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INOVAÇAO
E ESPIRITO

Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

o856i
Drucker, Peter Ferdinand, 1909-
Inovação e espírito empreendedor (entrepreneur­
EMPREENDEDOR
(entrepreneurship)
2.ed ship) : prática e princípios / Peter F. Drucker ; tra
dução de Carlos Malferrari. -- 2. ed. -- São Paulo :
Pioneira, 1987.
(Biblioteca Pioneira de administra-
ção e negócios)

Bibliografia.

1. Empresários 2. Novas empresas 3. Pequenas empre


sas - Estados Unidos I. Título. II. Serie.

CDD-658.42
-338.04
-658.0220973
7-0144 -658 .11
Indicas para catâlo;o sistemático:
1. Empresários : Administração executiva 658.42

2. lémpresãrios : Economia 338 .04
1. Empresas novas : Organização 658.11
1,. Espírito empreendedor : Empresários Administração
,•xc,cutiva 658 .42
t·:,;tados Unidos : Pequenas empresas : Administração
<,',H .0220973
6. l 111•va,·�·;<. H l'mprecndedoras : Economia 338.04
I. N 11 v;i,; ',·,upr,·sas : Oq;anização 658.11

BIBLIOTECA PIONEIRA DE ADMINISTRAÇÃO E NEGÓCIOS

Conselho Diretor PETER F. DRUCKER


ANTONIO CESAR AMARU MAXIMIANO
ANTONIO ZORATTO SANVICENTE
CARLOS JOSÉ MALFERRARI
CLEBER AQUINO
�l CORRADO CAGLIERI
DANIEL AUGUSTO MOREIRA
• 1

,..,
DANIEL SORIANI DOS SANTOS

INOVAÇAO
EDUARDO VASCONCELLOS
ERNESTO LIMA GONÇALVES
JoÃo Bosco LoD1
JOSÉ WILSON SARAIVA
,,
E ESPIRITO
REGINALD UELZE
STEPHEN CHARLES KANITZ
WALDO E. C. DE FARIAS

EMPREENDEDOR
(entrepreneurship)
1 PRÁTICA
1
E PRINCÍPIOS
4 ° EDIÇÃO
Tradução de
CARLOS J. MAL FERRARI

1 IVRARIA PIONEIRA EDITORA


Slio Paulo
l ltulo do original em inglês:
INNOVATION ANO ENTREPRENEURSHIP
1 'metice and Principies

(e.> Copyright
1985 by Peter F. Drucker
*

Capa:
Concepção e Execução
© 1991, Jairo Porfírio

Nenhuma parte deste livro poderá ser


reproduzida sejam quais forem os meios empregados
(mimeografia, xerox, datilografia, gravação,
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sem a permissão, por escrito, da Editora.
Aos infratores se aplicam as sanções previstas
nos artigos 122 e 130 da lei n2 5.988
de 14 de dezembro de 1973.

© 1994

Todos os direitos reservados por


'.
ENIO MATHEUS GUAZZELLI & CIA. LTDA. Este livro é dedicado
02515-050 - Pça. Dirceu de Lima, 313 com todo meu amor
Telefone: 858-3199 - Fax: 858-0443 - São Paulo
a
Impresso no Brasil
Doris
Pr/nted in Brazil a inovadora e empreendedora

.A:..•
..
Índice
�.....

Prefácio, XV

Introdução
A Economia Empreendedora, 1

I
A PRÁTICA DA INOVAÇÃO

Empreendimento Sistemático, 27

2
A Inovação Deliberada e as Sete Fontes de Oportunidade Inovadora, 39

Fonte: O Inesperado. 49

Fonte: Incongruências. 77

Fonte: Necessidade de Processo, 93

6
Fonte: Estruturas da Indústria e do Mercado, 103
7
18
h111tl': Mudanças Demográficas, 121 Nichos Ecológicos, 319
8
19
hmte: Mudanças em Percepção, 137 Mudanças em Valores e Características, 333
g Conclusão
Fonte: Conhecimento Novo, 149
A Sociedade Empreendedora, 347
10
A Idéia Brilhante, 181 Leituras Sugeridas, 365

11 fndice Remissivo, 367


Princípios de Inovação, 187

II
A PRATICA DO EMPREENDIMENTO
12
Administração Empreendedora, 199
13
A Empresa Empreendedora, 205
14
Empreendimento na Instituição de Serviços, 245
15
A Nova Empresa de Risco, 259

III
ESTRATl!GIAS EMPREENDEDORAS
16
"Com Tudo e Pra Valer", 287

17
"(;ulpcá-los Onde não Estão", 301
...

....-- A Título de
Esclarecimento
1~J
bt11 nota torna-se necessária porque Drucker, neste livro,
, 111111, �m alguns anteriores, introduz termos que, se não espe­
' l11l111rntt: "cunhados", pelo menos mereceram dele um trata-
1111·11111 diferenciado. Isso leva a uma dupla dificuldade para a
11,11l 11,: 110, pois, além de certos termos já serem de interpretação
duvidosa, é preciso dar a eles a conotação enfática empregada
p11r 1 >ruckcr.
Vtírios professores e estudiosos de Administração foram
11111s11lt11dos e suas sugestões e propostas foram bastante valiosas.
Mm,, rumo o próprio Drucker diz no livro, os termos entrepreneur
,. ,·11trcpreneurship apresentam problemas de definição, tanto no
pn',prio francês, origem do primeiro, como em inglês e alemão,
" ,. 1Trt11mcntc em outras línguas - e por que não em português?
Assim, entrepreneur poderia ser empresário, mas como este
M't-(lllldo Drucker, e muitos outros, não é necessariamente um

1·111prccndcdor (e o "empreendedor nem sempre é um empresá-


1'111"). l'lll prcendedor foi adotado por todo o texto. Recente artigo
1111 ( iazeta Mercantil comentava o interesse das empresas em
rn11trntar não simplesmente "executivos" mas "empreendedo­
n·s". Um problema é que o adjetivo empreendedor é igual ao

1111hst1111tivo empreendedor; ambos são exaustivamente usados no
livro, mas o leitor, certamente, os identificará.
/\ alternativa seria o neologismo empreendedorial como
mljl·tivo (Veja, Caderno de São Paulo, 9/10/85, p. 36). Mas,
XIII
-

XIV PETER F. DRUCKER

l, 11110 11adjetivo empreendedor de uma forma ou outra está con­


�,- Prefácio
\:1v.1wh1, preferiu-se mantê-lo. Eventualmente foi utilizado "em­
p1, ·sa ri:rl ".
A maior dúvida estaria com entrepreneurship, onde o sufixo
sli,p, segundo o Dicionário Webster, significa: a) estado, con­ 1
-
di�üo ou qualidade; b) cargo, honraria, ou profissão; e c) arte
ou habilidade. Drucker deixa claro do começo ao fim do livro
que entrepreneurship não é arte nem ciência, mas sim uma prática
e uma disciplina. Mesmo assim há uma grande receptividade
pc1ra se adotar em português o termo espírito empreendedor, pois
ele cabe muito bem em alguns dos contextos em que é utilizado, e Este livro apresenta a inovação e "entrepreneurship" como
assim foi também adotado na tradução. Entretanto, foi preferido, sendo uma prática e uma disciplina. Ele não trata da psicologia e
de um modo geral, o termo empreendimento como tradução do dos traços de caráter dos empreendedores; ele fala de seus atos e
entrepreneurship, cabendo destacar que será considerado tanto: comportamento. Casos são utilizados, porém mais como exemplos
a) a prática de empreender (o ato, a ação árdua, criativa, difícil de um problema, uma regra ou uma advertência, do que como
e arrojada), como b) o resultado (efeito) dessa prática (a empresa, histórias de sucesso. O trabalho difere, então, tanto na intenção
o cometimento, o negócio), conforme constam de dicionários tais como na execução, de inúmeros livros e artigos sobre a inovação
como o Aurélio, Caldas Aulete, Melhoramentos, e outros. e o empreendimento, que estão sendo publicados recentemente.
Compartilha com eles a crença na importância da inovação e
C. ]. Malferrari do empreendimento. De fato, considera o surgimento de uma
verdadeira economia empreendedora nos Estados Unidos, durante
os últimos dez a quinze anos, como sendo o acontecimento mais
significativo e promissor ocorrido na história econômico-social
recente. Porém, enquanto muitas das discussões hoje tratam do
empreendimento como algo um tanto misterioso, seja dádiva,
talento, inspiração ou um lampejo de genialidade, este livro
mostra a inovação e o empreendimento como tarefas de propósito
deliberado que podem ser organizadas - e precisando ser orga­
nizadas -, e como trabalho sistematizado. De fato, ele trata da
inovação e do empreeendimento como parte integrante do traba­
lho do executivo.
O livro é prático, mas não é do tipo "como fazer isto ou
aquilo". Pelo contrário, ele trata do quê, quando e porquê de
coisas tangíveis, como políticas e decisões; oportunidades e
XV

L -�
,

XVI PETER F. DRUCKER INOVAÇÃO E ESPIRITO EMPREENDEDOR XVII


11 , , , ... 1·:,1 ruturas e estratégias; de gente; remuneração e recom­ conhecimento, na execução do empreendimento, é um meio para
i" li'.; 1 ·,
um fim. Na verdade, o que constitui conhecimento em uma
l 11<1va<,:ão e empreendimento são discutidos em três tópicos prática é, em grande parte, definido pelos fins, isto é, pela práti­
111111vip;1is: A Prática da f novação, A Prática do Empreendi- ca. Portanto, um livro como este deve estar apoiado em longos
1m·111u e Estratégias Empreendedoras. Cada uma destas é mais anos de experiência.
11111 ;1spccto da inovação e da prática de empreender do que um
O meu trabalho relacionado com a inovação e o espírito
1 ·,1 :ígio.
empreendedor começou há trinta anos, em meados da década de
!\ Parte l, sobre a Prática da Inovação, apresenta esta tanto
nimo tendo um propósito deliberado como constituindo uma 50. Nessa ocasião, um pequeno grupo reuniu-se durante dois anos
disciplina. Ela mostra, em primeiro lugar, onde e como o em­ sob minha orientação, na Graduate Business School da Univer­
preendedor busca oportunidades inovadoras. Em seguida aborda sidade de Nova York, para um longo seminário noturno sobre
os "Faça" e os "Não Faça" do desenvolvimento de uma idéia Inovação e Empreendimento. No grupo havia participantes que
inovadora até resultar em um negócio ou serviço viável. estavam iniciando seus próprios negócios, a maioria deles com
A Parte II, a Prática do Empreendimento, enfoca a insti­ sucesso. Havia também executivos em meio de carreira, prove­
tuição onde ocorre a inovação. Ela trata da administração empre­ nientes de diversos tipos de empresas, em geral de grande porte:
endedora em três áreas: a empresa existente, a instituição de dois grandes hospitais; IBM e General Electric; um ou dois dos
serviço público e a nova "venture" (negócio tipicamente de maiores bancos; uma corretora; editoras de livro« e revistas; labo­
risco). Quais são as diretrizes e práticas que permitem a uma insti­ ratórios farmacêuticos: uma organização beneficente internacio­
tuição, seja empresarial ou pública, tornar-se um empreendedor· nal; Arquidiocese Católica de Nova York e Igreja Presbiteriana;
bem sucedido? Como organizar e preparar pessoas para o empre­ e outros.
endimento? Quais são os obstáculos, os impedimentos, as arma­ Os conceitos e idéias desenvolvidos no seminário foram tes­
dilhas, os erros mais comuns? Esta parte termina com uma tados por seus participantes, semana a semana, por dois anos,
análise dos próprios empreendedores, seus papéis e suas decisões. nos próprios serviços e instituições. Desde então, eles continuam
Finalmente, a Parte IH, Estratégias Empreendedoras, fala a ser testados, validados, refinados e revisados nos mais de vinte
de como levar com sucesso uma inovação até o mercado. Afinal, anos de minha consultoria. Repetindo, muitos tipos de organi­
o teste de uma inovação não está em ser uma novidade, em seu zação estavam envolvidos. Havia empresas, incluindo as de alta
conteúdo científico, ou na sua engenhosidade, mas, sim, no seu tecnologia, como aquelas de computadores e laboratórios farma­

1
sucesso no mercado. cêuticos; outras "sem tecnologia", como companhias de seguros
Essas três partes estão entre uma Introdução que relaciona de acidentes, bancos internacionais, tanto americanos como curo­
a inovação e o empreendimento com a economia, e uma G;on­ peus; iniciativas individuais; atacadistas regionais de materiais
clusão que os relaciona com a sociedade. de construção; e multinacionais japonesas. Porém, também esta­
Empreendimento não é nem ciência nem arte. É uma prática. vam presentes várias entidades não-empresariais: grandes sindi­
Naturalmente, isso demanda uma base de conhecimento, o que catos; importantes organizações comunitárias, como as Escoteiras
este livro pretende apresentar de maneira organizada. Mas, como dos Estados Unidos, a CARE (Cooperative for American Remil­
em todas as práticas, a Medicina ou Engenharia, por exemplo, o tance t� Evcrywhere), entidade de ajuda e dcscnvolvimcnto inter-
-.....
XVIII PETER F. DRUCKER P-

nacional ; um bom número de hospitais; universidades e depar­ A


tamentos de pesquisa; e organizações rel igiosas de várias crenças.
Pelo fato de que este livro reflete anos de observação, estudo
,-- Economia
e prática , foi-me possível utilizar minicasos reais, exemplos e
esclarecimentos de diretrizes e práticas , tanto certas como erra­ 1
Empreendedora
das. Sempre que o nome de uma instituição é mencionado no o
texto, ela ou nunca foi minha cliente, como é o caso da IBM, e 1�

-
Oi
a história é então de domínio público , ou a própria instituição :J
a revelou publicamente. Por outro lado, as organizações com "O
o
as quais trabalhei permanecem anônimas, como tenho procedido ""'
em todos os meus livros de Administração. Mas os casos em si e:
I
......
relatam eventos reais e são de empresas reais.
Somente há poucos anos os autores que escrevem sobre
Administração começaram a dar mais atenção à inovação e ao
empreendimento. De minha parte, venho abordando, há décadas, Desde meados dos anos 70, slogans como "a
aspectos de ambos em todos os meus livros de Administração . ecé nomia de crescimento zero", a "desindustria­
Mesmo assim, este é o primeiro livro que procura apresentar o liz(IÇão dos Estados Unidos" e uma "estagnação
assunto em sua inteireza e de forma sistemática. Este é certa­ 'Kctndratieff' a longo prazo da economia" torna-
mente um livro pioneiro sobre um tópico importante, mais do ra111-se p opulares e são considerados como axio­
que a última palavra -- mas espero realmente que ele seja aceito ma s. No entanto, os fatos e os números desmentem
como um trabalho de semeadura. tod os esses slogans . O que está acontecendp nos
" Est ados Unidos é algo bem diferente: um redirecio­
Claremont, Califórnia narnento profundo da economia, de "gerencial"
Nata! de 1 984 pai a "empreendedora" .
Nas duas décadas d e 6 5 a 85, o número de
ame ricanos com mais de dezesseis anos (por con­
seg u nte, contados como pertencentes à força de
tra balho, *· conforme as convenções das estatísticas
am ericanas) cresceu ao redor de 40 por cento, pas­
'· sar do de 1 29 para 1 80 milhões . Mas o número de
am en canos assalariados, empregados, cresceu, no
me smo período, de 50 por cento, ou seja, de 7 1
• (N.T.) População Economicamente Ativa (PEA), no Brasil.

.&:. ....
PETER F. DRUCKER 1 N< l V A(,'ÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 3
2

para 1 06 milhões. O crescimento do mercado de trabalho foi ,, : i ram a afluir decididamente para o mercado de trabalho em
mais rápido na segunda década daquele período , de t 97 4 a 1 984, 1 1 H·:1dos dos anos 70. O resultado é que hoje, em meio aos anos
quando o total de empregos na economia do país aumentou em 1m . uma de cada duas mulheres casadas, com filhos pequenos,
24 milhões. 1 ,·11 1 u m emprego pago, quando, em t 970, a proporção era de
Em nenhum outro período de paz, os Estados Unidos criaram 1 1 1 1 1 : 1 para cinco. E a economia pôde proporcionar empregos para
tantos empregos novos, calculados tanto em porcentagens como , · l : 1 s . cm muitos casos, muito melhores do que as mulheres jamais
em números absolutos. E , no entanto, os dez anos, que come­ l i :1 viam tido no passado .
çaram com a "crise do petróleo" em fins de 1 973, foram de uma Mesmo a�sim, como "todo mundo sabe", os anos 7 0 e os
extrema turbulência, de "crises de energia", do quase colapso , . rimciros anos de 80 foram períodos de "crescimento zero", de
das indústrias de "chaminés", e de duas sérias recessões. 1·s t :1gnação e declínio, de urna "desindustrial ização da América",
O desenvolvimento americano é único. Nada semelhante puis t odos ainda concentraram a sua atenção nas mesmas áreas
jamais ocorreu, em qualquer outro país. A Europa Ocidental, q t 1 L' eram consideradas de crescimento nos vinte e cinco anos
no d�correr do período de 1 970 a 1 984, na realidade perdeu q t l l' terminaram por volta de t 970.
cerca de 3 a 4 milhões de empregos. Em 1 9 70, a Europa Oci­ Nesses anos que se passaram, a dinâmica da economia
dental ainda contava com 20 milhões de empregados a mais que :1111cricana concentrava-se nas instituições que já eram grandes e
os Estados Unidos; mas em 1 984 nela existiam quase 1 0 ;1i1 1<l a cresciam mais e mais: as "500 da Fortune", isto é, as
milhões a menos. Até mesmo o Japão não se saiu tão bem na 1 1 1 :iiores empresas; governos federais, estaduais e municipais; as
criação de empregos quanto os Estados Unidos. Durante os doze 1•. r:1 11des e supergrandes universidades; as grandes escolas secun­
anos, de 1 970 a 1 982, o número de empregos no Japão cresceu d :í rias consolidadas com seis mil, ou mais, alunos; e o grande
em apenas 1 O por cento, isto é, menos da metade da taxa ame­ l iuspital, ainda sempre cre6cendo. Essa� instituições criaram,
ricana. p raticamente, todos os empregos existentes na economia ameri­
Mas, o desempenho americano na criação de empregos ". l·;1 1rn no quarto de século depois da Segunda Guerra Mundial .
durante os anos 70 e início dos anos 80 também contrariou F , Jurante esse período, em cada recessão, a perda do emprego
aquilo que todo especialista havia predito vinte e cinco anos 1· o desemprego ocorreram predominantemente em pequenas insti­
antes. Nessa época, a maioria dos analistas do mercado de tra­ t uições , e naturalmente , mais que todas as outras, nas pequenas
balho acreditava que a economia, mesmo com o mais rápido l'mpresas privadas.
crescimento possível, seria incapaz de criar empregos para todas as Entretanto, desde os últimos anos da década de 60, a criação
crianças do "baby boom" ; :' que iriam atingir a idade de ingresso dl' empregos e o crescimento do emprego nos Estados Unidos
na força de trabalho nos anos 70 e início dos 80 - as primeiras 1 ,correram em um novo setor. Os antigos criadores de empre­
grandes massas de crianças desse "baby boum" tendo nasc,ido em gos acabaram realmente perdendo suas v agas nos últimos vinte
1 949 e 1 950. Na verdade, a economia americana precisava a nos. O número de empregos permanentes (não contando o de­
absorver o dobro desse número. Isto porque - algo com que sl'mprego devido à recessão) na l ista das "500 da Fortune " tem
ninguém sequer sonhava em 1 970 - as mulheres casadas come- dim inuído consistentemente a cada ano desde 1 970, vagarosa-
* (N.T.) Nível mais elevado de natalidade. Contrapõe-se a "baby bust" (ver 111cnte no início, mas desde 1 97 7 ou 1 97 8 com maior rapidez.
adiante), nível mais baixo de natalidade. l 'or volta de 1 984, a lista das "500 da Fortune" havia perdido
PETER F. DRUCKER 1 1 11 1 V A(,' AO E ESPI RITO EMPREENDEDOR 5
4

de vez, pelo menos, de 4 a 6 milhões de vagas. Nos governos, hlamos, na verdade, nos estágios iniciais de uma das mais
também trabalha agora menos gente do que há dez ou quinze 1 1 1 q H i r tan tes transformações tecnológicas, e de longe mais avas­
anos, em parte devido à queda do número de professores, provo­ • r L i dura do que os mais arrebatados "futurólogos" poderiam ima­
cada pela redução das matrículas na esteira do "baby bust" i· 11 1 .ir, indo além das Megatendências " ou do Choque do Futu­

ocorrido no começo dos anos 60. As universidades cresceram ' o ,:. ,:, Trezentos anos de tecnologia chegaram ao fim depois da
até 1 980; desde então, o seu número de empregos vem decli­ '.w gunda Guerra Mundial. Nesses três séculos, o modelo de tec-
nando. E, até mesmo o número de empregados em hospitais parou 1 1Plugia foi de natureza mecânica : saber o que acontece dentro
de crescer desde o começo desta década. Em outras palavras, não , h- uma estrela como o sol. Esse período começara quando um
foram criados, de fato, 3 5 milhões de empregos, e sim 40 milhões l 1 s i co francês, quase desconhecido não fosse por isso, Denis
ou mais, pois foi necessário compensar uma redução definitiva l 'a pin, t concebeu a máquina a vapor por volta de 1 680. Esses
de vagas de, pelo menos, 5 milhões nas instituições empregadoras ; 1 1 1us terminaram quando nós então reproduzimos, na explosão
tradicionais. Assim, todos esses novos empregos só podem ter 11uc lcar, o que ocorre dentro de uma estrela. Naqueles trezentos
sido criados pelas inst!tuições pequenas e médias, a maioria delas a110s. um avanço em tecnologia significava, como nos processos
pequenas e médias empresas privadas, e das quais um grande 111ccânicos, mais velocidade, temperaturas mais elevadas e pres­
número, talvez a maioria, é de novas empresas, que sequer exis­ st-ics mais altas. Contudo, desde o fim da Segunda Guerra
tiam há vinte anos atrás. De acordo com o The Economist, hoje M undial , o modelo de tecnologia passou a ser o processo b ioló­
em dia, 600.000 novas empresas estão começando a cada ano gico, o que ocorre dentro de um organismo. E, num organismo,
nos Estados Unidos - cerca de sete vezes mais do que as que us processos não estão organizados a partir da energia, no signi­
começaram em cada um dos anos de grande crescimento das ficado físico do termo; eles estão organizados a partir da infor­
décadas de 50 e 60. mação.
Não há dúvida de que a alta tecnologia, seja sob a forma de
computadores ou telecomunicações, robôs nas fábricas ou auto�
matização de escritórios, biogenética ou bioengenharia, é de
II incomensurável importância qualitativa. Ela fornece os estímulos
e as manchetes. Ela cria a visão para o espírito empreendedor
e a inovação na comunidade, e a receptividade para ambos. A dis­
"Ah ! Então isso tudo aconteceu por causa da alta tecnolo­ posição dos jovens, muito bem treinados, de trabalhar para peque­
gia" , é o que todo mundo vai dizer imediatamente. Porém, as nos e desconhecidos empregadores, em vez de em um enorme
coisas não são tão simples assim. Dos mais de 40 milhões de banco ou um fabricante internacional de equipamentos elétricos,
empregos criados desde 1 965 na economia, a alta tecnologia não está certamente enraizada na mística da "alta tecnologia" , embora
contribuiu com mais de 5 ou 6 milhões. Portanto, a alta •.tecno­ a esmagadora maioria desses jovens trabalhe para empregadores
logia não criou mais do que as "chaminés" perderam. Todos os
empregos adicionais da economia foram gerados em algum outro * (N.T.) John Naisbitt. Megatrends. São Paulo: Ed. Abril, 1982.
** (N.T.) Alvir. Toffler. The Future Shock. Rio de Janeiro: Ed. Arteno­
lugar. E apenas um ou dois de cada cem novos negócios - tota­ va, 1972.
lizando dez mil por ano - são remotamente de "alta tecnologia", 1 . Referências e datas relacionadas a todas as pessoas mencionadas no texto
mesmo no seu sentido mais lato. encontram-se no lndice Remissivo.
6 P ET E R r. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESP I R I TO EMPREENDEDOR 7

cuja tecnologia é prosaica e rotineira. A alta tecnologia, prova­ para fazer a economia crescer de novo; e ninguém, muito menos
velmente, também estimulou a estonteante transformação do mer­ o governo, poderá fazer qualquer coisa nesse sentido . 2
cado de capitais dos Estados Unidos , da situação de quase As indústrias que alimentaram a prolongada expansão eco­
ausência de capitais de risco em meados dos anos 60 para o nômica depoi s da Segunda Guerra Mundial - automóveis, aço ,
quase excesso em meados dos anos 80. A alta tecnologia é, por­ borracha, equipamentos elétricos, eletrônica de consumo, telefone,
tanto, o que os lógicos costumavam chamar de ratio cognoscendi, e também petróled - enquadram-se perfeitamente no c iclo de
a razão pela qual nós percebemos e entendemos um fenômeno, Kondratieff. Tecnologicamente, todas elas remontam ao último
em vez de expl icar por que ele surge e a causa de sua existência. quarto do século X IX, ou, no mínimo, a antes da Primeira Guerra
Quantitativamente, como já foi dito, a alta tecnologia ainda Mundial . Em nenhuma delas houve qualquer realização s ignifi­
é limitada, respondendo por não muito mais que um oitavo dos cativa desde a década de 20, seja em tecnologia ou em concepção
novos empregos . Nem tampouco irá ela tornar-se muito mais im­ de negócios . Quando teve início o crescimento econômico depois
portante em termos de novos empregos no futuro próximo . De hoje da Segunda Guerra Mundial, todas elas eram indústrias total­
até o ano 2000, não mais que um sexto dos empregos que espe­ mente amadurecidas . Elas podiam crescer e criar empregos com
ramos criar na economia americana será de alta tecnologia, com novos investimentos de capital relativamente pequenos, o que
toda a probabilidade. De fato, se a alta tecnologia fosse, como se explica por que elas se permitiam aumentar, de maneira vertigi­
pensa em geral . o setor empreendedor da economia dos Estados nosa, salários e benefícios aos operários, ao mesmo tempo que
Unidos, então estaríamos realmente en frentando um período de conseguiam lucros fabulosos . Apesar disso, corno Kondratieff
"crescimento zero" , e de estagnação a longo prazo, num cavado havia predito, esses sinais de urna robusta saúde eram tão enga­
entre as cristas de uma "onda Kondraticf f " . nadores curno o rubor na face de um tuberculoso. As indústrias
O economista russo N i kolai Kondratieff foi executado, por estavam sendo corroídas por dentro . Elas não estagnaram ou
ordem de Stalin, em meados da década de 30 porque seu modelo declinaram aos poucos . Pelo contrário, elas entraram em colapso
econométrico predizia, acurndamentc, como acabou acontecendo, logo depois que os primeiros golpes dos "choques do petróleo"
que a coletivização da agricultura russa levaria a um pronunciado as atingiram em 1 97 3 e 1 97 9. Em poucos anos elas passaram de
declínio da produção agrícola. O "ciclo Kondratieff de cinqüenta lucros recordes para uma quase bancarrota. Como desde logo
anos " baseava-se na dinâmica inerente à tecnologia. A cada cin­ ficou perfeitamente claro, elas não terão condições de retornar
qüenta anos, assegurava Kondratieff, formam-se cristas numa aos seus níveis anteriores de emprego por muito tempo, talvez
longa onda tecnológica. Nos últimos vinte anos desse ciclo, as nunca mais.
indústrias de crescimento do mais avançado progresso tecnológico :1 i 2 . O ciclo de ondas longas de Kondratieff tornou-se conhecido no Ocidente
parecem estar excepcionalmente bem. Porém, o que parecem ser graças ao economi$ta austro-americano Joseph Schumpeter, no seu monumental livro
lucros recordes são, na realidade, repagamentos de capital que Business Cycles ( 1 939) . O discípulo de Kondratieff mais conhecido, mais influente
e mais importante - e também o mais autêntico e confiável dos profetas da
não são mais necessários em indústrias que pararam de crescer. "estagnação a longo prazo " - é o cientista fay Forrester, do MIT.
Esta situação nunca perdura por mais de vinte anos, surgindo 3 . Esta última, ao contrário do que geralmente se pensa, foi a primeira a
começar declinar. Na verdade, o petróleo deixou de ser uma indústria <lc cn.:sci­
então uma crise repentina, em geral prenunciada por algum tipo mento por volta de 1 950. A partir daí, a unidade incremental de petróleo ncn�s­
de pânico. Daí, seguem-se vinte anos de estagnação, durante a sária para uma unidade adicional de produção, seja em refinação, cm t rnnsporlL'.
ou em aquecimento e ar condicionado, vem caindo, lentamente 110 início. 11111s n1111
qual novas tecnologias não conseguem gerar empregos suficientes rapidez desde 1 973 .
8 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E E S P I R ITO E M P R E ENDEDOR 9

Da mesma forma, as indústrias de alta tecnologia enqua­ de mulheres buscando empregos remunerados daqui em diante
dram-se na teoria de Kondratieff. Conforme a sua previsão, até será limitado ao crescimento natural, o que significa que também
agora elas não conseguiram gerar mais empregos do que os que se reduzirá em 30 por cento.
estão sendo perdidos pelas antigas indústrias. Todas as projeções Quanto ao futuro das indústrias de ''chaminé " tradicionais,
indicam que elas não o conseguirão por muitos anos à frente, a teoria de Kondratieff deve ser considerada como uma hipótese
pelo menos até o final do século. Apesar do crescimento explo­ válida, se não, como a mais plausível das possíveis explicações.
sivo dos computadores, por exemplo, não se espera que o proces­ E , no que se refere à incapacidade das novas indústrias de alta
samento de dados e a manipulação da informação em todas as tecnologia de contrabalançar a estagnação das antigas indústrias
suas fases (projeto e engenharia, tanto de hardware como de de crescimento, novamente Kondratieff merece ser levado a sério.
software, produção, vendas e serviços) consigam adicionar tantos Dada a sua enorme importância qualitativa como criadoras de
empregos à economia americana no final desta, e no início da visões e desbravadoras de caminhos, quantitativamente as indús­
década de 90, quantos os que as indústrias automobilística e trias de alta tecnologia representam o amanhã mais que o ho.ie,
siderúrgica quase certamente irão perder. especialmente quanto à criação de empregos. Elas são as constru­
Entretanto, a teoria de Kondratieff falha totalmente ao não toras do futuro, mais do que do presente.
conseguir explicar os 40 milhões de empregos que a economia Porém , como teoria da economia americana que venha a
americana realmente criou . A Europa Ocidental, sem dúvida, explicar seu comportamento e prever seus rumos, a de Kondra­
até agora vem seguindo Kondratieff ao pé da letra. Mas, não os tieff estaria invalidada e desacreditada. Os 40 milhões de empre­
Estados Unidos, e, talvez, nem o Japão. Alguma coisa nos Estados gos criados na economia dos Estados Unidos durante uma
Unidos veio contrabalançar a "longa onda de tecnologia" dt "estagnação a longo prazo Kondratieff " não podem ser explicados
Kondratieff. Alguma coisa já aconteceu que é incompatível com em termos de Kondratieff.
a teoria da estagnação a longo prazo. Não quero inferir daí que não existam problemas ou riscos
Também não parece provável que nós simplesmente adia­ econômicos. Bem ao contrário. Um redirecionamento marcante
mos o ciclo de Kondratieff. I sto porque, nos próximos vinte anos, nos alicerces tecnológicos da economia, como a que presenciamos
a necessidade de haver novos empregos nos Estados Unidos será no último quarto do século XX, certamente envolve enormes
muito menor do que tem sido nos últimos vinte anos, de modo problemas, econômicos, sociais e políticos. Estamos também nos
que o crescimento econômico irá depender muito menos da estertores de uma grave crise política . a crise daquele grande
criação de empregos. O número de novos ingressantes no mer­ sucesso do século X X, o Estado do Bem-Estar Social, pelos peri­
cado de trabalho americano será de cerca de um terço menor gos ligados a um déficit não controlado e aparentemente incon­
para o resto do século, e na verdade até o ano 20 1 0, do que trolável, mas que é, em grande medida, inflacionário. Certamente
nos anos quando as crianças do "baby boom " atingiram a �idade existem perigos em quantidade suficiente na economia interna­
adulta, isto é, 1 965 a 1 980, mais ou menos. Desde o "baby cional, com as nações de rápida industrialização, como o Brasil
bust" de 1 960- 1 96 1 , o número de nascimentos tem sido 30 por e o México , pendentes entre uma rápida decolagem econômica
cento menor do que foi durante os anos do "baby boom". E com e um desastre financeiro, que podem levar a uma depressão global
a participação da mulher com menos de 50 anos na força de prolongada como a de 1 930. E existe, também, o espectro assus­
trabalho sendo já igual a dos homens, o aumento no número tador da corrida armamentista descontrolada. Mas, pelo menos,
,.,
IO PETER F. DRUCKER I N O V A Ç Ã O E ESPf R I TO E M P R E E N D EDOR 11

