto sujeito, acoplado a esta um sentido de beneficiária
passiva, pode caracterizar uma forma de contradição com que Garcia (2014) se preocupava.
Embora o edital, no que se refere a conceitualização de deficiência e TA, se reporte
intertextualmente a conteúdos de enfoque da deficiência segundo o modelo social ou
biopsicossocial (CAT e CDPcD), quando adentra para o modus operandi da pesquisa e
desenvolvimento tecnológico ou da política de CT&I repete-se uma "receita" geral dos atores
convencionais (pesquisadores, inventores, mercado e burocracia). Por consequência, perde-se
de vista a inclusão e participação da pessoa com deficiência quanto à tomada de decisões que
afetam diretamente sua vida, caso próprio do desenvolvimento de TA. A nosso ver, pelo
menos textualmente perante o edital, tende ao mercado (em vez das próprias pessoas com
deficiência ou suas associações representativas) assumir papel de sinalizador ou mediador da
potencial demanda de TA pelas pessoas com deficiência, que estariam no papel de
consumidores.

5.2.4 Modelo de inovação

O conceito de inovação explicitamente adotado no edital é o previsto na Lei


11.196/2005, no que dispõe sobre incentivos fiscais a empresas que realizam atividade de
P&D para inovação tecnológica, também conhecida como Lei do Bem:

Considera-se inovação tecnológica a concepção de novo produto ou processo de


fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou características ao
produto ou processo que implique melhorias incrementais e efetivo ganho de qualidade
ou produtividade, resultando maior competitividade no mercado. (FAPESPA, 2013, p.
8).
258

Esta referência intertextual pertence ao conjunto de legislações alinhadas a ascensão


da agenda pró-inovação tecnológica empresarial na política de CT&I no país, cujo modelo de
inovação se ampara na noção de sistema nacional de inovação, estando o lócus no processo de
inovação centrado nas empresas.
Contudo, como vimos, o edital não prevê nem induz a participação direta das
empresas nos projetos de produto e protótipo (como foram os casos de editais da FINEP, o nº
01/2012 de subvenção econômica a empresas ou nº 01/2011 de projetos cooperativos entre
empresas-ICT), o que seria mais coerente ao discurso deste modelo, pelo reconhecimento dos
processos interativos necessários à inovação. Discursivamente, o edital direciona a atenção do
projeto de produto assistivo para inovação guiada pelo mercado, como já mencionamos no
item anterior. Mas, mantém o processo de criação de produtos em pesquisadores vinculados a
instituições de ensino superior ou pesquisa, ou em inventores individuais, de modo que
entendemos que o desenho do edital acaba por se configurar ainda em um modelo linear do
tipo market pull. Este modelo foi uma transição entre o modelo linear clássico, centrado na
ciência (science push) e o modelo interativo de inovação, centrado na empresa e suas
interações no sistema de inovação. Desta maneira, embora cite explicitamente instrumentos
orientadores típicos do discurso da CT&I orientada para o mercado (como a Lei do Bem), não
há uma aderência do edital ao formato e modo de operação de financiamento a este discurso,
uma vez que se mantém relativamente mais associado ao modelo linear de inovação.

5.2.5 Escopo Priorizado

Entendemos que o escopo priorizado pelo edital também apresenta nuances entre um
enfoque centrado na inovação em produtos assistivos (típico do discurso da CT&I orientada
para o mercado) e um enfoque finalístico de bem-estar para as pessoas com deficiência (típico
da CT&I orientada para a sociedade). A inovação guiada pelo mercado se configura como a
sequência imediata e de caráter necessário ao desenvolvimento tecnológico das modalidades
de projeto de produto assistivo e protótipo do produto assistivo previstos no edital e
correspondentes a reserva de 2/3 da alocação de recursos.

a) Promover suporte tecnológico de caráter inovador relevante para melhorar


condições de autonomia e independência; (FAPESPA, 2013, p. 1, grifo nosso).

8.2.1 Nesta modalidade, o resultado final dos projetos contratados deve apontar para a
factibilidade do protótipo de produto assistivo ou do produto assistivo de tal modo que
259

permita, na sequência imediata, sua produção e comercialização e o acesso à


inovação considerando o público-alvo que se beneficiará do produto. (FAPESPA, 2013,
p. 7, grifo nosso).

No item 12. "Critérios de Julgamento", a inovação também consta realçada em dois


critérios:

A - Mérito da proposta: relevância do produto objeto do projeto, originalidade,


potencial de inovação, metas, abordagem metodológica e resultados esperados.
(...)
D - Inovação - Grau de inovação do projeto em relação a outros projetos ou soluções
existentes. (FAPESPA, 2013, p. 11, grifo nosso).

Assim, apesar da finalidade do edital referir-se expressamente ao desenvolvimento de


projetos que elevam condições de autonomia, independência e qualidade de vida das pessoas
com deficiência, esta finalidade é operacionalizada ou representada na necessidade de
inovação, como vimos, orientada ao mercado. Esse amalgama formado pela finalidade de
atender as pessoas com deficiência e pela necessidade deste atendimento ser via inovação de
produtos guiada pelo mercado, remete-nos a concepção de TA no âmbito do paradigma
tecnológico-ecológico, que como comentamos anteriormente surge de modo mais compatível
da agregação de discursos do modelo social da deficiência com o da CT&I orientada para o
mercado na política de CT&I.
Contudo, cabe indicarmos que este desenho discursivo de fomento resulta em uma
subordinação do atendimento das necessidades de TA de pessoas com deficiência aos canais
do mercado empresarial, o que restringe estratégias e opções múltiplas para disponibilização
destes recursos a quem precisa. Uma vez que tende a incorporar falhas de mercado, já
anteriormente identificadas, tanto em relação à percepção limitada de demanda frente
amplitude de necessidades; quanto à oferta de produtos com preços elevados e com
fornecimento centralizado em centros urbanos com maior concentração econômica,
restringindo acesso a pessoas com menor poder aquisitivo e em territórios economicamente
periféricos.

5.2.6 Apontamentos sobre interdiscursividade no edital nº 010/2013

Essas observações demonstram que no edital nº 010/2013 há substancial


interdiscursividade permeando a temática de TA na política de CT&I. Apesar da temática da
garantia de direitos das pessoas com deficiência conseguir chegar a agenda da política de
CT&I por meio da TA e de ser construída enquanto uma iniciativa que finalisticamente
260

procura direcionar o desenvolvimento da CT&I para atendimento de uma parcela da


população que sofre diversas condições de desigualdades, o que seria uma finalidade
tipicamente associada a um discurso de CT&I orientada para a sociedade, encontramos na
maioria dos componentes de análise uma prevalência de orientações discursivas associadas ao
discurso da C&T auto orientada (como no que tange ao modelo de inovação linear e ao
protagonismo de pesquisadores) e ao discurso da CT&I orientada para o mercado (como em
relação a priorização de escopo à inovação, e do projeto de produto de TA ser guiado pelo
mercado).
Esse amálgama ou combinação entre os discursos da C&T auto orientada e da CT&I
orientada para o mercado já havia sido discutido no capítulo 2, enquanto uma expressão da
política de CT&I brasileira. Visto que, o discurso da inovação tecnológica aqui cumpre um
papel legitimador da política mobilizada pela própria comunidade de pesquisa, sem que se
efetive as condições locais em termos de dinamismo inovador empresarial que pudesse
estabelecer uma real divisão do poder dos pesquisadores no âmbito da política de CT&I e
provocasse mudanças disruptivas em suas práticas.
Por esta substancial interdiscursividade no edital analisado, compreendemos que este
represente um tipo de disputa discursiva em torno do que estamos denominando de CT&I
orientada para a sociedade. Como explicamos no capítulo 2, esta orientação discursiva está
emergindo, portanto, em processo ainda de conformação, em meio a uma variedade de
movimentos discursivos que contestam (em maior ou menor amplitude) um conjunto de
aspectos dos discursos dominantes.
Portanto, considerando a noção de espaços de lutas hegemônicas no âmbito de
discursos como indicado por Fairclough (2001), entendemos que, embora um escopo de
preocupação distributiva, típico deste discurso de CT&I orientada para a sociedade, tenha
conseguido chegar a agenda em disputa com os demais temas prioritários em outros discursos,
essa disputa se desdobrará e será constante em todas as atividades do processo de política,
incluindo a de formulação como vimos neste edital, e as demais como na implementação e
avaliação (pontos a serem discutidos em seguida).
Neste sentido, apesar de haver uma abertura para um enfoque distributivo na agenda
da política de CT&I, este pode ser capturado pela racionalidade institucionalizada do discurso
dominante, que tende a conformar a finalidade precípua (atendimento a pessoas com
deficiência) aos seus próprios objetivos discursivos prioritários (promoção de inovação
tecnológica para competitividade de mercado ou fortalecimento de grupos de pesquisa
261

científica), havendo o risco, assim, que os "meios" tornem-se os "fins" de fato do fomento e
da política.
No âmbito deste tipo de disputa discursiva, que interpretamos as tensões e
contradições no desenvolvimento de TA expostas por Garcia (2014), pelo qual ressaltamos a
necessidade de uma postura de autorreflexividade da comunidade de pesquisa sobre o seu
fazer científico-tecnológico e político. Uma vez que essas tensões, contradições e disputas
discursivas refletidas no texto, nem sempre são reconhecidas e tornadas claras pelos
pesquisadores, atores políticos dominantes da política de CT&I, enquanto resultante de um
processo coletivo de representação de mundo destes, o que por sua parte, exigiria uma
reflexão quanto a conformação de crenças e práticas sobre CTS de cada pesquisador.
A partir desta perspectiva de múltiplas orientações discursivas interagindo no edital nº
010/2013, e dos possíveis desafios às práticas de pesquisa e desenvolvimento de TA
engendrados, nossa análise seguirá para verificar os projetos selecionados e implementados.

5.3 PROJETOS DESENVOLVIDOS E AS AÇÕES MATERIAIS DAS PESQUISAS


FOMENTADAS EM TECNOLOGIA ASSISTIVA

Nesta seção, iniciaremos a análise do desenvolvimento de TA no âmbito dos projetos


financiados no edital nº 010/2013, especificamente no que tange as ações materializadas.
Assim, fazemos uma aproximação aos projetos executados, por meio de uma caracterização
geral destes, e, posteriormente, examinamos suas ações materiais em termos dos produtos e
resultados das atividades realizadas nestes.

5.3.1 Caracterização geral dos projetos

Nesta subseção, descreveremos algumas características dos quinze (15) projetos


selecionados no edital nº 010/2013, cujo somatório dos valores aprovados totalizaram R$
657.491,59, menos da metade do valor orçamentário previsto no edital (R$ 1.5000.000,00),
com o menor valor aprovado correspondendo a R$ 16.078,00 e o maior valor a R$ 81.184,00,
sendo, portanto, projetos com relativamente pequena alocação financeira. Em termos
contextuais, cabe indicarmos que o comitê de avaliação e seleção do edital foi formado por
pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR), nas áreas de conhecimento de
psicologia e ciência da computação. Informações gerais dos quinze (15) projetos são expostas
no quadro 21, pelo qual observamos algumas características iniciais.
262

A maioria dos projetos selecionados corresponderam a modalidade de "projeto de


produto assistivo" (12 projetos), somente três (3) na modalidade de projeto de ações de TA e
nenhum na modalidade de "protótipo ou produto assistivo". Substancial maioria dos projetos
selecionados foram elaborados por pesquisadores vinculados a instituições de ensino superior
e pesquisa (14 projetos no total, considerando 1 projeto submetido/contratado com perfil
inventor por opção do pesquisador).
Quanto aos três núcleos de pesquisa e desenvolvimento em TA existentes no estado
vinculados a RNPDTA, somente o NEDETA da UEPA teve projetos associados aprovados.
Os projetos ainda ficaram concentrados na UEPA, com 6 projetos (tanto de produtos quanto
de ações de TA), e na UFPA, com 7 projetos, todos de produto assistivo. Além dessas duas
universidades, somente o CESUPA também aprovou um projeto.
Em relação aos tipos de deficiência direcionados para atendimentos pelos projetos,
identificamos uma prevalência das deficiências físicas, seguidas das deficiências intelectuais,
conforme gráfico 2. Cabe indicarmos que os proponentes podiam indicar até duas linhas
temáticas de atendimento pelo projeto, embora nenhum tenha selecionado a opção de
deficiências múltiplas, 6 selecionaram dois tipos distintos de deficiências enquanto atendidos
pelo mesmo projeto.

Gráfico 2 – Número de projetos aprovados no edital nº 010/2013 da FAPESPA, de acordo com os


tipos de deficiência atendidos

Fonte: Elaborado pela autora (2019).


263

Quadro 21 - Informações gerais dos projetos aprovados no edital nº 010/2013 da FAPESPA


Código do Valor Município de Área do
Título do projeto Perfil Modalidade Linha temática Instituição1 Vigência
projeto contratado aplicação conhecimento1
Rota urbana voicer: uma plataforma
tecnológica de acesso às informações Projeto de Ciência da 11/04/2014 a
1 Pesquisador 25.100,00 Deficiências visuais UFPA Belém3
sobre mobilidade urbana baseado em produto assistivo computação 11/08/2015
acessibilidade à deficientes visuais
Brincando com a leitura: Deficiências físicas
Projeto de Ciência da 11/04/2014 a
2 desenvolvimento de aplicativo acessível Pesquisador 70.871,00 e Deficiências CESUPA Belém
produto assistivo computação 11/04/2016
para dispositivos móveis intelectuais
São Francisco do
Projeto de ações Deficiências
Pará, Magalhães 11/04/2014 a
3 Acessibilidade a partir da pré-escola Pesquisador 58.739,24 de tecnologia auditivas e UEPA Educação
Barata, Igarapé- 11/04/2015
assistiva Deficiências visuais
Açu e Maracanã
Calculadora de fração com hardware livre Projeto de Ciência da 11/04/2014 a
4 Pesquisador 21.985,00 Deficiências visuais UEPA Belém
e aberto para deficientes visuais produto assistivo computação 11/10/2015
Desenvolvimento de dataglove de baixo
Fisioterapia e
custo para reabilitação em ambiente Projeto de 11/04/2014 a
5 Pesquisador 67.156,60 Deficiências Físicas UFPA Belém Terapia
virtual para pacientes com mão parética produto assistivo 11/04/2015
Ocupacional
acometidos por acidente vascular cerebral
Jogos computacionais para o processo de
Projeto de Deficiências Ciência da 11/04/2014 a
6 ensino‐ aprendizagem de crianças com Pesquisador 56.134,00 UFPA Belém
produto assistivo Intelectuais computação 11/04/2015
deficiência intelectual

Deficiências Físicas;
Cysm: um aplicativo mobile que auxilia Projeto de Ciência da 11/04/2014 a
7 Pesquisador 22.956,30 Deficiências UFPA Belém4
pessoas com deficiência da fala produto assistivo computação 11/04/2015
Intelectuais

Desenvolvimento de kits experimentais UFPA


Projeto de 11/04/2014 a
8 de física para alunos com deficiência Pesquisador 81.184,00 Deficiências Visuais (atual Marabá Física
produto assistivo 11/04/2015
visual UNIFESSPA)
264

Código do Valor Município de Área do


Título do projeto Perfil Modalidade Linha temática Instituição1 Vigência
projeto contratado aplicação conhecimento1
Deficiências
Estratégias metodológicas de Projeto de ações
Auditivas; 11/04/2014 a
9 alfabetização de jovens e adultos surdos e Pesquisador 64.600,00 de tecnologia UEPA Belém Educação
Deficiências 11/10/2015
com deficiência intelectual assistiva
Intelectuais
Fisioterapia e
Prótese funcional para amputação parcial Projeto de 11/04/2014 a
10 Inventor 16.078,00 Deficiências Físicas -2 Belém Terapia
de mão produto assistivo 11/04/2015
Ocupacional
Reabilitação de pacientes com implante
Projeto de Deficiências 11/04/2014 a
11 coclear utilizando uma nova abordagem Pesquisador 22.200,00 UFPA Belém Medicina
produto assistivo Auditivas 11/04/2015
na análise da percepção auditiva
Desenvolvimento de aplicativo para
dispositivos móveis para avaliação e Deficiências Físicas; Fisioterapia e
Projeto de 11/04/2014 a
12 estimulação cognitiva de crianças com Pesquisador 24.690,00 Deficiências UEPA Belém Terapia
produto assistivo 11/10/2015
paralisia cerebral ‐ aplicativo Intelectuais Ocupacional
Desenvolve

Deficiências
Voxlaps: um vocalizador aberto para Projeto de Ciência da 11/04/2014 a
13 Pesquisador 24.473,49 Intelectuais; UFPA Belém
plataformas móveis produto assistivo computação 11/04/2015
Deficiências Físicas

Implementando recursos de comunicação Projeto de ações Fisioterapia e


11/04/2014 a
14 alternativa na inclusão escolar de alunos Pesquisador 32.643,96 de tecnologia Deficiências Físicas UEPA Belém Terapia
11/10/2015
com paralisia cerebral assistiva Ocupacional
Daardo ‐ dispositivo assistivo adaptável Projeto de Engenharias - 11/04/2014 a
15 Inventor 68.680,00 Deficiências Físicas - Belém
a refrigerador doméstico produto assistivo Eng. Naval 11/04/2015
1
Dados referente ao proponente cadastrados no projeto submetido.
2
Apesar de ter sido submetido e contratado no perfil inventor, este projeto foi desenvolvido por pesquisador vinculado a UEPA.
3
A sede institucional de desenvolvimento do projeto era no Campus de Castanhal da UFPA, conforme vínculo do proponente, mas o software foi projetado para atender o
município de Belém.
4
A sede institucional de desenvolvimento do projeto era no Campus de Cametá da UFPA, conforme vínculo do proponente, mas o software foi testado e aplicado em
atendimentos no município de Belém.
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
265

Para concluir esta caracterização inicial, observamos também uma concentração de


projetos cujo desenvolvimento e aplicação foi no município em Belém e sua região
metropolitana, capital do estado. Onze (11) projetos foram desenvolvidos por equipes de
CT&I em Belém, com testes ou aplicações também neste município. Somente dois projetos
tiveram desenvolvimento e aplicação específica voltada a pessoas com deficiência em
municípios do interior do estado, alcançando no total 5 outros municípios. E outros dois
projetos, tiveram seu desenvolvimento em sedes institucionais de municípios no interior
(Castanhal e Cametá), mas com aplicação voltada ao atendimento de público-alvo em Belém,
em virtude a parcerias e condições de atendimento já estruturadas neste município.

5.3.2 Produtos e alcances materiais

A partir desta visão inicial, buscamos entender os resultados previstos e alcançados


pelos projetos, e neste âmbito, duas observações são necessárias. A primeira é que focamos no
que consideramos resultados finalísticos ao objetivo do edital, ou seja, o desenvolvimento de
produtos e ações de TA que ampliem a autonomia, independência e qualidade de vida das
pessoas com deficiência, de modo que resultados outros relacionados, por exemplo, a
elaboração, apresentação ou publicação de trabalhos científicos ou o estabelecimento de
grupos de pesquisa não serão objeto de nossa atenção neste momento, sendo parcialmente
abordado na próxima subseção. A segunda é que, como indicamos anteriormente, exceto os
três projetos de ações em TA, todos os demais foram aprovados na modalidade de projeto de
produto assistivo, cuja obrigação pelo edital não seria entregar o produto pronto, mas alcançar
o detalhamento dos subsídios técnicos que permitissem gerar na sequência seguinte de
desenvolvimento a materialização do protótipo ou produto. Desta forma, logo ressaltamos que
todos os projetos cumpriram com tal obrigação, mas houve considerável variação no estágio
de entrega dos resultados, desde o estágio de prototipagem até o produto pronto em
funcionamento, como veremos. Novamente, como nosso enfoque está no alcance finalístico,
examinaremos esta variação, com vistas a perceber efeitos proporcionados pelo fomento
público na sociedade, mesmo entendendo ir além da exigência do edital para com os
pesquisadores, e fazendo a ponderação que muitos dos projetos de produtos propostos já
tinham uma trajetória de desenvolvimento anterior ao edital, o qual teve como prazo padrão
somente 12 meses.
266

Elaboramos o quadro 22, baseados na pesquisa documental dos relatórios técnicos


finais dos projetos e complementados com entrevistas com pesquisadores de 11 projetos. Dos
quinze (15) projetos, a maioria (8 projetos) envolveu o desenvolvimento de software, seguido
de 6 projetos relacionados a construção de algum tipo de aparelho material, prótese/órtese ou
dispositivo, e sendo que destes, 2 projetos previram o desenvolvimento de software
combinado com dispositivo.
Somente quatro (4) projetos entregaram produtos na fase de protótipo, a maioria (9
projetos) tiveram produtos ou resultados efetivados, em alguma medida, em melhoria da
qualidade de vida ou autonomia da pessoa com deficiência, apesar de dificuldades para
ganhar escala de alcance.
Das 8 propostas de software, 5 (63%) alcançaram disponibilidade ao usuário, 3 em uso
em atendimentos de núcleo especializado e 3 disponibilizados gratuitamente em lojas virtuais
de aplicativos. As principais dificuldades de disponibilização ou manutenção desta
disponibilização ao usuário de softwares indicadas em entrevistas se referiram a necessidade
de suporte contínuo e atualizações constantes por mudanças em plataformas e sistemas
operacionais, que demandam equipe dedicada, que, no entanto, é desmobilizada após os
projetos. No caso dos softwares em uso em unidades especializadas de atendimento, algum
suporte tem sido provido via articulação destas unidades.
Em relação aos produtos que abrangeram a confecção de aparelhos, dispositivos ou
próteses/órteses, 4 (67%) alcançaram algum tipo de uso, com três estratégias distintas. No
caso de materiais que seriam utilizados em atendimentos combinados com softwares (luva
eletrônica e acionador remoto) foram confeccionados em número suficientes para os
atendimentos institucionais, mas não concedidos para os usuários. No caso dos kits de física,
foram construídos e mantidos em laboratório da universidade para oficinas, feiras e visitações
de alunos e professores. E, no caso das próteses, estas devem ser entregues as pessoas com
deficiência para uso diário, até o momento da entrevista o pesquisador responsável indicou
que são desenvolvidas no âmbito de atividades de extensão por alunos vinculadas a unidade
de atendimento especializado, mas a estratégia para melhorar e ampliar o atendimento é a
habilitação junto ao SUS de uma oficina ortopédica para produção e concessão destas próteses
de forma regular pela rede de atendimento institucionalizada.
267

Quadro 22 – Informações sobre resultados dos projetos aprovados no edital nº 010/2013 da FAPESPA
Código TA foi Como foi pensada a
do Modalidade Aplicado a Tipo de produto Resultados identificados disponibilizada para disponibilização/acesso do público-alvo
projeto público-alvo? (independentemente de seu alcance)
Projeto de
Mobilidade Disponibilização do software gratuita via
1 produto Software Software desenvolvido até a fase de prototipagem. Não
urbana internet
assistivo
Software e acionador em uso em núcleo especializado
Software e
Projeto de Educação e em TA. Disseminação do software pelo período de 2 a Acesso via rotina de atendimento por núcleo
aparelho,
2 produto tratamento 3 anos em lojas virtuais gratuitamente. Sim especializado. E, disponibilização do
prótese/órtese e
assistivo terapêutico Disseminação do acionador de baixo custo via oficinas software gratuita via internet.
dispositivo
realizadas para construção na universidade.
Projeto de
ações de Impressão gráfica do livro para distribuição
3 Educação Livro Protótipo do livro elaborado para impressão. Não
tecnologia a escolas
assistiva
Disponibilização da especificação e do
Projeto de Aparelho, esquemático do hardware, bem como do
4 protótipos de calculadoras montados e testados, com
4 produto Educação prótese/órtese e Não código fonte usado na programação da
elaboração de proposta de aula para aplicação.
assistivo dispositivo calculadora em licenças que permitem
reutilização e melhoria dos mesmos.

Software e
Projeto de Reabilitação e Em torno de 100 luvas de baixo custo confeccionadas e Sim, no âmbito de A luva (órtese) poderia ser credenciada para
aparelho,
5 produto tratamento de software para aplicação em atendimentos a estudo clínico (40 concessão enquanto instrumento de
prótese/órtese e
assistivo terapêutico pacientes encaminhados. pacientes). reabilitação via atendimento do SUS.
dispositivo
Disponibilização para download para uso
Projeto de
Software estabilizado disponibilizado para especializado por pesquisadores e
6 produto Educação Software Não
pesquisadores para testes e pesquisas aplicadas. professores ou transferência para empresa
assistivo
para suporte e comercialização.
Projeto de Comunicação Software em uso em núcleo especializado em TA e
Disponibilização do software gratuita via
7 produto Aumentativa e Software disponibilizado gratuitamente em loja virtual (Play Sim
internet
assistivo Alternativa Store).
268

Código TA foi Como foi pensada a


do Modalidade Aplicado a Tipo de produto Resultados identificados disponibilizada para disponibilização/acesso do público-alvo
projeto público-alvo? (independentemente de seu alcance)
Localmente, via oficina e feiras na
Projeto de Aparelho, 17 Kits experimentais de física 1, 2 e 3, de baixo custo, Sim, por meio de
universidade. Nacionalmente, via
8 produto Educação prótese/órtese e acessíveis a pessoas com deficiência visual construídos realização de oficinas e
transferência tecnológica de patente
assistivo dispositivo e disponíveis no laboratório de física da universidade. feiras locais
registrada para indústria.
Projeto de Assessoria pedagógica para construção da
Proposta político- Propostas político-pedagógicas específicas para EJA
ações de proposta político-pedagógica e dos materiais
9 Educação pedagógica e na educação inclusiva e materiais didáticos elaborados Sim
tecnologia didáticos, a partir da vivencia dos alunos e
material didático e doados para as duas escolas parceiras
assistiva professores de cada escola.
Modelo de prótese desenvolvida. Peças personalizadas
Projeto de Reabilitação e Aparelho, Atendimentos via unidade especializada
desenvolvidas e entregues a pessoas com deficiência
10 produto tratamento prótese/órtese e Sim habilitada pelo SUS. Previsão de instalação
via atendimento em unidade especializada da
assistivo terapêutico dispositivo de uma oficina ortopédica via SUS.
universidade.
Disponibilização do conjunto de
Projeto de Reabilitação e Software simulador de estímulos auditivos
componentes de software de forma livre via
11 produto tratamento Software desenvolvido para testes da pesquisa, metodologia para Não
internet para a comunidade científica e
assistivo terapêutico personalização da reabilitação a ser desenvolvida.
profissionais.
Projeto de Educação e Acesso via rotina de atendimento por núcleo
12 produto tratamento Software Software em uso em núcleo especializado em TA. Sim especializado. E, disponibilização do
assistivo terapêutico software gratuita via internet.
Software em uso no núcleo especializado em TA,
Projeto de Comunicação disponibilizado gratuitamente em loja virtual
Disponibilizado aplicativo para plataforma
13 produto Aumentativa e Software (PlayStore), e disseminado em duas organizações sem Sim
Android via internet (PlayStore).
assistivo Alternativa fins lucrativos de atendimento a pessoas com
deficiência.
Projeto de Educação e Oficinas de formação para professores de
Oficinas de formação para professores e assessoria
ações de Comunicação Oficinas de escolas regulares públicas. Suporte
14 para criar instrumentos de comunicação alternativa de Sim
tecnologia Aumentativa e materiais didáticos continuado por algum tipo de serviço
baixo custo.
assistiva Alternativa especializado de TA na rede de educação.
Projeto de Aparelho,
Indústria / Produção e divulgação do dispositivo
15 produto prótese/órtese e Protótipo construído em escala real Não
Eletrodoméstico posteriormente.
assistivo dispositivo
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
269

No que tange aos projetos de ações de TA, todos estavam voltados a ações inclusivas
em escolas públicas e envolveram a realização de oficinas de formação com professores,
sendo que 2 (67%) alcançaram o uso proposto no dia-a-dia das atividades de aprendizagem,
embora com enfoques distintos, pois um se referiu a escolas de educação especializada com
ampla extensão de intervenção, envolvendo o âmbito do projeto político-pedagógico, e outro
correspondia a atividade específica e transversal em escolas de ensino regular, com salas de
recursos multifuncionais, com o aprendizado dos professores para elaboração de comunicação
alternativa. O terceiro projeto, apesar de realizar oficina com professores, previra a entrega de
material didático (livro) para aplicação junto aos alunos, o que não ocorreu por limitações de
prazo do projeto.
Uma característica comum entre a maioria dos projetos é que estavam voltados para
produção de TA de baixo custo e/ou desenvolvimento aberto e disponibilização livre, neste
caso particularmente de softwares. Dos projetos executados, 7 explicitaram preocupação com
enfoque de baixo custo ou economicamente viável, e 13 previram como principal estratégia
de disseminação da TA para acesso do público-alvo a disponibilização aberta/gratuita ou via
serviços públicos. Chamamos atenção para isso, pois, como mencionamos anteriormente, no
edital não havia direcionamento explícito para abordagens de baixos custos e a disseminação
conjeturada na sequência de desenvolvimento seria via mercado.
Dos 11 pesquisadores responsáveis por projetos deste edital que conseguimos
contatos, somente 4 (3 responsáveis por software e 1 por dispositivo) citaram a possibilidade
de transferência tecnológica do produto desenvolvido/em desenvolvimento a empresas em
entrevista ou em relatório técnico, mas até o final de 2018 nenhum tinha efetivamente feito ou
recebido algum contato nesse sentido, nem demonstraram ter informações sobre
sustentabilidade financeira ou atratividade do negócio. Destes 4, 2 tiveram produtos com
algum alcance de uso de pessoas com deficiência, ambos por meio de atendimento da rede
pública e um adicionalmente por disponibilização gratuita de software.
Deste modo, entendemos que, embora não havia exigência dos projetos de produtos
assistivos proverem recursos prontos para uso, esse enfoque havia sido previsto e foi
alcançado pela maioria dos projetos. Da mesma forma, apesar de não haver direcionamento
via edital a questão da viabilidade econômica ou baixo custo dos recursos de TA para que
sejam acessíveis efetivamente ao público-alvo, houve considerável conscientização e
abordagem dos pesquisadores aprovados sobre este enfoque. Por fim, por mais que tenha sido
textualmente explicitado a difusão dos produtos voltados a comercialização via mercado no
edital, os canais efetivos para os produtos que alcançaram alguma medida de uso foram por
270

meio de sua inserção via atendimentos em serviços da rede pública ou via disponibilização
gratuita. Embora não se descarta a possibilidade de transferência ao mercado para
continuidade ou oferta efetiva de produtos desenvolvidos, não foram feitas articulações neste
sentido, nem pelos pesquisadores contatados, nem pela FAPESPA.
Fazemos essas observações no sentido de indicar que, por um lado, a maioria dos
pesquisadores aprovados já estava sensibilizada por questões relacionadas ao
desenvolvimento de TA, no que tange a relevância do fator custo e acesso viável; por outro
lado, os canais de disseminação mais acessados ou permito efetividade por estes
pesquisadores foram via rede de atendimento público ou a disponibilização gratuita via
internet, no caso de softwares. De modo que, compreendemos que a não explicitação do
requisito de ser economicamente viável e os critérios de direcionamento de disseminação via
mercado no edital não refletia uma posição ou prática dos atores locais do campo de TA com
projetos aprovados, e nem afetou consideravelmente o desenho dos projetos por estes
propostos. Conquanto, a possibilidade de explicitação de requisitos de viabilidade econômica
e previsão de múltiplos canais de disseminação, inclusive a rede pública governamental (que
se demonstrou a mais efetiva aos produtos e ações desenvolvidas), não deve ser descartada
enquanto potencial orientação e planejamento de propostas futuras destes e de novos atores no
campo, embora saibamos que a configuração discursiva do edital envolve tanto uma
necessidade de legitimidade frente ao perfil de editais existentes no campo de política, quanto
disputas entre orientações discursivas da política de CT&I, em geral.

5.4 ATORES POLÍTICOS E INTER-RELAÇÕES SOCIAIS

Nesta subseção, objetivamos verificar características dos coordenadores de projetos


aprovados no edital nº 010/2013, em um primeiro recorte voltado a identificação de alguns
vínculos e associações entre os pesquisadores (quadro 23), e um segundo recorte focado nas
interações destes com grupos de pessoas com deficiência e a participação destas nos projetos
(quadro 25).
Pelo que verificamos, entre os pesquisadores entrevistados (11), seis (6) já tinham ou
estavam atuando com desenvolvimento de TA antes do edital, e para 5 o edital foi a
oportunidade de iniciar atividades nesta área. Entre esses 11, após o projeto, nove (82%)
continuaram a atuar neste campo, representando um substancial efeito disseminador da
temática entre os pesquisadores participantes do edital, mesmo considerando somente em
271

2017 foi lançado um novo edital de fomento estadual, o qual ainda em dezembro de 2018 não
havia resultado aprovado.
Também observamos que, na submissão do projeto, houve certa busca de articulação
entre alguns proponentes, estando ao menos 7 atuando como membros de outros projetos
aprovados. Entendemos que isso indique também que já havia uma certa visibilidade de
pesquisadores que atuavam no campo localmente, com interesses e competências inter-
relacionados.
Dentre os projetos aprovados, a pesquisadora Ana Irene Alves de Oliveira,
coordenadora do NEDETA/UEPA, foi a que estava inscrita na equipe de maior número de
projeto (projeto 2, 12, 13 e 14), embora não tenha tido projeto aprovado enquanto proponente.
Sobre a articulação de projetos em torno do NEDETA/UEPA, identificamos dois projetos
cujos proponentes eram membros do núcleo (projetos 12 e 14), além destes outros três
coordenadores indicaram ter parcerias firmadas com o núcleo para desenvolvimento de seus
projetos (projetos 2, 7 e 13). Esses três projetos eram da área da ciência da
computação/sistemas de informação, e indicaram que a articulação com o NEDETA iniciou
desde a demanda para produto, incluindo o suporte da equipe de fisioterapeutas e terapeutas
ocupacionais do núcleo em todas as fases de desenvolvimento (definição de requisitos, testes
de conceito e testes de usabilidade com o público-alvo). Tal articulação, assim, propiciou
interdisciplinaridade na execução dos projetos e o NEDETA atuou como articulador e
mediador junto ao público-alvo de atendimento, crianças com deficiência.
272

Quadro 23 – Informações e vínculos institucionais e associações de coordenadores de projetos aprovados no edital nº 010/2013 da FAPESPA.
Código Experiência Inscrito na Parceria em C&T Interagiu com Experiência
Perfil do Instituição & Área do
do Grupos de pesquisa (DGP/CNPq) anterior ao equipe de para execução do outros projetos posterior em
coordenador Unidade conhecimento
projeto projeto em TA? outro projeto? projeto? do edital? TA?
Grupo de Pesquisa em Computação
UFPA
Aplicada do Campus Universitário de
Campus de
Ciência da Tucuruí-UFPA; Laboratório de
1 Pesquisador Castanhal - Não Não - Não Não
computação Engenharia de Software-UFPA;
Faculdade de
Laboratório de Desenvolvimento de
Computação
Sistemas-UFPA; Neuromatika-UFPA
CESUPA
Alzheimer Group - CESUPA; Inovação
Coordenação em Ciência da
2 Pesquisador tecnológica e Inclusão social - UEPA; Sim Não NEDETA/UEPA Não Sim
Sistemas de computação
Tecnologias sociais - CESUPA
Informação
Grupo de Estudos e Pesquisas em
Educação Especial na Amazônia-UEPA;
UEPA
Infância, Cultura e Educação-UEPA;
Centro de Ciências (sem Sim (sem (sem
3 Pesquisador Educação Núcleo de Estudos e Pesquisas em Direito -
Sociais e Educação informação) (projeto 9) informação) informação)
à Educação-Educação Especial-
(CCSE)
UFSCAR; Rede Educação Inclusiva na
Amazônia-UEPA
Grupo de Estudos em Cognição e
Educação Matemática - UEPA; Grupo de
UEPA Pesquisa em Educação Matemática-
Centro de Ciências Ciência da UEPA; Grupo de Pesquisa em Sim UFRJ
4 Pesquisador Não Não Sim
Sociais e Educação computação Tecnologias da Informação e (projeto 5) (DOSVOX)
(CCSE) Comunicação na Amazônia-IFAP; Grupo
de Pesquisas em Ensino da Matemática e
Tecnologias-UEPA
Lab. Estudo do
Ciências da Movimento Humano-
UFPA Estrutura, função e disfunções corticais-
Saúde - UFPA; UEAFTO-
Instituto de UFRJ; NEUROMATIKA-UFPA;
5 Pesquisador Fisioterapia e Não Não UEPA; URE Demétrio Não Sim
Ciências da Saúde Neuroplasticidade e Comportamento-
Terapia Medrado-SESPA; e
(ICS) UFPA; Parkinson Group–UFPA
Ocupacional Instituto do Cérebro-
UFRN
273

Código Experiência Inscrito na Parceria em C&T Interagiu com Experiência


Perfil do Instituição & Área do
do Grupos de pesquisa (DGP/CNPq) anterior ao equipe de para execução do outros projetos posterior em
coordenador Unidade conhecimento
projeto projeto em TA? outro projeto? projeto? do edital? TA?
UFPA Instituto Nacional de
Análise Experimental do
Instituto de Ciência da Sim C&T sobre
6 Pesquisador Comportamento–UFPA; Ciência, Sim Não Sim
Ciências Exatas e computação (projeto 11) Comportamento,
Tecnologia e Arte–UFPA
Naturais (ICEN) Cognição e Ensino
UFPA
Campus Cametá -
Ciência da Sim
7 Pesquisador Faculdade de (não localizado) Não NEDETA/UEPA Não Não
computação (projeto 6)
Sistemas de
Informação
Física Médica-UFS; Física Médica
Aplicada-UNIFESSPA; Grupo de
Estudos em Socioeconômica,
UFPA Empreendedorismo e Inovação- Universidade Federal de
(UNIFESSPA) UNIFESSPA; Grupo de Ciências dos Sergipe; Universidade
(sem (sem (sem
8 Pesquisador Campus Marabá - Física Materiais, Biomoléculas e Novas Não Federal de Santa Maria
informação) informação) informação)
Faculdade de Tecnologias da Amazônia-UNIFESSPA; e Universidade Federal
Física Grupo de Pesquisa em Ensino de Física do Vale do Acaraú.
do Sul e Sudeste do Pará-UNIFESSPA;
Núcleo de Inovação Tecnológica-
UNIFESSPA
Núcleo de Educação Popular Paulo
Freire–UEPA; Observatório Nacional de
Educação Especial-UFSCAR; Estudos e
UEPA
Pesquisas em Educação de Jovens e
Centro de Ciências
9 Pesquisador Educação Adultos-UFSC; Educação Intercultural e Não Não - Não Sim
Sociais e Educação
Movimentos Sociais-UFSC; O
(CCSE)
pensamento de Paulo Freire na educação
brasileira - PUC/SP; Rede Educação
Inclusiva na Amazônia – UEPA
UEPA
Fisioterapia e Inovação tecnológica e Inclusão social-
Centro de Ciências Sim
10 Inventor Terapia UEPA; Terapia ocupacional e saúde na Sim Não Não Sim
Biológicas e da (projeto 5)
Ocupacional Amazônia-UEPA
Saúde (CCBS)
274

Código Experiência Inscrito na Parceria em C&T Interagiu com Experiência


Perfil do Instituição & Área do
do Grupos de pesquisa (DGP/CNPq) anterior ao equipe de para execução do outros projetos posterior em
coordenador Unidade conhecimento
projeto projeto em TA? outro projeto? projeto? do edital? TA?
UFPA
Instituto de (sem (sem (sem
11 Pesquisador Medicina - Não (sem informação)
Ciências da Saúde informação) informação) informação)
(ICS)
UEPA
Fisioterapia e Sim
Centro de Ciências Inovação Tecnológica e Inclusão social- Sim CNRTA e CEMPRA-
12 Pesquisador Terapia Sim (projeto 2, 7, 10, Sim
Biológicas e da UEPA (projeto 14) CTI Renato Archer
Ocupacional 13 e 14)
Saúde (CCBS)
UFPA LabVIS - Visualização, Interação e
Instituto de Ciência da Sistemas Inteligentes-UFPA; Vozes da
13 Pesquisador Sim Não NEDETA/UEPA Não Sim
Ciências Exatas e computação Amazônia-UFPA; Inovação tecnológica e
Naturais (ICEN) Inclusão social-UEPA
UEPA
Fisioterapia e Inovação Tecnológica e Inclusão social–
Centro de Ciências Sim Sim
14 Pesquisador Terapia UEPA; Terapia Ocupacional e Saúde na Sim - Sim
Biológicas e da (projeto 12) (projeto 12)
Ocupacional Amazônia-UEPA
Saúde (CCBS)
Engenharias - (sem (sem (sem
15 Inventor - (não localizado) Não Não
Eng. Naval informação) informação) informação)
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
275

Em termos de grupos de pesquisa, encontramos atualmente dezoito (18) grupos com


linhas temáticas relacionadas a TA no estado do Pará no Diretório de Grupos de Pesquisa do
CNPq131. Entre estes, cinco (5) grupos têm como membros coordenadores de 7 projetos
aprovados no edital, conforme quadro 24, sendo que o que agrega maior número de
proponentes aprovados é o de Inovação Tecnológica e Inclusão social da UEPA (projetos 2,
10, 12, 13 e 14), coordenado pela Ana Irene A. de Oliveira, de modo que associamos as
atividades do NEDETA/UEPA.

Quadro 24 – Grupos de pesquisa no estado do Pará no DGP/CNPq com linhas temáticas de tecnologia
assistiva e projetos do edital nº 010/2013 da FAPESPA com coordenadores associados
Projetos com
Grupo de pesquisa Líder Área predominante Instituição coordenadores
associados
LabVIS - Visualização,
Bianchi Serique Ciências Exatas e da
Interação e Sistemas UFPA Projeto 13
Meiguins Terra
Inteligentes
Wiviane Maria Torres
Alzheimer Group Ciências da Saúde CESUPA Projeto 2
de Matos Freitas

NEUROMATIKA Antônio Pereira Júnior Ciências Biológicas UFPA Projeto 1 e 5

Inovação Tecnológica e Ana Irene Alves de Projeto 2, 10, 12,


Ciências da Saúde UEPA
Inclusão social Oliveira 13 e 14
Alessandra Natasha A. Ciências Exatas e da
Tecnologias sociais CESUPA Projeto 2
Barreiros Baganha Terra
Fonte: Adaptado pela autora a partir de CNPq (2019b).

Contudo, apesar de indicações de articulações interdisciplinares e interinstitucionais


entre pesquisadores locais, que majoritariamente identificamos relacionados ao
NEDETA/UEPA, e de haver certo esforço na implementação de parcerias com outros grupos
científicos nacionais (conforme quadro 23) relacionados ao desenvolvimento de cada projeto,
houve pouca interação inter projetos durante o desenvolvimento destes. Entre os 11
coordenadores entrevistados, conforme quadro 23, a maioria indicou não ter tido interações
com outros projetos durante o período de execução, como as transcrições abaixo, indicando
que dois momentos principais de interações foram um seminário de apresentação de projetos
convocado pela FAPESPA e a apresentação destes projetos durante I Feira Estadual Existir, II
Feira Paraense de Tecnologia Assistiva, Acessibilidade e Inclusão Social da Pessoa com
Deficiência e o V Fórum de Tecnologia Assistiva e Inclusão Social da Pessoa com
Deficiência (7 e 8/11/16), com organização conjunta do Núcleo de Articulação e Cidadania

131
Busca realizada no DGP/CNPq pela expressão "assistiva" para consulta em "linha de pesquisa", com status
certificado (atualizado e não-atualizado), e filtro para região norte e UF Pará.
276

(NAC), núcleo gestor do Plano Existir, e da UEPA (AGENCIA PARÁ DE NOTÍCIAS,


2016).

(Sobre ter tido oportunidade de ter interagido durante a execução do projeto com outras
equipes de projetos do edital) Não, não, diretamente não. Isso até é uma falha, né,
precisa ter essa comunicação e troca de experiência. Mas para te falar a verdade, a gente
nem sabe onde nem quais foram os projetos, a gente tem os nomes e a proposta que sai
o resultado final no diário do governo do estado. Mas a FAPESPA fez em 2015 ou
2014, não, em 2016, desculpa, um evento para reunir a apresentação destes projetos que
eles iam ser encaminhados para Feira de C&T, é... de Tecnologia Assistiva, que foi em
novembro de 2016, foram três eventos ao mesmo tempo, foi o fórum de tecnologia
assistiva e outros eventos ligados ao governo do estado, do Plano Existir (...) aí meio
que foi só esse contato. (entrevista com o pesquisador de projeto).

(Sobre ter tido oportunidade de ter interagido durante a execução do projeto com outras
equipes de projetos do edital) Não... Não interagimos com outras equipes. Porque
tinham equipes que trabalhavam com outra temática e eu não procurei saber. E, eu
também acho que eu falhei nessa parte de encontrar, de procurar... para verificar quem
estava trabalhando na mesma área que o meu problema. (entrevista com o pesquisador
de projeto).

(Sobre ter interagido durante a execução do projeto com outras equipes do edital) Não,
infelizmente, eu acho que isso teria sido uma boa ideia. Na realidade, só houve um
momento final que eu achei muito interessante dessa interação, que foi um seminário
onde todo mundo apresentou os protótipos e produtos. Seria interessante, até porque,
por exemplo, a gente tinha equipamento que os outros poderiam ter usado e talvez
resolvido o problema de uma forma mais fácil, os problemas que eles propuseram.
(entrevista com o pesquisador de projeto).

Indagamos questões de interações ao considerar a importância da interdisciplinaridade


para o desenvolvimento de TA e de articulações com diferentes áreas e públicos para alcance
de efetividade dos produtos e ações de TA para acesso as pessoas com deficiência. Um
possível benefício de interações para o desenvolvimento dos projetos, além de um
compartilhamento de recursos como acima indicado por um dos coordenadores, seria o
compartilhamento de soluções complementares, por exemplo, o coordenador do projeto 7 em
entrevista indicou que uma das restrições de acesso das pessoas com deficiência ao uso do
software desenvolvido seria a necessidade de utilizar um acionador remoto quando a criança
tivesse deficiências múltiplas, visto que tal acionador somente era disponível via importação
com custo elevado, contudo o projeto 2 desenvolveu um acionador remoto de baixo custo para
uso de outro software.
Cabe indicarmos que a interdisciplinaridade como concepção necessária ao
desenvolvimento de TA foi mencionada por alguns pesquisadores como um desafio que
implicou em mudança na forma de atuação, como nas transcrições abaixo.

Mudou algumas coisas que nós tivemos que aprender, então, por exemplo, o que nós
aprendemos: Não dá para desenvolver o software da tua cabeça, então, o que que a
gente aprendeu, tu tens que ir lá primeiro, e eles tem que gerar a demanda do software.
277

Assim, não é a criança que tem que se adaptar ao software, o software já tem que nascer
adaptado a realidade deles. (entrevista com o pesquisador de projeto).

O gap de conhecimento técnico por parte dos terapeutas e psicólogos do Núcleo e do


conhecimento de saúde dos engenheiros e cientistas dificultou o início do trabalho,
levando um tempo para que os requisitos técnicos-funcionais e a linguagem fossem
compreendidos e adequados. (relatório de projeto, 2016).