1 111 1 dus temores que existem no exterior atualmente, o da estag-


1 1:1�.·iiu Kondratieff, pode ser considerado mais u ma fantasia da 11.. capital aberto ao público , a lista pende bastante na direção das
empresas de alta tecnologia, que têm fácil acesso aos recursos
1111.iginação que realidade para os Estados Unidos. Aqui, nós do mercado de ações, às corretoras e por serem negociadas em
l l'mos uma economia nova , que é empreendedora. bolsas de valores e mercados de balcão. A alta tecnologia está
Ainda é prematuro dizer se a economia empreendedora na moda. Outras iniciativas de risco , ainda novas, geralmente só
continuará a ser predominantemente um fenômeno americano, ou podem recorrer ao público depois de longos anos de amadureci­
se ela surgirá em outros países industrialmente desenvolvidos. mento , e mostrando lucros por períodos bem maiores que cinco
N o Japão, há boas razões para crer que isso está começando a anos. Apesar disso , somente um quarto das cem companhias
acontecer, se bem que à maneira japonesa. Contudo, ninguém mencionadas na Jnc. são de alta tecnologia; os outros três quartos
ainda pode dizer se na Europa ocorrerá essa m udança de rumo permanecem decididamente de baixa tecnologia, ano após ano .
para uma economia empreendedora. Em termos de demografia, Em 1 982 , por exemplo , constavam da lista das cem cinco
a Europa Ocidental está atrasada dez a quinze anos em relação cadeias de restaurantes, duas confecções de roupas femininas e
aos Estados Unidos: tanto o "baby boom" como o "baby bust " vinte serviços de assistência à saúde, mas apenas de vinte a trinta
vieram mais tarde na Europa do que na A mérica. Igualmente, o empresas de alta tecnologia. E , enquanto jornais dos Estados
movimento no sentido de uma escolarização bem mais prolon­ Unidos, em 1 98 2 , publicavam artigos e mais artigos deplorando a
gada começou na Europa Ocidental dez anos depois dos Estados "desindustrialização" do país, metade das empresas da lnc. eram
Unidos e do Japão; e na Grã-Bretanha mal começou . Se, como manufatureiras, e apenas um terço, de serviços. Embora em 1 982
é bem provável que sim , a demografia foi um fator na emergência corresse a notícia de que a "Faixa Gelada" * estava morrendo, e
da economia empreendedora nos Estados Unidos, poderíamos que a única área de crescimento possível era a "Faixa do Sol"/ *
então ter um desenvolvimento similar na Europa por volta de apenas um terço das " 1 00 da lnc. " nesse ano era desta última.
1 990 ou 1 99 5 . Porém , isto é especulação. Até agora, a economia O Estado de Nova York tinha tantas dessas companhias
empreendedora é puramente um fenômeno americano . abertas ao público, jovens e de crescimento rápido , quanto a
Califórnia ou o Texas; e a Pennsylvania, Nova Jersey e Massa­
chusetts, embora supostamente moribundos, se não já mortos,
também tinham tantas dessas companhias quanto a Califórnia ou o
III Texas, e tanto quanto Nova York. A gelada Min nesota tinha sete
empresas na lista . As listas dos anos de 1 983 e 1 984 mostravam
uma distribuição bastante similar tanto em relação ao setor indus­
De onde vieram todos esses empregos? A resposta é : de
trial como à geografia.
qualquer lugar ou de nenhu m; em outras palavras, não pe uma
Em 1 98 3 , a primeira e a segunda empresas em ou tra l ist.1
única fonte.
da Inc. - a relação das "500 da l nc. " de mais rápido cresci-
A revista Jnc. , publicada em Boston , tem fornecido anual­
mente, desde 1 98 2 , uma relação das cem companhias americanas • ( N . T.) " Faixa Gelada" , região ao norte dos Estados Unidos, dt: l ado ;1 l:1do.
de capital aberto que mais crescem, dentre as de mais de cinco nevosa e fria.
** (N. T.) "Faixa do Sol ", região ao sul do país, tam bém do A t l fi n t i n > ª"
anos de existência e menos de quinze. Restringindo-se às de Pacífico, ensolarada e quente.
PETER F. DRUCKER I N OVAÇÃO E E S P Í R I T O E M P R E E N D E D O R 13
12

mento, jovens, de capital fechado - eram , respectivamente, uma liberal, o pequeno empresário ou o fazendeiro, prósperos mas não
firma construtora do noroeste do Pacífico (no ano em que o ricos, que moram em cidades pequenas ou nos subúrbios, que
ramo de construções supostamente deveria estar atravessando a ganham mais dinheiro do que gastam, e que por isso procuram
pior das crises) , e um fabricante na Califórnia, de equipamentos onde colocar suas economias. mas que são também suficiente­
de ginástica para o lar. mente realistas para não esperar ficarem ricos por meio do inves­
Qualquer pesquisa feita junto aos capitalistas de risco mos­ timento.
traria o mesmo padrão . Na verdade, nas carteiras de títulos A fonte de informações mais reveladora sobre os setores de
crescimento da economia americana que consegui encontrar é
desses empresários, as firmas de alta tecnologia são, geralmente,
um estudo das cem companhias de "tamanho médio" de cresci­
ainda menos proeminentes. A carteira de um desses investidores
mento mais rápido, com receitas variando de 2 5 milhões a um
de capital de risco mais bem sucedido inclui realmente várias
bilhão de dólares . Esse estudo foi realizado de 1 98 1 a 1 983 para
empresas de alta tecnologia : um novo produtor de software para a American Business Conference por dois sócios seniores da firma
computador , urna nova empresa de tecnologia médica, e assim de consultoria McKinsey & Company."
por diante. Porém , o mais lucrativo investimento dessa carteira,
Essas médias empresas de crescimento se expandiram a uma
a empresa nova que tem crescido mais rapidamente, tanto em
taxa três vezes maior que as " 500 da Fortune " em vendas e lucros.
receitas como em lucratividade, durante os três anos, 1 98 1 - 1 983,
As "500 da Fortune" vêm perdendo empregos ininterruptamente
é o mais prosaico e o de menos "alta tecnologia" no mundo dos
desde 1 9 70, enquanto que essas médias empresas de crescimento
negócios, uma cadeia de barbearias. E depois dela, em cresci­ adicionaram empregos entre 1 970 e 1 983 a urna taxa de cresci­
mento de vendas e lucratividade , vem uma cadeia de consultórios mento de emprego três vezes maior do que a do país como um
de dentistas, seguindo-se um fabricante de ferramentas manuais, todo. Até mesmo nos anos da depressão de 1 98 1 - 1 982 , quando
e uma financeira que arrenda maquinaria para pequenas em­
o nível de emprego na indústria americana caiu de quase 2 por
presas.
cento , as cem médias empresas de crescimento aumentaram seu
Dentre as empresas que conheço pessoalmente , aquela que
próprio nível em l por cento. Essas empresas abarcam todo o
criou mais empregos durante os cinco anos de 1 9 79 a 1 984, e
espectro econômico. Naturalmente , entre elas existem as de alta
que também cresceu mais rapidamente em receitas e lucros é uma
tecnologia . mas também as que prestam serviços financeiros,
firma de serviços financeiros. No período de cinco anos essa
como, por exemplo , a Donaldson, Lufkin e Jenrette , de investi­
firma criou , só ela. dois mil novos empregos, a maioria deles
mentos e corretagem , de Nova York . U ma firma com um dos
muito bem remunerados. Embora membro da Bolsa de Valores
melhores desempenhos no grupo é uma que fabrica e vende mohí­
de Nova York , somente cerca de 1 2 por cento de seus negócio�
lias de salas de estar ; outra faz e vende biscoitos de rosquinhas;
estão em ações. O resto está em papéis com rendimentos, anuais.
uma terceira, trabalha com porcelana fina; uma quarta, com ma­
debêntures com isencão fiscal . fundos mútuos e fundos de curto
prazo, títulos hipotecários, sociedades de pessoas físicas para terial para escrever; uma quinta , tintas de uso doméstico; uma
vantagens fiscais, e uma imensa variedade de investimentos simi­ 4. O estudo foi publ icado sob o título " Lessons J'rom Am �rica 's M i d-Sizcd
lares para atender a quem a firma chama de "investidor inteli­ Growth Companies" ( " E nsinamentos Obtidos de Médias Empresas de Crescimento
Americanas "), de Richard E . Cavenaugh e Donal d K. Cli ííord , Jr .. no n úmero de
gente". Esses investidores são definidos corno sendo o profissional outono de 1 983, da McKinsey Ouarterly.
PETER F. D RUCKER I N OVAÇÃO E E SPÍRITO EMPREENDEDOR 15
14

sexta expandiu-se, passando de impressora e publicadora de construída há quinze anos e que fora desativada por falta de alu­
jornais locais para serviços de marketing ao consumi dor ; uma nos nos últimos cinco anos. A educação continuada de todos os
sétima produz fios para a indústria têxtil; e assim por diante . tipos, seja os programas de Administração para executivos em
E quando "todo mundo sabe " que o crescimento na economia meio de carreira, ou cursos de atualização para médicos, enge­
americana está exclusi vamente em serviços, mais da metade nheiros, advogados e fisioterapeutas, está crescendo vertiginosa­
dessas méd ias empresas de crescimento está na manufatura. mente ; mesmo durante a severa recessão de 1 982- 1 983, esses
Para tornar o quadro ainda mais confuso, o setor de cresci ­ programas sofreram apenas um retrocesso de curta duração .
mento d a economia dos Estados Unidos durante os últimos dez Uma área adicional de empreendimento, bastante impor­
a quinze anos, embora inteiramente não-governamental, inclui um tante, é o emergente "Quarto Setor" de p arcerias públicas­
número razoavelmente grande de negócios que não são normal­ privadas. Nestas, os órgãos governamentais de serviços, estaduais
mente considerados como empresas, apesar de vários deles esta­ ou municipais, estabelecem os padrões de desempenho exigidos e
rem agora sendo estruturados como empresas de fins lucrativos. propiciam recursos financeiros. Daí, contratam um serviço, como
As mais visíveis destas, naturalmente, estão no campo dos servi­ coleta de lixo, proteção contra incêndios, ou transporte por
ços de saúde. O tradicional hospital comunitário americano passa ônibus, com uma empresa privada por meio de licitações, assegu­
por enormes dificuldades nos dias de hoje . Porém , existem cadeias rando dessa maneira serviços melhores a custos substancialmente
de hospitais que estão crescendo e prosperando rapidamente, mais baixos. A cidade de Lincoln, capital de Nebraska, foi pio­
tanto aquelas de fins lucrativos, como, em escala crescente, as neira nesta área desde que sua prefeita , Helen Boosalis, foi eleita
que não têm fins lucrati vos. Crescendo mais depressa, ainda, pela primeira vez em 1 97 5; e essa foi a mesma cidade onde há
estão as instalações de assistência à saúde "independentes", cdmo, cem anos atrás os Populistas e William Jennings Bryan nos inicia­
por exemplo, retiros para pacientes terminais, laboratórios clíni­ ram no caminho da propriedade municipal dos serviços públicos.
cos e de diagnóstico, centros ci rúrgicos, lares maternais, clínicas Um trabalho pioneiro nessa área está sendo realizado no Texas,
psiquiátricas ambulatoriais e centros geriátricos de diagnóstico nas cidades de San Antonio e Houston, por exemplo, e, especial­
e tratamento. mente , em M inneapolis, no Instituto Herbert Humphrey da Uni­
As escolas públicas estão se contraindo em quase todas as versidade de M innesota . A Control Data Corporation , uma grande
comunidades do país. M as, apesar do declínio do número total fabricante de computadores, também de M inneapolis, está for­
de cri anças de i.dade escolar em conseqüência do "baby bust" mando sociedades públicas-privadas em educação e até mesmo
dos anos 60, estão florescendo inúmeros tipos novos de escolas na administração e reabilitação de detentos. E se existe qualquer
privadas, porém sem finalidades lucrativas. Na pequena cidade medida que possa salvar os serviços postais a longo prazo -
da Califórnia onde eu moro, uma cooperativa de babysitting da porque certamente há um limite para a boa vontade da popu­
vizinhança , fundada em 1 980 por um grupo de mães pàra seus lação de pagar por subsídios cada vez maiores e cada vez mais
filhos, tinha em 1 984 crescido a tal ponto que contava com impostos para a prestação de um serviço que p iora cada vez
duzentos alunos até o quarto ano primário. E uma escola mais - ela pode bem ser a contratação de serviços de primcir:.i
"Cristã" , iniciada há alguns anos pelos batistas da cidade , assu­ classe (ou do que ainda restará dele daqui a dez anos) com o
miu uma escola secundária que pertencia à cidade de Claremont, "Quarto Setor" através de concorrênci as .
16 PETER F . D RUCKER I NOVAÇÃO E E S P IRITO EMPREEN DEDOR 17

IV severamente golpeados no início. C inco anos depois eles haviam


se recuperado desse colapso e estavam crescendo de novo e rapi­
damente. Em termos de "tecnologia" tais países não diferiam das
estagnadas Grã-Bretanha e França. O que explica a diferença de
Existe mesmo alguma coisa em comum nesses empreendi­
comportamento econôdiico era um único fator: o empreendedor.
mentos de crescimento além de crescimento e de desafio à estag­
Na Alemanha, por exemplo, o evento isolado mais importante
nação de Kondratieff? Na verdade, todos eles são exemplos de
entre 1 87 3 e 1 9 1 4 foi seguramente a criação do Banco Universal.
" nova tecnologi a", todos constituem novas aplicações do conhe­
O primeiro destes, o Deutsche Bank, foi fundado em 1 870 por
cimento ao trabalho humano, o que é, em última análise, a defi­
Georg Siemens5 com a missão específica de encontrar empreen­
nição de tecnologia. Somente que a "tecnologia" não é a Eletrô­
dedores, financiar empreendedores, e forçá-los a uma administra­
n ica, ou a Genética, ou novos materiais. A "nova tecnologia"
ção organ izada e disciplinada. Na história econômica dos Estados
é a administração empreendedora.
Unidos, banqueiros empreendedores como J . P. Morgan, em Nova
Constatado isso, então o espantoso crescimento do emprego
York, desempenharam papel semelhante.
na economia americana durante os últimos vinte anos, e especial­
Atualmente, algo bastante similar parece estar ocorrendo nos
mente nos últimos dez, pode ser explicado. Pode até mesmo ser
Estados Unidos, e talvez, até certo ponto, também no Japão.
conciliado com a teoria de Kondratieff. Os Estados Unidos e,
Na verdade, a alta tecnologia é o único setor que não faz
até certo ponto, o Japão estão passando pelo que pode ser cha­
parte desta nova "tecnologia", esta "administração empreendedo­
mado de um "ciclo Kondratieff atípico" .
ra". Os empreendedores de alta tecnologia do Vale do Silício,
Desde que Joseph Schumpeter o assinalou pela primeira vez
na Califórnia, ainda continuam a operar basicamente em moldes
em 1 93 9, temos sabido que realmente o que aconteceu nos Esta­
do século X I X . Eles n inda crêem no que dizia Benjamim Fran­
dos Unidos e na Alemanha nos cinqüenta anos entre 1 8 73 e a
klin : "Se você inven tar uma ra toeira melhor, o mundo i nteiro
Primeira Guerra Mundial não se ajusta ao ciclo de Kondratieff.
abrirá um caminho pa ra chegar até sua porta". No entanto, não
Este, baseado que fora no apogeu das ferrovias, terminou com e ocorreu a eles perguntar o que faz uma ratoeira "ser melhor" ou
craque da Bolsa de Valores de V iena em 1 87 3, em um desastre para quem?
financeiro que .-}errubou bolsas de valores por todo o mundo e Existe, naturalmente, uma fartura de exceções, empresas de
provocou uma severa depressão. A Grã-Bretanha e a França alta tecnologia que sabem muito bem como gerir empreendimento
entraram então num longo período de estagnação industrial e inovação. Mas também no século X IX havia exceções. Uma
durante o qual as novas tecnologias que surgiam - aço, produ­ delas era o alemão Werner Siemcns, que fundou e construiu a
tos químicos, equipamentos elétricos, telefone e finalmente auto­ empresa que ainda hoje leva o seu nome. Outra foi George
móveis - não puderam criar empregos suficientes para com­ Westinghouse, americano, um grande inventor, mas também um
pensar a estagnação nos antigos setores industriais, como � cons­ grande construtor de empresas, que deixou atrás de si compa­
trução de ferrovias, mineração de carvão, ou tecelagem. nhias que conservam o seu nome; uma, líder no campo de trans­
Entretanto, isso não ocorreu nos Estados Unidos nem na portes e, outra, uma das potências na indústria de maquinaria
Alemanha, e, deveras, nem na Áustria, apesar do impacto trau­ elétrica.
mático da quebra do mercado de valores vienense, do qual a
política austríaca jamais se recuperou de todo. Esses países foram 5 . Sobre Georg Siemens e o Banco Universal, ver o Capítulo g_
22 PETER F. DRUCKER I N OV AÇÃO E ESP fRITO EMPREENDEDOR 23

tradores profissionais", isto é, contratados e não proprietários. cação", argumentava-se, "exige administração profissional, e
:!,
Porém, certamente, se a Administração não tivesse se tornado uma .t esta, por sua vez, funciona somente em grandes e não em peque­
disciplina sistematizada, nós não poderíamos ter organizado nos empreendimentos" .
~

· "" 1

1 Durante os últimos dez o u quinze anos nós revertemos essa

•I
aquilo que é agora uma realidade social em todos os países de­
senvolvidos: a sociedade de organizações e a "sociedade de tendênc ia . De fato, talvez esteja havendo uma tendência mais
empregados' ' . forte para "desins titucion alizar" os Estados Unidos do que para
Ainda temos muito que aprender sobre Administração, como "desindustrializá-lo". Por quase cinqüenta anos, desde a década
todos admitem, e principalmente sobre a Administração do de 30, acredita va-se, largamente nos Estados Unidos e também
trabalhador do conhecimento. Mas, o que é fundamental, já é na Europa Ocidental . que o hospital era o melhor lugar para
bem conhecido . Na verdade, o que era um culto esotérico há qualquer pessoa que não se sentisse bem, quanto mais para qual­
somente quarenta anos, quando a maior parte dos executivos, quer uma que estivesse gravemente doente. "Quanto mais
mesmo em grandes empresas, não se dava conta de que pratica­ depressa o doente chegar ao hospital, melhor será o atendimento
vam a Administração, hoje tornou-se um lugar comum. que poderemos dar a ele", era a crença prevalecente, compar ti­
Até recentemente, entretanto, em geral a Administração era lhada por médicos e pacientes. Estamo s revertendo essa tendên­
vista como confinada a empresas, e, no âmbito das empresas, às cia . Cada vez mais acredi tamos que por quanto mais tempo pu­
grandes empresas. No início dos anos 70, quando a American dermos manter os pacientes longe do hospital e quanto mais cedo
Management Association convidou donos de pequenas empresas pudermos mandá-los embor a, é melhor . Certamente esta reversão
para o seu "Curso de Presidentes", acabou ouvindo a toda hora : pouco tem a ver com assistência médica ou com a Administração .
"Administração? Isto não serve para mim, é só para as grandês É uma reação , permanente ou de curta duração, contra a idolatria
c0mpanhias. " Até 1 970 ou 1 97 5, os administradores hospitalares pela centralização, por "planeja mento", por governo, que come­
americanos rejeitavam qualquer coisa que fosse rotulada de çou nas década s de 20 e 30, e que nos Estados Unidos chegou
"Administração" . "Nós somos gente de hospital e não de negó­ ·, ao auge nos governos de Kennedy e Johnson nos anos 60. Contud o,
cios", diziam eles. (Nas universidades, os professores ainda repe­ não poderíamos nos content ar com essa "desinstitucionalização"
tem o mesmo, apesar de, ao mesmo tempo, queixarem-se de quão no setor saúde se não tivéssemos adquirido a competência e a
mal administrada é a sua instituição.) Ainda assim, por muito confiança para gerir pequenas instituições "que não são negó­
tempo, do término da Segunda Guerra Mundial até 1 970, "pro­ cios", ou seja, instituições de serviços de saúde.
gresso" significava construir instituições sempre maiores. Em última análise, estamos aprendendo que a Administra­
Esta tendência de vinte e cinco anos de se construir institui­ ção pode ser tanto mais necessária e também ter maior impacto
ções maiores em todas as esferas sociais, empresas, sindicatos, sobre a pequena organização empreendedora do que na grande
hospitais, escolas, universidade, e assim por diante, tinha muitas empresa "adminis trada" . Acima de tudo, a Administração, con­
causas. Mas a crença de que sabíamos administrar o que era forme sabemos agora, tem tanto a contribuir para a empresa em­
grande e não sabíamos realmente como administrar pequenos preendedora nova, quanto para a empresa "adminis trativa " exis-
empreendimentos foi, com certeza, um dos principais fatores. tente.
Essa crença teve também muito a ver, por exemplo, com a corrida Tomando um exemplo específico, locais de venda de ham­
para a grande escola americana secundária incorporada. "Edu- búrgueres nos Estados Unidos existem desde o século XIX ; de-
PETER F. D RUCKER
1
24

I
pois da Segunda Guerra Mundial eles brotaram nas esquinas PARTE
das grandes cidades. Porém, na cadeia de hambúrgueres McDo­
nald's, uma das histórias de sucesso dos últimos vinte e cinco
anos, era de que a Administração estava sendo aplicada àquilo
que sempre havia sido uma atividade precária e caseira. A McDo­
nald's, antes de mais nada, desenhou o produto final; em segui­
da, reprojetou todo o processo de prepará-lo; daí reprojetou,
ou, em muitos casos, inventou, os instrumentos de modo
a conseguir que cada peça de carne, cada fatia de cebola, cada
pão, cada batata frita seria idêntico ao outro e ficassem prontos
através de um processo cronometrado e totalmente automático.
Finalmente, a McDonald's analisou o que significava "valor"
para o consumidor, e definiu-o como sendo qualidade e confia­
bilidade do produto, rapidez de atendimento, limpeza absoluta, A PRÁTICA DA
e gentileza no trato; estabeleceu padrões para todos esses itens,
e fez o treinamento de seu pessoal e o remunerou , a partir desses INOVAÇÃO
requisitos.
Tudo isso é Administração e, bem dizendo, Administração
avançada.
A Administração é a nova tecnologia (e não apenas uma
nova ciência ou invenção qualquer) que está fazendo da econo­
mia americana uma economia empreendedora. Está também a
ponto de fazer da América uma sociedade empreendedora. Real­
A inovação é o instrumento específico dos em­
preendedores, o meio pelo qual eles exploram a
mente, pode haver maiores perspectivas nos Estados Unidos, e
nas sociedades desenvolvidas em geral , para inovação social em
mudança como uma oportunidade para um negó­
educação, assistência médica, governo e política do que em ne­ cio diferente ou um serviço diferente. Ela pode
gócios e na economia. E , repetindo, o empreendimento na socie­
bem ser apresentada como uma disciplina, ser
dade, absolutamente necessário, requer, sobretudo, a aplicação
apreendida e ser praticada. Os empreendedores
dos conceitos básicos, a techné básica, da Administração para precisam buscar, com propósito deliberado, as fon­
problemas novos e oportunidades novas. tes de inovação, as mudanças e seus sintomas que
Isto quer dizer que agora é o momento para fazer pelo em­ indicam oportunidades para que uma inovação te­
preendimento e inovação o que primeiro fizemos pela Adminis­ nha êxito. E os empreendedores precisam conhecer
tração em geral cerca de trinta anos atrás: estabelecer os princí­ e pôr em prática os princípios da inovação bem
pios, a prática e a disciplina.
sucedida.
25
1-

-p,-_.., Empreendimento
tt:.. Sistemático
1

1
l

--
e
::s
,..,
~
u
I
O " empreendedor " , dizia o economista fran­
cês J. B. Say por volta de 1 800, " transfere recur­
sos econômicos de um setor de produtividade mais
baixa para um setor de produtividade mais ele­
vada e de maior rendimento " . Porém, a definição
de Say não nos diz quem é esse " empreendedor" .
E desde que Say cunhou o termo, há quase duzen­
tos anos, tem havido uma total confusão sobre a
definição de " empreendedor" e "empreendi­
mento" .
Nos Estados Unidos, por exemplo, o empre­
endedor é freqüentemente definido como aquele
que começa o seu próprio, novo e pequeno negó­
cio. Na verdade, os cursos de " entrepreneurship",
que se tornaram comuns ultimamente nas escolas
americanas de Administração, são descendentes ·
diretos dos cursos sobre como começar o seu pró­
prio negócio, oferecidos há trinta anos atrás, e,
em muitos casos, bastante semelhantes.
27

L �
28 P ETER F. DRUCKER I N OVAÇÃO E ESP!RITO EMPREEN DEDOR 29

Entretanto, nem todos os pequenos negócios novos são as mesmas dimensões, a mesma composição metálica, o mesmo
empreendedores ou representam empreendimento. peso, e as mesmas especificações de desempenho. E, no entanto,
O casal que abre mais uma confeitaria, ou mais um res­ as peças fundidas estão sendo produzidas de fato como um pro­
taurante de comida mexicana no subúrbio americano, certamente cesso contínuo de produção e não intermitente, por lotes, com má­
estará assumindo riscos. M as , será que eles são empreendedores? quinas controladas por computadores e com fornos auto-regu­
Tudo que fazem já foi feito muitas vezes antes. Eles apostam na láveis.
popularidade crescente de se comer fora, na vizinhança. Por outro As peças fundidas de precisão desse tipo costumavam apre­
lado, eles não criam uma nova satisfação para o consumidor, e sentar uma taxa de rejeição da ordem de 30 a 40 por cento;
nem uma nova demanda para este. Visto sob esta perspectiva, é nessa nova fundição, 90 por cento ou mais são perfeitas quando
claro que eles não são empreendedores, mesmo que o seu negócio saem da linha de produção. E seus custos são menos que dois
seja novo. terços menores do que os de seu concorrente mais próximo (um
A McDonald 's, contudo, foi um caso de empreendimento. Ela estaleiro coreano), mesmo com a fundição do Meio-Oeste pagan­
não inventou nada, por certo. O seu produto final vinha sendo do in totum os salários e benefícios sindicais americanos. O que
produzido por qualquer restaurante americano decente há anos e há de "empreendedora " nessa · companhia não é o fato dela ser
anos. Entretanto, ao aplicar conceitos de Administração e técni­ nova e ainda pequena, apesar de estar crescendo rapidamente.
cas gerenciais (perguntando, O que é "valor" para o consumi­ É de ter constatado que esse tipo de peças são distintas e inde­
dor?), padronizando o produto, desenhando processos e equipa­ pendentes umas das outras; que a demanda por elas cresceu
mentos, baseando o treinamento de seu pessoal na análise do tanto a ponto de criar um "nicho de mercado"; e que a tecnolo­
trabalho a ser feito e a partir daí estabelecendo os padrões de gia, especialmente a de computadores, torna possível agora con­
qualidade que exigiria, a M cDonal d 's não somente elevou drasti­ verter o que era uma arte em um processo científico.
camente o rendimento dos recursos, como também criou um novo Reconhecidamente, todas as pequenas empresas novas têm
mercado e um novo consumidor. Isto é empreendimento . muitos pontos em comum . Entretanto, para ser empreendedora,
I gualmente empreendedora é a fundição começada por um uma empresa tem que possuir características especiais, além de
casal no Meio-Oeste dos Estados Unidos há uns poucos anos, para ser nova e pequena. Na verdade, os empreendedores constituem
tratamento térmico a temperaturas elevadas de peças que aten­ a minoria dentre as pequenas empresas. Eles criam algo novo,
dessem a especificações para alto desempenho - por exemplo, a lgo diferente; eles mudam ou transformam valores.
eixos para os gigantescos bulldozers usados para a terraplenagem Uma empresa também não precisa ser pequena e nova para
de terrenos, e preparação de valas para um oleoduto de gás na­ st.:r empreendedora . Realmente, o empreendimento está sendo
tural atravessando o Alasca. A técnica necessária é bem conhe­ praticado por grandes, e, com bastante freqüência, velhas empre ·
cida, e, de fato, a empresa faz poucas coisas que já não �tenham sas. A General Electric Company (GE), uma das maiores com­
sido feitas. Porém, em primeiro lugar, os fundidores sistematiza­ panhias do mundo, e com mais de cem anos de existência, mos-
ram a informação técnica : agora eles digitam as especificações 1 ra uma longa história de como começar novas empresas empreen­
de desempenho no computador e obtêm imediatamente o printout dedoras desde a estaca zero e levá-las a se tornarem in dústrias
do tratamento necessário. Em segundo lugar, eles sistematizaram de porte. E a GE não tem restringido seu espírito empreendedor
o processo. Poucos pedidos passam de meia dúzia de peças com i1 manufatura. Seu ramo financeiro, a GE Credit Corporation .
30 P E T E R F. D R U C K E R 1 ·, 1 l \1 1\ÇÃO E ESP1RITO EMP R EENDEDOR 31

em grande medida, foi quem disparou o gatilho da revolução que \, Tcssão, as "velhas" faculdades americanas estavam morrendo
está transformando o sistema financeiro americano, e que está , lt- senilidade. Em 1 870, os Estados Unidos tinham cerca de me-
atualmente se espalhando rapidamente para a Grã-Bretanha e 1 : ,dc dos estudantes universitários em relação a 1 830, mesmo
também para a Europa Ocidental . A GE Credit, nos anos 60, , 1 1 1 11 uma população três vezes maior. Porém, nos trinta anos se-

deu a volta pela Li nha Maginot do mundo financeiro quando 1·. 1 1 i ntes, uma galáxia de presidentes 1 "' de universidades americanas
descobriu que títulos comerciais poderiam ser utilizados para fi­ l i ; 1via criado e construído uma nova "universidade americana" -
nanciar a indústria. Isto quebrou o antigo monopólio dos bancos distintamente nova e distintamente americana - que, então, de­
nos empréstimos comerciais. pois da Primeira Guerra Mundial , deu para os Estados Unidos
A Marks and Spencer, a enorme cadeia varejista britânica, :1 li derança mundial em erudição e pesquisa, da mesma forma
provavelmente, tem sido mais empreendedora e i novadora do que rnmo a universidade de Humboldt havia dado à Alemanha a li­
qualquer companhia européia ocidental nestes últimos cinqüenta derança em erudição e pesquisa um século antes.
anos, e pode ter provocado um impacto maior na economia ingle­ Depois da Segunda Guerra Mundial, uma nova geração de
sa, e mesmo na britânica, do que qualquer outro agente de mu­ l·mpreendedores americanos i novaram mais uma vez, construin­
dança na Grã-Bretanha, e talvez mais até que o governo e as leis. do universidades "privadas" e "metropolitanas" novas: Pace Uni­
Repetindo, a G E e a Marks and Spencer possuem muitas vcrsity, Fairleigh-Dickinson, e o Instituto de Tecnologia de Nova
coisas em comum com as grandes empresas já estabelecidas, que Y ork, na região de Nova York; Northeastern, em Boston ; Santa
são inteiramente não-empreendedoras. O que as torna empreen­ C lara e Golden Gate, na Califórnia; e outras mais. Elas consti­
dedoras são características que não o seu tamanho ou o seu cres­ tuíram um importante setor de crescimento na educação superior
cimento. americana nos últimos trinta anos. A maioria dessas escolas pare­
Finalmente, o empreendimento de maneira alguma se res­ ce pouco d iferente das antigas instituições em termos de seus
tringe exclusivamente a instituições econômicas. currículos. Porém, elas foram estruturadas deliberadamente para
Não existe melhor texto que possa ser encontrado para uma um "mercado" novo e diferente - indivíduos em meio de suas
História de Entrepreneurship do que a criação e o desenvolvi­ carreiras, em vez de jovens recém-saídos da escola secundária;
mento da universidade moderna, especialmente da atual universi­ estudantes das cidades grandes viajando diariamente para a uni­
dade americana. A universidade, tal como a conhecemos hoje, versidade a qualquer hora do dia e da noite, em vez de estudan­
começou como resultado da imaginação de um diplomata e fun­ tes morando nos campi universitários, com dedicação plena aos
cionário público alemão, Wilhelm von Humboldt, que em 1 809 estudos, cinco dias por semana, das nove às cinco; e estudantes
concebeu e fundou a Universidade de Berlim com dois objetivos com formações bem diversas, e deveras bem heterogêneas, cm
claros: retirar dos franceses a liderança intelectual e científica e vez dos alunos típicos da tradição universitária americana. Essas
passá-la aos alemães, e capturar as energias l iberadas pel-? Revo­ escolas foram urna resposta a urna importante mudança de rumo
lução Francesa e voltá-las contra os próprios franceses, especial­
mente, Napoleão. Sessenta anos mais tarde, ao redor de 1 870 , 1 . Veja a parte sobre a universidade americana em meu livro A dministração:
quando a universidade alemã havia atingido o apogeu, a idéia de Tarefas, Responsabilidades, Práticas. São Paulo: Livraria Pioneira Editora. 1 975.
pp. 1 63-65.
Humboldt sobre a universidade foi apanhada do outro lado do * (N.T.) Correspondem, mais ou menos, aos nossos reitores. A Pioneira pu­
Atlântico, nos Estados Unidos. Neste país, ao final da Guerra de blicou, também, Introdução à Administração, uma versão ligeiramente reduzida e
prática da obra acima citadr. em 1984.
32 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESP fRITO EMPREENDEDOR 33
no mercado, a mudança no pre
stígio do diploma universitário
passando de "classe alta " para distinguir o "patrão", que é também o dono, do "administrador
"classe média", e a importante
mudança quanto ao que significa profissional" e dos empregados em conjunto.
va "ter um curso superior". Ela s
representam o espírito empreend Porém, as primeiras tentativas para criar o empreendimento
edor.
Poderíamos, da mesma forma , sistemático - o banco empreendedor fundado na França em
escrever um livro de casos
sobre o empreendimento baseado 1 857 pelos irmãos Pereire, no seu Credit Mobilier, depois aperfei­
na história do hospital, desde
o aparecimento do primeiro hos çoado em 1 870 do outro lado do rio Reno por Georg Siemens no
pital moderno em fins do século
XV II I em Edimburgo e Vie na, até seu Deutsche Bank, e levado através do Atlântico para Nova York
a criação das vár ias formas do
"hospi tal da comunidade" nos Est aproximadamente na mesma época pelo jovem J .P. Morgan - não
ados Unidos do século XI X,
até os grandes centros hospitalares almejavam a propriedade em si. A tarefa do banqueiro como
especi alizados do início do
século XX , a Clínica Mayo ou a Fun empreendedor era mobilizar o "dinheiro dos outros" para alocá-lo
dação Menninger, e até o sur ­
gimento do hospital como um cen a áreas de produtividade mais elevada e rendimento maior. Os
tro de ass istênci a à saúde de­
pois da Segunda Guerra Mu ndi al. banqueiros de antes, os Rothschilds, por exemplo, tornaram-se
E, agora, novos empreendedo­
res estão diligentemente mudando proprietários. Onde quer que construíssem uma ferrovia, eles a
o hos pit al ma is uma vez para
"centros de tratamento" especi aliz financiavam com seu próprio dinheiro. O banqueiro empreende­
ados : clínicas cirúrgicas ambu­
latoria is, centros maternai s indepe dor, em contraste, jamais pretendia ser um proprietário. Ele
ndentes, ou centros psi qui átri­
cos , onde a ênfase não é dada aos cui conseguia os seus recursos vendendo ao público ações das com­
dados com os pacientes, como
no hospital tradicional, mas sim a panhias que havia financiado no início delas. E conseguia assim
"necessidades" especializadas.
De novo, nem toda instituição de o dinheiro para seus empreendimentos emprestando do público.
serviços não-empresat'ial é
empreendedora, longe dis so. E a · Tampouco o empreendedor é um capitalista, embora, natu­
min ori a, que ainda o é, po ssu i
todas as características, todos os ralmente, ele precise de capital como qualquer atividade econô­
problema s, todos os traços que
identificam as institu ições de serviç 2 mica (e a maioria das não-econômicas). Ele também não é um
os. O que torna empreende­
doras aqu ela s instituições de serviç investidor. Ê claro que ele assume riscos, mas isso também acon­
os é algo diferente, algo es­
pecífic o. tece com todos os que se envolvem em qualquer atividade econô­
mica. A essência da atividade econômica é o comprometimento
de recursos atuais em expectativas futuras, o que significa incer­
Enqu anto os ingleses identificam tezas e riscos. O empreendedor também não é um empregador,
o espírito empreendedor
nas pequenas empresas novas, os embora possa ser, e freqüentemente o é, um empregado - ou
alemães o identificam com poder
e propriedade, o que é ainda alguém que trabalha sozinho e exclusivamente para si mesmo.
ma is enganoso. O Unternehmer -
a tradução literal alemã do empre O espírito empreendedor é, portanto, uma característica dis­
endedor de Say - é f pessoa
que possui e dir ige um negócio tinta , seja de um indivíduo, ou de uma instituição. Não é um
(o termo em inglês corresponder ia
a "proprietário-gerente") . E a pal traço de personalidade; em trinta anos tenho visto gente de per­
avr a é usa da principalmente para
sonalidade e temperamento, os mais variados possíveis, desempe­
2 . Sob re este assunto veja a part
viço" (Capítulos 1 1 ao
14),
e "O Desempenho nas Instituiç
ões de Ser­ nharem-se bem, frente a desafios empreendedores. Indivíduos
bilidades, Práticas (São Paulo: do meu livro Administração: Tarefas, Responsa­ que precisam contar com .a certeza é de todo impossível que sejam
deste livro, "O Empreendimento Livr aria Pioneira Editora), e também o Cap
ítulo 1 4
nas Instituições d e Serviço" . bons empreendedores. E mais, tais indivíduos dificilmente se des-
34
PET ER F. D R UCK ER 1 t 1 t > V A ÇÃO E ESP f R I TO EMPREENDEDOR 35
tacarão em inúmeras outras ati
vid ades, na po líti ca , po r exemp
ou em posições de com and o no lo, I H 1je, incluindo os keynesianos, os adeptos de Friedman e os do
serviço mi litar, ou como capitão
de um tra nsa tlân tico. Nessas l . ,do da Oferta. Ela se concentra em obter o máximo dos recur­
ati vid ades sempre é preciso qu
cisões sejam tom ada s, e a ess e de­ . ( ·� existentes e almeja estabelecer o equilíbrio. Ela não pode cui­
ênc ia de tod a decisão é a incert
Co ntu do, qu alquer ind ivíduo qu eza . d : , r do empreendedor, e assim o condena ao reino nebuloso das
e tenha à frente uma decisão
a tomar pode aprender a ser .. lurças externas", juntamente com o clima e condições de
um empreend edo r e se compo
empreend edo ria 1mente. O empre rta r ll·rnpo, governo e política, pestilência e guerra, mas, também,
end im ent o é um compo rta me nto
e não um traço de person alid , 1 n:nologia. O economista tradicional, qualquer que seja a escol a
ade . E suas bases são o con cei
a teo ria , e não a intuição . to e ( 111 "ismo" a que pertença, naturalmente não nega que essas for­
t;as existam ou que elas não importam. Contudo, elas não fazem
p:irte do seu mundo, nem tampouco são levadas em consideração
1 1 0 seu modelo, nas suas equações, ou nas suas previsões. E, em­

II bora, Karl Marx tivesse o mais incisivo apreço pela tecnologia


- foi o primeiro e ainda é um dos melhores historiadores da
t ecnologia - ele não podia admitir a existência do empreende­
Tod a prática se baseia na teoria, mes dor e do empreendimento dentro do seu sistema ou sua economia.
mo que o próprio pra ti­
can te não se dê con ta disso. A prá
tica do empreen dim ento está
Toda mudança econômica em Marx, além da otimização dos re­
assenta da num a teoria da econom cursos existentes, isto é, o estabelecimento do equilíbrio, é o re­
ia e soc ied ade . A teo ria vê a
mu dan ça como um fato nor ma l, sultado de mudanças nas relações entre propriedade e poder, e
e, até mesmo , como saudável.
E também vê a pri nci pal tarefa na conseqüentemente "política " , o que o coloca fora do próprio
socied ade , e especi alment e na 1
eco nom ia, como sendo a de fazer sistema econômico .
alguma coi sa diferente e não a
de fazer me lho r o que já está Joseph Schumpeter foi o primeiro economista de renome a
sen do feit o. Isto é basicamente o
que Say , há duzentos anos atr retornar a Say. No seu clássico Die Theorie der Wirtschaftlichen
ás, quis dizer qua ndo cunhou
termo ent repreneur . A intenç o Entwicklung (A Teoria da Dinâmica da Economia), publicado
ão é que fosse um ma nifesto e um
afi rmação de dissensão : o empre a em 1 9 1 1 , ele rompeu com a economia tradicional , muito mais
end edo r per tur ba e desorg ani za.
Como Toseph Schumpeter o for radicalmente do que J ohn Maynard Keynes iria fazer vinte anos
mu lou , sua tarefa é a "destruiçã
cri ativa ". o depois. Ele postulava que o desequilíbrio dinâmico provocado
Say foi um adm ira dor de Ad pelo empreendedor inovador, em vez de equilíbrio e otimização,
am Sm ith . Ele tra du ziu par a
o francês A R iqueza da s Na é a "norma " de uma economia sadia e a real idade central para
ções ( 1 7 76 ) de Sm ith , e inc ans
me nte pro pa gou , po r tod a ave l­ a teori a econômica e a prática econômica.
a sua vid a, as idé ias e po lítj
Sm ith. Entretan to , a sua con cas de Say ocupava-se mais com a esfera econômica . No entanto,
trib uição pessoa l pa ra o pensà
econômico, o conceito de em mento sua definição somente requeria que os recursos fossem "econ ô­
preen de do r e "en trepreneursh
md ependente da economia ip" é micos". Os propósitos para os quais eram alocados esses recursos
clássi ca, e, na verda de , incom
com est a . A economia clássi patível não precisavam ser o que comumente é considerado econômico.
ca oti mi za o que já existe,
fazem as pri nci pa is correntes com o o A educação não é, em geral, considerada como "econômica" ; e,
da teo ria econômica até os dia
s de com certeza, os critérios econômicos dificilmente são apropriados
36 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESPrRITO EMPREENDEDOR 37

para determinar o "rendimento" da educação (embora ninguém de inovação, como as de alta tecnologia e microcomputadores,
saiba quais critérios seriam pertinentes). En tre tanto, é evidente por exemplo, ou Biogenética, o índice de fracassos é elevado, e
que os recursos da educação são econômicos. E, na realid ade, eles as chances de êxito, ou mesmo de sobrevivência, parecem ser
são idênticos àqueles recursos utilizados com .Propósitos econô­ bastante baixas.
micos mais óbvios possíveis, como, por exemplo, fabri car sabo­ Mas, por que deveria ser dessa maneira? O empreendedor,
netes para vender. Em última análise, os recursos para todas as por definição, transfere recursos de áreas de baixa produtividade
atividades "sociais" dos seres humanos são os mesmos e são recur­ e rendimento para áreas de produtividade e rendimento mais ele­
sos econômicos : o capital, isto é, recursos retirados do consumo vados. Naturalmente existem os riscos do empreendedor não ser
corrente e daí alocados a expectativas futuras; os recursos físicos , bem sucedido. Porém, se ele pelo menos for moderadamente bem
seja terra , sementes de milho, cobre, salas de aula, ou leitos do sucedido, os retornos devem ser mais que suficientes para com­
hospital ; o trabalhador, a administração, e tempo . Pode-se con­ pensar qualquer risco que possa haver. Portanto, é de se esperar
cluir que o empreendimento de maneira alguma está limitado à que o empreendimento seja uma atividade consideravelmente me­
esfera econômica, embora o termo dela se originasse. "Empreen­ nos arriscada que a otimização. Realmente, nada pode ser tão
der" diz respeito a todas as atividades dos seres huma nos que arriscado quanto otimizar recursos em áreas onde o caminho apro­
não aquelas que poderíamos chamar de "existenciais" em vez de priado e lucrativo é a inovação, isto é, onde as oportunidades
"sociais". E sabemos agora que existe pouca diferença no espírito para a inovação já existem. Teoricamente, a atividade empreen··
empreendedor, qualquer que seja a esfera em que atue . O em­ dedora deve ser a menos arriscada . e não a alternativa mais
preendedor na educação e o empreendedor em serviços de saúde arriscada.
- ambos têm sido campos férteis para eles - fazem pratica­ De fato, existem tantas organizações empreendedoras à nos­
mente as mesmas coisas, usam praticamente os mesmos instru­ sa volta cuja porcentagem de acertos é tão alta que não há justi­
mentos, e enfrentam praticamente os mesmos Problemas de um ficativa para a crença quase universal de que os riscos de em­
empreendedor em uma empresa ou em um sindic ato de traba­ preender e inovar sejam elevados.
lhadores. Nos Estados Unidos, por exemplo, existe o Bell Lab (Labo­
O empreendedor vê a mudança como nornia e como sendo ra tório Bell), que é o braço inovador do Bell Telephone System.
sadia. Geralmente, ele não provoca a mudança por si mesmo. Por mais de setenta anos - desde a criação da primeira mesa tele-
Mas , e isto define o empreendedor e o empreen dimento , o em­ 1 1·m ica automática lá por 1 9 1 1 , até a descoberta do cabo de fibra
preendedor sempre está buscando a mudança, reage a ela, e a , 11 irn por volta de 1 980, incluindo a invenção do transistor e se-
explora como sendo uma oportunidade. 1 1 1 irnndutor, mas também um trabalho básico teórico e de Engc-
1il1n ria em computadores - o Bell Lab produziu um vencedor
'· dl'pois de outro. A sua história comprova que, mesmo no campo
III d11 n l t a tecnologia , empreender e inovar podem envolver riscos
h11 j xus.
A I BM , em um campo da alta tecnologia que avança com
O empreendimento, como em geral se acredi t a, é uma prá­ 11 11111 ior rapidez, o de computadores, e concorrendo com os "ve­
tica extremamente arriscada. E , na verdade, em áteas tão visíveis l hrn profissionais" da "Eletricidade e Eletrônica, ainda não teve
tt
38 PETER F. DRU C K E R i,..

A Inovação
C\l
até agora um fracasso de proporções significativas. Nem tampou­
co , num setor muito mais prosaico, isso ocorreu com o mais em­
preendedor dos maiores varejistas internacionais, a cadeia de
Deliberada e as
Sete Fontes de

ª
lojas de departamentos Marks and Spencer. O maior produtor 1
"T
mundial de bens de consumo de marca e embalados, a Procter
& Gamble, da mesma forma, tem apresentado uma série quase
Oportunidade
perfeita de inovações de sucesso. E uma companhia de média Inovadora .
tecnologia, a 3 M de St. Paul , M innesota, a qual criou cerca de -
,....
cem novos negócios ou novas linhas de produtos bem conhecidos
nos últimos sessenta anos, tem obtido sucesso em quatro de cada
cinco de suas iniciativas. Esta é apenas uma pequena amostra de
empreendedores que, de algum modo, inovaram com baixos riscos.
Existe, com certeza, um número demasiadamente grande deles
para quem o empreendimento com risco pequeno seja considerado Os empreendedores inovam. A inovação é o
apenas um acaso feliz, um favor especial dos deuses, um acidente , instrumento específico do espírito empreendedor.
ou pura sorte. Ê o ato q ue contempla os recursos com a nova
Existe, também, um número suficientemente grande de em­ capacidade de criar riqueza. A inovação, de fato,
preendedores por aí cuja média de acertos em iniciar novos cria um recurso. Não existe algo chamado de "re­
empreendimentos é tão alta a ponto de refutar a crença popúlar curso" até que o homem encontre um uso para
no alto risco de atividade empreendedora. alguma coisa na natureza e assim o dote de valor
Empreender é uma iniciativa "arriscada" , principalmente econômico. Até então, cada planta é uma erva
porque tão poucos dos assim chamados empreendedores sabem qualquer e cada mineral apenas uma outra rocha.
o que estão fazendo. Falta a eles a metodologia. Eles violam Há não muito mais que cem anos, nem o óleo
regras elementares e bem conhecidas. Isso é especialmente verda­ mineral jorrando do solo nem a bauxita, o minério
deiro no caso dos empreendedores da alta tecnologia. Por certo do alumínio, constituíam recursos. Eram coisas
(como será discutido no Capítulo 9), o empreendimento e a ino­ aborrecidas, pois ambos tornavam o solo impro­
vação de alta tecnologia são intrinsecamente atividades mais dutivo. O fungo da penicilina era uma praga, não
difíceis e mais arriscadas do que a inovação baseada na economia um recurso. Os bacteriologistas faziam tudo que
e estrutura de mercado, em demografia, ou mesmo em algo apa­ era possível para proteger suas culturas de bacté­
rentemente tão nebuloso e intangível como Weltanschau,u ng - rias da contaminação pelo fungo. Até que, nos
percepções e humores. Porém, mesmo o empreendimento de alta anos 20, . um médico londrino, · Alexander Fle­
tecnologia não precisa ser de "alto risco", como o provam o Bell ming, percebeu que essa "praga" era exatamente
Lab e a IBM. Ê preciso, entretanto, que ele seja uma prática o assassino de bactérias que os bacteriologistas
sistemática, que precisa ser administrada, e, acima de tudo, pre­
39
cisa estar baseada na inovação deliberada.
PETER F. DRUCKER
40 1 NOV AÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 41

vinham procurando - e o fungo da penicilina tornou-se um o livro-texto. (0 livro-texto foi, provavelmente, inventado pelo
recurso de valor. grande reformador educacional checo, Johann Amos Comenius,
O mesmo é verdadeiro para as esferas social e econômica. que preparou e utilizou as primeiras cartilhas de Latim, em
Não existe maior recurso em uma economia do que o "poder meados do século XVI I.) Sem o livro-texto, nem mesmo um bom
aquisitivo". E o poder aquisitivo é criação do empreendedor professor pode ensinar mais de uma ou duas crianças de cada
inovador. vez; e, com ele, até mesmo um professor fraco pode conseguir
O fazendeiro americano não tinha virtualmente nenhum um pouco de aprendizado das cabeças de trinta ou trinta e cinco
poder aquisitivo no começo do século XIX; portanto, ele não estudantes.
podia comprar maquinaria agrícola. Existiam dúzias de máquinas A inovação, como mostram esses exemplos, não precisa ser
colhedeiras no mercado, mas, por mais que as desejasse, o fazen­ técnica, não precisa sequer ser uma "coisa". Poucas inovações
deiro não poderia pagá-las. Então, um dos muitos inventores técnicas podem competir, em tempos de impacto, com as inovações
de colhedeiras, Cyrus McCormick, inventou a compra à prestação. sociais, como o jornal ou o seguro. As compras a prazo literal­
Isto permitiu ao fazendeiro pagar a colhedeira com seus ganhos mente transformam as economias. Onde quer que sejam intro­
futuros, em vez de economias passadas - e, de repente, o d uzidas, elas mudam a economia, de uma dirigida pela oferta
fazendeiro havia conseguido o "poder aquisitivo" para comprar para uma dirigida pela procura, mal importando o nível produ­
equipamentos agrícolas. t ivo da economia (assim explicando por que a compra a prazo é
Da mesma forma, qualquer mudança no potencial produtor­ a primeira prática que qualquer governo marxista, ao assumir
de-riqueza de recursos já existentes constitui inovação. o poder, imediatamente suprime : como os comunistas fizeram
Não havia muita tecnologia na idéia de tirar uma carroceria na Checoslováquia em 1 948, e de novo em Cuba em 1 959).
de caminhão de suas rodas e colocá-la num navio cargueiro. Esta O hospital, em sua concepção moderna uma inovação social
inovação, o "container", não surgiu de uma tecnologia qualquer, do Iluminismo* do século XVI I I, tem tido maior impacto na
mas sim de uma nova percepção do "navio cargueiro" como assistência médica do que muitos avanços em Medicina. A Admi­
sendo um equipamento para manipular cargas, e não simples­ nistração, isto é, o "conhecimento útil " que permite ao homem,
mente um "navio", significando, com isto, que o mais importante pela primeira vez, converter indivíduos produtivos, com habili­
era tornar mais curto possível o tempo de atracação no porto. dades e conhecimentos diferentes trabalhando juntos, em uma
Mas esta inovação trivial quase quadruplicou a produtividade do ''organização", é uma inovação deste século . Ela transformou a
cargueiro marítimo e provavelmente salvou a marinha mercante. sociedade moderna em algo bem novo, alguma coisa, por sinal,
Sem ela, a tremenda expansão do comércio mundial nos últimos para a qual não temos sequer uma teoria política ou social : uma
quarenta anos - o maior crescimento dentre as mais importantes sociedade de organizações.
atividades econômicas jamais registrado - não poderia ppssivel- Livros sobre história econômica citam August Borsig como
mente ter ocorrido. o primeiro homem que construiu locomotivas a vapor na Ale­
O que realmente tornou possível a educação em massa - · manha . Mas, com certeza, muito mais importante foi a sua ino-
muito mais que o compromisso popular com o valor da educação,
* (N.T.) Movimento filosófico, a partir do século XV I I 1 , cm opos1çao ao
treinamento sistemático de professores em faculdades de Educa­ obscurantismo da Idade Média, e baseado na concepção mecanicista da vida na-
ção ou a teoria pedagógica - foi essa inovação despretensiosa , 1 ural e humana.
42 PETER F. DRUCKE R I NOVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 43

vação - contra uma tenaz oposição das corporações de ofícios, armas do Ocidente para manter o Ocidente do lado de fora ; e
professores, e burocratas governamentais - daquilo que ainda permanecerem japoneses.
hoje é o sistema alemão de organização de fábricas e a base da Isto significava que a inovação social era muito mais crítica
força industrial da Alemanha. Foi Borsig quem visualizou a idéia do que locomotivas a vapor ou o telégrafo. E, inovação social,
do Meister (Mestre), o trabalhador sénior, altamente capacitado" em termos de desenvolvimento de instituições, como escolas e
altamente respeitado, que dirige a fábrica com uma considerável universidades, um serviço público , bancos e relações trabalhistas,
autonomia; e o Lehrling System (sistema de aprendizado), que era de longe mais difícil de ser alcançada do que construir loco­
combinava o treinamento prático ( Lehre) em serviço com o estudo motivas e telégrafos. Uma locomotiva que vai puxar um trem
(Ausbildung) em salas de aula. E as invenções gêmeas do governo de Londres a Liverpool irá , da mesma forma, sem adaptação ou
moderno por Machiavelli em O Príncipe ( l 5 1 3) e do moderno mudança , puxar um trem de Tóquio a Osaka. Mas as instituições
Estado nacional por um de seus primeiros seguidores, Jean Bodin, sociais tinham que ser, simultaneamente, "japonesas" no mais
sessenta anos mais tarde, certamente causaram impactos mais alto grau , e mesmo assim "modernas". Tinham que ser condu­
duradouros do que a maioria das tecnologias. zidas por japoneses e, mesmo assim , servir a urna economia que
Um dos exemplos mais interessantes de inovação social e era "ocidental" e altamente técnica . Tecnologia pode ser impor­
sua importância pode ser observado no J apão moderno . tada a custos baixos e com um mínimo de risco cultural. Institui­
Desde quando abriu suas portas para o mundo moderno em ções, pelo contrário , precisam de raízes culturais p ara cresçer e
1 86 7 , o Japão tem sido constantemente subestimado pelos oci­ prosperar. Os japoneses tomaram urna decisão deliberada há cem
dentais, apesar de suas vitórias triunfantes sobre a China, e depois anos para concentrar seus recursos em inovações sociais, e para
a Rússia , em 1 894 e 1 905 , respectivamente; apesar de Pearl imitar, importar e adaptar inovações técnicas - com um sucesso
Harbor; e apesar de sua emergência repentina como um super­ surpreendente. Na verdade, essa política pode ainda ser a correta
poder econômico, e o mais duro competidor no mercado mundial para eles. Pois, como será discutido no Capítulo 1 7, o que é
das décadas de 70 e 80. algumas vezes chamado, meio jocosamente, de imitação criativa,
Uma razão importante, talvez a maior delas, é a opinião é uma estratégia empreendedora absolutamente respeitável e fre­
predominante de que a inovação diz respeito a coisas e se baseia qüentemente muito bem sucedida.
em ciência e tecnologia. E os japoneses, conforme a opinião que Mesmo que os japoneses agora sejam obrigados a ir além
ainda se mantém (tanto no Japão, como no Ocidente, por sinal) , da imitação, importação e adaptação da tecnologia de outros
não são inovadores e sim imitadores. I sto porque os jàponeses povos, e aprender como conseguir a sua própria inovação técnica
não têm , de um modo geral . produzido destacadas inovações genuína , é prudente não subestimá-los. A pesquisa científica é
técnicas ou científicas. O seu sucesso está baseado na inovação em si uma "inovação social" razoavelmente recente; e os japo­
social. neses, que sempre precisaram assim proceder no passado , têm
Quando os japoneses na Restauração Meiji de 1 86 7, com demonstrado infalivelmente uma enorme capacidade para essa
bastante relutância , abriram seu país para o mundo , isso foi feito inovação. Acima de tudo, eles têm mostrado um domínio seguro
para evitar a sina da Índia e da China do século XIX, ambas de estratégias empreendedoras.
tendo sido conquistadas, colonizadas e "ocidentalizadas" pelo "Inovação", portanto, é um termo econômico ou social, mais
Ocidente. O propósito básico, no puro estilo judô, era usar as que técnico . Ela pode ser definida da maneira como J . B. Say
'
"{
+
44
P ET E R F. DRUCKER -,i I NO VAÇÃO E E S P l R J TO EMP R E E N D E D O R
45

definiu "entrepreneurship", como podendo mudar o rendimento


dos recursos . Ou, como um economista moderno tenderia a fazer,
1 atividade sistematizada, com um propósito determinado, plane­
jada e organizada e com um alto grau de previsibilidade dos
ela pode ser definida em termos de demanda em vez de termos resultados almejados e das possibilidades destes serem alcançados.
de oferta, isto é, como capaz de mudar o valor e a satisfação \: Coisa semelhante precisa ser feita agora em relação à ino­
-i
i
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obtidos dos recursos pelo consumidor. vação. Os empreendedores precisarão aprender a praticar a
A questão de qual das duas é mais aplicável depende, acre­ inovação sistemática.
dito eu , de cada caso específico mais do que do modelo teórico. Os empreendedores bem sucedidos não esperam até que rece­
A transformação da usina de aço integrada na "mini-usina", que bam "o beijo da Musa " e esta lhes dê a "idéia brilhante". Eles
começa com sucata de aço em vez de minério de ferro, e termina põem-se a trabalhar. Em resumo eles não buscam a "sorte
com um produto acabado (por exemplo, vigas e vergalhões em grande", a inovação que irá "revolucionar a indústria ", criar um
vez de aço bruto que ainda precisa ser reprocessado) , é melhor "negócio de bilhões" , ou "tornar alguém rico da noite para o dia".
descrita se analisada em termos de oferta . O produto final, os Para esses empreendedores que já começam com a idéia de que
usos finais e os clientes são os mesmos, embora os custos sejam irão conseguir grandes realizações - e rapidamente - o fracasso
substancialmente menores. E a mesma definição de oferta prova­ está assegurado.
velmente se enquadra bem para o caso do "container" . Porém, Eles estarão quase que destinados a fazer as coisas erradas.
o áudio-cassete ou vídeo-cassete, embora igualmente "técnicos", Uma inovação que parece sensacional pode resultar em nada mais
se não até mais, são melhor discutidos ou analisados em termos do que um virtuosismo técnico; e inovações com modestas pre­
de valores e satisfações do consumidor, como o são as inovações tensões intelectuais, a McDonald's, por exemplo, pode resultar
sociais das revistas noticiosas criadas por Henry Luce da Y.ime­ em negócios gigantescos e altamente lucrativos . O mesmo se
Life-Fortune na década de 20, ou os fundos mútuos, "money­ aplica a inovações nos serviços públicos .
market", do final dos anos 70 e início dos 80. Os empreendedores bem sucedidos, qualquer que seja a sua
Não podemos, por enquanto, elaborar uma teoria de ino­ motivação pessoal - seja dinheiro, poder, curiosi dade, ou
vação. Contudo, já sabemos o suficiente para dizer quando, onde desejo de fama ou reconhecimento -, tentam criar valor e fazer
e como se buscam sistematicamente oportunidades inovadoras , e uma contribuição.
como se avaliam as chances de seu sucesso ou os riscos de seu Todavia, os empreendedores querem mais. Não se contentam
fracasso. Sabemos o bastante para desenvol ver, embora, ainda, em simplesmente melhorar o que já existe, ou em modificá-lo.
somente em linhas gerais, a prática da inovação. Eles procuram criar valores novos e diferentes, e satisfações
Tornou-se quase um clichê para os historiadores da tecno­ novas e diferentes , convertendo um "material" em um "recurso",
logia aceitarem que uma das grandes realizações do século XIX ou combinar recursos existentes em uma nova e mais produtiva
foi a "invenção da invenção". Antes de 1 880, mais ou menos, configuração.
a invenção era um mistério; os livros do começo do século XIX Ê a mudança o que sempre proporciona a oportunidade para
falam incessantemente do "lampejo de gênio". O próprio inventor o novo e o diferente . A inovação sistemática, portanto, consiste
era uma figura meio romântica, meio ridícula , remexendo coisas na busca deliberada e organizada de mudanças, e na análise sis­
num sótão solitário. Ao redor de 1 9 1 4 , quando estourou a Pri­ temática das oportunidades que tais mudanças podem oferecer
meira Guerra Mundial, a "invenção" tornou-se "pesquisa ", uma para a inovação econômica ou social.
46
E m ger al, e ssa s são mudanças qu e Já ocorrer am
PET ER F . D RU C K l:-: R

esm agador a d as i nov ações be


, ou e s tão
m suce­
111: I NOVAÇÃO E ESPfR ITO EMPREENDEDOR

As linha s que delimit am essas sete áre as de fontes de opo r ­


tu nidades inov a do ra s s ão nebulos as e exi s te uma considc r:í vcl
47

sobre po s ição entre e l a s. Ela s podem s e r co m paradas a s ete ja nel.is .


e m an dam ento. A m a ioria
. :i*

exi s tem ino vaçõe que ems


as a m u d a nça. Por certo, c a da uma em um l a do difere nte do mesmo prédio. Cad a jancl.i
did nte mu d a nç a; algum as d as
ex plo ra
uem um a import a mostra algumas coisa s que ta mbém pode m ser vistas da janela <lc
s i m e sm a s co n s tit
a s téc nic as, com
o a do a viã o do s irm ãos qualqu er um de s eu s lados. M as , a vista do ce ntro de cad a u ma 1:
ip a i s ino v çõ e vel men te
s, elas são exc eçõ e s e r azo a
pr inc
Wright, s ão exem plo s. Ma di s tint a e diferent e.
m a arte das ino v a ções
qu e d er am certo s ão bem A s sete fonte s r eque rem a nálises em sep a rado, pois cad a
s ior p
i nco mu n . A rt a nto, a di s ci­
m a i s pro sa ic as , el as
exploram a mu à a nça . E, po uma tem caracte rís tica s bem definid as . Ne nhuma área é, contudo,
a b as e de co nh eci m
ent o do em pre en­
pli na ino v a ção (e ela é in e renteme nte mai s i m porta nte ou m a is produ tiva que outra . Ino­
di agnós tico: um ex ame s i s tem
de áti co
di m ento) é um a dis cip lina de a de s
v ações import antes têm t ant a prob abilid a d e d e surgir a partir de
as u nç a qu e tip ic ame nte oferecem oport u nid u m a a nálise de s into mas de m u d a nç a (tais com o, o sucesso in es­
d as áre de m da
e m pre end edo ras. pera do do que fora con s ide rad a uma in s ignificante mudança no
si st em áti c a s ign ific a o mon ito
-
s pe cif ic a me nte , a ino vaç ão produto ou no preço), como de s urgir da aplicação maciça do
um a oport unid a de i no v a dor a .
E
r amento da s sete fontes p ara s titu içã o, s ej a
conhecime nto novo resu ltante d e uma g rand e descobe rta c ientí­
a a fon te s e s tão de ntro d a i n fic a.
As im eir s qu tro
u s tri al o u de
pr
em pre s aria l ou pú bli
c a, ou dentro de um s etor ind qu e m Porém a seqüênci a em que essas fontes s erão discutidas não
vi s íve i s , pri nc ip alm ent e p a r a
serviços . Elas s ão, portanto, de s erv iço . Elas s ão, b asi­ é a rbitrári a. El as e s tão di s post a s n um a ordem de cres c e nte de
s etor ind us tri al ou confiabilidad e e pre vi s ibilidad e . Poi s, a o contrário d a crença
es tá den tro d a qu ele as t a nte con fiá ­
as são ind ica dore s b
c ame nte, s intom a s. Porém, el oca d as quase geral, o conheci m ento novo - e especial mente o conh e ci­
rreram ou qu e po dem ser p rov
vei s de m u d anç as qu e já oco mento científico novo - não é a mai s confiável o u a mai s pre vi­
a s qu a tro fontes são :
com um pequeno e sforço. E ss sível fonte de inovaçõe s bem su cedid as . Apes ar de tod a a sua
ine s pera do, o fr a ca sso in es­ vi s ibilid a de, glamou r e i m portância co mo inov ação a par tir da
- O inesperado - o sucesso
per a do. ciênci a, ele é n a verd a de o f a tor m enos confiável e m enos pre­
per a do, o eve nto externo ines
a re alid a d e como ela
é de vi s ível. Ao contrário, a análise rotineira e s em gl amou r de sinto­
- A i n con gru ênc ia - entre veria ser".
su m e s er o u como "de m as de mud a nç as l a tentes, como o s ucesso ine s p e rado ou o fra ­
f ato , e a re alid a d e como s e pre
necess idade do processo. ca sso ine s per a do, envolve ri s co s e ince r tez as razoa v elmente
-- A ino vação baseada na
setor ind ust rial ou na estru- ba ixos . E as inov açõe s que d aí advirem po ssuem, tipicamente,
- Mu da n ças n a estrutura do
a todo s de s pre ven ido o menor tempo de e s pera ent re o início do e m p reendimento e
s.
tura do mercado que apanha m
seus result a do s men suráve i s , seja su cesso ou fr a c a sso .
p ara a oportu nid a de i,no v a dor a
,
O segundo grupo de fontes res a
lic a em mud a nça s fora da em p
um con jun to d e três del as, imp
ou do s etor :
as pop u l aicio nai s).
Muda n ças demográficas (m ud a nç
sição e sign ificado.
Mu danças em percepção, dispo
como não -cie ntíf ico .
Conhecimento nov o, t anto cientí fico
r
' Fonte:
C"j � o
Inesperado

...
1
1

I
O SUCESSO INESPERADO

Nenhuma outra área oferece oportunidade


mais rica para uma inovação bem sucedida do
que o sucesso inesperado. Em nenhuma outra área,
as oportunidades inovadoras são menos arriscadas
e a sua busca menos árdua. No entanto, o sucesso
inesperado é totalmente negligenciado; e, pior
ainda, as administrações tendem ativamente a re­
jeitá-lo.
Eis um exemplo.
Há mais de trinta anos atrás, o presidente
do comelho da maior loja de departamentos de
Nova York, a Macy's, disse-me: "Nós não sabe­

mos como parar com o crescimento das vendas
de aparelhos e utensílios domésticos" .
"Mas por que voces
" querem para-, 1as?"
. , per-
guntei bastante aturdido. "Vocês estão perdendo
dinheiro com elas?"

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49

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PETER F. DRUCKER I N OVAÇÃO E ESP fRITO EMPREENDEDOR
50 51

"Pelo contrário", disse o presidente, "as margens de lucro Percebeu que alguma coisa inesperada estava acontecendo e a
são maiores do que as de artigos de modas, n ão há devoluções e analisou. Daí estabeleceu uma nova postura no mercado baseada
praticamente nenhum furto". no departamento de utilidades do lar. Também reorientou suas
"Os clientes de utilidades domésticas afastam os da seção vendas de modas e acessórios para alcançar um novo consumi­
de modas?", perguntei. "Nada disso", foi a resposta. "Onde dor : o tipo de cliente, do qual a explosão em vendas de utilidades
costumávamos vender utilidades principalmente para quem vinha domésticas fora apenas um sintoma. A Macy's continua a ser a
fazer compras de modas, agora vendemos artigos de moda para número um de Nova York em volume de vendas. Mas, a Bloo­
quem vem comprar utilidades". "Mas", continuou o presidente, rningdale's tornou-se a "loja requintada de Nova York". Enquanto
"numa loja do tipo da nossa, é normal e é bom que a seção de isso, as lojas que se digladiavam por esse título trinta anos atrás
modas produza setenta por cento das vendas. A venda das utili­ - e que eram então as sólidas número dois, as líderes de modas
dades caseiras cresceu tão depressa que correspondem agora a dos anos 50, como a Best - desapareceram ( para mais exem­
60 por cento do total. E isso é anormal. Estamos tentando fazer plos, veja o Capítulo 1 5).
tudo que sabemos para que os artigos de moda cresçam até o A história da Macy's poderá ser considerada um caso extre­
índice normal, mas nada funciona. A única coisa que nos resta mo. Mas, o seu único aspecto incomum é que o presidente do
fazer é forçar as vendas das utilidades até o nível em que deveria conselho estava ciente do que estava fazendo. Embora não
estar". conscientes de sua insensatez, muitas e muitas diretorias agem
Durante quase vinte anos depois desse episódio, a Macy 's corno a da Macy's. Nunca é fácil para uma administração aceitar
de Nova York continuou à deriva. Várias explicações foram dadas o sucesso inesperado. Exige determinação, diretrizes específicas,
à incapacidade da Macy 's de explorar sua posição dominanté no urna disposição para encarar a realidade, e a humildade para
mercado varejista de Nova York : a deterioração da área central dizer, "Estávamos errados" !
da cidade, a falha econômica de uma loja supostamente "muito Uma razão por que é difícil para a direção aceitar o sucesso
grande", e muitas outras. Objetivamente, assim que uma nova inesperado é que todos nós temos a tendência de acreditar que
direção assumiu, depois de 1 970, com a ênfase revertida e aceita tudo que durou um período razoável de tempo deve ser "normal ",
a contribuição das utilidades domésticas às vendas ., a Macy's - e continuar "para sempre". Qualquer coisa que contradiga o que
apesar da deterioração do centro da cidade, apesar de seus ele­ nos acostumamos a considerar corno urna lei da natureza é então
vados custos com pessoal e apesar de seu enorme tamanho - rejeitada por ser infundada, nociva, e, obviamente, anormal .
logo depois começou novamente a prosperar. Isso explica, por exemplo, por que urna das maiores usinas
Ao mesmo tempo que a Macy 's rejeitava aquele sucesso siderúrgicas dos Estados Unidos por volta de 1 970 rejeitou a
inesperado, outra grande loja de Nova York, a Bloomingdale's, "mini-usina" . 1 A direção sabia que seus produtos estavam se
tirava proveito de idêntico sucesso inesperado para akançar o tornando obsoletos e que ela precisaria investir bilhões de dólares
segundo lugar no mercado de Nova York. A Bloomingdale's, para se modernizar. E também sabia que não conseguiria obter
que atingira no máximo um mero quarto lugar, tinha sido uma
a quantia necessária. Urna nova e menor "mini-usina" era a
loja de modas, mais ainda que a Macy's. Porém, quando as
solução.
vendas de utilidades domésticas começaram a crescer no início

l
dos anos 50, a Bloomingdale's foi de encontro à:; oportunidades. l . Sobre a mini-usina, ver o Capítulo 4 .

'S:.. :.a.
52 PETER F. DRUCKE R I NOVAÇÃO E ESPfRI TO E MPREENDEDOR 53
Quase por acidente, essa "mini-usina" foi adquirida . Desde O sucesso inesperado pode ser exasperante. Considere o caso
logo começou a crescer rapidamente e a gerar caixa e lucros. da companhia que trabalhou diligentemente para modificar e
Alguns dos elementos mais jovens da companhia propuseram aperfeiçoar um antigo produto que fora a "nau capitânea " da
então que os fundos de investimento disponíveis fossem utili­ companhia durante anos, o produto que representa "a qualidade " .
zados para adquirir outras "mini-usinas" e para construir novas. Ao mesmo tempo, com muita relutância, a companhia leva
Dentro de poucos anos as "mini-usinas" estariam então dando à adiante aquilo que todos na firma sabem que é uma alteração
siderúrgica uma capacidade de vários milhões de toneladas de absolutamente sem sentido de um produto antigo, obsoleto e de
aço baseada em tecnologia moderna, baixos custos de mão-de­ "baixa qualidade". Isto é feito apenas porque um dos melhores
obra, e mercados localizados com precisão. A diretoria, indig­ vendedores da companhia usou influência a seu favor, ou porque
nada, vetou a proposta ; na verdade, todos os elementos que um bom cliente o queria e não poderia receber uma recusa.
haviam estado ligados a ela começaram a se ver como ''ex-em­ - Porém ninguém espera que ele venda; de fato, ninguém quer
pregados " dentro de poucos anos. "O processo de fabricação inte­ que ele venda. E então esse produto dispara no mercado, até
grada do aço é o único certo", a diretoria argumentava. "Tudo mesmo arrebanhando vendas que planos e previsões haviam asse­
o mais é um embuste - uma novidade passageira, nociva e gurado para a linha de "prestígio" e "qualidade". Não é de
com poucas chances de perdurar". Ê inútil dizer que, dez anos admirar que todo mundo fique estarrecido e considere o êxito
mais tarde, os únicos setores da indústria siderúrgica americana "um cuco no ninho" * (termo que já ouvi mais de uma vez).
que ainda continuavam sãos, crescendo e razoavelmente prospe­ Provavelmente todos não reagem exatamente como o presidente
rando eram os das "mini-usinas". de R. H. Macy reagiu quando viu as utilidades domésticas, inde­
Para um usineiro de aço que passou toda a sua vida traba­ sejáveis e desprezadas, sobrepujarem seus queridos artigos de
lhando para aperfeiçoar o processo integrado de fabricação do moda, nos quais ele havia trabalhado durante toda sua carreira
aço, que está "como em casa" na grande usina aciária, e que e gasto suas energias.
pode também ser filho de um operário siderúrgico (como acon­ O sucesso inesperado é um desafio para o julgamento da
tece com muitos executivos de siderúrgicas americanas), tudo, Administração. "Se as mini-usinas fossem de fato uma oportu­
a não ser a "grande usina", é estranho e remoto, e, até mesmo, nidade, certamente nós mesmos teríamos visto isso", como foi ou­
uma ameaça . Ê preciso esforço para perceber que está no "ini­ vido o presidente da grande siderúrgica dizer quando recusou
migo" a sua própria melhor oportunidade. a proposta da "mini-usina". Os diretores são pagos pelo julga­
Os membros da alta administração, na maioria das organi­ mento que fazem, mas não para ser infalíveis. Na verdade, eles
zações, seja pequenas ou grandes, empresas privadas ou insti­ são pagos para perceber e admitir que erraram - especialmente
tuições públicas, tipicamente progrediram ao correr do tempo quando, com essa admissão, abre-se uma oportunidade. Mas isso,
em uma função ou numa área. Quando conversei com p presi­ de forma alguma , é comum.
dente de R. H . Macy, por exemplo, havia apenas um membro Um laboratório farmacêutico suíço é hoje o líder mundial
da diretoria, o vice-presidente de pessoal, que não começara em medicamentos veterinários e, no entanto, ele ainda não desen-
como comprador de artigos de moda e feito sua carreira no setor
de modas da empresa . Para esses homens, utilidades caseiras era * (N.T.) No Brasil seria "um chupim no ninho" (do tico-tico), ou "um estra­
trabalho de outrem. nho no ninho", do filme que ganhou inúmeros " Oscars" em 1975. Foi mantida a
expressão original por causa do comentário de Drucker entre parênteses.

l 11,:_ _ _:,à.
54 PETER F. DRUCKE R I NOVAÇÃO E ESPfRITO EMPR EENDE DOR 55

volveu uma única droga veterinária. Mas os laboratórios que do mercado para os quais tais produtos haviam sido fabricados .
desenvolveram essas drogas recusaram-se a atender ao mercado Nenhum vendedor estava contatando esses novos clientes, nem
veterinário. As drogas, a maioria antibióticos, eram naturalmente equipes de serviços estavam sendo montadas. Cinco ou oito anos
preparadas para tratar de enfermidades humanas. Quando os mais tarde, uma outra companhia tomou conta desses novos mer­
veterinários descobriram que elas eram igualmente eficazes para cados. E por causa do volume de negócios produzidos nos mer­
uso em animais e começaram a fazer seus pedidos, os fabricantes cados, o recém-chegado pôde desde logo invadir o mercado hos­
originais não ficaram nem um pouco satisfeitos. Em alguns casos, pitalar oferecendo preços mais baixos e melhor serviço do que o
recusaram-se a fornecer aos veterinários; em muitos outros, não primeiro líder do mercado.
gostaram de ter que reformular as drogas para uso animal , de Um motivo para essa cegueira frente ao sucesso inesperado
mudar a embalagem, e assim por diante. O diretor médico de é que nossos atuais sistemas de informes, como regra geral, não
um dos principais laboratórios protestou, em 1 953, dizendo o mencionam e muito menos clamam por atenção da admin is­
que aplicar o novo antibiótico no tratamento de animais era tração .
uma "utilização indevida de uma medicina nobre". Conseqüente­
Praticamente toda empresa e também toda instituição pú­
mente, quando os suíços abordaram esse fabricante e vários

.
blica preparam um relatório mensal ou trimestral. A primeira
outros, eles conseguiram as licenças para o uso veterinário sem
folha relaciona as áreas nas quais o desempenho está abaixo das
qualquer dificuldade e a um custo baixo. Alguns dos fabricantes
expectativas: lista dos problemas e das falhas. Nas reuniões
ficaram até bem felizes de se livrar daquele sucesso embara­
mensais da diretoria executiva e dos conselhos de administração ,
,
coso.
Os medicamentos para seres humanos sempre estiveram portanto, todos focalizam a atenção nas áreas-problemas. Nenhum
sujeitos a pressões de preços e são escrutinizados cuidadosamente deles sequer olha para áreas onde a empresa se saiu melhor que
por autoridades reguladoras. Isto tornou os medicamentos vete­ o esperado. E se o sucesso não esperado não for quantitativo e
rinários o segmento mais lucrativo da indústria farmacêutica . sim qualitativo - como no caso dos instrumentos hospitalares
Porém, a s companhias que desenvolveram os componentes antes mencionados antes, que abriu novos mercados expressivos, fora
das demais não são as que estão obtendo esses lucros. Com muito dos que eram tradicionais na empresa - os dados numéricos em
maior freqüência, o sucesso inesperado simplesmente não é geral não indicarão sequer o sucesso inesperado.
sequer visto . Ninguém presta qualquer atenção a ele. Daí, n in­ Explorar a oportunidade para a inovação oferecida pelo
guém o explora, com o resultado inevitável de que o concorrente sucesso i nesperado requer análises. O sucesso inesperado é um
l ança-se com ele e colhe as recompensas. sintoma . M as, sintoma de quê? O fenômeno latente pode ser
Um importante fornecedor de material hospitalar i ntroduziu simplesmente uma limitação de nossa visão, conhecimento ou
uma nova linha de instrumentos para testes biológicos e cÜnicos. compreensão. O fato dos laboratórios farmacêuticos, por exemplo,
Os novos produtos estavam dando ótimos resultados. Então, de terem rejeitado o sucesso inesperado de novas drogas para o
um momento para outro, chegaram pedidos de laboratórios indus­ mercado de animais foi um sintoma de sua própria falha em
triais e universitários. Ninguém sabia nada sobre eles, ninguém conhecer quão grande, e quão importante, é a criação de an imais
os notara ; ninguém percebera que, por puro acidente, a compa­ no· mundo todo; de sua cegueira em ver o aumento acentuado da
nhia havi a fabricado produtos com mais e melhores clientes fora demanda global por proteínas animais depois da Segunda Guerra
56 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR .57