Esses relatos, por um lado, demonstram processos de aprendizados e mudanças de


práticas de P&D em pesquisadores ao desenvolver projetos de TA; por outro lado, indica que
a noção de atuação interdisciplinar e de design centrado no ser humano (voltado ao usuário)
ainda não eram práticas de pesquisa e de desenvolvimento rotineiramente exercitadas.
Além da questão de interação entre os grupos de C&T, também buscamos identificar
interações com as pessoas com deficiência, enquanto sua participação durante o projeto, e
com outros atores sociais, principalmente de eventuais canais articulados pelos pesquisadores
para promover acesso dos produtos ou ações desenvolvidos ao público-alvo. No quadro 25,
elaboramos uma síntese do que denominamos de enfoques de concepção/formulação,
implementação e avaliação/testes dos produtos e ações de TA a partir das informações de
relatórios técnicos e das entrevistas, para entender quais atores já tinham tido interações com
pessoas com deficiência e, se esta interação teve influência na motivação inicial da concepção
do projeto, e se houve interações nas demais fases dos projetos, com participação das pessoas
com deficiência.
Identificamos que sete (7) projetos (2, 5, 7, 10, 12, 13 e 14) tiveram sua concepção ou
demanda identificadas a partir de atividades regulares de interação com o público-alvo em
contexto de núcleos ou laboratórios de pesquisa e desenvolvimento. Destes sete (7), todos
alcançaram, em alguma medida, o uso dos produtos ou ações por pessoas com deficiência
(quadro 25). Os outros dois (2) que havia alcançado uso, em alguma medida (projetos 8 e 9),
ou não conseguimos maiores informações (projeto 8), ou, embora não tivessem experiência
em desenvolver ações de TA com pessoas com deficiência, tinham experiência com educação
de jovens e adultos em situação de vulnerabilidade social (projeto 9).
Assim como, dos nove (9) projetos que alcançaram uso, seis (6) foram relatados
enquanto incorporados em atividades continuadas de atendimento (projetos 2, 7, 10, 12 e 13
no âmbito da CER II UEAFTO/UEPA, incluindo o NEDETA e o Laboratório de Tecnologia
Assistiva - LABTA), e um (projeto 9), cuja continuidade da assessoria às escolas ocorre de
forma voluntária em atividades associadas ao Programa de Pós-Graduação em
Educação/UEPA e de grupo de pesquisa (NEP/UEPA).
278

Quadro 25 – Elaborações sintéticas da concepção, desenvolvimento e avaliação de produtos e ações de tecnologia assistiva em relação a interação com
pessoas com deficiência (PcD) e outras organizações a estas associadas
Parcerias com
Código
Enfoque sobre a concepção e formulação de 1 1 organizações relacionadas
do Enfoque sobre desenvolvimento do projeto Enfoque sobre teste e avaliação
proposta do projeto1 ao atendimento ou
projeto
interação com PcD2
UT José Alvares de
Havia desenvolvido um software colaborativo, Foram feitos alguns testes de uso do aplicativo
Tiveram apoio da UT José Alvares de Azevedo Azevedo de Educação e
para qual propôs implementar uma solução em fase de protótipo com pessoas com
1 para articular voluntários com deficiência visual Reabilitação para Pessoas
assistiva para pessoas com deficiência visual deficiência visual voluntárias da UT José
para fornecer requisitos. com Deficiência Visual
aplicada a mesma plataforma. Alvares de Azevedo.
(SEDUC)
Os requisitos do software e do acionador e cada Os testes de usabilidade dos produtos foram O NEDETA mantém via
Por meio da interação com um núcleo etapa de desenvolvimento destes recursos foi dirigidos por profissionais de um núcleo UEAFTO atendimentos
especializado em TA recebeu a demanda para concebido e realizado em conjunto com os especializado em TA junto a crianças e terapêuticos regulares com
2
aperfeiçoamento de software em uso, mas profissionais de um núcleo especializado em TA adolescentes com deficiência atendidos neste, crianças e adolescentes
defasado. que apresentava uma rotina de atendimento a acompanhados pela equipe da área da com deficiências e suas
crianças e adolescentes com deficiência. computação. famílias.
Secretarias de Educação
3 (sem informações por entrevista) (sem informações por entrevista) (sem informações por entrevista) dos 4 municípios do
contexto do projeto
Durante a interação entre docentes em um curso
O desenvolvimento baseou-se na análise de
de especialização sobre educação inclusiva foi Não foi possível fazer testes de usabilidade com
modelos disponíveis de calculadoras falantes,
identificado a não existência de calculadoras pessoas com deficiência, em virtude da parceria
4 como do projeto DOSVOX da UFRJ e de -
falantes com função de fração, proposto o com a UT José Alvares de Azevedo não ter sido
calculadoras comerciais, acrescentando-se
desenvolvimento de protótipos que pudessem efetivada no período do projeto
funções com frações.
atender alunos cegos que na universidade.
O laboratório historicamente trabalhava com
O software e o circuito eletrônico para acoplar
pesquisas com pessoas acometidas por AVC, e O estudo clínico envolveu originalmente50
na luva foram desenvolvidos pelos integrantes Pacientes encaminhados
foi identificado em publicações científicas que pacientes (40 completaram os atendimentos),
da equipe do Instituto do Cérebro na UFRN, pela UEAFTO-UEPA e
5 atividades estressantes dificultavam a cuja triagem e encaminhamento foi feito pela
enquanto a confecção da luva foi feita pela URE Demétrio Medrado da
reabilitação, de modo que a gameficação com a UEAFTO-UEPA e URE Demétrio Medrado-
equipe do laboratório de neuroplasticidade da SESPA
dataglove era uma solução proposta, mas o SESPA.
UFPA.
dispositivo no país tinha custo muito elevado.
279

Parcerias com
Código
Enfoque sobre a concepção e formulação de 1 1 organizações relacionadas
do Enfoque sobre desenvolvimento do projeto Enfoque sobre teste e avaliação
proposta do projeto1 ao atendimento ou
projeto
interação com PcD2
Integra o INCT em Comportamento, Cognição e
Ensino e desde 2012 começou o Foi realizado teste com alunos de uma turma em
O software é desenvolvido por docentes e
desenvolvimento do software educacional, fase de alfabetização de uma escola pública
discentes da faculdade da ciência da Escola regular pública
6 objeto da proposta. O software é baseado na local, para avaliação de aprendizado em perfil
computação, com assessoria de equipe da municipal.
metodologia de ensino ALEPP com mecanismos geral, sem testes específicos a pessoas com
faculdade de psicologia.
deficiência.
de interação lúdica (jogo computacional).
O NEDETA mantém via
Os requisitos do software e cada funcionalidade
Por meio da interação com um núcleo Os testes de usabilidade dos produtos foram UEAFTO atendimentos
foram concebidos conjuntamente por membros
especializado em TA recebeu a demanda para dirigidos por profissionais de um núcleo terapêuticos regulares com
7 da computação e da equipe do núcleo
desenvolvimento de software de CAA para especializado em TA junto a crianças e crianças e adolescentes
especializado em TA (fonoaudiólogas e
dispositivos móveis. adolescentes com deficiência atendidos neste. com deficiências e suas
terapeutas ocupacionais).
famílias.
Escolas da Rede Pública do
8 (sem informações por entrevista) (sem informações por entrevista) (sem informações por entrevista) município de contexto do
projeto
Historicamente o grupo de pesquisa atuava com Realizada diagnose com a participação de As atividades pedagógicas e aplicação dos
educação, em geral, e havia indicadores de professores e alunos com deficiência das materiais foram direcionadas para que os alunos
pesquisas anteriores de problemas de escolas, seguida de uma formação a todos os surdos e com deficiência intelectual
SEDUC, por meio das duas
aprendizado no EJA com alunos com professores. Os professores que se interessaram expressassem suas vivencias, sendo estas os
9 escolas de educação
deficiência, entre estes que as escolas em participar do projeto como voluntários pontos de partidas para aprendizagem. A
especializada.
especializadas não tinham projeto político- passaram a integrar a equipe. A proposta avaliações do projeto nas escolas foram
pedagógico específico para EJA com pessoas político-pedagógico e os materiais didáticos realizadas pelos professores voluntários com
com deficiência. foram desenvolvidos de forma participativa. assessoria dos pesquisadores do projeto.
Há 20 anos já trabalhava com TA, em órteses e
próteses. De sua experiência, identificava que
Várias fases de modelagem foram desenvolvidas
não havia disponibilidade de próteses de baixo
para prótese mecânica funcional pelo A prótese elaborada especificamente no âmbito
custo para amputação parcial de mão, tanto no Não informado em
10 inventor/pesquisador. E elaborados modelos do projeto foi entregue a pessoa com deficiência
mercado particular, quanto via SUS (disponível relatório3.
finais da prótese para entrega a FAPESPA e para uso em atividades diárias.
somente luva estética), embora houvesse
pessoa com deficiência com tal condição.
potencial de funcionalidade pelo resto do coto
de amputação.
280

Parcerias com
Código
Enfoque sobre a concepção e formulação de 1 1 organizações relacionadas
do Enfoque sobre desenvolvimento do projeto Enfoque sobre teste e avaliação
proposta do projeto1 ao atendimento ou
projeto
interação com PcD2
Hospital Universitário
11 (sem informações por entrevista) (sem informações por entrevista) (sem informações por entrevista) Bettina Ferro de Souza–
UFPA
O software foi desenvolvido em parceria com a
Necessidade de atualização do software usado O NEDETA mantém via
equipe do CTI Renato Archer e CNRTA, no
para atendimento de crianças com deficiência, UEAFTO atendimentos
âmbito das experiências de atendimento do
pois apresentava limitações para algumas Teste de campo e de usabilidade foram terapêuticos regulares com
núcleo. Foram feitas pesquisas em softwares
12 versões do Windows, devido a atualização desta realizados no NEDETA com profissionais crianças e adolescentes
similares e ao longo do processo de
plataforma. Bem como o uso em tablets e especializados e crianças com deficiência. com deficiências e contato
desenvolvimento foram realizados testes de
dispositivos móveis também foi identificado constante com suas
campo com o público-alvo, sendo considerados
como um facilitador e atrativo com as crianças. famílias.
feedbacks e sugestões destes usuários.
Os testes de usabilidade foram dirigidos por
Por meio da interação com um núcleo
profissionais de núcleo especializado em TA NEDETA, Abrigo Especial
especializado em TA recebeu a demanda para
O software foi desenvolvido com a participação junto a crianças e adolescentes com deficiência, Calabriano Unidade de
desenvolvimento de um software vocalizador,
13 do núcleo especializado, considerando a acompanhados pela equipe da área da Referência Especializada
visto que não havia vocalizadores disponíveis
construção de requisitos e funcionalidades. computação. Também foram realizados testes de em Reabilitação Infantil
para língua portuguesa com funcionalidades
uso em duas outras organizações que atuavam (URE-REI) e ONG Saber
completas de baixo custo.
no atendimento do público-alvo.
O pesquisador identificou que, embora as
As ações envolveram a avaliação do perfil Secretaria Municipal de
crianças com paralisia cerebral conseguissem
comunicativo das crianças com paralisia Educação de Belém, por
usar pranchas e recursos de CAA durante os
cerebral no contexto do projeto; capacitação Avaliada a adesão dos professores em meio da Coordenação de
atendimentos, havia barreiras para que
para todos professores das escolas do projeto implementar o uso de CAA em atividades de Educação Especial e de 5
14 utilizassem esses recursos na família e na escola.
sobre CAA; e assessoria com oficinas para aula, recebendo feedback e prestando assessoria escolas da rede municipal
Pelo contexto de ações inclusivas nas escolas,
construção e implementação de recursos de a estes pelo período do projeto. de educação que tinham
propôs atuar na disseminação de CAA de baixo
comunicação alternativa de baixo busto para uso salas de recursos
custo, para melhorar a comunicação dessas
em sala de aula para estes professores. multifuncionais.
crianças e adolescente com os professores.
Não informado em
15 (sem informações por entrevista) (sem informações por entrevista) (sem informações por entrevista)
relatório.
1
Embora houvesse informações parciais destas temáticas em relatórios técnicos, optamos por não fazer elaborações daqueles projetos em que não conseguimos entrevistar os
coordenadores, uma vez que vários pontos de abordagens estavam somente parcialmente contemplados nos relatórios. 2Como havia no roteiro do relatório técnico uma
questão específica sobre parcerias no projeto, sendo expresso em relatórios por 13 dos 15 projetos (modelo de relatório repassado aos projetos contratados no perfil
pesquisador), optamos por considerar as informações dos relatórios, complementadas quando o caso pelas entrevistas. 3Apesar de não haver a indicação de parceria no
relatório técnico, conforme informação em entrevista, o inventor/pesquisador já mantinha atendimento junto a pessoas com deficiência física em sua universidade.
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
281

Consideramos, assim, que ter experiência de interação prévia com pessoas com
deficiência (público-alvo), em geral, permitiu maior assertividade às equipes dos projetos para
desenvolvimento de produtos e ações de TA, não somente quanto a concepção de produto ou
ação viáveis e acessíveis ao contexto local, mas em relação a constituição de canais de
interação em todas as etapas de desenvolvimento até a articulação de meios para acesso desta
parcela da população aos produtos e ações desenvolvidos.
Cabe, contudo, ponderarmos que nenhum dos pesquisadores relatou a identificação de
demanda para os projetos aprovados diretamente a partir de associações ou organizações da
sociedade civil representativas de pessoas com deficiência, todas as identificações de
problema e propostas de projeto surgiram a partir de ambientes acadêmicos (unidades ou
grupos de ensino, pesquisa e extensão), exceto a proposta de um inventor, que, no entanto,
também não relatou qualquer interação com pessoas com deficiência ou associação a estas
vinculadas.
Desta forma, compreendemos que, embora a interação com pessoas com deficiência
tenha se mostrado uma realidade para parte dos projetos aprovados, e que entendemos ter sido
elemento relevante a efetividade de acesso a estas pessoas, não foram relatados canais bem
articulados de interação entre os grupos de pesquisa e desenvolvimento de TA e as
associações representativas de pessoas com deficiência, pela qual pudesse estabelecer relações
explicitamente mais horizontais de definição de agenda de pesquisa e desenvolvimento entre
grupos acadêmicos e organizações da sociedade civil, e criar condições em que as pessoas
com deficiência pudessem exercitar um engajamento maior. Somente um coordenador de
projeto, relatou em entrevista, que ao fazerem contato com uma ONG de assistência social e
reabilitação para pessoas com deficiência para testes e acesso de uso do software
desenvolvido, posteriormente manteve interações para desenvolvimento de novas demandas a
partir desta.

(essa demanda) Ela surge de pesquisa, de conversa, então a gente criou um certo laço,
não só com o NEDETA, agora a gente já tem uma certa parceria com o próprio abrigo, a
gente conversa muito com as TO do abrigo, né. Da ONG Saber a gente não conseguiu
manter um laço forte assim, mas do Abrigo Calabriano a gente conseguiu, então vai
surgindo, né, a gente vê o que elas fazem e quais são as necessidades. (entrevista com
pesquisador de projeto).

Em consonância com a PNITA, também identificamos que a maior presença de


interação com pessoas com deficiência ocorre na fase de testes de uso dos produtos ou em
atividades de atendimento terapêutico ou de prestação de serviços a estes. Nenhum projeto
descreveu a participação de pessoas com deficiência como integrando a equipe do projeto,
282

embora a maioria valorizasse sua participação (ou melhor seria aplicar o termo consulta) para
levantamento de requisitos e de testes de usabilidade. Cabe ressalvarmos que vários projetos,
principalmente aqueles associados ao NEDETA tinham como público-alvo crianças e
adolescentes, o que reconhecemos como uma condição limitadora a sua consideração formal
como membro na equipe do projeto. Em todo caso, a participação ativa de pessoas com
deficiência nas equipes dos projetos ou com voz e engajamento mais horizontal em relação
aos pesquisadores ou especialistas no processo de desenvolvimento foi uma lacuna na
descrição da execução dos projetos.
Portanto, ao contrário da preocupação com o desenvolvimento de produtos e ações de
baixo custo ou economicamente viáveis, que, embora omisso no edital, encontramos elevada
sensibilização dos pesquisadores para este direcionamento. A questão da participação ativa e
direta de pessoas com deficiência, além de omissa no edital, também é uma prática de pouca
aderência nos relatos dos pesquisadores, seja em documentos formais como nas propostas e
relatórios, seja nas entrevistas. Este ponto da participação ativa, fundamental ao modelo social
de deficiência, é ao nosso ver uma expressão de incongruência observada nos projetos
aprovados e na própria orientação discursiva do edital com este modelo. Lembrando que o
edital não estabeleceu mecanismos de governança garantidores desta participação em nenhum
nível do fomento público, seja no âmbito dos projetos de desenvolvimento tecnológico, seja
no âmbito de política pública no domínio da CT&I.
Em conjunto com os desafios da interdisciplinaridade, a prática da participação de
outros atores sociais afetados nos/pelos projetos, para além dos pesquisadores e especialistas,
permanece como pouco efetivada no contexto da política de CT&I, que se mantém associada
a práticas centradas nos cientistas (típicas do discurso da C&T auto orientada) mesmo em
projetos comprometidos com a superação de assimetrias sociais e inclusão da pessoa com
deficiência de forma mais autônoma e independente na vida social.
No entanto, ainda neste tema ressaltamos que, ao nosso ver, dificuldade maior a tal
participação está no próprio processo de política pública de CT&I, visto que, apesar da crítica
a falta de participação efetiva de pessoas com deficiência nos projetos aprovados, estas foram,
em alguma medida, consultadas em fases de requisitos e, principalmente, de testes. Mas, se
passarmos à perspectiva ao processo decisório específico da política de CT&I, estas ou suas
associações representativas não tiveram oportunidade de participação direta. Uma vez que a
pauta emergente de TA entra no processo já bastante institucionalizado em termos de práticas
da política de CT&I, cuja visão dominante permanece sobre os atores da própria comunidade
pesquisa. Assim, perante esta visão, pesquisadores de TA são os atores vistos enquanto
283

legitimados a mediar e negociar com os altos escalões da política de CT&I, e não as


associações de representação das pessoas com deficiência. Ambientes institucionais em que a
participação ativa de leigos com ou sem deficiências tende a não ser valorizada, dificilmente
difundirá a valorização de tal participação ativa em projetos deles desdobrados.
Outro aspecto relacionado a este insulamento da política de CT&I em torno da
comunidade de pesquisa se refere aos canais de provisão de acesso aos recursos e produtos de
TA articulados. Conforme orientação discursiva do edital, o canal esperado de produção e
disseminação dos produtos desenvolvidos seria o mercado, por meio de inovações
tecnológicas. Contudo, ao observarmos as parcerias que os pesquisadores conseguiram
articular, verificamos que a maioria (13) dos projetos teve parcerias ou interação com
organizações públicas governamentais, um firmou parceria também com organizações não-
governamentais, e nenhum teve parcerias com empresas.
Por um lado, isso corrobora com indicações em estudos nacionais que o mercado de
recursos e serviços de TA no Brasil é ainda incipiente, centrado na comercialização e uso de
produtos importados (escassa atividade de P&D interna), e aglutinado em regiões urbanas de
maior concentração de renda, condições estas que restringem parcerias em projetos de P&D
com empresas de TA, ainda mais no contexto periférico do Pará neste setor. Por outro lado,
como já comentamos, estes perfis de parcerias alcançadas reforçam a noção que extensiva
parte do atendimento às necessidades de TA de pessoas com deficiência no estado do Pará
ocorre por meio do financiamento e da rede de atendimento público governamental, sendo
estes canais (majoritariamente nas áreas de saúde e educação) os mais acessíveis e acessados
pelos pesquisadores para desenvolvimento ou aplicação dos recursos de TA. Esta
característica suscita a importância da intersetorialidade para alcance finalístico da política de
CT&I, lembrando sua faceta de política-meio a prover soluções para outros domínios de
políticas (science for policy enquanto um retorno pela policy for science).
Contudo, notamos três dificuldades relacionadas ao estabelecimento de relações
intersetoriais efetivas para TA entre a política de CT&I e outros domínios. A primeira é que
poucas destas articulações são perenes, ou seja, implicam em parceria de longo prazo para
fomento contínuo de atividades. A única parceria para serviço continuado que identificamos
se refere a habilitação como CER II da UEAFTO/UEPA na rede de atendimento do SUS, a
qual estão associadas ações do NEDETA, e com a possibilidade de habilitação da oficina
ortopédica, estenderá também as ações do LABTA. As demais parcerias foram
implementadas somente durante o período do projeto ou são mantidas de forma voluntária ou
284

intermitente pelos grupos de pesquisadores em atividades de pesquisa, ensino e extensão,


devido não haver um financiamento contínuo para estas.
A segunda dificuldade é que estas articulações ficaram totalmente a cargo dos próprios
pesquisadores no âmbito de seus projetos indivíduos de as firmarem. Embora o Plano
Estadual Existir, no qual o fomento a TA estava associado envolvesse múltiplas secretarias,
não houve no caso do edital nº 010/2013 interações intersetoriais entre a FAPESPA e outras
secretarias para acompanhamento dos projetos ou disseminação de seus resultados a domínios
de interesse dos produtos e ações desenvolvidas para incorporação dos mesmos em políticas
como, por exemplo, de educação, uma das áreas em que mais se desenvolveu projetos. Exceto
pelas apresentações de projetos na 1ª Feira Existir em 2016, não foi relatado outras iniciativas
de disseminação ou articulação institucional direcionada pelos órgãos da política de CT&I
para estabelecer canais intersetoriais de aplicação dos produtos no âmbito do Plano Existir.
É preciso tanto desconstruir qualquer noção implícita que os avanços de C&T
encontram automaticamente ou naturalmente caminhos de disseminação para sociedade,
principalmente em políticas voltadas a um público reconhecidamente ainda excluído
socialmente; quanto entender que esse papel de articulação intersetorial cabe a todos os atores
no processo de política e de constituição de arranjos institucionais, estando para além do
processo de pesquisa somente. Observamos que o fomento a TA via edital nº 010/2013
representou um esforço dirigido ao financiamento de pesquisas e desenvolvimentos de
produtos e ações de TA (policy for science), mas não houve esforços posteriores em avaliar e
direcionar os avanços tecnológicos desenvolvidos para os domínios de políticas
correspondentes (science for policy). Isso pode ser identificado pelas práticas de avaliação e
disseminação dos resultados. Como averiguamos, apesar de todos os pesquisadores terem
entregue relatórios técnicos, até outubro de 2018 somente um relatório técnico havia passado
pelo processo de avaliação ad hoc estabelecido pela própria fundação como necessário para
análise de mérito interno, os demais ainda aguardavam encaminhamento para pareceristas. A
ação indicada pelos pesquisadores de disseminação realizada pela Fundação se referiu a um
seminário organizado após encerramento dos projetos, mas conforme relatos este foi voltado a
um público acadêmico.
Apesar da crítica a FAPESPA neste aspecto da avaliação, que entendemos deva ser
objeto de reflexão, ressaltamos que tais dificuldades e desequilíbrio entre uma policy for
science e a science for policy não são incomuns no âmbito da política de CT&I (KING, 1972;
BOZEMAN; SAREWITZ, 2011). Além disso, a política de CT&I é historicamente insulada
no Brasil, não sendo um domínio que movimente montantes substanciais do orçamento
285

público total, tem tido seu processo dominado pela comunidade pesquisa, principal ator
interessado, em particular, em sua faceta policy for science (DAGNINO, 2007; DIAS, 2009).
A terceira dificuldade está no próprio desafio da intersetorialidade. O PNDPD Viver
Sem Limite (bem como o Plano Existir) reconheceu que assegurar direitos a pessoas com
deficiência implicava em uma ação pública intersetorial, envolvendo pelo menos, os quatro
domínios âncoras: educação, saúde, assistência social e acessibilidade. No entanto, cada
domínio de política desenvolveu mecanismos de financiamentos, governança e relações
intergovernamentais, incluindo descentralização, próprios de suas trajetórias. Isso implica que
a inserção de recursos de TA na política de saúde seguirá passos e arranjos institucionais
distintos de sua inserção na política de educação e em outras políticas, conduzindo a uma
considerável complexidade de construção interinstitucional, dada a transversalidade da TA.

5.5 PRÁTICAS DOS PROJETOS E AS TENSÕES EM ORIENTAÇÕES DISCURSIVAS


NO CAMPO DE TECNOLOGIA ASSISTIVA

Por fim, analisamos as práticas sociais de pesquisa e de política encontradas no


desenvolvimento de projetos de TA no âmbito do edital nº 010/2013 e algumas das
orientações discursivas no campo de TA. Consideramos que houve pontos comuns de
encontro das práticas estabelecidas e das orientações e perspectivas de desenvolvimento em
TA. Houve, em geral, um direcionamento dos projetos aprovados ao objetivo finalístico de
atendimento específico às pessoas com deficiência, com esforços de aprendizagem e
interações interdisciplinar e intersetorial por parte dos pesquisadores, e atenção a questão do
baixo custo ou a viabilidade econômica do acesso dos produtos desenvolvidos pela maior
parte destas pessoas.
Contudo, também observamos algumas tensões entre as orientações do edital, as
práticas do projeto e as orientações dos discursivas dos chamados modelos e paradigmas do
campo de TA. As duas principais tensões se referem a participação das pessoas com
deficiência no processo de política e de pesquisa e desenvolvimento, e o canal de
disseminação privilegiado.
Compreendemos que a principal característica atípica ao modelo social de deficiência
tanto no edital, quanto em práticas da política está na centralidade do processo de pesquisa e
desenvolvimento e da própria política nos atores da comunidade de pesquisa, que
consideramos relacionada ao status quo e práticas institucionalizadas na política geral de
CT&I. Essa característica da política geral se configura como uma barreira a legitimação das
286

pessoas com deficiência e suas associações representativas enquanto atores políticos


empoderados, o que os enquadraria politicamente ainda numa visão de déficit individual para
participação, embora entendemos que tal barreira na política de CT&I exista para diversos
outros atores sociais, com ou sem deficiência, sendo uma característica mais ampla do
processo de política CT&I como um todo, e não referente especificamente ao campo de TA,
mas incidente neste. Tal característica ao recair sobre o processo de política e pesquisa no
campo de TA tende a criar situações de contradição entre a orientação do modelo social ou
biopsicossocial de deficiência e práticas arraigadas de política e pesquisa centradas nos
cientistas.
Sobre o canal de disseminação, o texto do edital privilegia o mercado enquanto guia
para identificação de demanda e mecanismo para produção e disseminação dos produtos ao
acesso das pessoas com deficiência, qualificados implicitamente neste caso como
consumidores. Esta visão é consonante a orientação discursiva do chamado paradigma
tecnológico-ecológico de TA e compatível com o discurso da CT&I orientada para o mercado
de promoção da inovação tecnológica empresarial na política de CT&I.
Contudo, a realidade do contexto local e as práticas de parcerias para disseminação
dos produtos e ações de TA nos projetos aprovados foram distintas de tal orientação, estando
majoritariamente ancoradas em parcerias com organizações públicas governamentais,
associadas a política de saúde, educação e assistencial social. Nenhuma interação com o
propósito de transferência de tecnologia foi reportada pelos pesquisadores com empresas,
considerando que as entrevistas foram realizadas em 2018, ou seja, de 2 a 3 anos de
encerrados os projetos. Entendemos que as práticas de parcerias dos projetos buscaram os
canais acessíveis no contexto local para a disseminação de TA, dadas as fragilidades do
mercado de TA já indicadas e de não ter havido articulações estruturadas no âmbito da
política de fomento para a disseminação, que ficaram somente a cargo dos pesquisadores.
De acordo com as perspectivas ao campo da política de TA revisadas em seção
anterior, o reconhecimento de falhas de mercado para ampla distribuição de recursos e
serviços de TA a quem deles necessitam implica em uma visão mais ampla do sistema de TA,
com múltiplos elementos para além do mercado (a política em si, a estruturação de
organizações de provisão, formação e capacitação de profissionais, múltiplas configurações
de parcerias, descentralização do desenvolvimento e provisão etc.). Essa pluralidade de
elementos e, portanto, de atores e estratégias envolvidos, deve estar centrada na pessoa com
deficiência, assim como, esta deixa de assumir um papel exclusivo de cliente ou consumidor e
deve se engajar politicamente enquanto cidadão na busca de seus direitos.
287

As práticas de parcerias dos projetos prevalentemente com organizações associadas a


outras políticas públicas (saúde, educação assistência social) tende a estar buscando soluções
alternativas ao mercado e intersetoriais, consideradas fragilidades existentes no mercado e nos
arranjos para articulação na política, o que, por um lado, tem aderência a esta abordagem mais
plural. Mas, por outro lado, esta orientação para prática esbarra na dificuldade da política de
TA, no âmbito da política de CT&I, de conseguir centrar-se ou, ao menos, permitir uma
posição mais horizontal da pessoa com deficiência ou de suas associações representativas nos
processos decisórios perante os membros da comunidade de pesquisa.
Esta orientação discursiva mais próxima ao discurso da CT&I orientada para a
sociedade requer o engajamento da pessoa com deficiência ou de suas organizações
representativas como participante legítimo e ativo do processo da política, exercendo
mecanismos de governança desta, como no monitoramento de resultados e conformação de
agenda. Contudo, seja pela forte dominância da comunidade de pesquisa no processo de
política de CT&I, em que o campo específico de TA é marginal; seja por dificuldade próprias
da organização e engajamento político de representações das pessoas com deficiência,
existem considerável barreira a implementação de práticas mais centradas nas pessoas com
deficiência no âmbito da política de CT&I, sendo uma tensão relevante a esta orientação
discursiva.

5.6 COALIZÕES DE DEFESA PARA TECNOLOGIA ASSISTIVA A PARTIR DO


PROCESSO DA POLÍTICA ESTADUAL DE CT&I NO PARÁ: LIMITES, AVANÇOS E
POSSIBILIDADES PARA O ENFRENTAMENTO DAS DESIGUALDADES

Além do engajamento político das pessoas com deficiência e suas entidades


representativas, Layton (2015) também ressalta enquanto estratégia para o fortalecimento de
ações para promoção de TA a necessidade da conscientização do papel político e engajamento
dos profissionais e pesquisadores de TA. Uma vez que os atores políticos legitimados na
política de CT&I sejam principalmente os pesquisadores, os pesquisadores de TA são atores
fundamentais para a defesa do campo neste domínio de política.
Pelo que vimos do processo de conformação de agenda que levou ao lançamento do
edital nº 010/2013 e do desenvolvimento dos projetos, o fomento a TA apresenta uma posição
marginal na política de CT&I. Entendemos assim ao considerar que em praticamente 10 anos
de funcionamento da agência de fomento estadual (FAPESPA), somente dois editais foram
lançados, o de 2013 e o de 2017, este último ainda em processo de seleção dos projetos
288

passado mais de um ano. Além disso, o valor investido/orçado nestes dois editais é
relativamente pequeno frente a outros investimentos realizados pela fundação.
O reconhecimento desta posição marginal é mencionado por um dirigente da política
de CT&I estadual ao indicar que a demanda pelo fomento a TA não chegou aos processos
decisórios por meio dos dirigentes das maiores instituições acadêmicas e de pesquisa local.

O que eu percebo nesse meu tempo de governo. Eu nunca vi nas reuniões nenhum
representante das instituições de ensino superior pautar como prioridade tecnologia
social ou tecnologia assistiva. Não é prioridade das instituições de ensino superior.
Então, editais, por exemplo, na área de tecnologias sociais ou tecnologias assistivas
decorrem muito da sensibilidade de quem está a frente do processo, e muitas vezes da
coragem de lançar um edital desses, porque quando você lança um edital para
tecnologias assistivas, ao mesmo tempo que uma parte da comunidade acadêmica
comemora, talvez a maior parte reclame. Então, há uma queixa que os recursos estão
indo para uma área, mas os recursos deveriam ir para outra área, porque outra área é
mais importante, porque se produz mais, porque existem pesquisadores de ponta em tais
lugares. (entrevista com dirigente da política de CT&I estadual).

Este contexto também auxilia a entender porque a trajetória da entrada na agenda de


TA e seu fomento no âmbito da política de CT&I se deu tanto em termos nacional, quanto no
caso estadual em análise, aliada a uma política mais ampla e multisetorial para garantia de
direitos as pessoas com deficiência, com forte apoio do poder executivo central em cada
esfera de governo (PNDPD Viver Sem Limite e Plano Estadual Existir). Mas, embora o apoio
executivo central tenha sido relevante, a inclusão da TA em condições efetivas de
desenvolvimento de atividades no plano estadual também somente tornou-se possível pela
ação de atores existentes no campo de TA local.
Neste sentido, a estratégia para conseguir pautar a temática de TA na política de CT&I
não se deu por um processo somente de mobilização interna de atores na comunidade de
pesquisa, mas envolveu a concertação de ações e atores em outras políticas, e, no caso
estadual, reforçado pela difusão de ações intergovernamentais e adesão ao PNDPD. Contudo,
pelo que analisamos, consideramos que a mobilização de uma (ou mais) coalizão de defesa
em prol da TA no subsistema da política no Pará está em processo de consolidação, de modo
que os movimentos iniciais de articulação e para fomento estiverem centrados em torno do
que denominamos de empreendedores da política.
Estes empreendedores locais tiveram o incentivo da política e fomento federal, seja
pelos primeiros editais e apoios financeiros da FINEP, seja posterior com as ações do PNDPD
e articulação da RNPDTA. Neste aspecto, há de se verificar as diferenças do processo de
descentralização no âmbito do PNDPD na política de CT&I e outras políticas, como de saúde
e educação, cujas relações entre as esferas de governo são mais estruturadas e há mecanismos
289

de governança bem institucionalizados (ARRETCHE, 2010). O processo de descentralização


do fomento a TA na política de CT&I não envolveu ações estruturadas com enforcement
dirigidas para adesão dos governos estaduais para cofinanciamento e coparticipação em
programas federais, o único mecanismo similar a estes que observamos se referiu a
contrapartida de financiamentos, já bastante comum neste domínio. Mas não houve a
construção de arranjos intergovernamentais específicos para governança nos programas de
fomento centralizados no governo federal. A maior parte do fomento de TA federal se
concentrou na articulação direta com as instituições do complexo de C&T locais
(universidades e institutos de pesquisa), fossem estas federais, estaduais ou privadas.
Este fomento federal via CT&I, apesar de importante para estruturar e incentivar
movimentos iniciais de desenvolvimento e provisão de TA descentralizados em algumas
universidades e institutos, ainda não era suficiente para, por si só, sustentar um dinamismo de
maior difusão (crescimento quantitativo) e amadurecimento (desenvolvimento qualitativo) de
núcleos de TA e, principalmente, de articulação coletiva para políticas em estados periféricos.
Como pudemos observar nos dados tanto da PNITA, quanto do CNRTA, apresentados na
seção anterior, havia grande concentração de ações e grupos de TA na região Sudeste e Sul,
sendo limitados os núcleos no ambiente local (estado do Pará).
Destaque nesse processo no estado, compreendemos ser a atuação de pesquisadores
associados ao NEDETA e LABTA da UEPA, em particular da pesquisadora anteriormente
mencionada, Ana Irene Alves de Oliveira, a qual consideramos ter sido uma empreendedora
local chave no processo de política para TA no estado. O NEDETA foi estruturado
(financiamento da FINEP aprovado em 2005) ainda no que entendemos ter sido o primeiro
ciclo de investimentos específicos em TA no país, após a implantação da SECIS e da
emergência de uma agenda com enfoque social na CT&I.
Assim, quando emergiu o segundo ciclo, já no âmbito da PNDPD, o núcleo foi
considerado no financiamento da RNPDTA pelo CNPq classificado enquanto um núcleo em
consolidação, único nesta categoria no estado. Entendemos o papel empreendedor no processo
da política pela atuação desta pesquisadora em ações de disseminação da TA, entre estas a
organização dos Fóruns de Tecnologia Assistiva e da Feira de Tecnologia Assistiva, que
como relatamos anteriormente culminou nas articulações com executivo estadual para
inserção do fomento a TA no Plano Existir e lançamento do primeiro edital em 2013. Cabe
indicarmos que, estes também foram os eventos locais mais citados pelos pesquisadores,
durante as entrevistas, como principais momentos para disseminação via apresentação de
projetos e resultados da temática.
290

Com o lançamento do edital nº 010/2013, identificamos um substancial efeito indutor


para grupos de pesquisa locais, sendo uma oportunidade para novos grupos de estruturarem e
iniciarem atividades na temática. Durante a I Feira Existir (em conjunto com a II Feira de TA
e V Fórum de TA) em 2016, onde foram apresentados vários resultados dos projetos
financiados do edital nº 010/2013, com um compromisso do governo do estado no lançamento
de um segundo edital para continuidade das pesquisas e desenvolvimentos. Este edital (nº
012/2017) foi lançado no ano seguinte pela FAPESPA, até o final do ano de 2018 ainda
estava em processo de seleção das propostas.
Na figura 4, buscamos traçar uma rede de relações, considerando os três núcleos
previamente cadastrados na RNPDTA e os 15 projetos aprovados no edital nº 010/2013, cuja
base está nas informações sobre interações dos pesquisadores dos projetos, de forma a
identificar possíveis agregações e capacidade de mobilização. Entendemos que a visão
proporcionada pela figura 6 é somente parcial do campo de TA, mas que deve ser, em alguma
medida, representativa em termos dos principais grupos no campo.
Pela figura 6, corroboramos um papel aglutinador em torno do NEDETA, pelo qual
podemos sugerir ser um nucleador para mobilização de uma coalizão de defesa em prol da
TA. Mas, também observamos que vários grupos/unidades não mantiveram ou informaram
articulações de parcerias locais em termos de grupos de CT&I, mesmo que mantendo
parcerias externas. Ao considerar que a temática é marginal, com um número de grupos
restritos, estes insulamentos podem dificultar um processo de maior visibilidade da temática e
mobilização de atores políticos no âmbito do estado e no âmbito de cada instituição
acadêmica ou de pesquisa.
Por isso, compreendemos que há uma coalizão de defesa de TA emergente em torno
do NEDETA, mas esta ainda não conseguiu alcançar interações mais ativa com uma parte
significativa dos atores no campo, de forma a fortalecer ações coletivas coordenadas para
mobilização de recursos e engajamento político em prol da TA. Esta parte significativa dos
atores atuando de modo mais insulado localmente, por sua vez, também não indicam estarem
conseguindo se organizar em termos coletivos para engajamento político local à temática.
291

Figura 6 – Rede de relações entre núcleos de tecnologia assistiva cadastrados na RNPDTA e unidades de vínculo de coordenadores de projetos do edital nº
010/2013 da FAPESPA

Fonte: Elaborada pela autora (2019).


292

Ao menos, entre os pesquisadores entrevistados e pelos conteúdos dos projetos


aprovados não identificamos uma substancial predisposição a disputas discursivas específicas
de concepções de TA. Mas, em geral, a principal dificuldade para estabelecer uma interação
constante estaria relacionada a um distanciamento pela forte atuação dentro de áreas
disciplinares específicas e pela dependência de trajetórias de formação científica típicas na
política de CT&I, que reforçam os laços com os grupos de pesquisa de fora do contexto local.
Cabe considerarmos que, um maior engajamento para articulação política em prol da temática
de vários pesquisadores implica necessariamente na dedicação para interações
interdisciplinares e intersetoriais, movimentos ainda desafiadores para a maioria dos atores no
âmbito da política de CT&I.
Deste modo, consideramos que desde o primeiro ciclo de fomento nacional a TA (em
meados na década de 2000) até o momento atual, houve avanços significativos na formação
de grupos de pesquisa e desenvolvimento locais atuantes na temática, com a geração de
benefícios (produtos, ações sistematizadas e serviços) a parte da população com deficiência,
abrangendo múltiplos tipos de deficiência (principalmente em relação a deficiências físicas e
intelectuais), com desenvolvimento voltado a soluções de baixo custo ou economicamente
viáveis, e articulações de provisão possíveis via parcerias com outras políticas públicas, como
de saúde ou educação.
Porém, esses avanços são limitados ao considerarmos que o financiamento de projetos
na temática de TA no estado foi pontual (execução da maioria dos projetos entre 2014/2015).
O que implicou em certa descontinuidade para a maioria dos grupos que estão em formação,
que de forma geral continuam suas atividades em condições voluntárias ou em menor escala
de atuação, uma vez que não conseguiram financiamentos substanciais em outras
oportunidades de fomento com concorrência nacional ou competição no âmbito de múltiplas
áreas de conhecimentos, não direcionados aos objetivos finalísticos de TA, em que
prevalecem indicadores tradicionais de desempenho para seleção.
Os citados avanços também são limitados ao considerarmos a falta de uma maior
articulação intersetorial seja para que os produtos e ações desenvolvidos pudessem ser
disseminados e regularmente acessados pelo público-alvo; seja para continuidade de fomento
por outros arranjos institucionais, alternativos a agenda da CT&I. Do mesmo modo, são
limitados ao se levar em conta a restrição à participação ativa das pessoas com deficiência nos
projetos de pesquisa e desenvolvimento e no processo de política de TA. Assim como são
limitados ao se considerar que não houve interação direcionada aos atores empresariais, uma
vez que há falhas de mercado existentes no desenvolvimento, produção e distribuição
293

adequada de TA para grande parte da população que dela necessita, principalmente em


contextos periféricos (mercado incipiente, centrado na comercialização de produtos
importados, concentrado em regiões urbanas de grande concentração de renda). Por fim, esses
avanços são limitados pela circunscrita interação entre os pesquisadores no campo que
proporcione uma ação coletiva coordenada tanto para maior efetividade dos produtos e ações
desenvolvidos por meio do compartilhamento de soluções e estratégias de articulação para
TA; quanto para maior visibilidade da temática na agenda das instituições e do processo de
política de CT&I estadual.
Parte destas dificuldades estão relacionadas a tensões entre as práticas
institucionalizadas de CT&I e da política de CT&I com as orientações de práticas disruptivas
dos processos de exclusão social em torno das pessoas com deficiência na sociedade. De
modo que, a própria temática de TA, associada a uma ênfase distributiva, assume uma posição
marginal na agenda da política de CT&I, que permanece com uma ênfase agregativa.
Assim, consideramos que o fomento ao desenvolvimento de TA apresentou potencial
para auxiliar no enfrentamento das desigualdades de direitos e de oportunidades a que pessoas
com deficiências estão submetidas. No entanto, seu alcance, dadas as limitações acima
indicadas, é ainda substancialmente insuficiente para fazer frente ao tamanho das
necessidades que precisam ser atendidas.
Entre as estratégias propostas na literatura para fortalecimento das políticas de TA três
foram ressaltadas: perspectiva sistêmica para construção de soluções integradas de políticas;
centralidade nas pessoas com deficiência, enquanto cidadãos engajados em todo o processo de
política, e em suas associações de defesa e representação, enquanto atores sociais a serem
valorizados nos mecanismos de governança; e engajamento político de pesquisadores e
especialistas do campo. Entendemos que a consolidação de coalizão(ões) de defesa à temática
na política de CT&I, em que abranja pesquisadores e pessoas com deficiência, seja uma
resposta congruente e habilitadora destas estratégias. Contudo, estas implicam na ruptura com
práticas sociais de orientação tradicional na política de CT&I, no que orientações discursivas
da CT&I orientada para a sociedade mostrando-se mais compatíveis.
294

6 TECNOLOGIA SOCIAL: ORIENTAÇÕES DISCURSIVAS E CONJUNTURA DA


POLÍTICA NACIONAL

O objetivo deste capítulo é contextualizar as concepções de tecnologia social (TS) no


âmbito de enfrentamentos de condições de desigualdades na sociedade, com vistas a subsidiar
nossa análise da promoção de uma política estadual de TS no domínio da política de CT&I no
Pará. Temos consciência que tecnologia social é um conceito que tem apresentado substancial
polissemia, seja na literatura teórica, seja na própria atuação política e de pesquisa de atores
envolvidos em seus movimentos. Neste sentido, inicialmente faremos uma aproximação
teórica-conceitual ao termo de TS, de forma a suscitar as construções conceituais e analíticas
que se desenvolveram no campo da TS e suas principais orientações discursivas que possam
vir a ser constituídas e constituir o sistema de crenças dos atores políticos.
Também procuramos conjecturar alguns marcos sobre a temática de TS na política de
CT&I nacional, tanto em relação ao movimento da RTS, quanto ao fomento de TS pela
política de CT&I no governo federal do Brasil. Esta breve perspectiva sobre a política de TS
nacional visa compor o contexto em que a política de TS no governo estadual do Pará se
desenvolve, e que será analisado no capítulo 7.
Neste horizonte, o capítulo está dividido em três (3) seções. A primeira corresponde a
uma revisão de literatura sobre aspectos conceituais e analíticos de TS. Na segunda seção,
contextualizamos a política para fomento de TS no âmbito do domínio da CT&I no Brasil,
procurando identificar seus principais programas e configuração das ações nesta temática. Por
fim, na terceira seção, retomamos a discussão de orientações discursivas para
desenvolvimento de TS e confrontamos com os discursos gerais da política de CT&I,
discutidos no capítulo 2.

6.1 CONSTRUÇÕES CONCEITUAIS SOBRE TECNOLOGIA SOCIAL

No capítulo 2, posicionamos a TS como uma das abordagens que emergem na política


de CT&I enquanto uma alternativa às concepções e práticas tradicionais desta, com vistas a
constituir uma C&T orientada a resolver os problemas sociais e construída a partir de um
processo participativo baseado na interação com múltiplos atores sociais locais. Entre as
abordagens analisadas por Vasen (2016) contempla um enfoque de busca de ruptura
epistemológica às noções de neutralidade científica e determinismo tecnológico, recusando
295

uma concepção de relação linear e automática entre o crescimento econômico e


desenvolvimento social, entendido como promoção da inclusão social.
A expressão TS enquanto conceito associado a uma vertente alternativa do fazer
científico-tecnológico emerge como proposição de política situada no Brasil, no início da
década de 2000, em meio a movimentos políticos e sociais preocupados com a dinâmica de
exclusão social crescente (DAGNINO, 2009). Esses movimentos tomaram contornos
concretos com iniciativas como a constituição da RTS e com a inserção da linha de TS como
atuação da SECIS e objeto de fomento de agencias nacionais (CNPq e FINEP) no âmbito do
MCT, entre outras ações, como relatamos no capítulo 2.
No entanto, segundo Dagnino (2009), os múltiplos atores envolvidos na constituição
dessas políticas públicas, seja do Estado, seja de ONG e movimentos sociais, não tinham
familiaridade com discussões sobre C&T. Assim, a ideia de construção de um marco
analítico-conceitual buscava estabelecer um conjunto de orientações norteadora de um
desenvolvimento tecnológico que apresentasse eficácia para resolução de problemas sociais e
fosse condizente com os avanços em estudos de CTS, agregados por parte dos atores da CT&I
integrantes do movimento.
Para Novaes e Dias (2009), ao tratarem desta construção de marco analítico-conceitual
para TS, há dois caminhos percorridos para se chegar a este fim: um se refere a fazer uma
analogia por oposição ao marco conceito atual de tecnologia convencional; e, outro
corresponde a resgatar a anterior concepção de tecnologia apropriada, enfoque que buscava na
C&T respostas para combater a pobreza, concebido principalmente no âmbito da década de
1970, mas incorporar nele às críticas e proposições conceituais e analíticas do campo da CTS
construídos nos últimos 30 anos.
Para organização desta seção, iniciaremos trazendo alguns aspectos adicionais sobre
tecnologia apropriada e suas principais críticas, tendo em vista que entendemos que esta
concepção ainda apresenta influência no ambiente da política de CT&I, por estar vinculada a
orientação discursiva da C&T auto orientada. Posteriormente, entraremos na concepção do
marco analítico-conceitual proposta a partir de pesquisadores de estudos CTS em que algumas
distinções entre o desenvolvimento de TS e da tecnologia convencional serão apontados. E, a
partir desta, discutiremos a conformação de variações discursivas, que influem à expressão de
TS parte de sua característica polissêmica atual.
296

6.1.1 Tecnologia apropriada como uma proposta de primeira geração da C&T para
inclusão social

Como mencionamos no capítulo 2, o conceito de tecnologia apropriada foi


amplamente difundido, principalmente na década de 1970, como uma resposta de
desenvolvimento tecnológico para solucionar problemas sociais em contextos de condições
precárias de comunidades, geralmente em países considerados subdesenvolvidos (THOMAS;
JUAREZ; PICABEA, 2015). Conforme Dagnino, Brandão e Novaes (2004), a defesa da
tecnologia apropriada também deve vetores diversos, tanto relacionada a proposições de
origem científica com proeminência aos trabalhos de Schumacher ("Small is beautiful:
economics as if people mattered" de 1973); como movimentos sociais da Índia, onde estes
autores identificam sua origem.
Para Dagnino, Brandão e Novaes (2004), a noção original do que veio a tornar-se o
conceito de tecnologia apropriada surgiu na Índia, como uma estratégia de resistência contra o
domínio britânico, em que reformadores propunham a reabilitação e aperfeiçoamento das
técnicas e conhecimentos tradicionais em suas aldeias. Segundo estes autores, posteriormente,
Gandhi retomaria esta ideia para construir programas de popularização da fiação manual na
Índia, com vistas a gerar um movimento que favorecesse a autodeterminação do povo, por
meio de uma renovação da indústria nativa a partir do melhoramento e adaptação das técnicas
locais em consonância com o meio ambiente e condições econômicas, sociais e culturais da
Índia. Deste modo, o fomento da pesquisa científica e tecnológica estaria voltado a identificar
e solucionar problemas importantes locais e imediatos, promovendo um processo de
desenvolvimento orgânico e endógeno (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).
Esta concepção de uma tecnologia de baixo custo, de desenvolvimento maduro,
simples e adequada à pequena escala de produção e à dimensão ambiental local foi
identificada como apropriada a condições de produção e de vida em países periféricos por
Schumacher, cuja proposição conceitual obteve substancial impacto durante as décadas de
1970 e 1980 (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004). Assim, Dagnino, Brandão e
Novaes (2004) relatam que houve grande proliferação de grupos de pesquisas adeptos a
tecnologia apropriada, principalmente nos países centrais, com significativa produção de
artefatos tecnológicos direcionados pelo escopo precípuo de minimizar condições de pobreza
em países periféricos, e algumas iniciativas preocupadas quanto a questão ambiental e fontes
alternativas de energias em países centrais.
297

Pelas características alternativas acima indicadas da tecnologia apropriada, esta se


diferenciava das tecnologias convencionais, uma vez que estas eram dirigidas a alcançar uso
intensivo de capital (poupando mão-de-obra) e aplicadas em processos industriais de larga
escala. Neste sentido, Dagnino, Brandão e Novaes (2004) ressaltam que tal diferenciação era
buscada por se considerar que, dadas essas características das tecnologias convencionais, elas
tornavam-se inviáveis ou causariam uma acentuação de problemas se implementadas nos
países periféricos, nas condições existentes. Deste modo, a tecnologia apropriada passava a
ser entendida como “um conjunto de técnicas de produção que utiliza de maneira ótima os
recursos disponíveis de certa sociedade maximizando, assim, seu bem-estar” (DAGNINO,
1976, p. 86 apud DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).
Contudo, se por um lado, a tecnologia apropriada dava certa vazão ao compromisso
social da produção científica e tecnológica; por outro lado, a contraposição à tecnologia
convencional resumia-se em proporcionar um conjunto de tecnologias adaptadas aos que não
tinham acesso àquelas pelos fluxos e condições usuais (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES,
2004). Portanto, não havia um questionamento próprio à concepção da tecnologia
convencionalmente desenvolvida, mas a proposição uma solução alternativa àqueles países ou
grupos sociais que, por sua condição precária, ainda não reunião a conjuntura necessária para
uso de maior intensidade tecnológica.
A proposta de tecnologia apropriada manteve sua concepção alinhada ao discurso da
C&T auto orientada, associada a neutralidade científica e ao determinismo tecnológico. De
modo que, o problema do desenvolvimento tecnológico alternativo era atribuído não a uma
deficiência ou crítica à tecnologia convencional em si (vista como superior em termos
tecnológicos), mas à precariedade de um conjunto de usuários.
A partir da década de 1980 começam a serem articuladas críticas ao movimento de
tecnologias apropriadas. Para Dagnino, Brandão e Novaes (2004), a principal debilidade de
seu marco conceitual foi o pressuposto de que somente o alargamento da variedade de oferta
tecnológica, abrangendo alternativas à disposição dos países periféricos, seria suficiente para
determinar o processo de adoção de tecnologias.
Por conseguinte, como realçado por Thomas, Juarez e Picabea (2015), o movimento
centrou-se no processo de seleção de tecnologias de acordo com as características da
comunidade em foco de usuários, porém seu desenho e implementação tendia a configurar-se
em um processo top-down (dentro de uma concepção de modelo linear de inovação) e de
ênfase instrumental. Os pesquisadores e implementadores da tecnologia apropriada não
avançaram na concepção de processos alternativos de geração e disseminação de
298

conhecimentos junto aos atores sociais locais (concebidos como usuários), que implicassem
em uma apropriação tecnológica que proporcionasse que fosse efetivamente adotada e,
engendrasse um processo autossustentado de desenvolvimento tal como ocorre na tecnologia
convencional (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).
Neste ponto, uma contribuição crítica relevante, segundo Dagnino, Brandão e Novaes
(2004), corresponde ao aporte da teoria da inovação e seus questionamentos sobre o modelo
linear de inovação, pois passou a reconhecer a necessidade de interação dos atores sociais
alvos no processo de inovação. Diante disso, seria como pouco realista admitir que
pesquisadores e engenheiros (que compartilham valores e objetivos próprios de um cenário de
compromisso com uma intensidade tecnológica cada vez maior e critérios de eficiência e
qualidade de vida a partir da cultura dominante de países capitalistas centrais) pudessem
produzir tecnologia apropriada sem que considerassem procedimentos e critérios técnicos
profundamente enraizados em sua formação (que caracterizam as tecnologias convencionais),
com vistas a atingir uma assertividade de concepção tecnológica em múltiplos critérios
(científicos, técnicos, econômicos, sociais, culturais etc.) que atendesse as especificidades das
distintas comunidades focais (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).
Por sua vez, apesar de voltada a objetivos de desenvolvimento e inclusão social, a
concepção de tecnologia apropriada assumia uma postura adaptativa da tecnologia
convencional, cujo enfoque tecnológico estava em questões centradas na noção de produto,
em detrimento de um olhar mais crítico ao processo, o que implicava em duas limitações:
articular dinâmicas de geração e difusão tecnológica semelhantes à concepção dominante da
tecnologia convencional, conduzindo a baixa assertividade às necessidades e condições das
comunidades alvos; e, subestimar processos locais necessários de adoção, apropriação e
difusão tecnológica, por certa expectativa que a transferência e o emprego da tecnologia
alternativa (enquanto produto) por si pudesse engendrar uma transformação social no contexto
em que esta opera (determinismo tecnológico) (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).
Neste cenário, Thomas, Juarez e Picabea (2015) concluem que a implementação de
tecnologias apropriadas, que nas décadas de 1970 e 1980 se converteram em políticas
públicas e projetos de intervenção em vários países, inclusive fomentado por agências
internacionais, por vezes tendeu a, paradoxalmente, aprofundar diferenças sociais (que
pretendia superar ou, ao menos, reduzir) entre grupos dominantes e grupos precarizados, pela
tendência a imposição cognitiva e tecnológica daqueles sobre estes. A partir de 2000, emerge
uma nova onda de movimentos para promoção da inclusão social pela C&T, em que se situa a
TS.
299