Mundial, e as enormes mudanças no conhecimento, sofisticação e guntar : "Que mudanças básicas são agora apropriadas para esta
capacidade administrativa dos fazendeiros do mundo. _ organização definir agora o seu negócio? Sua tecnologia? Seus
O inesperado sucesso das utilidades domésticas da R . H . mercados? " Se estas perguntas são enfrentadas, então o sucesso
Macy era um sintoma de uma mudança fundamental no com­ inesperado provavelmente abrirá as mais recompensadoras e
portamento, expectativas, e valores de um número substancial menos arriscadas de todas as oportunidades inovadoras.
de consumidores - como o pessoal da Bloomingdale's perce­ Duas das maiores empresas mundiais, a D uPont, a maior
beu. Até a Segunda Guerra Mundial, os consumidores de lojas de indústria química existente, e a IBM, a gigantesca indústria de
departamentos nos Estados Unidos compravam, principalmente, computadores, devem a sua proeminência à sua predisposição de
conforme seu status sócio-econômico, isto é, conforme grupos de explorar o sucesso inesperado como oportunidade inovadora.
renda. Depois da Segunda Guerra Mundial, o mercado, em escala A DuPont, por trinta anos, restringira-se a fabricar munição
crescente, segmentou-se segundo o que chamamos agora de "estilos e explosivos. Em meados dos anos 20 ela organizou seus primeiros
de vida". A Bloomingdale's foi a primeira das grandes lojas de esforços de pesquisa em outras áreas, uma delas a bem recente
departamentos, especialmente na Costa Leste, a perceber esse química dos polímeros, na qual os alemães haviam sido pioneiros
fato, capitalizar sobre ele e a inovar uma nova imagem de varejo. durante a Primeira Guerra Mundial. D urante vários anos não
O inesperado sucesso dos instrumentos de laboratório proje­ houve nenhum resultado. Então, em 1 928 um assistente deixou
tados para hospitais em laboratórios industriais e universitários um bico de gás aceso no fim de semana. Na segunda-feira cedo,
foi um sintoma do desaparecimento das diferenças entre os vários Wallace H. Carothers, o químico encarregado descobriu que o
usuários de instrumentos científicos, os quais por quase um século material na retorta havia cristalizado em fibras. Passaram-se
haviam criado mercados pronunciadamente diferentes, com usos outros dez anos antes que a DuPont descobrisse como fazer Nylon
finais, especificações, e expectativas diferentes. O que se intencionalmente. O ponto desta história é, contu do, que o
tornou um sintoma, e a empresa jamais percebeu o alcance mesmo acidente ocorrera várias vezes nos laboratórios das gran­
disso, não foi somente uma linha de produtos ter usos que des indústrias químicas alemãs com os mesmos resultados, e
não haviam sido visualizados anteriormente. Ele marcava o muito antes. Os alemães estavam, naturalmente, procurando
encerramento do nicho de mercado específico que a empresa uma fibra polimerizada - e poderiam tê-la conseguido, junta­
possuíra no mercado hospitalar. Assim, a empresa que por mente com a liderança mundial da indústria química, dez anos
trinta ou quarenta anos havia se definido com êxito como mais cedo do que a DuPont. Mas por não terem planejado o
sendo projetista, fabricante, e negociante de equipamentos de experimento, elas descartaram os resultados, jogaram fora as
laboratório de hospitais foi forçada eventualmente a se redefinir fibras produzidas acidentalmente, e começaram tudo de novo.
como fabricante de instrumentos de laboratório, e a desenvolver A história da IBM igualmente mostra quanto vale dar aten­
condições para projetar, fabricar, distribuir e prestar assi'stência ção ao sucesso inesperado. Isto porque a IBM. é, em grande parte,
técnica muito além do seu campo original. Mas, nesse meio­ o resultado da disposição de explorar sucesso inesperado não
tempo, contudo, ela havia perdido em definitivo uma grande uma única vez, mas duas. No início da década <lc 30, a I BM
parte do mercado. quase afundou . Havia gasto o dinheiro disponível para projetar
Portanto, o sucesso inesperado não é somente uma oportu­ a primeira máquina contábil eletromecânica, para uso de bancos.
n i d a de para inovar; ele requer inovação. Ele nos força a per- Porém, os bancos americanos não estavam comprando novos
'""

PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 59


58

equipamentos nos dias da Depressão dos anos 30. A IBM, mesmo desejava "aviltar" o seu milagre científico vendendo para empre­
então, adotava a política de não despedir temporariamente seus sas. A IBM, porém, embora igualmente surpresa pela demanda das
funcionários, e assim continuou a fabricar as máquinas, que pre­ empresas pelos computadores, respondeu de pronto. Na verdade,
cisou manter em estoque. ela estava disposta a sacrificar o projeto do seu computador, que
Quando a IBM estava no fundo do poço, assim diz a não era particularmente adequado para contabilidade é, em vez
lenda, Thomas Watson, Sênior, o fundador, estava num jantar, disso, usar o que seu rival e concorrente (Univac) havia desen­
sentado ao lado de uma senhora. Quando ela ouviu o nome dele, volvido. Dentro de quatro anos a IBM conseguiria a liderança do
perguntou: "O senhor é o Sr. Watson da IBM? Por que o seu mercado de computadores, apesar de por mais uma década
gerente de vendas se recusa a demonstrar a sua máquina para seus computadores serem tecnicamente inferiores aos produzidos
mim? " O que uma senhora poderia querer de uma máquina con­ pela Univac. A IBM estava pronta para satisfazer as empresas e
tábil, Thomas Watson não conseguia provavelmente nem sonhar, a fazer isto sob os termos delas - treinar programadores para
e nem o ajudou muitu quando ela disse que era a diretora da as empresas, por exemplo.
Biblioteca Pública de Nova York ; acontece que ele nunca havia Semelhantemente, a principal empresa eletrônica japonesa,
estado numa biblioteca pública. Mas, na manhã seguinte, ele apa­ a Matsushita (mais conhecida pelas suas marcas Panasonic e Na­
receu por lá assim que as portas abriram. tional), deve sua ascensão à sua decisão de operar com o sucesso
Naquela época, as bibliotecas recebiam razoáveis dotações inesperado.
do governo. Watson saiu de lá duas horas depois com um pedido A Matsushita era uma empresa relativamente pequena e sem
grande, bastante para cobrir a folha de pagamento do 111ês destaque no início da década de 70, sobrepujada em tudo por
seguinte. gigantes firmemente enraizadas, como a Toshiba ou a Hitachi.
Como ele diz, com uma risada, toda vez que conta o caso, A Matsushita "sabia", como também qualquer outro fabricante
"Eu inventei uma nova diretriz na hma: conseguir dinheiro japonês nessa época, que a "televisão" não cresceria rapidamente
adiantado, antes da entrega". no J apão. "O J apão é muito pobre para se permitir tal luxo ",
Quinze anos mais tarde, a IBM tinha um dos primeiros dizia o presidente do Conselho da Toshiba, numa reunião em
computadores. Da mesma forma que os demais antigos compu­ Nova York, em 1 954 ou 1 955. A Matsushita, contudo, foi intel i­
tadores americanos, o da IBM fora projetado para finalidades gente o bastante para aceitar a idéia de que os agricultores japo­
científicas, exclusivamente. Na verdade, a IBM entrara no ramo neses evidentemente não sabiam que eram tão pobres para a
de computadores em grande parte devido ao interesse de Watson televisão. O que eles sabiam era que a televisão lhes ofereceri a ,
por Astronomia. E quando foi pela primeira vez exibido numa pela primeira vez, o acesso ao mundo afora. Eles podiam não
vi trine da IBM na Madison A venue, atraindo enormes multidões , ter recursos para televisores mas estavam preparados para com­
o computador da IBM foi programado para calcular todas �as pas­ prá-los mesmo assim e pagando.
sadas, presentes e futuras fases da lua. A Toshiba e a Hitachi fabricavam aparel hos melhores na
Mas, então, as empresas começaram a comprar essa "maravi­ época , somente que os exibiam na Ginza em Tóquio , e nas lojas
lha científica" para a mais rotineira finalidade: a folha de paga­ de departamentos das grandes cidades, deixando bas tante claro
mento. A Univac, que tinha o computador mais avançado e um que os agricultores não eram particularmen te bem-v indos em
dos mais apropriados para utilização nas empresas, realmente não locais tão elegantes. A Matsushita foi até os agricultores e vendeu

1'.,L
PETER F . DRUCKER I NOVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 61
60

seus televisores de porta em porta, algo que ninguém no Japão guir os créditos que ainda lhe faltavam. Para surpresa geral,
fizera jamais por qualquer produto mais caro do que calças de contudo, o programa demonstrou ser um enorme sucesso, com
algodão ou aventais. estudantes qualificados se inscrevendo em grandes números. E os
Naturalmente não é suficiente depender de uma casualidade alunos do programa realmente tiveram melhor desempenho do
e nem tampouco esperar que uma senhora à mesa de um jantar que os que faziam a graduação . Por seu turno, isto levou a um
venha a exprimir um interesse inesperado pelo seu produto pa­ dilema. Para explorar o sucesso inesperado, a universidade pre­
tentemente malogrado. A busca precisa ser organizada. cisaria manter um corpo docente razoavelmente grande e de alto
A primeira coisa é assegurar que o inesperado está sendo nível. Mas isso iria enfraquecer seu programa principal; no
visto ; na verdade, que ele clama por atenção. Ele deve constar mínimo, iria desviar a universidade do que ela considerava sua
adequadamente das informações que a Administração obtém e missão básica, o treinamento de alunos de graduação . A alterna­
estuda. (Como fazer isso é descrito com mais detalhes no Capí­ tiva era a de fechar o novo programa. Qualquer das decisões
tulo 1 3.) envolvia uma grande responsabilidade. Ao i nvés disso, a univer­
As administrações devem olhar cada sucesso inesperado com sidade decidiu colocar no programa professores temporários, com
as perguntas: ( 1 ) O que significaria para nós se o explorássemos? salários inferiores, na maioria assistentes de ensino que estuda­
(2) Para onde ele poderia nos levar? (3) O que precisaríamos fa­ vam para obter seus títulos de pós-graduação. Como resultado,
zer para convertê-lo numa oportunidade? e (4) O que temos que isso destruiu o programa em poucos anos, e pior, ainda, também
fazer neste caso? Isto significa, primeiro, que as administrações prejudicou seriamente a sua própria reputação.
devem reservar tempo específico para discutir sucessos inesp�­ O sucesso inesperado é uma oportunidade, mas ele faz exi­
rados. e, segundo, que alguém, sempre, deve ser encarregado de gências. Exige ser levado a sério. Exige professores preparados,
analisar um sucesso inesperado e ponderar sobre como ele pode­ e não quaisquer uns que estejam de reserva. Exige seriedade e
ria ser aproveitado. apoio por parte da Administração equivalente ao tamanho da
oportunidade. E a oportunidade é considerável .
Mas, a Administração precisa também aprender o que o
sucesso inesperado exige dela. E, mais uma vez, isso pode ser
explicado melhor por um exemplo.
Uma grande universidade na costa marítima leste dos Esta­
dos Unidos iniciou, nos primeiros anos de 1 950, um programa
II
noturno de "educação continuada" para adultos, no qual o currí­
culo universitário normal de graduação seria oferecido aos adul- O FRACASSO I NESPERADO
tos com um diploma da escola secundária. �
Ninguém do corpo docente acreditava realmente no pro­ Os fracassos, diferentemente dos sucessos, não podem ser
grama. O único motivo para sua realização foi o fato de que um postos de lado e raramente são desconhecidos. Mas são poucas
pequeno número de ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial vezes vistos como sintomas de oportunidade. U m bom número
tinha sido forçado a trabalhar antes de obter seus diplomas de fracassos são, naturalmente, nada mais que erros, os resulta­
ele graduação e estava exigindo uma oportunidade para conse- dos de ganância, estupidez, participação irreflet ida , ou incompe-
62 PETER F. DRUCKER 1 NO VAÇÃO E ESPÍRITO EMPREENDEDOR 63

tência, no projeto ou na execução. No entanto, se algo falha a era (e por tudo que sei ainda é) um símbolo mágico; nenhum
despeito de ser cuidadosamente planejado, cuidadosamente dese­ ladrão se atreveria a abrir um cadeado. A chave nunca era usada,
nhado e conscienciosamente executado, esse fracasso muitas vezes e geralmente se perdia. Ter um cadeado que não pudesse ser
revela mudanças latentes e, com elas, oportunidade. aberto com facilidade sem chave - o cadeado aperfeiçoado com
Os pressupostos nos quais se baseia um produto ou serviço, que meu empregador havia trabalhado tanto para melhorá-lo sem
seu desenho ou sua estratégia de marketing podem não mais custo adicional - não era portanto uma vantagem e sim um
estar adequados à raelidade. Talvez, os clientes tenham mudado desastre.
seus valores ou percepções ; embora estejam ainda adquirindo a Uma pequena minoria de classe média que crescia rapida­
mesma "coisa", eles realmente estão adquirindo um "valor" muito mente nas cidades, entretanto, precisava de um cadeado autên­
diferente. Ou, talvez, o que sempre fora um mercado ou um tico. O fato de não ser suficientemente resistente para suas neces­
uso final, dividiu-se em duas ou mais partes, cada uma exigindo sidades fora a razão principal por que o velho cadeado começara
tratamento bem diferente. Qualquer mudança desse tipo é uma a perder vendas e mercado. Mas, para essa gente, o produto me­
oportunidade para inovação. lhorado ainda era inadequado.
Tive minha primeira experiência com o fracasso inesperado O concorrente do meu empregador decompôs o cadeado em
logo que comecei a trabalhar, há quase sessenta anos, recém-saído dois produtos separados : um sem fechadura e chave, com apenas
da escola secundária. Meu primeiro emprego foi como estagiário um disparador do engate, vendido por um terço a menos do q ue
numa antiga firma exportadora, que, por mais de um século, ven­ o velho cadeado, mas com o dobro de sua margem de lucro;
dera ferragens à índia Britânica. Os itens que mais haviam e o outro com uma boa e resistente fechadura e três chaves,
vendido durante muitos anos eram cadeados baratos, dos quais vendido ao dobro do preço do velho cadeado e também com
se exportavam mensalmente cargas totais de navios. O cadeado margem de lucro substancialmente maior. Ambas as linhas ime­
era frágil e um alfinete abriria facilmente a fechadura. À medida diatamente venderam bem. Em dois anos, o concorrente se tornou
que as rendas na índia aumentavam na década de 20, as vendas de o maior exportador europeu de ferragens para a índia. Ele
cadeado, em vez de aumerltarem, começaram a decrescer rapida­ manteve essa posição durante dez anos, até que a Segunda Guerra
mente . Meu empregador, então, fez o que era óbvio: redesenhou Mundial acabou de vez com as exportações européias para a
o cadeado para dar a este uma fechadura mais resistente, isto é, Índia.
torná-lo de "qualidade melhor ". O custo adicionado seria mínimo Um conto exótico dos dias de cavalos e carruagens alguém
e a melhoria da qualidade, substancial . No entanto, o cadeado poderia dizer. Certamente nós nos tornamos mais sofisticados
aperfeiçoado mostrou-se invendável. Quatro anos depois, a firma nesta era de computadores, de pesquisa de mercado, e de mestres
entrou em liquidação, sendo a queda de vendas do seu cadeado em Administração das escolas de pós-graduação.
indiano um dos principais fatores da sua extinção. � Porém, eis aqui um outro caso, meio século mais tarde, e
Um pequeno concorrente dessa firma no comércio exporta­ de uma indústria muito "sofisticada " . No entanto, ele nos ensina
dor indiano, com não mais que um décimo do tamanho do meu exatamente a mesma lição.
empregador e que até então mal sobrevivia, compreendeu que Quase ao mesmo tempo em que as primeiras levas da
aquele fracasso inesperado era um sintoma de mudança básica. ''explosão de bebês" (o "baby boom", citado antes) atingiam seus
Para a maioria dos indianos, os camponeses nas aldeias, o cadeado vinte e cinco anos de idade - isto é, a idade de constituir família

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PETER F. DRUCKER
64 I NOVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR
65
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e de adquirir sua primeira casa - veio a recessão de 1 97 3- 1 9 7 4. revender sua "casa básica" por um preço decente. Então a "casa
A inflação tornou-se desenfreada, especialmente nos preços de básic a" , em vez de se tornar uma opção para adquirir a "casa

il
casas, que cresceram muito mais do que qualquer outra coisa. definitiva " mais tarde, era na verdade um empecilho sério p ara
Ao mesmo tempo, as taxas de juros sobre as hipotecas de mora­ a tender os anseios e necessidades por uma casa definitiva.
dias subiram nrtiginosamente. E, assim, os grandes construtores O jovem casal de 1 950 ainda se considerava como perten­
nos Estados Unidos começaram a projetar e a oferecer o que cendo à "classe trabalhadora" de um modo geral. E essa classe
chamaram de "casa básica", menor, mais simples, e mais barata
no oeste d o p aís não esperava que suas rendas e seus padrões de
do que a casa que antes era o padrão.
vida c rescessem materialmente depois do término de seu aprendi­
Mas, apesar de constituir esse "bom valor" e bem de acordo
zado e daí para um emprego de tempo integral. A senioridade
com os recursos do comprador de primeira vez, a "casa básica"
resultou em um enorme fracasso. Os construtores procuraram para a classe trabalhadora (com o Tapão sendo a grande exceção)
salvá-la oferecendo financiamento a juros baixos e pagamento a significa maior segurança no emprego e não rendimentos maiores.
longo prazo e reduzindo bastante os preços. Mesmo assim, Porém a "classe média" tradicionalmente pode esperar aumentos
ninguém comprou a "casa básica " . seguros de sua renda até que o cabeça do casal alcance os 45 ou 48
Os construtores, e m sua maioria, fizeram o que os empre­ anos de i dade. Entre 1 950 e 1 97 5 , tanto a realidade como a auto­
sários fazem em caso de um fracasso inesperado: culparam aquele imagem dos jovens adultos americanos - sua educação, suas ex­
velho espectro, o "cliente irracional". Mas, uma das construtoras, pectativas, seus empregos - haviam mudado de "classe trabalha-,
ainda muito pequena, decidiu olhar à sua volta para ver o que lhadora" para "classe média ". E com essa mudança, ocorreu
acontecia. E descobriu que havia ocorrido uma mudança 'em uma b em definida mudança no que representava o primeiro lar
relação ao que o casal americano desej ava em seu primeiro lar. do jovem casal , e no que constituía o seu "valor".
Esta casa não mais representava o lar permanente da família como Uma vez entendido este ponto - e tudo o que precisava
acontecera com seus avós, a casa na qual o casal esperava viver o era ouvir os compradores interessados em casas em alguns fins
resto de sua vida, ou pelo menos por um longo tempo. Nos anos de semana - a inovação bem sucedida surgiria facilmente. Pra­
70, os jovens casais não estavam comprando apenas um, mas ticamente nenhuma alteração era feita na planta física; somente
dois "valores" em separado ao adquirir a sua primeira casa. a cozinha era redesenhada e um pouco aumentada. No mais, a
Compravam abrigo por uns bem poucos anos; e também, com­ construção permanecia a mesma "casa básica " que os constru­
pravam uma opção para comprar - alguns anos mais tarde - tores não tinham conseguido vender. Porém, em vez de ser ofe­
a sua casa "verdadeira ", muito maior e mais luxuosa, numa vizi­ recid a como "a sua casa", era oferecida como o "seu primeiro
nhança melhor, e com melhores escolas. Para dar entrada do lar", e como "um tijolo da casa que você queria". Especifica­
pagamento dessa casa permanente e bem mais cara, el�s iriam mente, isto queria dizer que ao jovem casal era mostrada tanto
precisar, contudo , do patrimônio que haviam construído na a casa em que ele pisava - isto é a "casa básica" - como
primeira casa. Os jovens sabiam muito bem que a "casa básica" também um modelo da mesma casa na qual aumentos futuros
não era o que etes e seus contemporâneos realmente desejavam como um banheiro adicional , um ou mais quartos, e um porão,

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mesmo se fosse tudo o que pudessem conseguir. Eles temiam, por- "o recanto da família" já tinham sido construídos. Na verdade, o
1 11 1 1 1 0 , o q u e era absolutamente racional, que não iriam conseguir construtor já tinha até mesmo obtido os necessários alvarás de

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PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESPfR ITO EMPRE E NDEDOR 67
66

construção da prefeitura para converter a "casa básica" no "lar E igualmente importante estar alerta para o evento inespe­
permanente" . Além disso, o construtor garantia ao jovem casal rado do lado dos fornecedores, e dentre os consumidores. A
um preço fixo de revenda de sua primeira casa, a ser creditado McDonald's, por exemplo, começou porque seu fundador, Ray
na futura compra através de sua própria firma, de uma segunda Kroc, deu atenção ao sucesso inesperado de um de seus clientes.
casa maior e "permanente" dentro de cinco a sete anos. "Assim Nessa época, Kroc estava vendendo máquinas de milkshake para
praticamente não haveria riscos" ele explicava. "Afinal as aná­ vendedores de hambúrgueres. Ele notou que um de seus clientes,
l ises demográficas asseguravam um crescimento firme na demanda uma pequena venda numa cidade da Califórnia, comprava um
por 'primeiras casas' até o final dos anos 80 ou 90, durante o número bem maior de máquinas de milkshake do que a sua loca­
qual as crianças do 'baby bust' (nível mais baixo de natalidade) lização e tamanho poderiam justificar. Ele procurou saber o que
de 1 96 1 chegariam aos seus 2 5 anos e começariam a constituir ocorria e descobriu um velho que havia, de fato, reinventado o
suas famílias". negócio de comida rápida, sistematizando-o. Kroc comprou, então,
Antes que essa construtora tivesse transformado o fracasso esse negócio e transformou-o num empreendimento de bilhões
em inovação, ela havia realizado obras em uma única área me­ de dólares, baseando-se no sucesso inesperado do proprietário
original.
tropolitana, na qual era considerada uma firma pequena. Cinco
O sucesso ou fracasso de um concorrente é também impor­
anos mais tarde, a firma operava em sete áreas metropolitanas,
tante. Em qualquer dos casos deve-se considerar o evento com
e era a primeira ou uma forte segunda em cada uma dessas
seriedade, corno um sintoma de oportunidade inovadora. N ão se
áreas. Mesmo durante a recessão na construção civil de 1 98 1 e
deve apenas "analisar" , e si m sair a campo para procurar saber
1 982, uma recessão tão severa que alguns dos maiores constru­
o que acontece realmente.
tores americanos não venderam uma única casa nova durante
I novação, que é a principal tese deste l ivro, é trabalho orga­
toda a estação, esse construtor inovador continuou a crescer. nizado, sistemático e racional . Mas é inteiramente perceptível e
"Um motivo para isso", explicou o fundador da firma, "foi uma conceituai. Por certo, o que o inovador vê e aprende precisa ser
coisa que eu mesmo não havia visto quando resolvi oferecer aos submetido a uma rigorosa análise lógica. Intuição só não basta;
compradores 'calouros' uma garantia de recompra. Isso nos deu na verdade, não tem o menor valor se por intuição se subentende
uma oferta segura de casas ainda relativamente novas, bem cons­ "o que eu sinto" . Pois esta, geralmente, é simplesmente uma
truídas, precisando apenas de alguns pequenos consertos, e que outra maneira de dizer "O que eu gostaria que fosse", em vez
podiam então ser revendidas com um bom lucro para a safra de "O que eu apreendo que é" . Mas a análise, por maior que
seguinte de compradores de sua primeira casa". Quando se de­ seja o seu rigor - seus requisitos para mudança, experimentaçiio.
frontam com o fracasso inesperado, os executivos, especialmente orientação e aval iação -, precisa estar al icerçada numa percep­
de grandes organizações, tendem a exigir mais estu<lfs e mais ção de mudança, de oportunidade das novas realidades , da
anál ises. Porém, como nos mostram, tanto a história do cadeado incongruência entre o que a maioria das pessoas ainda estií certa
como a da "casa básica", essa é uma reação errada. O fracasso sobre o que é a realidade e o que realmente tornou-se uma nova
inesperado exige que o indivíduo saia, olhe à sua volta e escute. real idade. Isto requer disposição para dizer: "Eu niiu sei d
O fracasso pode sempre ser considerado um sintoma de uma bastante para analisar, mas vou descobrir. Vou sair a cam po .
o port unidade inovadora, e, como tal, deve ser levado a sério. olhar à minha volta, fazer perguntas e escutar ".
'
68 PETER F. DRUCKER INOVAÇÃO E ESPrRITO EMPREENDEDOR 69
E precisamente porque o inesperado nos faz enxotar p ara não possuía um bom produto, deixando a porta aberta para a
fora nossas noções preconcebidas , nossos pressupostos, nossas · i. Ford.
;, .
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certezas, é que ele é tão fértil de inovação. A Ford foi a extremos no planejamento e desenho do Edsel,
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Não é sequer necessário que o empreendedor entenda por incorporando em seu projeto a mais completa informação a
que a realidade mudou . Nos dois casos citados acima foi fácil partir de pesquisas de mercado, a mais atualizada informação
descobrir o que aconteceu e porquê. Mais freqüentemente nós sobre preferências do consumidor quanto à aparência e estilo, e
acabamos descobrindo o que está acontecendo sem muitas pistas os mais elevados p adrões de controle de qualidade.
quanto ao porquê. E, no entanto, nós podemos, assim mesmo, E, com tudo i sso, o Edsel foi desde logo um fracasso total.
inovar com sucesso. A reação da Ford Motor Company foi bastante reveladora .
Eis um exemplo. Em vez de culpar o "consumidor irracional" , a Ford interpretou
O fracasso do automóvel Edsel , da Ford Motor Company, em que estava acontecendo alguma coisa que não era coerente com
1 95 7 , faz parte do folclore americano. Mesmo gente que ainda as premissas sobre a reali dade, feitas por todos do setor sobre
não havia nascido quando o Edsel fracassou já ouviu falar dele, o comportamento do consumidor - e por tanto tempo que elas
pelo menos nos Estados Unidos. Mas a convicção generalizada haviam se tornado axiomas inquestionáveis .
de que o Edsel foi uma jogada precipitada está totalmente errada . O resultado da decisão da Ford d e sair a campo e investigar
Bem poucos produtos jamais foram tão cuidadosamente pro­ foi uma inovação genuína na indústria automobilística americana,
jetados , tão cuidadosamente l ançados e tão destramente comer­ desde que Alfred P . Sloan, nos anos 20, havia definido a seg­
cializados . Pretendia-se que o Edsel fosse a etapa final da estra­ mentação sócio-econômica do mercado americano em "inferior",
tégia mais amplamente planejada da história empresarial america­ "médio-inferior", "alto-médio", e "alto", critério a partir do qual
na : uma campanha de dez anos, durante a qual a Ford converteu­ ele então construiu a General Motors Company. Quando o pessoal
se, depois da Segunda Guerra Mundial, de um concorrente à beira da Ford investigou descobriu que essa segmentação estava rapi­
do abismo em um agressivo e vigoroso número dois nos Estados damente sendo substituída - ou pelo menos sendo paralela -
Unidos e, poucos anos mais tarde, em um lutador vigoroso pelo por uma outra bem d i ferente, que hoje chamaríamos de "seg­
número um no mercado europeu , que crescia rapidamente . mentação por estilo de vida". O resultado, dentro de pouco
Em 1 957, a Ford havia se restabelecido firmemente como tempo depois do fracas so do Edsel , foi o aparecimento do Thun­
um forte concorrente em três dos quatro maiores mercados ame­ derbird da Ford, o maior sucesso de todos os carros americanos
desde que Henry Ford Sênior lançou o seu Modelo T, em 1 908 .
ricanos de automóveis : o "standard" , com a marca Ford ; o
O Thunderbird restabelece u a Ford como um dos maiores fabri­
"médio-inferior" , com o Mercury ; e o "alto", com o Continental .
cantes por seus próprios méritos, e não como sendo o irmão mais
O Edsel foi então projetado para o único segmento que restava ,
moço da General Motors e um imitador perene.
o "alto-médio", para o qual a grande rival d a Ford, a General No entanto, até hoje não sabemos realmente o que provocou
Motors, fabricava o Buick e o Oldsmobile. Este segmento "alto­ a mudança. Ela ocorreu bem antes de qualquer um dos eventos
médio", depois da Segunda Guerra Mundial, era o que mais rapi­ pelo qual ela é geralmente explicada, como, por exemplo, o deslo·
damente crescia no mercado de automóveis e, :io entanto, era camento do centro de gravidade demográfica para o grupo dos
aq uele para o qual o terceiro produtor de automóveis , a Chrysler, adolescentes , resultado da "explosão de bebês", a expansão expio-
70 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 71

siva da educação superior, ou a mudança dos hábitos sociais. com os jogos de computador. Logo em seguida seus pais já
Nem também sabemos realmente o que significa "estilo de vida". estavam querendo seu computador próprio no escritório ou um
Todas as tentativas de descrevê-lo foram inúteis até agora. Tudo computador pessoal, isto é, uma pequena, isolada e independente
que sabemos é que alguma coisa aconteceu. máquina com capacidade muito menor do que o menor dos
Mas isso é suficiente para converter o inesperado sucesso ou "main-frames". Todas as coisas ominosas que a IBM havia pre­
fracasso numa oportunidade para inovação deliberada e eficaz. dito realmente ocorreram. As máquinas independentes custam
mais do que um "terminal" ligado à tomada e têm uma capaci­
dade muito menor; existe uma tal proliferação delas e de seus
programas, e tão poucos deles são verdadeiramente compatíveis
III entre si que todo o campo tornou-se um caos, com assistência
técnica e consertos numa desordem total. Mas tudo isso não
parece incomodar os usuários. Pelo contrário, no mercado ame­
O EVENTO EXTERNO INESPERADO
ricano, os computadores pessoais em cinco curtos anos, de 1 979
Os sucessos e fracassos inesperados até este ponto foram a 1 984, atingiram o volume de vendas anual que os compu­
discutidos como se ocorressem dentro de uma empresa ou um tadores de grande porte levaram trinta anos para atingir, isto é,
setor industrial. Mas, eventos externos, isto é, eventos não regis­ 1 5- 1 6 bilhões de dólares.
trados nas informações e nos dados pelos quais a Administração Poder-se-ia esperar da IBM que ela menosprezasse essa evo­
conduz sua instituição, são igualmente importantes. lução. Em vez disso , já em 1 9 77 , quando a venda dos compu­
Aqui estão alguns exemplos mostrando eventos externos tadores pessoais no mundo todo ainda só atingia 200 milhões de
inesperados típicos e sua exploração como importantes oportuni­ dólares (comparados com as vendas dos "main-frames " que atin­
dades para a inovação bem sucedida. giram 7 bilhões no mesmo ano), a IBM criou forças-tarefas
Meu exemplo refere-se à IBM e o computador pessoal , o CP. competindo entre si para desenvolver computadores pessoais para
Por mais que executivos e engenheiros da IBM pudessem a companhia. Daí resultou que a IBM produziu seu computador
estar em desacordo entre si, patentemente existia uma concor­ pessoal próprio em 1 980, no momento em que o mercado explo­
dância total dentro da companhia em um ponto, até quase meados dia. Três anos mais tarde, em 1 983, a IBM tornou-se a líder
da década de 70: o futuro pertencia ao grande computador mundial dos fabricantes de computador pessoal, uma liderança
central de grande porte , o "main-frame", com a maior memória quase tão destacada neste novo campo, como no caso dos "main­
e capacidade de cálculo existentes. Tudo o mais, como qualquer frames". Também, em 1 98 3 , a IBM lançou seu microcomputador,
engenheiro da IBM poderia provar convincentemente, seria por o "Peanuts' '.
demais dispendioso, por demais confuso e por demais limitado Quando converso sobre tudo isso com o pessoal da I B M ,
em sua capacidade de desempenho. faço sempre a mesma pergunta: "Como explicar que logo a IBM,
Portanto a IBM concentrou seus esforços e recursos em dentre todas, visse esta mudança como uma oportunidade , quando
manter sua liderança no mercado do "main-frame". todos na própria IBM estavam tão seguros de que ela não pode­
Então, ao redor de 1 97 5 ou 1 97 6 , para surpresa de todos, ria acontecer e que não fazia sentido?" E recebo sempre a
as crianças com dez e onze anos de idade começaram a brincar mesma resposta: "Precisamente porque nós sahíamos que isto não
73

t
72 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESP1RITO EMPREENDEDOR

poderia acontecer, e que não fazia o mínimo sentido, é que o que O evento inesperado foi explorado, em seu lugar, por alguns
aconteceu foi um verdadeiro choque p ara nós. Nós nos demos grandes varejistas, como as lojas de departamentos em M i nnea­
conta de que tudo que havíamos presumido, de que tudo sobre polis e Los Angeles. Nenhuma destas jamais tivera nada a ver
o que tínhamos tanta certeza estava sendo jogado num 'chapéu com livros, mas conheciam o negócio de varejo. Elas estabele­
de mágico', e que então precisávamos sair a campo e nos orga­ ceram cadeias de livrarias bem diferentes de qualquer livraria
nizar para tirar vantagem de um acontecimento que sabíamos que antes delas nos Estados Unidos. Basicamente são supermercados
não poderia acontecer, mas acabou acontecendo" . e não tratam livros como literatura, mas como "bens de massa",
O segundo exemplo é bem mais prosaico . M as não é menos e se concentram nos itens de grande circulação, que geram mais
instrutivo, a despeito de sua falta de "glamour" . dólares de vendas por unidade de espaço nas prateleiras. Elas
Os Estados Unidos nunca foram um país d e compradores se localizam em shopping-centers com altos aluguéis, mas tam­
de livros, em parte por causa das bibliotecas públicas existentes bém com tráfego intenso, ao passo que todos no negócio de
em todo lugar. Quando surgiu a televisão no início dos anos 50, livros têm sempre sabi do que uma livraria precisa estar onde
a cada dia mais americanos começaram a passar cada vez mais se pagam aluguéis baixos, principalmente perto do campus de
tempo em frente ao televisor - principalmente aqueles nos seus uma universidade. Tradicionalmente, livreiros eram do "tipo lite­
anos de primeiras leituras de livros, isto é, ginasianos e colegiais rário" e procuravam contratar funcionários que "amavam
-, e "todo mundo " sabia que a venda de livros iria cair vertical­ livros". Os gerentes das novas livrarias são antigos vendedores
mente. As editoras freneticamente começaram a diversificar para de cosméticos. A piada que corre entre eles é que qualquer
a mídia de alta tecnologia : filmes educativos ou programas de vendedor que queira ler alguma coisa além da tarjeta do preço do
computador (na maioria dos casos sem o menor sucesso). M as, livro está "desesperançosamente superqualificado".
em vez de entrarem em colapso, as vendas de livros nos Estados Já com dez anos completados, essas novas cadeias de livra­
Unidos foram às nuvens, desde que surgira a TV. Elas cresceram rias têm estado dentre os segmentos mais bem sucedidos e de
várias vezes mais rapidamente do que haviam previsto todos os maior crescimento do varejo americano e dentre os novos negó­
indicadores, como rendas familiares, população total nos seus cios de maior crescimento do país como um todo.
anos de leitura, ou mesmo portadores de títulos universitários.
Ninguém sabe por que isso aconteceu. Deveras, ninguém
sabe o que realmente aconteceu. Livros continuam a ser um Cada um desses casos representa inovação genuína. Mas
objeto tão raro no lar americano típico como antes.2 Para onde, nenhum deles representa diversificação.
afinal, vão todos esses livros? O fato de não termos resposta A IBM permaneceu no negócio de computadores. E as
para essa pergunta não altera a realidade de que livros estão sendo cadeias de livrarias são conduzidas por pessoas que sempre foram
comprados e pagos em números crescentes. � varejistas, em shopping-centers ou dirigindo butiques.
Tanto os editores como as livrarias estavam sabendo, natu­ Uma condição para explorar o sucesso do evento inesperado
ralmente , todo o tempo, que as vendas de livros subiam vertigino­ externo é que ele se enquadre no conhecimento e capacitação do
samente. Nenhum deles, contudo, fez coisa alguma sobre isso. próprio negócio da pessoa. Empresas, mesmo grandes, que se
lançaram no novo mercado de livros, ou de vendas em massa sem
2 . Isto também se aplica ao Japão que, per capita, compra mais l ivros do que a competência em varejo , uniformemente malograram.
qualquer outro. e duas vezes mais que os Estados Unidos.
lt.
74 PETER F. DRUCKER INOVAÇÃO E ESPIR ITO EMPREENDEDOR 75

O evento inesperado externo pode ser portanto, acima de !


nidade e com menor risco. Pode ser a área particularmente ade­
tudo, uma oportunidade para aplicar a competência especializada �· quada para inovação pela grande empresa já estabelecida. Pode
já existente a uma nova aplicação, uma que não altere a natureza � �· ser a área na qual a competência especializada mais importa, e
do "negócio em que se está". Pode ser uma extensão, em vez de na qual a habilidade de mobilizar recursos substanciais com rapi­
diversificação. Mesmo assim, como os exemplos acima indicaram, dez faz a maior das diferenças.
ela também demanda inovação em produto e, freqüentemente, em Porém, como esses casos mostram, ser grande e estar estabe­
assistência técnica e canais de distribuição. lecido não assegura que uma empresa irá perceber o evento ines­
O segundo ponto nesses casos é que todos são de grandes perado e organizar-se adequad�mente para explorá-lo. Os compe­
empresas. Naturalmente, muitos dos casos neste livro, como em tidores americanos da IBM são todos grandes, com vendas de
qualquer livro de Administração, têm que ser de grandes empre­ bilhões de dólares. Nenhum deles explorou o computador pessoal,
sas. Eles são os únicos disponíveis, como regra geral, os únicos pois estavam todos muito ocupados lutando contra a IBM. E ne­
que podem ser encontrados em documentos publicados, os nhuma das antigas grandes livrarias dos Estados Unidos, como a
únicos discutidos nas páginas de negócios de jornais e revistas. Brentano's de Nova York, por exemplo, tirou proveito do novo
Os casos de pequenas empresas são bem mais difíceis de aparecer mercado de livros.
e muitas vezes não podem ser discutidos sem violar confidências. A oportunidade está aí, em outras palavras. B uma grande
Mas a exploração do evento externo inesperado parece que oportunidade e ocorre com freqüência. E, quando acontece, ela
se ajusta especialmente à empresa em funcionamento, de um se apresenta como uma grande promessa, principalmente para
tamanho razoavelmente grande. Eu conheço uma ou outra peque­ empresas estabelecidas razoavelmente grandes.
na empresa que explora com sucesso o evento inesperado Muitas oportunidades exigem mais do que mera sorte ou
externo; o mesmo ocorre com alunos de empreendimento e ino­ intuição. Elas exigem que a empresa busque a inovação, organi­
vação que eu porventura consultasse. Pode ser coincidência, mas ze-se adequadamente e seja administrada de maneira a poder
a grande empresa em operação tem maior probabilidade de ver o explorá-la.
"quadro amplo".
É o grande varejista nos Estados Unidos que está acostu­
mado a exami nar os dados numéricos que mostram onde e como
os consumidores gastam seu dinheiro no varejo . O grande vare­
jista também está informado sobre localizações de shL,pping­
centers e como obter as melhores. E, por acaso, poderia essa
pequena empresa ter feito o que a IBM fez destacando quatro
,1 I·
forças-tarefas de desenhistas e de engenheiros de primeir� linha li

para trabalhos em linhas de produtos novos? Pequenas empresas


de alta tecnologia em um setor de crescimento rápido em geral ill' i
,.,
não têm pessoal desse nível nem para seu trabalho normal . ' 1

Pode bem ser o caso que o evento inesperado externo seja 1


.,.
a área inovadora que oferece à grande empresa a maior oportu- Ili

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lir, ;
1-

Fonte:

� M=... Incongruências
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1

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Uma incongruência é uma discrepância, uma


dissonância, entre o que é e o que "deveria" ser,
ou entre o que é e o que todo mundo pressupõe
que seja. Podemos não entender por que razão
ela existe, e, na verdade, com muita freqüência
não podemos sequer concebê-la. Mesmo assim,
uma incongruência é um sintoma de uma oportu­
nidade para inovar. Ela pressagia uma "falha" la­
tente, utilizando o termo da Geologia. Tal falha
é um convite para inovar. Ela cria uma instabili­
dade na qual esforços de pequena monta podem
mover grandes massas e talvez ocasionar uma re­
estruturação da configuração econômica e social.
Contudo, as. incongruências geralmente não se
manifestam através dos dados ou relatórios que
� os dirigentes recebem e aos quais dedicam aten­
ção. Elas são qualitativas e não quantitativas.
Da mesma forma que o evento inesperado,
sucesso ou fracasso, a incongruência é um sintoma
77
78 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 79
de mudança, de mudança já ocorrida ou mudança que se pode Tipicamente, essas incongruências são fenômenos macroeco­
fazer acontecer. nômicos, que ocorrem dentro de todo um setor industrial ou de
Como as mudanças que estão latentes no evento inesperado, serviços. As maiores oportunidades para inovação existem, nor­
as mudanças latentes na incongruência são mudanças dentro de malmente, para a nova pequena empresa bem concentrada, novo
um setor, um mercado, um processo. A incongruência é, portanto, processo ou novo serviço. E, em geral, o inovador que explora
claramente visível às pessoas dentro ou l igadas ao setor, mercado esta incongruência pode contar que estará sozinho por um bom
ou processo; ela está diretamente diante dos seus olhos. Entre­ período de tempo antes que as empresas existentes e os fornece­
tanto, com freqüência, ela é descartada pelos que estão dentro, dores acordem para o fato de que têm, pela frente, uma nova e
que tendem a considerá-la como certa e garantida - "Isso tem perigosa concorrência. Isso porque estão tão ocupados procurando
sido sempre assim", eles dizem, mesmo que "sempre" se refira a abrir caminho no hiato entre demanda crescente e resultados defa­
um acontecimento bem recente. sados que mal notam que alguém está fazendo algo diferente -
Existem várias espécies de incongruência: produzindo resultados, e explorando a demanda crescente.
- Uma incongruência entre as realidades econômicas de Às vezes chegamos a entender o que se passa. Mas, em
outras ocasiões é impossível decifrar por que a demanda cres­
um setor industrial (ou de uma área governamental).
cente não resulta em melhor desempenho. O inovador, portanto,
- Uma incongruência entre a realidade de um setor (ou
não precisa sempre procurar entender por que as coisas não fun­
de uma área governamental) e os pressupostos sobre ela.
- Uma incongruência entre os esforços de um setor (ou de cionam como deveriam. Ele deveria, em vez disso, perguntar:
uma área governamental) e os valores e as expectativas de seus "O que poderia explorar esta incongruência? O que poderia
clientes. convertê-la numa oportunidade? O que pode ser feito? " A
- Uma incongruência interna dentro do ritmo ou lógica de incongruência entre realidades econômicas é uma chamada para a
um processo. ação . Às vezes, a ação a ser tomada é bastante óbvia, mesmo que
o problema em si seja bem obscuro . E, outras vezes, nós enten­
demos o problema inteiramente , mas no entanto não conseguimos
imaginar o que fazer com ele.
I A "mini-usina" de aço é um bom exemplo de uma inovação
que vingou explorando a incongruência.
Por mais de cinqüenta anos, desde o fim da Primeira Guerra
REALIDADES ECONÔMICAS INCONGRUENTES Mundial, as usinas siderúrgicas enormes e integradas dos países
desenvolvidos só deram resultados em tempos de guerra. Quando
Se a demanda por um produto ou serviço está ctescendo havia paz seus resultados eram consistentemente desalentadores,
firmemente, seu desempenho econômico também deverá melhorar mesmo quando a demanda por aço mostrava um crescimento
firmemente. Deve ser fácil ter lucros em um setor com demanda firme pelo menos até 1 97 3 .
sempre crescente. A maré a carrega. Uma falta de lucratividade A explicação para essa incongruência é conhecida há muito
e resultados positivos nesse tipo de indústria põem à mostra uma tempo. A unidade incremental mínima para satisfazer à demanda
incongruência entre realidades econômicas. adicional em uma siderúrgica integrada é um investimento de

ÍI..... &' :À.


80 PETER F. DRUCKER 1 NOVAÇAO E ESPIRITO EMPREENDEDOR 81

vulto e aumenta substancialmente a capacidade . Qualquer bastante intensiva, a mm1-usina pode ser automatizada. Seus
ampliação de uma usina existente é, portanto, provável que custos, portanto, podem chegar a menos da metade daqueles do
opere por muitos anos com baixa taxa de utilização, até que a processo tradicional de fabricar aço.
demanda - que sempre cresce em saltos incrementais pequenos, Governos, sindicatos e as companhias que utilizam usinas
exceto em tempos de guerra - atinja o novo nível de capacidade . integradas têm lutado contra a mini-usina sob qualquer pretexto.
Porém, não expandir quando a demanda cresce significa perda da Mas, elas estão visivelmente ganhando terreno. Por volta
fatia de mercado, e para sempre. Nenhuma companhia pode se <lo ano 2000, cinqüenta por cento ou mais do aço usado nos
permitir assumir tal risco. A indústria pode então somente ser Estados Unidos provavelmente virá das mini-usinas, enquanto
lucrativa por uns poucos anos: desde quando todos começam a que as grandes usinas siderúrgicas integradas entrarão num declí­
ampliar a capacidade até quando toda essa nova capacidade nio irreversível.
sobrevém. Existe contudo um paralelo, e bem significativo. Uma
Além do mais, o processo de fabricação do aço, inventado incongruência similar entre a realidade econômica da demanda
nos anos 1 870, é basicamente não-econômico, como também é e a realidade econômica do processo ocorre na indústria de papel.
sabido há muitos anos. Ele tenta desafiar as leis da Física, o Somente que, neste caso, nós não sabemos como convertê-la em
que significa violar as leis da Economia . Nada em Física requer inovação e oportunidade.
tanto trabalho quanto a produção de temperaturas, sejam quentes A despeito dos constantes esforços dos governos de todos
ou frias, a não ser que se trabalhe contra as leis da gravidade e
os países desenvolvidos, e a maioria daqueles em desenvolvi­
da inércia. O processo integrado de aço produz temperaturas ele­
mento, para aumentar a demanda de papel - talvez o único
vadíssimas quatro vezes, apenas para esfriar tudo de riovo.
objetivo sobre o qual os governos de todos os países concordam
E levanta enormes pesos de materiais quentes e os movimenta
-, a indústria do papel não tem andado bem. Três anos de
por distâncias consideráveis.
"lucros recordes" são invariavelmente seguidos por cinco anos de
Estava evidente por muitos anos que a primeira inovação
em processo que minorasse essas fraquezas inerentes reduziria "excesso de capacidade " e perdas. No entanto, até agora, não
custos substancialmente. Isto é precisamente o que faz a "mini­ temos nada semelhante ao processo da "mini-usina" para o papel.
usina" . Ela não é uma pequena fábrica; o tamanho econômico Sabe-se desde há oitenta ou noventa anos que a fibra da madeira
mínimo produz 1 00 milhões de dólares em vendas. Mesmo assim, é um monômero, e não deveria ser tão difícil, poderíamos dizer,
ela ainda é cerca de um sexto a um décimo do tamanho econô­ achar um plastificador que a convertesse num polímero. Isto leva­
mico mínimo de uma usina de aço integrada . A mini-usina, por­ ria à conversão da fabricação de papel de um processo mecânico
tanto, deve ser construída para fornecer, economicamente, um inerentemente ineficiente e desperdiçador para um processo quí­
incremento adicional razoavelmente pequeno de fabri'cação de mico inerentemente eficiente. Na verdade, há quase cem anos
aço para o qual já existe um mercado. A mini-usina produz calor ;i trás, isso foi obtido, no que concerne à fabricação de fibras
uma só vez, e não o resfria, mas o utiliza para o resto do processo. têxteis a partir da polpa de madeira - no processo do rayon,
Ela começa com sucata de aço em vez de minério de ferro e daí que data dos anos t 880. Mas, apesar dos milhões de dólares em
se concentra num só produto final: chapas por exemplo, ou vigas pesquisa, ninguém por enquanto descobriu uma técnica para pro­
ou vergalhões. E, enquanto a usina integrada é de mão-de-obra d uzir papel dessa maneira.

Ali. à
82 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESPrRITO EMPR EENDEDOR 83

Numa incongruência, corno esses casos exemplificam, a solu­ Na Grã-Bretanha , a "inovação radical" é o seguro de saúde
ção inovadora precisa ser claramente definida. Precisa ser exe­ privado, que se transformou n o mais popular benefício do em­
qüível com a tecnologia existente e conhecida, e com recursos pregado e que cresce com mais rapidez. Tudo que ele faz é per­
facilmente disponíveis. Exige árduo trabalho de desenvolvimento, mitir aos segurados a consulta imediata com um especialista e
naturalmente. Mas, se muita pesquisa e conhecimento novo são passar à frente da fila, evitando ter que esperar no caso de preci­
necessários, ela até agora não está pronta para o empreendedor, sar de uma "cirurgia eletiva " . 2
não "madura", por enquanto. A inovação que explora com sucesso I sto porque o sistema britânico tentou manter baixos os
urna incongruência entre realidades econômicas precisa ser custos do atendimento à saúde por "triagem", o que, de fato,
simples e não complicada, "óbvia", mais que grandiosa.
permite atenção e tratamento imediato para doenças rotineiras
Nas áreas do setor público, da mesma forma, podem ser
por um lado e para enfermidades com "risco de vida" do outro
encontradas incongruências entre as realidades econômicas.
A assistência à saúde em países desenvolvidos é um exemplo. mas coloca tudo mais, e especificamente cirurgia eletiva, na
Em 1 929, não há muito tempo portanto, a assistência à saúde espera, por períodos que hoje chegam a anos (por exemplo,
representava urna parcela insignificante dos gastos nacionais em substituir uma bacia destruída pela artrite). Os segurados que
todos os países desenvolvidos, tornando bem menos que 1 por utilizam o seguro privado, contudo, são operados de imediato.
cento do produto nacional bruto e dos gastos do consumidor. Em contraste com a Grã-Bretanha, os Estados Unidos até
Agora, meio século depois, a assistência à saúde, e especialmente ngora têm procurado satisfazer a todas as demandas de assistên­
a hospitalar, representa em todos os países desenvolvidos de 7 a cia à saúde, independentemente do custo. Resulta daí que os
1 1 por cento de um produto nacional bruto muito maior. No custos hospitalares explodiram. Isto criou uma oportunidade
entanto, o desempenho econômico tem piorado e não melhorado; inovadora diferente: descentralizar, isto é, tirar do hospital e
os custos subiram muito mais depressa que os serviços, talvez passar para locais em separado um grande número de serviços
três ou quatro vezes mais. A demanda persistirá em aumentar com que não exigem instalações hospitalares de alto custo, corno o
o crescimento firme do número de idosos em todos os países tomógrafo, ou a bomba de cobalto para tratar de pacientes com
desenvolvidos durante os próximos trinta anos. E o mesmo se câncer, o laboratório médico muito bem equipado com instru­
dará com os custos , que estão intimamente ligados à idade da mentos e automatizado, ou a reabilitação física. Cada uma destas
população. soluções inovadoras é pequena e específica: um centro maternal
Não entendemos o fenômeno!. Mas, inovações bem suce­ independente, que basicamente oferece instalações completas de
didas, simples, apontadas e enfocadas em objetivos específicos, um centro determinado para a mãe e o novo bebê; um centro
têm surgido na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Essas ino­ cirúrgico "ambulatorial" autônomo para cirurgias que não exijam
vações são bastante diferentes simplesmente porque os do� países
internação hospitalar e cuidados pós-operatórios; um centro psi­
têm sistemas radicalmente diferentes. Mas cada um explora a
quiátrico de diagnóstico e referência; centros geriátricos de natu­
específica vulnerabilidade do sistema de seu país e a converte
numa oportunidade. reza similar; e assim por diante.

1 . Isto torna-se bem claro na me.lhor análise do probkma de assistência à 2 . Cirurgia devido a condições que levam a uma operação. que não mclho­
saúde já feita até agora, e a única que vê a assistência à saúde além das fronteiras rnrüo sem ela, mas não constituem risco de vida. Exemplos são cataratas, reim­
nacionais, em todos os países desenvolvidos. Está no The Economist de 29/04/ 1 984. plantes da ·bacia e cirurgia ortopédica em geral, ou um prolapso <lo útero.
84 P ETER F . DRUCKER I N OVAÇ ÃO E ESP1RITO EMPRE ENDEDOR 85

Essas novas instalações não substituem o hospital. Na rea­


lidade o que elas fazem é levar o hospital americano a desempe­
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,;;t:. .:. .
fazem pressupostos errôneos sobre ela, seus esforços perdem o
rumo. Eles se concentrarão em áreas onde não existem resultados.
j!
nhar o mesmo papel que os ingleses reservaram para os seus Há, então, uma incongruência entre a realidade e o comporta­
hospitais: um lugar para emergências, para enfermidades com mento, uma incongruência que, mais uma vez, oferece oportu­
risco de vida, e para atendimentos intensivos e agudos. Mas nidade para a inovação bem sucedida para quem quer que a
essas inovações, que na Grã-Bretanha são incorporadas princi­ perceba e a explore.
palmente em "empresas" com fins lucrativos, convertem a incon­ Um simples exemplo é aquele burro de carga do comércio
gruência entre a realidade econômica da demanda crescente por internacional , o cargueiro marítimo que transporta de tudo.
cuidados de saúde e a realidade econômica de um desempenho Trinta e cinco anos atrás, no início da década de 50, o navio
decadente desses cuidados, em uma oportunidade para inovação. cargueiro estava a ponto de morrer, como se dizia então. A
Esses exemplos são "grandes", pois foram tirados de grandes previsão de todos era que seria substituído pelo avião cargueiro,
companhias e governos. É este fato, contudo, que os torna aces­ exceto para produtos a granel. Os custos do frete marítimo esta­
síveis, visíveis e compreensíveis. Acima de tudo, esses exemplos vam crescendo em saltos rápidos, e demorava c<1da vez mais
mostram por que a incongruência entre realidades econômicas tempo para o recebimento de mercadorias trazidas pelos carguei­
oferecem tanta� grandes oportunidades inovadoras. Os funcio­ ros, pois porto após porto estavam terrivelmente congestionados.
nários dessas instituições ou governos sabem que existem falhas Isto , por sua vez, acarretava um aumento de roubos nas docas,
básicas. Mas ele., são quase obrigados a ignorá-las e a dedicar-se pelo acúmulo da carga à espera de ser carregada enquanto os
em consertar aqui, melhorar lá , lutando contra este incêndio, ,ou navios não conseguiam chegar ao cais.
remendando uma rachadura.
A causa básica disso tudo era que a indústria de construção
Eles, portanto, não têm condições de levar a sério a inovação,
naval havia direcionado mal seus esforços devido aos maus resul­
quanto mais competir com ela . Em geral eles nem sequer a
tados incorridos durante muitos anos. Ela havia tentado projetar
percebem, até que já tenha crescido tanto a ponto de trespassar
e construir navios mais rápidos, que consumissem menos com­
sua companhia ou serviço, quando então se terá tornado irrever­
bustível e com tripulação mais reduzida . Ela se concentrava na
sível. Nesse meio-tempo, os inovadores têm o campo à sua
economia do navio em viagem, em trânsito de um porto para
mercê.
outro.
Porém, um navio é um equipamento de capital; e para
qualquer equipamento de capital o maior custo é o custo de não
II estar trabalhando, os juros precisando ser pagos enquanto o
equipamento não ganha. Todos no setor sabiam, naturalmente,
que as maiores despesas de um navio são os juros sobre o inves­
A INCONGRUÊNCIA ENTRE A REALIDADE timento. E , no entanto, a indústria perseverava em concentrar
E OS PRESSUPOSTOS SOBRE ELA seus esforços em custos que j á eram bem baixos - os custos do
navio em alto-mar e trabalhando.
Sempre que indivíduos em um setor industrial ou serviço A solução era simples: desatrelar o carregamento em terra
público interpretam mal a realidade, sempre que eles portanto da estiva (no navio) . Fazer o carregamento em terra, onde há

&-:.:;;t..
86 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESPIRITO EM PREENDEDOR 87
amplo espaço e onde ele pode ser feito antes do navio chegar ao
porto , de maneira que todo o trabalho da estiva consiste em pôr III
a bordo ou retirar a carga pré-carregada. Em outras palavras,
concentrar-se nos custos de onde não há trabalho e não nos custos A INCONGRUÊNCIA ENTRE VALORES E EXPECTATIVAS
de trabalho. A resposta foi o navio "roll-on, roll-off" e o navio PERCEBIDOS E CONCRETOS DO CONSUMIDOR
"container" . *
Os resultados dessas simples inovações foram surpreenden­ No Capítulo 3 , eu citei o caso da televisão no J apão como
tes . A carga marítima nos últimos trinta anos cresceu cinco vezes . exemplo de um sucesso inesperado. Esse é, também, um bom
Os custos , no seu todo, caíram 60 por cento. O tempo do navio exemplo da incongruência entre os valores e expectativas con­
atracado no porto foi reduzido de 75 por cento em muitos casos, cretos e percebidos do consumidor. Muito antes que o industrial
e com ele os problemas de congestionamento e furtos . japonês contasse a seus ouvintes americanos que o pobre em seu
país não podia comprar um televisor, porque não tinha condições
A incongruência entre a realidade percebida e a realidade para isso, o pobre nos Estados Unidos e Europa já havia mostrado
concreta muitas vezes se evidencia por si mesma. Mas, quando que a televisão satisfaz expectativas que pouco têm a ver com a
séria e os esforços concentrados não tornam as coisas melhores, economia tradicional . Mas, esse japonês muito inteligente, sim­
e s im, ao contrário, as tornam piores - onde navios mais rápidos plesmente, não podia conceber a idéia de que, para os clientes e
significam apenas mai s congestionamento de portos e entregas especialmente os pobres, o televisor não é apenas uma "coisa".
mais demoradas - é altamente provável que os esforços estejam Ele representa o acesso a um novo mundo , e acesso, talvez, a
mal direcionados . Com toda probabilidade, redirecioná-los para toda uma vida nova .
onde estão os resultados irá gerar retornos substanciais fácil e Similarmente, Khrushchev não podia conceber que o auto­
rapidamente. móvel não fosse uma "coisa", quando disse em sua visita aos
Realmente, a incongruência entre a realidade percebida e a Estados Unidos em 1 956, que "os russos jamais desejarão ter
concreta raramente requer inovações "heróicas " . Desatrelar o seus automóveis ; táxis baratos fazem muito mais sentido ". Qual­
carregamento da carga do acondicionamento a bordo, como se quer adolescente poderia ter dito a ele que "rodas " não signifi­
viu, exigiu pouco mais do que adaptar ao cargueiro marítimo cam apenas transporte, mas l iberdade, mobilidade, poder, roman­
métodos que, muito antes, já haviam sido desenvolvidos para ce . E a interpretação errônea de Khrushchev deu ensejo a uma
das mais desenfreadas oportunidades empreendedoras : a escassez
caminhões e ferrovias.
de automóveis na Rússia resultou no maior e mais ativo mercado
A incongruência entre as realidades percebida e concreta negro.
tipicamente caracteriza todo um setor industrial ou toda tlma área Esses , poder-se-á dizer, são mais casos de exemplos "cósmi­
de serviços . A solução, contudo, deve ser, de novo, pequena e cos" , de pouca utilidade para empresários, ou dirigentes de hos­
simples, localizada e altamente específica . pitais , universidades, ou associações comerciais. Porém, são
exemplos de um fenômeno comum. O que vem a seguir é um caso
diferente, e igualmente "cósmico" , mas, definitivamente, tem um
* (N.T.) No Brasil, é o navio ro-ro, e o conteiner. significado operacional .

..
.:
88 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 89

Uma das instituições financeiras americanas de crescimento cidade, menos porque suas rendas são elevadas do que porque
mais rápido nos últimos anos tem sido uma firma de títulos e seus hábitos de consumo são modestos. E, então, ela apela p ara
valores sediada, não em Nova York, mas em um subúrbio de a necessidade psicológica deles de protegerem o seu dinheiro. O
uma cidade do Meio-Oeste. Hoje ela conta com duas mil agências que essa corretora vende é uma chance de conservar a poupança
por todó o país, e deve o seu sucesso e crescimento ao fatc de das pessoas, investindo em debêntures e ações, por certo, mas
ter explorado uma incongruência. também em anuidades diferidas, sociedades com isenção fiscal,
As grandes instituições financeiras, os Merrill Lynches e títulos imobiliários, e assim por diante. O "produto" que a firma
Dean Witters e E. F. Huttons, assumem que seus clientes têm entrega é diferente e nada daquilo que qualquer corretor de Wall
os mesmos valores que os seus. Para eles, é óbvio, se não axio­ Street jamais vendeu: cabeça em paz. E isto é o que representa
mático, que os indivíduos investem para enriquecer. Isto é, afinal, "valor" para o investidor inteligente.
o que motiva os membros da Bolsa de Nova York e determina o As grandes corretoras da Wall Street não podem sequer
que eles consideram "sucesso". Contudo, esse pressuposto é válido imaginar que tais clientes existam, pois desafiam tudo o que
para apenas parte do público investidor, e, por certo, nem mes­ elas acreditam e consideram corno verdade. Essa firma bem suce­
mo para a maior parte dele. Eles não são "entendidos em finan­ dida recebeu agora grande publicidade. Figura em qualquer l ista
ças". Eles sabem que para ficar ricos investindo precisam dedicar de firmas grandes e em crescimento da Bolsa de Valores. Mesmo
tempo integral à administração do dinheiro e conhecer muito assim, dirigentes das grandes firmas ainda não aceitaram o fato
bem o assunto. Afastados dos grandes centros, os profissionais de que seu concorrente existe, quanto mais que obteve êxito.
liberais locais, os pequenos empresários locais, e os enraizados Detrás da incongruência entre a realidade percebida e a
fazendeiros locais, contudo, não têm nem esse tempo disponível concreta, há sempre um elemento de arrogância , vigor intelectual
e nem esse conhecimento; eles estão muito ocupados ganhando o 1: dogmatismo. "Sou eu, e não eles, que sabem o que os pobres
seu dinheiro para ter tempo de administrá-lo. podem se permitir ter", de fato, foi o que asseverou o industrial
Essa é a incongruência que a corretora de títulos e valores japonês. "As pessoas se comportam de acordo com a racionali­
do Meio-Oeste explora. Aparentemente, ela se assemelha a qual­ d ade econômica, como todo bom marxista sabe", insinuou
quer firma de títulos e valores. É membro da Bolsa de Valores Khrushchev. Isto explica por que a incongruência é tão facilmente
de Nova York. Mas somente uma porção muito pequena de seus explorada por inovadores: eles são deixados a sós e não são inco­
negócios, cerca de um oitavo, são negócios da Bolsa de Valores. modados.
Ela fica de fora dos itens que as grandes corretoras de Wall De todas as incongruências, aquelas entre a realidade per­
Street mais pressionam : opções, mercados futuros de "commodi­ cebida e a concreta pode ser a mais comum. Produtores e fome­
ties", e assim por diante, buscando, em vez disso, o que ela redores quase sempre interpretam erroneamente o que o cliente
'
chama de "investidor inteligente" . Ela não promete -· o que é realmente compra. Eles precisam pressupor que o que representa
uma inovação genuína entre as instituições americanas de serviços " valor" para o produtor e o fornecedor é igualmente "valor" para
financeiros - que seus clientes irão fazer fortuna. Nem mesmo o cliente. Para ser bem sucedido em um trabalho, em qualquer
ela quer clientes que negociam. Ela quer clientes que ganham t ra balho, é preciso acreditar nele e levá-lo a sério. Quem faz
mais dinheiro do que gastam, o que é típico de um profissional rnsméticos precisa acreditar nestes; se não, eles lançam produtos
liberal, do enraizado fazendeiro, ou do empresário da pequena dl' qualidades inferiores e logo perdem seus clientes. Quem dirige

l :&-:.à
90 I NOVAÇÃO E ESPfRITO EMPRE E N D EDOR
PETER F. DRUCKER 91
um hospital precisa acreditar na assistência médica como um bem implicaria em perigo para o oiho. Este p rocesso era feito com
absoluto ou a qualidade da atenção médica e cuidados com o sucesso em mais de 99 por cento de todas as operações; na ver­
paciente se deteriorarão rapidamente. E, no entanto, nenhum dade, não era muito difícil mas aborrecia muito os cirurgiões.
cliente jamais vê a si próprio como comprando o que o produtor Forçava-os a mudarem seu ritmo e provocava ansiedade. Os cirur­
ou fornecedor lhe entrega. Suas expectativas e valores são sempre giões, não importando quantas vezes tivessem realizado essa ope­
diferentes. ração, temiam esse rápido e único procedimento.
A reação do típico produtor e fornecedor é então a de se O vendedor do laboratório, cujo nome é William Connor,
queixar que os fregueses são "irracionais" ou "não dispostos a descobriu , sem muita pesquisa, que, perto do final do século
pagar pela qualidade". Sempre que tal queixa é ouvida, há razão passado, uma enzima havia sido isolada, e esta dissolvia quase
para pressupor que os valores e expectativas considerados pelo que instantaneamente esse ligamento em particular. Acontece que
produtor ou fornecedor como concretos são incongruentes com os ninguém, sessenta anos antes, havia sido capaz de conservar
valores e expectativas concretos de fregueses e clientes. Há então essa enzima, mesmo refrigerada, por mais do que umas poucas
razões para procurar uma oportunidade para inovação que seja horas. As técnicas de preservação, contudo, progrediram muito
bem específica e tenha uma bo::i ch ance de sucesso . desde 1 890. E assim Connor, em poucos meses, conseguiu, atra­
vés de tentativas e erros, descobrir um preservador que dava à
enzima uma vida substancial sem destruir sua potência. Em
poucos anos, todos os oftalmologistas do mundo inteiro estavam
IV utilizando o composto patenteado de Connor. Vinte anos mais
tarde, Connor vendeu sua empresa, os Laboratórios Alcon, para
um dos laboratórios multinacionais por uma enorme quantia.
INCONGRUÊNCIA DENTRO DO RITMO OU LÓGICA Outro exemplo que merece ser contado :
DE UM PROCESSO A firma O. M. Scott e Co . é a líder dos fabricantes ameri­
canos de produtos para gramados: sementes de grama , fertili­
Há cerca de 2 5 anos, durante os últimos anos da década zantes, pesticidas, e assim por diante. Embora seja agora uma
de 50, um vendedor de um laboratório farmacêutico resolveu subsidiária de uma grande companhia (a ITT), ela chegou à
que iria entrar no ramo por conta própria. Então, procurou uma liderança quando era ainda uma pequena empresa independente,
i ncongruência dentro de um processo na prática médica. Desco­ envolvida numa feroz competição com empresas muitas vezes
b ri u-a quase que de imediato. Uma das cirurgias mais comuns maiores, indo desde a Sears, Roebuck até a Dow Chcmicals.
é a operação de catarata senil. Por muitos anos, o procedi­ Seus produtos são bons, como também o são os de seus concor­
mento se tornara refinado, rotinizado e instrumentalizado à ponto rentes. Sua liderança deve-se a um simples equipamento mecâ nico
de estar sendo conduzido ao ritmo de uma dança perfeitamente chamado "Spreader" (Espalhador), um pequeno e leve carrin ho
ensaiada - e totalmente controlada. Ma·s havia um ponto nesta de mão com buracos que podem ser ajustados para deixar passar
operação que estava forl:t de ritmo: numa determinada hora, o as quantidades certas dos produtos da Scott em um flu xo unifor­
cirurgião oftalmologista precisava cortar um ligamento, ligar vasos me. Os produtos para gramados são todos consiJcraJos "cie n tífi­
sangüíneos, arriscando a que aparecesse um sangramento, que cos" e são preparados depois de testes intensivos. Todos prcs-

......
92 PETER F. DRUCKER 1-

Fonte:
.. tn
crevem em detalhes meticulosos quanto de cada substância deve

ser aplicado conforme J S condições do solo e temperaturas. Todos
Ji tt Necessidade
de
tentam convencer o consumidor de que manter um gramado é uma
coisa "precisa", "controlada", se não mesmo "científica ". Mas
antes do Espalhador da Scott, nenhum fornecedor de produtos
para gramados dava ao cliente um instrumento para controlar
---.
-
- 1

1
Processo
o processo. E, sem esse instrumento, existia uma incongruência
interna na l ógica do processo que aborrecia e frustrava os
usuários.

ri
Será que a identificação dessa incongruência interna dentro
de um processo se baseia em "intuição", e acaso? Será que pode

1
ser organizada e sistematizada?
,,

Diz-se que William Connor começou quando andou pergun­


tando aos oftalmologistas onde eles sentiam desconforto em seu
"A oportunidade é a fonte da inovação" tem
trabalho. A O. M . Scott cresceu de minivarejista local de semen­
sido o "leitmotif" dos capítulos precedentes . Um
tes para uma empresa nacional de tamanho razoável porque
antigo adágio diz: "A necessidade é a mãe da
inquiria revendedores e clientes sobre o que sentiam que faltava
invenção". Este capítulo vê a necessidade como
nos produtos existentes. Daí ela montou sua linha de produtos
fonte de inovação, e mais, como uma importante
a partir do Espalhador.
oportunidade inovadora.
A incongruência dentro de um processo, seu ritmo ou sua
A necessidade que vamos discutir como fonte
lógica não é um assunto muito sutil. Os usuários estão sempre
de oportunidade inovadora é bem específica : eu
conscientes del a . Qualquer cirurgião oftalmologista sabia do des­
a chamo de "necessidade de processo". Não é vaga
conforto que sentia quando precisava cortar o músculo ocular ou geral, e sim bastante concreta.
e falava sobre isso. Qualquer balconista de loja de ferragens Da mesma forma que o inesperado, ou a
sabia da frustração de seus fregueses de gramados e falava sobre incongruência, ela existe dentro de uma empresa,
isso. O que faltava , contudo, era alguém disposto a ouvi-los,
setor ou serviço. Algumas inovações baseadas na
alguém que levasse a sério o que todos proclamam : que a finali­
necessidade do processo exploram incongruências ;
dade de um produto ou serviço é satisfazer o usuário. Se este
outras, mudanças demográficas. De fato, a neces­
axioma é aceito e trahal hado, o uso da incongruência como opor­
sidade do processo, ao contrário das outras fontes
tunidade para inovar torna-se bastante fácil, e altament� eficaz.
de inovação, não se inicia com um evento no meio
Há, porém, uma séri a limitação. A incongruência está, geral­ r· ;
ambiente, seja interno ou externo. Inicia-se com o
mente, disponível somente para quem está dentro de um deter­
trabalho a ser feito. Está ccncentrada na tarefa e
minado setor ou serviço. Não é algo que a lguém do l ado de fora
não concentrada na situação. Ela aperfeiçoa um
possa perceber, entender, e daí ser capaz de explorar.
93
94 PETER F. DRUCKER I N OVAÇÃO E ESP IRITO EMPREENDEDOR 95

processo que já existe, substitui uma ligação que esteja fraca, desde os dias de Gutenberg, quatrocentos anos antes, continuando
redesenha um antigo processo a partir do conhecimento existente . a ser um trabalho manual vagaroso e caro e exigindo grande habi­
Às vezes, ela torna possível um processo fornecendo o "elo que lidade e longos anos de aprendizado. Mergenthaler, como Connor,
faltava". definiu o que faltava: um teclado que possibilitasse a seleção
Nas inovações baseadas na necessidade do processo, todos mecânica da letra correta da fonte de tipos; um mecanismo para
na organização estão sempre sabendo que a necessidade existe. montar as letras e as ajustar numa linha; e, o mais difícil, por
No entanto, em geral, ninguém faz nada sobre isso. Porém, assim sinal, um mecanismo que devolvesse a letra para seu receptáculo
que a inovação aparece , ela é imediatamente aceita como "óbvia", para uso posterior. Cada um desses processos exigiu vários anos
e logo "padrão" . de trabalho intenso e considerável engenhosidade. Mas nenhum
Dois exemplos foram mencionados antes, no Capítulo 4. exigia conhecimento novo e muito menos uma nova ciência.
Um deles é a conversão, por William Connor, da enzima que O linotipo de Mergenthaler tornou-se o "padrão" em menos de
dissolve um ligamento na cirurgia de catarata, de curiosidade cinco anos, apesar da vigorosa resistência dos velhos tipógrafos
de livro-texto em produto indispensável. O processo da cirur­ artesãos.
gia de catarata em si era bem antigo. A enzima para aper­ Em ambos os casos - a enzima de William Connor e o
feiçoar o processo era conhecida há décadas. A inovação foi o linotipo -, a necessidade do processo estava baseada numa incon­
preservador para manter a enzima fresca sob refrigeração. Assim gruência no processo. As mudanças demográficas, entretanto, são
que a necessidade do processo foi satisfeita, nenhum cirurgião freqüentemente uma fonte igualmente poderosa de necessidade
pôde sequer imaginar operar sem o composto de Connor. do processo e uma oportunidade para a inovação do processo.
Muito poucas inovações baseadas na necessidade do processo Em 1 909, ou por aí, um estatístico do Bell Telephone System
são tão diretamente enfocadas no processo como essa, no qual a fez uma projeção de duas curvas quinze anos à frente : a curva
formulação da necessidade imediatamente produziu a solução do crescimento da população americana e a curva do número de
requerida. Mas, em sua essência, a maioria, se não todas as ino­ pessoas necessárias como operadoras da central telefônica. Essas
vações baseadas na necessidade de processo, possui os mesmos projeções mostraram que toda mulher americana entre dezessete
elementos. e sessenta anos de idade precisaria trabalhar como operadora de
Eis um outro exemplo de uma inovação similar de neces­ mesas telefônicas, lá pelos anos de 1 92 5 ou 1 930, se continuasse
sidade do processo. o sistema de cuidar das chamadas manualmente-:- Dois anos depois,
Ottmar Mergenthaler projetou o linotipo para composição os engenheiros do Bell tinham projetado e colocado em serviço
tipográfica em 1 885. Durante as décadas precedentes, materiais a primeira mesa automática.
impressos de todas as espécies - revistas, jornais, livros - Semelhantemente, a corrida atual para a robótica é, em
cresceram a uma taxa exponencial com o alastramento 'da alfa­ grande parte, resultado da necessidade do p rocesso causado por
betização e o desenvolvimento dos transportes e comunicações. eventos demográficos. A maior parte do conhecimento tem estado
Todos os outros elementos do processo de impressão já haviam à nossa volta por anos. Mas, até que as conseqüências <lo "baby
mudado. Existiam impressoras de alta velocidade, por exemplo, bust" tornaram-se evidentes para os principais fabricantes nos
e o papel estava sendo feito em máquinas de alta velocidade. países industriais, especialmente no J apão e nos Estados Uni dos,
Somente a composição tipográfica permanecia sem alterações, a necessidade de substituir a mão-de-obra semiqualificada da
96 PETER F. DRUCKER I N OVAÇÃO E ESPtRITO EMPREENDEDOR 97