6.1.2 Emergência do marco analítico-conceitual de tecnologia social a partir dos estudos


sobre Ciência, Tecnologia e Sociedade

A emergência de novos movimentos para inclusão social e enfrentamento de


condições de vida precárias no âmbito da política de CT&I provoca uma certa retomada das
experiências anteriores da tecnologia apropriada, bem como as críticas sobre suas
deficiências. Para Novaes e Dias (2009), esta retomada acompanhada das críticas e
aprendizados a partir dos estudos CTS era relevante para evitar o risco de repetir erros
anteriores.
Assim, embora também seja direcionada para enfrentar problemas de exclusão social,
uma das principais diferenças deste marco analítico-conceitual proposto para a TS esteve
sobre a atenção ao processo de concepção, desenvolvimento e disseminação tecnológica, ao
assumir este como uma construção sociotécnica (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).
Deste modo, a centralidade não estava no produto em si a ser alcançado, mas no processo de
desenvolvimento deste, que inclusive torna-se esse produto em algo em constante
transformação e adequação no meio social.
Neste contexto, houve ênfase a um enfoque de construção coletiva de conhecimento a
ser aplicado no desenvolvimento tecnológico, que tanto envolvesse a comunidade a ser
produtora e usuária da tecnologia, quanto sensibilizasse pesquisadores, engenheiros e outros
profissionais a incorporar parâmetros, variáveis e relações necessários ao desenvolvimento da
TS a partir dos valores culturais das comunidades, e não dos padrões de valores e interesses
empresariais competitivos projetados em suas formações pela perspectiva tecnológica
convencional (DAGNINO, 2009). Portanto, o marco de TS assume o modelo de inovação
interativo em que, como colocado por Dagnino, Brandão e Novaes (2004), os atores sociais
diretamente envolvidos ao exercerem a função inovativa operam concomitantemente o papel
de quem aponta as necessidades (demanda tecnológica) e o papel de quem detém
conhecimentos essenciais para a solução (oferta tecnológica).
Dagnino (2009) realça que este duplo papel seria assumido por diversos atores sociais
a quem a prática de TS fosse direcionada, contemplando os membros das comunidades e
grupos sociais em desvantagem, mas também o Estado enquanto espaço focal para
constituição de políticas públicas de TS. Destarte, a incorporação da TS em políticas sociais
passa pelos atores do Estado em diversos setores também adotarem um papel de estabelecer
300

demandas para este tipo de solução tecnológica em suas diversas políticas públicas sociais, e
participarem da construção destas soluções em conjunto com os atores a serem beneficiados.
Contudo, apesar de partirem do modelo interativo, há diferenças entre o processo de
inovação baseado na abordagem de sistemas de inovação, que caracterizaria os moldes da
tecnologia convencional atual (alinhado ao discurso da CT&I orientada para o mercado), e o
processo proposto de TS dentro deste marco analítico-conceitual, que estaria alinhado a um
discurso da CT&I orientada para a sociedade: o primeiro processo tem como lócus normativo
e instrumental as empresas, as quais assumem um papel de instância de provisão de
tecnologia baseado em critérios tecnocientíficos, financeiros, de produção e culturais
predominantes das elites em países centrais contemporâneos; o segundo processo, referente à
TS, ao voltar-se a grupos que sofrem exclusões sociais e ficam, portanto, à margem do
primeiro processo, compreende que a inclusão social requer a inserção destes grupos em todo
o processo de desenvolvimento, desde a identificação de prioridades de atendimentos
(necessidades prioritárias) e concepção de possíveis soluções.
Neste cenário, múltiplos lócus podem ser articulados ao processo inovativo de acordo
com a organização social do público-alvo, como, por exemplo, a própria comunidade, uma
associação de moradores ou um empreendimento solidário. O deslocamento do lócus
convencional (empresa com sua estrutura hierarquizada e ambiente de ênfase competitiva) de
produção tecnológica para loci alternativos implica também na diversidade e maior
horizontalidade entre atores sociais envolvidos (e seus valores e interesses) e entre
conhecimentos populares, tradicionais e científicos articulados.
Dinâmica similar também se aplica ao processo de difusão da inovação, Dagnino,
Brandão e Novaes (2004) indicam que, como o processo de difusão ou transferência de uma
tecnologia para outra empresa toma o contorno de um novo processo de inovação para a teoria
de inovação, o processo de disseminação de TS também adquire moldes correspondente,
sendo denominado no âmbito do movimento da RTS de reaplicação. Cada reaplicação de uma
TS é, portanto, como um processo de desenvolvimento tecnológico específico, que embora
tenha como ponto de partida a ideia da TS anteriormente concebida, combina-se com aspectos
próprios do contexto sociotécnico em que será disseminada, considerando-se o ambiente e as
relações entre os atores locais participantes (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).
Neste sentido, um conceito relevante dentro deste marco de TS é o de adequação
sociotécnica. O conceito advém do entendimento da tecnologia como uma construção ou um
conjunto sociotécnico, negando, assim, as proposições de relações causais monodirecionais
entre mudança técnica e mudança social (determinismo tecnológico ou determinismo social),
301

e adotando uma abordagem que reflita a complexidade do desenvolvimento tecnológico, ao


ser moldada e adquirir significados em um conjunto heterogêneo de interações sociais, em
que se entrelaçam elementos técnicos, econômicos, sociais e políticos (BIJKER, 1995;
DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).
A base conceitual da noção de “construção sociotécnica” é referente a Bijker (1995)
ao estabelecer que no processo de desenvolvimento tecnológico os artefatos têm suas
características constituídas por negociações entre “grupos sociais relevantes” em seu contexto.
Estes grupos possuem preferências e interesses diferentes, o que implica no emprego de
critérios econômicos, políticos, sociais e, inclusive, técnicos de natureza distintas durante o
desenvolvimento dos artefatos até que se chegue em uma situação de “estabilização” e
“fechamento” do desenho tecnológico. Esta visão, portanto, direciona a atenção no processo
de desenvolvimento tecnológico para os grupos sociais de relevância em atuação neste, ou
seja, aos atores sociais que dele conseguem participar.
Consequente a esta noção, a partir de um posicionamento da teoria crítica, Dagnino,
Brandão e Novaes (2004) indicam de que as tecnologias não podem ser vistas simplesmente
como ferramentas, mas suportam e expressam estilos de vida (valores culturais e sociais,
critérios econômicos e organizacionais, interesses e preferências políticas). Logo, uma
tecnologia desenvolvida em um determinado contexto refletirá os estilos de vida dos grupos
sociais que obtiveram maior capacidade de influência em seu processo de criação e difusão,
os quais tendem a ser os grupos dominantes naquela sociedade.
Diante de tal posicionamento, realçamos duas preocupações para concepção de
tecnologias para enfrentamento das desigualdades, uma vez que, por pressuposto, as
assimetrias e diferenças sociais tendem a estarem presentes nestas, do seu desenvolvimento a
sua difusão e aplicação, mesmo que, em geral, implicitamente. A primeira é que tecnologias
desenvolvidas em contextos distintos, tenderão a fixar valores e regras sociais, econômicas e
políticas exógenas a outros contextos quando difundidas, apresentando elementos que podem
levar a dificuldades ou resistências de adoção, como foram alguns casos de tecnologias
apropriadas desenvolvidas em países centrais quando transferidas a contextos periféricos,
comentado por Dagnino, Brandão e Novaes (2004). A segunda é que em um mesmo contexto,
valores e regras sociais, econômicos e políticos de grupos dominantes poderão ser impostos
por meio das tecnologias desenvolvidas e postas em uso aos demais grupos (particularmente
aqueles em desvantagens e processos de exclusão social) em meio as dinâmicas de relações
sociais estabelecidas.
302

A partir desta perspectiva da teoria crítica, Dagnino, Brandão e Novaes (2004) irão
defender que o marco analítico-conceitual de TS deve abrir a possibilidade de pensar as
escolhas tecnológicas entre os diferentes grupos sociais e submeter seu processo de
desenvolvimento e disseminação a controles mais democráticos. Neste aspecto, tanto é
aportado uma orientação à dimensão processual do desenvolvimento e disseminação
tecnológica, quanto à necessidade de participação do público a ser beneficiado nesta.
Nesta linha, Dagnino (2014) argumenta que o desenvolvimento de TS configura-se em
um processo de concepção coletiva que integra diferentes elementos: atores sociais (com
valores e interesses) e recursos (cognitivos, econômicos, políticos, ambientais etc.) com
características e competências distintas. A combinação desses elementos ao longo de um
período conduz a estabilização de arranjos híbridos em que elementos tecnológicos e sociais
(sociotécnicos) estão indissociavelmente misturados, formando um "tecido sem costura"
(DAGNINO, 2014).
Ao considerar esta acepção sociotécnica da tecnologia, a noção de adequação
sociotécnica insere-se no âmbito de TS com o objetivo de adequar a tecnologia convencional
(ou conceber alternativas a partir de conhecimentos sobre estas), aplicando critérios
suplementares referentes aos valores sociais, econômicos e políticos do público-alvo
beneficiário, de modo a conformar uma TS alinhada a estes últimos. Para Dagnino, Brandão e
Novaes (2004) essa combinação de critérios emergente conformaria o novo código
sociotécnico (alternativo ao código convencional) pelo qual a tecnologia convencional seria
desconstruída e reprojetada, resultando na TS.
Dagnino, Brandão e Novaes (2004) e, posteriormente, retomado Dagnino (2014),
propõe sete (7) diferentes modalidades em que esta adequação sociotécnica pode ocorrer, de
acordo com um sentido crescente de complexidade e adensamento de conhecimentos na
direção da mudança técnica que inicia no simples uso da tecnologia em contexto distinto,
passando pela apropriação tecnológica, pela revitalização ou reprojetamento de máquinas e
equipamentos, pelo ajuste de processo de trabalho, pela concepção de alternativas
tecnológicas, pela incorporação de conhecimento científico-tecnológico existente, e chegando
a incorporação de conhecimento científico-tecnológico novo.
Ao enfocar a adequação sociotécnica em empreendimentos de economia solidária e
autogestionários, Dagnino, Brandão e Novaes (2004) indicam que esta se caracterizaria pela a
aplicação de critérios suplementares aos técnico-econômicos usuais da tecnologia
convencional (projeto para empresas com organização hierárquica tradicional, de ênfase de
controle da gestão sobre trabalhadores e de circuitos competitivos de mercado) para
303

conformar tecnologias adequadas a processos de gestão e produção de ênfase cooperativa e


compartilhada com circulação de bens e serviços em circuitos não-formais, visando a otimizar
suas características próprias. Para Novaes e Dias (2009), neste contexto, a adequação
sociotécnica seria um guia de um processo participativo para a desconstrução e, posterior,
reconstrução (reprojetamento) de tecnologias, indispensável ao crescimento e enraizamento
de movimentos associativistas e de autogestão (cooperativas, mutirões de sem-teto, fábricas
recuperadas etc.).
Neste âmbito, além de critérios já presentes no movimento da tecnologia apropriada
(como menor custo e escala de produção, adequação as condições ambientais etc.), Dagnino,
Brandão e Novaes (2004) indicam que a TS incorporaria também requisitos relacionados à
participação democrática no processo de trabalho, desenvolvimento das potencialidades de
intelectuais dos trabalhadores, capacitação autogestionária, e uma ênfase a valores coletivos e
comunitários, como resguardar o meio ambiente comunitário, bem como a saúde dos
trabalhadores e consumidores.
Outra preocupação em perspectiva do marco analítico-conceitual foi a discussão do
papel do Estado no fomento e aplicação de TS. Propositivamente, Dagnino, Brandão e
Novaes (2004) preconizam que o Estado teria o papel de operar como demandante de
soluções via TS para a políticas públicas, principalmente as sociais, e seu próprio
funcionamento governamental, com vistas a, por um lado, empregar parte de seu poder de
compra ao fomento a TS; e, por outro lado, proporcionar uma melhoria da qualidade dos
serviços governamentais pela constituição de produtos e processos em consonância com os
critérios do marco analítico-conceitual de TS, como a valorização da participação dos
beneficiários na construção de soluções. Bem como, neste âmbito de políticas públicas,
assumiria o Estado também o papel de viabilizar da TS junto aos grupos sociais vulneráveis,
seja enquanto financiador, seja enquanto articulador dos arranjos institucionais necessários
para solução de problemas em comunidades e grupos sociais em desvantagens (COSTA;
DIAS, 2013; DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).
Contudo, embora Dagnino, Brandão e Novaes (2004) defendessem que o Estado ao
precisar assumir essa dupla função de financiador e viabilizador da TS devesse apoiar a TS
em proporção maior do que atuava nas tecnologias convencionais, também reconheciam que,
grosso modo, os investimentos governamentais em CT&I eram quase na totalidade orientados
para desenvolvimento de tecnologias convencionais, situação que consideramos não ter
havido substancial alteração, ao ponderar a posição marginal de TS na agenda da política de
CT&I.
304

Neste cenário, Dagnino e Bagatolli (2009) discutem a posição estratégica da política


de CT&I para indução do fomento a TS, tendo em vista sua relevância, de forma geral, na
problematização e reconstituição das relações entre CTS e, de forma específica, para a
construção do substrato cognitivo das tecnologias sociais. Os autores partem do pressuposto
que uma ampliação no espaço de agenda e implementação de TS na política de CT&I requer
uma mudança no modelo cognitivo da política, o que nos temos considerado em termos de
orientação discursiva.
Deste modo, a valorização de um desenvolvimento tecnológico a partir do marco
analítico-conceitual proposto à TS exige uma mudança na orientação discursiva sobre as
próprias concepções de C&T de parte significativa dos atores políticos da CT&I, membros da
comunidade de pesquisa. Como observamos, o marco em discussão apresenta alinhamento ao
discurso da CT&I orientada para a sociedade, divergente da orientação discursiva
predominante no país (seja da política de CT&I, seja do senso comum por aquela
influenciado), resultante de um amálgama do discurso da C&T auto orientada e da CT&I
orientada para o mercado. Portanto, a consolidação do fomento de TS perante tal marco
analítico-conceitual como orientador de políticas públicas implica em uma disputa discursiva
na politics no intuito de alteração na policy.
Diante do exposto, Dagnino e Bagatolli (2009) e Dagnino (2009) indicam caminhos
estratégicos para fortalecer a temática de TS em políticas públicas, baseados na interlocução
com os dois atores chaves pesquisadores e demais membros da comunidade de pesquisa
(atores dominantes na política de CT&I), e atores responsáveis pela elaboração das políticas
sociais.
No que tange a interlocução com a comunidade de pesquisa, o principal
direcionamento em relação a disputa discursiva proposto por Dagnino e Bagatolli (2009)
refere-se a demonstrar as fragilidades de exequibilidade nos objetivos intermediários e
agregados estabelecidos na orientação dominante da política de CT&I para promoção de
inclusão social. Os autores entendem ser necessário um esforço de debater que a busca de
aumento de competitividade nas empresas no país a partir de emulação de política externas,
seja pela geração de C&T nas universidades e institutos de pesquisa para serem transferidos
(principalmente por meio de ações neovinculacionistas), seja pelo fomento direto à P&D
empresarial, não tem se mostrado efetivo, uma vez que estruturalmente as empresas no Brasil
não competem no mercado mundial por tecnologia, mas a maioria mantém-se em setores
extrativistas e agrícolas com baixa intensidade tecnológica, cuja resposta competitiva tende a
ser via aumento de escala de produção e redução de custos. Embora os atores assumam que
305

tais arranjos de apoio a P&D sejam do interesse de empresas locais, diante da estrutura de
mercado e da direção da política econômica, as respostas das empresas têm sido
extremamente tímidas a considerar dados da PINTEC e outros estudos citados como (Pereira,
2005; Velho, et. al., 2005).
Entendemos que esse argumento de Dagnino e Bagatolli (2009) se posiciona enquanto
abrir um questionamento em relação a exequibilidade da orientação discursiva da política de
CT&I, a favor de um escopo, por um lado, mais finalístico da política aos problemas sociais
locais e nacionais (afastando-se da ênfase a escopos "meio" excessivos da policy for science
do discurso da C&T auto orientada); por outro lado, mais plural em termos de públicos a
serem atendidos na agenda (afastando-se da ênfase a empresa como centralidade da política
no discurso da CT&I orientada para o mercado). O que, ao nosso ver, expõe incoerências
sobre a natureza predominantemente utilitarista e agregativa da concepção de justiça social na
política de CT&I enquanto estratégia de desestabilização das orientações discursivas
dominantes.
Assim, compreendemos que a partir do marco analítico-conceitual de TS estabelecido
há a proposição que o atendimento efetivo de grupos sociais vulneráveis ou em desvantagem
requer não somente o direcionamento de parte do esforço de CT&I para um determinado
público, que seria uma alteração somente parcialmente distributiva na agenda política. Mas,
há a necessidade de uma mudança qualitativa na forma de produzir e disseminar CT&I, ou
seja, na forma estabelecida das relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). Neste
sentido, ao contrário da concepção da tecnologia apropriada, este marco de TS assume uma
ruptura de práticas sociais dominantes (que incluí o corte discursivo) no campo de pesquisa e
da política.
Nesta perspectiva, Dagnino (2009) indicou, como uma segunda frente de ações para a
promoção de TS, atividades no que se refere ao aprofundamento dos estudos sociais na C&T
e na educação em CTS no campo da docência, pesquisa e extensão, inclusive por meio de
capacitações, como suporte a reorientação discursiva de membros da própria comunidade de
pesquisa. De modo a, para além do enfoque baseado na construção coletiva de conhecimento
(que em si abrange questões básicas, mas ainda relevantes sobre conceitos de neutralidade da
ciência e determinismo tecnológico), avançar em outras temáticas relacionadas a esta
reorientação, a partir de um novo marco de relações entre CTS, na direção de práticas de
interdisciplinaridade, de escopo sobre a relevância social da C&T, e de conexões entre
diferentes saberes e conhecimentos na sociedade.
306

Em relação aos atores responsáveis pela elaboração das políticas sociais, Dagnino e
Bagatolli (2009) direcionam a concepção de estratégias sobre a atuação intersetorial da CT&I,
em particular da TS, com vistas a fortalecer um sentido de science for policy para setores
como saúde, educação, meio ambiente, e assistência social para uma agenda dos grupos
sociais em desvantagem. Uma agenda intersetorial nesta direção ainda se mantém
praticamente latente no domínio da CT&I, como argumentado pelos autores, seja porque parte
substancial da agenda da CT&I responde a demandas da policy for science, seja porque outra
parte tem se dirigido a esforços de apoio à inovação tecnológica em foco em empresas,
mesmo na ausência de uma política industrial estruturada nesta direção e do estabelecimento
de práticas de intersetorialidade correspondentes.
A construção de práticas de intersetorialidade entre a política de CT&I e outras sociais
apresenta desafios de interação e convergência (SERAFIM, 2008). Tais desafios são tanto
relacionados a própria política de CT&I, pelo seu insulamento e pouco articulação com outros
atores sociais destas políticas fins, perante domínio interno de seu ator político principal
(comunidade de pesquisa), frente a que as ações acima comentadas buscam atuar. Quanto nas
políticas sociais fins, em que Dagnino e Bagatolli (2009), em consonância com Serafim
(2008) apontam haver grande escassez de pessoal qualificado para implementar ações na
direção de tal convergência, uma vez que suas concepções de CTS estão, em geral,
comprometidos com visões de neutralidade da ciência e determinismo tecnológico, e
conduzem a operacionalização de serviços a partir de concepções de tecnologias
convencionais.
Desta forma, o desenvolvimento e aplicação de TS, fundamentado neste marco
analítico-conceitual, como base para políticas de inclusão social requer a construção de
práticas de articulações intersetoriais entre a política de CT&I e políticas sociais, por si, não
estabelecidas no domínio até o momento. Bem como, a introdução de processos de
reorientação discursiva seja junto a comunidade de pesquisa, como ator predominante na
CT&I, seja de atores sociais nas políticas sociais (movimentos sociais, servidores públicos de
diversas formações profissionais, e sociedade em geral). Cabe mencionarmos que esta
reorientação envolve considerável complexidade, visto alcançar uma revisão de práticas
abrangentes na política (incluídos aspectos acessórios do sistema de crenças, como os
formatos e regras de instrumentos de seleção e implementação e processos de avalições), e no
campo de intervenção da pesquisa, como antes indicado.
Relacionada as implicações de tais visões abrangentes dos desafios para
implementação de TS enquanto soluções efetivas para inclusão social e políticas públicas,
307

como a intersetorialidade, também é realçada a perspectiva de concepção de sistemas


tecnológicos sociais. Esta concepção emerge com críticas ao fomento e aplicações de TS
enquanto soluções tecnológicas pontuais frente a problemas sociais de natureza sistêmica,
envolvendo múltiplas dimensões (THOMAS; JUAREZ; PICABEA, 2015). Como indicado
por Lassance Jr e Pedreira (2004) que, embora verifique-se a existência de TS desenvolvidas
em vários setores de políticas públicas (por exemplo, saúde, saneamento e agricultura), estas
são implementadas de forma isoladas umas das outras, representando soluções parciais, que
não alcançam sinergia e integração ao ponto de se constituírem em uma solução conjunta para
políticas sustentáveis, que se retroalimentem em termos de dinâmica tecnológica.
Thomas, Juarez e Picabea (2015) propõem que a visão sistêmica ao marco analítico-
conceitual de TS baseia-se na compreensão que as sociedades estão sendo tecnologicamente
configuradas ao mesmo tempo em que as (múltiplas) tecnologias são socialmente construídas,
de modo que existe uma dinâmica de interatividade entre múltiplas tecnologias que estão
sendo, ao mesmo tempo, concatenadas com multifacetadas dimensões da sociedade. Dagnino
(2014) adota a expressão sistema tecnológico ao se referir a um conjunto complexo de
"conhecimento científicos, dispositivos técnicos, jurídicos, políticos, econômicos,
organizacionais”, que são articulados com a finalidade de resolver problemas percebidos
como tais pelos membros integrantes deste sistema.
Assim, ao considerar as múltiplas dimensões envolvidas no desenvolvimento
tecnológico e as dinâmicas de interação sociotécnica em que as tecnologias já desenvolvidas
fazem parte, à medida que uma orientação discursiva se torna predominantemente
incorporada em artefatos ou processos tecnológicos instiga outros desenvolvimentos
tecnológicos (complementares ou de aperfeiçoamento) similares ou compatíveis, o que
podemos pensar enquanto um efeito de "estabilização" de sistema tecnológico.
Deste modo, a noção de sistemas tecnológicos sociais provê uma abrangência e
complexidade mais adequada ao marco analítico da TS ao permitir visualizar e atuar em
múltiplas dimensões implicadas nos problemas sociais. Segundo esta, o desenvolvimento de
dinâmicas locais de produção, mudança tecnológica e inovação passam a não ficarem mais
centradas somente na dimensão específica que emerge como problema percebido, mas induz a
uma análise e atuação sobre um conjunto de elementos (cognitivos, técnicos, sociais,
econômicos, ambientais etc.) e suas relações sistêmicas em que este problema está inserido
(THOMAS; JUAREZ; PICABEA, 2015).
Nesta perspectiva, Thomas, Juarez e Picabea (2015) conceituam sistemas tecnológicos
sociais como sistemas sociotécnicos heterogêneos (formados por atores e artefatos, por
308

comunidades e tecnologias para inclusão social) orientados para a geração de dinâmicas de


inclusão social e econômica, para promoção da democratização e desenvolvimento
sustentável no conjunto da sociedade.
Esta perspectiva sistêmica preconiza um desenho sociotécnico integrado para
produtos, processos produtivos e métodos de organização voltados a um enfoque inclusivo
das relações problema-solução (THOMAS; JUAREZ; PICABEA, 2015). Em termos mais
amplos de estruturação de políticas públicas, o conceito de sistemas tecnológicos sociais
orientaria não somente a constituição de sistemas produtivos, mas também de serviços
públicos e infraestrutura (com tecnologias para saúde, saneamento, educação, agricultura,
meio ambiente etc.), incorporando-se nos sistemas normativos e regulatórios (LASSANCE
JR; PEDREIRA, 2004; THOMAS; JUAREZ; PICABEA, 2015).
Diante do exposto, Thomas, Juarez e Picabea (2015) defendem que a noção de
sistemas tecnológicos sociais adquire amplitude para ser articulada no alcance que os
problemas sociais de pobreza atingem na América Latina, que implica na proposição de novos
insumos para a geração de políticas públicas e estratégias institucionais de desenvolvimento
social e econômico, como os empreendimentos da economia solidária.
Desta maneira, enquanto um sistema tecnológico alternativo, o sistema tecnológico
social seria adequado a empreendimentos ou formatos organizacionais também alternativos.
Dagnino, Brandão e Novaes (2004), as TS (conformadas enquanto hardware, orgware e
software), atuando como alternativas às tecnologias convencionais, viabilizam rotas de
expansão da economia solidária. A ideia de sistemas tecnológicos realça essa visão integrada
destes conjuntos de TS seja no âmbito de um empreendimento (pela agregação de diferentes
TS), seja no âmbito de promover a progressão da cadeia produtiva cooperativa pela compra e
venda de bens e serviços entre empreendimentos tanto na direção de atividades a jusante e a
montante desta, quanto transversalmente fortalecendo arranjos produtivos locais.
A economia solidária tem sido um ramo de desenvolvimento de estudos e aplicação da
TS. A partir deste marco analítico-conceitual, Dagnino (2014) faz uma especificação de um
conceito de TS voltado a economia solidária:

“resultado da ação de um coletivo de produtores sobre um processo de trabalho que, em


função de um contexto socioeconômico (que engendra a propriedade coletiva dos meios
de produção) e de um acordo social (que legitima o associativismo), os quais ensejam,
no ambiente produtivo, um controle (autogestionário) e uma cooperação (de tipo
voluntário e participativo), permite uma modificação no produto gerado passível de ser
apropriada segundo a decisão do coletivo" (DAGNINO, 2014, p. 144).
309

Bem como, na mesma publicação, Dagnino (2014) propõe uma matriz de


implementação e análise de TS a partir de múltiplos conjuntos de dimensões, conforme
quadro 26, aprofundando o marco analítico-conceitual em desenvolvimento.
No entanto, apesar de estar havendo um contínuo aprofundamento de concepções e
experiências de desenvolvimento de TS no âmbito desse marco analítico-conceitual no país,
como são exemplos estas concepções analítico-conceituais acima mencionadas e as aplicações
em políticas públicas e em economia solidária, tal marco não se conformou como a única base
de orientação discursiva em torno da expressão (e de movimentos) de TS.

Quadro 26 – Matriz de dimensões para análise de tecnologia social, conforme Dagnino (2014)
Conjunto Dimensões
 Tipo de produto (bem/serviço e grupo social direcionado)
Descrição  Sistema de propriedade dos meios de produção (privado, coletivo, público)
 Características do processo de trabalho
 Participação de pesquisadores no desenvolvimento
 Grau de interação dos pesquisadores
 Participação de usuários no desenvolvimento
Conhecimento
 Grau de interação com conhecimentos tradicionais ou ancestrais
 Balanço entre conhecimentos tradicionais e científicos
 Dinâmica de aprendizado
 Contribuição para cadeias produtivas (criar, adensar, complementar)
Sustentabilidade
 Grau de integração/distância da economia formal
econômica
 Potencialidade de conformação de um sistema sociotécnico autônomo
Sustentabilidade  Modo como a TS afeta o meio ambiente (degrada, recupera, grau de intensidade)
ambiental  Impactos...
 Características da TS em relação a práticas culturais dos usuários/comunidade
 Características da TS em relação a autogestão
Sustentabilidade  Características da TS voltadas a potencializar a emancipação/empoderamento dos
cultural usuários
 Características da TS em relação a questões de gênero, raça/cor, classe, idade,
deficiências...
 Potencial para obter apoio e fomento (direto ou indireto) ao sistema tecnológico
Sustentabilidade
 Grau de apoio de pesquisadores
política
 Grau de apoio de outros segmentos e movimentos sociais
 Existência de tecnologias alternativas para resolução do problema a que a TS se dispôs
Alternativas a abordar (seja de tecnologias convencionais ou outras TS)
tecnológicas  Possibilidade de desconstrução da tecnologia convencional
 Relação com modalidades de adequação sociotécnica (verificar referência)
 Entorno sociotécnico em termos de limites econômico, político, gradiente tecnológico,
Entorno regulatório/mercado
sociotécnico  Possibilidade de compatibilização entre vantagens cooperativas, necessidades e
demandas.
 Elementos que explicam o sucesso (funcionamento) ou fracasso (não funcionamento)
Dinâmica da TS
sociotécnica  Marco tecnológico (frame) em que se baseia a construção de problemas e soluções
 Grupos sociais relevantes e modo de interação/participação no desenvolvimento da TS
Fonte: Adaptado pela autora a partir de Dagnino (2014).
310

6.1.3 Outras posições discursivas sobre tecnologia social

Como vimos no capítulo 2, vários movimentos são articulados em termos de projetar a


C&T de modo mais direto a resolução de problemas sociais, sendo que estes movimentos,
como observado por Vasen (2016), embora possam adotar orientações discursivas de ruptura,
tendem a assumir posições mais reformistas. De forma similar, em torno da ascensão da
expressão de TS na política de CT&I, outras orientações discursivas também se mobilizaram.
O esforço propositivo de parte de pesquisadores em construir um marco analítico-
conceitual para TS baseado nos avanços de estudos da CTS, conforme a subseção anterior,
alinhou-se a uma orientação discursiva da CT&I orientada para a sociedade, o que distancia
este marco das posições discursivas predominantes na política de CT&I (C&T auto orientada
e CT&I orientada para o mercado).
Se partimos das orientações discursivas predominantes, compreendemos que parte da
comunidade de pesquisa comprometida com o discurso vinculado à C&T auto orientada tende
a aderir ao movimento de TS tendo como base orientações implícitas de práticas associadas à
concepção de tecnologia apropriada. Enquanto aqueles comprometidos com o discurso da
CT&I orientada para o mercado tendem a fazer uma leitura do enfoque de problema-solução a
partir de formatos empresariais, como compreendemos situadas as propostas de
empreendedorismo social e de negócio social, sobre as quais fazemos alguns apontamentos.
Há uma grande variedade de termos (e respectivas conceituações) relacionadas a
temática de empreendedorismo e negócios sociais, as principais expressões identificadas são
empreendedorismo social, empresa social, negócio social, negócio inclusivo e negócio com
impacto social (COMINI, 2016; PETRINI, SCHERER; BACK, 2016; ROSOLEN;
TISCOSKI; COMINI, 2014). No âmbito da CT&I, é um campo cuja construção tem tido
expansão com substancial base em estudos da ciência administrativa e da teoria
organizacional (COMINI, 2016), em que sobressaem uma articulação com a noção (e
expressão) de inovação social (COMINI, 2016; BARKI et al., 2015; PETRINI, SCHERER;
BACK, 2016).
Neste sentido, cabe indicarmos que a discussão em torno de empreendedorismo e
negócio social (e inovação social neste contexto) partem do mesmo enfoque de problemas
associados ao aumento de desigualdades sociais e vulnerabilidades e a necessidade de um
esforço na direção de encontrar soluções tecnológicas e sociais para tais (ROSOLEN;
TISCOSKI; COMINI, 2014; BARKI et al., 2015). Assim, atores sociais vinculados a estas
vertentes também se inseriram em movimentos do processo da política de TS no país, a partir
311

de uma posição discursiva mais reformista, como sugerido por Vasen (2016) no que tange a
noção de inovação social.
Ao analisar a literatura sobre negócios sociais, Comini (2016) identificou três
perspectivas principais. Segundo a autora, a primeira de origem europeia se relaciona a uma
corrente da economia social e da dimensão coletiva que se centra em atividades de
organizações da sociedade civil em torno do associativismo e cooperativismo, em que
prevalece o termo empresa social.
A segunda perspectiva, de origem norte-americana, surge de um movimento de
criação de unidades ou expansão de organizações privadas que buscavam exercer atividades
de geração de renda, sob a lógica do mercado, para apoiar ações da organização da sociedade
civil. Conforme Rosolen, Tiscoski e Comini (2014), embora este fenômeno tenha surgido nos
EUA como uma alternativa de sustentabilidade financeira para ONG, de forma que não
dependessem somente de doações e subsídios governamentais, houve uma expansão do
modelo para organizações privadas com finalidades lucrativas, seja para embasar programas
de responsabilidade social corporativa, seja para constituir-se enquanto oportunidades
híbridas de geração de renda e negócios com impactos positivos socialmente132.
Por fim, a terceira perspectiva, emergiu em países ditos em desenvolvimento, em que
se enfatizam iniciativas de negócios sob a lógica do mercado (que entendemos advir já de
uma certa influência da perspectiva norte-americana), aplicadas ao objetivo de redução da
pobreza e exclusão social, com expressiva experiência de microcrédito do Grameen Bank em
Bangladesh (COMINI, 2016; YUNUS, MOINGEON; LEHMANN-ORTEGA, 2010).
Para Petrini, Scherer e Back (2016), a construção analítica-conceitual de modelos de
negócio voltados a alcançar impacto social, embora possam articular diferentes
nomenclaturas, relaciona-se a proposição básica de geração de valor social (relacionada a
superação de problemas sociais percebidos e atingir melhorias da qualidade de vida na
sociedade) a partir de estratégias e modelos de negócios privados, tendo como base transações
de mercado (geração de valor econômico), de modo a assegurar a viabilidade e

132
Embora reconhecemos que a perspectiva europeia de economia social seja relevante na discussão de origens
teóricas e de experiências práticas que conduziram à concepção conceitual e analítica que veio emergir no
empreendedorismo social e negócio social, entendemos que este campo específico de empreendedorismo e
negócio social tem tendido a uma trajetória mais próxima a que Comini (2016) identifica como a perspectiva
norte-americana, inclusive no desdobramento de desenvolvimento posterior em países em desenvolvimento, com
o foco estando mais sob modelos de negócios com base na lógica de mercado e a partir de conceitos de
empreendedorismo (que predomina sob cooperativismo) e inovação com influência de uma literatura
neoschumpeteriana e da economia da inovação. Diferentemente, iniciativas mais próximas da corrente de
associativismo e cooperativismo europeu no país tem adotado denominações relacionadas a empreendimentos
solidários (e não sociais) de forma a demarcar sua influência maior da economia solidária.
312

sustentabilidade financeira ao longo do tempo. Portanto, consoante a visão adota por Barki et
al. (2015), que apesar de haver diferenças de termos e considerações conceituais entre estes, a
noção em comum em torno de empreendedorismo e negócio sociais está na existência de
alcançar prioritariamente um propósito social, de modo financeiramente sustentável em
termos de transações de mercado.
Para Rosolen, Tiscoski e Comini (2014), empreendedorismo social baseia-se em
iniciativas que objetivam a geração de valor social (introdução de inovações de produtos,
serviços, processo ou método que gerem transformação social), por meio de atividades que
operam na lógica do mercado (geração de ganhos financeiros). Estas iniciativas podem
ocorrer no setor privado (organizações com finalidades lucrativas) ou terceiro setor
(organizações sem finalidade lucrativa), ou nas chamadas organizações híbridas (ROSOLEN;
TISCOSKI; COMINI, 2014).
Comini (2016) corrobora com a compreensão que empreendimentos sociais são
organizações formalmente constituídas que buscam solucionar problemas socioambientais a
partir de mecanismos e relações de mercado. A autora acrescenta que, em termos empíricos,
esses empreendimentos foram oriundos tanto de ONG que procuraram formas alternativas de
geração de receita, por meio da prestação de serviços ou comercialização de produtos; quanto
da atuação social de empresas, que promoveram programas ou criaram unidades de negócios
específicas para atender segmentos sociais em desvantagem ou em processos de exclusão. No
entanto, atualmente, com a disseminação conceitual destes novos modelos de negócio, são
identificados (e mesmo podemos entender fomentados) a concepção de novos negócios já
iniciados a partir desta demanda híbrida de atender a necessidades relevantes que parte da
população não tem acesso, por meio de mecanismos de mercado (COMINI, 2016).
O conceito de negócio social surge por Yunus, Moingeon e Lehmann-Ortega (2010)
como uma concepção de organização híbrida, que combina características de organizações
empresariais e organizações da sociedade civil. Conforme proposta destes autores um negócio
social teria a estrutura organizacional é basicamente de uma empresa com finalidade lucrativa
(maximização de "lucro financeiro"), porém seu objetivo principal com o lucro alcançado é a
sustentabilidade do objetivo social direcionado pela atividade, de modo que deve ser
constantemente reinvestido no negócio (maximização do "lucro social"), por meio de redução
de preço aos beneficiários, expansão do alcance do negócio ou melhoria deste, não havendo
distribuição de dividendos.
Contudo, esta restrição de distribuição de dividendos defendida por Yunus, Moingeon
e Lehmann-Ortega (2010) não é uma posição conceitual consensual na temática, e sim vista
313

como um dos contornos conceituais possíveis no campo (BARKI et al. 2015; PETRINI,
SCHERER; BACK, 2016). De modo que, o campo sobre negócios sociais (e negócios com
impacto social) se mantém mais fluído na direção abarcar modelos de negócios em um
continuum que abranja o que Comini (2016) denominou de lógicas com ênfase no mercado
(finalidade primária, cadeia de valor, estrutura de governança e sustentabilidade financeira
similares ou mais próximas ao funcionamento de uma empresa) até lógicas com ênfase no
social (similares ou mais próximas de organizações híbridas ou sem fins lucrativos).
Essa fluidez permite uma amplitude nos formatos organizacionais e modelos de
negócios concebidos como social ou de impacto social de maneira que envolvem desde
formatos empresariais, seja de empresas específicas a um determinado objetivo social, seja de
empresas tradicionais que criam unidade para atendimento de um segmento social, como
mencionam Petrini, Scherer e Back (2016), até formatos mais afins as organizações da
sociedade civil. Tal fluidez analítico-conceitual tem consequências em relação ao papel
desempenhado pelos beneficiários nos modelos de negócios e no desenho de atividades e
resultados realizados.
Ao olhar sobre a trajetória de emergência do campo de estudos sobre
empreendedorismo social e negócio social, Barki et al. (2015) traçam quatro principais temas
de debates. Os dois primeiros referem-se à conceituação e aos dilemas e acomodações quanto
à natureza híbrida de objetivos sociais e empresariais (lucrativos), sendo estes os mais
desenvolvidos nas pesquisas e publicações até então, alcançando certa maturidade (BARKI et
al., 2015). Os outros dois são temas indicados pelos autores enquanto prospectivos ao avanço
do campo, relacionados à inovação social e à avaliação do impacto social, que tem ganhado
centralidade nos debates, mas que ainda requerem amadurecimento conceitual e
metodológico.
A inovação social e o impacto social dos negócios sociais estão relacionados entre si, e
versam sobre questões relevantes no papel dos atores sociais (empreendedores, investidores e
beneficiários) na articulação do processo de ação e política pública, particularmente no que
tange aos seus papéis no desenvolvimento de conhecimento e tecnológico a solução de
problemas sociais, associado no âmbito da política de CT&I.
Como indicamos, nesta posição discursiva há uma inserção predominante do termo de
inovação social, a qual, por um lado, tem maior incidência na literatura internacional
(lembrando que o termo tecnologia social enquanto objeto de política de CT&I emerge no
Brasil); e, por outro lado, o termo inovação em si possui considerável proximidade teórica e
discursiva com a área de administração de empresas.
314

Entretanto, como Thomas, Juarez e Picabea (2015) apontaram este termo também
apresentava a maior diversidade de propostas de abordagens conceituais entre aquelas
concepções que buscavam dirigir um enfoque da CT&I à inclusão social. Assim,
corroborando, em certa medida, com a indicação de Barki et al. (2015) como a necessidade de
amadurecimento conceitual.
Comini (2016), reconhece que inovação social é um termo polissêmico, mas emprega
sua conceituação associada à criação de soluções novas (inovações) para necessidades sociais.
Em sentido similar a conceituação ampla adotada por Barki et al. (2015) que processos de
inovação social corresponde à implementação de novas ideias para desenvolver meios de
melhorar a sociedade. Há um entendimento comum entre estes autores que os negócios
sociais requerem inovações sociais, enquanto um tipo de inovação diferenciada da inovação
tecnológica tradicional aplicada aos negócios tradicionais ("não sociais"), todavia as
características específicas em que este processo de inovação social deve se constituir é
compreendida como um tema ainda a ser amadurecido, como destacado anteriormente.
Compreendemos que uma dificuldade desta definição do processo de inovação social
aplicável está na própria fluidez da conceituação de negócios sociais. Petrini, Scherer e Back
(2016) indicam que organizações que objetivam alcançar impacto social, ao solucionar
demandas associadas a problemas sociais, o podem fazer tanto pela oferta de produtos e
serviços que atendam a necessidades de populações carentes e a um preço acessível; quanto
ao incluir os indivíduos ou grupos em desvantagem nos processos em si de produção destas
soluções tecnológicas (PETRINI, SCHERER; BACK, 2016).
Essa amplitude de possibilidades de formas de atuação inclui, por exemplo, estratégias
relacionadas à inovação de produtos e serviços para a base da pirâmide (PRAHALAD;
HART, 2002; THOMAS; JUAREZ; PICABEA, 2015), mais associadas a um
desenvolvimento tecnológico convencional, no sentido de centrado nos mecanismos e
interações próprios da P&D empresarial e a expansão de negócios de grandes corporações a
populações de baixa renda, assim o beneficiário é predominantemente visto enquanto
consumidor a ser incluído133. Bem como, ações de fomento ao empreendedorismo em entre
membros de comunidades locais, nas quais estes serão os atores protagonistas do processo de
desenvolvimento de produtos e serviços134, havendo uma maior aproximação com orientações
de desenvolvimento tecnológico a partir da participação dos próprios beneficiários locais e de
seus saberes, como proposto no marco analítico-conceitual de TS a partir dos estudos CTS.

133
Este modelo de negócio social é o que Comini (2016) classificaria como de ênfase à lógica de mercado.
134
Este modelo de negócio social é o que Comini (2016) classificaria com de ênfase à lógica social.
315

Comini (2016) reconhece a existência desta diversidade nos negócios sociais e, mesmo
adotando um recorte de análise somente ao produto da inovação enquanto resultado
inovativo135 (não foram examinados como se desenvolveram os processos inovativos em si),
verificou consequências dos desenhos de negócios nos tipos de inovação e impactos sociais
gerados136. A autora examinou que negócios sociais classificados por ela como de ênfase à
lógica de mercado tenderam a apresentar mais inovações de produto (foco maior na ação de
consumo) e terem o impacto social direcionado em termos quantitativos (capacidade de ganho
de escala e replicabilidade). Enquanto que, negócios sociais classificados como de ênfase à
lógica social tenderam a apresentar mais inovações organizacionais (processos e metodologias
de trabalho e organização, que corresponde a preocupação com o orgware mencionado na
subseção anterior) e terem o impacto social direcionado em termos qualitativos
(multidimensionalidade na melhoria da qualidade de vida e empoderamento de determinada
comunidade ou grupo social carente).
A partir da caracterização de desenvolvimento tecnológico dos estudos CTS, podemos
considerar que os negócios sociais classificados com ênfase à lógica de mercado tendem a
desenvolver tecnologia em moldes mais convencionais, alterando-se o público-alvo, o que
estaria na concepção reformista de Vasen (2016). Portanto, também apresentam preocupações
de impacto social de ênfase quantitativa, uma vez que o enfoque do problema está centrado
em corrigir o não atendimento de parte da população, ou seja, uma mudança de foco sem
considerar a necessidade de uma mudança no modo como (qualitativa) as tecnologias vêm
sendo desenvolvidas (sem alterações substanciais no sistema tecnológico e suas práticas
predominantes).
De outra forma, aqueles negócios sociais classificados com ênfase à lógica social
tendem a reconhecer que a mudança de foco do desenvolvimento tecnológico (a partir da
concepção de tecnologia enquanto construto sociotécnico) implica necessariamente em
abranger uma mudança também no processo de desenvolvimento tecnológico, pela inclusão
social dos beneficiários incorporar-se desde o processo de concepção de soluções aos
problemas da sociedade que lhe afetam.

135
Comini (2016) adotou uma lente analítica voltada ao produto (resultado) da inovação, por meio da análise da
solução em termos de originalidade (solução nova para o usuário, contexto ou mercado); tipo da demanda social
não atendida; e, intencionalidade primordialmente social do inovador.
136
A noção de impacto social refere-se à geração de valor social, que Comini (2016) considerou estar presente
seja em termos de ampliação de capital físico (aumento de renda e acesso a bens e serviços), de capital humano
(educação e capacitações, promoção da cidadania e direitos humanos), e de capital social (redução dos custos de
transação em comunidades e aspectos tangíveis e intangíveis de um aumento de laços sociais e maior densidade
destes em uma sociedade).
316

Nesta perspectiva, entendemos que o enfoque de negócios sociais sobre uma ênfase
social de mudança no processo de desenvolvimento tecnológico aproxima-se da orientação
discursiva de TS a partir do marco analítico-conceitual dos avanços no campo de CTS
(subseção anterior). No entanto, o enfoque sobre uma ênfase de mercado para inovação em
produtos (como também o é da tecnologia apropriada) aproxima-se de uma orientação
reformista a partir do discurso da CT&I orientada para o mercado, em que o lócus da
inovação permanece centrada em um formato de uma organização empresarial ou próximo a
este (organizações híbridas).
A partir de um marco conceitual da noção de sistemas de inovação, também há a
presença de mecanismos fomentadores aos negócios sociais similares àquele como
abordagens relacionadas ao desenvolvimento de chamados ecossistema para negócios sociais
(BARKI et al. 2015; COMINI, 2016), contemplando incubadoras, aceleradoras, fundos de
investimos, apoio de agências governamentais e organizações de C&T para apoiar
empreendedores sociais.
Assim como, nesta posição discursiva emerge com maior preocupação com questões
relacionadas a valorização de um efeito escalável para o ganho de volume das soluções
tecnológicas (replicabilidade), como uma extensão de impactos sociais destas, divergindo (e
em certa medida pressionando) a posição sobre a reaplicabilidade, enquanto uma ação que
privilegia o caráter de adequação sociotécnica no contexto local de aplicação da solução.
As diferentes orientações discursivas que vimos nesta seção formam o que
consideramos um quadro propositivo das principais posições discursivas em disputa em torno
da política de TS sintetizadas no quadro 27. A lógica proposta segue a noção de que a
emergência da agenda de uma CT&I para inclusão social, particularmente em torno do
desenvolvimento de tecnologias para grupos sociais vulneráveis ou em desvantagens sociais,
mobilizou atores políticos de distintas afiliações discursivas, que buscam agir no processo de
política pública de forma mais coerente a sua orientação original.
317

Quadro 27 - Proposição de posições discursivas no processo da política de tecnologia social no domínio da CT&I
Empreendedorismo social e inovação social Tecnologia social
Componentes Tecnologia apropriada
a partir de mecanismos de mercado a partir dos avanços no campo CTS
Baseado no determinismo tecnológico, a Tecnologia, em geral, de baixo custo, que pode Tecnologia desenvolvida pela interação de
tecnologia apropriada é uma solução incorporar inovações incrementais ou disruptivas, conhecimentos com a comunidade ou grupo
Concepção de
tecnológica de baixo custo, simples e para desenvolvida com foco em segmentos sociais em social beneficiado, seja da concepção do
tecnologia
escala reduzida a partir de uma trajetória desvantagem não atendidos adequadamente pelo problema a ser enfrentado, seja da adequação
tecnológica madura. mercado. sociotécnica e reaplicação.
Modelo interativo focado na organização empresarial Modelo interativo focado na comunidade ou
Modelo de inovação Modelo linear
ou híbrida grupo social beneficiado
Principais produtores
Cientistas e diferentes atores sociais por meio de
de conhecimento e Cientistas Cientistas, engenheiros, empreendedores
redes interacionais e conexões de saberes
tecnologia
Empreendedor, cientistas e consultores especialistas,
Cientistas, governo ou agências de
Protagonistas da aceleradoras e incubadoras de negócios sociais, Comunidade, governo, ONG, incubadoras de
financiamento (internacionais, filantrópicas,
política governo, fundos de investimentos de impacto social ou empreendimentos solidários e populares
multilaterais)
empresas via ações de responsabilidade social
Falhas de mercado em relação a exacerbadas Processos de exclusão sociais são estruturais na
Devido a pobreza em determinados contextos, desigualdades econômicas e sociais existentes fazem sociedade, de modo que a inclusão social e
pessoas não tem acesso aos avanços de com que segmentos e grupos sociais em desvantagem produtiva efetiva deve perpassar a inclusão de
Enfoque do problema desenvolvimento tecnológico existentes, não sejam atendidos com produtos e serviços grupos sociais em desvantagem em processos
sendo necessária uma adaptação deste para adequados, sendo necessário direcionar esforços de democratizantes em múltiplas dimensões,
viabilidade de oferta soluções tecnológicas e de modelos de negócios para inclusive no desenvolvimento de soluções
atender estes públicos-alvo tecnológicas a problemas em que são afetados
Construção sociotécnica de soluções a partir do
Produção de tecnologia de baixo custo, em Inovação que promova solução a problemas sociais
contexto e conhecimento locais, que empodere
Enfoque de solução escala e simplicidade adequada para (geração de valor social) e que seja financeiramente
os membros da comunidade enquanto agente
atendimento de necessidades básicas sustentável (geração de valor econômico)
capazes de aperfeiçoar e reaplicar
Beneficiário enquanto receptor da
Visão do grupo-alvo Beneficiário enquanto consumidor Beneficiário enquanto produtor ou coprodutor
transferência tecnológica
Cooperativismo ou associativismo
Estratégia de Top-down via projetos de intervenção para Negócio social via organização empresarial ou híbrida
(empreendimento solidário com propriedade
implementação desenvolvimento (propriedade privada).
coletiva)
Disseminação
Transferência de tecnologia Escalonamento e replicabilidade Reaplicação e adequação sociotécnica
tecnológica
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
318

Assim, mesmo que, em geral, adotando explicitamente o termo TS, aqueles afiliados a
um discurso da C&T auto orientada tenderão a adotam orientações de práticas associadas à da
tecnologia apropriada; aqueles afiliados ao discurso da CT&I orientada para o mercado
tenderão a aderir a práticas de empreendedorismo e negócio social como orientação a
inovação social; e, aqueles afiliados ao discurso da CT&I orientada para a sociedade, tenderão
a assumir práticas vinculadas ao marco analítico-conceitual de TS a partir dos estudos CTS.
Estas diferentes orientações discursivas implicam em distintivas práticas de CT&I e de
política, que examinaremos mais especificamente no próximo capítulo em relação ao processo
de política estadual de TS no Pará. A seguir buscamos contextualizar algumas das iniciativas
de fomento a política de TS no governo federal.

6.2 TECNOLOGIA SOCIAL NO BRASIL: CENÁRIO E PRINCIPAIS AÇÕES DE


FOMENTO A PARTIR DA POLÍTICA DE CT&I NO GOVERNO FEDERAL

Como comentamos no capítulo 2, na primeira década de 2000, houve uma ascensão a


agenda nacional de pautas relacionadas a inclusão social no âmbito da política de CT&I, na
qual a temática de TS tinha ampla presença, seja nas estruturas governamentais,
principalmente na SECIS do MCT, e em organizações não-governamentais como o ITS, a
FBB e a própria RTS. Ao considerar que já há uma certa contextualização deste movimento
no capítulo 2, na próxima subseção, fazemos um recorte de posicionamentos sobre a temática
de TS nos principais instrumentos de planejamento e em editais de fomentos da política de
CT&I.

6.2.1 A tecnologia social nos planos da pasta ministerial da CT&I

A temática de tecnologia apropriada, tendo surgindo na década 1970, já havia sido


objeto de ações de fomento na política de C&T federal, tanto que no Livro Verde (MCT,
2001), considerado um documento de base para os debates da 2ª Conferência Nacional de
CT&I (CNCTI), já constavam menções específicas a esta temática, principalmente no âmbito
do "Programa de Apoio às Tecnologias Apropriadas" (PTA).
A expressão de tecnologia(s) social(ais) começa a surgir em algumas das conferências
regionais preparatórias no evento nacional, em concomitância com o uso também de
tecnologias apropriadas. Nos registros da reunião regional do Centro-Oeste constam os dois
termos nas considerações e proposições de participantes, como nos trechos abaixo.
319

Um dos problemas centrais na construção da qualidade de vida é o da gestão e


apropriação das tecnologias sociais e das informações, no sentido da produção de dados
(pesquisa), das tecnologias disponíveis, dos programas de desenvolvimento social e da
formação de quadros capacitados para a gestão de políticas e tecnologias. (MCT;
CGEE; ABC, 2002, p. 14)

Manter, por parte do MCT, estruturas permanentes de gestão de conhecimento e


qualidade de vida, de “centros de informação e tecnologias sociais”; criação de bancos
de dados voltados para difusão de CT&I em qualidade de vida entre responsáveis
municipais, estaduais e ONGs das tecnologias sociais. (MCT; CGEE; ABC, 2002, p.
15).

Falta de tecnologia apropriada para as micro, pequenas e médias empresas." (MCT;


CGEE; ABC, 2002, p. 16).

Apoiar o desenvolvimento e a difusão de tecnologias apropriadas para as micro,


pequenas e médias empresas. (MCT; CGEE; ABC, 2002, p. 16).

Nas reuniões das regiões Nordeste e Norte, houve menções específicas ao termo de
tecnologia apropriada.

Promover o aproveitamento das tecnologias apropriadas e da transferência de


tecnologia; (MCT; CGEE; ABC, 2002, p. 27).

Estímulo e apoio às tecnologias apropriadas, além de tecnologias de ponta. (MCT;


CGEE; ABC, 2002, p. 36).

Conforme registros dos simpósios, durante a 2ª Conferência, a temática de TS emerge


em dois simpósios, um para discutir o "Papel e inserção do 3º setor no sistema nacional de
CT&I" e outro sobre desafios institucionais para debater "A experiência dos estados e
municípios", conforme trechos abaixo de apresentações de dirigentes da FBB, Instituto para o
Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) e de órgão de planejamento de uma
prefeitura municipal.

É fundamental pensar na magnitude da escala de ocorrência dos problemas brasileiros,


para que as soluções ofertadas possam ser disseminadas na mesma proporção. Foi com
essa consciência que se defende a ideia da tecnologia social, como experiências
comprovadas que possam ser reaplicadas entre comunidades culturalmente
identificadas com as soluções, cujo melhor exemplo é o soro caseiro.
Para isso, foi criado o Banco de Tecnologias Sociais na Fundação Banco do Brasil,
que apostou na existência dessas soluções em todo o País. Ao identificá-las e agrupá-
las, visualiza-se a concentração de alguns problemas e a movimentação dos diversos
agentes da sociedade na busca de soluções para os problemas com os quais convivem. A
primeira edição do Prêmio de Tecnologia Social mostrou o potencial a ser explorado,
com 523 inscrições recebidas. Os agentes que mais se destacaram foram as ONGs, as
prefeituras e as universidades. (MCT; CGEE; ABC, 2002, p. 321).

A tecnologia social exige treinamento e educação para sua aquisição. É necessário


também, conhecimentos e técnicas para atender problemas sociais e que haja sua
apropriação pelas organizações sociais. Infelizmente, a busca e sistematização de
320

tecnologia social é ainda uma área desconhecida, e pouco valorizada dentro do atual
contexto de entendimento da C&T, principalmente porque exige organização da
sociedade civil, responsabilidade social da empresa e a municipalização da sociedade,
incluindo o poder público de diferentes níveis. (MCT; CGEE; ABC, 2002, p. 327).