linha de montagem por máquinas não foi sentida. Os j aponeses fotógrafos em todo país; as fotografias de Matthew Brady d a
não estão à frente em robótica devido a uma superioridade téc­ Guerra d e Secessão ainda não foram superadas. Por volta d e 1 860,
nica ; seus desenhos na maioria vieram dos Estados Unidos. Mas, toda noiva queria ter seu retrato tirado. A fotografia foi a primei­
os j aponeses tiveram seu próprio "baby bust" quatro ou cinco ra tecnologia ocidental a invadir o J apão, bem antes da Restaura­
anos antes dos americanos e quase dez anos antes dos alemães ção Meij i , numa época em que o Japão estava ainda rigorosamente
ocidentais. Os japoneses levaram quase tanto tempo quanto os fechado para estrangeiros e i déias estrangeiras.
americanos ou os alemães, dez anos, para se dar conta de que Os fotógrafos amadores estavam firmemente estabelecidos
estavam enfrentando uma falta de mão-de-obra. Porém, esses dez em 1 870. Mas a tecnologia disponível fazia as coisas difíceis para
anos começaram no Japão bem mais cedo do que nos Estados eles. A fotografia exigia placas de vidro pesadas e frágeis, que
Ul'lidos e, na Alemanha Ocidental, os dez anos ainda não estão precisavam ser transportadas de um lugar para outro e tratadas
totalmente completados na ocasião em que estas linhas estão sendo com extremo cuidado. Exigia também uma câmera pesada, demo­
escritas. rados preparativos antes de tirar a foto, cenários elaborados, e
O linotipo de Mergenthaler foi também, em grande parte, o assim por diante. Todo mundo sabia disso. As revistas de foto­
resultado de pressões demográficas. Com a explosão da demanda grafia da época - e revistas sobre fotografia estavam incluídas
por material impresso, a oferta de tipógrafos (compositores tipó­ entre as revistas de maior circulação - estavam repletas de
grafos) que necessitavam de um aprendizado de seis a oito anos queixas sobre as enormes dificuldades para tirar fotos e de suges­
estava rapidamente se tornando insuficiente, e os salários desses tões sobre o que fazer. Mas os problemas não poderiam ser
tipógrafos estavam subindo verticalmente. Como resultado, os resolvidos com a ciência e a tecnologia de 1870.
impressores tornaram-se conscientes do "elo fraco", mas, tamb'ém, Em meados da década de 1 880, contudo, o conhecimento
dispostos a pagar um bom dinheiro pela máquina que substituiria novo passou a existir, o que então permitiu a George Eastman,
cinco artesãos bem onerosos por um operador de máquina semi­ o fundador da Kodak, substituir as pesadas placas de vidro por
qualificado . um filme de celulose, pesando praticamente nada, resistente até
As incongruências e as mudanças demográficas podem ser ao manuseio rude, e construir uma câmera leve para esse filme.
as causas mais comuns da necessidade do processo. Porém, existe Em dez anos, a Eastman Kodak havia assumido a liderança mun­
uma outra categoria, muito mais difícil e arriscada, e, no entanto, dial em fotografia que mantém ainda hoje.
em muitos casos, até mesmo de maior importância : o que está A "pesquisa programada" com freqüência é necessária para
sendo chamado agora de pesquisa programada (em contraste com converter o processo de potencial em realidade. Novamente a
a tradicional "pesquisa pura" dos cientistas). Existe um "elo necessidade precisa ser sentida, e é preciso que seja possível iden­
fraco" ; ele é definível, e, na verdade, claramente visto e aguda­ tificar o que é necessário. Então, o conhecimento novo tem que
mente sentido. Entretanto, para satisfazer a necessidade •.do pro­ ser produzido. O inovador protótipo dessa inovação por neces­
cesso, é preciso que seja produzido um volume considerável de sidade do processo foi Edison (ver também o Capítulo 9) . Por
conhecimento novo. mais de 20 anos, todo mundo estava sabendo que iria existir
Muito poucas inovações foram bem sucedidas tão depressa uma "indústria de energia elétrica". Nos últimos cinco ou seis
quanto a fotografia. Após vinte anos de sua invenção, tornou-se anos desse período, estava absolutamente claro qual era o "elo
popular pelo mundo afora. Em cerca de vinte anos, havia grandes que faltava" : a lâmpada elétrica. Sem ela, não poderia haver a
98 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESPlRITO EMPREENDEDOR 99
indústria de energia elétrica. Edison definiu o conhecimento novo toristas "dirigissem com cuidado" resultou naquilo em que tais
necessário para converter esta indústria de energia elétrica poten­ campanhas em geral resultam: isto é, em nada.
cial em realidade, começou o trabalho, e conseguiu a lâmpada Um jovem japonês, Tamon lwasa, viu esta crise como uma
elétrica em menos de dois anos. oportunidade inovadora. Ele redesenhou o refletor rodoviário tra­
A pesquisa programada para converter o potencial em rea­ dicional de modo que os "olhos de gato" que servem de espelho
lidade tornou-se a metodologia dominante do laboratório de pes­ poderiam ser ajustados para refletir os faróis dos carros vindos
quisa industrial de primeira linha, e, naturalmente, de pesquisa de qualquer direção e para qualquer direção. O governo apres­
para a defesa, para a agricultura, para a Medicina e para a prote­ sou-se em instalar os refletores de I wasa às centenas de milhares.
ção ambiental. E as taxas de acidentes caíram rapidamente.
Pesquisa programada soa grande. Para muita gente significa Tomando um outro exemplo:
"colocar um homem na Lua", ou descobrir urna vacina contra a A Primeira Guerra Mundial criou um público nos Estados
poliomielite. Mas as suas aplicações mais bem sucedidas ocorrem Unidos para notícias nacionais e internacionais. Todo mundo
em projetos pequenos e claramente definidos - quanto menor estava inteirado disto. Na verdade, os jornais e revistas dos anos
e mais claramente enfocado melhor. Realmente, um bom exem­ logo depois da Primeira Guerra Mundial estavam repletos de
plo - talvez o melhor exemplo isolado de inovação baseada no Jiscussões sobre como essa necessidade poderia ser atendida.
processo bem sucedido - seja um bem pequeno, o do refletor Porém, os jornais locais não poderiam fazer esse trabalho. Várias
de estradas de rodagem, que reduziu a taxa de acidentes automo­ editoras importantes tentaram, entre elas o The New York Times,
bilísticos no Japão em quase dois terços. e nenhuma conseguiu. Aí, Henry Luce identificou a necessidade
Até 1 965, o Japão quase não tinha estradas pavimentadas Jo processo e definiu o que era necessário para atendê-la. Não
fora das grandes cidades. Como o país estava rapidamente pas­ poderia ser uma publicação local; precisava ser de âmbito nacio­
sando para o automóvel, o governo em ritmo frenético pavimentou nal , pois, de outro modo, não haveria número suficiente nem
de leitores e tampouco de anunciantes. Também não poderia ser
as estradas. Então, os carros puderam, e o fizeram, andar em
um diário - não haveria notícias suficientes de interesse para
altas velocidades. Porém, as estradas continuavam os mesmos
o grande público. O desenvolvimento do formato editorial foi
antiquados caminhos que haviam sido feitos para os carros de então praticamente estabelecido por essas especificações. Quando
bois do século X, cuja largura mal dava para dois carros pas­ ;1 revista Time surgiu como a primeira revista de notícias do
sarem, repletas de cantos cegos e entradas escondidas, com cru­ 111undo, tornou-se imediatamente um sucesso.
zamentos a cada poucos quilômetros, e nos quais meia dúzia de Esses exemplos, e especialmente o caso de lwasa, mostram
estradas se encontravam em todos os ângulos imagináveis. Os que inovações bem sucedidas baseadas na necessidade do pro­
acidentes começaram a se avolumar a uma taxa alarmant.e, espe­ cesso requerem cinco itens básicos:
cialmente à noite. A imprensa, rádio e televisão, e os partidos
um processo auto-suficiente;
de oposição no Parlamento, logo começaram a clamar para o
um elo "fraco", ou "que falta" ;
governo fazer "alguma coisa". Naturalmente, reconstruir as
uma definição clara do objetivo;
estradas nem era possível pensar; levaria, de qualquer maneira, que as especificações para a solução possam ser clara-
vinte anos. Uma campanha publicitária maciça para que os mo- 1 1 1r 1 1 k definidas;

... �
'!

1 NOVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 101


1 00 PETER F. DRUCKER

- percepção ampla de que "deve haver um modo melhor ' ', molécula da linhina. Deveria ser fácil, pois temos polimeri­
isto é, alta receptividade. zado moléculas similares. Mas nos falta o conhecimento para
fazê-lo, apesar dos cem anos de trabalho assíduo de gente bem
Existem, porém, alguns cuidados importantes.
I treinada. Só se pode dizer, "Vamos tentar outra coisa".
;.

1 - A necessidade precisa ser compreendida. Não basta 3 - A solução precisa se adequar à maneira como as pes­
que seja "sentida". Caso contrário, não se pode definir as especifi­ soas fazem o trabalho e querem fazê-lo.
cações para a solução. Os fotógrafos amadores não tinham um investimento psico­

l
Sabemos, por exemplo, há centenas de anos, que a Matemá­ lógico na tecnologia complicada do antigo processo fotográfico.
tica é uma disciplina-problema nas escolas. Uma pequena mino­ Tudo que eles queriam era obter uma fotografia tolerável, tão
ria de alunos, certamente não mais de um quinto deles, parece facilmente quanto possível. Estavam receptivos, portanto, a um
não ter dificuldades com Matemática, e a aprendem facilmente. processo que eliminasse a mão-de-obra e a habilidade do ato de
Os demais, realmente, nunca chegam a aprendê-la. Naturalmente, fotografar. Similarmente, o cirurgião oftalmologista estava inte­
é possível ensinar uma porcentagem muito maior para passar nas ressado somente em um processo refinado, lógico e sem sangue.
provas de Matemática. Os japoneses fazem isso dando uma Uma enzima que desse isso a ele, portanto, satisfaria suas expec­
grande ênfase à matéria. Isto não quer dizer que as crianças tativas e valores.
japonesas aprendem Matemática. Elas aprendem a passar nas
Mas, agora, eis um exemplo de uma inovação básica numa
provas e então, imediatamente , esquecem a Matemática. Dez
necessidade do processo clara e substancial que, patentemente,
anos mais tarde, quando estão com vinte e tantos anos, os japo­
não se enquadra bem, e, em conseqüência, não foi aceita de
neses vão tão mal nas provas de Matemática quanto os ocidentais.
pronto.
Em toda geração, há um professor de Matemática gênio que,
Durante muitos anos, a informação requerida por vários
de alguma forma, pode fazer com que mesmo os de pouco talento
profissionais liberais, tais como advogados, contadores, enge­
consigam aprender, ou pelo menos aprender bem mais. Mas nin­
nheiros e médicos, cresceu muito mais rapidamente do que a
guém jamais foi capaz, porém, de reproduzir o que esse indivíduo
conseguiu. A necessidade é agudamente sentida, mas nós não capacidade de obtê-la. Esses profissionais liberais vinham se
conseguimos entender o problema. Será falta de habilidade inata? queixando de que precisavam perder cada vez mais tempo em
Será porque estamos utilizando os métodos errados? Será que há busca de informações nas bibliotecas de Direito, em compêndios
problemas psicológicos e emocionais? Ninguém sabe a resposta. e livros-texto, em serviços de material apostilado, e assim por
E , sem entender o problema, não temos conseguido encontrar diante. Esperava-se então que um "banco de dados" seria um
nenhuma solução. sucesso desde logo. Ele forneceria aos profissionais informações
2 - Podemos até mesmo entender um processo e ainda i mediatas através d� um programa de computador e um term inal
assim não possuir o conhecimento para fazer o trabalho. '· de display : decisões dos tribunais para os advogados, legislação
O capítulo anterior abordou a clara e bem compreendida fiscal para os contadores, informações sobre medicamentos e vene­
incongruência na fabricação do papel: descobrir um processo nos para os médicos. No entanto, esses serviços encontraram
com menos desperdício e mais econômico do que o existente . grandes dificuldades para conseguir assinantes cm número sufi­
Durante um século, gente capacitada trabalhou no problema . ciente para atingir o equilíbrio entre receita e despesas. Em
Sabemos exatamente o que é necessário: a polimerização da a lguns casos, como o do Lexis, um serviço para advogados, levou
1 02

1
PETER F. DRUCKER

H:...
1-

�.:.,-
ma is de dez anos e cus tou enormes
qua ntia s de din hei ro par a
Fonte:
\O
arr anj ar assi nantes. A razão provável
é que os ban cos de dad os
tornaram tud o por demais fác il . Os pro
sua "memór ia" , isto é, de sua cap acid
fissionais se orgulham de Estruturas da
das informações que precisa m, como
ade , tanto de se lem bra r
de sab er ond e encontrá-l as. 1
1 Indústria e do
"Tem-se que lembrar das decisões dos
e ond e encontrá-l as" , ain da é o con
trib una is que pre cisa mo s
selho que os advogados recém­
Mercado
formados recebem dos ma is antigos.
Então, o banco de dad os,
por ma is pre stat ivo que fosse par a o
trab alh o, e por ma is tempo
e din hei ro que economizas se, feria os
� .

sional. "Por que alguém pre cisa ria


que pode ser consultada ?", disse cer
próprios valores do profis­
de mim par a alguma coisa u
ta vez um em inente mé dico ,
qua ndo um de seu s pacientes pergun
tou por que ele não se
util izav a dos serviços que lhe dariam
as informações para verifi­
car e confirm ar seu diagnóstico e daí
dec idir sobre qual método As estruturas do setor industrial e do mer­
alterna tivo de tratamento seria o me
lho r. cado, às vezes, duram por muitos e muitos anos,
As oportunidades para ino vaç ão, bas
ead as na necessidade e parecem ser absolutamente estáveis . A indústria
do processo, podem ser ach ada s sist ema
tica men te. Isto é o que mundial de alumínio por exemplo, após um século,
Edi son fez pela eletrici dad e e elet rôn
ica. Isto é o que Het'lry é ainda liderada pela Aluminum Company of
Luce fez , ainda enquanto estudante
universitário em Yale, e é America, sediada em Pittsburgh, que mantém as
o que Willia m Connor fez . De fato, a
área se presta para a busca patentes originais, e por sua descendente cana­
e análise sist em átic as.
Porém, um a vez encontrada a necessi dad dense, a Alcoa de Montreal . Houve apenas uma
e do processo, ela importante empresa nova na indústria mundial
precisa ser test ada em relação aos cinc
o critérios bás icos apresen­ de cigarros desde 1 920, o grupo Rembrandt, sul­
tados antes. Então, finalmente, a opo
rtun idad e de necessidade africano. E, em um século inteiro, surgiram dois
do processo pre cisa ser testada tam bém
em relação às três restri­ novos destacados fabricantes de aparelhos elétri­
çõe s. Entendemos o que é necessário
? O conhecimento é aces­ cos no mundo: Philips na Holanda, e Hitachi no
síve l, ou pode ser obt ido dentro do "es
tado da arte "? E a solução Japãq. Semelhantemente, nenhuma nova cadeia
se enquadra ou viola os háb itos e os
valores dos usu ário s preten­ varejista surgiu nos Estados Unidos, nos quarenta
didos?
� anos desde os primeiros · anos da década de 20,
quando a Sears, Roebuck coineçou a se redirecio­
nar, de vendas pelo correio para ,lojas de varejo,
e no início dos anos 60, quando uma antiga cadeia
de lojas-de- 1 0 centavos, a Kresge, lançou suas
103

& :à
I 04 PETER F. DRUCKER · I N OVAÇÃO E ESP l R !T O EMP R EENDEDOR 105
loj as de descon tos K-Mart . Realmen te, as est ruturas de setores tod as as empres as de então a i nda se con cen t ravam no "comérci :)
indust ri a is e de me rcado parecem tão sólid as que os que neles da carrua gem ".
trab alh am prov avelmente as consider a m predesti n ad as, p a rte da Um a reação a isso fo i a da comp a nhi a i ngles a Rolls Royce .
o rdem da na tureza, e que co m certez a existi rão p a r a sempre.

't
fundada em 1 904 . Seus funda dores percebera m que os auto mó­
Na verda de, a s est ruturas i ndustri a is e de merc ado são b a s­ veis cresci a m t a n to em qu an tida de que est a va m se torn a ndo "co­
t a nte frágeis. Um pequen o arranhão e elas se desi ntegram, m u i tas ·,ji '
mu ns", e cu idar am de f abricar e vender um veícul o que, con forme
vezes ra pida men te. Qu and o isso a con tece, tod�s-' os memb ros da um an tigo folheto da Rolls Royce colocava, teri a a "marca disti nta
�.

i ndústri a precisa m agi r. Co n tinuar os negócios co mo a ntes é quase

r
da rea lez a ". Delibera da men te, eles retorn aram aos métodos a n te­
um a g a r a nti a de des a stre e pode muito bem co ndena r um a
ti
l riores e já obsoletos de f abricação, n o qu a l c ada c a rro era p rodu­
empresa à exti nção . No mín imo, a empresa perderá sua posição zido p o r um mecâ n ico qu a lifica do, e mon t ado um a u m com
de lideranç a ; e, um a vez perdid a, essa lidera nça qu a se cert ame nte ferramen t a s m anu a is. En tão, p rometera m que o carro j a m a is
j a m a is será recuperada. Po rém, um a mud an ç a n a est rutura do est rag a ria. Projeta ra m-no p ara ser gu i a do por um m o torist a pro­
merca do ou da i ndústri a constitui também uma importante opor­ fissi onal trein a do pel a Rolls Royce p ara o serviço . E, p a ra ter
tun ida de p a ra inov ação. certez a de que não seri a qu a lque r um que poderi a comp rar esse
N a estrutu ra i ndustri a l , a mudança demanda espírito emp re­ carro, est abeleceram o preço do Rolls Royce tão alt o quanto o
endedo r de ca da um dos memb ros d o setor. Exige que cada um de um pequeno iate, cerca de 40 vezes a ren da anu a l de um
pergun te m a is uma vez: "O que é o nosso negócio?" E c ada um mecân ico qualificado ou co merci an te próspero.
dos memb ros p recis ará d a r um a resposta diferente, m a s, aGima Alguns a nos m a is tarde, -=m Det ro it, o jovem Hen ry Ford
de tudo, uma resp osta n ova a essa questão . t ambém observou que a est ru tu ra do mercado estav a m u dando
e que os automóveis, nos Est ados Unidos, n ão er a m m a is u m
b ri nquedo de gen te rica . Su a rea ção fo i p rojeta r u m carro que
pudesse ser inteir a men te produzido em m ass a, em grande p arte
I com mão-de-ob ra semiqua lific ad a , e que pudesse ser dirigido e
co nsert ado pelo seu prop rietár io. Ao con trário da len da , o Mo­
delo T de 1 908 não era "b arato" : seu preço est av a um pouco
A HISTÓRIA DO AUTOMÓVEL a cim a do qu e o mecâ n ico qu a lificado m a is bem pago n o mu ndo,
o amer icano, ga nh av a em um ano . ( Agora, o carro mais barato
A i ndúst r ia a utomobilística nos anos do início deste século no merca do americano custa cerca de um décimo do qu e u m
cresceu tão dep ressa que seus merc ados mud a ra m dra stica mente. operário de linh a de mon t agem n ão qu alificado ganha em u m
Houve quat ro resposta s diferentes p ara est a mudanç a , todas el a s ano, i ncluindo salár ios e benefícios.) Porém, o Modelo T cust ava
bem sucedida s. A i ndústri a an teriormen te a 1 900 h avi a b a sica ­
um quinto do mod'elo m a is b ara to que existi a no merca do e era
mente sido um a f ornecedo ra de um p rodut o de luxo p a ra os
infi n it a mente m a is fácil de gui a r e de consert ar.
muito ricos . Nessa época , co ntudo, el a estava crescendo a lém
U m outro a mericano, Willi a m C ra p o Dur a nt, viu a m u­

l
desse est reito merca do com um a t axa de c rescimento que dobra vJ
dança da estrutu ra de mercado como opo rtun ida de p ara mon t u r
o volume de venda s da indúst ri a a cad a t rês a nos. Apesar disso,
uma gra nde emp res a automobilística , profissi o n a lmente admin is-

·&c• .:â.
1 06 PETER F. D R U C K E R I N OVAÇÃO E ESP ! R ITO E M P R E EN DEDOR 1 07

trada, que pudesse satisfazer todos os segmentos do que ele previa 1 européia. Dez anos depois, nos meados dos anos 70, a Ford

�:l
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viria a ser um enorme mercado "universal". Ele fundou a General •. tornou-se um forte competidor pelo primeiro lugar na Europa.
Motors em 1 905, começou a adquirir empresas automobilísticas A Fiat resolveu tornar-se européia ao invés de ser uma com­
existentes e as integrou em uma companhia grande e moderna. panhia meramente italiana, almejando um forte segundo lugar
Pouco antes, em 1 899, o jovem italiano Giovanni Agnelli em cada país importante da Europa, e mantendo sua liderança
tinha visto que o automóvel iria se tornar uma necessidade mi­ ;
na Itália. A General Motors, de início, decidiu continuar ameri­
litar, especialmente como transporte de oficiais graduados. Ele cana e manter sua fatia de 50% do mercado nacional, mas de
fundou a Fiat em Turim, a qual dentro de poucos anos tornou-;:;e maneira a colher 70% de todos os lucros das vendas de automó­
a principal fornecedora de veículos de oficiais militares para os veis na América do Norte. E deu certo. Dez anos depois, em
exércitos italiano, russo e austro-húngaro. meio ao anos 70, a GM engrenou a marcha e resolveu competir
As estruturas do mercado na indústria mundial de automó­ com a Ford e a Fiat pela liderança na Europa, e de novo saiu-se
veis mudou mais uma vez entre 1 960 e 1 980. Durante quarenta bem. Em 1 983-84, a GM, como pareceu, resolveu finalmente
anos depois da Primeira Guerra Mundial, a indústria automobi­ tornar-se uma empresa verdadeiramente mundial e associar-se
lística consistira de fornecedores nacionais dominando mercados com algumas firmas japonesas; primeiro, com duas pequenas
nacionais. Tudo que se via nas estradas e estacionamentos na empresas, e, no fim, com a Toyota. A Mercedes na Alemanha
Itália eram Fiats e uns poucos Alfa-Romeos e Lancias; fora da Ocidental decidiu por ainda outra estratégia, novamente global,
I tália, essas marcas eram raras. Na França, havia os Renaults, na qual ela se limitava a um estreito segmento do mercado mun­
Peugeots e Citroens; na Alemanha, Mercedes, Opels e os FC?rds dial: carros de luxo, táxis e ônibus.
alemães; nos Estados Unidos, os carros da GM, os Fords e Todas essas estratégias funcionaram razoavelmente bem. Na
Chryslers. Então, por volta de 1 960, a indústria automobilística verdade, é impossível dizer qual resultou melhor que a outra.
repentinamente transformou-se em uma indústria "glob 2l " . Mas, as empresas que se recusaram a fazer escolhas difíceis, ou
Diferentes companhias reagiram d e modo bem diferente. Os se recusaram a admitir que alguma coisa a mais estava aconte­
japoneses, que haviam permanecido os mais insulares e tinham cendo, saíram-se muito mal. Se sobreviverem, será apenas porque
exportado pouco seus carros, decidiram tornar-se exportadores seus respectivos governos não as deixarão naufragar.
mundiais. Sua primeira tentativa no mercado americano, no final Um exemplo é, naturalmente, a Chrysler. Os dirigentes da
da década de 60, foi um fiasco. Eles se reagruparam, re­ Chrysler sabiam o que estava acontecendo - todos na indús­
pensaram tudo de novo sobre quais deveriam ser suas dire­ tria o sabiam. Mas eles esquivaram-se e não decidiram. A Chrys­
trizes, e as redefiniram corno sendo as de oferecer um carro ler poderia ter escolhido uma estratégia "americana", e ter jo­
tipo americano, dentro do estilo americano, conforto americano gado todos os seus recursos para reforçar sua posição dentro dos
e características de desempenho americanas, porém de t'amanho Estados Unidos, ainda o maior mercado do mundo para automó­
menor, melhor consumo de combustível, controle de qualidade veis. Ou poderia ter se associado com alguma forte empre::;a
mais rigoroso e, acima de tudo, melhor serviço de assistência ao européia e procurado chegar a um terceiro lugar nos mercad0s
cliente. E, quando tiveram uma segunda chance, com o pânico do de automóveis mais importantes do mundo, os Estados Unidos
petróleo de 1 979, eles saíram-se brilhantemente. A Ford Motor e Europa. É sabido que a Mercedes estava seriamente interes­
Company também decidiu ser mundial, adotando uma estratégia sada, mas a Chrysler não. E, em vez disso, a Chryslcr despcrdi -
1 I N OVA ÇÃO E ESP f R ITO EM
PRE EN DED OR 1 09

1
l 08 PETE R F. DRUCKER

com erc i ante agressiv a , em todo


çou seus recu rsos no "f a z d e conta ''. Adqu iriu empresa s ult ra ­ por assim dizer. T ornou -s e uma s Un id os, do que se
ent e fort e n os Est a d o
passa d as e d err ota d a s na Euro pa para p a recer multinaci ona l. o mu nd o, e especi a l m
" : não muito luxuoso , l onge
p o d eri a ch am ar de c arro "sens ato
·.�
Porém , isso , a lé m d e não d ar a e l a m a i or força , drenou seus
algum d a mo d a , m as robu sto
'2:-

recurs os e nã o resto u dinhe iro s u fici ente a o investi me nto ne ces­ d e ser d e b aixo preço, d e modo A Volvo v endeu a
a a o om se ns o e "m e lhor v a l or".
sári o para dar à Chrysl er uma ch ance no me rca d o amer i cano. e irr di nd b
o p rec isa vam
on a is liber a i s que nã
Qu ando ch egou o di a d o acerto de cont as , d ep o is do pâni co do im a gem do carro p ara pro fissi
d e vid a pel o carro que gu i a
­
i
p etról eo de 1 979, a Ch rysl er na d a ma is tinh a na Euro p a , e não d em onstr ar qu ão bem est av am o
r reconhecid os p or seu "b m j ul-
l'

vam , m as que v al oriz av am s e


i

muito mais nos Esta dos Unidos . S omente o governo americ ano
sa lvou-a.* gam ento " . m a is a ind a ,
a l em 1 96 0, se nã o
A histór i a d a British Leyl a nd não é muito diferente, e l a , A BMW , igua lm ente m argi n es co m o a Itá li a
eci al ment e em p aís
q ue for a a m a i or em pres a au tomobilísti ca d a Grã-Bret anh a e t amb ém al cançou êxit o , esp v en cedo­
a rro p ar a ''j ovens
eu a im age m d o c
uma f orte c om p et id ora p e l a lid era nç a n a Europ a ; nem , t a mbém , e a F rança . V end
ue am se r consi der a d as
jov ens , m as q ue
o foi p a ra a gr a nd e empres a a uto mobilística fr a nces a, a Peugeot. a a e oa s q ue q ri
res", p r p ss
seu trab al ho e pro­
Amb as se recus ar am a enfren tar a r e alid a d e de que um a d ec isão am o o su cesso subst a nc i a l em
h a vi bti d um
a" e
r ar que "s abi am d a diferenç

era necessária. R esul to u, então, que a m b a s ra pid a m ente p erde­
fissão , e d ese j ando d em onst
ram , t a nt o a posição do merca do, como a l u crativid a d e . Hoje, a gar p or isso . O BM
W é, sem pu d or, um
est av a m pro nt as a p
to d as a s três - Chrysl er, British L eyl a nd e Peugeo t - são a o a a st a d os, m as a tr a i,
d entre os ri cos, aque­
c arro d e o p a r s b
lux a nt o
ma is ou me no s margina is no merca d o . o d o siste m a " . Enqu
u e e a p a re cer como "não s end
le s q e d s j m de em­
Porém, os exemplos m ais interess antes e re lev antes são aque­ são ca rros p ara presidentes
l es de em presa s mu i to menores. C a d a um d os f abricantes d e que o M ercedes e o C a dil l ac u y m acho " , e se
a d o , o BMW é "m
automóve is d o mu nd o , gra nd e ou p equeno , teve que a gi r ou pres as e p ar a ch e fes de Est
u ina p ar a gu iar ".
int itu l a "o má xim o d a m áq
e clipsar p ar a s empr e . C o ntu do, três empres a s p equenas, e tam ­
l mente u m V ol ks w a gen co
m
bém margina is, viram nisso uma o p ortunid a de a t raente p a ra ino­ Fin al mente , o P orsch e ( o fi ci a
o " carro esp ort e , o
pri­
osic ionou-se como "
va r: a Vo lvo , a BMW e a Porsche . u m estil o extr a) r ep
uer em t rans-
es que ain d a não q
P or volta d e 1 960, qu ando o mercado d a indústri a automo­ m eiro e ún ico c arro p ara aquel
o móve l.
bilísti ca d e repente mud ou , os bem inform a d os a postav am a lto p orte, m as emoção em um aut is que nã o
enor es de auto móve
no d es aparecimento d ess as três empresas dur ante os ab al os que C ontudo , esses f ab r ica ntes m é, na v erda d...: ,
erentem ent e, no que
se aproxi mav am . No enta nto , to d as a s t rês foram bem sucedid a s inov ar a m e s e apresent am dif m f a zend o co mo
e cri ara m seus ni c hos d e merca do, na s qua is são as líd eres. Con­ o e e e a qu el es qu e conti nu ar a
um ne gó c i dif r nt -
v as . O MG bri tân i co
, por e xemp l o, era
seg u iram essa s posições por me i o d e estratégi as inov a dç,ras, a s a nt e f o r a m as ítim
carro esp o r te
s -
orsche se tornou , o
quais, de f ato , as transformaram em negóc i os diferentes. À Vo lvo há trint a ano s atrás o qu e o P
extinto h oj e. E on de est á o
em 1 965 era p equena , lut av a mu ito, e m a l ch eg ava ao equilí­
pa r excelle nce . Prati cam ente está co m um a boa eng

bri o. D urante a lguns anos críti cos, el a rea l mente p erd eu mu ito r oe n? Tri nt a a n o s atrá s el e er a o carro
Cit
constru çã o e a c o nfi
ab i l ida dc da
dinh e i ro . Ma s a V o lvo começou o traba lh o d e se re inventa r, nhari a inov a d or a , uma robu sta si c io-
Cit roen es t ava ideal me nte po
* (N.T.) E . depois, Lee lacocca . . . classe mé di a . P areceria que a
1 10

�·
PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESPf RITO EMPRE E N DEDOR 111
,t
rrnda no nicho de mercado que a Volvo tomou. Mas a Citroen mas sim de algo diferente . E nenhuma das firmas existentes
fa l hou por não pensar em seu negócio e em inovar; daí, resultou havia se organizado para dar-lhes isso. Donaldson, Lufkin e Jen­
que ela não tem nem produto nem estratégia. rette estabeleceram uma firma corretora dirigida a esses novos
clientes e para dar-lhes a "pesquisa" que precisavam.
j Na mesma ocasião, outro jovem dos negócios de títulos tam­
,1
II bém deu-se conta que o setor estava nos estertores de mudanças
11'

estruturais, e que esse fato poderia proporcionar uma oportuni­


dade de estabelecer um seu novo negócio de títulos. A oportu­
nidade que achou foi a do "investidor inteligente", mencionado
A OPORTUNIDADE antes. A partir disso, ele criou o que é agora uma grande firma
A mudança na estrutura da indústria ofer e ainda em rápido crescimento.
ece oportunida­ Durante os primeiros anos da década de 60, a estrutura
des bem visíveis e bem previsíveis para os
que estão fora dela, do sistema americano de assistência à saúde começou a mudar
mas os que são do setor vêem essas mes
mas mudanças prin ci­ muito rapidamente . Três jovens, o mais velho não chegando aos
palmente como ameaças . Os de fora que
inovam podem, então , trinta anos, que trabalhavam como gerentes-juniores num grande
constituir um fator relevante numa indústria
ou área importantes hospital do Meio-Oeste, decidiram que essa evolução lhes ofere­
em pouco tempo, e a um risco relativamen
te baixo. cia uma oportunidade de iniciar o seu próprio negócio inovador.
Eis alguns exemplos :
Nos últimos anos da década de 50, três Concluíram que os hospitais iriam cada vez mais necessitar de
jovens se encon­ conhecimento especializado para dirigir os seus serviços "domés­
traram, quase que por acaso, em Nova
Yor k . Todos trabalhavam ticos", tais como cozinha, lavanderia, manutenção, e assim por
para instituições financeiras, a mai oria
situada na Wall Street. diante. Eles sistematizaram o serviço a ser feito. Então propuse­
Eles chegaram a um acordo sobre um
ponto: o negócio de títulos ram contratos a hospitais sob os quais a sua nova firma colocaria
e ações, que não mudara em nada des
de a Depressão de vinte seu próprio pessoal treinado para fazer esses serviços, com o
anos antes, estava pronto para uma mu
dança estrutural ime diata . pagamento sendo parte das economias resultantes. Vinte anos
Dec idir am que essa mudança teria que
oferecer oportunidades. depois, esta companhia faturava quase um bilhão de dólares com
Então, eles estudaram sistematizadam
ente o setor financeiro e os os serviços prestados.
mercados financeiros, buscando encont
rar uma oportun idad e para O último caso é o das firmas de telecomunicações com dc'>­
novos negócios com recursos de capital
lim itados e praticamente contos, MCI e Sprint, no mercado americano de telefonem as
sem conexões. Daí resultou uma nova
firm a: Donaldson, Lufkin i' interurbanos. Elas nada tinham a ver com esse negócio ; a Sprint,
e Jenrette. Cinco anos depois do iníc
io, em 1 959, ela havia se por exemplo, fora criada por uma ferrovia, a Southern Paci fic .
tornado um a força na Wall Street.
O que esses três jovens descobriram foi
novo grupo de clientes estava surgindo
que todo um imenso
· para ficar: os adm inis ­
�I Esses "intrusos" começaram a procurar uma rachadura na cou­
raça do Sistema Bel! . Eles a descobriram na estrutura de fixaçfio
tradores dos fundos-de-pensão. Esses de preços dos serviços interurbanos. Até a Segunda Guerra Mun­
novos clientes não preci­ dial, os telefonemas interurbanos eram um luxo confinado ao
savam de nada que fosse particularmente
difí cil de lhes fornecer, governo e às grandes empresas, ou para emergências, como morte

& �
.�Jr
'!,_, .

1 12 PET E R F. DRUCKER
I N OVAÇÃO E ESPfRITO EMP R EENDEDOR 1 13
11a fa m ília. Depois da guerra, eles se tornaram corriqueiros. Na
1 - O mais confiável e o mais facilmente detectado desses
v e rdade, eles se tornaram o setor de crescimento das telecomuni­
indicadores é o rápido crescimento de um setor. Isto é, com
c,u;ües. Mas, sob pressão das autoridades reguladoras de vários
efeito, o que cada um dos exemplos ci tados acima (mas, também,
h tados, que controlavam as tarifas de telefone, o Sistema Bell
os exemplos da indústria automobilística) tem em comum. Se
continuava a fixar os preços dos interurbanos como se fossem
um setor cresce significativamente com mais rapidez do que a
um luxo, mui to acima dos custos, com os lucros sendo usados

l
economia ou a população, pode-se predizer, com uma alta proba­
para subsidiar os serviços telefônicos locais. Para dourar a pílula,
bilidade, que sua estrutura mudará drasticamente - o mais
contudo, o Sistema Bell conced ia descontos substanciais aos gran­ .;
tardar quando tiver dobrado de volume. Práticas correntes ainda

i'
des usuários do serviço interurbano.
são bastante promissoras, de modo que ninguém está inclinado
Em 1 970, as receitas dos serviços interurbanos haviam se
a alterá-las. E, no entanto, elas estão se tornando obsoletas. Con­
.

igualado às dos serviços locais e as estavam superando bem


tudo , nem os dirigentes da Citroen e nem os da Bell Telephone
depressa . Mesmo assim, mantinha-se a estrutura de preços. E foi
estavam propensos a aceitar isso - o que explica por que os
disso que as novas empresas se aproveitaram. Elas se propuseram
a oferecer serviços no atacado com desconto, repassando-os a 1\, �l. "novos" , os "intrusos" , os antigos do "segundo time" puderam
·vencê-los em seus próprios mercados.
varejo para os pequenos e repartindo os ganhos com eles. Isto
lhes proporcionou um lucro substancial , ao mesmo tempo que 2 - Quando um setor em rápido crescimento atinge o ponto
prestavam serviços de interurbanos a um custo substancialmente em que dobra seu tamanho, a maneira como ele vê e atende
menor. Dez anos depois, no i nício dos anos 80, as novas empre­ o seu mercado provavelmente já se tornou inadequada. Em par­

11
sas de interurbanos com desconto absorviam um volume � ticular, as maneiras como os líderes tradicionais definem e seg­
chamadas maior do que todo o Sistema Bell havia conseguido mentam o mercado não mais refletem a realidade, e, sim, refletem
quando aqueles inovadores haviam começado. a história. Apesar disso, os relatórios e números ainda represen­
Esses casos seriam apenas episódi cos, se não fosse por uma tam a visão tradicional do mercado. Esta é a explicação para o
realidade: cada u m desses inovadores sabia que havia uma im­ sucesso de dois inovadores tão diferentes, como a Donaldson,
i Lufkin e Jenrette, e a sociedade corretora do "investi dor inteli­
portante oportunidade inovadora no setor. Cada um estava
bastante seguro de que a i novação teria êxi to e com um mínimo gente" do Meio-Oeste . Cada um encontrou um segmento que as
de risco. Como poderiam eles estar tão certos ? insti tuições de serviços financeiros existentes não notaram, e por­
tanto não podiam prestar seus serviços adequadamente: os fundos­
de-pensão, porque eles eram muito recentes, e o investidor inteli­
r gente, porque ele não se enquadrava no estereótipo da Wall
III Street.
'. Mas o caso da administração de hospital é também evidên<.:i;.1
de que as estruturas tradicionais não são mais adequadas depois
QUANDO MUDA A ESTRUTURA DA I NDÚSTRIA J 1
de um período de rápido crescimento. O que cresceu nos anos
após a Segunda Guerra Mundial foram os "paraméd icos " , isto é ,
Quatro indicadores quase certos e bem visíveis de mudança
as profissões hospi talares: Raios-X, patologia, laboratório c l ínico .
iminente na estrutura industrial podem ser assinalados.
terapeutas de todo tipo, e assim por diante. Antes da guerra
it:f
1 14 PETER F. DRUCKER 1 N OVAÇÃO E ESPIRITO EMPREENDEDOR 1 15

.
elas mal existiam. E a própria administração hospitalar tornou-se doras que haviam relutado em segurar coleções de Arte resolve­
:.
uma profissão. Os tradicionais "serviços caseiros", que haviam ram assumir os riscos, e a prêmios de até 70 por cento menores
do que cobravam antes. Esse jovem é agora proprietário de uma

11
dominado o funcionamento do hospital anos antes, portanto, tor­
naram-se rigorosamente um problema para o administrador, grande firma corretora de seguros.
comprovando ser cada vez mais difíceis e onerosos à medida que 3 . Outro desenvolvimento que previsivelmente provocará
os funcionários hospitalares, especialmente os de menor salário, ' Jf mudanças repentinas na estrutura industrial é a convergência de
começaram a se sindicalizar. te-enologias que até agora eram distintamente vistas como
E o caso das cadeias de livrarias, apresentado bem antes, í separadas.
,f Um exemplo é o do PBX, isto é, il mesa telefônica para
no Capítulo 3, também é uma história de mudança estrutural
devido ao rápido crescimento. O que nem os editores e nem as escritórios e outros grandes usuários de telefones. Basicamente,
livrarias americanas tradicionais se deram conta foi que os novos todo o trabalho científico e técnico nessa área nos Estados Unidos
clientes, os "shoppers", estavam emergindo lado a lado com os tem sido feito pelos Laboratórios Bell, a firma de pesquisas do
antigos clientes, os leitores costumeiros. A livraria tradicional
simplesmente não percebeu esses novos clientes e nunca procurou
,f Sistema Bell. Porém, os maiores beneficiários têm sido uns
poucos recém-vindos, como a ROLM Corporation. No novo PBX,
atendê-los. duas tecnologias diferentes convergem: a tecnologia do telefone
Porém, há também a tendência de um setor que cresce muito e a tecnologia do computador. O PBX pode ser visto como um
depressa de tornar-se complacente e, acima de tudo, de tentar instrumento de telecomunicação que usa um computador, ou
como um computador que é usado em telecomunicação. Tecni­
"tirar a nata do leite". Foi o que ocorreu com o Sistema Bell
a respeito das chamadas interurbanas. O único resultado é o <ie camente, o Sistema Bell teria perfeitamente condições para cuidar
convidar à concorrência (sobre isto, ver também o Capítulo 1 7). disso, pois fora sempre um pioneiro em computadores. Na sua
visão de mercado, contudo, e de seu usuário, o Sistema Bell
Há mais um exemplo que ocorre no campo americano das
Artes. Antes da Segunda Guerra Mundial, os museus eram con­ visualizava o computador como algo totalmente diferente e dis­
siderados de "classe alta". Depois da guerra, ir ao museu tornou­ tante. Embora ele tivesse projetado e realmente lançado um PBX
se um hábito da classe média; uma cidade depois da outra funda­ computadorizado, nunca o levou avante. Como resultado, um
ram seus museus. Antes da Segunda Guerra Mundial , muito novato de todo tornou-se um grande competidor. De fato, a
poucos ricos colecionavam Arte; porém, depois dela, colecionar ROLM, iniciada por quatro jovens engenheiros, foi fundada para
objetos de Arte de todo tipo tornou-se cada vez mais popular, com construir um pequeno computador para aviões de combate, e
milhares de pessoas fazendo o mesmo, algumas até mesmo com apenas por acaso tropeçaram no ramo de telefone. O Sistema
posses limitadas. Bell agora não tem muito mais do que um terço desse mercado,
Um jovem que trabalhava num museu viu aí urna opbrtuni­ apesar de sua liderança técnica.
dade para inovação. Encontrou-a no lugar dos mais inesperados. 4 - Uma indústria está madura p ara a mudança estrutural
e, de fato, num lugar do qual jamais ouvira falar: seguros. Esta­ , , básica se a forma como ela negocia está mudando rapidamente.
beleceu-se como corretor de seguros especializado em Arte, e Trinta anos atrás, a maioria absoluta dos médicos americanos
segurando tanto museus como colecionadores. Por causa do seu tinha seus próprios consultórios. Já em 1 980, apenas 60 por
profundo conhecimento de Arte, as grandes companhias segura- cento eram autônomos. Hoje, 40 por cento (e 75 por cento dos

......
;�

1 16 PETER F. DRUCKER
I N OVAÇÃO E E S P fRITO EMPR E EN D EDOR 1 17
mais jovens) trabalham em grupo, associados ou como funcioná­
Semelhantemente, o Servico Postal dos Estados Unidos não
rios de organizações de Medicina de grupo ou de hospitais. Os
reagiu durante muitos anos aos inovadores que estavam tomando
poucos que viram o que estava ocorrendo antes, por volta de
fatias cada vez maiores dos serviços de correio mais lucrativo.
1 970, perceberam que havia aí uma oportunidade para inovação.
Primeiro, um serviço de encomendas (United States Pareei Ser­
Uma firma de serviços técnicos poderia projetar o escritório do
vice) ficou com as encomendas comuns; depois, um serviço de
grupo, dizer aos médicos quais os equipamentos que necessitavam
cargas aéreas e expressas (Emery Air Freight and Federal
e administrar sua prática de grupo ou treinar seus administra­
dores . ... Express) ficou com as ainda mais lucrativas remessas de merca­
t
dorias e cartas urgentes ou de alto valor. O que tornara o serviço
de correios tão vulnerável fora o seu crescimento rápido. O volu­
As inovações que exploram mudanças na estrutura da indús­
tria são particularmente eficazes se o setor e seus mercados são
dominados por um grande fabricante ou fornecedor, ou por muito
poucos deles. Mesmo se não existir um monopólio verdadeiro,
1
j
1
me crescera tão depressa que o Correio negligenciou o que parecia
ser as categorias de menor importância, e assim praticamente
entregou um convite aos inovadores.
De novo, e mais uma vez, quando a estrutura do mercado
esses grandes e dominantes produtores e fornecedores, tendo sido ou da indústria muda, os produtores e fornecedores que são hoje
por muitos anos bem sucedidos e não desafiados, tendem a ser os líderes industriais ver-se-ão negligenciando os segmentos de
arrogantes. Inicialmente, eles ignoram o novato como sendo mercado que crescem mais depressa. Eles se apegarão a práticas
insignificante, e até mesmo um amador. Mas, mesmo quando que estão velozmente se tornando disfuncionais e obsoletas. As
o novato toma porções cada vez maiores de seus negócios, . eles novas oportunidades de crescimento raramente se enquadram no
acham difícil se mobilizar para o contra-ataque. Levou quase dez modo como a indústria tem "sempre" abordado o mercado, se
anos para que o Sistema Bell reagisse aos descontadores de liga­ organizado para ele, e como o têm definido. O inovador nesta
ções interurbanas e ao desafio dos fabricantes do PBX. área, portanto, tem uma boa chance de ser deixado em paz. Por
Igualmente apática, contudo, foi a reação dos produtores algum tempo, as velhas empresas ou serviços no campo a inda
americanos de aspirina quando as "aspirinas não-aspirinas", estarão servindo bem o velho mercado do modo como sempre
Tylenol e Datril, apareceram pela primeira vez (sobre isto, ver fizeram. Eles provavelmente prestarão pouca atenção ao novo
também o Capítulo 1 7). De novo, os inovadores diagnosticaram desafio , seja tratando-o com condescendência ou ignorando-o de
uma oportunidade por causa da mudança iminente na estrutura todo .
d a indústria, baseada em grande parte no seu crescimento rápido. Há porém uma importante advertência. B absolutamente
Não havia razão alguma pela qual os então fabricantes de aspi­ essencial que a inovação nesta área permaneça simples. Inova­
rina, um número bem pequeno de companhias muito ,grandes, ções complicadas não funcionam . Eis um exemplo, a mais inte­
não pudessem ter lançado a aspirina não-aspirina e a vendessem ligente estratégia empresarial que conheço e um dos fracassos
eficazmente. Afinal, os perigos e limitações da aspirina não eram mais melancólicos.

i..
segredo; a literatura médica está repleta deles. No entanto, A Volkswagen disparou o gatilho da mudança que conver­
durante os primeiros cinco ou oito anos, os novatos tiveram o teu a indústria automobilística por volta de 1 960 em um men:ado
mercado à sua mercê. mundial. O Fusca da Volkswagen foi o primeiro carro desde o
Modelo T, quarenta anos antes, que se tornou um carro vcrda-

.-: ::&
·-t.'

1 18 PETER F. D RUCK E R I NOVAÇÃO E ESPfR ITO E MPREENDEDO R 1 19

O resultado foi que a Volkswagen pe rdeu seu segundo maio


dei ramente mundi al. Era tão onipresente nos Estados Unidos r
eses,
como nas ilhas Salomão. E, no entanto, a Volkswagen perdeu mercado, os Estados Unidos. A Volksw a gen, e não os japon
e
teria ficad o com o me rca do de c a rros pequenos qu ando
a oportunid a d e que el a própria havia criado, principalmente por stes
era m uma verda deira m ania, depois que a que da do Xá
ser engenhosa dema is. do Irã
detonou o segundo pânic o do petróle o . Só que os alemã
Em 1 970, de z a nos após o seu ap a re cimento no me rc a do es não
sil p assou
mundial, o Fusca estava fic ando obsoleto na Europa. Nos Esta­ tinham o produto. E qu ando, alguns anos depois, o Bra
a Volk s­
dos Unidos, o segundo melhor merc a do, ele a inda estava sendo por urn a sever a cr ise e as vendas de automóveis caíram,
te s p a r a
moder ad amente bem vendido. E no Brasil, o terceiro m a ior me r­ w a gen do Br asil enfrentou dific uld a des. Não h avi a clien
no p a ís
c a do do Fusca , visivelmente ele a inda tinh a muito a crescer . os quais e xport ar a capa cidad e que ela h avia const ruído
Obvi a mente, era ne c essária uma nova estra tégia. durante os anos 70.
égia da
O presidente da Volkswa gen propôs redireciona r as fábricas As r azões espe cífica s pelas quai s a brilha nte estrat
a zo d a com­
alemãs inte iramente pa ra o novo modelo, o sucesso r do Fusca, as Volksw agen falhou - a ponto do futuro a longo pr
O moral d a
qua is t ambém ab asteceriam o mercado dos Estados Uni dos. Mas panhi a pod e r ser probi emático - são secundárias.
sa " sempre
a continua da d emand a pelo Fusca nos Esta dos Unidos se ria aten­ históri a é que uma estratégi a inov a dor a "engenho
f alha, p a rticularmente se ela está dirig id a pa ra a explo
-ie:
ração de
·f'
i

dida pelo Brasil, o que d a ria então à Volkswagen do Brasil as a indu s-:
uma opo rtunidad e cri a d a por uma mud ança na estrut
ur
condições ne cessár i a s para expandir sua s fábrica s e para ma nter
t"i'·
ecí fica tem
triai . Entã o, somente a estratégi a muito simples e esp
por ma is dez anos a liderança do Fusca no crescente m e rcado
uma ch ance de êxito.
-�
1
},f

br asile i ro. Para assegura r a os cli entes a me ric anos a '''qualidada


al emã" que era um dos princip a is a trativos do Fusca, as p a rtes
crític as, como moto res e tra nsmissões, de todos os carros vendi­
dos n a Améric a do Norte seri am, tod avia, fabricad a s na Alema­
nha e monta d a s nos Esta dos Unidos.
Sob esse prisma, ess a era a primeira estratégia glob al ge­
nuína , com as diferentes partes do c ar ro fabric a das e m difere ntes
p a íses e monta d as em diferentes lug a res, conforme as necessid a­
des de diferentes merca dos. Tivesse ela funcionado, t e ri a sido
a estra tégia corr et a , e , po r sinal, uma estratégi a basta nte inov a ­
dora . Foi reje itad a principalmente pelos sindic atos trabalhistas
alemães. "Monta r os Fusca s nos Estados Unidos significa e xpor­
tar empregos alemães", dizi am eles, "e nós não a dmitimos isso" .
M as os revendedores americanos também tinha m sua s dúvid a s
sobre um c a rro "fe ito no Bra sil", mesmo com as p a rtes crítica s
a ind a sendo "fe ita s na Ale ma nha". E , então, a Volkswagen desis­
tiu de seu brilhante pla no .
-
...

tt Mudanças
Fonte:
l"'-
"T
Demográficas
'
-
~
::s
,_

O inesperado, as incongruências, as mudan­


ças na estrutura do mercado e da indústria, e ne­
cessidades do processo, as fontes da oportunidade
inovadora discutidas até agora nos Capítulos 3 a
6, manifestam-se dentro de uma empresa, um
setor, ou um mercado. Elas podem ser realmente
sintomas de mudanças externas, na economia, na
sociedade e no conhecimento. Entretanto, elas se
manifestam internamente.
As fontes restantes da oportunidade inova-
dora:

Mudanças demográficas,
Mudanças na percepção, significado , e
'· ânimo,
Conhecimento novo
são externas. Elas são mudanças no meio social,
filosófico, político e intelectual.
121

� .1L·: .:à
1 22 P ET E R F. D R UCK F I�
1 N( > V AÇÃO E E S P f R ITO E MP RE E N DEDOR 123
I i l i l';1 amp l a (e cara). Famíl ias e m que dois ganham têm mais
i l i 11 '1 c iro do que tempo , e gastam conformemente. Gente que
1 1: 1ssou por muitos anos de escola quando jovem , especialmente
Dentre todas as mudanças externas, as mudanças demográ­
rn1 nível profissional ou técnico, será, dez ou vinte anos mais
ficas - definidas como sendo mudanças na população, sua gran­
1 :1rdc , cliente do treinamento profissional avançado .
deza, estrutura etária, composição, emprego, status educacional
Mas, quem tem mui tos anos de estudo também estará dispo-
e renda - são as mais evidentes. Não são ambíguas e têm as
conseqüências mais previsíveis. 1 1 Ívcl , principalmente para empregos como trabalhadores de
Elas também possuem "lead times" * conhecidos e bastante rnn hecimento. Mesmo sem a concorrência de países com salários
corretos. Cada membro da força de trabalho americana do ano b a i xos e com tremendos excedentes de jovens treinados somente
2000 está vivo hoje (embora não necessariamente morando no para empregos manuais, não-qualificados ou semiqualificados - a
país; boa parte dos trabalhadores americanos daqui a quinze ()n<la de jovens dos países do Terceiro Mundo resultante da queda
anos pode ser agora crianças em um pueblo mexicano, por da mortali dade infantil depois de 1 955 -, os países industria1-
exemplo). Todos os que vão atingir a idade de aposentadoria em 111cnte desenvolvi dos do Ocidente e o J apão teriam que automa-
2030 nos países desenvolvidos já fazem parte da força de traba­ 1 izar. As mudanças demográficas por si só, os efeitos combinados
lho e, na maioria dos casos, no grupo ocupacional no qual per­ da brusca queda nas taxas de nascimento e da "exp losão educa­
manecerão até que se aposentem ou morram. E o nível educa­ c ional" nos dão uma quase certeza que o tradicional empregc
cional das pessoas agora com vinte e poucos anos i rá, em grancfe nia nual das fábricas nos países desenvolvi dos, por volta de 201 O,
medida, determinar seus caminhos na carreira por outros qua­ 11 ão poderá ser maior do que um terço ou menos do que era
renta anos. cm 1 9 70. (Embora a produção manufatureira, como resultado
A demografia provoca um forte impacto sobre o que será da automação, possa chegar a ser três a quatro vezes maior do que
comprado, por quem e em que quantidade. Os adolescentes era então.)
americanos, por exemplo, compram um bom número de pares de Isto tudo é tão óbvio que ninguém, como poder-se-ia pen­
sapatos baratos por ano. As mesmas pessoas, dez anos depois, sar, precisa ser relembrado da importância da demografia. E, na
comprarão bem poucos pares de sapatos por ano - um sexto verdade, empresários, economistas e críti cos têm sempre reco­
do que compravam quando tinham dezessete anos - mas agora n hecido a importância crítica das tendências, movimentos e dinâ­
preferindo calçados confortáveis e duráveis em primeiro lugar e, micas populacionais, mas eles também acreditavam que não pre­
da moda, em segundo. As pessoas com sessenta ou setenta anos cisavam dar atenção às mudanças demográficas em suas decisões
nos países desenvolvidos - isto é, nos seus primeiros anos de do dia-a-dia. As mudanças populacionais - sejam em taxas <le
aposentadoria - constituem o principal mercado de viagens e n a talidade ou de mortalidade, em escolaridade, na compos ição
passeios. Dez anos depois, as mesmas pessoas são clientes das e parti cipação da mão-de-obra empregada, ou na loca l ização l'.
comunidades de aposentados, casas de repouso e assistência mé- movimentação das pessoas - eram vistas como ocorrendo t ão
* ( N .T.) "Lead time", aqui, é o tempo entre a ocorrência da mudança e suas
k n tamente e por períodos de tempo tão longos que não consti­
conseqüências. Em geral, é tempo de espera, entre decisão (ou início) e resultado tuíam objeto de um mínimo de preocupações práticas . Ad m itia­
(ou conclusão) .
sl' que grandes catástrofes demográficas, como a Pes t e Negra

-- .. ,s.:.à
.....
PR E E N D EDO R 1 25
I N OV AÇÃ O E ESP IR I T O EM
1 24 PETER F. DRUCKER
erío dos
um lug ar por l ongos p
l ações estáticas perm an e c e n do em
na E urop a no séc u l o X IV, h a v ia m provoc a do i m pa cto s imed i ato s rica m en te , e n ão a reg ra .
de tempo f oram a exc eção , hi s t o
1

na s oci eda de e n a eco n om i a . Ma s, qu anto ao ma is , a s muda nç a s de sconsi dera r a demo­


N o sécul o XX , é absolut a i ns e n s a tez de que
demográfic as er am mu da nças "se c u lares", de inter esse para o o s t e mpo s deve se r a
grafia. A premis sa bás ica de n oss
hi s tori ado r e o est atísti co, e n ão para empresários ou adm inis­ e nt e me nte instáv ei s e
su je i t a s a mu dan ç a s
a s p o pul a çõ es sã o i ner
tr adores. a s -- e de que el a s c o nst
itue m o prim eiro
rep entina s e p ron un ci a d
Ess e foi se mpre um erro perigoso . A ma ciç a emigração do de de c i sõe s , se j a o h omem de
f at or ambi ent al que u m t om ador es n e ste
sécul o X IX da E uropa pa ra a s Américas do N orte e do Sul ,, e onde r a . Pouc a s que stõ
n egóc ios ou o pol ítico , a n alis a e p n ac io n al
p ara a Austr áli a e Nov a Z e lândia , t r ansform ar am a Geogr afia i c a s , t a n t o n a pol ític a
séc ulo , por exem pl o , serã o tão c rít pulação
e c o nô mi c a e p o lític a do mun d o i me nsuravelme n t e . El a c ri o u en vel hecim e nto d a po
qu anto n a i nte rnacional, c o m o o aré de jov ens ad u lto s
u m a abundância de oportunid ad e s e mpree nde dora s. Tornou obso ­ ·r os, de um lad o, e a m
n os p a íses de senv o lv i d
l etos os c o nce ito s geopo lít i c os, n os qu a is se b a se avam por muitos sque r qu e sej a m os mo tivo s,
·.:�': no T e rce iro Mu n do , de o utro . Quai
�-

o lvid as quan to aq u e­
sécu l os as est ra tégia s militares e po lític a s européi a s . N o e nta nto , o XX , t a n t o a s de senv
tud o a c ontece u e m uns mero s ci n qü e nta a n os de me a do s de 1 860 1 a s so cied a de s do sécul
l a s em dese n v olvime n to , fic a ram
sujei t as a mudanç a s dem o grá­
dic a is e que ocorrem sem a v i so
a 1 9 1 4 . Qu e m me n osprez a ss e i sso p rov a velm en te s e ri a de ix ad o 1 ficas extr em ame nte ráp i da s e ra
p ara t rás, e dep ressa . i a nte c i p ado .
Até 1 860, por exempl o , a C as a de R o thschild era o podP. r :! Os m ais pro emin ent es e spe ci a list
a s pop u lac ion ais am eric
a-
1 R oosevel t predis ser a m, una i ­ n
fin ance i ro domin a n te no mu n do . Os R othschilds fo r am inc ap azes, nos c onv o c a dos po r F ra nkl in D. g iri a
o do s E s tados U n i dos atin
c ontu do , de rec o nhec er o s ignific ado da migração transatlântica ; . memente , em 1 9 3 8 , que a popul a çã
h ab i t a ntes em 1 94 3 ou 1 944 ,
somente a "plebe " , pe ns aram, deix ari a a E urop a . O result ado foi o pic o de cerc a de 1 40 mil hões de mí n i m o
o a m e ric a n a , c o m um
que os R othsch i lds perder a m su a importânci a lá por 1 8 70. T or­ e a pa rtir da í dec l i n ari a . A populaçã
es. l sto porque em 1 949 sem
n ar a m-se nad a m a i s qu e pe s soas ric a s. Que m e ntão a ssumi u foi de imigr ação , é agora de 240 m i lhõ o
dos Un i do s c o meçou a ··expl o sã
J. P. Morg an . Seu "segredo " foi i denti fic ar a migração tra nsa­ o men or al e rta prévi o , nos Est a sem pre ce ­
rodu ziu um nú me ro
tlântica be m no s eu iníci o , c om preender desde l o go o s eu signi­ de bebês" , que po r do ze ano s p
entrar em 1 960, tão br usc a­
fic ado , e expl orá-l a corn o uma oport u n i da de estabe l e c en do u m dent es de fam íli as gr andes , para
"b aby bust' ' , produ zindo um
ban co i n te rn a· ci ona l em Nov a Yo rk e n ã o n a E uro pa , e c o mo mente qu a n to em 1 949 , em um
tes de f a míl i as pequen as . Os
um m e i o de fi n a n ci a r as indústri as a meri ca n as q ue a mão -de -ob ra número igualme nte sem prec eden
m inc ompete ntes e n e m l oucos ,
imigrante estav a via bi liz an do . Em a pe n a s t ri n ta a n os, de 1 8 30 demografista s de 1 938 não eram n e
ção alguma de um a "ex plo são
a 1 860, t an to a E ur op a Ocident a l c o mo o l este dos Est ado s Unid0s apenas não h a v i a n a épo ca i ndic a
se tr a n sform aram de s o c i ed ades ru ra is e agríco l a s em c i viliza gpes de bebês" . n
e sident e a me ric a n o , J oh
de gr an des cid ades domin ada s por i n dústri as. Vin te anos ma i s ta rde , um outro pr
e min e ntes espe c i a listas para
F . Kennedy , convocou um gru po de
As m u da nças demog ráfi c as tendem a ser tã o rápida s, tão ri c ano de a juda e desenvo l-
:1hruptas e c au sa m ta nto i mpacto , qu a nto as dos te mpos já p a s­ o rga niz a r o seu programa l atino-ame
das ,· i v i l i ·
s,1dos. A c re n ç a popul ar de que a s popu l ações muda v am vag a­ 1 . N este assu nto, o traba lho dos
mod erno s histo ri adores franc eses
, l lsamcn tc no pass ado é puro mito , ou . m e lhor dizendo, popu- ,açú cs é defin itivo .
1 · . , , , ·\ 1,' A l l t·: ESP I RITO EMP R E EN D EDO R 1 27
1 26 PET E R F. DRUC K l ' II

cidades
vimen t o, a "Al i an ça para o Progresso ". Nenhum dos especi alist 1111 , 1 , 1 1: i l i a l ho? E o que explica a corri da para a s favelas d as
d e u atenção em 1 96 1 à que da ab rupta na mor tali d ade i n fan l i l , l : 1 1 1 1 1 1 • ;1rner i cana s ?
ser ine rente-
a qual , d ent ro de out ros qu i nze anos, veio tran s formar pro fu 1 1 i\ :,; mud anças demográfi c as nes te s écul o po d em
intervalos
damente a soci e dade e a econo m i a d a Améri ca Lati n a. O s e spl' 1 1 1 1 1 1 1 1 ' i mprevisíveis , ma s el as têm perío dos l ongo s de
os cinco
, 1 1 1 1 1 · ·, do impacto , que são , no entanto , previsívei s. Tere
m
cial i s tas também presumiram , sem reservas, uma Améri ca L a tinu ças d o
rural . Também, e l es n ão eram nem inco mpe t en t es e n em l oucos . 11111 ,·, a n tes que os bebê s recém-na s cidos se t ornem cri an
aula, pl ay-
Ma s , a qu e da da mortalidade in fa n til na Améri ca Lati n a e 11 1 ,1 1 d i l ll da infân cia e venham a pre ci s ar de s alas d e
que s e t ornem
urbanização da soci e dad e mal h aviam co meça d o ness a época . 1· 11 ,1 1 1 1d :,; e professores . T eremos quinz e an o s an t es
e anos a n t e s
Em 1 97 2 e 1 9 73 os mais e xperimentados analistas do met·· 1 1 1 q H irt ant es como clien tes , e de dezenove a vint
populações
cad o de trabalh o nos E s tado s Unid os ainda acei tavam, sem ques­ q 1 1,· L' t i t rem no merca do de t r ab alho como adultos. As
rap i dez ass i m
ti ona r, qu e a participaçã o das mulheres continuaria a declinar , i l 1 1 A tn�ri c a L atina começaram a crescer com mui ta
No en tan to,
como acontecera du ran te mui to s anos. Quan d o os já en tã o jo vens q l l l ' a taxa de mortalid ad e infantil começ ou a cai r.
ci n co
, , .. l il'hês que não mo rreram n ão se t or n aram escolares e m
da "explosão de bebê s" entraram nes se mercad o de t rabalho em o em quinze
númer os recor des, el es se preocupara m ( s em necess i d ade, como , , 1 1 se is anos , n em a d oles cent es procu ran do trabalh
g er a l ,
1 11 1 deze ssei s anos. E l eva, pel o menos , d ez anos , e em
os acontecimentos o comprovaram) sobre d e onde viriam tod os o e sco l ar se
, p 1 i 1 1zc anos , ant es que qualquer mudança n a fo rmaçã
o s empregos para esses m oç os . Nen hum d e les pe rgunto u de onde d i sponív eis .
1 1 aduz a na compos içã o d a mão-de-obra e h a bilidades
viri am os empregos para a s m oça s, s upondo qu e ela s nã o preci­ dade tão
O que faz da mud ança demogr á fica uma oportun i
sariam d e nenhum. De z anos mai s tard e , a parti cipação d as mu­ o fat o d e
t l ·wmpens ad or a para o empreen de d or é, precisamente,
lh eres americana s, co m menos d e 50 anos d e i dad e na f orça de homen s
',l' I' negl i genci a da pe l os _tomad ores de deci sões, sej a m e l es
t rabalh o, ch e gava a 64 % , a mai or taxa ja mai s vi s ta. E há p ouca que f o rmul a m
,k negócios , d irigen t es públ icos ou govern an t es
diferença de partic ipação no mercad o d e trabalho d es t e grupo demogra fia
pPl í t ica s . T odos aind a se a pe gam à p remi ssa d e que a
entre mu lheres ca sadas e não casad as , ou d e mulheres com ou rej eitam
1 11Hi mud a - ou 11ão muda depressa. Na verdade, el es
se m filh os.
1 1 l t' me s m o a evidê ncia mais
óbvia d e mudan ças d emo gráfic as .
E ssas variações n ão são apena s es to n teantement e repenti n as . 1 -. i s aqui algun s exemplos b em típicos .
de crian-
São mui tas ve zes mis terios as e d esafiam explicações . A qued a Em 1 970, es tav a claro como crista l que o número
a 30% em
n a mortalidade i n fan ti! no T e rce i ro M u n d o po de ser e xplicad a
�·n:,; nas escol as dos Est ad os U nidos i ria baixar de 25
no míni mo.
em retr ospect o . Ela foi causada por uma co nver gência d e antigas n· lação aos anos de 1 960, por d ez ou quin ze anos
a em 1 970
t ec no l o gia s : a en ferm eira de saúd e pública; a col ocaçã o da latrina A li 1w l , as cr i an ça s que en t raram nos jardi n s de i n fân ci
es ava b em
abaix o do poço ; vac i nação; a t e la d e arame n a janela, ,,e, das n, l avam vi vas não a lém de 1 965 e o "baby bust" t
n aquele
mais recent es t ec no l ogia s, os a n tibiót i cos e pes ticida s , co mo o n itnprovad o, s em possib i lid a de de uma rápid a rev ersão
univ s i d ades
e
1 1 1 1u. N o en t an t o , as facul d ades de Educação das
DDT. No en tan to, fora to talmen te i mprevis ível. E o que explica r
e fato. E l as
o "baby b oom " o u o "baby bu s t " ? O que expl i ca a repen tina 111 nnic anas cate gor i c amente se recus aram a aceitar ess
parece ,
co r ri da das mulheres amer icanas (e i gualmente d a s mulheres l'llllsi dcrav a m como sendo uma lei d a n a tureza, ao que
crescer de
européia s , embora co m atras o de algu ns anos) pa ra o mercad o q 1 1r o número d e cri anç as em idade es co lar d ev esse
"-
1 28 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESP1R!TO EMPREENDEDOR 1 2g

ano para ano. E , por isso, elas intensificaram seus esforços para aceitam os fatos - na verdade, aqueles que vão ativamente cm
recrutar alunos, provocando um enorme desemprego para os seus busca deles - podem, portanto, esperar que sejam deixados à
formandos alguns anos depois, severa pressão sobre os salários vontade durante muito tempo. Os concorrentes aceitarão a rea­
dos professores e fechamentos em massa de faculdades de Edu­ lidade demográfica, em geral, somente quando ela já está para
cação. ser substituída por uma nova mudança demográfica e uma nova
E, agora, dois exemplos tirados da minha própria experiên­ reali dade demográfica.
cia . Em 1 9 57, publiquei uma previsão de que haveria de dez a
doze milhões de estudantes universitários nos Estados Unidos
dentro de vinte e cinco anos, isto é, em meados da década de 70.
O número foi calculado simplesmente pondo lado a lado duas II
mudanças demográficas já ocorridas: o aumento do número de
nascimentos e o aumento da porcentagem de jovens adultos indo
para a universidade. A previsão estava absolutamente correta. Eis alguns exemplos da exploração bem sucedida de mu­
No entanto, prati camente todas as universidades a ridiculariza­ danças demográficas.
ram. Vinte anos mais tarde, em 1 976, eu analisei dados etários A maioria das grandes universidades americanas descartou
e previ que a idade de aposentadoria nos Estados Unidos preci­ minha previsão de 1 O a 1 2 milhões de estudantes universitários
saria ser elevada para setenta anos ou eliminada de vez dentro nos anos 70 como despropositada. Mas as universidades empre­
de dez anos. A mudança veio até mais depressa: a aposentadoria endedoras levaram-na a sério : a Pace University em Nova York
compulsória com qualquer idade foi abolida na Califórnia um foi uma, e a Golden Gate University em San Francisco foi outra.
ano depois, em 1 9 7 7 , e a aposentadoria antes dos 70 anos para o Elas estavam igualmente incrédulas a princípio, mas analisaram
resto do país, dois anos depois, em 1 978. Os dados demográficos a previsão e acharam-na válida, e, na verdade, a única previsão
que fizeram dessa previsão praticamente uma certeza eram bem racional. Elas, então, se organizaram para as matrículas adicio­
conhecidos e estavam publi cados. E , apesar disso, a maioria dos nais; as universidades tradicionais, e especialmente as de "prestí­
assim chamados especialistas - economistas do governo , econo­ gio", por outro lado, nada fizeram. Como resultado, vinte anos
mistas de sindicatos trabalhistas, economistas de empresas, esta­ mais tarde, aquelas decididas escolas tinham os alunos, e mesmo
tísticos --- descartaram a previsão como sendo um completo absur­ quando as matrículas decresceram em todo o país em conseqüên­
do , e "jamais acontecerá" foi a reação quase unânime. Os sindi­ cia do "baby bust", elas continuaram a crescer.
catos trabalhistas chegaram mesmo a propor na época reduzir a Um varejista americano que aceitou a "explosão de bebês"
aposentadoria obrigatória para 60 anos de idade ou menos. era então uma pequena e pouca conhecida rede de sapatarias,
Essa relutância, ou inabilidade, dos especialistas em aGeitar a Melville. No início dos anos 60, pouco antes de que as pri­
realidades demográficas que não se enquadram naquilo que eles meiras levas da "explosão de bebês" atingissem a adolescência,
consideram como certo dá ao empreendedor a sua oportunidade. a Melville orientou-se para o novo mercado. Criou lojas novas,
Os "lead times" são conhecidos. Os eventos em si já ocorreram. diferentes, especialmente para adolescentes. Redesenhou sua mer­
Porém, ninguém os aceita como realidade , quanto mais como cadoria. Dirigiu sua publicidade e promoções para os jovens de
oportunidade. Aqueles que desafiam a sabedoria convencional e dezesseis e dezessete anos. E foi mais adiante, de calçados pa ra
-.-
INOVAÇÃO E ESP1RITO EMPREENDEDOR 131
1 30 P E T E R F. D R U C K E R

primeiro verdadeiro banco "nacional". Ao mesmo tempo, umas


roupas de adolescentes, tanto rapazes como moças. Resultou daí poucas sociedades de poupança e empréstimos, que não era um
que a Melville tornou-se um dos varejistas de maior crescimento setor que se destacasse em inovação ou em assumir riscos, perce­
e dos mais rentáveis da América. Dez anos mais tarde, outros beram que mulheres casadas, de mais idade, que haviam antes
varejistas deram-se conta da situação e começaram a atender aos deixado de trabalhar quando seus filhos eram pequenos, eram
gostos dos adolescentes, justamente quando o centro de gravi­ funcionárias de alto nível, quando trazidas de volta para trabalho
dade demográfica começou a se afastar destes, indo na direção permanente de meio-período. "Todo mundo sabia " que quem
dos "jovens adultos", de vinte a vinte e cinco anos de idade. trabalha em tempo parcial é "temporário", e que mulheres que j á
Nessa ocasião a Melville já estava orientando seu foco para a deixaram de trabalhar jamais retornam; ambas as afirmativas
nova leva da idade dominante. eram regras sensatas em épocas anteriores. Mas, a mudança demo­
Os especialistas em América Latina que o Presidente Ken­ gráfica tornou-as obsoletas. A disposição de aceitar esse fato - e
nedy reuniu para assessorá-lo sobre a "Aliança para o Progres­ de novo essa disposição decorre não de leituras de estatísticas, mas
so", em 1 96 1 , não viram a urbanização que lá ocorria. Mas, de sair a campo e olhar - deu às sociedades de poupança e
uma empresa, a cadeia varejista Sears, Roebuck, já a havia pres­ empréstimos uma equipe de trabalho excepcionalmente leal e
sentido anos atrás. Não mergulhando sobre estatísticas, mas sain­ produtiva, particularmente na Califórnia.
do a campo e observando os clientes na Cidade do México e
O sucesso do Club Mediterranée, no ramo de viagens e
Lima, São Paulo e Bogotá. Como resultado, a Sears, em meados
recreio, é justamente o resultado de explorar mudanças demográ­
de década de 50, começou a construir lojas de departamentos
ficas: o surgimento de número elevado de jovens adultos nos
conforme o modelo americano nas principais cidades latino-ame­
Estados Unidos e na Europa, instruídos e ricos, a apenas uma
ricanas, destinadas a uma nova classe média urbana, a quai ,
geração de suas origens de classe trabalhadora. Ainda insegu­
embora não "rica", fazia parte da economia monetária e possuía "·
li:· ros, ainda sem autoconfiança como turistas, eles anseiam em ter
aspirações de classe média. A Sears tornou-se a principal vare­ !/
alguém com a experiência de como organizar suas férias, suas
jista da América Latina em poucos anos. viagens, suas distrações - e, no entanto, eles não se sentem
E aqui estão dois exemplos da utilização da mudança demo­ realmente à vontade com seus pais operários ou com pessoas da
gráfica para inovar, na criação de uma .força de trabalho alta­ classe média, com mais idade. Assim, eles constituem clientes
mente produtiva. A expansão do Citibank de Nova York está
predispostos para uma versão nova e "exótica" do antigo "ponto
baseada, em grande parte, na sua percepção prévia da entrada de encontro" do adolescente.
de mulheres jovens, com instrução superior e bastante ambicio­
sas, no mercado de trabalho. A maioria dos grandes empregado­
res americanos considerava essas mulheres corno um "problema",
mesmo em 1 980; e muitos ainda pensam assim. O Citrbank,
quase o único dentre os grandes empregadores, viu nelas uma
III
oportunidade. Ele agressivamente recrutou-as nos anos 70, trei­
nou-as e1 enviou-as todas pelo país , como encarregadas de em­ As análises das mudanças demográficas começam com dados
préstimos . A essas mulheres jovens e ambiciosas muito deve o populacionais. Mas a população absoluta é o número menos
Citibank a sua transformação no maior banco da nação, e seu
......
1 12 PETER F. DRUCKER I N OVAÇÃO E ESPIRITO E M P R E EN D EDOR 1 33