Estimular os municípios a ter a variável C&T como questão importante no seu dia-a-
dia, enfatizando a parceria com universidades e centros de pesquisa para o
desenvolvimento de tecnologias sociais; (MCT; CGEE; ABC, 2002, p. 205).

Deste modo, podemos corroborar que o tema emerge de discussões de atores sociais
associados à ONG e aos governos locais, não comumente frequentes nos processos decisórios
da política de CT&I. Embora estes atores tivessem usado especificamente o termo de TS, nos
textos de apresentação do tópico na edição dos registros é retomada a expressão de tecnologia
apropriada, posicionando as ONG como elementos fundamentais de sua difusão. Bem como,
no texto da introdução ao volume sobre as plenárias é mencionada a expressão inovações
sociais (até então não utilizada), posicionando as ONG como fontes destas. Tais indicações
consideramos que contextualizam distintas significações que eram dadas a emergência da
temática de TS, a partir da leitura de outros atores da CT&I, como os redatores responsáveis
por estas partes.

Tópicos como o desenvolvimento do semiárido, tecnologias sociais, organizações


comunitárias, debatidos na terceira mesa redonda do Simpósio, mostraram que Ciência,
Tecnologia e Inovação não concernem apenas às empresas, universidades ou centros de
pesquisa. As organizações do terceiro setor se mostram um elemento fundamental da
difusão de tecnologias apropriadas, na identificação de problemas sociais suscetíveis
de uma abordagem técnico-científica, e na canalização de investimentos para o
desenvolvimento social do País. (MCT; CGEE; ABC, 2002, p. 296).

Inovação não é uma atividade que tenha lugar apenas em empresas, estabelecidas ou
nascentes. O Terceiro Setor, como segmento organizado da sociedade para o
atendimento de demandas que nem o setor público nem o mercado suprem com
eficiência, é uma fonte de inovações sociais. É, também, exemplo claro da vontade de
traduzir C,T&I em soluções para os problemas da sociedade brasileira, bem como em
melhoria da qualidade de vida da população. Uma sessão da Conferência foi
especialmente dedicada a este tema, não apenas por sua relevância atual, mas,
igualmente, pela importância crescente que promete ter na estruturação da sociedade e
da democracia brasileiras. Inserir, cada vez mais, a discussão do papel e da relevância
da Ciência, Tecnologia e Inovação no Terceiro Setor nas preocupações da comunidade
científica e tecnológica é um desafio para a próxima década que a Conferência assinala
e essa Memória preserva. (MCT; CGEE; ABC, 2002, p. xvi).

Na 3ª CNCTI, em 2005, o contexto já era distinto, uma vez que já havia sido criada a
SECIS na estrutura do MCT e realizadas várias iniciativas com a temática de TS. Assim, a
temática de inclusão social foi foco de seminário temático preparatório, de apresentação de
palestras durante a conferência, e teve um capítulo específico dedicado a esta no documento
síntese das conclusões e recomendações (CGEE, 2005; MCT; CGEE, 2006).
321

O tema de "C&T para a inclusão e desenvolvimento social" foi reconhecido como um


eixo estratégico da política nacional de CT&I, cuja contribuição se referia a:

difusão e a melhoria do ensino de ciências, universalizar o acesso aos bens gerados pela
ciência e pela tecnologia e, ao mesmo tempo, ampliar a capacidade local e regional de
difundir o progresso técnico, ampliando a competitividade econômica e melhorando a
qualidade de vida da população das áreas mais carentes do país (MCT; CGEE, 2006, p.
43).

Contudo, apesar do reconhecimento do direcionamento a melhoria da qualidade de


vida da população em áreas carentes, também observamos no texto síntese deste eixo que
houve igualmente explícito direcionamento ao aumento da competitividade. E, ressaltou-se a
universalização de acesso a bens (produtos) da C&T, sem explicitar aspectos relacionados aos
processos de produção desta C&T, como a questão de interação com estes grupos da
população carentes para desenvolvimento tecnológico.
Em relação as expressões explicitadas, neste documento síntese, o termo tecnologia
social é mencionado somente em relação a nomenclatura da RTS, discernida enquanto agente
de implementação financeiro da política.

Nesse contexto, cabe ressaltar a Rede de Tecnologia Social que, em 2005, contratou 21
projetos voltados para a incubação de empreendimentos solidários, dez projetos de
empreendimentos solidários agroalimentares e um projeto relativo à alimentação
escolar. (MCT; CGEE, 2006, p. 49).

Por outro lado, o termo de tecnologia apropriada é mencionado (e entendemos


legitimado) como enfoque tecnológico alternativo para atender às populações em
desvantagens que deve ser conjugado, e contribuir, na política com o fomento a tecnologias
consideradas mais avançadas no contexto global, conforme trecho abaixo. De modo que,
compreendemos que a quem coube a redação deste documento tomou um posicionamento
explícito na direção do marco conceitual de tecnologia apropriada enquanto a base para uma
política de inclusão social por meio da CT&I. Por fim, no documento síntese não houve
menção ao termo inovação(ões) social(ais).

Um projeto de desenvolvimento para o Brasil deverá contemplar, simultaneamente: por


um lado, o enfrentamento de problemas estruturais e emergenciais, resgatando as
populações mais desfavorecidas de condições de pobreza, e recorrendo a tecnologias
apropriadas de baixo conteúdo tecnológico; e, por outro, a capacitação para nossa
inserção no contexto global de tecnologias avançadas. O investimento em tecnologias
apropriadas foi apontado como uma alternativa criativa, que pode contribuir para
estimular a demanda por tecnologias com maior valor de conhecimento agregado,
formando assim uma cadeia de produção com retroalimentação positiva, gerando
empregos ao mesmo tempo em que produz riquezas. (MCT; CGEE, 2006, p. 118).
322

Na consolidação das recomendações da 4ª CNCTI, novamente houve um capítulo


dedicada a "CT&I para o desenvolvimento social", e neste já consta um tópico específico
intitulado de "Tecnologias Sociais", com 21 recomendações consolidadas. Neste documento,
não constam mais menções ao termo tecnologia(s) apropriada(s).
Há diversas recomendações no sentido de estabelecer práticas de institucionalização
de TS na política de CT&I, e a necessidade de disseminação da temática, como os trechos
abaixo exemplificam, inclusive a preocupação expressa de construção de um marco analítico-
conceitual e sua difusão na comunidade de pesquisa, uma vez que esta representa um ator
chave no processo de política.

Formulação e implantação de um Programa Nacional de Inovação e Tecnologia


Social, envolvendo financiamento, apoio e monitoramento de pesquisas e projetos nessa
área. Criação de um fundo próprio para a implementação do Programa e utilização do
Sistema de Acompanhamento de Tecnologias Sociais (Satecs), desenvolvido por
encomenda da Secretaria de Inclusão Social (SECIS) do MCT, como instrumento de
gestão do Programa, com controle social e transparência na divulgação dos resultados.
Estímulo a execução de parcerias interministeriais como forma de otimizar os recursos e
potencializar as ações nas áreas previstas pelo Programa (MCT; CGEE, 2010a, p 109,
grifo nosso).

Criação de um Centro Nacional de Referência em Tecnologia Social e de Tecnologia


Assistiva, com a missão de organizar, compartilhar, disseminar e comercializar as
tecnologias e inovações sociais, envolvendo nessa cadeia universidades, institutos de
pesquisa, empresas, órgãos públicos, associações representativas de comunidades locais
e organizações da sociedade civil." (MCT; CGEE, 2010a, p 109, grifo nosso).

Ampliação e fortalecimento das ações de divulgação das tecnologias sociais por meio
de publicações (artigos, cadernos de formação, revistas, livros digitais, entre outros),
espaços de intercâmbio (encontros, eventos, oficinas, visitas técnicas e redes sociais) e
espaços em canais de comunicação (audiovisual, mídia impressa, meio digital, página
na internet). (MCT; CGEE, 2010a, p 111, grifo nosso).

Promoção de ações visando uma maior clareza no marco analítico-conceitual das


tecnologias sociais (TS) e uma mais ampla difusão desse conceito no âmbito da
comunidade de pesquisa. (MCT; CGEE, 2010a, p 111, grifo nosso).

No Livro Azul, documento que reuniu as orientações e propostas da 4ª CNCTI, as


recomendações em TS foram organizadas em torno de duas macros propostas de
recomendações: "Formular e implantar um Programa Nacional de Inovação e Tecnologia
Social" e "Estabelecer políticas e programas específicos para a difusão, apropriação e uso da
C,T&I para o desenvolvimento local e regional e para estimular empreendimentos solidários".
Também podemos observar presença do termo de inovação(ões) social(ais) nos
trechos acima citados vinculados a temática de TS e economia solidária, bem como em
posição discursiva mais gerais associada a uma diversificação e sinergia ao próprio conceito
de inovação tecnológica e seu sentido concatenador da política predominante no discurso da
323

CT&I orientada para o mercado, no que apontamos a adoção de um conceito abrangente de


inovação social vinculada ao de negócios sociais que vimos na seção anterior.

No âmbito da inovação social, atores variados constituíram, em anos recentes, uma


importante rede de tecnologias sociais, envolvendo entidades da sociedade civil e
organismos públicos, o que possibilitou o surgimento de ações mais criativas e
integradas, embora o potencial delas ainda esteja longe de ter sido aproveitado em sua
inteireza. A economia solidária vem se apresentando também como uma alternativa
inovadora de geração de trabalho e renda e uma resposta a favor da inclusão social e do
desenvolvimento sustentável. (MCT; CGEE, 2010b, p. 31, grifo nosso).

(Tópico: "A inovação como principal motor do desenvolvimento")


Por outro lado, a ideia de que o mercado constituiria o único motor da inovação é
limitada. Muitas inovações que transformaram o mundo surgiram de instituições
públicas ou de setores sem fins lucrativos. A internet é um exemplo recente. As
inovações sociais – soluções novas para problemas sociais que são mais efetivas,
sustentáveis e justas, e cujos resultados beneficiam mais a sociedade como um todo do
que indivíduos particulares – são geradas e aplicadas em resposta a demandas
diversificadas da sociedade. Em particular, as tecnologias sociais atendem demandas
de setores mais necessitados, especialmente em temas como segurança alimentar e
nutricional, energia, habitação, saúde, saneamento, meio ambiente, agricultura familiar,
geração de emprego e renda. (MCT; CGEE, 2010b, p. 30, grifo nosso).

No contexto das conferências nacionais realizadas, é possível observarmos a


emergência e crescimento da temática de TS. Por um lado, verificamos que a temática é
reconhecidamente associada a atuação de organizações da sociedade civil e ações públicas
locais no processo de política de CT&I. Por outro lado, identificamos certa variedade
discursiva que, embora inicialmente se apresente mais explicitamente pelo uso de termos
distintos (principalmente no caso de tecnologia apropriada), ao longo do tempo, o termo
tecnologia social vai ganhando legitimidade e uso mais extensivo, mas sem, contudo, deixar
de ter em torno deste um conjunto de orientações (posições analítica-conceituais) difusas.
Estas orientações discursivas distintas que vão se conformando em torno da mesma temática
no processo de política que vamos assinalar como disputas discursivas, ocorrendo
principalmente a medida de a temática alcança maior espaço na agenda.
Em termos dos instrumentos de planejamento da pasta ministerial de CT&I
propriamente no PPA 2004-2007 do MCT no governo federal já estava inserido o Programa
de C&T para inclusão social, conforme relatório de 2005 (MPOG, 2006). O objetivo do
programa era "Ampliar a capacidade local e regional para gerar e difundir o progresso
técnico, visando à competitividade econômica e à qualidade de vida da população" em que
reflete a preocupação com a qualidade de vida da população, porém sem abster-se de afirmar
a busca de competitividade, conforme havíamos examinado na 3ª CNCTI (MPOG, 2006). No
público-alvo deste programa, além dos atores tradicionalmente mencionados ("Instituições de
324

ensino e pesquisa" e "empresas"), houve a inclusão de "prefeituras e comunidade local". E


entre os indicadores a caracterização das tecnologias como "tecnologias de impacto social".
Neste período, há menção de TS relacionados a implantação da RTS e a instrumentos
fomento, com direcionamento destes também a tecnologia apropriada, termo que constava
também na ação prevista no PPA (Ação 6021 Fomento à Difusão de Tecnologias
Apropriadas):

Lançamento de quatro editais, em conjunto com o CNPq: 1) Tecnologias apropriadas


à agricultura familiar – R$ 6,3 milhões; 2) Extensão e disponibilização de tecnologias
para inclusão social: água, alimentação humana e alimentação animal – RS 10 milhões;
3) Projetos integrados de geração e disponibilização de tecnologias apropriadas de
base ecológica para agricultura familiar – R$ 4 milhões; 4) Tecnologias sociais para
inclusão social dos catadores de materiais recicláveis." (MPOG, 2006, p. 25, grifo
nosso).

No PACTI 2007-2010 (MCT, 2010), Tecnologias para o Desenvolvimento Social


estava entre as 21 linhas de ação previstas no âmbito da temática "Ciência, Tecnologia e
Inovação para o Desenvolvimento Social". A descrição geral desta linha de ação é citada
abaixo, sendo que nesta já foi explicitado o termo TS e condicionada a um enfoque processual
participativo.

Articular, fomentar e promover ações para a produção, a difusão, a apropriação e a


aplicação do conhecimento científico, tecnológico e de inovação como instrumento de
desenvolvimento social, econômico e regional do país, bem como mecanismo de
inclusão digital, mediante o desenvolvimento de P,D&I voltados para as tecnologias
sociais e de inclusão social, por meio de processos metodológicos participativos. (MCT,
2010b, p. 25).

Esta linha de ação tinha oito (8) programas: (1) implementação e modernização de
Centros Vocacionais Tecnológicos; (2) programa nacional de inclusão digital; (3) apoio à
pesquisa, à inovação e à extensão tecnológica para o desenvolvimento social; (4) programa
Comunitário de Tecnologia e Cidadania; (5) CT&I para o desenvolvimento regional com
enfoque em desenvolvimento local (APL); (6) apoio à pesquisa e ao desenvolvimento
aplicados à segurança alimentar e nutricional; (7) pesquisa e desenvolvimento agropecuário e
agroindustrial para inserção social e; (8) capacitação em C,T&I para o Desenvolvimento
Social. Entre estas quatro direcionavam ações explícitas para desenvolvimento de TS (1, 3, 5
e 6), e uma para tecnologia apropriada (4).
Além desta linha de ação específica, o termo TS ainda é articulado em programas de
"Apoio a Projetos e Eventos de Divulgação e de Educação Científica, Tecnológica e de
Inovação" e "Apoio à Criação e ao Desenvolvimento de Centros e Museus de Ciência,
325

Tecnologia e Inovação" no sentido de incluir a temática de TS em ações de disseminação e


popularização de CT&I. Enquanto o termo de tecnologia apropriada é mencionado no
programa "C,T&I para Recursos Hídricos" na temática de Biodiversidade e Recursos
Naturais; e o termo inovação social citado no programa de "Recuperação das Organizações
Estaduais de Pesquisa Agropecuária (OEPAS) para o Fortalecimento do Sistema Nacional de
Pesquisa Agropecuária" na temática do Agronegócio.
Na ENCTI, para o período de 2012 a 2015 (MCTI, 2012), foram três programas
prioritários assinalados na temática de CT&I para o Desenvolvimento Social (esta sob o
objetivo geral de "desenvolver e difundir conhecimento e soluções criativas para a inclusão
produtiva e social, a melhoria da qualidade de vida e o exercício da cidadania"): (1)
Popularização da CT&I e melhoria do ensino de ciências; (2) Inclusão produtiva e social e;
(3) Tecnologias para Cidades Sustentáveis.
Destes programas, aquele em que a TS assume a posição principal de articulação é o
de inclusão produtiva e social, com o objetivo de "desenvolver e aplicar tecnologias sociais e
promover a extensão tecnológica para a inclusão produtiva e social", e com estratégias
associadas a TS em empreendimentos de pequeno porte, tecnologia assistiva e programas de
segurança alimentar, conforme abaixo indicado. Não há mais menção aos termos de
tecnologia(s) apropriada(s) ou inovação(ões) social(ais) neste documento da ENCTI.

1) desenvolvimento de programas de difusão de tecnologias sociais voltadas a inclusão


produtiva, para empreendedores individuais e micro e pequenos empreendimentos
economicamente sustentáveis;
2) fomento a P&D na área de Tecnologia Assistiva, voltada para as pessoas com
necessidades especiais;
3) desenvolvimento de programas e ações de C,T&I destinados ao desenvolvimento da
segurança alimentar e nutricional. (MCTI, 2012, p. 85, grifo nosso).

Assim, no plano de 2004-2007 até a ENCTI 2012-2015, verificamos uma


convergência de movimentos observados nas CNCTI, no que tange a emergência da temática
de TS, em meio a outros termos direcionadores no processo de política de CT&I voltada à
inclusão social. E, ao longo do tempo, ocorreu certa consolidação da temática em torno de TS
e agendas em que houve algum acoplamento com outras políticas sociais, principalmente de
TS com o MDS (relacionado à segurança alimentar, empreendimentos de economia solidária
e da agricultura familiar nestes contextos) e de TA com o PNDPD.
Na ENCTI referente a 2016 a 2022, a temática de "desenvolver soluções inovadoras
para a inclusão produtiva e social" é posicionada entre os desafios nacionais para a CT&I, e
"Ciências e Tecnologias Sociais" como tema estratégico, traduzido no direcionamento de
326

desenvolver "tecnologias sociais para a inclusão socioprodutiva com redução das assimetrias
regionais na produção e acesso a ciência, tecnologia e inovação".
Neste tema foram reunidas estratégias relacionadas as principais linhas de atuação da
antiga SECIS, e da pauta em construção do processo de CT&I para inclusão social, como
popularização da C&T, tecnologia assistiva, e a própria TS:

I. Elaboração de um “Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação em Ciências e


Tecnologias Sociais”;
II. Fomento à P&D na área de Tecnologia Assistiva, voltada para as pessoas com
necessidades especiais;
III. Promover a melhoria da educação científica, a popularização da C&T e a
apropriação social do conhecimento;
IV. Fomentar a pesquisa e desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação em
sistemas urbanos sustentáveis e segurança pública. (MCTIC, 2016, p. 100).

Novamente não houve menções aos termos de tecnologia(s) apropriada(s) ou


inovação(ões) social(ais), o que conforma a terminologia de TS como uma expressão
emblemática predominante na esfera governamental de uma política de CT&I para inclusão
social. Contudo, as disputas mantêm-se seja na permanente posição marginal desta temática
na agenda global de CT&I (lembrando que neste período a SECIS é reordenada a uma
diretoria na estrutura do MCTIC e a RTS é desarticulada), seja no espaço interno da política
de TS, em que observamos tanto uma demanda multidimensional de necessidades bem maior
que as capacidades de atendimento deste, quanto um reconhecimento de direcionamento
muito mais ao público-alvo (grupos ou comunidade em situações de vulnerabilidade), do que
a um marco analítico-conceitual específico.

6.2.2 Principais editais nacionais de fomento a tecnologia social

As duas principais agências de fomento vinculadas a pasta ministerial responsável pela


política de CT&I, CNPq e FINEP, lançaram chamadas de fomento relacionadas a TS, sendo
algumas específicas para a temática. Fizemos uma busca nos websites do CNPq e da FINEP
afim de identificar chamadas públicas específicas ou que tivessem a TS como tema orientador
relevante em seu objetivo e linha temática. Localizamos uma chamada lançada pela FINEP e
cinco (5) do CNPq137, conforme quadro 28.

137
A busca no website da FINEP foi realizada na página "Chamadas Públicas" (link na página inicial), sendo
selecionada na caixa de seleção de tema a opção "Tecnologia Social", resultando em três editais encontrados
(FIP INOVA Empresas 2019; 008/2016 e 001/2009), contudo ao realizar a leitura, verificamos que somente um
(001/2009) correspondia à temática de TS. No website do CNPq, a busca foi realizada na página Chamadas
Públicas (na sequência de links da página inicial: Assuntos, Bolsas e Auxílios, Chamadas, Chamadas públicas),
327

Pelas características dos editais identificados observamos que somente dois foram
nomeadamente direcionados a TS enquanto campo específico de produção de C&T (001/2009
FINEP e 036/2018 CNPq), e os demais a temática de TS foi abordada enquanto base
processual para atendimento as finalidades de campos como de segurança alimentar e
nutricional, economia solidária e agricultura familiar. Mesmo no edital mais recente, que se
direcionou a temática de TS, enquanto campo, encontramos um enfoque de público-alvo
específico. Esta configuração da TS como elemento "meio", consideramos que se alinha ao
enfoque de processo sobre o desenvolvimento tecnológico e um foco finalístico a grupos
sociais em desvantagem associados ao discurso da CT&I orientada para a sociedade.
No entanto, cabe observamos que a RTS também foi importante espaço de articulação
e fomento de projetos de TS, contando com recursos, à época, de seus principais
mantenedores, entre eles empresas estatais como a Petrobras e o Banco do Brasil. Segundo
Dagnino, Brandão e Novaes (2004), em uma perspectiva de um prazo mais longo de
maturação, a RTS poderia se consolidar em um espaço privilegiado do processo de política de
TS, pois diferente dos arranjos institucionais tradicionais da CT&I (secretarias
governamentais, agências de fomento, fundação de amparo etc.), situados no âmbito
governamental e concebidos predominantemente segundo a lógica ofertista (própria do
modelo linear), a RTS ao reunir organizações da sociedade civil, pesquisadores, movimentos
sociais e empresas poderia se constituir em um mecanismo para interação direta e definição
de ações mais pontuais à inclusão social.
.

sendo usada a expressão de busca "tecnologia social", no período disponível (de 2006 a 2019), resultando em 10
editais encontrados (036/2018, 016/2016, 020/2016, 019/2014, 017/2014, 089/2013, 094/2013, 084/2013,
091/2013, 082/2013). Após o exame dos editais, foram identificados 5 em que a temática de TS era específica ou
relevante.
328

Quadro 28 – Chamadas públicas lançadas pela FINEP específicas a temática de tecnologia assistiva até 2018
Projetos
Ano Chamada pública & objetivo Linhas temáticas Proponente elegível
aprovados
MCT/FINEP/Ação Transversal - Tecnologias para o A) Desenvolvimento de Tecnologia Social em contextos produtivos de Entidade Estadual ou Distrital
2009 Desenvolvimento Social - 1/2009: projetos de empreendimentos econômicos solidários; responsável por CT&I, ICT e 13
tecnologias para o desenvolvimento social. B) Implantação de Centros de Inclusão Digital em territórios rurais. empresas públicas
MCTI/Ação Transversal–LEI/CNPq nº 82/2013 -
Mestre ou doutor, vinculado a
Segurança Alimentar e Nutricional no Âmbito da 1) Educação e sistemas sustentáveis e descentralizados de produção,
instituição de ensino superior, ou de
UNASUL e ÁFRICA: fomento a núcleos e grupos de processamento, distribuição e abastecimento de alimentos, considerando
pesquisa pública ou privada sem fins
2013 ensino, pesquisa, extensão em segurança alimentar e extração, pesca e aquicultura e tecnologias de base agroecológica; 25
lucrativos, ou a empresa pública de
nutricional; integração da investigação científica à 2) Educação e atenção nutricional articulado a ações de segurança alimentar
CT&I, ou rede federal/estadual de
política; formação de rede institucional que promova e nutricional para promoção da alimentação saudável.
educação profissional e tecnológica
intercâmbio de conhecimento e tecnologias.
Mestre com experiência em
economia solidária, desenvolvimento
MCTI/SECIS/MTE/SENAES/CNPq nº 89/2013: A: Apoio ao fortalecimento de incubadoras tecnológicas de economia
territorial, TS, geração de trabalho e
projetos de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e solidária.
2013 renda, vinculado a instituição de 86
extensão de incubadoras tecnológicas de B: Apoio à formação e institucionalização de novas incubadoras
ensino superior ou de pesquisa
empreendimentos econômicos solidários. tecnológicas de economia solidária.
pública ou privada sem fins
lucrativos, ou empresa pública
a) Organização para acesso aos mercados institucionais, como o PAA e
PNAE; b) Beneficiamento e agroindustrialização de produtos pelos grupos,
Doutor, vinculado a instituição de
MCTI/MDA-INCRA/CNPq n° 19/2014 - associações e cooperativas de jovens assentados, agricultores familiares e
ensino superior ou de pesquisa
Fortalecimento da Juventude Rural: projetos de comunidades tradicionais; c) Gestão administrativa; d) Agroecologia e
2014 pública ou privada sem fins 34
capacitação profissional e extensão tecnológica e sustentabilidade na produção agrícola, pecuária, atividades pluriativas e
lucrativos ou a empresa pública de
inovadora de jovens residentes em áreas rurais. manejo de recursos naturais; e) Comunicação, Projetos Artísticos e Culturais
CT&I
em comunidades; f) Uso de metodologias participativas aplicadas à pesquisa,
assistência técnica e extensão rural.
CNPq/MCTIC Nº 016/2016: projetos de pesquisa 1) Direito humano a alimentação adequada; 2) Antropologia da alimentação
científica e tecnológica em Segurança Alimentar e e cultura alimentar; 3) Políticas públicas, regulação, monitoramento e
Mestre ou doutor, vinculado a
Nutricional no Programa de Desenvolvimento de controle social; 4) Sistemas sustentáveis de produção de alimentos
2016 Instituição Científica, Tecnológica e 89
Estratégias de Caráter Socioeducativas e saudáveis; 5) Gestão pública da produção e o abastecimento alimentar; 6)
de Inovação
Sociotécnicas em Soberania e Segurança Alimentar e Educação alimentar e nutricional; 7) TS e inovação; 8) Qualidade nutricional
Nutricional para os países da UNASUL dos alimentos; 9) Controle e prevenção de agravos da má alimentação:
CNPq/MCTIC/MDS nº. 36/2018 - Tecnologia social: Geração de renda, inclusão no mundo do trabalho e autonomia econômica Mestre ou doutor, vinculado a
2018 projetos de desenvolvimento, reaplicação, das famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Instituição Científica, Tecnológica e 62
aperfeiçoamento, e avaliação de TS Federal e deverão estar relacionados a um ou mais de um dos ODS de Inovação
Fonte: Adaptado pela autora a partir de CNPq (2019) e FINEP (2019).
329

A noção de redes em políticas está associada a conceitos como comunidades


epistêmicas, policy communities, policy network que visam potencializar diferentes
capacidades de distintos tipos de atores também situados em contexto discrepantes
(DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004). Contudo, uma organização em formato de rede,
pela sua natureza de governança de tendência mais plural e policêntrica, geralmente implica
em um difícil ponto de equilíbrio entre promoção de mecanismos de agregação e organização
coletiva de atores sociais e mecanismos de promoção de diversidade e distribuição de poder
entre estes.
Para Dagnino, Brandão e Novaes (2004), dois atores da política de CT&I demandaria
atenção pelos papéis chaves que exercem. Os burocratas ao serem considerados "correias de
transmissão" pelos autores das ações concebidas pela interação na RTS para dentro do
aparelho de Estado, e, assim, conferir-lhes viabilidade e possibilitando construções
intersetoriais importantes. E os professores-pesquisadores pela sua proeminência de atuação
tanto no âmbito da pesquisa e produção de conhecimento (poder sobre recursos cognitivos),
quanto no âmbito dos processos decisórios da política de CT&I (poder político), perante
torna-se relevante a legitimação da TS, enquanto marco analítico-conceitual orientador
(DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).
Entretanto, a consolidação destes mecanismos em torno da RTS no processo de
política requereria substancial estímulo e tempo de amadurecimento, dado a divergência que
estes mecanismos revestidos de novas práticas sociais representariam das práticas
institucionalizadas correntemente, implicando inclusive em mudanças nas orientações
discursivas destas. Com a desarticulação da RTS, a tentativa desta consolidação não foi
possível no período.
A FBB manteve o Prêmio de TS e o banco de TS, mas outros avanços a partir destes
não foram construídos. Como já indicavam Dagnino, Brandão e Novaes (2004), a
consolidação de uma agenda de uma política de TS exige ações mais complexas do que a
proposta de criação de bancos de informação tecnológica, os quais são semelhantes aqueles
concebidos para difusão de tecnologias convencionais dentro de sistemas tecnológicos a estas
adequados.
330

6.3 CONSIDERAÇÕES DAS POSIÇÕES E DISPUTAS DISCURSIVAS NO ÂMBITO DA


POLÍTICA DE TECNOLOGIA SOCIAL NO DOMÍNIO DA CT&I

Na ascensão à agenda de uma pauta de política de CT&I para inclusão social emergiu
a temática de TS que, distintamente para o contexto desta política, contou com a participação
e defesa de organizações da sociedade civil e governos locais. No entanto, a pauta de TS,
enquanto uma posição marginal, tem se estabelecido em uma trajetória que consideramos de
disputas explícitas e implícitas.
Devemos considerar que há uma disputa na agenda em si da política de CT&I entre
orientações agregativas de justiça social, seja relacionada a uma pauta de ênfase científica,
alinhada ao discurso da C&T auto orientada; seja associada a uma de ênfase à inovação e
legitimação de setores considerados a temas estratégicos tecnocientíficos, em alguma medida
alinhados ao discurso da CT&I orientada para o mercado, como vimos no capítulo 2. Nesta
agenda, a pauta de uma racionalidade distributiva de justiça social da CT&I para inclusão
social configura-se marginal, embora tenha calgado espaços.
Entretanto, neste espaço marginal da agenda emergem também disputas internas em
relação a orientação política (politics) da política pública (policy) de CT&I voltada à inclusão
social. Buscamos na primeira seção tratar de três principais orientações discursivas voltadas
ao atendimento de grupos sociais em processo de exclusão ou desvantagem social, desde as
orientações sobre tecnologias apropriadas (associadas a uma posição adaptada do discurso da
C&T auto orientada para combate à pobreza), a construção de um marco analítico-conceitual
de TS a partir dos avanços no campo de CTS (alinhada ao discurso da CT&I orientada para a
sociedade), e uma proposição de uma concepção de empreendedorismo social e inovação
social vinculada a implementação de negócios sociais via mecanismos de mercado (em
posição reformista do discurso da CT&I orientada para o mercado para enfrentamento da
pobreza e exclusão social).
Nos momentos iniciais em que políticas para fomento à inclusão social via CT&I
foram se institucionalizando no país, pudemos observar que ainda era considerável a presença
explícita de orientações relacionadas a tecnologias apropriadas. Porém, estas (ao menos
explicitamente) foram perdendo espaço, a ponto de nos últimos documentos e instrumentos de
planejamento do governo federal já não serem mais articuladas nomeadamente.
Mas, apesar do termo TS ter prevalecido na agenda, e se tornado de certo modo
emblemático de uma política de CT&I para grupos sociais em desvantagem socioeconômica,
entendemos que houve um deslocamento da disputa orientativa da política para aspectos
331

implícitos neste. Assim, à medida que programas de fomento e outros mecanismos de política
com foco no termo TS vão se tornando institucionalizados, atraem múltiplos atores com
diferentes orientações discursivas (crenças da política), seja pela visibilidade que adquirem
suas propostas, seja pelo interesse por oportunidades de financiamento público direcionado a
pesquisa, conformando um campo de disputa discursiva pelos significados e orientações de
práticas a serem vinculados a TS.
Esta disputa de significados engloba os atores sociais a serem legitimados e
valorizados no processo da política, o enfoque de problema a ser enfrentado, o processo de
desenvolvimento tecnológico e de disseminação tecnológica a ser adotado (como é a disputa
entre replicação e reaplicação), critérios de análise de impacto e transformação social, entre
outros.
De forma que, por um lado, se uma posição de CT&I orientada para a sociedade tenha
alcançado espaço (e recursos) na agenda com a proposição de TS; por outro lado, abertura na
agenda deste espaço implica em uma desestabilização dos discursos predominantes (que
perderam espaço), e, por conseguinte, parte dos atores por estes discursos orientados tendem a
articular uma reorganização destas orientações discursivas (o mais próximo possível das
concepções nucleares) para competir no espaço aberto na agenda.
Deste modo, a partir da revisão analítico-conceitual e dos apontamentos do contexto
da política de TS no cenário nacional, compreendemos que há (de modo sintético e
simplificado) três posições discursivas principais elencadas, bem como há camadas de
disputas discursivas sobrepostas: na agenda geral da política e na pauta específica de TS; no
enfoque finalístico (de atendimento a grupos sociais em algum processo de exclusão) e no
enfoque processual (da concepção de desenvolvimento de conhecimento e tecnologia).
No próximo capítulo, analisaremos a trajetória de política estadual de TS no Pará, no
qual buscaremos compreender como os atores locais no processo de política de TS articulam
ações para enfrentamento das desigualdades a partir das suas orientações discursivas e como
se conformam processos de disputas e aprendizados.
332

7 TECNOLOGIA SOCIAL NA POLÍTICA ESTADUAL DE CT&I NO PARÁ

Neste capítulo descrevemos e analisamos o processo de política de fomento a


tecnologia social (TS) no âmbito do domínio da política de CT&I no governo estadual do
Pará. Assim, buscamos mapear os principais atores e ações desta política, de modo a
delinearmos o subsistema de política estadual de TS, reportando-nos as orientações teórico-
metodológicas elaboradas no capítulo 1, com vistas a compreender como têm sido articuladas
ações para enfrentamento das desigualdades no que tange ao fomento a TS.
O processo de política estadual de TS teve um desenvolvimento distinto em relação ao
que vimos de TA. Portanto, embora mantendo a mesma abordagem analítica associada ao
exame de práticas sociais inspirado no exame dos quatro (4) elementos caracterizados por
Chouliaraki e Fairclough (1999) e Resende e Ramalho (2006) (discursos, fenômenos mentais,
ações materiais, relações sociais), a estrutura deste capítulo se conformará a singularidades
deste processo de política, decomposto em três diferentes momentos de desenvolvimento.
Neste sentido, a estrutura deste capítulo está dividida em quatro (4) seções. A primeira
seção correspondente a primeira iniciativa de institucionalização de uma política voltada a TS,
pela criação de uma diretoria dedicada ao tema na SECTI e de uma Rede de TS paraense
(RTS-PA). Nesta seção será realizado a análise discursiva do documento de referência do I
Fórum Paraense de Tecnologias Sociais, onde está incluso o documento de constituição da
RTS-PA, que consideramos o principal texto representativo das articulações do período.
Posteriormente, fazemos uma apreciação do conjunto de ações e interações realizadas por
atores políticos mapeados, enquanto caracterização das práticas sociais em construção.
A segunda seção concerne a conformação da responsabilidade pelo tema a uma
Coordenadoria de Tecnologia para Desenvolvimento Social (CTDS) na SECTET e os
primeiros fomentos diretos a projetos científicos e tecnológicos. Neste momento, não
encontramos diretrizes documentais distintivas, de modo que nossa análise em relação às
práticas sociais é focada sobre a execução dos projetos financiados.
A terceira seção reporta-se ao período mais recente e realça a busca de uma
institucionalização do fomento a TS, por meio da Resolução do CONSECTET nº 003/2017,
que trata da "Política Estadual de Tecnologias Sociais" e seu decorrente o edital da SECTET
nº 006/2017, único voltado para fomento de TS lançado no âmbito da política estadual de
CT&I. Além da análise discursiva destes documentos, examinaremos as propostas de projetos
aprovadas no edital, com vistas a permitir um delineamento do cenário deste momento mais
recente.
333

Por fim, a quarta seção, retoma o olhar do processo de política em perspectiva dos três
momentos verificados anteriormente para analisar as possíveis coalizões de defesa em
formação e atuação e articulação no subsistema da política. Nesta seção, ao procurarmos
entender de modo geral as articulações dos atores políticos e coalizões de defesa em torno da
temática de TS, também refletimos sobre a abrangência e direções das ações públicas
realizadas no que tange ao enfrentamento de desigualdades, tanto em relação a alcances
materiais, quanto às dimensões conceituais.
Ao seguir o percurso teórico e metodológico formulado no capítulo 1, para o caso em
estudo de TS, enfocamos procedimentos de coleta de dados que envolveram pesquisa
documental sobre projetos relacionados ao tema junto a SECTET, fundamentalmente, e, de
forma complementar foram empreendidas pesquisas em websites referenciados no decorrer do
texto. Bem como, realizamos entrevistas com atores políticos, abrangendo coordenadores e
pesquisadores de projetos financiados (7 entrevistados de 5 projetos), servidores públicos
atuantes atualmente ou anteriormente na SECTET (4 entrevistados), dois dirigentes e
integrante da governança da política estadual, além de dois outros pesquisadores atuantes no
campo de TS no estado. A descrição de procedimentos de coleta e geração de dados para
pesquisa está disponível no Apêndice D.

7.1 CRIAÇÃO DA DIRETORIA DE TECNOLOGIA SOCIAL E A RTS-PA: ENFASE À


ESTRATÉGIA DE ARTICULAÇÕES ENTRE ATORES SOCIAIS

No plano diretor de CT&I de 2011-2015, lançado em 2011, foi prevista a existência de


uma Diretoria de Tecnologias Sociais na SECTI, tendo sob sua responsabilidade as temáticas
de inclusão digital, acesso ao conhecimento, tecnologias sociais e um tópico aplicado a redes,
produtos, ferramentas e metodologias relacionadas (nossa análise se direcionará
especificamente ao tema de TS).
Neste plano diretor eram ainda mencionados a necessidade tanto de um levantamento
do cenário existente sobre a "capilaridade dos mecanismos de acesso popular ao
conhecimento, por meio de tecnologias sociais apropriadas" (SECTET, 2011, p. 26); quanto
da formulação um planejamento que tivesse entre seus alvos principais "o desenvolvimento de
tecnologias sociais, a exemplo da inclusão digital, como ferramentas e produtos que
promovam uma maior democratização no acesso ao conhecimento" (SECTET, 2011, p. 30).
Cabe esclarecermos que em termos de política nacional, como vimos nos capítulos
anteriores, desde 2003, estava em funcionamento no âmbito do então MCT a SECIS, que
334

trazia como um dos temas de maior mobilização a concepção de tecnologia social,


considerando ainda suas articulações com a Fundação Banco do Brasil (FBB), que criara o
Prêmio de TS em 2001, e a Rede de Tecnologia Social (RTS) brasileira, criada em 2005.
Em termos do contexto estadual, em um horizonte mais recente, em 2011 mesmo,
havia sido celebrado junto a FINEP (como financiadora) um convênio com participação da
SECTI e FAPESPA em parceria com a UFPA, UFRA e EMATER-PA para execução do
projeto "Ações de Tecnologia Social para Consolidação do Sistema Paraense de Inovação"
(FAPESPA, 2019). Bem como, em março deste ano, ocorreu em Belém o I Fórum de
Tecnologias Sociais em Plantas Medicinais e Fitoterapias e a Oficina de Planejamento da
Rede de Tecnologias Sociais em Plantas Medicinais e Fitoterápicos no Bioma Amazônico,
promovidos pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), pela UFPA e pelo Departamento de
Assistência Farmacêutica do MS, com apoio da FINEP e da RTS.
Em uma perspectiva mais antecedente, no que tange a projetos relacionados ao tema
de tecnologia apropriada no Pará, no final da década de 1990, no âmbito da SECTAM, houve
esforços para difusão de dois pacotes tecnológicos que traziam a identificação com o conceito
de tecnologias apropriadas: (1) microssistemas de abastecimento de água e produção de
hipoclorito de sódio em comunidades, em virtude da ameaça da cólera; e, (2) sistemas
agroflorestais (SAF), conforme relato em entrevista com um ex-diretor da Diretoria de
Tecnologia Social (DTS)138. E, entre 2000 e 2003, este conceito de tecnologia apropriada
expande sua difusão no contexto estadual com a criação pela SECTAM do "Programa
Paraense de Tecnologias Apropriadas" (PPTA), com apoio financeiro do CNPq, voltado a
verticalização produtiva em cadeias extrativistas (SECTAM, 2003), como no trecho a seguir:

Programa Paraense de Tecnologias Apropriadas - PPTA, que tem por finalidade


contribuir para promover a redução da distância existente entre o setor produtivo e
aquele que desenvolve o conhecimento científico e tecnológico, contribuindo assim
para o processo de agregação de valor ao produto paraense.
O PPTA, voltado principalmente para os micro e pequenos empreendimentos (...) atua
no sentido de verticalizar cada vez mais a produção dentro do Estado, rompendo
com o modelo extrativista que nos foi imposto ao longo de todos estes séculos, a partir
de uma perspectiva de expansão das oportunidades de trabalho, de geração de renda e
da redução de desigualdades. (SECTAM, 2003, p. 4, grifo nosso).

Embora houvesse este programa de tecnologias apropriadas tenha funcionado até 2003
no âmbito da secretaria responsável pela pasta de CT&I no governo estadual, e que a partir
deste ano ocorresse a emergência à agenda da temática de TS no governo federal, chama-nos
a atenção que a temática de TS somente alcance à agenda da política estadual de CT&I em

138
Anotação referente à entrevista realizada com ex-diretor da DTS/SECTI em 10/09/2018, áudio não gravado.
335

2011. Consideramos que a temática tenha tido dificuldade de chegar a agenda, mesmo no
período de institucionalização da SEDECT e FAPESPA (quando inclusive o governo estadual
estava sob mandato do PT que no âmbito federal havia criado e mantinha a SECIS), pela
ênfase da orientação agregativa-utilitarista que caracterizou esta política, cujo foco se
concentrou em estruturar mecanismos relacionado a abordagem de sistema de inovação.
A DTS foi implementada em 2012, tendo como primeiro diretor, o professor da UFPA
Eduardo Costa139. Posteriormente em 2013, assumiu Evandro Ladislau da Silva, servidor
público estadual que havia participado de projetos de execução descentralizada do Ministério
do Meio Ambiente (MMA) e do PPTA na SECTAM, que permaneceu no cargo até 2014. De
forma a contextualizar as principais atividades relacionadas a TS no período do mandato
governamental 2011-2014, apresentamos na figura 7 uma linha do tempo organizada a partir
das entrevistas realizadas e pesquisas documentais e em notícias no site da SECTET (2018).
Cabe indicarmos que, apesar de prevista no plano diretor elaborado em 2011, durante
o mando governamental de 2011 a 2014 não houve a formalização, via alteração na lei de
instituição da SECTI, desta diretoria, bem como, no PPA 2012-2015, a única ação relacionada
TS referia-se à transferência de TS, estando voltada a atividades de disseminação. Deste
modo, observamos que as principais ações desenvolvidas no período se relacionaram a
realização de eventos de difusão e de articulação entre atores. Os eventos mais relevantes
foram o I e II Fórum Paraense de Tecnologias Sociais (2013 e 2014) e o principal espaço de
articulação implementado foi RTS-PA.
Na próxima seção analisamos o documento de referência do I Fórum Paraense de
Tecnologias Sociais, especialmente o texto correspondente ao documento de constituição da
RTS-PA, enquanto representativo da concepção de TS e de estratégias para seu
desenvolvimento no processo de política estadual de CT&I.

139
Eduardo Costa ficou pouco tempo nesta diretoria, vindo depois a assumir o cargo de diretor-presidente da
FAPESPA, no período de 2015 a 2018.
336

Figura 7 – Linha do tempo das principais ações no processo de política estadual de tecnologia social
no Pará, de 2012 a 2014

2012 Criação da Diretoria de Tecnologias Sociais na SECTI


Incorporação da temática de tecnologias sociais na Mostra de Ciência e Cultura
Abril
promovida pela SECTI
Criação da Rede de Tecnologias Sociais do Pará (RTS-PA) e início de realização de
Maio
reuniões da RTS-PA
Primeiras propostas de intervenção e projetos de tecnologias sociais articulados

Outubro I Mostra de Tecnologias Sociais


Primeiro fomento direto pela SECTI ao desenvolvimento de tecnologia social
(convênio 013/2012 – SECTI/Instituto Açaí)
2013
Eventos de divulgação dos Prêmios FINEP, incluindo a categoria de Tecnologia
Maio
Social em várias cidades no estado com apoio do SEBRAE
Retomada de reuniões da RTS-PA e criação de Grupo de Trabalho para
Junho
reestruturação
Reunião do GT da RTS-PA para discussão dos conceitos de Tecnologia Social,
Julho
Rede e Governança
Agosto Oficina para discussão do modelo de governança para RTS-PA

Setembro Reunião ampliada para validação da minuta do documento de referência da RTS-PA


I Fórum Paraense de Tecnologias Sociais e II Mostra de Tecnologias Sociais
Outubro
Homologação do Documento de Referência e conselho gestor da RTS-PA
Dezembro Termo de Cooperação Técnica com a SEAS – Projeto "Cisterna"

2014
Elaboração de Plano de Ação para RTS-PA, com eixos prioritários: “Água e
Janeiro saneamento”, “Inclusão digital e desenvolvimento local” e “Geração de ocupação e
renda”
Março Mesa-redonda “Tecnologias Sociais: Agregando Valor ao Território”

Junho Seminário Inclusão Digital, Cultura e Desenvolvimento Local


Temática de tecnologias sociais presente na Mostra de Ciência, Tecnologia e
Agosto
Inovação para o Desenvolvimento Regional
Discussão sobre tecnologias alternativas de tratamento de água: Reuniões
SEAS/SECTI/RTS-PA sobre o projeto “Cisternas: Sistemas de Aproveitamento de
. Águas Pluviais” e inserção de tecnologias sociais de captação de água de chuva no
Plano Municipal de Saneamento Básico de Água e Esgotamento Sanitário de
Belém-PA
Palestra no Encontro Estadual de Inovação, Tecnologia e Sustentabilidade

Novembro II Fórum Paraense de Tecnologias Sociais e III Mostra de Tecnologias Sociais


Fonte: Elaborada pela autora (2019).
337

7.1.1 O documento de referência do I Fórum Paraense de Tecnologias Sociais

O I Fórum Paraense de Tecnologias Sociais foi realizado de 23 a 25 de outubro de


2013, como um evento integrante da VI Feira Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação do
Estado do Pará, com o objetivo de “fomentar a discussão em torno das Tecnologias Sociais
como ferramentas inovadoras e capazes de propor soluções sociotécnicas para problemas
sociais que afligem segmentos vulneráveis da população paraense” (SECTI, 2013a).
Este I Fórum contemplou diferentes momentos e atividades, incluindo a realização de
um seminário sobre “Aproveitamento de Água de Chuva na Amazônia como Tecnologia
Social”, de uma Mostra de Tecnologias Sociais, e de palestras (SECTI, 2013a). Além destas,
houve uma reunião plenária denominada de "Cerimônia de institucionalização da Rede
Paraense de Tecnologias Sociais". Conforme relatado no relatório do evento, apesar de ter
sido criada em 2012, a RTS-PA não havia sido formalizada ou estruturada em termos de
regras de participação, tomada de decisão e governança.

O I Fórum Paraense de Tecnologias Sociais, portanto, representou um marco importante


porque promoveu a institucionalização da RTS/PA, que embora tenha sido criada em
2012, ainda não havia sido formalizada. É importante também porque incluiu
democraticamente a sociedade nesse tão importante debate, com vistas a fomentar e/ou
fortalecer parcerias público-privadas, além de contribuir para a desconstrução de uma
ideia equivocada acerca de que apenas as universidades e institutos de pesquisa
discutem Ciência, Tecnologia e Inovação. Essa discussão possibilita a aproximação do
sistema de CT&I do terreno social com vistas a fomentar o comprometimento das
políticas públicas com as demandas das diversas comunidades e segmentos sociais.
(SECTI, 2013a).

Neste sentido, desde junho de 2013 foram realizadas reuniões e criado um grupo de
trabalho para elaboração de uma proposta de (re)estruturação da RTS-PA. Deste grupo de
trabalho participaram com maior frequência representantes da UFPA, UEPA, SECTI, e das
organizações Fórum das Ilhas, Poloprobio, Instituto Açaí (SECTI, 2013a). Ainda conforme o
relatório do evento e entrevistas com 2 participantes deste processo, proposta da RTS-PA
formulada, inclusive de seu modelo de governança, teve forte inspiração nas diretrizes e
formato da RTS nacional.
A RTS-PA era considerada "um dos instrumentos da Política Estadual de Tecnologias
Sociais" que representava "um colegiado consultivo, integrado por um conjunto de
instituições para coordenar, compartilhar e fomentar ações que contribuam com o
desenvolvimento, reaplicação e difusão de Tecnologias Sociais" (SECTI, 2013b, p. 3). Esta
configuração dada a RTS-PA a desenhava como principal instância de governança da política
de TS no governo estadual.
338

Durante a cerimônia de institucionalização da RTS-PA foi homologado o documento


de constituição da rede, integrante do documento de referência do evento, o qual continha
além da apresentação, assinada pelo secretário da SECTI, 5 divisões principais: justificativa,
marco conceitual das tecnologias sociais, documento de constituição da RTS-PA, modelo de
termo de adesão, e uma lista de 26 organizações participantes. O documento era referenciado
a DTS/SECTI e ao grupo de trabalho, composto por 10 membros (2 da UFPA, 2 da SECTI, 2
do Fórum das Ilhas, 1 da UEPA, 1 do Programa PARARURAL, 1 do Poloprobio, e 1 da
Fundação VALE).

Concepção de Tecnologia, Especificamente de Tecnologia Social

Na seção intitulada marco conceitual, foi realizada em breve revisão de literatura que
parte da origem conceitual de TS vinculada a de tecnologias apropriadas, passa por conceitos
de TS veiculados em publicações científicas e de organizações de referência nacional (FBB,
RTS e ITS), e, por fim, realça a relação de TS com temas como capital social, redes sociais e
o empoderamento da população. Vemos, assim, destacada uma considerável presença de
intertextualidade140 explícita (citações diversas de 11 publicações científicas e 4 obras de
organizações de referência nacional), que entendemos enquanto uma busca de disseminação
do posicionamento conceitual de TS (cujo termo é reconhecidamente polissêmico) a ser
adotado, mas principalmente de legitimação deste, via demonstração de sustentação científica
e de experiência nacionais de referência.
O conceito adotado na seção de constituição da RTS-PA foi o mesmo aplicado pela
FBB e RTS nacional:

Tecnologia Social compreende produtos, técnicas e/ou metodologias reaplicáveis,


desenvolvidas na interação com a comunidade e que represente efetivas soluções de
transformação social. (SECTI, 2013b, p. 14).

Três características são realçadas por meio deste conceito, que apresentam relação
com uma orientação discursiva da CT&I orientada para a sociedade. A primeira é a
necessidade que o desenvolvimento ou reaplicação tecnológica seja realizada pela interação

140
De acordo com Resende e Ramalho (2006), intertextualidade é caracterizada como uma categoria de análise
de prática discursiva que se refere à cadeia dialógica textual estabelecida em um texto, ou seja, as conexões do
texto em análise com demais textos. Parte da noção que todo texto articula (responde, concorda, contradiz ou
silencia) diversas vozes, de modo que análise de intertextualidade se baseia em identificar as vozes incluídas e
excluídas em um texto, que podem ser estar em discurso direto (citação direta), discurso indireto (citação
indireta), pressuposta ou ausente (RESENDE; RAMALHO, 2006).
339

com a comunidade, que se associa ao reconhecimento de que o conhecimento e a tecnologia


são construções sociais, contrapondo-se, portanto, as noções de determinismo tecnológico e
neutralidade da ciência; bem como legitima a comunidade e seus membros como agentes
desse desenvolvimento, divergindo de visões mais estritas sobre atores do processo de CT&I,
centradas nos cientistas ou nas empresas.
A segunda se refere a noção de reaplicação também apresenta tal associação com a
característica acima, indicando que ao se pretender aplicar uma tecnologia em um contexto
social ou comunitário distinto do contexto em que foi originalmente desenvolvida, torna-se
necessário um processo de adequação sociotécnica pela interação dos membros desta
comunidade atual com conhecimentos e tecnologias anteriormente desenvolvidos. E, a
terceira é o objetivo de aplicação finalística da TS, cuja ênfase está voltada a dimensão social.

Quem Produz Conhecimento e Tecnologia

Este tópico retoma um ponto que destacamos acima no conceito quanto ao


reconhecimento que quem estar apto a produzir conhecimento e tecnologia na sociedade. O
documento de referência ressalta a comunidade ou da população em geral como agente
legitimado a participar, junto com a comunidade de pesquisa e o governo, do
desenvolvimento de soluções tecnológicas a seus problemas, como nos trechos de citações no
texto a seguir:

[...] a Tecnologia Social é um instrumento que pode aumentar o capital social, humano e
econômico de uma comunidade. Fortalecida e organizada, a população tem muito mais
chances de resolver os seus problemas. [...] Depois de organizada, a comunidade sente-
se mais capacitada a fiscalizar e cobrar o poder público – o que é fundamental para o
desenvolvimento (ANDI, FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL, PETROBRÁS, 2006,
p.56) (SECTI, 2013b, p. 10).

segundo Fonseca e Serafim (2010), para consolidar a ideia de TS como estratégia de


desenvolvimento e inclusão social é essencial integrar os atores que atuam no aparelho
do estado, isto é, os fazedores de política, os segmentos da sociedade civil e
universidades/institutos de pesquisa (SECTI, 2013b, p. 11).

Chamamos atenção também para o uso de intertextualidade via citação direta e


indireta para elaboração de tal posicionamento da participação da comunidade no
desenvolvimento de TS no documento, que compreendemos reflete a preocupação dos autores
do texto em situar e referenciar sua posição.
340

Protagonistas e Atores da Política

Em acordo com os posicionamentos anteriores, os atores legitimados a participarem do


processo de política em torno da TS, considerados enquanto aqueles que possam integrar a
RTS-PA, temos quatro (4) representações ratificadas: comunidade de científica (universidades
e institutos de pesquisa), governo, empresas e organizações da sociedade civil e movimentos
sociais, estas últimas vinculadas enquanto instâncias representativas de comunidades e
população em geral.

articular as esferas de governo e os diversos atores sociais: empresas, universidades e


institutos de pesquisa, organizações da sociedade civil e movimentos sociais, a fim de
disponibilizarem e permutarem conhecimentos, bem como pactuarem ações e
estratégias relevantes a RTS/PA (SECTI, 2013b, p. 14).

Participam do Conselho Gestor, de forma paritária, doze representantes institucionais,


sendo três representantes de cada segmento institucional. Serão três das instituições de
ensino e pesquisa, três da sociedade civil organizada, três da iniciativa privada e três de
instituições governamentais (SECTI, 2013b, p. 17).

Cabe mencionarmos que na seção referente ao marco conceitual do documento de


referência houve uma preocupação e esforço dos autores do texto (DTS e Grupo de Trabalho)
em referenciar explicitamente os benefícios e recomendações da participação de comunidades
no desenvolvimento tecnológico, como exemplificado no tópico anterior. Mas, tal
preocupação não se expressou para os demais atores, inclusive às empresas, que não
receberam menção direta naquela seção de marco conceitual. Compreendemos que os autores
do documento entendiam a participação dos demais atores sociais (comunidade de pesquisa,
governo e empresas) como pressuposta no âmbito da política estadual de CT&I, a ponto de
não se fazer necessário justificativas ou referências explícitas. Essa situação pode
caracterizar-se em uma intertextualidade pressuposta (FAIRCLOUGH, 2001) das diretrizes da
política estadual, em particular no plano diretor de CT&I 2011-2015, em vigência à época,
que trazia ênfase a noção de hélice tríplice e de sistema de inovação. Também ressaltamos
que este desenho de governança foi o mais plural explicitamente expresso naquele momento
em diretrizes formais da política estadual de CT&I.

Modelo de Inovação

A ênfase a participação comunitária e a noção de reaplicação adotados na abordagem


conceitual de TS conduz-nos a compreender o modelo de inovação assentado em um modelo
341

interativo com ênfase no lócus caracterizado como comunidade-alvo. O termo comunidade


está explícito no conceito adotado de TS já mencionado em tópico anterior e em vários
trechos de atribuições da RTS-PA e seus integrantes, como os exemplos a seguir.

A apropriação pelas comunidades-alvo das tecnologias sociais reaplicadas (SECTI,


2013b, p. 14).

Atuar como articulador e mobilizador nas comunidades-alvo das tecnologias sociais


reaplicadas (SECTI, 2013b, p. 16).
Compartilhar, fomentar e difundir ações que contribuam com o desenvolvimento de
comunidades, por meio da reaplicação em escala das Tecnologias Sociais no estado do
Pará (SECTI, 2013b, p. 16).

Contribuir, por intermédio de sua rede, para responder as demandas e necessidades


complementares identificadas nas comunidades alvo e disponibilizá-las à RTS/Pa.
Identificar as demandas por tecnologias sociais das comunidades-alvo (SECTI, 2013b,
p. 17).

Escopo Priorizado

O foco da política de TS orientada pela concepção discursiva exposta no documento


de referência tomo um escopo de priorização finalístico voltado à transformação social,
conforme expresso no conceito de TS adotado já citado. O princípio do desenvolvimento ou
da reaplicação, pela adequação sociotécnica, ter como base a interação na comunidade local
favorece um processo de conformação de escopo da política de TS bottom-up, que a priore
cria condições para uma agenda localmente situada e abordagens de formulação,
implementação e avaliação participativas.

Apontamentos Sobre Orientação Discursiva

O documento de referência do I Fórum Paraense de Tecnologias Sociais, elaborado no


âmbito da DTS/SECTI e do grupo de trabalho organizado, demonstra considerável aderência
a abordagem conceitual de TS desenvolvida na RTS nacional, e buscou referenciar-se por
correntes da literatura científica sobre tema, que o aproximam da economia solidária e
cooperativismo, incluindo autores como Renato Dagnino, Hérman Thomas, Henrique Novaes,
Flávio Brandão, Rodrigo Fonseca, Milena Serafim, Ladislau Dowbor, Silvio Basa, Ricardo
Abramovay.
De forma geral, o documento apresenta forte influência do discurso da CT&I orientada
para a sociedade, conforme características elencadas no capítulo 2, em consonância com a
abordagem de TS expressa entre os enfoques de construção deste discurso. Deste modo, não é
342

a interdiscursividade explícita que chama nossa atenção no texto, mas o extenso uso da
intertextualidade, com práticas discursivas típica da escrita científica, no documento da
política, principalmente na seção referente ao marco conceitual.
Compreendemos que parte do esforço de usos de citações de publicações científicas e
da contextualização conceitual embasada em exemplos nacional de referência no documento,
por um lado, corresponda a um enfoque relativamente recente e que contribui para um
discurso ainda em construção, o que demanda por si uma preocupação com a constituição e
disseminação de sua abordagem conceitual. Por outro lado, representa uma estratégia de
alcançar legitimidade em meio aos atores dominantes (cientistas) do processo de política e do
ambiente organizacional (Secretaria responsável pela pasta de CT&I) em que a DTS buscava
se institucionalizar. Neste contexto, é premente considerar que havia pouca difusão na agenda
estadual do tema de TS até então, e que sua orientação discursiva (particularmente em relação
a participação de pessoas de comunidades locais e população em geral no desenvolvimento
tecnológico e no processo decisório da política) divergiam das orientações discursivas em
predomínio no processo de política, o que reforça-se a necessidade de expedientes de
legitimação que corroborassem a institucionalização da política estadual de TS tal como se
propunha.

7.1.2 Principais atores políticos, ações materiais e interações sociais

Durante este primeiro momento, como havíamos indicado as principais ações remetem
a eventos, seja os fóruns e mostras de TS, seja reuniões de articulação e construção conceitual
para institucionalização. Em termos de fomento a ações de desenvolvimento ou reaplicação de
TS os movimentos foram bastante restritos.
As únicas ações que envolveram repasses de recursos financeiros voltadas ao fomento
direto de projetos que, de alguma forma, na época foram relacionados ao tema de TS que
identificamos são referentes a duas iniciativas em 2012141. Uma corresponde a um convênio
(nº 013/2012) com a ONG Instituto de Desenvolvimento Econômico e Educacional Açaí
(Instituto Açaí) para desenvolvimento de projeto para aproveitamento de resíduos de pescado
em uma comunidade quilombola, no município de Salvaterra, no valor de R$ 12.646,00, que
foi basicamente aplicado para aquisição de equipamentos. Outra foi o apoio de 2.500,00 via

141
Estas iniciativas foram localizadas via pesquisa documental, pois não constavam na lista de projetos
fomentados como TS entregue pela CTDS/SECTI para pesquisa em 2018.
343

convênio 017/2012 para orientação técnica por um pesquisador quanto purificação da matéria
prima e tratamento dos resíduos em um projeto de fábrica de sabão de tucupi.
Os valores envolvidos foram baixos e a execução dos projetos não necessariamente
abrangeu a concepção de construção de conhecimento e tecnologia a partir dos saberes das
comunidades, mas nos processos administrativos correspondentes aos convênios a vinculação
com o tema de TS esteve relacionado pela geração de benefícios estar direcionado a
comunidades carentes. Exceto por estas duas iniciativas, não localizamos outros fomentos
neste período, de modo que compreendemos que houve uma ênfase dos atores envolvidos no
processo da política estadual de TS, principalmente entre 2013 e 2014, em promover
articulações com outros atores sociais, seja para disseminar a concepção de TS adotada, seja
para incentivar a formação de redes de relações entre possíveis financiadores (outros órgãos
governamentais, fundações e empresas) e agentes de comunidades e ONG.
Um servidor público que atuou na DTS comentou em entrevista sobre a restrição de
execução orçamentária e a estratégia concebida para disseminar a temática:

Na DTS, havia desafios. Um era que a diretoria não existia na lei da Secretaria, assim
não tinha um orçamento. Em geral, conseguia reunir um orçamento em torno de R$
90.000,00 anual em diversas atividades, e executar em média R$50.000,00. Não havia
priorização, havia mais intenção do que um plano de ação estabelecido. Assim, a
estratégia adotada foi a de criar uma estrutura de governança para a política de
tecnologias sociais, que abrangia a RTS-PA e os Fóruns de Tecnologias Sociais.
(anotações de campo de entrevista concedida por servidor público que atuava na política
de TS, não gravada, grifo nosso).

A estrutura de governança expressa no documento de constituição da RTS-PA refletia


essa preocupação, inspirada na RTS nacional, havia a previsão de papeis de integrantes
enquanto mantenedores, investidores, detentor de TS, e articulador de redes sociais. No
entanto, ao contrário da RTS nacional que teve articulação inicial de fomento advindos de
empresas e entidades públicas, como FBB e Petrobras, a RTS-PA não conseguiu avançar
nessas articulações no período.
Reconhecemos que houve esforço de articulação junto a organizações da sociedade e
movimentos sociais. O primeiro Conselho Gestor da RTS-PA apresentado durante a
cerimônia de institucionalização no I fórum buscou seguir neste sentido uma representação
mais ampla (SECTI, 2013a): organizações governamentais: SECTI, SEICOM, SEMA;
organizações não-governamentais: Poloprobio, Fórum das Ilhas e Organização das
Cooperativas Brasileiras (OCB-PA); organizações de ensino e pesquisa: IFPA, UFPA,
EMBRAPA e; organização do setor privado empresarial: SENAI.
344

A inclusão de organizações civis com representação paritária era uma inovação e uma
distinção de outras conformações de governança constituídas na política estadual de CT&I,
como no próprio CONCITI, no qual não havia representação de organizações do movimento
social.
No decorrer do período, as diferenças entre a concepção discursiva de TS defendida
pela DTS/SECTI e pelo grupo de trabalho que auxiliava a constituição da RTS-PA e a
orientação discursiva majoritária da política estadual de CT&I tornaram-se mais discerníveis.
Essas diferenças foram vistas como uma dificuldade para institucionalização da política de TS
nos moldes concebidos por um dos ex-diretores da DTS.

O objetivo dos fóruns de tecnologias sociais era de trazer as populações


tradicionalmente excluídas da política de C&T, de modo a construir um diálogo mais
horizontal dessas com os representantes do conhecimento científico e das organizações
públicas. Era uma estratégia de busca da incorporação de pautas das populações e
grupos marginalizados na sociedade. Uma construção de alianças com grupos
marginalizados também em outras políticas públicas.
Mas tanto nos fóruns como na Secretaria havia disputas sobre o conceito de tecnologia
social. (...) Pode-se observar esses conflitos na própria formação do conselho da SECTI,
onde não havia inclusão de entidades da sociedade civil, pois se entendia que a
sociedade civil somente discutia política e não C&T. Era um problema de concepção e
de arrogância da ciência experimental. A principal disputa da tecnologia social se dá no
campo cultural, é uma disputa de concepções no campo do conhecimento. (anotações de
campo de entrevista concedida por servidor público que atuava na política de TS, não
gravada, grifo nosso).

Assim, embora tenha havido considerável esforço em desenhar um processo de


governança com ampla participação de setores representativos na sociedade, a concretização
de ações de fomento que materializasse processos decisórios a partir desta estrutura de
governança não chegou a ser constituir no período. A necessidade de concretização já era
apontada no final do relatório de I Fórum:

Entretanto, é necessário avançar a partir dos desdobramentos Pós-Fórum, a fim de que


as Tecnologias Sociais de fato sejam incluídas na agenda de ciência, tecnologia e
inovação do estado do Pará a partir de ações estruturantes e dotações orçamentárias para
esse fim. (SECTI, 2013a, p. 9).

7.2 CONFORMAÇÃO DA CTDS E OS PRIMEIROS FOMENTOS: ENFASE À


ESTRATÉGIA DE FOMENTO A VIA PROJETOS DE C&T

Em 2015, com a inclusão da temática de educação profissional e tecnológica na


SECTET, houve uma nova conformação na estrutura organizacional, em que a temática de TS
345

ficou sob responsabilidade de uma Coordenadoria de Tecnologia para Desenvolvimento


Social (CTDS) vinculada a Diretoria de C&T (DCT).
Ainda foi realizado o III Fórum Paraense de Tecnologias Sociais em 2015, no entanto
este foi o último fórum a ocorrer até o período desta pesquisa. A RTS-PA também sofreu
descontinuidades, em 2015 não teve reuniões regulares, em agosto de 2016 a SECTET
(responsável pela secretaria executiva da rede) buscou retomar as reuniões com o Conselho
Gestor para definição de "novos rumos de atuação" (SECTET, 2016), sendo o último encontro
da RTS-PA realizado em outubro de 2016, durante a Semana Estadual de C&T.
Contudo, se por um lado, a articulação desenhada anteriormente em torno da RTS-PA
e de fóruns foi sendo aos poucos preterida; por outro lado, de 2015 a 2017, verificamos
iniciativas mais direcionadas ao fomento para desenvolvimento de TS, tendo por base projetos
de universidades e institutos de pesquisa. Uma síntese das principais ações identificadas no
processo de política estadual de TS apresentamos na figura 8.

Figura 8 – Linha do tempo das principais ações no processo de política estadual de tecnologia social
no Pará, de 2015 a 2017

2015
As atividades relacionadas a tecnologias sociais ficaram sob a responsabilidade
Janeiro
específica da Coordenação de Tecnologia para Desenvolvimento Social (CTDS).
Agosto Fomento direto pela SECTET ao projeto CELCOM - Telefonia Celular Comunitária

Outubro Nova composição de conselho gestor da RTS-PA

Novembro III Fórum Paraense de Tecnologias Sociais e IV Mostra de Tecnologias Sociais

2016
Fomento direto da SECTET ao projeto Reator UASB unifamiliar destinado a
Junho
tratamento de esgoto em comunidades rurais
Agosto Retomada de reunião da RTS-PA para definição de novos rumos de atuação
Encontro da RTS-PA e palestra sobre a temática durante a VII Feira Estadual de
Outubro
Ciência, Tecnologia e Inovação
2017
Fomento direto da SECTET ao projeto Segurança Hídrica e Saneamento Básico
Julho
Descentralizado, por meio de Tecnologias Sociais na Região Insular de Belém
Resolução nº 003/2017 do CONSECTET sobre a Política Estadual de Tecnologias
Agosto
Sociais
Fomento direto da SECTET ao projeto Fortalecimento das Cadeias Produtivas da
Setembro
Biodiversidade no Município de Acará
Edital nº 006/2017 para a seleção de projetos de Tecnologias Sociais voltados à
Outubro
melhoria da qualidade de vida das populações vulneráveis
Fonte: Elaborada pela autora.
346

Como podemos observar, neste período foram financiados quatro (4) projetos
relacionados ao desenvolvimento de TS142, os quais examinaremos em maior detalhe nesta
seção.

7.2.1 Caracterização dos projetos fomentados e enquadramentos em tecnologia social

Apresentamos informações gerais de caracterização dos quatro (4) projetos


conveniados no período de 2015 a 2017 no quadro 29. O valor total investido neste período
englobou R$481.365,50, sendo o menor de 51.453,10 e o maior de 179.992,40, embora
consideramos que estes valores ainda sejam relativamente baixos frente a projetos de CT&I
do estado voltados as áreas identificadas como estratégicas, foram bem maiores que as
primeiras atividades fomentadas em 2012, diretamente a ONG.
Todos os projetos foram conveniados com universidades ou institutos de CT&I, o que
entendemos, por um lado, representar o estabelecimento de relações com uma categoria de
atores de C&T com quem existia prévia confiança e alinhamento de linguagem e
procedimentos neste âmbito de política (CT&I), com vistas a busca de atividades finalísticas
(produzir uma science for policy via a própria estrutura de C&T estabelecida, tendo em vista o
insulamento do domínio de política); e, por outro lado, garantir a ideia de política-meio
tradicional que ao investir em organizações de ensino superior a política assegura o apoio à
produção científica em si também (policy for science).
Uma questão que consideramos relevante no que tange a caracterização dos projetos
refere-se ao enquadramento destes em concepções de TS. Observamos que três dos quatro
projetos são desenvolvidos em comunidades rurais, de modo que somente um ocorre em
Belém, sem interação identificada com comunidades que fossem possíveis públicos-alvo do
produto em desenvolvimento, sendo um projeto de análise experimental executado dentro da
cidade universitária. Outra característica é que três desses quatro também expressam estarem
voltados especificamente a desenvolver soluções de baixo custo (Quadro 29).

142
Recebemos da CTDS uma listagem com seis (6) projetos apoiados, no entanto dois destes referiam-se a
investimentos de infraestrutura no município de Bragança para: (1) criação do Centro de Piscicultura do IFPA
por meio do convenio nº 003/2017, com aporte financeiro do tesouro estadual de R$919.008,88, cujo maior
montante era financiado pela FAPESPA (R$819.008,88); (2) implantação de um polo científico e tecnológico de
pesca e aquicultura da UFPA por meio do convenio nº 001/2017, com aporte do tesouro estadual de
R$1.342.582,07, cujo maior montante era financiado pela FAPESPA (R$1.142.582,07). Ao considerar estes
objetos mais associados (ao menos nesta fase de apoio representada nos convênios) à constituição de
infraestrutura, incluindo obras e instalações, em universidade e instituto de CT&I, e a manifestação de servidores
da Coordenadoria, não classificamos os mesmos enquanto projetos específicos para apoio, desenvolvimento ou
reaplicação de TS.
347

Quadro 29 – Informações gerais dos projetos fomentados no âmbito da política estadual de tecnologia social
Código
do Valor Instituição Município de Áreas do Aplicada ao
Título do projeto Modalidade Unidade Vigência
projeto contratado executora aplicação conhecimento setor/política

Instituto de Tecnologia (ITEC) Acará -


Convenio de Universidade - Laboratório de Comunidade Boa
Engenharia 16/11/2015
CELCOM - Telefonia cooperação Federal do Processamento de Sinais Vista &
1 179.992,40 Elétrica e de Telecomunicações a
Celular Comunitária técnica e Pará (LAPS) e Laboratório de Concórdia do Pará -
Computação 31/03/2019
financeira (UFPA) Sensores e Sistemas Comunidade
Embarcados (LASSE) Campo Verde

Otimização de critérios
Convenio de Universidade Instituto de Tecnologia (ITEC)
operacionais em reator Engenharia 28/06/2016
cooperação Federal do - Laboratório Multiusuário de
2 UASB unifamiliar 99.920,00 Belém Hidráulica e Saneamento a
técnica e Pará Tratabilidade de Águas
destinados a comunidades Saneamento 31/12/2019
financeira (UFPA) (LAMAG)
rurais

Campus de Castanhal -
Fortalecimento das Cadeias Convenio de Instituto Engenharia de
Mestrado Profissional em Acará - Economia 27/09/2017
Produtivas da cooperação Federal de Alimentos &
3 150.000,00 Desenvolvimento Rural e Comunidade de Boa Solidária & a
Biodiversidade no técnica e Educação Agricultura
Gestão de Empreendimento Vista Agricultura 27/09/2019
Município de Acará financeira (IFPA) familiar
Agroalimentares

Segurança Hídrica e Ciências


Convenio de Universidade Instituto Socioambiental e dos
Saneamento Básico Barcarena - Biológicas - 12/07/2017
cooperação Federal Rural Recursos Hídricos -
4 Descentralizado, por meio 51.453,10 Comunidade da Ilha Ecologia - Saneamento a
técnica e da Amazônia Laboratório de
de Tecnologias Sociais na das Onças Recursos 31/03/2019
financeira (UFRA) Hidrobiogeoquímica – HBGQ
região insular de Belém hídricos

Fonte: Elaborado pela autora (2019).


348

Assim, em termos de enquadramento conceitual, entendemos que dois primeiros


projetos foram originalmente direcionados a uma concepção de TS extremamente próxima a
de tecnologia apropriada ao ter como elemento central o desenvolvimento soluções de baixo
custo, sem que houvesse concomitante preocupação inicial com a proposição e construção
destas a partir da interação com as comunidades alvos.

Tivemos oportunidade de apreciar o plano diretor da SECTET, e verificamos a


existência do objetivo f), ‘Promover a utilização de tecnologias móveis de comunicação
como instrumento integração nas regiões do Estado’, dentro da Linha de Ação 1,
‘Ampliar a conectividade das redes de comunicação nas regiões do Estado’, do Eixo
Estratégico I, ‘Infraestrutura para o Desenvolvimento do Conhecimento e da Inovação’.
(...) O projeto integrado de pesquisa, ensino e extensão CELCOM, o qual consiste em
um conjunto de soluções tecnológicas de baixo custo para prover telefonia celular e
internet a comunidades que não possuam oferta de tais serviços por operadoras
comerciais, nem poder aquisitivo para arcar com custos de sistemas convencionais.
(PROCESSO nº 374801/2015 SECTI, p. 1, grifo nosso).

As tecnologias sociais voltadas a saneamento básico em comunidades de baixa renda


são fundamentais, tendo em vista a carência destes serviços para estas populações
brasileiras.
(...)
Os esforços se dão particularmente no que diz respeito a aplicação de tecnologias
sociais voltadas a serviços alternativos de abastecimento de água, coleta e tratamento de
esgoto. (PROCESSO nº 44996/2016 SECTI, grifo nosso).

No entanto, um desses projetos (1), à medida que entrou em desenvolvimento passou a


ter maior interação com as comunidades, o que identificamos que promoveu um processo de
aprendizado na equipe de C&T no sentido de entender a necessidade de envolvimento das
comunidades, conforme trecho de entrevista a seguir.

Quando o projeto foi criado ele era puramente técnico, né, tanto que dá para ver nas
submissões que houve, para a SECTET, principalmente, que era bastante técnico. Só
que como é um projeto de tecnologia social, ele foi ganhando essas amizades da área da
antropologia e tal. Foi em 2016 que teve o IDDS, aí uma grande contribuição desse
pessoal mais de humanas para o projeto foi em 2016 quando teve o IDDS, que
aconteceu em Boa Vista do Acará. E aí, lá a gente conheceu o pessoal deles, e era um
pessoal ligado a tecnologia, mas com formações mais sociais, mas também ligadas a
tecnologia. E a gente foi aprendendo bastante com eles, e a gente viu que a
comunidade escolhida tinha que estar envolvida no processo, senão não ia dar
certo. O simples fato de chegar e instalar as coisas não ia ser benéfico, nem para
gente, nem para eles. (entrevista concedida por pesquisador de projeto, grifo nosso).

Os dois outros projetos (3 e 4) já previram desde o início do convênio com a SECTET


que o desenvolvimento de TS partiria da interação com as comunidades, sendo que esta
previsão também foi expressa enquanto um aprendizado de experiências anteriores.

Tivemos a oportunidade de conhecer o Plano Estratégico de Desenvolvimento


Sustentável do Estado do Pará (PARÁ 2030) que assume o desafio de fomentar a cadeia
da biodiversidade, a fim de conhecer, conversar e valorizar a diversidade biológica
349

paraense e promover o uso sustentável dos recursos naturais e verificamos


possibilidades do IFPA, contribuir para implementação das estratégias do PARÁ 2030,
através de ações de fomento da biodiversidade no Estado do Pará.
Neste sentido, estamos enviando o Plano de Trabalho intitulado ‘Gestão da Cadeia da
Biodiversidade em Comunidades Rurais do Estado do Pará’, para análise de V.Exa.
quanto ao interesse da SECTET, em apoiar com recurso financeiro para podermos
viabilizar a execução deste projeto que tem por objetivo promover o desenvolvimento
sustentável da cadeia da biodiversidade em comunidades rurais do Estado do Pará,
priorizando a produção de alimentos saudáveis, geração de renda segurança alimentar e
nutricional e gestão dos recursos naturais, por meio do desenvolvimento e adaptação
de tecnologias sociais, valorizando os conhecimentos e saberes locais. (PROCESSO
nº 225989/2017 SECTI, p. 1 e 2, grifo nosso).

O que a gente tem dialogado, exatamente isso, quem tem que participar dos nossos
projetos são os comunitários, eles são os sujeitos principais. Porque a gente já teve
várias experiências que a gente levou tudo pronto e funcionou enquanto a gente estava
ali, quando a gente saí de cena, eles não participam. Por quê? Porque eles não se viram
na construção. Entendeu? Então, a gente tem trabalho o inverso, então a gente foi fazer
o pré-diagnóstico. (entrevista por pesquisador de projeto, grifo nosso).

Isso que é o legal da tecnologia social, que tem que ser pensado e construído junto
com a comunidade. Então, tem que ter uma amarração muito boa dessas três coisas, a
parte científica, ‘tá eu identifiquei que tem esse problema’. Quando eu comecei a falar
com a comunidade na questão da água, que eles tinham muito problema de diarreia, dor
de barriga, coceira. Quando eu cogitei que era a água, eles, 'professora, mas será? A
gente sempre usou essa água'. Então mostrei para eles ‘não, é, é isso, eu estou te
mostrando aqui que é isso, então vamos pensar como resolver?’. Aí me sentei, conversei
com eles que o recurso era para outra coisa, eu disse ‘olha, o recurso é para isso, mas o
que vocês acham da gente pegar um recurso’, eles aceitaram e aí a gente fez, e
concebemos a ideia com eles. Eu sempre falo que os nossos engenheiros estão lá na
ilha.
(...)
É fundamental, ou não existe coisa que funciona. É igual os sistemas que estão
implantados lá, né, vem um negócio caríssimo, de cima para baixo, e implantou
‘olha agora tu tens que usar isso’, e ninguém usa. E aí, você vê quanto dinheiro foi
jogado fora, e não resolve o problema. Esse é o problema de muita coisa que é feito
hoje. Porque existe uma separação, muitas vezes na academia o pessoal se acha 'não, eu
sou o dono do conhecimento, eu sei tudo', e não interage com as pessoas, não interage,
não sabe qual é a necessidade do outro lá. Porque uma coisa é eu estar aqui
pesquisando, eu acho que isso é importante, mas será que é importante para o cara lá, lá
na ilha. Será que, em vez de eu pensar, como eu inicialmente levei abelha, ainda as
abelhas estão lá, mas no final hoje o carro-chefe do nosso projeto não é mais abelha, é
água e saneamento. Porque mudou a nossa visão depois que a gente começou a estar
semanalmente com a comunidade. (entrevista por pesquisador de projeto, grifo
nosso).

Cabe indicarmos que esses projetos foram fomentados a partir de contatos específicos
entre membros dos projetos e da SECTET, não sendo originado de um edital de chamada
pública ou outro processo previamente estruturado de identificação ou seleção, funcionando
em um formato similar ao conhecido como "atendimento de balcão" no âmbito de política de
CT&I. Neste sentido, observamos que a concepção de interação com a comunidade não havia
sido um critério essencial para a seleção dos dois primeiros projetos em 2015 e 2016, vindo a
estar presente nos projetos de 2017.
350

Entendemos que essas diferenças indicam possíveis divergências de adesão a


concepções conceituais de TS dentro da própria SECTET. Cabe lembrarmos que entre 2015 e
2016, ainda houve reuniões da RTS-PA, cujo documento de constituição trazia a interação
com a comunidade na base da concepção de TS. Mas, não localizamos nos processos
referentes aos projetos contratados nestes dois anos menção a sua aprovação na estrutura de
governança da RTS-PA, sendo uma sinalização que a ideia que a RTS-PA pudesse representar
uma estrutura de governança para o processo decisório na política estadual de TS não foi
concretizada, e mesmo antes da suspensão das reuniões estava marginal ao processo de
tomada de decisão interno na SECTET.
Contudo, também ressaltamos que todos os projetos em que houve interação constante
com a comunidade (3), independente desta interação ter sido realçada enquanto condição
necessária ao desenvolvimento tecnológico quanto inicialmente submetida a SECTET, foram
relatados aprendizados pelos atores de pesquisa (e políticos) sobre a relevância desta interação
e mudanças a partir desta para funcionamento adequado e duradouro das tecnologias. E, a
partir deste aprendizado, reconhecemos uma identificação pelos pesquisadores que a noção de
TS se relaciona com a interação com a comunidade, de modo que voltaremos a este tema na
seção 7.2.3.

7.2.2 Produtos e alcances materiais

Após ter uma visão inicial da caracterização dos projetos, nesta seção focamos a
compreensão das ações e resultados alcançados, considerando que nosso enfoque está na ideia
de resultados finalísticos dos objetos dos convênios, ou seja, o desenvolvimento de processos,
produtos, atividades ou sistemas de TS que afetem e melhorem diretamente a qualidade de
vida das pessoas, identificadas como público-alvo. Deste modo, outros resultados, como
aqueles relacionados a elaboração ou publicação de trabalhos científicos, ou ainda o
estabelecimento de grupos ou infraestrutura de pesquisa não serão objeto de nossa atenção.
Também é preciso ponderar que todos os quatro projetos ainda estão em vigência, não tendo
sido completamente concluídos.
No quadro 30, apresentamos alguns aspectos relacionados aos resultados pretendidos e
alcançados pelos projetos de TS financiados. Em termos de resultados previstos, observamos
que os dois primeiros projetos foram concentrados em prover uma solução tecnológica (1 e 2),
embora reconheçamos que esta solução pode envolver diferentes componentes; enquanto os
dois últimos envolveram desde o início a proposta de trabalho com duas ou mais TS (3 e 4).
351

Assim, nestes dois últimos projetos, vemos uma visão aderente à ideia de sistemas
tecnológicos sociais, com a adoção de soluções baseadas em TS para atendimento a diferentes
necessidades e em distintos setores da vida na comunidade, à medida que esta se apropria do
modo de desenvolvimento tecnológico proposto, como expresso no trecho abaixo.

São só essas duas (tecnologias sociais), exatamente, mas eu já pensei em levar outras,
assim, a questão que falta tempo para a gente fazer isso. Eu queria levar o fogão solar,
que é uma outra coisa muito legal, que aí você fica independente de comprar gás na
cidade. Produz menos poluente.
(...)
E o legal é que onde você implanta, quando as pessoas começam a ter essa outra visão,
fica mais fácil elas aceitarem do que você sempre começar uma coisa nova em outro
lugar. Então, quando eles já têm essa concepção de que coisas simples resolvem os
problemas, fica bem mais fácil de trabalhar com eles, essa sinergia (entre usos de
tecnologias sociais), ela flui melhor. (entrevista por pesquisador de projeto, grifo nosso).

Também verificamos que três projetos (1, 3 e 4) já têm tecnologias em uso nas
comunidades e com resultados e impactos acompanhados pelas equipes, de modo que as
soluções são desenvolvidas e/ou avaliadas em seu uso real. Exceção a esta dinâmica
corresponde ao projeto 2, cujo percurso metodológico adotou a aplicação de experimento fora
do contexto comunitário rural a que se propõe o uso, e, portanto, também sem interação e
avaliação de uso diretamente por e junto a este público-alvo específico.
Esse alcance de uso pela comunidade implica em duas questões em relação a
perspectiva finalística de uma política de CT&I. Primeiro, mesmo que em escala
relativamente reduzida (poucas comunidades), as ações de pesquisa e intervenção
conjuntamente realizadas promovem a construção de resultados de melhorias rapidamente
vivenciados por parte da sociedade. Assim, se alcança uma redução do tempo e do
distanciamento de espaço em que se dá a produção de conhecimento, o desenvolvimento
tecnológico e a aplicação destes na sociedade. O que caracterizamos enquanto um abandono
do modelo de inovação linear, em que tais tempo e espaços eram claramente diferenciados,
para adoção de um modelo interativo, voltado aos beneficiários diretos. Segundo é que a
adoção de um modelo interativo de inovação com a participação direta dos beneficiários tende
a promover maior assertividade na avaliação de uso das tecnologias, ou seja, menor rejeição
tecnológica do público-alvo ao produto ou processo após finalizado o projeto de
desenvolvimento tecnológico.
352

Quadro 30 – Informações sobre resultados e produtos dos projetos de tecnologia social fomentados
Disponível
Código do Aplicada ao
Resultado proposto Processo de execução em andamento para uso pelo Como foi proposto a disseminação ou reaplicação?
projeto setor/política
público-alvo?
A disseminação em comunidades de baixa renda tem
Sistemas de telefonia celular já
sido trabalhada por meio de subsídios governamentais
Instalação de sistema de instalados, treinamentos realizados no
(SECTET) ou de ações filantrópicas de empresas ou
telefonia celular comunitária formato de "caravanas", quando
1 Telecomunicações Sim ONG (Facebook; IEEE). Também indicada
em duas comunidades e também são realizadas reuniões com a
importância de ação no sentido de regular tipo de
treinamentos associação de moradores local sobre o
licenciamento específico para telefonia comunitária
projeto.
no Brasil
Avaliação e emissão de
Instalação de dois reatores para análise Disseminação via transferência ao setor empresarial
manual operacional de
e experimento dentro da cidade bem como o apoio ao acesso pela população-alvo por
funcionamento de reator
2 Saneamento universitária José da Silveira Neto da Não meio de órgãos governamentais tais como FUNASA e
UASB, com vistas a
UFPA, com controle e monitoramento afins, como alternativa para o equacionamento de
utilização unifamiliar em
pela equipe do projeto. déficit em políticas de esgotamento sanitário.
comunidades rurais.
São trabalhadas 3 estratégias de disseminação: uma é
Plano de organização para Foi realizado um pré-diagnóstico de
via fomento por órgãos públicos de projetos similares
cooperativa; proposta de demandas e potencialidades da
em outras comunidades; outra é disseminar
processo para certificação comunidade para definir as linhas de
experiências de sucesso, por exemplo, de Boa Vista
Economia orgânica participativa; ação. Cada linha de ação engloba a
do Acará, por meio de livro e outras formas de
Solidária & implementação de estratégia realização de cursos e atividades junto a
3 Sim publicação para incentivar e inspirar experiências
Agricultura de comercialização de comunidade para entrega dos produtos
similares em outras comunidades; e, há a ideia de
Familiar circuito curto e aplicativo; acordados. Exemplos são a organização
reaplicabilidade pelos beneficiários, que ao se
levantamento para produção de uma feira no porto local, cursos para
apropriarem do conhecimento e habilidade podem
e comercialização de plantas organização social da cooperativa e de
agir como agentes multiplicadores da TS em suas
medicinais produção de licor com frutos locais.
ações coletivas.
Os 15 sistemas de captação de água e
Sistema de captação de água
banheiros ecológicos ribeirinhos já
da chuva e banheiro Disseminações e reaplicações buscadas tanto pelo
foram instalados, tendo sido realizadas
ecológico ribeirinho estabelecimento de uma política pública baseada em
readaptações e melhorias nos modelos
4 Saneamento instalados em 15 casas, e Sim TS, quanto pelo financiamento de ONG e empresas
anteriormente desenvolvidos e
duas cartilhas de (Prêmio Santander Universidade Solidária, Prêmio
instalados na comunidade. Fase atual é
disseminação sobre as Samuel Benchimol, IDIS).
de monitoramento da qualidade de água
tecnologias sociais
e uso/efeitos das TS.
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
353

Em relação ao projeto 2, interpretamos que este tende a adotar um modelo de inovação


linear, que parte do desenvolvimento e experimento tecnológico em espaços propriamente
científicos, para posteriormente virem a ser disseminados e passarem por avaliações junto a
demais agentes da sociedade, seja para sua possível produção (ideia de disseminação
tecnológica via transferência para empresa), seja para seu possível uso, provavelmente
pensados em termos de espaços e tempos também específicos. Esta concepção de modelo de
inovação está assentada na perspectiva de um discurso da C&T auto orientada, o que
entendemos que a concepção de TS, neste caso, aproxima-se mais da concepção de tecnologia
apropriada, cujo objetivo está centrado a desenvolver uma tecnologia de baixo custo para
atendimento de populações carentes, mas em um formato ainda top-down e não interativo de
desenvolvimento tecnológico.
Outra característica de análise própria de concepções de TS que foi realçada pelos
membros dos projetos nas entrevistas diz respeito a noção de reaplicação no processo de
disseminação. Examinamos que, em geral, as tecnologias dos três projetos que estão sendo
implantadas em comunidades trazem noções de reaplicação enquanto aprendizados de
aplicações e desenvolvimento anteriores, adotando-a como uma dinâmica constante de ciclos
de melhorias.

A cisterna, isso, uma reaplicação e uma readaptação do que tem em vários outros
lugares, aí a gente chegou em um sistema: ‘não, acho que este é o sistema ideal para a
nossa ilha’. E aí a gente já vai fazer uma outra readaptação. (entrevista por pesquisador
de projeto).

Importante ainda mencionar que a reaplicabilidade é reconhecida não somente


vinculada a ações com presença ou parceria formal com as equipes de pesquisa, mas também
enquanto ações espontâneas ou de iniciativa dos membros das comunidades, que assume tal
dinâmica.

Aqui a gente trabalha muito o conceito de reaplicabilidade, então a gente trabalha com
um coletivo maior, na verdade, o espaço de trabalho nosso é a comunidade e o
empreendimento, que as vezes se confundem, as vezes não. Então, nesse sentido, a
gente consegue primeiro formar um quantitativo maior de pessoas, esse é o que a gente
sempre trabalha; e, o segundo é como a gente consegue criar capacidades técnicas na
comunidade que é a formação das pessoas para que eles sejam multiplicadores, que
eles consigam de certa forma quando a gente se retirar da comunidade, finalizar o
projeto, porque o projeto tem um tempo, que eles consigam desenvolver, e potencializar
para outras comunidades.
(...)
Tem duas formas de reaplicabilidade, pela instituição e pelo beneficiário, qual é o
que tem maior impacto? Pelo beneficiário, porque quando terminar o projeto, acabou,
eu só vou reaplicar se alguém alocar recurso, imagine porque que no Nordeste a história
das cisternas funcionou, porque foi através das dinâmicas coletivas que trabalhava, qual
é o método? Você tem aqui a metodologia, a forma de implantar ela é coletiva, então,
354

por exemplo, qual é a metodologia lá, quem é que implanta a tecnologia? As famílias.
Então se reúnem 10, 20 famílias, aí por exemplo, vai fazendo aqui, a minha família foi
beneficiada, agora eu tenho que beneficiar uma outra família, aí vai daqui duas famílias
aqui, e aí foi. A história da reaplicabilidade em essência é isso, é como a gente
consegue multiplicar as coisas a partir do beneficiário. (entrevista por pesquisador
de projeto, grifo nosso).

O primeiro a gente fez igual a ideia que eles tinham, que o banheiro tem que estar longe
da casa. Então, a gente fez essa ponte, ficava a uns três metros da casa. O morador,
quando ele fez, ele acoplou à casa, ele fez uma suíte na casa dele. Porque como ele
percebeu que não dava cheiro o banheiro, ele incorporou ele (banheiro) na casa. E
aí foi muito legal, foi uma surpresa muito boa, porque ele disse assim, em vez de eu ir lá
fora a noite, na chuva, pegar friagem, é muito melhor eu ter o banheiro na minha casa.
(...)
Quando a gente foi implantar agora as 15, a comunidade já fez outras adaptações, por
exemplo, aqui atrás para facilitar tirar o tambor, eles fizeram tipo uma janelinha, assim,
que abre com uma dobradiça, que aí facilita tirar o tambor.
(...)
E do primeiro para esse que a gente fez, que essa casinha que a gente fez e a gente viu
que ela ficou escura, não tinha janela. Aí, esse aqui, a gente já colocou uma telha
transparente no meio, então ele fica uma boa iluminação do sol. Então essa foi uma
outra adaptação que a gente fez agora quando a gente reaplicou.
(...)
Tem em um outro furo que a gente instalou agora, que a comunidade preferiu instalar
na escola, porque aí todo mundo vai lá buscar água, não está em uma casa, então todas
as pessoas que estão no entorno vão se beneficiar com o sistema. (entrevista por
pesquisador de projeto, grifo nosso).

Esta concepção de reaplicação e de continuidade de uso das tecnologias a partir das


próprias comunidades implicou que a maioria dos projetos (1, 3 e 4) adotassem enquanto
resultado ou etapa de desenvolvimento, implícito ou explícito, ações de educação ou
formação dos membros das comunidades. Esta foi outra característica que observamos nos
três projetos em que a interação com a comunidade é mais constante.

A gente tem feito treinamento da comunidade (...) Hoje, eles já conseguem mexer,
aí, por exemplo, tem manutenção aqui que os meninos não precisam mais ir lá. É, eles
acompanham a gente de lá. Eles marcam um dia, a gente fala assim: ‘a gente vai ficar
on line aqui’, aí eles que ficam fazendo. (...) Houve muitos problemas que a gente
não precisou se deslocar, eles que conseguiram resolver. (entrevista por pesquisador
de projeto, grifo nosso).

Então o projeto começou em 2012, e aí, esse livro foi impresso depois que eu ganhei o
prêmio Samuel Benchimol, eu consegui recurso para trabalhar na comunidade, e aí que
eu continue algumas coisas: ver como é que era a pesca lá, se isso interferia na água,
então, a gente tem toda a caracterização da comunidade, perfil socioeconômico, as
análises da água que a gente fez antes, aí depois a gente entra com a água da chuva,
entra com o banheiro, e aí a gente desenrola todo esse nosso trabalho que a gente fez lá.
Aí vem plantas, a pesca artesanal, as abelhas que a gente levou, a inclusão social das
mulheres por meio da produção artesanal, a gente fez um levantamento do potencial
ecoturístico que eles falam, eles têm interesse, e educação ambiental, como a gente
trabalhou ela de forma formal na escola, e de forma informal com as pessoas.
(entrevista por pesquisador de projeto, grifo nosso).

Mas, quando a gente fala em tecnologia, as pessoas pensam em software ou em


maquinário pesado, não o próprio fortalecimento da comunidade a partir do que
355

eles já produzem. Obviamente melhorando. Levando tecnologia assim: ‘tá, vocês já


vendem, mas como melhorar essa venda?’, ‘ok, vocês plantam e vendem a priprioca,
mas vocês só têm a priprioca?’, ‘quais são as outras espécies que vocês têm que pode
entrar nesse mesmo leque de opções para uma empresa?’ ‘As frutas, vocês têm um
monte de frutas, por que vocês não comercializam? O que está faltando?’. Então, a
gente quer empoderar os agricultores que eles podem ir além do que eles estão, a partir
do que eles têm já. A gente não vai levar nenhuma novidade, a gente vai fortalecer o
que eles já têm.
(...)
A gente mostrar que não necessariamente o impacto de resultados ele se dá em
produtos. Porque, se tu pegas os dois projetos que eles aprovaram, todos os dois eram
equipamentos, desenvolvimento de equipamentos. E aí é o seguinte, qual a ideia um
pouco que a gente está trabalhando? É como isso se dá, como é que esse impacto pode
se garantir em termos educacionais. (entrevista por pesquisador de projeto, grifo
nosso).

Em termos de estratégias de disseminação das TS ou sua continuidade de


desenvolvimento, além da ideia de possível efeito multiplicador dos membros da comunidade
(mais centrada na sociedade como realçado no projeto 3), ou de sua possível transferência
para produção empresarial (mais centrado no mercado como proposto no projeto 2),
identificamos que, em geral, os projetos trabalham com múltiplas alternativas de fomento, por
exemplo, dois projetos (1 e 4) relataram já terem contado ou contam com apoio tanto de
financiamento governamental, quanto de fomento via ações de responsabilidade social de
empresas e ONG.
No entanto, nos quatro projetos, em alguma medida, é posicionada a necessidade de
políticas públicas voltadas a ampliação de escala das TS, particularmente no que tange a ações
intersetoriais, seja em relação a expansão do financiamento da TS enquanto solução
alternativa efetiva no âmbito de políticas, como de saneamento, agricultura familiar e
telecomunicação; seja pela abertura de processos regulatórios específicos para estas TS
citadas nos contextos de licenciamento de telefonia celular e de certificação orgânica. Estes
aspectos intersetoriais serão retomados na próxima seção, mas, de modo geral, consideramos
que há certo reconhecimento por esses membros das equipes de pesquisas e atores políticos na
CT&I, de que ao voltar-se a parcela da população em condição vulnerável ou de
desvantagem, haveria necessidade de uma ação, ao menos parcialmente, articulada no âmbito
governamental via políticas públicas.

7.2.3 Atores políticos e inter-relações sociais

Nesta seção, enfocamos os atores políticos envolvidos nos projetos de TS e suas


interações. No quadro 31, identificações algumas informações sobre vinculações
institucionais dos coordenadores de projeto de TS junto a SECTET, e possíveis associações e
356

interações entre os pesquisadores dos projetos e outros atores sociais, principalmente o


público-alvo dos projetos.
Entrevistamos pesquisadores de três dos quatro projetos em desenvolvimento (1, 3 e
4), todos indicaram que já estavam trabalhando com TS antes da celebração do convênio com
a SECTET, em geral, desenvolvendo a(s) mesma(s) TS que foi(ram) objeto do fomento pela
SECTET. Deste modo, compreendemos que o processo decisório para fomento desses
projetos pela SECTET, ocorrendo por atendimento de balcão, considerou as experiências já
desenvolvidas por estes pesquisadores em projetos em andamento ou mesmo com alguns
resultados já alcançados. Exemplos são:
- o projeto 1 em que já havia um sistema piloto instalado em uma comunidade (uma
dissertação com base neste primeiro sistema piloto ganhou prêmio CAPES de
Sustentabilidade em 2016);
- o projeto 3 em que a equipe responsável está vinculada tanto ao programa de
mestrado profissional em Desenvolvimento Rural e Gestão de Empreendimento
Agroalimentares e quanto a Incubadora Tecnológica de Desenvolvimento e Inovação de
Cooperativas e Empreendimentos Solidários (INCUBITEC) do IFPA, com projetos similares
aprovados;
- o projeto 4 em que já havia a instalação de 15 sistemas de captação de água prévios e
um banheiro ecológico em uma comunidade (este certificado pela FBB), tendo a pesquisadora
ganhado prêmio Samuel Benchimol e Banco da Amazônia de "Empreendedorismo Consciente
– Tecnologias para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia" em 2013.
Fazemos estas observações uma vez que, sendo a temática de TS marginal na agenda
política de CT&I e não havendo um processo de seleção de projetos estruturado
(considerando que não foi explicitada suas aprovações via estrutura de governança da RTS-
PA ou com base outros dispositivos explícitos, como editais ou programas à época),
entendemos que buscou-se certo respaldo em suas aprovações ao se basear em experiências já
em desenvolvimento e, em alguma medida, reconhecidas em termos de resultados, portanto,
justificáveis junto a comunidade de pesquisa. Nesse sentido, houve, por um lado, uma busca
de credibilidade aos projetos apoiados pela política estadual de TS. Mas, por outro lado, esta
estratégia de fomento não favorece um estímulo direto a entrada de novos pesquisadores no
campo, pois tende a enfocar pesquisadores já em atividades neste.
357

Quadro 31 – Informações de vínculos institucionais, associações e parcerias nos projetos de tecnologia social fomentados
Tinha Compôs a Interagiram
Código Interação Indicações de
Áreas do Grupos de pesquisa - Aplicada ao experiência equipe de com outros
do Instituição Parcerias com a demandas em
conhecimento DGP/CNPq1 setor/política anterior com outro projetos do
projeto comunidade políticas
TS? 1 projeto? 1 edital?
Grupo de Monitoramento e
UFPA/ITEC – Lab. Diagnóstico de
de Processamento Equipamentos Elétricos de Regulamentação de
Rizomática,
de Sinais (LAPS) e Engenharia Potência-ELETRONORTE; licenciamento
Sim, na mesma PRODEPA,
1 Lab. de Sensores e Elétrica e de Núcleo de Energia, Telecomunicações Não Não Sim específico para
TS SIGHT/IEEE,
Sistemas Computação Sistemas e Comunicação- telefonia
Facebook.
Embarcados UFPA; Processamento de comunitária
(LASSE) Sinais-UFPA; Tecnologias
para Inclusão Digital-UFPA
Grupo de Estudos em
UFPA/ITEC – Lab.
Engenharia Gerenciamento de Águas e
Multiusuário de
2 Hidráulica e Reuso de Efluentes–UFPA; Saneamento - Não - - - -
Tratabilidade de
Saneamento Química Analítica e
Águas (LAMAG)
Ambiental–UFPA
Cooperativismo, Economia
Solidária e Disseminação ao
IFPA/Campus
Desenvolvimento Rural público-alvo de
Castanhal -
Sustentável da Amazônia– diversas políticas de
Mestrado Engenharia de Economia
IFPA; Núcleo de Estudos Sim, com TS apoio a agricultura
Profissional em Alimentos & Solidária &
3 em Educação e similares e Não - Não Sim familiar e apoio do
Desenvolvimento Agricultura Agricultura
Agroecologia na Amazônia- outras MAPA para
Rural e Gestão de familiar Familiar
IFPA; Tecnologia e certificação
Empreendimento
Processos de Biorrefinaria orgânica para a
Agroalimentares
de Produtos Florestais agricultura familiar
Amazônicos-UFPA
Ciências
UFRA/ISARH –
Biológicas - Núcleo de Pesquisa em EMBRAPA; Política pública para
Lab. de Sim, nas
4 Ecologia - Animais Não Ruminantes- Saneamento Não Santander; Não Sim saneamento
Hidrobiogeoquímica mesmas TS
Recursos UFRA BASA; IDIS descentralizado
(HBGQ)
hídricos
1
Essas informações são referentes aos coordenadores dos projetos junto a SECTET.
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
358

Em relação a verificação de possíveis articulações entre os pesquisadores, não houve


distinção de interações entre estes, seja na proposição das equipes de projetos, seja no
decorrer de suas execuções. Membros de projetos relataram a participação em feiras de C&T
organizadas pela SECTET, principalmente durante a semana de C&T, mas, apesar de haver
um contato durante este tipo de evento, também indicaram que não há uma interação
direcionada a conhecer e trocar experiências, pois durante as feiras a atenção está voltada a
disseminação ao público.

Só na feira de tecnologias que tem todo ano, a gente estava tudo no mesmo stand
(...). Bom, a gente estava lá sim, mas eu não consegui interagir muito com eles
porque foi muita correria, não tinha tempo. (...) Isso seria uma coisa legal, porque
isso era uma coisa que no projeto Santander Universidade Solidária a gente tinha. Qual
a ideia do Santander Universidade Solidária, então todos os que ganham recursos, são 8
projetos premiados, a gente se encontrava, na verdade, uma vez por ano, a gente ia para
São Paulo, eu, um aluno e a comunidade. Todo mundo se encontrava lá, a gente
discutia, via os problemas, e eles ajudavam, assim, muitas vezes a gente aprendia
com a dificuldade do outro. (entrevista por pesquisador de projeto, grifo nosso).

A SECTET sempre convida a gente para participar das feiras de C&T, de alguns
seminários, mas acho que nunca teve um contato direto no sentido de dizer ‘vamos
sentar aqui os gestores dos projetos e ver o que que um pode aproveitar do outro’.
(...) A gente sabe que lá no Acará mesmo tem outros projetos que a SECTET apoia,
acho que até do IFPA, mas a gente não sabe assim. (entrevista por pesquisador de
projeto, grifo nosso).

Quando a gente chegou lá em Boa Vista do Acará, a gente viu que já tinham outras
instituições lá dentro, fazendo outros trabalhos, a gente não conseguiu dialogar com
nenhuma delas, talvez por falta de agenda. Tem uma aluna nossa do mestrado que
trabalha acho que é numa ONG, e ela levantou essa possibilidade, e me colocaram,
inclusive, em um grupo de WhatsApp deste, mas não tem diálogo nenhum entre as
instituições. Então, eu falei para ela assim que eu achava interessante a gente sentar para
dizer o que cada um está fazendo para a gente não está fazendo a mesma coisa, ou ver o
está fazendo para dizer ‘ah legal, o que tu estás fazendo complementa o meu’, mas a
gente não conseguiu, não sei te dizer porquê. (...) E essa moça ficou de marcar uma
reunião desses grupos de comunidade para a gente se apresentar, ela disse que ia fazer
em outubro, novembro, mas não nos sentamos, não conseguimos. E isso eu acho que
não é um problema de Boa Vista do Acará não, as instituições, elas não estão
conversando. (entrevista por pesquisador de projeto, grifo nosso).

Desta forma, compreendemos que, embora estas equipes e grupos de pesquisa estejam
desenvolvendo projetos de TS no estado do Pará e, mesmo em concepções discursivas
próximas (casos dos projetos 1, 3 e 4), não há articulação interinstitucional ou ainda
mobilização de ações coletivas entre estes grupos de pesquisadores, seja no âmbito de
pesquisa sobre TS, seja no âmbito de defesa política da TS. Do ponto de vista da política
estadual de TS pela SECTET, havia neste momento maior incentivo a ideia de disseminação
de TS a um público difuso, em eventos nos moldes de popularização de C&T, do que no
estímulo para a articulação e construção da temática no âmbito da comunidade de pesquisa
local.
359

Assim, por um lado, vemos que há vários grupos de pesquisa atuando em TS no


estado, tendo como exemplo tanto aqueles com projetos fomentados pela SECTET, quanto os
que indicaram o tema de TS como linha de pesquisa no DGP (quadro 32). Por outro lado, não
encontramos indicações de formatos de interação estabelecidos entre esses grupos, uma vez
que também não foram mencionados eventos ou associações locais interinstitucionais comuns
que estes participam, que pudessem ser um lócus de interação de pesquisa e construção de
conhecimento, troca de experiências e práticas, e proposição política no âmbito subnacional.

Quadro 32 – Grupos de pesquisa com sede no estado do Pará no DGP/CNPq com linhas temáticas
sobre tecnologia social1
Área
Grupo Linha de Pesquisa Instituição
Predominante
Economia, Desenvolvimento, Tecnologias da Informação
Ciências Sociais
Criminalidade, Estado, Políticas Públicas ligada ao desenvolvimento UFOPA
Aplicadas
e Geotecnologias. socioeconômico e
Ciências
Estudos Socioambientais Costeiros Tecnologia social UFPA
Humanas
Gestão Estratégica Inovação e Ecossistema de Negócios e Ciências Sociais
CESUPA
Sustentabilidade Infraestrutura Na Amazônia Aplicadas
Gestão Social e do Desenvolvimento Tecnologias Sociais e Ciências Sociais
UNAMA
Local Desenvolvimento Territorial Aplicadas
Grupo de estudo e pesquisa em Ciências Exatas
Tecnologias Sociais UFOPA
computação aplicada e da Terra
Biodiversidade e
Grupo de Estudos em Meio Ambiente e Ciências Exatas
Sustentabilidade da Amazônia IFPA
Segurança no Trabalho e da Terra
Ensino Profissionalizante
Grupo de Pesquisa em Educação, Ciências
Tecnologias Sociais UFPA
Tecnologias e Comunicação no Marajó Humanas
Meio Ambiente, Desenvolvimento Rural Inovações tecnológicas na Ciências
UFPA
e Inovação Tecnológica na Amazônia Amazônia Humanas
Tecnologias alternativas e de
Núcleo de Acesso e Transferência de Ciências
baixo para a secagem de UEPA
Tecnologias Sociais Agrárias
produtos agroflorestais
Núcleo de Pesquisas Aplicadas ao Educação e Estratégias Ciências Sociais
UEPA
Desenvolvimento Regional sustentáveis Aplicadas
Paideia - Grupo Amazônico de Estudos e Produção do conhecimento em
Ciências Sociais
Pesquisas de Serviço Social, Educação e Serviço Social nas áreas da UFPA
Aplicadas
Cultura Educação e da Cultura
Sustentabilidade Socioambiental na Antropologia Direito Inovação e Ciências
MPEG
Amazônia e Suas Múltiplas Faces Meio Ambiente na Amazônia Humanas
Tecnologias Sociais - Engenharias UFPA
Ciências Exatas
Tecnologias sociais - CESUPA
e da Terra
Trabalho, Tecnologia Social e Economia Solidária e Tecnologia Ciências Sociais
UFPA
Desenvolvimento da Amazônia Social Aplicadas
1
Busca exata realizada com expressão "tecnologia social" e "tecnologias sociais" nos campos de grupo, linha
temática e palavra-chave.
Fonte: CNPq (2019b).

Um dos pesquisadores entrevistados relacionou parte das dificuldades de interação e


articulação entre os pesquisadores, enquanto obstáculos à mobilização de ação coletiva, pela
360

noção de competividade e concorrências internas incidentes também em práticas no meio


acadêmico.

É uma relação muito de pertencimento, também prejudica muito. ‘Ah, não posso
divulgar, publicizar muito o que eu faço, para as outras instituições também não
começarem a acessar’, ou seja, fazer aquilo que eu faço, também existe muito dentro
dessa lógica de proteção. (...) Por exemplo, eu faço parte de uma rede, que é a rede das
incubadores, quase a gente não reuni, quase a gente não troca conhecimento porque é
fechado. Infelizmente, a gente vive muito dentro dessa cultura da concorrência, então as
universidades e as instituições de ensino também, de certa forma, elas competem entre
si, há uma concorrência entre si. Aí, isso é difícil de quebrar, de mudar, fazer alteração.
Então, todos esses fatores, de certa forma, fragilizam todo esse debate teórico,
conceitual e prático da tecnologia social, mas que é necessário. (entrevista por
pesquisador de projeto).

Contudo, apesar das dificuldades identificadas no estabelecimento de interações entre


grupos de pesquisa em TS, a maior parte dos projetos estabeleceu processos de interação com
os membros da comunidade onde atua. Três projetos mantêm interação com alguma
regularidade com a comunidade, e durante estas há compartilhamento de informações e
conhecimento sobre o status do projeto em si, e sobre a(s) tecnologia social(ais) em
desenvolvimento.
A participação dos membros da comunidade e de entidades da sociedade civil no
desenvolvimento de TS insere estas pessoas enquanto coprodutoras de conhecimento e
tecnologia no processo de desenvolvimento de TS. E a participação destes na tomada de
decisão sobre status e recursos do projeto, os insere enquanto atores da política. Estes dois
enfoques se situam como práticas associadas a um discurso da CT&I orientada para a
sociedade, em que se observa uma abertura para novas formas de interação entre o
conhecimento científico e outras formas de conhecimento, enquanto condição à perspectiva
finalística de desenvolvimento com enfoque social.

A partir disso a ciência vem como instrumento de complementação. Primeiro, a


cooperação pela relação de reciprocidade entre a instituição e a comunidade ou
beneficiário. O segundo, é que esse beneficiário traga o conhecimento,
problemática para gente, isso é fundamental. E, a partir da problemática, é que a
gente vai contextualizar cientificamente, metodologicamente, como é que a ciência
pode contribuir, ou para desenvolver o produto, ou para aperfeiçoar, ou até para
avaliação. (...) Então, por exemplo, na lógica cartesiana, quem que faz ciência? É
quem está na pós-graduação, essa é uma primeira aproximação ao tema. Já que esta é a
ferramenta que tem, o instrumento que tem, a gente tenta pega esta ferramenta,
primeiro, transforma ela institucionalmente, e coloca ela à disposição da sociedade. E
aí, o resultado lógico é muito atrelado ao conceito de desenvolvimento social.
(entrevista por pesquisador de projeto, grifo nosso).

Essa perspectiva de inovação social e de desenvolvimento social, eles têm uma


demanda e a gente enquanto academia vai ver como é que a ciência pode dialogar
com isso. (...) Como a gente já teve experiência com o pessoal lá de Portel, que eles
ressignificaram tudo que aprenderam a partir da realidade deles, depois ele volta para a
361

graduação, depois o menino volta para o mestrado, entendeu, a gente ressignifica a


ciência. (entrevista por pesquisador de projeto, grifo nosso).

Começa a construir nele um empoderamento, dele potencializar a comunidade dele.


Formação de liderança e multiplicadores, porque que eu falo isso, uma vez eu fui em
uma reunião lá em Igarapé-Mirim, a gente estava em roda, ele já até morreu, um senhor
Manoel Luís. A gente conversando lá tudinho, reunindo, eu falando e tal, aí ele falou o
seguinte, olha agora eu vou responder para você academicamente, teórico e
metodológico. Quando ele falou isso, eu disse então, a participação deles nos eventos,
nos seminários, nas assembleias, nas reuniões, eles vão aprendendo, assimilando a
linguagem científica. (entrevista por pesquisador de projeto, grifo nosso).

Hoje a gente tem parceria com parceiros internacionais, um dos parceiros do Celcom é a
ONG do México, a Rizomática, e a gente aprende muito com eles. Eles são referência
na América Latina para redes comunitárias.
(...)
A gente aprende bastante com eles, eles também convidam a gente para participar
de muitos eventos, para a gente também ir aprendendo e ganhando essa
experiência de delegar pela causa, e aqui no Brasil nós somos os únicos que
trabalhamos nesse estilo de redes comunitárias licenciadas e usando telefonia celular,
porque tem outro caso das redes comunitárias que é só internet. (entrevista por
pesquisador de projeto, grifo nosso).

Esta presença de atores sociais advindos de comunidades e da sociedade civil


organizada também pode ser é observada nos processos de formulação, implementação e
avaliação de TS a partir das informações dos projetos, relatórios parciais e entrevistas, cuja
síntese apresentamos no quadro 33.
Ao analisar as interações por processos de formulação, implementação e avaliação,
corroboramos os três projetos (1, 3 e 4) que relataram anteriormente interação com
comunidades, público-alvo dos projetos, mas também podemos observar algumas
especificidades na forma destas interações. Destes, dois projetos (1, 4) tiveram sua concepção
inicial a partir da comunidade de pesquisa, para posteriormente vir a ser proposto e aplicado
em uma comunidade.
362

Quadro 33 – Elaboração sintética da concepção, desenvolvimento e avaliação de tecnologia social nos projetos apoiados pela SECTET, 2015-2017
Código do
Enfoque sobre formulação de proposta do projeto Enfoque sobre desenvolvimento do projeto Enfoque sobre avaliação
projeto
A solução tecnológica foi inicialmente concebida a partir da As instalações foram feitas com apoio da ONG Rizomática, e
identificação de uma solução não-fechada e de telefonia celular em tem funcionado, porém com alguns problemas relacionados a As instalações-pilotos são monitoradas,
um encontro científico. Dois trabalhos de estudantes foram condições climáticas, principalmente chuvas fortes na região. em geral, as quedas tendo sido
realizados sob orientação do coordenador do laboratório, um no Há visitas as comunidades com objetivo de realizar cursos na relacionadas a chuvas fortes. São
1
sentido de desenvolver uma 'base station' para criar um sistema área de internet e computação, em que a presença maior é de elaborados relatórios regulares para a
celular independente da rede comercial; outro referente a um estudo jovens; e de reunir com os representantes da associação de SECTET, e recebido retorno do fiscal
com um sistema piloto em uma comunidade. Nesse período, o moradores sobre o desenvolvimento do projeto e a do projeto.
convênio com a SECTET foi celebrado. manutenção do sistema.
Avaliação do protótipo a partir do
Proposta de experimento para avaliar os aspectos operacionais do Instalação de reatores para análise e experimento dentro da
monitoramento dos aspectos
reator UASB unifamiliar no que diz respeito a questões de eficiência cidade universitária José da Silveira Neto da UFPA, um no
operacionais dos reatores pela equipe
2 de tratamento e volume mínimo necessário de iodo no interior do Laboratório de Engenharia Sanitária e Ambiental e outro no
técnica. Avaliação pela fiscalização da
reator, bem como o tempo necessário para retirada do lodo de prédio de apoio da segurança, com controle e monitoramento
SECTET via visita técnica e emissão de
excesso (esvaziamento parcial do tanque) pela equipe do projeto.
laudos e notas técnicas.
A partir do diagnóstico realizado na comunidade, foram
A proposta em torno de convênio surgiu a partir de um problema definidas cinco linhas de atuação: (1) linha organizacional
Há processo de avaliação junto a
identificado na agricultura familiar, no nordeste paraense, no Pará, para elaboração do plano de gestão para cooperativa; (2) linha
comunidade, por exemplo por meio de
até mesmo do Brasil com o objetivo de fortalecer os processos para certificação orgânica participativa; (3) linha de
seminários e rodas de conversa; e há
3 produtivo e comerciais deste público. Uma vez celebrado o desenvolvimento de estratégias de comercialização de circuito
organização de relatórios para avaliação
convenio, foi realizada a etapa de pré-diagnóstico para direcionar as curto; (4) linha voltada a identificação e introdução uma lista
da SECTET, com levantamento de
ações específicas a serem desenvolvidas para as demandas e de plantas medicinais no processo de certificação e
indicadores e produtos desenvolvidos.
necessidades locais da comunidade. comercialização de circuito curto; (5) beneficiamento para
diversificação da produção local.
O projeto inicial para esta comunidade foi concebido para resolver Depois de instalados os sistemas de
um problema de degradação ambiental relacionado ao captação de água e banheiros,
desaparecimento de abelhas que afetava a produtividade de açaizais. Todas as ações são discutidas com a comunidade, e as TS retornaram à comunidade para verificar
Ao interagir com a comunidade identificou que o problema mais construídas por esta com a participação e orientação dos com os membros o que melhorou, se
grave nesta era relacionado a disponibilidade de água potável, pesquisadores, ocorrendo readaptações e melhorias a cada houve mudanças, se surgiu problema e
4 começando um diálogo com a comunidade para formulação de ciclo de implantação. Após as instalações dos 15 sistemas de se há melhorias identificadas para uma
proposta de atuação nesta linha. A partir desta interação, outras captação de água e dos banheiros ecológicos, estão sendo possível reinstalação. Essas avaliações
ações decorreram, como o caso do banheiro ecológico ribeirinho. realizados monitoramento da qualidade da água, e do material acrescentadas aos estudos da qualidade
Com a divulgação da cartilha elaborada sobre o banheiro ecológico gerado pela compostagem. de água e impactos da TS na
foi contatada pela SECTET para formulação de proposta ao comunidade comporá relatório a
convênio. SECTET.
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
363

Neste percurso, no caso do projeto 1, houve problemas na primeira comunidade em


que um sistema piloto foi instalado, havendo posteriormente sua desinstalação e escolha de
duas novas comunidades. No caso do projeto 4, houve a identificação que a temática da
intervenção previamente proposta era secundária, havendo um redirecionamento das
atividades. Estas duas situações demonstraram que ao entrar interagir com a comunidade para
execução dos projetos, houve uma mudança também de percepção da equipe de pesquisa
sobre critérios e temáticas a serem priorizados. Cabe realçarmos que nestes dois casos, o
início do processo de construção da própria concepção de TS pelos pesquisadores, mesmo
antes do convênio com a SECTET, foi se desenvolvendo no decorrer das interações junto a
comunidade e organizações da sociedade civil.

(sobre o conceito de tecnologia social) Eu não tinha nem ideia, eu escutava lá longe
alguém falar disso, mas eu não tinha nem ideia, porque a minha área sempre foi muito
pesquisa de ecologia, então tecnologia era uma palavra que passava bem longe da
minha vida assim. E aí, quando eu comecei a trabalhar com isso, aí começou a cair,
não, mas o que eu estou fazendo é tecnologia social. Aí eu fui entender, depois que eu
estava fazendo aquilo, que eu fui entender que aquilo era uma tecnologia social.
(entrevista por pesquisador de projeto, grifo nosso).

Antes o projeto era somente de tecnologia de baixo custo, só por você conseguir
baixar o custo da tecnologia, você consegue entrar mais no mercado, teoricamente.
Com o tempo, como já tinha comentado, fomos ganhando novas amizades e o
projeto também foi mudando a cara, (...) o lado mais humanístico do projeto
ganhou bastante. (entrevista por pesquisador de projeto, grifo nosso).

Entendemos que essas percepções retratam um percurso em que a prática de pesquisa


baseada na noção de TS surgiu a partir das próprias experiências de pesquisadores junto a
comunidades, e não pela iniciação acadêmica a partir de um campo de pesquisa de discussão
do tema. Entretanto, a existência mais estruturada de tal campo local poderia prover espaços
de discussão e de aprendizados por uma comunidade de práticas apropriados ao seu
desenvolvimento e difusão entre os pesquisadores envolvidos.
De modo geral, também compreendemos que a partir do processo de formulação e
desenvolvimento que o escopo priorizado nos projetos teve uma perspectiva finalística,
particularmente nos três que desenvolveram aplicação tecnológica junto às comunidades,
voltada de gerar resultados sociais diretamente construídos e vivenciados pelas comunidades.
Desta perspectiva finalística, sobressai também a visão diferenciada do processo de avaliação,
o qual passa a incluir a percepção dos membros da comunidade sobre a avaliação tecnológica.

A gente faz seminários, a gente faz reuniões de avaliação, a gente inclui eles na
execução dos projetos. Então quando a gente vai para a comunidade, tudo é feito com
eles, então a gente nunca chega lá dizendo o seguinte, olha, hoje vai ter o curso tal, se
364

preparem. Primeiro vai a equipe, senta com as lideranças, com as pessoas que estão na
linha de frente, vamos pensar em uma atividade formativa... Ali dentro da
universidade, por exemplo, quando a pessoa vai avaliar, vai avaliar qual é o
método, qual é a metodologia, não necessariamente ele está relacionando com o
conceito, com o impacto, com a interação com a comunidade, com os benefícios
que vai trazer, com o processo da reaplicabilidade, então tem todas essas variáveis
que precisam colocar em conta. E quem analisa a partir do conceito (de tecnologia
social) já vê tudo isso. (entrevista por pesquisador de projeto, grifo nosso).

Como a gente fez agora, depois que a gente instalou elas (tecnologias sociais) em
agosto, e agora, semana passada, que a gente foi lá no campo e conversou lá com eles.
O que melhorou? O que não melhorou? Mudou alguma coisa? Qual é o problema? Tipo
assim, se a gente fosse reinstalar, o que que a gente pode mudar? Então, o legal da
tecnologia social é isso que você sempre adapta ela, você cria um modelo, mas cada
lugar que você vai aplicar, você faz a sua readaptação. Então na tecnologia social
quem mais tem que ser escutado é a comunidade, porque ela é o termômetro que
vai dizer se aquilo funciona ou não. (entrevista por pesquisador de projeto, grifo
nosso).

Contudo, este processo de avaliação a partir da comunidade se contrapõe a prática


tradicional na política de CT&I, cuja ênfase de avaliação está em processos por pares,
centrada, portanto, nos pesquisadores. A distinção de práticas e enfoques tradicionais na
pesquisa e política de CT&I e aquelas colocadas em práticas pela maioria dos projetos de TS
foram pontos mencionados nas entrevistas. O que compreendemos enquanto um
reconhecimento de disputas discursivas entre uma orientação tradicional de prática,
principalmente associada a um viés de discurso da C&T auto orientada e a construção
discursiva da CT&I orientada para a sociedade. As disputas realçadas pelos pesquisadores
entrevistados dos projetos de TS são relacionadas majoritariamente a:
- Participação dos beneficiários como atores empoderados na pesquisa e na política.

Nós pesquisadores, nós somos extremamente resistentes em inserir os beneficiários.


Isso é a falha. Porque o que significa isso. Significa dizer que nós vamos ser avaliados,
isso é um processo que nós não aceitamos, na verdade, a academia tem um processo de
resistência de trazer os beneficiários para debater a ação, a decisão, de direcionamento.
Ou seja, eu sou academia, eu entendo o processo, entendo a metodologia, eu tenho
minha equipe e tal, então vocês têm que estar lá. Ainda é muito dentro dessa visão
cartesiana da pesquisa, ou seja, eu sou o detentor do conhecimento, eu estou aqui,
vocês estão aqui, então a função de vocês é ser beneficiário do meu projeto, e eu
chego aqui, desenvolvo e tal.
O próprio conceito da tecnologia social, ela quebra essa dinâmica, ela quebra essa
lógica, ela diz o seguinte, ‘olha, a tecnologia social, ela tem que ser desenvolvida na
interação com a comunidade, na interação com o beneficiário’. Significa dizer é que
você tem que olhar para o agricultor, olhar para o pescador, olhar para o
ribeirinho, olhar para o quilombola como pessoas detentoras de conhecimento que
estão produzindo a história da tecnologia social. Porque, o que a gente faz? Nós
somos injustos com as comunidades, a gente vai para lá, faz diagnóstico, identifica a
tecnologia, qual o papel nosso? É aperfeiçoar, ou seja, lapidar melhor com os
conhecimentos técnicos e científicos para fazer aquela experiência lá ficar cada vez
melhor, mas nós não damos créditos para eles. (entrevista por pesquisador de projeto,
grifo nosso).
365

- A concepção predominante de um escopo de pesquisa que não prioriza um


desenvolvimento social localmente situado, privilegiando a produção científica per si ou
orientada por uma agenda deslocada das necessidades sociais locais.

Hoje o CELCOM é um projeto de desenvolvimento e social. A gente vai muito para


fora para falar do projeto. Então, dentro da academia hoje nas redes celulares todo
mundo fala de 5 G, e a gente está trabalhando com 2 G. Então, a gente está lá embaixo,
bem no começo da tecnologia celular, então eles ficam assim ‘que isso não é inovação
porque vocês estão trabalhando uma tecnologia antiga’. Só que o nosso ponto não é a
inovação no sentido de uma técnica nova, mas de dar acesso a inclusão digital.
(...)
Na nossa visão de tecnologia, a gente é consciente de que algumas partes da
academia vão olhar bem feio para gente, porque a gente está trabalhando com uma
tecnologia teoricamente antiga, mas se a gente conseguir chegar no 4G para essas
comunidades rurais, a gente vai ter uma grande contribuição para academia, para dar a
nível de artigo. Agora só o fato de a gente chegar nesses lugares e dar esse acesso
para essas pessoas também já é um ganho, já é uma inovação também, só que
digamos que é um ganho mais humanitário do que um ganho de engenharia. (entrevista
por pesquisador de projeto, grifo nosso).

Cada vez a academia está mais fechada, assim, 'não, eu só estou aqui para produzir
artigo, não sei o quê A1, Qualis não sei o quê, é isso que eu quero', e você esquece de
resolver os problemas. E aí, a gente está com problema de lixo, de saneamento, de tudo,
de tudo, porque não se resolve mais problemas." (entrevista por pesquisador de projeto).

A gente é uma força muita fraca, porque tecnologia social, o que que é? Porque todo
mundo pensa na tecnologia desenvolvimentista, vamos abrir estradas, vamos abrir
não sei o quê. Então, isso é algo assim, é uma briga muito grande. E assim, uma coisa
que eu converso muito com o (...), assim a gente tem de mostrar resultados e resultados
muitos bons para começar a convencer as pessoas. Por isso que a gente quer também
fazer o lançamento dessas cartilhas, o fechamento do projeto lá na ilha, levar o
secretário, para ver se a gente consegue embutir na cabeça deles a importância disso.
Porque eu sei, o (...) sabe, mas a maior parte das pessoas não quer isso aqui, acha que
isso aqui é voltar para trás, porque ‘ah, vou fazer aquela casinha, vou mexer com fezes
humanas?’ E assim é um pensamento muito retrógado, porque a gente está em um
período, um momento, que nosso planeta está quase entrando em colapso, contaminação
de água, degradação dos recursos, falta de insumos para agricultura, isso aqui é um
excelente fertilizante. (...) E a gente faz o quê? No nosso caso aqui, a gente joga tudo na
baía do Guajará e degrada o corpo hídrico. Então assim isso aqui (tecnologia social) é
uma coisa muito simples, muito barata e funciona muito bem, e não é uma coisa
retrógada, é pensar em um desenvolvimento que pense o futuro. (entrevista por
pesquisador de projeto, grifo nosso).

A partir deste reconhecimento explícito por membros dos projetos de que a TS é uma
temática marginal na política de CT&I, e que se apresenta em diversos pontos distintiva ou
contrapondo-se ao modus operandi tradicional de pesquisa, estes atores também discutem
desafios e estratégias para consolidação e ampliação do espaço de agenda da temática.
Em termos de estratégias para promoção da política de TS, dois pesquisadores
realçaram a necessidade de obter resultados diferenciados, bem como demonstrá-los de forma
também distintiva. Isso implica, em geral, em atender a duas perspectivas, por um lado,
levantar resultados a partir dos beneficiários e das comunidades, com foco em avaliações de
366

melhoria de bem-estar social construídas intersubjetivamente, em consonância com o escopo


finalístico e participativo de uma concepção socialmente orientada. Por outro lado, articular
indicadores e estudos a partir dos próprios moldes da pesquisa científica, que embase
resultados percebidos na interação com comunidade, e, inclusive, estabeleça uma
comunicação que atenda a linguagem (e as crenças avaliativas) do discurso predominante da
política.

O que eu acho que vai dar vazão é se a gente entregar algo palpável para a SECTET.
Porque para a gente a simples feira já algo bem positivo para as comunidades, porque
eles conseguiram identificar que existe um potencial enorme que eles nunca
deslumbraram, nunca tiveram coragem de fazer. Porque a gente pensa em dois
públicos, os agricultores, para a gente isso minimamente já temos alcançado, e outro a
SECTET, mas porque para a SECTET? Porque a SECTET é que fomenta isso, e como
ela pode garantir nos anos seguintes projetos para outras comunidades, ou até para a
própria Boa Vista do Acará? Através de editais e até de políticas públicas para favorecer
a agricultura familiar. (entrevista por pesquisador de projeto, grifo nosso).

Essa era a ideia da SECTET com a gente de realmente mostrar que isso funciona,
então dar uma visibilidade e transformar isso em uma política pública. Então, esse
é o nosso sonho de levar isso para todo lugar assim. O tempo todo tem gente aqui
conversando comigo sobre isso. (...) A gente precisa de ajuda para transformar isso em
uma política pública. (...) Então, assim, eu acho que o nosso papel aqui é isso, a gente
está aqui como universidade para fazer a tecnologia social, sim, mas eu também tenho
que me certificar que ela funciona, que a água é potável, então eu tenho que fazer
análises, tenho que fazer adaptações. (entrevista por pesquisador de projeto, grifo
nosso).

Eu acho que tem duas formas, uma é uma avaliação mais quantitativa, isso é
necessário, quantitativo em termos de indicadores. Vamos pegar o exemplo de Boa
Vista, então o nosso projeto tem os possíveis indicadores, um indicador tem a ver com a
qualificação, a formação das pessoas, então quantas pessoas foram formadas, que cursos
foram. O segundo tem a ver com o contexto produtivo, então em termos de produção, o
que melhorou ali? Qual foi o impacto que gerou na questão da produção? Houve uma
mudança do adubo orgânico em termos percentuais de taxa? Melhoria da qualidade? Foi
possível dentro do período do projeto, um ano, dois anos, ter melhoria de qualidade de
vida? Como a gente pode ver? Pela renda, pelo acesso aos bens duráveis.
(...) Tem um outro lado que é como a gente consegue construir uma avaliação
subjetiva do processo. (...) Tem que ser dos dois (comunidade e pesquisadores), pode
ser inclusive dos três (comunidade, pesquisadores e Estado), por exemplo, do subjetivo,
o grupo que está lá conseguiu ampliar o conhecimento? (...) O tempo é uma variável
subjetiva da avaliação, porque o tempo do Estado é um, o nosso tempo é outro, e o
tempo do beneficiário é outro. Só um exemplo simbólico, por exemplo, essa variável
tempo, ela tem um limite da gente atuar. Por exemplo, a escolarização do beneficiário, o
entendimento dele do processo que não é quantificável, por exemplo, a gente formar
eles a fazerem um adubo orgânico. Não é possível mensurar isso em termos de
indicadores objetivos, (...) mas em termos subjetivos, isso em termos de impacto é
riquíssimo e a gente não consegue mensurar porque não tem espaço, a gente não
consegue mostrar na avaliação porque não tem espaço.
(...)
Na avaliação da feira, que eu te falei que a gente fez uma avaliação muito rápida do que
foi aquele ensaio daquela feira, tem as falas delas (...), por exemplo, ‘olha a gente viu
que é importante, que tem um potencial, a gente está muito feliz de estar aqui, a gente
conseguiu vender todos os produtos que a gente produziu, que a gente achava que não
tinha produção, que a gente não podia’. (entrevista por pesquisador de projeto, grifo
nosso).
367

Além deste posicionamento distinto do processo de avaliação pelos pesquisadores de


TS, cabe indicarmos que o processo de avaliação no âmbito da SECTET, e, portanto, da
política estadual de TS junto a CTDS, até o momento, tem sido baseado no acompanhamento
dos projetos por equipes de dois ou três fiscais definidos entre os servidores,
preferencialmente da própria coordenação. Assim, é um processo que, embora esteja em
alguma medida sob a supervisão de pesquisadores (que em geral assumem cargos diretivos da
secretária, como Secretário de estado, secretário adjunto e diretor de C&T) também incorpora
algumas diferenciações do processo mais tradicional de somente emissão de parecer ad hoc a
partir de relatórios de pesquisa. Neste desenho, os servidores geralmente acompanham a
execução dos projetos de forma mais próxima e participam de algumas visitas às
comunidades, conforme relatos destes e dos pesquisadores.
Esse processo proporciona que os servidores também desenvolvam aprendizados sobre
o desenvolvimento dos projetos e das tecnologias sociais, principalmente os que atuam
especificamente na CTDS. Ao ter uma Coordenadoria própria, dedicada neste período mais
especificamente a temática de TS, entendemos que houve uma construção de um conjunto de
servidores que se apropriam de conceitos e práticas percebidas de TS. E, apesar de terem
limitações em termos de tomada de decisão organizacional, no decorrer deste período, a
institucionalização da CTDS como unidade integrante da DCT também permitiu que este
grupo de servidores passassem a se apropriar da temática e incorporar a defesa desta (e de
uma política estadual para a TS) na estrutura burocrática da secretaria, enquanto seu espaço de
especialização e atuação.
Por fim, cabe realçamos duas características sobre avaliação de resultados dos projetos
em análise. A primeira refere-se a interseccionalidade no enfrentamento de desigualdades.
Pesquisadores de dois projetos ressaltaram a percepção que além de atuar sobre o problema
específico (no caso, geração de renda e saneamento), as TS também tendo promovido uma
maior valorização e qualidade de vida da mulher nas comunidades.

Tem a participação de homens e mulheres, mas, por exemplo, especificamente na feira


foram as mulheres que se organizaram. Agora, eu acho que isso a (...) ainda não
avaliou se isso é porque foi a primeira, porque tem aquela história, assim, não foi toda a
comunidade que participou, mas eles viram e, de repente, a gente acha que isso, olha, as
pessoas vão se agregando. E elas também falaram isso na avaliação, que isso
provavelmente vai acontecer, que a medida que as pessoas vejam que está dando certo
que é uma coisa séria, as pessoas vão se agregando e a gente acredita que talvez a
questão de gênero mude um pouco. Nos cursos não, nos cursos tem homens e mulheres,
na agroindustrialização é mais mulher, porque mexe com esse negócio de preparo. De
certa forma, isso é bom porque fortalece elas. Porque tem gente que diz assim, ‘ah eu
não faço nada’, mas porque tu não fazes nada? Mas trabalha os próprios afazeres,
quando ela diz que não faz nada, ‘eu só cuido de casa’, mas cuidar de casa já é
368

muita coisa, mas é essa história, não gera renda. Mas, mostrar para elas que é
possível além de ser dona de casa, você gerar uma renda.
(...)
Isso tem agregado muito nas vidas deles, então, por exemplo, nas mulheres, isso tem
sido muito fortalecido, porque são pessoas que muitas vezes são sujeitos invisíveis,
elas fazem muito, mas não são valorizadas. Fazem muito, mas não tem renda.
Então, por exemplo, a participação das mulheres nas feiras, lá em Igarapé-Mirim a
história da extração da andiroba. Então, a gente tem acompanhado isso que muito
fortemente, a partir do gênero inclusive, isso tem se fortalecido muito a partir destes
projetos. (entrevista por pesquisador de projeto, grifo nosso).

A água e o saneamento, ele é o básico para a questão da inclusão social, e a gente tem
visto também, assim, uma coisa que eu acho legal das nossas tecnologias é a questão de
gênero. Porque, quem é que tem que prover água para o lar? É a mulher. Então,
geralmente é a mulher que tem que ir lá no rio pegar um balde d'água, levar nas
costas, tudo isso. E no momento que você tem um sistema desses dentro da sua casa,
você está ajudando na questão de melhorias das questões da mulher. E o banheiro
também, porque muitas vezes a mulher que é mais suscetível em determinados
períodos em ir para o mato, enfim, usar o mato como banheiro. Então, eu vejo que é
assim uma mudança muito grande na vida da mulher. E a mulher tem a questão, né, ela
tem que fazer muita coisa, tem que cuidar de filho, tem que fazer comida, e aí, ela tem
que ir lá no rio buscar água, ou ir lá no mato no banheiro, então isso facilita muito a
vida da mulher. E a questão que a mulher engravida, então no período de gestação
facilita muito a vida dela, se ela tem um sistema de captação de água da chuva e um
banheiro aqui acoplado na casa dela é outra coisa do que ela ir lá no mato, correr o
risco de ser picada por uma cobra, ou ir lá no rio pegar uma malária em função
dos vetores que existem no corpo hídrico. Então, eu acredito que as duas tecnologias
sociais que a gente vem trabalhando, servem muito, são tecnologias inclusivas, que
buscam essa questão de amenizar um pouco os problemas das desigualdades
sociais e para você melhorar um pouco essa questão de gênero, né, que você
valoriza mais a mulher pelos seus afazeres. (entrevista por pesquisador de projeto,
grifo nosso).

Compreendemos que a atenção as interseccionalidades é um aspecto que pode ser mais


deliberadamente desenvolvido nos projetos de TS, visto que, em geral, a superação de uma
condição de desvantagem pode, potencialmente, ajudar na superação de outras que não
tenham sido diretamente dirigidas. Cabe realçarmos que, um dos projetos de TS (1) atua em
uma comunidade quilombola, o que provavelmente também pode agregar benefícios a
condição étnica/cor, mesmo que os pesquisadores não tenham feitos relatos ou observações
específicas. Outro efeito comentado é o incentivo a busca de educação formal, os projetos 1 e
3 apresentaram relatos que a partir das condições ofertadas pela TS e/ou interação com o
projeto, identificaram narrativas de jovens que procuraram e tiveram acesso ao ensino
superior ou cursos a distância para sua formação.
A segunda característica corresponde a intersetorialidade vista como necessária para
implementação das TS enquanto soluções via política pública para problemas na sociedade,
no âmbito da noção de science for policy. Os pesquisadores realçam as interações entre a
solução em desenvolvimento em termos de C&T e as políticas específicas a que estão
orientadas a atender, em particular a de telecomunicações, saneamento e agricultura familiar.
369

Esta intersetorialidade é colocada ainda como um desafio a ser efetivamente direcionado na


política de CT&I, entre os gargalos identificados estão questões de regulamentação e a
própria aceitação da eficácia das TS em resolver os problemas frente um viés de crença
construída em torno de uma concepção convencional de tecnologia.
Quanto à regulamentação, no caso do projeto 1 é exposto:

Eles já conseguiram muita coisa lá no México voltadas para redes comunitárias, e aí


quando você toca no caso das políticas públicas é uma das coisas que a gente ainda não
consegue aqui no Brasil, mas que lá no México eles já tem, é a questão do
licenciamento de espectro. (...) Lá no México, eles já conseguiram isentar uma
concessão definitiva de espectro que eles não têm que pagar nenhum valor para ter
acesso, claro que que tem uma burocracia envolvida, mas as taxas foram abolidas, para
telefonia comunitária. (entrevista por pesquisador de projeto, grifo nosso).

Quanto a concepções convencionais de implantação tecnológica (processo top-down


de oferta de tecnologia concebida sem interação com a comunidade) e as contradições de um
processo de tentativa de atendimento em um contexto de pouca ou nenhuma articulação
interinstitucional, é observado uma comparação com outras soluções tecnológicas implantada
em comunidade:

Eu acho interessante que lá na ilha tem uma casa, a casa do seu Zé Maria, lá na ilha não
tinha nenhum tipo de água, a gente instalou os primeiros sistemas. Aí depois disso, veio
um sistema instalado pelo INCRA, e depois veio um sistema instalado pela FUNASA.
Ambos os sistemas puxam água do rio e filtram, bombeiam e filtram. Só que você
imaginou filtrar água da baia do Guajará, cheio de sedimento e contaminante. Eu acho
interessante é o exemplo da casa dele, ele tem os três sistemas, você pergunta para
ele ‘qual a água que você bebe?’ ‘Só a água da chuva, porque as outras nenhuma
presta, nenhuma funciona’. E aí, a gente vê, o nosso sistema um custo muito baixo,
2 mil reais, do INCRA foi 24 mil reais e o outro foi 17 mil reais, e não resolve o
problema. (...) Na mesma casa, aí tu vês, assim, é uma coisa muito doida que um
recebe três sistemas, e o outro do lado não tem nenhum. Porque a gente continuou nas
mesmas casas e os sistemas foram implantados depois, e ninguém, tipo, os que estavam
implantando, ninguém disse ‘poxa, mas o que que é isso aqui?’, ‘quanto que custa
isso?’, ‘Isso funciona? (...) Enfim, está lá, o pessoal usa para lavar roupa, tomar banho,
para outros fins, mas para usar quando não tem água da chuva, que tem períodos que
passa um tempo sem chover, que nem a casa do seu Zé Maria, lá tem muita gente, mora
muita gente próxima, então a caixa d’água muitas vezes não dá o sistema dele, aí ele
tem que vir para Belém comprar água, mas ele não toma as outras águas dos outros
sistemas.
(...) Deixa eu mostrar que isso aqui (TS desenvolvida) funciona, e vou fazer isso. Eles
não fazem, eles não dão assistência, eles disseram que iam voltar para analisar a água,
mas até hoje nunca voltaram, porque eles iam fazer análise para dizer se a água prestava
ou não, como eles dizem, né, e até hoje eles não voltaram. (entrevista por pesquisador
de projeto, grifo nosso).

Em síntese, dos quatro projetos fomentados no período de 2015 a 2017, entendemos


que a uma ênfase a um escopo finalístico de resolução de problemas sociais, associados a
soluções com atenção ao baixo custo como um dos elementos de viabilidade econômica. Em
três projetos reconhecemos uma concepção de tecnologia que considera relevante da interação
370

com os atores sociais a quem se destina, sendo estes entendidos como atores participantes do
processo de desenvolvimento tecnológico e da política, neste sentido, compreendendo ter um
modelo de inovação interativo. Exceção a esta concepção de modelo de inovação e interação
com o público-alvo foi o projeto 2, o qual a partir do projeto e relatórios entendemos que a
concepção de TS tende a estar mais vinculada ao critério de baixo custo para atendimento de
população vulnerável, mas mantendo um modelo de inovação linear, centrado nos atores da
comunidade de pesquisa.
Assim, embora neste período não tenha emergido um novo documento de diretrizes
norteadoras para a política de TS, observamos que a maioria dos projetos fomentados
apresentou concepções similares de TS e condizente a concepção prevista na RTS-PA, mesmo
esta sendo preterida nos processos decisórios da política, no decorrer de 2016 até sua total
suspensão de reuniões em 2016. Em todo caso, também já é possível ver uma certa variedade
discursiva de concepção de TS entre os projetos apoiados, notadamente o projeto 2 se
distinguiu dos demais. Contudo, em 2017, observamos a articulação de um novo documento
orientador para a política estadual de TS, a partir de uma estratégia distinta da anteriormente
concebida em torno da RTS-PA, e uma busca de institucionalização de uma nova
instrumentalização de fomento, como vemos na seção seguinte.

7.3 BUSCA DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DO FOMENTO À TECNOLOGIA SOCIAL


PELA RESOLUÇÃO CONSECTET Nº 003/2017

Em agosto de 2017, foi aprovado pelo CONSECTET a resolução nº 003/2017 que


trata da Política Estadual de Tecnologias Sociais, ao buscar estabelecer diretrizes orientadoras
no que tange a concepção (art. 1º), princípios (art. 2º), objetivos (art. 3º), instrumentos (art. 4º
e 6º), competências da SECTET (art. 5º). Conforme previsto nesta resolução, o fomento a TS
passa a ser procedido preferencialmente por editais públicos, decorrendo desta o lançamento
em outubro de 2017 do edital nº 006/2017 da SECTET para seleção de projetos de tecnologias
sociais.
O edital nº 006/2017 recebeu 86 submissões de propostas de projetos de TS, tendo
sido 6 projetos classificados e dois projetos conveniados durante o ano de 2018, quando
receberam as primeiras parcelas. Como estes projetos ainda estavam no início de sua
execução no período final desta pesquisa, não serão objetos de análise aqui. Concentrar-nos-
emos na análise do documento norteador do edital e da própria política explícita de TS no
governo estadual, a resolução CONSECTET nº 003/2017.
371

A formalização desta resolução via aprovação no CONSECTET foi considerada,


internamente na SECTET, como avanço institucional à consolidação do fomento a TS como
uma linha de atuação da política estadual de CT&I, a corroboração deste tipo de fomento
enquanto pauta na agenda da política. Neste sentido, concordamos que a aprovação de uma
resolução específica para formalização de uma política estadual de TS represente avanço no
reconhecimento desta na agenda da política de CT&I. No entanto, dada a natureza
polissêmica do termo, procuramos compreender a concepção de TS que prevalece neste
período na orientação da política.
De modo geral, entendemos que esta resolução, e o edital lançado a partir desta,
represente a busca de institucionalizar uma nova orientação à governança da política estadual
de TS, uma vez que a proposta anterior baseada na RTS-PA não teve continuidade. Esta
governança está mais centrada na própria SECTET, e organizações associadas (FAPESPA e
PCT Guamá), não mais em um processo de maior pluralidade institucional como na
constituição RTS-PA. Bem como, em termos conceituais, esta resolução apresenta maior
interdiscursividade, conforme análises por categorias a seguir.

7.3.1 Concepção de tecnologia, especificamente de tecnologia social, e quem produz


conhecimento e tecnologia

A resolução propõe um conceito próprio de TS, explicitado no quadro 34, com


alterações ao conceito anteriormente estabelecido no documento da RTS-PA.
Compreendemos que, em termos de análise textual-discursiva, houve duas mudanças. A
principal se refere à alteração da condição necessária de que a tecnologia seja desenvolvida
"na interação com a comunidade" para uma condição mais fluída em que o desenvolvimento
esteja voltado "ao uso comunitário". Neste aspecto, o conceito não sustenta mais a exigência
de que os membros da comunidade sejam vistos como (co)produtores da tecnologia, mas
retorna a uma posição em que estes possam ser considerados somente usuários ou
beneficiários da tecnologia, sem participação ativa em seu desenvolvimento.
A segunda alteração corresponde a finalidade que antes vinculava-se a uma prover
"soluções de transformação social" e passou a ser destinada "a inclusão social e a melhoria da
qualidade de vida de seus usuários". O que entendemos que a primeira forma trazia uma
percepção que problemas de exclusão social ou desigualdades relacionam-se a dinâmicas da
sociedade como um todo, de modo que sua solução efetiva requer uma transformação social,
para além de uma mudança em condição individual(ais) do(s) beneficiário(s). Enquanto a
372

segunda forma, novamente toma um contorno mais fluído, com enfoque a melhoria de
qualidade de vida de usuários, ainda que não haja transformações nas relações sociais
vigentes.

Quadro 34 – Conceitos de tecnologia social estabelecidos em documentos da política estadual de TS


no Pará
Conceito no documento de constituição da RTSP-PA Conceito na Resolução CONSECTET nº 003/2017
"Tecnologia Social compreende produtos, técnicas "Tecnologias Sociais: produtos, técnicas ou
e/ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na metodologias reaplicáveis, voltadas ao uso
interação com a comunidade e que represente comunitário, destinadas a promover a inclusão
efetivas soluções de transformação social." social e a melhoria da qualidade de vida de seus
(SECTET, 2013b, p. 14). usuários." (CONSECTET, 2017, p. 1).
Fonte: Elaborado pela autora (2019).

Assim, de modo geral, consideramos que o conceito definido de TS se tornou mais


fluído, embora não recuse o desenvolvimento tecnológico por meio da interação com a
comunidade, admite que a noção de TS também seja aplicada a tecnologias desenvolvidas
sem tal interação, sem necessariamente implicar em mudanças nas relações sociais
estabelecidas, inclusive entre aqueles entendidos enquanto produtores de C&T, e aqueles
vistos enquanto usuários.
Como indicamos anteriormente, percebemos uma maior presença de
interdiscursividade no texto desta resolução. Nesta categoria, examinamos que, por um lado,
houve tais alterações no conceito de TS, que interpretamos ser um afastamento de um
alinhamento mais consistente a discurso de CT&I orientada para a sociedade, abrindo espaço
para concepções próximas de tecnologia apropriada. Por outro lado, há presença nos artigos
referentes aos princípios (2º) e aos objetivos (3º) da política relacionados a "participação
comunitária" e a "interação entre o conhecimento científico e o saber popular",
respectivamente.
Desta maneira, ao contrário do documento de constituição da RTS-PA, cuja
construção discursiva apresentava forte alinhamento ao discurso da CT&I orientada para a
sociedade, associado a concepção pactuada no âmbito da RTS Brasil, a resolução nº 003/2017
expressa a emergência no texto norteador da política de uma variedade discursiva.

7.3.2 Protagonistas e atores da política

No que tange as representações de atores sociais para governança da política, a


resolução não cria uma instância colegiada específica para o processo decisório de fomento
373

TS, como vislumbrado na RTS-PA, mas estabelece a SECTET enquanto entidade central
responsável por "instituir os mecanismos de fomento às tecnologias sociais" (art. 5º), sendo
indicadas como organizações de operacionalização da política a FAPESPA e o PCT Guamá
(art. 4º). Assim, o processo de governança está assentado nas duas organizações centrais da
política estadual de CT&I (SECTET e FAPESPA) e OS associada.
Na resolução é previsto que mecanismos de fomento serão articulados ou promovidos
por "ações de integração entre governos, sociedade civil, comunidade acadêmica e empresas
com foco nas Tecnologias Sociais". Não há outra menção específica a participação de atores
de comunidades ou dos grupos sociais em desvantagem, usuários a quem as TS viriam ser
desenvolvidas, mas entendemos que estes estariam abrangidos pela "sociedade civil". Porém,
há de ponderarmos que as instâncias colegiadas existentes da política estadual de CT&I
(inclusive o próprio CONSECTET, instância na qual a resolução foi aprovada) tem sua
representação preponderantemente baseada em organizações do complexo de C&T, em menor
proporção órgãos governamentais (principalmente vinculados a política ao setor produtivo e
desenvolvimento econômico) e entidades empresariais.
Deste modo, apesar da resolução prever a integração da sociedade civil, que poderia
contemplar a representação dos públicos a quem as TS seriam destinadas, na prática, as
organizações e instância colegiada existentes não incluem representação destes atores sociais
em seus processos de governança. Logo, ao manter-se nas instâncias de representação
existentes, a possibilidade de atuação desses comunitários ou grupos em desvantagens como
atores políticos na política estadual de TS não é vislumbrada de forma efetiva. Sua efetividade
requereria a implementação de algum desenho de governança específico. Portanto, os atores
políticos conjecturados nas instâncias de governança a incidir sobre a política estadual de TS,
são os mesmos habilitados para a política de CT&I geral do estado, com predomínio da
comunidade de pesquisa.

7.3.3 Modelo de inovação

Ao examinarmos que o conceito definido de TS não requer a interação com a


comunidade ou usuários enquanto condição de desenvolvimento tecnológico, como
comentado anteriormente, consideramos que não há mais um alinhamento com um modelo
interativo, admitindo-se a aplicabilidade de um modelo linear da inovação.
374

7.3.4 Escopo priorizado

O escopo privilegiado em termos do conceito norteador apresenta um direcionamento


finalístico para inclusão social e melhoria de qualidade de vida de usuários, sendo estes
associados a comunidade (uso comunitário), em relação aos objetivos este se expande para
termos associados como desenvolvimento local, sustentabilidade e estímulo a
empreendimentos cooperativos e solidários.
Contudo, também examinamos alguns pontos que carregam disputas discursivas no
âmbito da temática de TS. Um deles se refere a menção ao registro de patentes, pois algumas
linhas conceituais de TS discordam da utilização do sistema proprietário das soluções
tecnológicas desenvolvidas, defendendo sua manutenção em domínio público. Outro ponto é a
previsão específica de "políticas de fomento às TS nas cadeias produtivas estratégicas", uma
vez que tal direcionamento implica que, para além dos benefícios sociais a comunidades, há
um critério de atendimento que, em certa medida, subordina estes a macro objetivos de
escopo de ênfase econômica e agregativa, que orientam a definição de tais cadeias
estratégicas.

7.3.5 Apontamentos sobre interdiscursividade

Inicialmente notamos que a resolução, enquanto documento norteador da política


estadual de TS, tem uma apresentação sucinta de itens básicos (conceito, princípios, objetivos
etc.) que pretendem dar coesão à mesma, assim não há uma contraposição explícita entre
discursos. Há uma disputa de espaços conceituais que em determinados termos e significados
associados a distintos discursos conseguiram ou não se estabelecer.
Consideramos que o espaço mais representativo da concepção de TS seja o conceito
adotado na resolução, e neste aspecto prevalece uma visão de TS mais próxima a concepção
de tecnologia apropriada, uma vez que não houve a inserção do pressuposto da interação com
o público-alvo, sendo este assumindo uma posição de usuário. A concepção de tecnologia
apropriada está associada a busca de superação de situações de pobreza a partir de um
discurso da C&T auto orientada, portanto, a pesquisa é direcionada ao atendimento de grupos
em desvantagem, mas ainda centrada no pesquisador, em seus conhecimentos científicos,
enfoques de problemas e proposições de soluções.
Esta centralidade do pesquisador e do conhecimento científico cria um posicionamento
de certo alinhamento a agenda e modus operante predominante na política e pesquisa de C&T
375

atual. Ao contrário da concepção interativa e associada a coprodução da política e do


desenvolvimento tecnológico por atores sociais comunitários ou de grupos em desvantagens,
em que há maior ruptura com o discurso predominante. Porém, a preocupação com a
participação deste público ascendeu em alguns aspectos enquanto princípios e objetivos,
demonstrando que, embora seus defensores não tenham alcançado poder de imposição
conceitual, galgaram alguma abertura a tal relevância.
Entendemos que, como um movimento geral da TS nacional, o conjunto de grupos de
pesquisa vinha atuando na temática era inicialmente relativamente pequeno perante o
conjunto de grupos total, mas à medida que a temática alcança a agenda da política causa uma
perturbação em dois sentidos. Por um lado, a existência de financiamentos para a pesquisa na
temática atrai a atenção de pesquisadores que não atuavam anteriormente no campo, mas que
buscam se alinhar, em alguma medida (muitas vezes este alinhamento é mais ao edital ou
programa específico em si, antes de uma integração ao campo de pesquisa), a fim de
conseguir fomento à pesquisa, sendo este um movimento de indução comum na política
científica. Esse aspecto provoca uma ampliação de pesquisadores no campo, que trazem
diferentes orientações discursivas e de práticas. Uma vez que o campo da temática no estado
não desenvolveu espaços de compartilhamentos de crenças e aprendizados interinstitucionais,
a construção de um alinhamento discursivo mais denso entre os diferentes pesquisadores se
torna mais difícil, inclusive quanto à própria constituição de identidade e representação
perante os pares de outras temáticas na política. Por outro lado, a ascensão do tema a agenda
com seu fomento, também carrega um apelo ao debate sobre o impacto social da CT&I e,
consequentemente uma crítica aos discursos e práticas predominantes na CT&I, implicando,
portanto, em uma certa desestabilização discursiva destes. Frente a tal desestabilização, as
respostas dos atores políticos tendem a ser elaboradas o mais próximo possível das
orientações discursivas existentes, de modo a causar a menor mudança possível nos diferentes
sistemas de crenças destes. Neste sentido, reemergem orientações associadas à noção de
tecnologia apropriada, em que se propõe uma C&T voltada a resolver problemas sociais, mas
sem que os pesquisadores percam seu lugar privilegiado de atuação no domínio da política e
de construção de conhecimento. Bem como, orientações voltadas as ideias de
empreendedorismo e negócios sociais, enquanto respostas mais alinhadas ao discurso da
CT&I orientada para o mercado.
Neste cenário que compreendemos que a política estadual de TS emergiu com um
discurso mais coeso, que estava mais alinhado as concepções de uma CT&I orientada para a
sociedade, principalmente entre 2013 e 2014, mas sem conseguir atuar no fomento direto a
376

projetos de TS, e, portanto, sem um instrumento de indução mais eficaz. A medida em que se
vislumbra a efetividade e regulamentação do fomento a TS, observamos tanto a ampliação de
interesse sobre a temática (foram 86 propostas submetidas ao edital nº 006/2017 de diversos
grupos de pesquisa e ONG); quanto um aumento da disputa discursiva em torno desta, uma
vez que a temática de desenvolver C&T para grupos sociais vulneráveis passa a ser capturada
e respondida a partir das diferentes orientações discursivas existentes. Desta ampliação de
interesse e de variedade de orientações discursivas em torno da temática de TS, entendemos
que resulta substancial interdiscursividade expressa na resolução nº 003/2017.
Contudo, tais disputas discursivas são necessariamente reconhecidas por todos os
atores no campo, e quando admitidas não são interpretadas da mesma forma. De acordo com
um integrante do CONSECTET, quando consultado sobre a mudança conceitual de TS nos
documentos da política estadual (mudança do conceito proposto na RTS-PA para o da
resolução), expressou o seguinte entendimento.

Obviamente que, eu diria assim, o voltado para a comunidade não exclui a possibilidade
de uma construção conjunta, e uma construção conjunta não pode significar, como era o
conceito anterior, não pode significar uma dependência dessa articulação prévia com a
comunidade, as duas coisas podem acontecer, a gente tem que dar abertura a isso, a
gente não pode ficar preso em voltado ou em conjunto, isso para mim é secundário, isso
não pode ser uma camisa de força. Então, digamos que isso tudo tem que ser
interpretado de uma maneira muito ampla, permitindo as várias. Obviamente, que para
você fazer uma ação na comunidade, voltada, você não pode chegar lá se introduzir sem
explicar o quê que está fazendo, vai ter que ter a participação dela, inevitavelmente, na
prática. E, certamente quando você diz em articulação com a comunidade, você não
pode partir da premissa que a comunidade tem condições de ela própria de desenvolver
tecnologia. Você tem que entrar em interlocução com ela. No primeiro caso, para você
adotar, você tem que ter a aquiescência dela, o aceite dela, e ela vai participar de alguma
maneira, lhe dando o espaço, dialogando e assim por diante, então ela está participando
de alguma maneira, na primeira. Na outra interpretação, você não pode fazer com que
um acadêmico que tenha uma grande ideia tenha que depender da comunidade para
poder tentar implementá-la, em termos de criação, porque senão você pode cair do outro
lado que é o populismo, ‘ah, não foi criado a partir da comunidade e tal’. A ciência, ela
independe da comunidade, mas ela tem que ser feita para comunidade, senão ela não
tem sentido social também. Então, eu diria que essa mudança aí não foi algo que foi
discutido, que foi debatido, é uma expressão, poderia ter ficado a primeira, entrou a
segunda, foi apenas uma redação de momento. Não houve nenhuma discussão filosófica
sobre isso. (entrevista concedida por integrante do CONSECTET).

A partir deste posicionamento, compreendemos que, por um lado, não há um


reconhecimento explícito de disputa discursiva relevante em torno da temática, sendo que
haveria uma certa homogeneidade entre as possibilidades conceituais estabelecidas. Mas, por
outro lado, é ressaltado a necessidade de abertura para as várias formas de concepção de
pesquisa e de participação da comunidade, o que implicitamente implica em assentir a
377

existência de diferentes concepções, e que o conceito anterior não contemplava tal


pluralidade, considerada mais importante para a política de TS por este ator.
Entretanto, ao realizar consulta similar a um pesquisador de TS, membro de um
projeto fomentado, a preocupação com a participação ativa dos beneficiários nos processos
decisórios é expressa.

Eu vi lá, a gente leu, eu li a resolução, né. É, mas é porque tem que a ver com o que tu
colocaste, esse retrocesso que a rede sofreu, principalmente nestes últimos anos, não
teve mais o espaço de debate. Uma coisa que eu ia propor era o seguinte, olha, em uma
possível reconstrução da rede e tal, que a gente consiga retornar e que os beneficiários
façam parte também, não são só as instituições de ciência e tecnologia. (entrevista
concedida por pesquisador de projeto).

Assim, para este ator político que atua com TS nos moldes mais associados a uma
concepção de CT&I orientada para a sociedade, a partir de um modelo interativo com a
participação ativa de beneficiários, há um reconhecimento de mudança conceitual. Mas, para
além da questão conceitual, demonstra-se significativo a necessidade de existência de uma
estrutura de governança em que estes beneficiários efetivamente participem do processo de
política estadual de TS.
De outro ponto de vista, partindo de um servidor público atuante na política de TS, a
mudança do conceito pode ter sido estratégica, com vistas a proporcionar uma melhor
condição de defesa da temática de TS frente a um novo cenário político.

Eu acho que o nosso conceito, ele acaba sendo propositalmente redundante, acho que é
uma estratégia, porque ele foi feito por várias mãos (...) Eu acho que é válido no sentido
do cenário político, no sentido do cenário de mudanças, você, às vezes, cometer certas
redundâncias, porque as TS são para as comunidades que não estão (...) para
comunidades que estão à margem da expansão do capital. (entrevista concedida por
servidor público atuante na política de TS).

Nesta perspectiva, interpretamos que, embora o conceito adotado não seja


textualmente o mesmo do anterior, a mudança não é vista como uma ruptura ou inflexão na
política de TS, mas como "estratégica", aqui entendida como instrumentalmente útil, para
favorecer a continuidade da política de TS para comunidades em desvantagem em um cenário
político de mudança. Em que compreendemos a preocupação do ator político que
posicionamentos discursivos mais explicitamente contrapostos ao discurso dominante neste
cenário da política pudessem implicar na interrupção da política, e, portanto, de qualquer
atendimento direcionado a estas comunidades.
De modo geral, entendemos que, no decorrer da trajetória desta política estadual de
TS, houve uma certa expansão de atores políticos em torno dela, principalmente na própria
378

comunidade de pesquisa e na estrutura da SECTET. Contudo, se, por um lado, esta ampliação
de atores implicou também em uma maior variedade de discursos em disputa, por outro lado,
não observamos um adensamento de grupos de atores (principalmente pesquisadores) em
torno de posicionamentos de defesas mais mobilizados coletivamente para construir canais de
influência na política. De modo que, a política estadual e TS tornou-se mais centrada no
próprio processo decisório da SECTET. Neste sentido, buscaremos na próxima seção fazer
uma discussão sobre as possibilidade e limites de formação e consolidação de coalizão(ões)
de defesa para a política de TS no domínio da CT&I.

7.4 COALIZÕES DE DEFESA PARA TECNOLOGIA SOCIAL A PARTIR DO


PROCESSO DA POLÍTICA ESTADUAL DE CT&I NO PARÁ: LIMITES, AVANÇOS E
POSSIBILIDADES PARA O ENFRENTAMENTO DAS DESIGUALDADES

A política para fomento a TS é uma temática marginal na política estadual de CT&I,


que emerge na agenda em 2012, com sua presença no programa de CT&I do PPA estadual e
na estrutura da SECTET ao configurar-se enquanto uma diretoria (DTS). Como indicação
desta marginalidade na política ressaltamos principalmente que, no decorrer da trajetória da
política de TS estudada, vimos que os recursos destinados ao seu fomento foram
relativamente baixos, se comparados aos investimentos globais da política de CT&I, e foram
identificamos o fomento de 2 apoios a empreendimentos comunitários em 2012 e de 6
projetos de pesquisa e desenvolvimento de TS, entre 2015 e 2018.
Identificamos três momentos de configuração da política. O primeiro, de 2012 a 2014,
emergiu a partir da estrutura da DTS e teve com ênfase uma estratégia de promoção da
política de TS por meio da articulação de múltiplos atores sociais, com a busca de
institucionalização da RTS-PA. Neste momento, houve uma relevante preocupação com os
aspectos conceituais da TS e seu alinhamento a concepção pactuada na RTS Brasil, associada
ao discurso da CT&I orientada para a sociedade, distinguida no capítulo 2.
O segundo, de 2015 a meados de 2017, em que as estruturas tal como concebidas
(DTS, Fóruns e RTS-PA) anteriormente foram preteridas, sendo a temática conformada em
torno da CTDS e surgindo uma ênfase à estratégia de promoção da política de TS por meio do
fomento direto de projetos de C&T. Neste momento, não houve emissão de diretrizes
explícitas específicas da política de TS e o processo decisório esteve mais centrado na própria
estrutura da SECTET.
379

Em termos dos projetos fomentados, identificamos que três destes apresentaram uma
concepção de TS similar, particularmente em relação a valorização da interação da
comunidade na pesquisa e do escopo finalístico ser voltado a uma agenda local e de
desenvolvimento social, estando mais próximos ao discurso da CT&I orientada para a
sociedade. E um projeto, que, embora tivesse voltado ao atendimento de populações carentes,
adotava uma visão associada a um modelo linear de inovação, cujo enfoque estava em uma
experimentação e centrada nas análises e desenvolvimentos da própria equipe científica, mais
próximo a concepção de tecnologia apropriada. Assim, apesar de haver uma ênfase a
concepção discursiva da CT&I orientada para a sociedade, emergiu certa variedade
discursiva.
Entendemos que, no âmbito dos projetos, a maioria proporcionou espaço para
participação dos atores sociais beneficiários, seja na construção de conhecimentos e
aprendizados sobre a tecnologia, seja na tomada de decisão sobre o projeto. No entanto, em
relação a governança da política estadual de TS, esta já se demonstrou mais centrada na
estrutura interna da SECTET, não havia um desenho que contemplasse a representação direta
dos beneficiários, cujos interesses tenderam a ser mediados pelos atores principais da política,
ou os pesquisadores, ou o corpo burocrático da CTDS, para chegar aos processos decisórios
da SECTET (particularmente no formato dos projetos de C&T fomentados).
Assim, este foi um momento em que se iniciou a implementação do fomento direto a
projetos, contudo sem uma concepção explícita de sua orientação discursiva, e emergindo
variações nesta pelas práticas nos projetos. O espaço anterior de articulação (RTS-PA) não
chegou a consolidar-se, sendo descontinuado, e não houve proposição (seja por parte dos
pesquisadores, seja por parte do governo/SECTET) de um espaço em substituição que
contemplasse o compartilhamento de conhecimentos e práticas, bem como a articulação
política entre os atores.
O terceiro, que se inicia em 2017, com a aprovação da resolução do CONSECTET nº
003/2017, buscou avançar na institucionalização do fomento a TS pela formalização de um
novo conjunto de diretrizes para a política estadual de TS explícita. Estas diretrizes se
apresentam com maior variedade discursiva em disputa sobre o conceito e práticas de C&T
aplicados a TS, em que posicionamentos discursivos de maior ruptura aos discursos
predominantes na política perdem espaço. Em termos da estrutura de tomada de decisão em
torno da política está é formalmente consolidada na centralidade da SECTET e suas
organizações associadas (FAPESPA e PCT Guamá).
380

A partir das articulações e fomentos promovidos durante esse percurso, examinamos


que, mesmo em uma posição marginal, houve uma expansão dos atores políticos que se
envolveram, do que implicou a maior variedade de posições discursivas. No entanto, as
equipes de pesquisa que atuaram e atuam na política não relataram interações substantivas
entre si, seja na constituição de um evento, seja na participação de projetos conjuntos, como
verificamos ao examinar o fomento a TA no capítulo 5. O único ponto focal seria a própria
SECTET.
Compreendemos que esta falta de interação de pesquisa e articulação política entre as
equipes e grupos de pesquisa seja um limite a formação de coalizões de defesa específicas
para a temática de TS. Pois, apesar de termos encontrado um alinhamento discursivo e de
prática entre alguns pesquisadores de projetos fomentados (o que indica uma proximidade de
crenças da política por estes atores políticos), não distinguimos uma capacidade de
mobilização da ação coletiva para influenciar a política estadual de TS entre estes atores.
A dificuldade de formação de coalizão de defesa para TS tende a fragilizar política, de
modo geral, no âmbito estadual governamental pela falta de uma clara representação e
mobilização em torno da defesa da temática no âmbito da comunidade de pesquisa. Mas, essa
dificuldade fragiliza, principalmente, a defesa de uma concepção discursiva de TS alinhada a
CT&I orientada para a sociedade, visto que esse discurso tende a ser o que implica em maior
ruptura às orientações e práticas predominantes na política de CT&I, portanto, a mais distante
e resistente à aceitação a partir das crenças da maioria da comunidade de pesquisa.
Diante destas análises, consideramos que o enfrentamento das desigualdades no
processo de política estadual de TS teve sua origem articulada por iniciativa de dirigentes da
SECTI/SECTET. Em um primeiro momento foi orientada a buscar estimular uma articulação
mais ampla entre atores políticos, porém sem capacidade de indução por fomento.
Posteriormente, alcançou alguma capacidade de fomento estadual, mas centrou-se à estrutura
da SECTET.
Assim, interpretamos que houve avanços no decorrer da política ao alcançar espaço na
agenda de fomento e formalizações de suas diretrizes (seja à época da RTS-PA, seja pela
resolução no CONSECTET). Bem como, ter uma maior difusão de sua temática, seja em meio
a pesquisadores, seja na formação de quadro de servidores especializados, no âmbito da
CTDS/SECTET. Esses avanços foram efetivados no enfrentamento das desigualdades
principalmente nos projetos fomentados. Nos três projetos executados em interação com a
comunidade já foi possível identificar resultados em termos da superação aos problemas
sociais enfrentados (acesso a telefonia celular comunitária, saneamento e geração de renda),
381

assim como, os pesquisadores discerniram efeitos de interseccionalidades destes


enfrentamentos das desigualdades, em particular na questão do gênero e do incentivo à
continuidade de formação educacional para pessoas das comunidades atendidas.
Todavia, também reconhecemos limites a esse enfrentamento das desigualdades. Pelo
exame dos quatro projetos fomentados, os resultados sociais diretamente observados foram
apontados nos três projetos desenvolvidos na interação com as comunidades, que tende a
mostrar-se mais alinhado ao discurso da CT&I orientada para a sociedade. Ao nosso ver,
considerando as características analisadas no capítulo 2, esse discurso coloca em centralidade
uma perspectiva distributiva da CT&I e um escopo finalístico com foco no desenvolvimento,
o que favorece um enfoque de fomento a ações para enfrentamento das desigualdades. Bem
como, seu modelo de inovação interativo apresenta uma governança de CT&I mais ampla,
agregando a participação de múltiplos atores sociais, o que proporciona uma menor
desigualdade representacional na tomada de decisão da política. Por esses motivos,
entendemos que concepções associadas a este discurso tendem a alcançar mais avanços no
enfrentamento das desigualdades pela CT&I.
No entanto, a concepção de TS alinhada a este discurso, embora fosse prevalente e
mais coesa no momento inicial da política, perdeu espaço na construção conceitual da
política, emergindo nesta maior variedade discursiva em disputa. Apesar de manter a
finalidade de atendimento a comunidades ou grupos sociais vulneráveis na política a forma
como o este desenvolvimento é concebido por outras orientações discursivas pode limitar o
enfrentamento das desigualdades, visto que pode fornecer acesso a parte dos investimentos
(reduzindo a assimetria distribucional) na política, mas não reduzir as assimetrias
representacionais e de accountability (COZZENS, 2008).
Por um lado, consideramos que a medida que a política de TS consiga espaço na
agenda de CT&I, as disputas discursivas em torno da temática sejam inevitáveis,
principalmente se estiver alinhada ao discurso de CT&I orientada para a sociedade porque
tende a gerar críticas e eventual desestabilização nos discursos predominantes, fazendo
surgindo uma pluralidade de concepções alternativas. Por outro lado, a fragilidade política em
torno de concepções de TS alinhadas a este discurso de CT&I socialmente orientada no
âmbito de tais disputas discursivas entendemos tende a implicar em riscos de limitações no
alcance da efetividade do enfrentamento das desigualdades.
Um dos riscos é que ocorra uma captura da pauta de TS a objetivos mais gerais da
política de CT&I centrados na comunidade de pesquisa em si ou a sua orientação econômica-
agregativa predominante. Esse risco se configuraria pela instrumentalização da TS e
382

subordinação de sua agenda social a projetos de interesses com ênfase científica ou


econômica-utilitarista, aproximando a disputa discursiva no campo do conceito de confluência
perversa (DAGNINO, 2004), uma vez que por trás da defesa da TS estariam projetos de
interesses políticos distintos.
Outro risco de limitação ao enfrentamento de desigualdades nas disputas discursivas
refere-se à persistência de práticas de discursos predominantes na CT&I que podem ser
entraves na redução de assimetrias em projetos de TS junto a comunidades locais e grupos
sociais em desvantagem. Por exemplo, uma concepção de TS mais alinhada ao discurso de
C&T auto orientada, adotada mais próxima a noção de tecnologia apropriada, pode limitar a
eficácia das soluções tecnológicas por seu modelo linear de inovação e top-down de
implementação, bem como não permitir avanços na participação ativa de beneficiários na
pesquisa e na política, o que manteria as assimetrias representacionais e de accountability na
política. Uma concepção de TS mais alinhada com o discurso da CT&I orientada para o
mercado, pode ser limitante se restringir soluções de problemas sociais a arranjos e objetivos
de ênfase empresarial, assim como, por, embora adotar um modelo de inovação interativo,
este tende a ter uma composição mais restrita por ainda privilegiar o conhecimento
tecnocientífico, podendo reduzir o espaço a participação e tomada de decisão da comunidade
local.
383

8 CONCLUSÃO

O objetivo orientador desta pesquisa foi compreender como tem sido articulado e
efetivado o enfrentamento das desigualdades no processo da política de CT&I em um
contexto subnacional e periférico no Brasil. Para tanto, analisamos, no âmbito da política
estadual de CT&I do Pará, processos de política de fomento a TA e a TS a partir de um
percurso teórico-metodológico que teve por base o referencial de coalizão de defesa e a
análise de discurso.
A partir de um exame da conjuntura da política estadual de CT&I (capítulo 3), que
enfocou principalmente uma visão da agenda da política, corroboramos que, embora esta
agenda seja predominantemente orientada por uma noção de justiça social utilitarista-
agregativa, preocupações distributivas, com o enfrentamento das desigualdades, tem emergido
marginalmente, como iniciativas relacionadas à agricultura familiar, inclusão digital, redução
de assimetrias territoriais em ativos de CT&I e ampliação de autonomia a pessoas com
deficiência e mobilidade reduzida. Dentre essas iniciativas, selecionamos dois temas para
aprofundamento, de modo a constituírem os dois casos em análise neste trabalho, os
processos de política estadual de fomento a tecnologia assistiva (TA) e de tecnologia social
(TS).
Nos capítulos anteriores, particularmente nos capítulos 4 e 5 para TA e nos 6 e 7 para
TS, buscamos analisar intrinsecamente cada caso, em suas respectivas conjunturas e processos
de política. Nesta conclusão, procuramos fazer algumas discussões de análise inter casos e,
baseados nestes, assinalar alguns apontamentos na direção do referencial teórico adotado, bem
como na direção de contribuir com o fortalecimento destes processos de política no que tange
a oportunidades de aprendizados para seus defensores.
Assim, esta conclusão está dividida em duas seções. A primeira está voltada aos
apontamentos sobre a concepção de coalizão de defesa no bojo do quadro teórico adotado e
dos processos de política para enfrentamento das desigualdades analisados, com vistas a
identificar limitações e potencialidades para formação de coalizões de defesa. A segunda
seção remete outros apontamentos de estudos futuros.
384

8.1 ARTICULAÇÕES NO PROCESSO DE POLÍTICA PARA ENFOQUES DE


ENFRENTAMENTO DAS DESIGUALDADES: LIMITAÇÕES E POTENCIALIDADES
PARA FORMAÇÃO DE COALIZÕES DE DEFESA

Esta pesquisa, ao analisar temas de enfrentamento das desigualdades na política de


CT&I (TA e TS), os quais somente recentemente conseguiram alcançar a agenda política
estadual, resultou por caracterizar-se enquanto estudo de coalizão de defesa que podemos
considerar na condição de emergente ou nascente. Esta condição revela desafios próprios à
formação e à consolidação de coalizão, seja em termos de estabelecer coesão interna (tanto no
que tange ao compartilhamento de crenças, quanto à coordenação coletiva de ações e
recursos), seja em termos de lidar com conflitos gerados por espaço no processo de política
perante coalizões previamente existentes e predominantes. Nesta seção, discutiremos alguns
aspectos destes desafios observados.

8.1.1 O papel de atores em posições chaves: os empreendedores e os intermediários de


políticas (policy brokers)

Como indicamos no capítulo 1, Jenkins-Smith et al. (2017) haviam realçado como


agenda de pesquisa no quadro de referência de coalizão de defesa estudos sobre a função e
características dos atores considerados com atuações excepcionais ou em posições chaves,
como são o caso de empreendedores das políticas e os intermediários de políticas (policy
brokers) para a promoção de aprendizados e mudanças nos processos de políticas.
Em nossa pesquisa, reconhecemos que no processo de política estadual de fomento a
TA, uma pesquisadora exerce papel que podemos caracterizar enquanto empreendedora
política. Esse papel foi exercido tanto em termos de buscar dar visibilidade ao tema perante
dirigente governamental, como foi o exemplo da iniciativa em torno da 1ª Feira Paraense de
Tecnologia Assistiva Acessibilidade e Inclusão Social das Pessoas com Deficiência Feira e
sua articulação para conseguir espaço na agenda junto ao governador do estado; quanto para
mobilizar outros atores políticos, no caso da política de CT&I, principalmente pesquisadores
(mesmo aqueles que não havia atuado na temática) para atuação em projetos conjuntos ou
incentivo a proporem projetos próprios.
O caso do processo de fomento a TA no estado demonstra que a articulação de uma
empreendedora de política foi relevante, por um lado, para emergência da temática à agenda,
alinhada a ascensão desta temática também no nível federal, condição que consideramos criou
385

estímulo de reforço no nível estadual que a empreendedora, estando articulada ao programa


federal, conseguiu mobilizar a favor da temática de TA na política estadual. Por outro lado,
entendemos como importante também para a própria formação de uma coalizão de defesa à
temática no âmbito estadual, uma vez que, a chegada de uma temática à agenda (no caso o
fomento a TA) não pressupõe a existência prévia de coalizão de defesa143 no estado que lhe
confira o suporte necessário na policy e na politics para sua continuidade e fortalecimento
neste.
Neste aspecto de indução a formação de coalizão de defesa, outras iniciativas
relacionadas à formação de laços sociais, compartilhamento das crenças e aprendizados sobre
práticas sociais (no caso da política de CT&I são relevantes às próprias práticas de P&D)
tornam-se papel necessário ao empreendedor da política. Estas atividades são observáveis no
caso de TA, pela realização de fóruns e feiras sobre TA (enquanto espaços não somente de
visibilidade, mas de compartilhamento de aprendizados e mobilização científicos/acadêmicos)
por iniciativa da pesquisadora empreendedora, e pela articulação de convites a outros
pesquisadores em atuar em projetos conjuntos, que reforça a capacidade de mobilização em
torno do tema.
No caso do processo da política estadual de TS, não conseguimos identificar ator
político que tenha exercido o papel de empreendedor por tempo suficientemente perene,
principalmente no âmbito das práticas acadêmicas, ao considerar a predominância da
comunidade de pesquisa como ator legitimador de política no domínio de CT&I. Esta lacuna
de papel pode ser fator limitante para a formação de coalizão de defesa de TS no processo de
política estadual.
Como vimos no capítulo 7, embora tenhamos encontrado atores (pesquisadores e
burocratas) com crenças relativamente semelhantes sobre TS, os pesquisadores responsáveis
por projetos relataram falta de interações com outros pesquisadores fomentados, e uma
interação que tende a ser pontual com o corpo burocrático da CTDS/SECTET.
Compreendemos esta dificuldade de interação como lacuna importante na capacidade de
organização da ação coletiva, condição pressuposta em coalizão de defesa, o que fragiliza a
defesa desta temática no processo de política. Tais interações poderiam ser articuladas e
incentivos por um empreendedor de política, inclusive por iniciativas semelhantes aquelas

143
Lembramos que, como proposto por Sabatier (1993), a existência de uma coalizão de defesa não pode ser
assumida a priore no processo de política, mas verificada em termos de suas condições essenciais, o
compartilhamento de um sistema de crenças entre atores políticos e a coordenação coletiva destes de uma forma
não-trivial.
386

acima mencionadas no caso de TA, porém não reconhecemos neste caso o exercício deste
papel.
Cabe consideramos que a chegada à agenda da temática de TS teve trajetória bastante
distinta daquela de TA. A estratégia adotada pela empreendedora da política de TA, dada a
marginalidade deste tema na agenda de CT&I, foi buscar apoio junto ao chefe do executivo
estadual (governador do estado), articulando interações na política de CT&I, mas também na
política de assistência social e de saúde (intersetorialidades no âmbito da TA). No entanto, a
ascensão do tema de TS na agenda de CT&I foi construída dentro da própria estrutura da
secretária de estado responsável por esta pasta (SECTI à época), tendo origem que
entendemos mais centrada ao processo decisório governamental da CT&I, e, portanto, mais
relativamente dependente deste.
O papel chave que compreendemos que foi e vem exercido a emergência e
manutenção da política estadual de TS é o de intermediário da política (policy brokers), ator
político em posição chave no processo decisório da política que media disputas entre grupos
de atores, com a preocupação principal de estabelecer um nível de compromisso razoável ao
desenvolvimento da política, com a redução de intensidade de conflitos (JENKINS-SMITH;
SABATIER, 1994).
Compreendemos que a criação da DTS e manutenção da CTDS, durante o período
estudado, reflete a disposição do dirigente estabelecer algum espaço na agenda, por mais que
marginal, à temática de inclusão e desenvolvimento social na CT&I. Contudo, observamos
que, apesar do intermediário da política compor papel relevante para a emergência e
manutenção da temática na agenda (assim, de certa forma operando um efeito similar ao papel
do empreendedor), este não cumpre função em relação à formação de coalizão de defesa,
como aquelas do empreendedor, uma vez que o intermediário não integra ou atua
efetivamente na temática em promoção.
Estes apontamentos, quanto às diferenças entre os papéis exercidos pelas distintas
posições chaves (empreendedores e intermediários de políticas), demonstram ter
rebatimentos, não somente nos processos de mudança da política pelas diferentes interações
destes com possíveis coalizões de defesa. Mas, porque estes papéis incidem em condições que
favorecem a própria formação ou não de coalizão de defesa no processo da política, direção
de pesquisa que consideramos possa contribuir para o quadro de referência de coalizão de
defesa.
Em termos de oportunidades para fortalecimento das temáticas para enfrentamento das
desigualdades na política de CT&I, MacLachlan et al. (2018) já indicavam a importância do
387

papel dos empreendedores políticos, inclusive sugerindo a necessidade de comprometimento


de vários empreendedores políticos nos diversos domínios e níveis do processo de política.
Assim, o engajamento de empreendedores da política demonstra-se um fator potencializador
para a formação de coalizão de defesa e a consolidação destas temáticas.
Entretanto, tratando-se da política de CT&I e reportando-nos às estratégias formuladas
por Dagnino e Bagatolli (2009), é relevante este engajamento em relação aos membros da
comunidade de pesquisa, devido à legitimidade deste ator na política, bem como dos sujeitos
do corpo burocrático, ainda em formação no âmbito da política de CT&I no estado do Pará.
Ao considerar as interações entre o campo das práticas de pesquisa e o das práticas de
política, a presença dos empreendedores da política, nestas temáticas na comunidade de
pesquisa, são essenciais para efetivar uma mobilização política.
Mas, o desenvolvimento dos atores políticos para estes papéis envolve construção de
certo reconhecimento por pares da representatividade deste ator no campo da temática, bem
como a adoção de posturas que tendem a divergir das práticas convencionais, como uma
atuação a promover interações interdisciplinares e interinstitucionais e, adotar posições de
ênfase colaborativa, mesmo em meio a comportamentos competitivos. Estas posturas, embora
estejam alinhadas as disposições idealizadas para uma CT&I orientada à sociedade (e possam
mesmo parecer ingênuas ou simplórias de serem sugeridas), em geral, tornam-se difíceis de
serem efetivadas por se contraporem as práticas estabelecidas.

8.1.2 Alinhamento e disseminação de crenças: desafios de estabilização de discurso para


coesão na coalizão de defesa

A noção de coalizão de defesa no processo de política traz certa tensão entre um


movimento de busca de coesão interna (intracoalizão), pelo compartilhamento de crenças, e
um movimento de tendência a conflitos externos, pelas disputas entre diferentes sistemas de
crenças (como significados, prioridades e orientações para ação política), que aplicamos
enquanto a ideia de disputas discursivas. No entanto, ao abordar coalizões de defesa
nascentes, o olhar é direcionado para o processo constitutivo de elaboração e alinhamento
dessas crenças.
Nos casos analisados, observamos o esforço de elaboração discursiva explícita da
posição analítica-conceitual em cada temática, de modo a constituir o sistema de crenças de
coalizões de defesa em formação. Em termos dos exames de conjuntura de TA (capítulo 4) e
TS (capítulo 6), observamos o desenvolvimento no âmbito da TA da construção da posição
388

discursiva do modelo social de deficiência associado ao paradigma tecnológico-ecológico (no


contexto brasileiro houve a busca de associação ao próprio marco conceitual da TS) em
contraposição ao modelo médico, alinhado ao paradigma de déficit individual. No caso da TS,
verificamos esse tipo de movimento para estabelecimento de marco analítico-conceitual
explícito para TS, no sentido de produção de conhecimento codificado (transmissível na
linguagem formal e sistemática), aplicável para a disseminação do sistema de crenças.
Compreendemos que a construção destes marcos analítico-conceituais é o designador do
sistema de crenças das coalizões de defesa e que, tais marcos exercem orientações discursivas
em termos de ordenamento da ação para a política.
Nos casos subnacionais que estudamos, os atores locais tenderam a aderir e interagir
nesse processo de construção mais ampla no âmbito nacional, o que, por um lado, entendemos
que apresenta efeito indutor positivo à formação das coalizões no subsistema de política
subnacional. Porém, por outro lado, esta indução existente na conjuntura sociopolítica não é
por si suficiente para promover a conformação de coalizões de defesa locais (nos âmbitos
subnacionais), pois é necessário que os atores locais se apropriem destas posições discursivas
e criem dinâmicas de interações locais para aprendizados da política, de modo a conduzir a
agregação de diferentes atores locais em torno de um sistema de crenças, com um nível de
coesão substancial.
No caso de TA, identificamos que a criação e realização dos Fóruns e Feiras sobre TA
funcionou como estratégia do estabelecimento de espaço da interação que permita alguma
aglutinação de atores locais em torno da discussão, apropriação e construção de conhecimento
e experimentação sobre a temática.
No caso de TS, verificamos que a maioria dos pesquisadores envolvidos em projetos
financiados veio a conhecer construções conceituais nacionais, principalmente aquelas
disseminadas pela RTS e FBB. Porém, não assinalaram um espaço/evento em que essas
construções analítico-conceituais possam ser objeto de interação e agregação entre atores
locais, embora a RTS-PA pudesse, hipoteticamente, figurar como um tipo de espaço para
tanto.
Isto posto, verificamos que o estabelecimento de espaços e mecanismos de processos
educacionais e formativos sobre os marcos analítico-conceituais é ação relevante para
propiciar apropriação e agregação dos atores que levem à conformação do sistema de crenças
(estabilização discursiva) da coalizão de defesa em formação e constitua seus processos de
aprendizado da política.
389

Em termos da análise de contexto periférico da política de CT&I, cabe observamos


que não seja incomum que atores locais tenham maior incentivo do sistema a buscarem
interação com pares em contexto central (tendência de busca colaborativa pela possibilidade
destes pares terem maior acesso a recursos, cognitivos e materiais, de suas posições centrais),
do que com seus pares locais (tendência à competição por acessos a recursos locais escassos).
Embora esta tendência à competitividade interna no campo temático local não seja um
determinante (como no próprio caso de TA não foi realçado pelos atores), entendemos como
possível dificuldade a ser considerada para formação e crescimento das coalizões de defesa na
política de CT&I subnacional, particularmente em temas marginais na agenda, que envolve a
outra categoria básica do conceito de coalizão de defesa, a coordenação de ação coletiva de
modo não-trivial.

8.1.3 Mobilização e coordenação não-trivial de ações coletivas

Como vimos, duas categorias básicas conformam a condição de existência de uma


coalizão de defesa, o compartilhamento de um sistema crenças e a coordenação não-trivial das
ações coletivas de seus membros. Portanto, a presença por si de um marco analítico-
conceitual (mesmo que em alguma medida compartilhado) não caracteriza a existência de
uma coalizão de defesa sem que sejam observadas ações coordenadas entre seus membros
para influenciar o subsistema da política.
Jenkins-Smith et al. (2017) indicam que a forma como as coalizões superam as
dificuldades para alcançar uma ação coletiva é um dos argumentos teóricos que ainda não
foram suficientemente desenvolvidos no quadro de referência das coalizões de defesa. Sobre
esta questão, entendemos que é realçada ao analisar coalizões nascentes, pois, no período de
formação da coalizão, a superação das dificuldades para estabelecimento de ação coletiva é
uma condicionante crítica, enquanto um movimento de ruptura da inércia. Esses autores
destacaram três bases lógicas que afetam a dinâmica de ação coletiva em uma coalizão: (1)
redução de custos de transação pelo compartilhamento de um mesmo sistema de crenças; (2)
engajamento de atores em diferentes formas de coordenação com níveis de intensidade (desde
formas menos intensas, como a compartilhamento de informações até formas mais intensas,
como executar planos conjuntos) e; (3) percepção de ameaças externas de coalizões opostas
conduzem a uma ampliação de custo de não-ação aos membros da coalizão.
No caso estudado de TA, compreendemos que há uma aglutinação de rede de relações
entre atores em torno da estrutura do NEDETA, onde identificamos a atuação da
390

empreendedora política. As principais formas de coordenação de ação coletiva relatadas estão


na execução dos projetos de pesquisa e desenvolvimento de TA, realização de eventos,
compartilhamento das informações sobre editais e oportunidades similares. De modo que,
percebemos que as formas de coordenação estão mais intensamente centradas sobre a
empreendedora política e que tendem às atividades no âmbito da pesquisa e da extensão, do
que do processo da política.
Apesar de reconhecer que a coordenação coletiva das ações no âmbito da pesquisa
tenha rebatimentos relevantes na política de CT&I, pela predominância dos atores vinculados
à comunidade de pesquisa, consideramos que uma coordenação coletiva mais densa de ações
próprias para influenciar o processo de política ainda está em formação. E, no que tange a
defesa de ações para enfrentamento das desigualdades na política de CT&I, ponderamos sobre
a importância o desafio dessas coalizões de integrarem nelas atores sociais diversos (para
além dos membros da comunidade de pesquisa), especialmente dos grupos sociais em
desvantagem, que são alvos das suas ações, com vistas a possibilitar o empoderamento destes,
enquanto redução das assimetrias representacionais na política.
No caso de TS, como já havíamos comentado, a lacuna de interações entre os
pesquisadores é reconhecida. E interpretamos como obstáculo à formação de coalizões na
temática. Os atores políticos, principalmente pesquisadores e membros do corpo burocrático,
ao tratarem sobre a questão da possibilidade de interação, indicaram percepção que esta seria
positiva, ou mesmo necessária, para o adequado desenvolvimento dos projetos e ações
articuladas em comunidades. Contudo, não identificamos o engajamento destes em tomar
iniciativas nesta direção, ou seja, a assumir o papel de empreendedores no campo da política,
observando que os pesquisadores, em geral, se mantêm em atuações mais centradas no campo
da pesquisa e extensão.
Ante o exposto, verificamos que o compartilhamento de um sistema de crenças não
tem se demonstrado suficiente para reduzir custos de transação e promover a construção
discursiva conjunta a ponto de efetivar articulações das ações coletivas entre os atores locais.
E, não localizamos atores políticos atuando em formas de coordenação mais intensas nesta
temática no âmbito estadual.
Neste sentido, cabe indicarmos que, sendo a política no âmbito do governo estadual
uma fonte de recursos residual na estrutura de financiamento da CT&I, ainda mais nesta
temática marginal em que os investimentos eram baixos e esporádicos, entendemos que não
gerava estímulo para relevante esforço nos atores locais para mobilização para influenciá-la.
Visto que a articulação em outros âmbitos (nas instituições de vínculo, em agências federais
391

etc.) teriam maiores retornos aos esforços de mobilização. Estes são aspectos que
consideramos terem limitado o desenvolvimento de uma coalizão de defesa para TS no
âmbito estadual.
O lançamento regular de editais específicos, como o lançado em 2017 pela SECTET,
pode ter efeito indutor para a articulação dos atores locais, bem como outras iniciativas a
partir da estrutura da SECTET (como, por exemplo, havia sido a tentativa da RTS-PA).
Porém, estas induções, para terem efeitos de mobilização política, requerem maior
perenidade, além de que, consideramos que seja necessário, à formação de coalizão, o
engajamento dos atores locais em interações e formas de coordenações mais intensas.

8.1.4 Tensões e ambiguidades em coalizão de defesa nascente ou minoritária

Outra dificuldade que observamos à emergência de uma nova coalizão de defesa,


especialmente em posição minoritária (como tendem a ser as temáticas distributivas na
política CT&I), relaciona-se as formas e estratégias de alcance dos recursos no processo da
política, devido às divergências entre as orientações discursivas desta posição minoritária e as
práticas sociais predominantes orientadas pelos discursos dominantes.
No caso da política de CT&I, em virtude da predominância da comunidade de
pesquisa como ator chave do seu processo decisório, concebemos que o acesso aos recursos
relevantes no âmbito da política (cargos e posições de influência chaves, prestígio ou
reconhecimento político por pares, capacidade de mobilização) são inter-relacionados ao
acesso a recursos relevantes no âmbito da pesquisa (como financiamentos,
desempenho/produção científica e tecnológica, prestígio ou reconhecimento científico por
pares). O acesso a estes recursos é realizado por meio das práticas sociais institucionalizadas
(como critérios e requisitos de atendimentos a editais, índices de produtividade, padrões de
publicação científica), orientadas pelo(s) discurso(s) dominante(s), são funcionais a manter o
status quo deste(s).
Deste modo, atores políticos alinhados às posições de uma CT&I orientada para a
sociedade tendem a serem mais expostos às ambiguidades, tanto em relação ao exercício do
sistema de crenças (orientações discursivas), quanto à coordenação coletiva para acesso de
recursos. Isso porque este ator político para alcançar acesso a determinado nível de recursos
na política (e na pesquisa) precisa, em alguma medida, aderir às práticas sociais
institucionalizadas no campo, as quais seu sistema de crença tende a divergir.
392

Por isso, esta maior exposição às ambiguidades sugere duas dificuldades que exigem
maior esforço aos membros das coalizões nascentes. A primeira se refere a um esforço
constante de vigilância e alinhamento entre as práticas cotidianas realizadas e as práticas
alinhadas ao marco analítico-conceitual construído (sistema de crenças). A segunda é
conseguir construir e colocar práticas disruptivas em ação, ao mesmo tempo em que mantém
certo grau de execução e aderência a práticas sociais estabelecidas que sustente acesso a
recursos relevantes.

8.1.5 Disputas discursivas: sobreposição dos desafios dos processos formativos e das
dificuldades da conformação discursiva no jogo da política

Pelo que acompanhamos, uma vez que alguma temática distributiva emerge na
agenda, provoca desestabilização no discurso de ênfase agregativo predominante na política
de CT&I. Deste modo, ao mesmo tempo em que uma coalizão de defesa nascente desta
temática enfrenta desafios próprios do processo de formação, também tenderá a ser
confrontada com disputas discursivas por outra(s) coalizão(ões) alinhada(s) a discurso(s)
predominante(s) desestabilizado(s) (conflitos intercoalizões).
Nas análises de conjunturas de TA e TS vimos que uma estratégia de reestabilização
discursiva de coalizões pré-existentes se dá pela busca de captura do tema na agenda por meio
de uma (res)significação deste para o mais próximo possível de sua posição discursiva
original. Deste modo, a mesma temática tende a ter em disputa diferentes enfoques
propositivos de enfrentamento das desigualdades (conforme figura 9), que geram práticas com
contornos distintos.
As posições discursivas para enfrentamento das desigualdades, a partir dos discursos
com ênfase agregativa na política (C&T auto orientada e CT&I orientada para o mercado),
tendem a adotar contornos reformistas, como propõe Vasen (2016), que embora tragam um
enfoque de redução de assimetrias distribucionais entre diferentes grupos sociais, estas
posições tornam-se mais limitadas em relação a um direcionamento da redução das
assimetrias estruturais e de assimetrias representacionais na política de CT&I.
393

Figura 9 – Posições discursivas em temáticas para enfrentamento das desigualdades a partir das
orientações discursivas na política de CT&I

Fonte: Elaborada pela autora (2019).

Contudo, também constatamos que os níveis de conflitos entre estas disputas


apresentam-se distintamente. No caso de TA, não foi frequente expressões explícitas desses
conflitos por parte dos pesquisadores nas entrevistas, conforme citações no capítulo 5 e, estes
tendiam às posições menos divergentes das práticas sociais de P&D estabelecidas,
principalmente quanto à participação limitada de pessoas com deficiência nos projetos de
P&D e no próprio âmbito da política. No caso de TS, as expressões de conflitos discursivos
entre a concepção de TS e concepções de CT&I predominantes na política foram mais
frequentes, conforme citações no capítulo 7. Bem como, a preocupação com práticas que
favorecessem o engajamento das comunidades nos projetos e a interação destas para
empoderamento sobre as soluções tecnológicas desenvolvidas, também foram realçadas, em
posição mais divergente em relação às práticas predominantes.
Entendemos que a percepção dos níveis diferenciados de conflitos, pelos
pesquisadores, se associa ao grau de divergência destes das práticas adotadas pelo enfoque
para o enfrentamento das desigualdades sociais correntes. De modo que, quanto maior a
divergência das orientações discursivas de práticas, mais intenso é percebido o conflito e a
exposição às ambiguidades pelos atores políticos em defesa de temáticas marginais.

8.2 OUTROS APONTAMENTOS PARA ESTUDOS FUTUROS

Para além dos apontamentos da seção anterior, mais relacionados aos aspectos de
discussão do quadro de referência de coalização de defesa adotado, nesta seção tratamos
394

adicionalmente de três tópicos: a análise de processos de política de CT&I em contexto


subnacional, a investigação de outras temáticas para enfrentamento de desigualdades e
oportunidades para ampliação de escopo de pesquisas.
No que tange a pesquisa sobre processos de política de CT&I em contexto
subnacional, observamos que, embora encontremos práticas de descentralização induzida pelo
governo federal, órgãos estaduais permanecem com considerável autonomia relativa sobre
níveis de investimentos, diretrizes formais e da estrutura burocrática. Contudo, também
localizamos forte influência de algumas orientações nacionais, principalmente o
compartilhamento dos sistemas de crenças predominantes entre membros da comunidade de
pesquisa. No entanto, esta pesquisa tinha como limite estabelecido a análise dos processos de
política somente no âmbito do estado do Pará, de modo que sugerimos que outros estudos, em
contextos subnacionais, sejam realizados de forma a auxiliar a entender o mosaico da política
de CT&I no Brasil.
Também realçamos que esta pesquisa se restringiu a analisar duas temáticas para
enfrentamento das desigualdades no processo de política, TA e TS. Do ponto de vista da
agenda da política estadual de CT&I ainda havíamos apontado, no capítulo 3, outras temáticas
que podem vir a ser estudadas. Assim como, consideramos que venha a ser relevante a
investigação das temáticas que não alcançaram a agenda da política (como temas de
desigualdades de gênero e étnico-raciais) para compreender suas dificuldades e obstáculos de
ascensão a agenda de CT&I.
Por fim, indicamos a limitação do desenho de pesquisa quanto a seu enfoque sobre os
processos de política estadual, que esteve voltado às ações que compuseram a agenda
governamental de cada temática. Esse desenho, por um lado, nos permitiu ter uma visão do
processo de política mais próxima aos pontos chaves dos processos decisórios, na SECTET e
FAPESPA e junto aos pesquisadores fomentados. Por outro lado, permaneceu latente uma
visão a partir dos grupos sociais alvos das ações para enfrentamento das desigualdades, ou
organizações da sociedade civil de representação destes. Portanto, recomendamos para
estudos futuros a integração deste público, ou mesmo, a realização dos desenhos de pesquisa
específicos para análises centradas nestes.

8.3 CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

Dos casos analisados vimos que a emergência e articulação das políticas de TA e TS


no âmbito do governo estadual do Pará, enquanto compondo pautas de enfrentamento das
395

desigualdades, corroboradamente ocorreram de modo marginal na agenda política. E tiveram


a presença de atores políticos em papéis chaves, de intermediário ou de empreendedor na
política, sendo este último com função relevante para coordenação da ação coletiva na
formação de coalizão de defesa.
Também verificamos que os envolvimentos dos atores políticos, nestas ações,
abrangeram a adequação e apropriação por estes dos enfoques discursivos específicos à
concepção e ação na temática própria a TA e TS. Aprendizados em relação às questões de
interdisciplinaridades e de interação com os públicos-alvo foram relatados por atores que se
inseriram nestas temáticas. No entanto, foram assinaladas tensões entre as práticas sociais
institucionalizados e as práticas alinhadas a um discurso da CT&I orientada para a sociedade,
principalmente no que tange a participação dos membros do público-alvo (em geral grupos
sociais em algum processo de exclusão na sociedade) no processo de desenvolvimento
tecnológico e no próprio processo decisório da política. Esta lacuna consideramos um limite
relevante para a articulação destas temáticas em políticas, cuja abrangência de enfrentamento
das desigualdades alcancem múltiplas dimensões (distributivas, estruturais e
representacionais).
Em termos de enfoques discursivos, compreendemos que aqueles alinhados com um
discurso de CT&I orientado para a sociedade tenderam a ter maior alcance para
enfrentamento das múltiplas dimensões das desigualdades. Porém, apresentaram dificuldades
devido a maior divergência com as práticas sociais institucionalizadas e as tensões discursivas
nas práticas de desenvolvimento tecnológico e de política.
Para além das disputas na agenda entre as pautas tradicionalmente agregativas e
distributivas, a emergência das pautas distributivas na política, mesmo em posições marginais,
resulta em desestabilização nos discursos predominantes (C&T auto orientada e CT&I
orientada para o mercado), os quais tendem a se reorganizarem em enfoques discursivos
responsivos a tais pautas, estabelecendo, assim, posições reformistas que atuam em disputas
discursivas dentro destas pautas, buscando menor abrangência de mudanças nas práticas
sociais em vigor.
Em termos de exame de efetividade, ambos os processos de política estudados foram
finalisticamente direcionados para atendimento de públicos-alvo que sofrem formas de
desigualdades. A maioria dos projetos financiados alcançaram o desenvolvimento de produtos
e/ou atividades disponibilizados para públicos-alvo, por canais de distribuição públicos (por
financiamento governamental ou por meios gratuitos), o que identificamos como positivo.
396

Contudo, a articulação dos canais de disseminação, com vistas à ampliação de


atendimento, é ponto examinado de fragilidade e que, em geral, esteve sob a responsabilidade
exclusiva dos pesquisadores. Entendemos que articulações intersetoriais sejam uma questão
fundamental neste aspecto, porém, embora esta importância seja reconhecida por vários atores
políticos, abordagens sistemáticas para estas articulações não foram desenvolvidas. Parte
desta lacuna compreendemos estar relacionada com a tendência de insulamento da política de
CT&I, influenciada pelo discurso da C&T auto orientada. E, quando há iniciativas de
incentivar um diálogo intersetorial (como no caso dos conselhos da pasta), estas buscam
vinculações com políticas dos setores produtivos e empresariais, influenciada pelo discurso da
CT&I orientado para o mercado.
397

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WEIBLE, C. M. C. M.; SABATIER, P. A. P. A.; MCQUEEN, K. Themes and variations:


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WEIBLE, Christopher. Introduction: the scope and focus of policy process research and
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ZULIAN, Maria Aparecida Ramires; ZANETTI, Andressa Ipólito Fonseca. O Acesso à


Tecnologia Assistiva a partir das Iniciativas Públicas para a Pesquisa e Desenvolvimento no
Brasil. Revista da Sobama, v. 16, n. 2, p. 29-36, 2015.
414

APÊNDICE A
QUADRO DE EDITAIS LANÇADOS DIRETAMENTE PELA FAPESPA NO ÂMBITO DO FOMENTO ESTADUAL DE CT&I, NO
PERÍODO DE 2008 A 2011.
Parceiro
Valor total
Ano Edital-Nº Edital-Descrição Categoria de fomento financiador ou
previsto
Cofinanciador?
Bolsas para pós-graduação
2008 001/2008 CONCESSÃO DE BOLSAS DE MESTRADO E DE DOUTORADO 2.451.540,00 -
stricto sensu
Bolsas para programas de
2008 002/2008 PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIBIC S/I S/I
iniciação científica
EDITAL UNIVERSAL - SELEÇÃO PÚBLICA DE PROJETOS DE PESQUISA
2008 003/2008 Projeto de pesquisa C&T 3.000.000,00 -
CIENTÍFICA, TECNOLÓGICA E INOVAÇÃO
2008 004/2008 PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO REGIONAL – DCR Projeto de pesquisa C&T S/I CNPq
2008 005/2008 APOIO À REALIZAÇÃO DE EVENTOS CIENTÍFICOS Projeto de eventos C&T 600.000,00 -
PROGRAMA DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA JÚNIOR NO ESTADO DO Bolsas para programas de
2008 006/2008 S/I CNPq, SEDUC/PA
PARÁ iniciação científica Jr
PROGRAMA DE APOIO A PARTICIPAÇÃO EM EVENTOS CIENTÍFICOS E Auxílio a participação em
2008 007/2008 550.000,00 -
TECNOLÓGICOS eventos C&T
Projeto de P&D e inovação
2008 009/2008 PROGRAMA PARAENSE DE APOIO A PESQUISA NA EMPRESA 1.880.000,00 FINEP
em empresas
Projeto para popularização de
2008 010/2008 PROGRAMA PARÁ FAZ CIÊNCIA NA ESCOLA – PPCE 1.080.000,00 SEDUC/PA
C&T
INFOCENTROS NAVEGAPARÁ: AÇÕES COLABORATIVAS PARA CIDADANIA
2008 013/2008 Projeto de inclusão digital 600.000,00 -
DIGITAL – INFOCENTROS
REDES COOPERATIVAS DE PESQUISA CIENTÍFICA, TECNOLÓGICA E DE
2008 014/2008 INOVAÇÃO EM ÁREAS DE INTERESSE DO SISTEMA PARAENSE DE Projeto de pesquisa C&T 10.000.000,00 -
INOVAÇÃO (SIPI)
SELEÇÃO DE PROJETOS PARA APOIO A CONSOLIDAÇÃO DE PROGRAMAS Projeto de programas de pós-
2008 015/2008 1.000.000,00 -
DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU – POSGRAD FAPESPA graduação
PROGRAMA DE APOIO À PUBLICAÇÃO DE REVISTAS, LIVROS, PERIÓDICOS Projeto de publicações tecno-
2008 016/2008 500.000,00 -
E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA científica
APOIO A GRUPOS DE PESQUISA VINCULADOS A PROGRAMAS DE PÓS- Projeto de programas de pós-
2008 017/2008 2.000.000,00 -
GRADUAÇÃO DE INSTITUIÇÕES LOCALIZADAS NO ESTADO DO PARÁ graduação
PROGRAMA DE APOIO A PROJETOS DE PESQUISA E EXTENSÃO
2008 018/2008 Projeto de pesquisa C&T 1.200.000,00 -
TECNOLOGICA INOVADORA Á AGRICULTURA FAMILIAR
2008 019/2008 PROGRAMA DE DIFUSÃO TECNOLÓGICA ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS Projeto de P&D e inovação 600.000,00 SEBRAE/PA
415

Parceiro
Valor total
Ano Edital-Nº Edital-Descrição Categoria de fomento financiador ou
previsto
Cofinanciador?
(MPE) INSERIDAS EM ARRANJOS PRODUTIVOS NO ESTADO DO PARÁ em empresas
Bolsas para pós-graduação
2008 020/2008 CONCESSÃO DE BOLSAS DE MESTRADO E DE DOUTORADO 3.888.000,00 -
stricto sensu
CONCESSÃO DE BOLSAS DE MESTRADO E DE DOUTORADO PARA A CADEIA Bolsas para pós-graduação
2008 021/2008 3.888.000,00 VALE S.A.
DE NEGÓCIOS DA MINERAÇÃO NO ESTADO DO PARÁ stricto sensu
INFOCENTROS NAVEGAPARÁ: AÇÕES COLABORATIVAS PARA CIDADANIA
2008 022/2008 Projeto de inclusão digital 600.000,00 -
DIGITAL
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO
2009 001/2009 Projeto de pesquisa C&T 1.696.000,00 CNPq
REGIONAL – UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PARÁ – DCR
PROGRAMA DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA JÚNIOR NO ESTADO DO Bolsas para programas de
2009 007/2009 1.304.000,00 CNPq, SEDUC
PARÁ iniciação científica Jr
CONCESSÃO DE BOLSAS DE APOIO AOS INFOCENTROS DO PROGRAMA Bolsas para programa de
2009 008/2009 1.121.400,00 BASA
NAVEGAPARÁ inclusão digital
2009 009/2009 APOIO A REALIZAÇÃO DE EVENTOS CIENTÍFICOS Projeto de eventos C&T 150.000,00 -
Bolsas para programas de
2009 010/2009 PROGRAMA DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA - FAPESPA 612.000,00 -
iniciação científica
2009 011/2009 PROGRAMA PRIMEIROS PROJETOS - PPP - FAPESPA/CNPQ Projeto de pesquisa C&T 1.050.000,00 CNPq
PROGRAMA DE APOIO A NÚCLEOS DE EXCELÊNCIA
2009 012/2009 Projeto de pesquisa C&T 7.200.000,00 CNPq
PRONEX/FAPESPA/CNPQ
PESQUISA PARA O SUS: GESTÃO COMPARTILHADA EM SAÚDE PPSUS CNPq/DECIT/MS,
2009 013/2009 Projeto de pesquisa C&T 4.200.000,00
MS/CNPQ/FAPESPA/SESPA SESPA
PROGRAMA DE APOIO A NÚCLEOS DE EXCELÊNCIA
2009 014/2009 Projeto de pesquisa C&T 1.500.000,00 CNPq, SEMA
PRONEX/FAPESPA/CNPQ - MUDANÇAS CLIMÁTICAS
FAPEAM,
REDE AMAZÔNICA DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO DE
2009 015/2009 Projeto de pesquisa C&T 6.300.000,00 FAPEMA,
BIOCOSMÉTICOS (REDEBIO)
FUNTAC, SECTO
CONCESSÃO DE TAXA DE BANCADA PARA MESTRADO E DOUTORADA NA
2009 018/2009 Projeto de pesquisa C&T 70.000,00 VALE S.A.
CADEIA DE NEGÓCIOS DA MINERAÇÃO NO ESTADO DO PARÁ
CONCESSÃO DE BOLSAS PARA PARTICIPAÇÃO EM CURSO DE Bolsas para pós-graduação
2009 019/2009 150.000,00 SEBRAE/PA
ESPECIALIZAÇÃO EM MASTER DESIGN lato sensu
SELEÇÃO DE TUTORES PARA O CURSO À DISTÂNCIA DE
Bolsas de programas
2009 020/2009 APERFEIÇOAMENTO DE EDUCAÇÃO PERMANENTE EM ATENÇÃO PRIMÁRIA 336.000,00 S/I
institucionais
EM SAÚDE NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA
SELEÇÃO DE FACILITADORES PARA O CURSO À DISTÂNCIA DE Bolsas de programas
2009 021/2009 871.200,00 S/I
APERFEIÇOAMENTO DE EDUCAÇÃO PERMANENTE EM ATENÇÃO PRIMÁRIA institucionais
416

Parceiro
Valor total
Ano Edital-Nº Edital-Descrição Categoria de fomento financiador ou
previsto
Cofinanciador?
EM SAÚDE NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA
APOIO A ELABORAÇÃO DE PLANO DE NEGÓCIOS PARA MPE COM PERFIL Projeto de P&D e inovação
2009 022/2009 200.000,00 SEBRAE/PA
INOVADOR PARA O PARQUE DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO GUAMÁ em empresas
PROGRAMA PESQUISA PARA O SUS: GESTÃO COMPARTILHADA EM SAÚDE -
2009 023/2009 Projeto de pesquisa C&T 1.800.000 CNPq/DECIT/MS
PPSUS FAPESPA/SESPA/DECIT - MS/CNPQ
CONCESSÃO DE BOLSAS DE APOIO AOS INFOCENTROS DO PROGRAMA Bolsas para programa de
2009 024/2009 1.121.400,00 BASA
NAVEGAPARÁ inclusão digital
APOIO A ELABORAÇÃO DE PLANO DE NEGÓCIOS PARA MPE COM PERFIL Projeto de P&D e inovação
2009 025/2009 221.064,95 SEBRAE/PA
INOVADOR PARA O PARQUE DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA GUAMÁ em empresas
Bolsas para pós-graduação
2010 001/2010 CONCESSÃO DE BOLSAS DE MESTRADO E DE DOUTORADO 3.888.000,00 -
stricto sensu
2010 002/2010 APOIO A REALIZAÇÃO DE EVENTOS CIENTÍFICOS Projeto de eventos C&T 400.000,00 -
Bolsas para programas de
2010 003/2010 PROGRAMA DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA 1.000.000.00 -
iniciação científica
2010 004/2010 PROGRAMA PARAENSE DE FIXAÇÃO DE DOUTORES (PPDOC) Projeto de pesquisa C&T 1.208.000,00 -
PROGRAMA DE CONCESSÃO DE BOLSAS PARA CAPACITAÇÃO CIENTÍFICA Bolsas de programas
2010 005/2010 1.200.000,00 CENSIPAM
E TECNOLÓGICA DO CENSIPAM institucionais
PROGRAMA DE APOIO A PROJETOS DE PESQUISA E EXTENSÃO
2010 006/2010 Projeto de pesquisa C&T 1.800.000,00 -
TECNOLÓGICA INOVADORA À AGRICULTURA FAMILIAR - PAAF
CONCESSÃO DE BOLSAS PARA O PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO, Bolsas para pós-graduação
2010 007/2010 528.000,00 VALE S.A.
CAPACITAÇÃO E DISSEMINAÇÃO DE NOVAS TECNOLOGIAS stricto sensu
CONCESSÃO DE BOLSAS DE APOIO AOS INFOCENTROS DO PROGRAMA Bolsas para programa de
2010 008/2010 1.176.000,00 BASA
NAVEGAPARÁ inclusão digital
SELEÇÃO DE FACILITADORES PARA O CURSO À DISTÂNCIA DE
Bolsas de programas
2010 009/2010 APERFEIÇOAMENTO DE EDUCAÇÃO PERMANENTE EM ATENÇÃO PRIMÁRIA 871.200,00 S/I
institucionais
EM SAÚDE NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA
PROGRAMA DE CONCESSÃO DE BOLSAS PARA CAPACITAÇÃO CIENTÍFICA Bolsas de programas
2010 010/2010 358.062,36 CENSIPAM
E TECNOLÓGICA DO CENSIPAM NA ÁREA DE METEOROLOGIA institucionais
PROGRAMA DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA JÚNIOR PARA O
Bolsas para programas de
2010 011/2010 CENTRO DE CIÊNCIAS (PLANETÁRIO) DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO 120.000,00 UEPA
iniciação científica Jr
PARÁ
FAPESPA/SEDECT/SEDUC/PRODEPA/SECOM/FUNTELPA INFOCENTROS
2010 012/2010 NAVEGAPARÁ AÇÕES PARA CONSOLIDAÇÃO DO SISTEMA PÚBLICO DE Projeto de inclusão digital 600.000,00 -
COMUNICAÇÃO DE DADOS NO ESTADO DO PARÁ
2010 013/2010 PROGRAMA PARÁ FAZ CIÊNCIA NA ESCOLA – PPCE Projeto para popularização de 5.760.000,00 SEDUC
417

Parceiro
Valor total
Ano Edital-Nº Edital-Descrição Categoria de fomento financiador ou
previsto
Cofinanciador?
C&T
PROGRAMA DE CONCESSÃO DE BOLSAS PARA CAPACITAÇÃO CIENTÍFICA Bolsas de programas
2010 023/2010 144.097,32 CENSIPAM
E TECNOLÓGICA DO CENSIPAM NA ÁREA DE METEOROLOGIA institucionais
CONCESSÃO DE BOLSAS PARA CAPACITAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA Bolsas de programas
2010 024/2010 152.129,76 CENSIPAM
DO CENSIPAM institucionais
PROGRAMA DE CONCESSÃO DE BOLSAS PARA O DESENVOLVIMENTO Bolsas de programas
2011 001/2011 1.212.000,00 CEPLAC
CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO DAS REGIÕES PRODUTORAS DE CACAU institucionais
APOIO À PESQUISA, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO EM
Projeto de P&D e inovação
2011 002/2011 MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE NA MODALIDADE 2.000.000,00 FINEP
em empresas
SUBVENÇÃO ECONÔMICA (PAPPE INTEGRAÇÃO)
BOLSAS DE APOIO AO PROJETO: “ESTUDO DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE, Bolsas de programas
2011 003/2011 2.017.839,60 IEC/MS
PESQUISA BIOMÉDICA, INOVAÇÃO E TECNOLOGIA” institucionais
CONCESSÃO DE BOLSAS DE MONITORIA PARA OS INFOCENTROS DO Bolsas para programa de
2011 004/2011 252.000,00 -
PROGRAMA NAVEGAPARÁ inclusão digital
Bolsas para pós-graduação
2011 005/2011 CONCESSÃO DE QUOTAS DE BOLSAS DE MESTRADO E DOUTORADO 3.744.000,00 -
stricto sensu
CONCESSÃO DE QUOTAS DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA- Bolsas para programas de
2011 006/2011 720.000,00 -
GRADUAÇÃO iniciação científica
APOIO À REALIZAÇÃO DE EVENTOS CIENTÍFICOS, TECNOLÓGICOS E DE
2011 007/2011 Projeto de eventos C&T 300.000,00 -
INOVAÇÃO
CONCESSÃO DE BOLSAS PARA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM MASTER Bolsas para pós-graduação
2011 008/2011 175.500,00 SEBRAE/PA
DESIGN lato sensu
Fonte: Adaptado pela autora a partir de FAPESPA (2018).
418

APÊNDICE B
QUADRO DE EDITAIS LANÇADOS DIRETAMENTE PELA FAPESPA NO ÂMBITO DO FOMENTO ESTADUAL DE CT&I, NO
PERÍODO DE 2012 A 2015.
Parceiro
Valor total
Ano Edital-Nº Edital-Descrição Categoria de fomento financiador ou
previsto
Cofinanciador?
APOIO À REALIZAÇÃO DE EVENTOS CIENTÍFICOS, TECNOLÓGICOS E DE
2012 001/2012 Projetos de eventos C&T 500.000,00 -
INOVAÇÃO – FLUXO CONTÍNUO
CONCESSÃO DE QUOTAS DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA- Bolsas para programas de
2012 002/2012 1.080.000,00 -
GRADUAÇÃO (FLUXO CONTÍNUO) iniciação científica
PROGRAMA PESQUISA PARA O SUS: Gestão Compartilhada em Saúde DECIT/MS,
2012 003/2012 Projetos de pesquisa C&T S/I
FAPESPA/MS-DECIT/CNPq/SESPA - PPSUS - Rede 2011/PA CNPq, SESPA
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO
2012 004/2012 Projetos de pesquisa C&T 621.600,00 CNPq
REGIONAL
2012 006/2012 PRÊMIO PARAENSE DESTAQUE CIENTÍFICO Prêmio 40.000,00 -
PROGRAMA DE CONCESSÃO DE BOLSAS PARA O DESENVOLVIMENTO Bolsas de programas
2012 007/2012 764.400,00 CEPLAC
CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO DAS REGIÕES PRODUTORAS DE CACAU institucionais
APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE REDE DE PESQUISA EM SAÚDE -
2013 001/2013 Projetos de pesquisa C&T 1.000.000,00 SECTI
PLANTAS MEDICINAIS E FITOTERÁPICOS
APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE REDE DE PESQUISA EM
2013 002/2013 Projetos de pesquisa C&T 650.000,00 SECTI
FRUTICULTURA TROPICAL: MELHORAMENTO DA CADEIA DO AÇAÍ
APOIO AO DESENVOLVIMENTO DA REDE PARAENSE DE PESQUISA EM
2013 003/2013 Projetos de pesquisa C&T 650.000,00 SECTI
SOFTWARE
APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE REDE DE PESQUISA EM
2013 004/2013 Projetos de pesquisa C&T 600.000,00 SECTI
FRUTICULTURA TROPICAL: MELHORAMENTO DA CADEIA DO CACAU
Bolsas para pós-graduação
2013 005/2013 CONCESSÃO DE QUOTAS DE BOLSAS DE MESTRADO E DOUTORADO 4.632.000,00 -
stricto sensu
APOIO À REALIZAÇÃO DE EVENTOS CIENTÍFICOS, TECNOLÓGICOS E DE
2013 006/2013 Projetos de eventos C&T 750.000,00 -
INOVAÇÃO
2013 007/2013 PROGRAMA PRIMEIROS PROJETOS - PPP - FAPESPA/CNPq Projetos de pesquisa C&T 2.100.000,00 CNPq
PROGRAMA DE APOIO A NÚCLEOS EMERGENTES -
2013 008/2013 Projetos de pesquisa C&T 3.177.000,00 CNPq
PRONEM/FAPESPA/CNPQ
CONCESSÃO DE BOLSAS DE MONITORIA PARA OS INFOCENTROS DO Bolsas para programa de
2013 009/2013 150.000,00 -
PROGRAMA NAVEGAPARÁ inclusão digital
2013 010/2013 TECNOLOGIAS ASSISTIVAS Projetos de pesquisa C&T 1.500.000,00 -
2013 011/2013 PROGRAMA PESQUISA PARA O SUS: GESTÃO COMPARTILHADA EM SAÚDE Projetos de pesquisa C&T S/I DECIT/MS,
419

Parceiro
Valor total
Ano Edital-Nº Edital-Descrição Categoria de fomento financiador ou
previsto
Cofinanciador?
FAPESPA/MS-DECIT/CNPQ/SESPA – PPSUS – 2013/PA CNPq, SESPA
CONCESSÃO DE QUOTAS DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA- Bolsas para programas de
2013 012/2013 1.440.000,00 -
GRADUAÇÃO iniciação científica
Bolsas para pós-graduação
2014 001/2014 CONCESSÃO DE QUOTAS DE BOLSAS DE MESTRADO E DOUTORADO 6.768.000,00 -
stricto sensu
CONCESSÃO DE QUOTAS DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA- Bolsas para programas de
2014 002/2014 1.920.000,00 -
GRADUAÇÃO iniciação científica
PROGRAMA DE INCENTIVO À INOVAÇÃO EM MICROEMPRESAS E Projetos de P&D e inovação
2014 003/2014 10.800.000,00 FINEP
EMPRESAS DE PEQUENO PORTE – INOVAPARÁ/TECNOVA em empresas
PROGRAMA DE AUXÍLIO À PESQUISA - PROJETOS TEMÁTICOS DA
2014 004/2014 Projetos de pesquisa C&T 1.800.000,00 -
FAPESPA: AGRICULTURA E PECUÁRIA FAMILIAR
PROGRAMA DE AUXÍLIO À PESQUISA - PROJETOS TEMÁTICOS DA
2014 005/2014 Projetos de pesquisa C&T 1.800.000,00 -
FAPESPA: SOCIEDADE E SUSTENTABILIDADE URBANA/RURAL
PROGRAMA DE AUXÍLIO À PESQUISA - PROJETOS TEMÁTICOS DA
2014 006/2014 Projetos de pesquisa C&T 2.250.000,00 -
FAPESPA: SAÚDE
PROGRAMA DE AUXÍLIO À PESQUISA - PROJETOS TEMÁTICOS DA
2014 007/2014 Projetos de pesquisa C&T 1.050.000,00 -
FAPESPA: MINERAÇÃO
PROGRAMA DE AUXÍLIO À PESQUISA - PROJETOS TEMÁTICOS DA
2014 008/2014 Projetos de pesquisa C&T 1.050.000,00 -
FAPESPA: VIOLÊNCIA E SEGURANÇA PÚBLICA
PROGRAMA DE AUXÍLIO À PESQUISA - PROJETOS TEMÁTICOS DA
2014 009/2014 Projetos de pesquisa C&T 1.050.000,00 -
FAPESPA: BIOENERGIA
APOIO À REALIZAÇÃO DE EVENTOS CIENTÍFICOS, TECNOLÓGICOS E DE
2014 010/2014 Projetos de eventos C&T 400.000,00 -
INOVAÇÃO
Projetos de programas de
2014 011/2014 APOIO A PROJETOS DINTER E MINTER 660.000,00 -
pós-graduação
APOIO À INFRAESTRUTURA DE PESQUISA COMPLEMENTAR AO Projetos de programas de
2014 012/2014 500.000,00 -
PROGRAMA DE PRÓ-EQUIPAMENTOS DA CAPES pós-graduação
TAXA DE BANCADA PARA BOLSISTAS DE PÓS-DOUTORADO DA CAPES Projetos de programas de
2014 013/2014 672.000,00 CAPES
NOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DAS IES DO PARÁ pós-graduação
Bolsas para pós-graduação
2014 014/2014 BOLSAS DE PÓS-DOUTORADO NO PAÍS E TAXAS DE BANCADA 792.000,00 CAPES
stricto sensu
BOLSAS DE PESQUISADOR VISITANTE SENIOR (PVS) E TAXAS DE Bolsas para pós-graduação
2014 015/2014 1.668.650,40 CAPES
BANCADA stricto sensu
2014 016/2014 APOIO A DOUTORES RECÉM-CONTRATADOS Projetos de pesquisa C&T 1.000.000,00 CAPES
2014 017/2014 CONCESSÃO DE QUOTAS DE BOLSAS DE MESTRADO E DOUTORADO Bolsas para pós-graduação 9.036.000,00 CAPES
420

Parceiro
Valor total
Ano Edital-Nº Edital-Descrição Categoria de fomento financiador ou
previsto
Cofinanciador?
ACADÊMICOS stricto sensu
Bolsas para pós-graduação
2014 018/2014 BOLSA DE DOUTORADO PARA DOCENTE E APOIO À MOBILIDADE 1.356.000,00 CAPES
stricto sensu
2014 019/2014 Programa de Infraestrutura para Jovens Pesquisadores (PPP) Projetos de pesquisa C&T 2.850.000,00 CNPq
2014 020/2014 Programa de Apoio a Núcleo Emergentes – PRONEM Projetos de pesquisa C&T 2.280.000,00 CNPq
2014 021/2014 Programa de Apoio a Núcleo de Excelência - PRONEX Projetos de pesquisa C&T 1.995.000,00 CNPq
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO
2014 022/2014 Projetos de pesquisa C&T 3.150.000,00 CNPq
REGIONAL – DCR
Programa de Concessão de Bolsas para o Desenvolvimento Científico e Tec. Das Bolsas de programas
2014 023/2014 825.189,00 CEPLAC
Regiões Produtoras de Cacau institucionais
CONCESSÃO DE QUOTAS DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – Bolsas para programas de
2015 001/2015 2.000.000,00 -
GRADUAÇÃO iniciação científica
APOIO À REALIZAÇÃO DE EVENTOS CIENTÍFICOS, TECNOLÓGICOS E DE
2015 002/2015 Projetos de eventos C&T 600.000,00 -
INOVAÇÃO
APOIO A PARTICIPAÇÃO EM EVENTOS CIENTÍFICOS, TECNOLÓGICOS E DE Auxílio a participação em
2015 003/2015 400.000,00 -
INOVAÇÃO eventos C&T
Bolsas para pós-graduação
2015 004/2015 CONCESSÃO DE QUOTAS DE BOLSAS DE MESTRADO ACADÊMICO 2.700.000,00 CAPES
stricto sensu
BOLSAS DE PESQUISADOR VISITANTE SÊNIOR (PVS) E TAXAS DE Bolsas para pós-graduação
2015 005/2015 1.668.650,40 CAPES
BANCADA stricto sensu
2015 006/2015 APOIO A DOUTORES RECÉM-CONTRATADOS Projetos de pesquisa C&T 1.900.000,00 CAPES
Bolsas para pós-graduação
2015 007/2015 BOLSAS DE PÓS-DOUTORADO NO PAÍS E TAXAS DE BANCADA 792.000,00 CAPES
stricto sensu
Fonte: Adaptado pela autora a partir de FAPESPA (2018).
421

APÊNDICE C
QUADRO DE EDITAIS LANÇADOS DIRETAMENTE PELA FAPESPA NO ÂMBITO DO FOMENTO ESTADUAL DE CT&I, NO
PERÍODO DE 2016 A 2017.
Parceiro
Edital- Valor total
Ano Edital-Descrição Categoria de fomento financiador ou
Nº previsto
Cofinanciador?
Newton Fund/British
2016 - RESEARCHER LINKS WORKSHOPS CONFAP - EDITAL 2016-17 Projetos de eventos C&T £ 42,000
Council
Curso de curta duração de Newton Fund/British
2016 - RESEARCHER CONNECT CONFAP/FAPESP - EDITAL 2016-17 -
apoio a internacionalização Council
CONFAP/REINO UNIDO - CONCESSÃO DE BOLSAS DE ESTUDO, MOBILIDADE
Bolsa para pesquisador Newton Fund/British
2016 - DE PESQUISA E PRÊMIO JOVEM PESQUISADOR PARA PESQUISADORES DO Variável
visitante Council
REINO UNIDO NO BRASIL
APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE REDES DE PESQUISA NA REGIÃO DE
2016 001/2016 Projetos de pesquisa C&T 1.500.000,00 -
INTEGRAÇÃO DO BAIXO AMAZONAS- INTERPARÁ I
APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE REDES DE PESQUISA NA REGIÃO DE
2016 002/2016 Projetos de pesquisa C&T 1.500.000,00 -
INTEGRAÇÃO DO CARAJÁS/ARAGUAIA - INTERPARÁ II
APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE REDES DE PESQUISA NA REGIÃO DE
2016 003/2016 Projetos de pesquisa C&T 1.000.000,00 -
INTEGRAÇÃO DO XINGU/TAPAJOS - INTERPARÁ III
APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE REDES DE PESQUISA NA REGIÃO DE
2016 004/2016 Projetos de pesquisa C&T 1.000.000,00 -
INTEGRAÇÃO DO LAGO DE TUCURUÍ- INTERPARÁ IV
AUXÍLIO À PESQUISA E CONCESSÃO DE BOLSAS DE DOUTORADO Bolsas para pós-graduação
2016 005/2016 5.680.000,00 -
ACADÊMICO stricto sensu
AUXÍLIO À PESQUISA E CONCESSÃO DE BOLSAS DE MESTRADO Bolsas para pós-graduação
2016 006/2016 4.400.000,00 -
ACADÊMICO stricto sensu
Bolsas para programas de
2016 007/2016 CONCESSÃO DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA- GRADUAÇÃO 1.200.000,00 -
iniciação científica
APOIO À REALIZAÇÃO DE EVENTOS CIENTÍFICOS, TECNOLÓGICOS E DE
2016 008/2016 Projetos de eventos C&T 1.000.000,00 -
INOVAÇÃO
European
2017 - CONFAP-WATER JOINT PROGRAMMING INITIATIVE (JPI) – 2017 JOINT CALL Projetos de pesquisa C&T - Commission/Horizon
2020
Bolsas para pós-graduação
2017 001/2017 CONCESSÃO DE QUOTAS INSTITUCIONAIS DE BOLSAS DE DOUTORADO 5.280.000,00 -
stricto sensu
CONCESSÃO DE QUOTAS INSTITUCIONAIS DE BOLSAS DE MESTRADO Bolsas para pós-graduação
2017 002/2017 3.600.000,00 -
ACADÊMICO stricto sensu
422

CONCESSÃO DE QUOTAS INSTITUCIONAIS DE BOLSAS DE INICIAÇÃO Bolsas para programas de


2017 003/2017 2.400.000,00 -
CIENTÍFICA – GRADUAÇÃO iniciação científica
CHAMADA Nº 004/2017 APOIO À REALIZAÇÃO DE EVENTOS CIENTÍFICOS,
2017 004/2017 Projetos de eventos C&T 500.000,00 -
TECNOLÓGICOS E DE INOVAÇÃO
Embaixada da
França com
2017 005/2017 COOPERAÇÃO INTERNACIONAL – GUYAMAZON Projetos de pesquisa C&T 240.000,00 consórcios de
agências de fomento
francesas
CONCESSÃO DE QUOTAS INSTITUCIONAIS DE BOLSAS DE INICIAÇÃO Bolsas para programas de
2017 006/2017 1.008.000 -
CIENTÍFICA - GRADUAÇÃO iniciação científica
APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE REDES DE PESQUISA NA REGIÃO DE
2017 007/2017 Projetos de pesquisa C&T 1.500.000,00 -
INTEGRAÇÃO DO RIO CAETÉ - INTERPARÁ VII
APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE REDES DE PESQUISA NA REGIÃO DE
2017 008/2017 Projetos de pesquisa C&T 1.000.000,00 -
INTEGRAÇÃO DO RIO GUAMÁ/RIO CAPIM - INTERPARÁ VIII
APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE REDES DE PESQUISA NA REGIÃO DE
2017 009/2017 Projetos de pesquisa C&T 1.500.000,00 -
INTEGRAÇÃO DO RIO TOCANTINS - INTERPARÁ IX
APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE REDES DE PESQUISA NA REGIÃO DE
2017 010/2017 Projetos de pesquisa C&T 1.000.000,00 -
INTEGRAÇÃO DO MARAJÓ - INTERPARÁ X
2017 011/2017 CONCESSÃO DE APOIO A PESQUISA A HOSPITAIS ESTADUAIS DE ENSINO Projetos de pesquisa C&T 5.000.000,00 -
CONCESSÃO DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIAS
2017 012/2017 Projetos de pesquisa C&T 1.000.000,00 -
ASSISTIVAS
Fonte: Adaptado pela autora a partir de FAPESPA (2018).
423

APÊNDICE D
DESCRIÇÃO DE PROCEDIMENTOS PARA COLETA E GERAÇÃO DE DADOS PARA
PESQUISA

Neste apêndice, fazemos a descrição de procedimentos adotados para coleta e geração


de dados do que elaboramos como os subsistemas de política de fomento a TA e a TS no
âmbito da CT&I no governo estadual do Pará. Conforme expresso no percurso teórico-
metodológico, capítulo 1, a concepção de subsistema de política advém do mapeamento dos
atores políticos que o buscam influenciar, considerando-se duas dimensões básicas, a atuação
em âmbito territorial e em uma temática substantiva (SABATIER, 1993), sendo este percurso
a base teórico-metodológica orientadora dos procedimentos de pesquisa direcionados.
Como proposto por Ragin (1992a), o encadeamento das categorias teóricas-
metodológicas aos aspectos específicos a serem analisados nos fenômenos empíricos é uma
construção processual da pesquisa. Neste sentido, buscamos informar as escolhas e
procedimentos adotados no que tange ao processo de coleta e geração de dados desta pesquisa
que conformaram o entrelaçamento entre categorias e formulações abstratas e elementos da
realidade empírica.

D.1 PRIMEIROS PASSOS: ANÁLISE DA CONJUNTURA DA POLÍTICA ESTADUAL


DE CT&I

Como relatamos no capítulo 1, antes de propriamente definirmos as ações ou temáticas


de enfrentamento de desigualdades na política de CT&I estadual do Pará a serem analisadas
(a partir das quais, portanto, delinear o subsistema de política a ser estudado), fizemos uma
primeira aproximação geral aos contornos de um subsistema da política estadual de CT&I
como um todo.
Esta aproximação concretizou-se por meio de apontamentos de antecedentes desta
política e da análise preliminar da conjuntura da política estadual de CT&I do governo do
Pará, no período de 2007 a 2017, redigida no capítulo 3, que contemplou uma
contextualização de 11 anos desta em um enfoque sob a estrutura governamental (planos
plurianuais, planejamentos da pasta e investimentos governamentais).
Compreendemos que esta aproximação ao contexto de pesquisa envolveu dois
âmbitos. O primeiro esteve voltado principalmente para procedimentos de pesquisa
documental, e envolveu o levantamento de documentos governamentais e legais relacionados
424

a política estadual de CT&I, extensamente citados e referenciados no capítulo 3, cujo


direcionamento norteador seguiu o conteúdo do quadro D.1, que podemos denominar de um
corpus144 ampliado aplicado ao exame da conjuntura do fenômeno de pesquisa.

Quadro D.1 – Descrição de tipos de documentos norteadores para composição de corpus ampliado
aplicado para exame de conjuntura da política estadual de CT&I no Pará.
Tipo de documento Descrição

Artigos constitucionais, leis, e Documentos relacionados a marcos legais e regulamentos do subsistema de


decretos política de CT&I na esfera federal e do estado do Pará.
Planos, diretrizes e relatórios Documentos relacionados a processos de planejamento, relatórios de
governamentais para a pasta de avaliação, proposição de diretrizes e orientações a nível macro do
CT&I subsistema de CT&I das esferas de governo federal e do estado do Pará.
Documentos relacionados a processos de planejamento, relatórios de
Planos e orientações
avaliação e orientações a nível de programas setoriais relacionados à
governamental em nível de
agenda de inclusão social e enfrentamento de desigualdades do subsistema
programas setoriais
de CT&I das esferas de governo federal e do estado do Pará.
Editais e chamadas públicas de Documentos relacionados ao fomento de CT&I, envolvendo editais,
fomento chamadas, pareceres etc.
Registros textuais de websites e Registros textuais encontrados em websites e documentos relacionados a
documentos institucionais de organizações públicas e privadas e demais atores políticos atuantes no
organizações associadas a pasta subsistema de CT&I do estado do Pará.
de CT&I estadual
Processos referentes a propostas Documentos relacionados a solicitação, análise, execução e avaliação de
de fomento e temas fomentos relacionados à agenda de CT&I do estado do Pará.
relacionados
Fonte: Elaborado pela autora (2019).

A maior parte do acesso aos documentos norteados pelo quadro D.1 foi conseguido
por meio da internet, de sites dos órgãos públicos envolvidos, principalmente a Secretaria de
Estado responsável pela pasta de CT&I e a FAPESPA, conforme referências. Exceção
ocorreu no caso do acesso a processos internos destas duas organizações públicas referente a
propostas de fomento e temas relacionados, cujo acesso se deu pela visita para consulta física,
mediante autorização de seus dirigentes à solicitação formal encaminhada. Para a pesquisa de
conjuntura, foram consultados o arquivo de processos físicos da Diretoria Científica (DICET)
da FAPESPA (visitas de consulta a documentos realizadas de janeira a fevereiro de 2017; e,
de fevereiro a abril de 2018); o arquivo de controle eletrônico (planilha) e arquivo físico da

144
Corpus pode ser compreendido como uma coleção finita de materiais de uma mesma natureza, selecionados
de maneira proposital, de acordo com os objetivos de sua construção (BAUER; AART, 2002). A construção do
corpus de uma pesquisa corresponde à definição de critérios de escolha sistemática para guiar a coleta de dados
textuais para análise interpretativa, seguindo um enfoque de pesquisa qualitativo, com ênfase ao alcance de
variabilidade (BAUER; AART, 2002).
425

Gerência de Controle de Contratos e Convênios (GECON) da SECTET (no período de


setembro a novembro de 2018).
Outro âmbito foi relacionado a processo de aproximação e contextualização do
fenômeno em estudo ocorreu por meio de interações, visitas e reuniões nos dois órgãos,
SECTET e FAPESPA, realizadas pela pesquisadora. No caso da SECTET, a primeira reunião
foi em 2015 junto a Diretoria de Ciência e Tecnologia, em que houve a apresentação de
interesse em realização de pesquisa na temática da política de CT&I (ainda não havia sido
definido o tema específico) e expressa disposição para participação de eventos e atividades
abertas ou voluntárias junto a secretaria. A partir desta, houve múltiplas interações
esporádicas durante o período de 2015 a 2018, sendo que as principais foram sobre o
Observatório de CT&I do Pará e a elaboração do Boletim de CT&I do Pará, este último
envolveu também interações na ambiência da FAPESPA (durante algumas reuniões em 2016
e uma em 2017).
Embora essas interações não envolvessem a aplicação de um método específico de
observação (inclusive tendo a maioria ocorrido antes da definição específica do desenho
teórico-metodológico desta pesquisa), seu relato aqui se refere registrar que a existência
destes contatos é considerada relevante pela pesquisadora. Esta relevância corresponde
especialmente a desenvolver uma sensibilidade e conhecimento tácito sobre parte dos sujeitos
de pesquisa e do processo de política que não poderia ser desenvolvido somente a partir da
pesquisa documental. Bem como, uma vez definido o desenho teórico-metodológico da
pesquisa, propiciar um senso pré-construído de confiança e pertinência para com, ao menos,
parte dos sujeitos da pesquisa no que tange a articulações para acesso a dados e a entrevistas
com pessoas chaves.

D.2 O processo de pesquisa sobre o subsistema da política estadual de fomento a


tecnologia assistiva: procedimentos para compor uma visão do processo de política

Como mencionamos no capítulo 1, orientamo-nos pela perspectiva processual de


pesquisa baseada em caso (casing) de Ragin (1992b) para delinear a unidade de análise
principal, o subsistema da política. Consideramos esta perspectiva aplicável à abordagem
teórica, uma vez que a delimitação da unidade de análise principal (subsistema da política)
não poderia ser à priore definitiva, já que correspondia a um necessário mapeamento dos
atores políticos individuais (unidade de observação teórica primária), e pressupõe um possível
dinamismo de atores que entram e saem de atuação deste. Assim, entendemos que o
426

delineamento do subsistema de política emergiria no decorrer do processo de pesquisa, a


medida que levantássemos os dados sobre o próprio processo da política e seus atores
políticos atuantes.
Cabe explicitarmos que o subsistema da política é a unidade de análise principal (lócus
de ações dos atores políticos) do processo da política, fenômeno de estudo. Deste modo,
mapear os atores políticos em atuação no subsistema refere-se a mapear estes atores no
processo de política. Neste sentido, para operacionalizar o processo de pesquisa sobre o
subsistema de política estadual de fomento a TA articulamos dois procedimentos principais
para coleta e geração de dados, a pesquisa documental e a realização de entrevistas, que foram
a base do corpus desta temática (TA)145.
Inicialmente, realizamos a pesquisa documental específica sobre o processo de política
de fomento a TA na esfera do governo estadual do Pará, que envolveu a construção de um
corpus inicial, como indicado no quadro D.2, com vistas a constituir as bases textuais146 para
análise de discurso no âmbito de práticas sociais, conforme percurso teórico-metodológico
elaborado. O acesso aos textos do corpus inicial ocorreu em parte por download do site da
FAPESPA (no caso dos textos dos editais e resultado indicado), em parte por envio eletrônico
por servidor da FAPESPA (textos dos projetos aprovados), e o restante por consulta aos
processos físicos na FAPESPA, no período de outubro a novembro de 2018.
A partir deste corpus inicial, verificamos que era possível identificar (mapear) atores
que eram referenciados em distintas instâncias do processo de política, que configuravam os
atores políticos que davam os contornos ao subsistema de política estadual de fomento a TA.
No entanto, havia informações que considerávamos relevantes sobre práticas sociais e
categorias de análise discursiva (por exemplo, a concepção de desenvolvimento tecnológico
dos membros dos projetos e a participação do público-alvo neste desenvolvimento) que não
estavam disponíveis nesse corpus inicial. Deste modo, avançamos para a fase de realização de

145
Nosso enfoque nesta seção é a descrição sobre a construção do corpus para análise das práticas sociais no
processo de política, tema central do capítulo 5. No entanto, cabe informarmos que concomitante a essa
construção também foi realizada uma revisão de literatura específica sobre a temática de TA, de modo a
constituir uma conjuntura sociopolítica pertinente às especificidades desta temática, conforme capítulo 4.
146
Para Fairclough (2001), a prática discursiva, como elemento da prática social, se manifesta em termos da
expressão da linguagem em sentido amplo (escrita ou falada), o que o autor denomina, genericamente, enquanto
textos. Fairclough (2005) argumenta que textos, portanto, são elementos linguísticos de eventos e práticas
sociais. E, como tais, os textos são, por um lado, produtos dessas práticas (objetos finalizados arquivados,
recuperados, classificados etc.); e, por outro lado, integram processos de constituição dessas práticas, por meio
de uma constante dinâmica de produção textual (processo social de criar, contestar ou corroborar significados,
conhecimentos, crenças, identidades, entre outros). É por esta concepção, que a construção de corpus textual
sobre o processo de política torna-se um modo relevante de operacionalizar a pesquisa, enquanto base para
análise discursiva.
427

entrevistas, cujos textos e outros materiais textuais decorrentes compuseram a ampliação do


corpus desta temática da pesquisa.

Quadro D.2 – Descrição da composição de corpus construído sobre a política estadual de fomento a
tecnologia assistiva no Pará.
Tipo Textos associados ao fomento de TA no processo de política de CT&I no Pará
Edital nº 010/2013
Resultado do edital nº 10/2013
Edital nº 012/2017
Processo interno da FAPESPA referente à tramitação e à seleção e avaliação do edital nº
010/2013
Corpus inicial 15 projetos aprovados no edital nº 010/2013
15 Processos internos da FAPESPA referentes a execução dos projetos aprovados no
edital nº 010/2013, contemplando a documentação correspondente a contratação de
Instrumento de Concessão e Aceitação de Apoio Financeiro a Projeto (ICAAF),
comunicações sobre a execução, prestação de contas, incluindo relatório técnico, parecer
de avaliação e laudo técnico (quando disponível)
Entrevistas realizadas com atores políticos selecionados relacionados ao processo de
política de fomento a TA.
Documentos disponibilizados por entrevistados, como relatórios de eventos e sobre
Ampliação de
núcleo de desenvolvimento de TA, livros
corpus
Textos em websites institucionais, núcleos e grupos de pesquisa sobre a temática de TA
no Pará, indicados ou relacionados as entrevistas realizadas, e softwares e materiais
disponíveis abertamente resultantes dos projetos executados.
Fonte: Elaborado pela autora (2019).

Esse procedimento de ampliação de corpus é condizente à concepção de construção


cíclica de corpus por Bauer e Aart (2002) e de suplementações de corpus por Fairclough
(2001). Fairclough (2001) sugere que a construção do corpus parta de uma amostra de textos
referente a um mapa preliminar147, com posterior suplementações orientadas ao alcance de
amostras de práticas típicas ou representativas do processo social em análise.
No que tange aos procedimentos relacionados às entrevistas, a maioria correspondeu à
modalidade semiestruturada, para a qual desenvolvemos um roteiro orientador, com base nas
categorias de discursos articuladas na pesquisa (constante no quadro D.3). Cabe indicarmos
que, a partir da análise do corpus inicial de TA e da análise de conjuntura da política estadual
de CT&I preliminarmente realizada, definimos o edital nº 010/2013 (único fomento na
política estadual de CT&I para pesquisa e desenvolvimento de TA) como um evento chave de
análise da política. Por isso, direcionamos tanto a análise discursiva específica a este edital,
quanto a análise de práticas da política e desenvolvimento de TA aos projetos nele aprovados.

147
Mapa preliminar é um levantamento de práticas discursivas passadas e atuais que sejam úteis ao escopo de
análise, conforme contexto da pesquisa (FLAIRCLOUGH, 2001). No caso em estudo, partimos do levantamento
documental do único processo de fomento a TA efetivado, como identificado na pesquisa de conjuntura.
428

Consequentemente, a seleção de atores políticos para entrevistas foi focada em um


conjunto majoritariamente composto por atores políticos relacionados a este edital, sejam
aqueles associados a atividades correlatas a este na FAPESPA, sejam aqueles responsáveis
pelas atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico financiados no âmbito deste. O
objeto deste recorte de seleção foi alcançar entendimento sobre as principais práticas sociais
de pesquisa e de política no contexto de fomento deste edital, compreendido como principal
representativo do fomento ao desenvolvimento de TA no âmbito estadual do Pará.

Quadro D.3 – Roteiro de entrevista semiestruturada sobre fomento a projetos de tecnologia assistiva
no âmbito do edital nº 010/2013 da FAPESPA.
Nº Questões norteadoras da entrevista
1 Como você e a equipe envolvida na execução do projeto conceberam o que é tecnologia assistiva?
2 Qual o problema específico que tecnologia desenvolvida pretendeu resolver?
Quem participou do desenvolvimento da tecnologia (somente a equipe prevista no projeto ou houve
3 outras pessoas)? E como estas pessoas geralmente atuaram e onde interagiram para o
desenvolvimento tecnológico proposto?
Como foi que se deu a concepção original (ideia conceitual) da tecnologia proposta? Houve
4
modificações nesta no decorrer do projeto?
Durante a execução do projeto, você teve contatos ou experiências de interações com outras equipes
5 que desenvolviam tecnologias assistivas no âmbito do edital 010/2013 da FAPESPA ou de projetos
de tecnologia assistivas fomentados por outras organizações públicas ou privadas?
Quando você e sua equipe propuseram o projeto ao edital nº 010/2013 da Fapespa já tinham
6
experiência anterior com o desenvolvimento de tecnologias/metodologias assistivas?
Você teve contatos com fiscais ou consultores responsáveis pela avaliação de seu projeto de
desenvolvimento tecnológico? Como você compreende que esta tecnologia deveria ser avaliada em
7
termos de alcance de suas finalidades ao final do projeto? Se possível, poderia sugerir até 3 critérios
que consideraria mais relevantes?
Esta tecnologia alcançou uso no público para o qual foi projetada?
Se sim, você consegue estimar um número médio de usuários (pessoas ou organizações) e quais
8
foram os principais canais de produção ou disseminação da tecnologia?
Se não, quais foram as principais dificuldades?
Você ou alguém de sua equipe encaminhou proposta ao edital nº 012/2017 da Fapespa ou para outros
9
editais de tecnologias assistivas posteriormente (neste último caso, poderia indicar o edital)?
Quais efeitos que você entende que esta tecnologia provocou em relação às condições de
10 desigualdades que o público-alvo do edital (pessoas com deficiências, idosos e com mobilidade
reduzida) enfrenta no estado do Pará?
11 Qual a contribuição do conhecimento científico no desenvolvimento desta tecnologia?
Qual a contribuição do conhecimento científico e tecnológico para o processo de desenvolvimento
12
local e do estado?
Fonte: Elaborado pela autora (2019).

No quadro D.4, apresentamos a relação de entrevistas realizadas com atores


selecionados no âmbito desta temática de TA.
429

Quadro D.4 - Registro de status de entrevistas sobre a política estadual de fomento a tecnologia
assistiva.
Anotação de duração da
Identificação genérica do Status sobre realização de
Nº entrevista por áudio
ator político contatado entrevista
gravado
1 Pesquisador de projeto1 Entrevista realizada em 11/12/18 26 minutos
2 Pesquisador de projeto1 Entrevista realizada em 10/12/18 1 hora e 2 minutos
Entrevista não realizada
3 Pesquisador de projeto1 -
(contatos iniciais não respondidos)
1
4 Pesquisador de projeto Entrevista realizada em 10/12/18 50 minutos
5 Pesquisador de projeto1 Entrevista realizada em 12/12/18 40 minutos
6 Pesquisador de projeto1 Entrevista realizada em 11/12/18 56 minutos
7 Pesquisador de projeto1 Entrevista realizada em 07/12/18 39 minutos
Entrevista não realizada
8 Pesquisador de projeto1 -
(não houve disponibilidade)
1
9 Pesquisador de projeto Entrevista realizada em 06/12/18 1 hora
10 Pesquisador de projeto1 Entrevista realizada em 13/12/18 31 minutos
Entrevista não realizada
11 Pesquisador de projeto1 -
(contatos iniciais não respondidos)
12 Pesquisador de projeto1 Entrevista realizada em 10/12/18 56 minutos
13 Pesquisador de projeto1 Entrevista realizada em 13/12/18 55 minutos
14 Pesquisador de projeto1 Entrevista realizada em 14/12/18 56 minutos
Entrevista não realizada
15 Pesquisador de projeto1 -
(não houve disponibilidade)
Servidor público atuante no
16
processo de fomento a TA2
Servidor público atuante no
17
processo de fomento a TA2
Entrevista realizada em 28/12/20184 1 hora e 55 minutos
Servidor público atuante no
18 2
processo de fomento a TA
Servidor público atuante no
19
processo de fomento a TA2
Pesquisadora de referência na
20 Entrevista realizada em 08/01/2019 Não gravada
temática no estado3
3
21 Dirigente da política Entrevista realizada em 10/01/2019 44 minutos
22 Dirigente da política3 Entrevista realizada em 26/12/2018 43 minutos
1
Aplicado roteiro de entrevista conforme quadro D.3.
2
Aplicado roteiro de entrevista adaptado.
3
Realizada entrevista não-estruturada.
4
Entrevista realizada coletivamente com os quatro servidores por solicitação destes.
Fonte: Elaborado pela autora (2019).

D.3 O processo de pesquisa sobre o subsistema da política estadual de tecnologia social:


procedimentos para compor uma visão do processo de política

Ao seguir a mesma perspectiva processual de pesquisa baseada em caso (Ragin,


1992b), buscamos elaborar os procedimentos de coleta e geração de dados para delinear o
subsistema da política estadual de TS no Pará. Apesar de empreendermos similarmente os
dois procedimentos principais anteriores para construção de corpus, pesquisa documental e
realização de entrevistas, algumas diferenciações em relação a seleção de textos para análise
430

discursiva e de perfis dos entrevistados foram implementadas, em virtude da distinção


apresentada pela trajetória do processo de política.
Nesta temática, a partir da análise de conjuntura da política estadual de CT&I (capítulo
3), havíamos identificado que o processo de conformação da política estadual de TS
apresentava, por um lado, uma maior mobilização (e certa centralidade) dentro da própria
estrutura governamental (pela DTS e CTDS); e, por outro lado, uma trajetória de nuances em
relação a sua importância e abrangência na agenda. Neste sentido, diferentemente de um
enfoque mais convergente em torno de um evento de inflexão no processo de política na
temática de TA (edital nº 010/2013), a construção do corpus para a temática de TS foi mais
difusa, de modo a captar os diferentes matizes de sua trajetória.
A construção do corpus foi incremental, os diferentes textos foram sendo
concomitantemente coletados/gerados, inclusive em relação à realização das entrevistas com
atores políticos. Conforme no quadro D.5, podemos observar que a base textual foi
relativamente mais diversa, principalmente em relação a disponibilidade de diferentes textos
de origem governamental orientadores e direcionadores da política. Houve três principais
meios de acesso aos textos do corpus: por acesso público via internet, por consulta a
processos físicos na SECTET, no período de setembro a dezembro de 2018, e por envio ou
entrega por parte de atores políticos.

Quadro D.5 - Descrição da composição de corpus construído sobre a política estadual de tecnologia
social no Pará.
Tipo Textos associados ao fomento de TS no processo de política de CT&I no Pará
Conjunto de publicações em websites (principalmente da SECTET, AgênciaPará e da RTS-
PA) de notícias, informes e documentos relacionados a trajetória do processo de política
Corpus inicial estadual de TS (sintetizadas na linha de tempo)
Documento de constituição da RTS-Pará
Plano de ação da RTS-Pará (2014-2015)
Projetos e/ou relatórios do I, II e III Forúm Paraense de Tecnologias Sociais
Resolução nº 003/2017 CONSECTET
Edital nº 006/2017 SECTET
Resultado preliminar do edital nº 006/2017 SECTET
Relação de projetos apoiados
8 Processos internos da SECTET referentes a execução de convênios em temas afins a TS,
contemplando a documentação correspondente a celebração de convênios, comunicações
Ampliação de sobre a execução, relatórios técnicos e laudos técnicos
corpus Entrevistas realizadas com atores políticos selecionados relacionados ao processo de
política estadual de TS.
Documentos disponibilizados por entrevistados, como livros, planos e outros materiais
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
431

No que tange aos procedimentos relacionados às entrevistas148, houve uma maior


presença de entrevistas não-estruturadas na temática de TS, principalmente nas interações
iniciais, com vistas a permitir uma abordagem mais exploratória, em que as perspectivas
prévias sobre o processo político em TS dos atores emergissem com menor intervenção da
pesquisadora. Também cabe indicarmos que, antes da realização de entrevistas
semiestruturadas com servidores públicos lotados na SECTET, houve diversas interações
prévias, inclusive com a apresentação do projeto de pesquisa a membros da CTDS.
Posteriormente, avançada em alguma medida a compreensão da trajetória do processo
da política, foi elaborado um roteiro orientador para entrevistas semiestruturada (constante no
quadro D.6) focado na análise de práticas sociais da política e da pesquisa e desenvolvimento
tecnológico no âmbito dos projetos de TS fomentados.

Quadro D.6 – Roteiro de entrevista semiestruturada sobre fomento a projetos de TS.


Nº Questões norteadoras da entrevista
1 Qual o problema que esta tecnologia em desenvolvimento pretende resolver?
Como foi que se deu a concepção original (ideia conceitual) da solução tecnológica proposta? Houve
2
modificações nesta no decorrer do projeto?
3 Qual conceito que você e a equipe envolvida na execução do projeto adotam de tecnologia social?
4 A tecnologia social em foco no projeto é uma reaplicação ou um desenvolvimento tecnológico novo?
Quem participa ou participará do desenvolvimento da tecnologia (somente a equipe científica prevista
5 no projeto ou haverá outras pessoas)? E onde estas pessoas geralmente atuam e interagem para o
desenvolvimento tecnológico proposto?
Você tem contatos ou interage com outros projetos de promoção de tecnologias sociais fomentados
6
pela SECTET ou por outras organizações públicas ou privadas? Se sim, poderia indica-los?
Quando você propôs o projeto a SECTET, já tinha experiência anterior com o desenvolvimento de
7
tecnologias sociais?
Esta tecnologia já alcançou uso no público para quem foi projetada?
Se sim, consegue estimar um número médio de pessoas e quais foram os principais canais de
8
produção ou disseminação?
Se não, quais foram as principais dificuldades?
Esta tecnologia poderia alcançar um público mais amplo? Qual seria o caminho que você entende
9
necessário para esta disseminação?
Você teve contatos com fiscais ou consultores responsáveis pela avaliação de seu projeto de
10
desenvolvimento tecnológico?
Como você compreende que esta tecnologia deve ser avaliada em termos de alcance de suas
11
finalidades ao final do projeto? Poderia citar 3 critérios que consideraria mais relevante?
12 Você ou outro membro da equipe deste projeto encaminhou proposta ao edital 006/2017 da SECTET?
Quais efeitos entende que esta tecnologia provoca ou provocará em relação às desigualdades sociais
13
existentes no estado?
Como você entende que o conhecimento científico contribuiu no desenvolvimento desta tecnologia e
14
no desenvolvimento social?
Fonte: Elaborado pela autora (2019).

148
Adotamos uma concepção de entrevista, conforme Fontana e Frey (2005), como um processo de interação
ativa entre duas ou mais pessoas que conduz a resultados contextualmente baseados e negociados. Em concepção
similar, Schwandt (2007) compreende que a entrevista como uma prática social em nossa sociedade
contemporânea, que sendo contextualmente situada, estabelece uma história que é mutuamente construída por
meio da colaboração entre o pesquisador (entrevistador) e o entrevistado, participante da pesquisa.
432

No quadro D.7, apresentamos a relação de atores políticos selecionados para


entrevistas sobre o processo de politica estadual de TS e o status de realização dessas.

Quadro D.7 – Registro de status de entrevistas sobre a política estadual de TS.


Identificação genérica do ator Status sobre realização de Anotação de duração da

político contatado entrevista entrevista por áudio gravado
Servidor público anteriormente
1 Entrevista realizada em 10/09/18 Não gravada
atuante no processo da política1
Pesquisador de referência na temática Entrevista realizada em 19 e
2 Não gravada
e participantes de GT da RTS-PA1 24/09/18
Pesquisador participante de GT da
3 Entrevista respondida por e-mail -
RTS-PA2
4 Pesquisador de projeto3
Entrevista realizada em 11/12/185 1 hora e 27 minutos
5 Pesquisador de projeto3
6 Pesquisador de projeto3 Entrevista realizada em 12/12/2018 1 hora
7 Pesquisador de projeto3
Pesquisador de projeto e participante Entrevista realizada em 14/12/185 1 hora e 46 minutos
8
da RTS-PA3
Entrevista não realizada
9 Pesquisador de projeto3 -
(contatos iniciais não respondidos)
3
10 Pesquisador de projeto Entrevista realizada em 14/12/18 52 minutos
11 Pesquisador de projeto3 Entrevista respondida por e-mail -
Servidor público atuante no processo
12 Entrevista realizada em 27/12/18 1 hora e 20 minutos
da política4
Servidor público atuante no processo
13
da política4
Entrevista realizada em 09/01/195 1 hora e 20 minutos
Servidor público atuante no processo
14 4
da política
Dirigente da política e integrante do
15 Entrevista realizada em 26/12/2018 43 minutos
CONSECTET1
Dirigente da política e integrante do
16 Entrevista realizada em 10/01/2019 44 minutos
CONSECTET1
1
Entrevista não-estruturada.
2
Questões sobre TS e a RTS-PA enviadas por-e-mail por falta de disponibilidade para entrevista presencial por
parte de pesquisador.
3
Aplicado roteiro de entrevista conforme quadro D.6.
4
Aplicado roteiro de entrevista adaptado.
5
Entrevista realizada em conjunto.
Fonte: Elaborado pela autora (2019).

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