-.. i 1•. 1 1 i ficativo. Por exemplo, a distribuição etária é de longe mais dos Estados Unidos estav a no ponto mais alto da sua história.
i11 1 pu rta nte. Na déc a d a de 60, foi o rápido aumento do número Porém, um deslocamento violento dentro de poucos anos estava
1 k jovens, na maioria dos países desenvolvidos não-comunistas, a ponto de ocorrer. Como resultado da "explosão de bebês" , o
1 > f ator mais significativo (a única exceção importante foi a d a centro de gravid a de populaciona l desceu tão bruscamente por
( ; rã-Bret anha, onde o "baby boom" foi de curta duração). Nos volta de 1 965, que chegou ao nível mais b aixo desde os primei­
a nos 80, e mais a ind a nos anos 90, esse fator será a qued a no ros dias da República, até perto dos dezesseis ou dezessete anos.
número de jovens, o aumento persistente do número de pessoa s Era previsível - e, na verdade, previsível por quem quer que
<le mei a-id a de até qu a renta anos, e o aumento basta nte fápido levasse a demografia a sério e examin asse os números - que
do número de idosos (setent a a nos e acima). Que oportunidades haveria um a drástica mudança n a disposição de ânimo e valo­
oferecem esses dados? Qu ais são os valores e as expectativas, res. A "rebelião dos jovens" dos anos 60 foi principalmente um
as necessid a des e os desejos desses vários grupos etários? desvio do foco para o que sempre fora o típico comportamento
O número de alunos d as universidades tradicionais não da juventude. Antigamente, com o centro de gravidade popu­
pode aumenta r. O mais que se pode esperar é que ele não dimi­ lacional situado pouco abaixo e pouco acima dos 30 anos, grupos
nua, e que a porcentagem dos alunos com dezoito ou dezenove etários notoriamente ultraconservadores desdenhavam do com­
anos, que continuam os estudos a lém da escola secundária, cresç a portamento dos adolescentes com "Rapazes serão sempre rap a­
o suficiente para compensar a qued a do número total. M as, com zes" (e "Moças serão sempre moças"). Nos anos 60, de repente,
o aumento do número de pessoas com idade ao redor de 3 5 e o comportamento representativo passou a ser esse .
40 anos que se formam em universid a des, h a verá um grande Porém, qu ando todos estavam falando de uma reviravolta
número de indivíduos com instrução superior que vão querer um· permanente nos v alores ou de um "verdejar d a América", o pên­
treinamento e retreinamento profissional avançado, sejam eles dulo da idade já havia voltado, e também violentamente. Por
médicos, a dvogados, arquitetos, engenheiros, executivos ou pro­ volta de 1 969 , os primeiros efeitos do "baby bust" j á eram dis­
fessores. O que esses profissionais procuram? Do que eles preci­ cerníveis, e não apen as nas estatísticas. O a no de 1 974, ou de
sam? Comó poderão pagar? O que a universidade tradicional 1 975, seria o último no qual os a dolescentes de dezesseis e dezes­
precisa fazer par a a trair e satisfazer estudantes tão diferentes? sete anos de idade constituíram o centro de gravidade popula­
E, finalmente, quais são os desejos, a s necessidades e valores dos cional. Depois disso, o centro subiria rapidamente: no começo
idosos? Existe realmente algum "grupo mais idoso" , ou existem dos anos 80, estaria nos quase 30 anos. E com essa reviravolta
vários deles, cad a um com diferentes expectativas, necessidades, viria a mudança , no que seria considerado o comportamento
valores, satisfações? "representa tivo". Os a dolescentes, n aturalmente, continua ri a m a
P articularmente import ante na distribuição por idade, e de se comportar como adolescentes. Mas, i. sso seria de novo descar­
prognóstico mais confiável, são a s mudança s no centro d a .gra­ tado como sendo a maneira como os adolescentes se comportam
vid a de da população, isto é, no grupo etário que, em qua lquer e não como sendo os valores componentes e o comporta mento
momento determin a do, constitui o grupo de maior e ma is rápido da sociedade . E assim poder-se-ia prever, com uma quase cer­
crescimento na população. teza, por exemplo (e alguns de nós o fizeram), que em mcudos
Ao final do mandato do Presidente Eise1thower , nos últi­ da década de 70 os campi universitários deixariam de ser "ati­
mos a nos do decênio de 50, o centro de gravidade populacion al vistas ". ou "rebeldes" , e os estudantes universitários i riam dL·
1 34 PETER F. D RUCKER I N OVAÇÃO E E S P fRITO E MP R EE N D E D O R nr;

novo se preocupar com notas e exames; mas, também, que a estarrecido com o que viu), e estudando os padrões de compra
esmagadora maioria dos "desistentes" * de 1 968 seriam, dez anos e venda. Daí ficou sabendo o que os clientes buscavam, que t ipos
após, os "profissionais em ascensão" preocupados com carreiras, de lojas construir, onde localizar essas lojas e que mercado ri as
promoções, isenções de impostos e opções para compra de ações. manter em estoque .
A segmentação por nível de escolaridade pode ser igual­ Semelhantemente, os fundadores do Club Mediterranée
mente importante; e deveras, para determinadas finalidades, olharam os clientes dos pacotes de excursões em grupo , falaram
chega a ser a mais importante (por exemplo, venda de enciclo­ com eles e ouviram, antes de construir seu primeiro local de vera­
pédias, educação profissional continuada, mas também viagens neio. E os dois jovens que transformaram a Melville Shoe de
de férias). Em seguida, vem a participação da força de trabalho uma cadeia de sapatarias deselegantes e indistintas (uma dentre
e a segmentação ocupacional. Finalmente, há a distribuição por muitas) nas lojas de moda popular de maior e mais rápido cres­
renda, e especialmente a distribuição de rendimentos disponíveis cimento na América, da mesma forma, passaram semanas e
e discricionários. O que acontece, por exemplo, à propensão para meses em shopping-centers, olhando os clientes, ouvindo-os, e
poupar numa família em que dois trabalham e ganham? analisando seus valores. Eles estudaram a maneira como os jovens
Na verdade, a maior parte das respostas está à mão. Elas faziam compras, de que tipo de ambiente eles gostavam (por
constituem o ingrediente da pesquisa de mercado. Tudo que é acaso os jovens, rapazes e moças, por exemplo, fazem compras
necessário é a disposição de fazer as perguntas. Existem, porém, de sapatos nos mesmos lugares ou querem lojas separadas ?) , e
mais coisas envolvidas do que analisar estatísticas. Não há dúvida o que eles consideravam "valor" na mercadoria que compravam.
que as estatísticas são o começo. Elas são o que levou Melv ille a Por conseguinte, para aqueles que genuinamente estão dis­
perguntar que oportunidades o aumento dos adolescentes afere- postos a sair a campo, para olhar e ouvir, as mudanças demo­
ceria a um varejista, ou o que levou a direção da Sears, Roebuck gráficas são bastante produtivas e uma bastante confiável opor­
a ver a América Latina como um mercado potencial. Mas, então, tunidade inovadora.
os executivos dessas empresas - ou os administradores das uni­
versidades das grandes cidades metropolitanas, tais como a Pace
em Nova York, e a Golden Gate em San Francisco - saíram
a campo para ver e ouvir.
O modo como a Sears, Roebuck decidiu entrar na América
Latina pode ser l iteralmente posto assim. O Presidente do Con­
selho da Sears, Robert E . Wood, leu, no princípio dos anos 50,
que as cidades do México e São Paulo seriam maiores que qual­
quer cidade dos Estados Unidos por volta de 1 97 5. Isto o int,ri­
gou de tal maneira que ele foi pessoalmente visitar as principais
cidades da América Latina. Passou uma semana em cada uma
delas - Cidade do México, Guadalajara, Bogotá, Lima, Santiago,
Rio, São Paulo - andando por elas, olhando as lojas (ficou
• ( N.T.) São os que abandonam as escolas (superiores. no caso) .
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Fonte:
Mudanças em
Percepção
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"O COPO ESTÁ CHEIO PELA METADE"


I: 1 1

Em Matemática, não há diferença entre "O


I'l ,
copo está cheio pela metade" e "O copo está vazio i 1

pela metade". Mas, o significado dessas duas afir-


rnativas é totalmente diferente corno o são as suas
conseqüências. Se a percepção geral muda em se
ver o copo "metade cheio" ou vê-lo "metade va-
zio", então existem oportunidades inovadoras de
vulto.
Aqui estão uns poucos exemplos dessas mu­
danças em percepção e das oportunidades inova­
doras que elas abriram em Negócios, em Política,
em Educação, e qualquer outra área.
1 - Toda evidência baseada em fatos reais
mostra que os últimos vinte anos, desde o início
� da década de 60, têm sido anos de progresso e
melhoria seP1 precedentes na saúde dos america­
nos. Quer olhemos as taxas de mortalidade de
recém-nascidos ou taxas de sobrevivência dos
137


-
1 38 PF.TER F. D RUCK EI{ I NOVAÇÃO E ESP1RITO E MP R E EN D EDOR 1 39

muito idosos, a ocorrência de câncer (excluindo o pulmonar), e de dólares para uma grande companhia de processamento de
assim por diante, todos os indicadores de saúde física e condi­ alimentos. E existem cadeias altamente lucrativas de lojas de
cionamento físico estão melhorando visível e rapidamente. E, no alimentos medicinais. Equipamentos para corridas (cooper) tam­
entanto, a nação está atacada . de uma hipocondria coletiva. bém tornou-se um grande negócio, e a empresa nova de maior
Jamais houve tanta preocupação com saúde e tanto medo. De crescimento em 1 98 3 , nos Estados Unidos, foi uma companhia
repente, tudo parece causar o câncer, ou uma doença cardíaca de equipamentos para exercícios em recintos fechados.
degenerativa, ou a prematura perda da memória. O copo está 2 - Tradicionalmente, o modo como as pessoas se alimenta­
claramente "metade vazio". O que estamos vendo agora não vam dependia em grande parte dos grupos de renda e classe social.
são os grandes melhoramentos na saúde e condicionamento Gente comum "comia"; o rico "jantava". Essa percepção mudou
físico, mas sim que estamos tão distantes da imortalidade como nos últimos vinte anos. Agora, as mesmas pessoas, todas "comem "
sempre estivemos, e não conseguimos nenhum progresso nessa e "jantam". Uma tendência é no sentido de "alimentar", o que
direção. De fato, pode-se argumentar que, se houve qualquer significa ingerir os necessários meios de sustento, da maneira
deterioração real na saúde americana durante os últimos vinte mais fácil e simples possível: alimentos prontos e semiprontos,
anos, ela está precisamente na extrema preocupação com saúde "TV dinners", hambúrgueres do McDonald's, ou do Kentucky
e condicionamento físico, e a obsessão com o envel hecimento, Fried Chicken, e assim por diante. Daí, os mesmos consumidores
com a perda dessa forma física, com a degeneração em doenças também se tornaram cozinheiros gastrônomos. Programas de
prolongadas ou senil idade. Vinte e cinco anos atrás, até mesmo televisão sobre culinárias "gourmet" são bastante populares e
pequenos avanços na saúde da nação eram considerados como atingem elevados índices de audiência; livros de culinária gastro­
grandes passos à frente. Hoje , até mesmo grandes avanços mal · nômica tornaram-se os mais vendidos dos mercados de venda
recebem atenção. em massa; abriram-se cadeias novas de casas de alimentos sofis­
Quaisquer que sejam as causas dessa mudança na percep­ ticados. Finalmente os tradicionais supermercados, embora obten­
ção , ela criou oportunidades inovadoras substanciais. Criou, por do 90 % de seu movimento com alimentos para "alimentar",
exemplo, um mercado para novas revistas sobre cuidados de abriram butiques gastronômicas, as quais, em muitos casos, são
saúde : uma delas, a A merican Health, atingiu em dois anos uma de longe mais lucrativas do que seu negócio normal de alimentos
circulação de um milhão de exemplares. Criou oportunidades processados. Esta nova percepção de maneira alguma se restringe
para um sem-número de empreendimentos novos e inovadores aos Estados Unidos. Na Alemanha Ocidental, uma jovem médica
para explorar o medo de que alimentos tradicionais provoquem disse-me recentemente "Wir essen sechs Tage in der Woche,
danos irreparáveis . Uma firma de Boulder, no Colorado, chamada aber einen Tag wollen wir doch richtig speisen" (Nós nos ali­
Celestial Seasonings, ·� começou com uma das "crianças das flo­ mentamos seis dias, mas um dia por semana nós gostamos de
res"* * dos fins dos anos 60 col hendo ervas nas montan�as, jantar). Há não muito tempo, "essen" era o que a gente comum
embalando-as, e vendendo-as nas ruas. Quinze anos depois, a fazia sete dias por semana, e "speisen" o que a elite, os ricos
Celestial Seasonings atingira várias centenas de m ilhões de dóla­ e a aristocracia faziam sete dias por semana.
res cm vendas por ano, e foi vendida por mais de vinte mil hões 3 - Se alguém, por volta de 1 960, nos últimos dias de gover­
no Eisenhower e no início da presidência de Kennedy, tivesse vati­
1
• ( N .T.) Tcn1 pcros Ceiestiais.
' * ( N .T ) H i ppies pacifistas. cinado as conquistas que o negro americano conseguiria nos dez
-
1 40 PETER F. D R UC K E R I NO VAÇÃO E ESPIR ITO E MPREENDEDOR 141

ou quinze anos seguintes, ele seria considerado um v1s10nano prioridade para emprego, para promoção, e assim por diante. Isto
i rreal ista, se não insano. Mesmo se esse alguém imaginasse apenas criou a oportunidade para um novo tipo de l íder negro - o
metade das conquistas reais obtidas pelo negro americano, seria Reverendo Jesse J ackson. H istoricamente, por quase cem anos -
considerado um irremediável otimista. Nunca, nos registros his­ de Booker T. Washington, na época da mudança de século, pas­
tóricos, ocorreu mudança maior no status de um grupo social sando por Walter White nos dias do New Deal, e até Martin
dentro de um período menor. No l imiar desses anos, a partici­ Luther King, Jr. durante as presidências de John Kennedy e
pação negra na educação superior, além da ginasial , era de cerca Lyndon J ohnson - um negro poderia tornar-se líder de sua
de um quinto em relação a dos brancos. No início dos 70, ela comunidade somente se provasse a sua habilidade em conseguir
era igual a dos brancos e maior do que a de vários grupos étnicos o apoio dos brancos liberais. Era a única saída para obter força
brancos. A mesma taxa de avanço ocorreu no emprego, na renda, política suficiente para conquistar ganhos significativos para os
e, especialmente, no ingresso em ocupações profissionais liberais negros americanos. J esse Jackson viu que a mudança na percep­
e gerenciais. Qualquer pessoa que há doze ou quinze anos atrás ção, que agora divide os negros americanos de seus antigos aliados
tivesse o dom de ver o futuro teria considerado que o "problema e camaradas de arenas, os brancos liberais, é uma oportunidade
do negro" na América estava ainda para ser resolvido, ou , pelo inovadora para criar um novo tipo de liderança negra totalmente
menos, com um longo caminho à frente. diferente, baseada na hostilidade aos brancos liberais e até mesmo
Porém , o que uma grande parte da população negra ame­ num ataque resoluto a eles. No passado, fazer-se de antiliberal,
ricana realmente vê hoje, em meados da década de 80, não é o anti-sindicato e antijudaico, como Jackson fez, teria sido um
copo "semicheio", mas um copo ainda "semivazio" . De fato, a suicídio político. Em poucas semanas, em 1 984, transformou
frustração, rancor e alienação aumentaram, em vez de diminuir Jackson no líder indiscutível da comunidade negra americana.
para uma fração substancial de negros americanos . Eles não vêem 4 - As feministas americanas hoje consideram as décadas
as realizações de dois terços dos negros que ingressaram na classe de 30 e 40 os anos mais sombrios das épocas sombrias, quando
média, econômica e socialmente, mas o fracasso de ainda um ter­ às mulheres era negado qualquer papel na sociedade. Entretanto,
ço não o ter conseguido. O que eles vêem é, não quão rapida­ os fatos demonstram que nada poderia ser mais absurdo. Os Esta­
mente as coisas têm se movido, mas sim quanto ainda resta para dos Unidos desses dois decênios eram dominados por estrelas de
ser feito, e quão vagarosa e quão difícil ainda é a caminhada. primeira magnitude. Havia E leanor Roosevelt, a primeira mulher
Os antigos aliados dos negros americanos, os brancos liberais - de um presidente americano que estabeleceu para ela um papel
os sindicatos trabalhistas, a comunidade judaica, ou a intelectua­ de relevo, como consciência e a voz de princípio e compaixão
lidade - vêem os avanços. Eles vêem que o copo está "semi­ que nenhum homem americano em nossa história conseguiu igua­
cheio". Isto, então, levou a um sério rompimento entre os negros lar. Sua amiga, Francis Perkins, foi a primeira mulher a ocupar
e os grupos liberais, o que, naturalmente, somente faz os negros um ministério americano como Secretária do Trabalho, e o
ficarem mais certos de que o copo está "semivazio". membro mais forte e mais eficaz de todo o ministério do Presi­
O branco liberal, entretanto, começou a achar que os dente Roosevelt . Anna Rosenberg foi a primeira mulher dire­
negros a cada dia estão deixando de ser considerados "destituí­ tora de uma enorme corporação, como vice-presidente da R. H.
dos", daí não merecendo mais um tratamento especial como uma Macy, então a maior loja varejista do país; e mais tarde, durante
discriminação ao inverso, não precisando mais de subsídios e a guerra da Coréia, ela foi Secretária-Adjunta da Dcfesa , encar-

s.. :-a
I NOVAÇÃO E ESPf RITO EMPREENDEDOR 1 43
1 42 PFTFR F. DRUCK E R

lheres j á eram aceitas há muito tempo como p rofissionais liberais


n·gada dos efetivos militares, a "chefe " dos generais. Houve um e executivos, tais como lojas de departamentos, agências de publi­
hu111 número de mulheres decididas e proeminentes como presi­
cidade, editoras de revistas ou de livros. Esses tradicionais empre­
den tes de universidades e escolas superiores, cada uma delas figura gadores de mulheres com capacitação profissional liberal e geren­
<le projeção nacional.
cial realmente hoje têm menos mulheres em posições de destaque
As grandes dramaturgas eram Clare Booth Luce e Lil­ do que há trinta ou quarenta anos. O Citibank, em contraste,
lian Hellman, e Clare Luce tornou-se depois uma importante era extremamente macho - o que pode ter sido a razão de ter
figura política , membro do Congresso por Connecticut , e
percebido que houvera a mudança. Ele viu, na nova percepção
embaixadora na Itália. O mais divulgado avanço médico do
que as mulheres tinham delas mesmas, uma excelente oportuni­
período foi o trabalho de uma mulher , Helen Taussig, que reali­
dade para cortejar mulheres excepcionalmente capazes, excep­
zou a primeira cirurgia com êxito do coração funcionando, a
cionalmente ambiciosas, e excepcionalmente esforçadas, p ara
operação do "bebê azul ", que sa ]vou um sem-número de crianças
recrutá-las; e para contratá-las. Conseguiu isso tudo sem a con­
no mundo e prenunciou a era da cirurgia cardíaca, que levou corrência dos recrutadores tradicionais de mulheres de carreira.
diretamente ao transplante do coração e às operações de pontes '.t
-,,#, Ao explorar a mudança na percepção, inovadores, como vimos,
de safena. E havia Marian Anderson , a cantora negra e a primeira
podem em geral contar em ter o campo para si por muito tempo.
de sua raça a penetrar em todas as salas de estar dos lares ameri­ )
5 - Um caso bem mais antigo, do início da década de 50,
canos por meio do rádio, tocando os corações e as consciências
mostra uma exploração similar de mudança da percepção. Por
dos milhões de americanos, como nenhum negro antes dela havia
volta de 50, a população americana começara a se considerar
conseguido, e nenhum o faria de novo até Martin Luther King,
esmagadoramente como sendo da "classe média", independente­
Jr., um quarto de século depois. A lista poderia continuar inde-•
mente, quase, da renda ou ocupação. Claramente, os americanos
finidamente.
haviam mudado sua percepção da sua própria posição. Mas, qual
Essas foram mulheres de muito orgulho, conscientes de suas
o significado dessa mudança? Um executivo de publicidade,
realizações, sua proeminência e sua importância. Apesar disso,
.( William Benton (mais tarde senador por Connecticut) , saiu a
se viam como "modelos de desempenho de um papel". Viam-se,
campo a perguntar às pessoas o que o termo "classe média" signi­
não como mulheres, mas como indivíduos. Não se consideravam
ficava para elas. Os resultados foram inequívocos: "classe média "
representativas, mas excepcionais.
em contraste com "classe trabalhadora" significa confiar na
Como ocorreu a mudança e por que, eu deixo para os futuros
vantagem que teriam suas crianças para subir socialmente através
historiadores explicarem. Porém, quando isso aconteceu, ao redor
de seu desempenho na escola. Benton, logo em seguida, comprou
de 1 970, essas grandes mulheres líderes tornaram-se, de fato,
a empresa da Enciclopédia Britânica, e começou a vender de
"não-pessoas", para suas sucessoras feministas. Agora , a mulher
porta em porta a Enciclopédia, em geral por meio de professores
que não pertence à força de trabalho, e não trabalha em µma
secundários, para pais cujas crianças constituíam a primeira gera­
ocupação tradicionalmente considerada "masculina", é vista como
ção da família a entrar na escola secundária. "Se você quer ser
não representativa e como exceção .
da classe média " , era o que o vendedor dizia na verdade, "suas
Isso foi considerado uma oportunidade por poucas empre­
crianças precisam ter a Enciclopédia Britânica para ir bem na
sas, em particular, o Citibank (ver Capítulo 7). Não foi visto,
escola ". Em três anos, Benton havia revivido a firma agonizante .
contudo , de modo algum, pelos próprios setores nos quais as mu-
1 44 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESP IR ITO EMPREENDEDOR 1 45

E <lez anos mais tarde, a empresa começou a aplicar exatamente as feridas não curadas dos séculos passados como qualquer outro
,1 mesma estratégia no Japão, pelos mesmos moti vos e com o evento na sociedade americana de hoje; e que a maiori a dos
mesmo sucesso. ingleses sinta-se como "classe trabalhadora" ainda é um legado
6 - O sucesso inesperado, ou o fracasso inesperado, é fre­ do cisma do século XIX entre "igreja" e "capela". E a hipocon­
qüentemente uma indicação da mudança na percepção e signifi­ dria de saúde americana expressa muito melhor os valores ame­
cado. O Capítulo 3 contou como a fénix do Thunderbird ressur­ ricanos, tais como o culto da juventude, do que qualquer item
giu das cinzas do Edsel. O que a Ford Motor Company achou, nas estatísticas de saúde.
quando buscou uma explicação para o fracasso d o Edsel, foi a Se sociólogos ou economistas podem explicar ou não o fenô-
mudança na percepção. O mercado de automóveis, que apenas meno perceptível é irrelevante. Ele permanece sendo um fato.
poucos anos antes havia sido segmentado por grupos de renda , Muitas vezes ele não pode ser quantificado ; ou, melhor dizendo,
era visto agora pelos clientes como segmentado por "estilos de quando chegar a ser quantificado, já será demasiado tarde para
vida". servir de oportunidade para inovação. Porém, ele não é algo
exótico ou intangível. É concreto: pode ser definido, testado e,
acima de tudo, explorado.
Quando se dá a mudança da percepção os fatos não mudam .
Só o seu significado. Este muda de "O copo está semicheio" para
"O copo está semivazio". O significado muda de ver-se a si
mesmo como "classe trabalhadora", e portanto nascido no seu
próprio meio, para ver-se pertencendo à "classe média" e por;
II
tanto muito mais em comando da sua posição social e oportu­
nidades econômicas. Esta mudança pode vir bem depressa. Para O PROBLEMA DE MOMENTO
o computador, veio em menos de dois anos. Provavelmente, não
demorou muito mais do que um decênio para que a maioria da Executivos e administradores admitem o potencial da ino­
população americana deixasse de se considerar "classe trabalha­ vação baseada na percepção. Eles tendem, porém, a esquivar-se
dora" para considerar-se "classe média". dela por "não ser prática ". Consi deram o inovador que se b aseia
A economia não necessariamente dita essas mudanças; na na percepção um ente incompreensível ou simplesmente excên­
verdade, elas podem ser irrelevantes. A Grã-Bretanha é um país trico. Entretanto , nada há de incompreensível sobre a Enciclo­
mais igualitário que os Estados Unidos. No entanto, quase 7 0 % pédia Britânica , o Thunderbird da Ford, ou a Celestial Seaso­
d a população britânica ainda se consi dera pertencente à "classe nings. Naturalmente, inovadores bem sucedidos em qualquer
trabalhadora", mesmo dois terços dela tendo renda maior que a da campo tendem a estar próximos do campo no qual inovam . Mas
"classe trabalhadora", segundo critérios puramente econômicos, e a única coisa que os distingue é estarem alertas a oportunidades.
perto da metade tendo renda maior que a "baixa classe média". O Uma das principais revistas de culinária de hoje foi lançada
que determina se o copo está "semicheio" ou "semivazio" é pre­ por um jovem que começara como redator da seção de ali mentos
disposição e não fatos. Ela resulta de experiências que poderiam d a revista de uma companhia de aviação. Ele se alertou f1 m u dança
ser chamadas de "existenciais". O fato de que os negros ameri­ cm percepção quando leu, no mesmo jornal de um domi ngo . três
canos sintam que "o copo está semivazio" tem tanto a ver com histórias contraditórias. A primeira dizia que refeições prcpa-
'
1 46 PETER F. DRUCKE R

radas, tais como refeições congeladas, "TV dinners", e Kentucky I NOVAÇÃO E ESPf R I TO EMPREENDEDOR 147
Fried Chicken, representavam mais da metade de todas as refeí­
c;ões consumidas nos Estados Unidos e se esperava que chegassem '
uma novidade de curta duração, que desaparece dentro de um
,i
u três quartos em poucos anos. A segunda dizia que um progra­
-.:r. ano ou dois. E nem sempre está claro o que é apenas novidade
ma de televisão sobre culinária estava alcançando um dos mais ou uma verdadeira mudança. Os jogos de computador para garo­
tos foram uma novidade. Empresas que, como ·a Atari, viram
altos índices de audiência. E a terceira, que um l ivro de culinária
nel es a mudança na percepção, duraram um ou dois anos - e
em sua edição brochura, isto é, edição popular, havia chegado ao
perderam. Entretanto, a entrada de seus pais nos computadores
topo das listas dos mais vendidos. Essas aparentes contradições
pessoais representou uma genuína mudança. Além disso, é quase
l evaram-no a perguntar: "O que está acontecendo aqui "? Um ano
impossível prever quais seriam as conseqüências de tal mudança
mais tarde, ele lançou uma revista de culinária muito diferente
da percepção. Um bom exemplo são as conseqüências das
de qualquer outra que havia existido antes no mercado.
rebeliões estudantis na França, Japão, Alemanha Ocidental
O Citibank se conscientizou da oportunidade oferecida pelo e Estados Unidos. Todo mundo estava certo, nos últimos anos
ingresso de mulheres na força de trabalho quando seus recru­ da década de 60, que elas trariam conseqüências permanentes e
tadores em escolas superiores relatavam que não poderiam mais profundas. Mas, quais seriam elas? No que concerne às universi­
seguir as instruções que recebiam do banco, de contratar os me­ dades, as rebeliões estudantis parecem não ter provocado abso­
lhores estudantes masculinos das escolas de Administração em l utamente nenhum impacto duradouro. E quem teria esperado
finanças e marketing. Os melhores alunos nesses campos, diziam que, quinze anos mais tarde, os estudantes rebeldes de 1 968 tor­
eles, eram, cada vez mais, mulheres. Os recrutadores em univer­ nar-se-iam os " Yuppies", aos quais o Senador Hart se dirigiu
sidades de muitas outras empresas, incluindo vários bancos, dis­ nas eleições primárias americanas em 1 984, os jovens profissio­
seram a mesma coisa a seus diretores naquela época. Em resposta, nais em ascensão, ultramaterialistas, conscientes das obrigaçõ�s
a maioria deles era exortada a tentar com mais veemência de seu trabalho, e manobrando para sua próxima promoção?
obter os homens mais promissores. No Citibank, a direção viu a Existem, na verdade, muito menos alunos de cursos superiores
mudança como oportunidade, e agiu baseando-se nela. desistentes nos dias de hoje do que costumava haver - a única
Todos esses exemplos, entretanto, expõem também o proble­ diferença é que a mídia dedica mais atenção a eles. O surgi­
ma crítico da inovação baseada na percepção: o momento opor­ {J
714�
mento dos homossexuais e lésbicas poderia ser explicado pela
tuno. Se a Ford tivesse esperado apenas mais um ano depois do 't,íÍ rebelião dos estudantes? Esses não seriam certamente os resul­
fiasco do Edsel, talvez perdesse o mercado do "estilo de vida" tados que os próprios estudantes em 1 968, nem nenhum dos
para o Pontiac da General Motors. Se o Citibank não tivesse sido observadores e pânditas daquel es dias, poderiam possivelmente
o primeiro a recrutar mulheres com mestrado em Administração ter previsto.
de Empresas, ele não teria se tornado o empregador preferido E, no entanto, o momento oportuno é essencial. Quando se
para as melhores e mais ambiciosas jovens que desejam fazer explora mudanças na percepção, a "imitação criativa" (descrita
carreira em empresas. no Capítulo 1 7 a seguir) não funciona. Tem-se que ser o pri­
No entanto, não há nada mais perigoso do que ser prema­ meiro. Mas, precisamente por haver tanta incerteza em saber
turo ao explorar a mudança na percepção. Em pfrneiro lugar, se a mudança na percepção é uma novidade passageira ou algo
uma boa parte do que parece mudança na percepção acaba sendo permanente, e quais são realmente as conseqüências, a inovação
baseada na percepção deve começar pequena e ser bem espe­
cífica.
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t-

Fonte:
OJ lt Conhecimento
Novo
--...
1
1

o
:::s
,

ª
A inovação baseada no conhecimento é a
"superestrela" do espírito empreendedor. E]a
ganha a publicidade. Ela ganha o dinheiro. Ela é
o que as pessoas normalmente querem dizer quan­
do falam sobre inovação. Naturalmente, nem toda
inovação baseada em conhecimento é importante.
Algumas são verdadeiramente triviais. Mas, dentre
as inovações que fizeram história, as inovações
baseadas no conhecimento sobressaem-se bastante.

.
O conhecimento, contudo, não é necessariamente
científico ou técnico. As inovações sociais baseadas
em conhecimento podem ter igual, ou, até mesmo,
maior impacto .

\
I
As inovações baseadas no conhecimento dife­
rem das demais inovações em suas características

básicas: duração, taxa de perdas, predicabilidade,
e nos desafios que apresentam para o empreende­
dor. E, como a maioria das "superes trelas", a
inovação baseada no conhecimento é temperamen­
tal, caprichosa, e difícil de controlar.
149

'°$:';.Â,
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1 50 PETER F. DR UCK ER I N OVAÇÃO E ESPI R I TO E MP R E E N DE D O R 151

J acquard . O cartão perfurado torna possível converter números


I em "instruções". Em 1 906, o americano Lee de Forest inventou
a válvula audion, e com ela criou a eletrônica. Então, em 1 9 1 O
AS CARACTERfSTICAS DAS INOVAÇÕES BASEADAS e 1 9 1 3 , Bertrand Russell e Alfred North Whitehead, no seu
EM CONHECIMENTO Principia Mathematica, criaram a lógica simbólica que permite
expressar todos os conceitos lógicos sob números. Finalmente,
As inovações baseadas em conhecimento possuem o mais durante a Primeira Guerra Mundial , os conceitos de programação
longo tempo de espera de todas as inovações. Existe, primeiro , e feedback foram desenvolvidos, principalmente para os propó­
um longo espaço de tempo, entre o aparecimento do novo conhe­ sitos de artilharia antiaérea . Por volta de 1 9 1 8, em outras pala­
cimento e ele se tornar aplicável à tecnologia. E, depois, existe vras, todo o conhecimento necessário para desenvolver o compu­
um outro longo espaço de tempo antes que a nova tecnologia tador estava à mão. O primeiro computador tornou-se operacional
se transforme em produtos, processos ou serviços no mercado. em 1 946.
Entre 1 907 e 1 9 1 O, o bioquímico Paul Ehrlich desenvolveu Um executivo de produção da Ford Motor Company cunhou
a teoria da quimioterapia, o controle de microorganismos bacte­ a palavra "automação " em 1 9 5 1 , e descreveu em detalhes o pro­
rianos através de compostos químicos. Ele próprio desenvolveu cesso de fabricação completo que a automação exigiria . Falou-se
a primeira droga antibacteriana Salvarsan, para o controle da muito durante cerca de vinte e cinco anos sobre a "robótica " e
sífilis. As sulfas, que são a aplicação da quimioterapia de Ehrlich automação da fábrica , mas nada realmente aconteceu por muito
ao controle de amplo espectro de moléstias bacterianas, chegou ao tempo. A Nissan e a Toyota no Japão não introduziram robôs
mercado depois de 1 93 6 , vinte e cinco anos depois. em suas fábricas até 1 978. No começo dos anos 80, a General
Rudolph Diesel projetou o motor . que traz seu nome em Electric construiu uma fábrica de locomotivas automatizada em
1 89 7 . Todos, de imediato, perceberam que se tratava de uma Erie, Pennsylvania . A General Motors começou então a automa­
grande inovação. Apesar disso , por muitos anos houve poucas tizar várias de suas fábricas de motores e acessórios. No início
aplicações práticas. Então, em 1 93 5 , · um americano, Charles de 1 98 5 , a Volkswagen começou ,a operar o seu " Hall 54" como
Kettering, redesenhou completamente o .motor de Diesel , conver­
tendo-o em algo capaz de ser utilizado como unidade propulsora i uma instalação de fabricação quase totalmente automatizada.
Buckminster Fuller, que se intitulava de geômetra, e que
em uma ampla variedade de navios, em locomotivas, em cami­ era em parte matemático e em parte filósofo, aplicou a matemá­
nhões, ônibus e carros de passageiros. tica da topologia ao projeto do que ele chamou de "Dymaxion
Muitos conhecimentos se agregaram para tornar possível o House", porque gostava de como soava. A Dymaxion House
computador. O mais antigo foi o teorema binário, uma teoria combina o maior espaço possível de habitação com a menor super­
matemática que recua até o décimo sétimo século, que permite fície possível . Tem, portanto, excelente insulação, ótimo aqueci­
que todos os números sejam expressos por apenas dois números: mento e resfriamento, e soberba acústica. Ela pode também se r
um .e zero. Ele foi aplicado a uma máquina de calcular por construída com materiais leves, não requer alicerces e apenas um
Charles Babbage, na primeira metade do século X I X . Em 1 890 mínimo de suspensão, e pode ainda resistir a um terremoto ou
Hermann Hollerith, inventou o cartão perfurado, recuando a ao mais violento vendaval. Em 1 940, Fuller construiu uma Dy­
umà Ínvenção do início do século X IX feita pelo francês f .-M . maxion House no campus de uma pequena faculdade da Nova
.........
1 52 PETER F. DRUCKER

I nglaterra. E lá ela ficou. Bem poucas Dymaxion H ouses foram


r I NOVAÇÃO E ESPfR I T O EMPR EENDEDOR

O longo período de gestação para as inovações baseadas em


1 53

construídas - parece que os americanos não gostam de morar conhecimento de maneira alguma está confinado à ciência ou

"
em casas circulares. Porém, por volta de 1 965, estruturas Dyma­ tecnologia. Ele aplica-se igualmente às inovações que se baseiam
xion comecaram a ser levantadas no Ártico e na Antártida, onde em conhecimento não científico e não tecnológico.
os edifícios convencionais são impraticáveis, caros e difíceis de O Conde de Saint-Simon desenvolveu a teoria do banco
erigir. A partir daí, elas têm sido utilizadas em escala crescente empreendedor, o uso premeditado de capital para gerar desen­
para grandes estruturas, como auditórios, pavilhões de concertos, volvimento econômico, logo depois das guerras napoleônicas. Até
estádios esportivos, e assim por diante. então os banqueiros eram agiotas que emprestavam dinheiro
Somente graves crises externas poderão encurtar esse tempo contra uma "garantia" (por exemplo, o poder do príncipe de
de espera. A válvula audion, inventada por de Forest em 1 906, recolher impostos). O banqueiro de Saint-Simon era "investi dor",
teria tornado possível o rádio quase de imediato, mas ele, mesmo isto é, deveria criar capacidades novas produtoras de riqueza.
assim, não teria chegado ao mercado até o final dos anos 30, Saint-Simon exerceu extraordinária influência na sua época, e
mais ou menos, não tivesse a Primeira Guerra Mundial forçado desenvolveu-se um culto popular em sua memória e suas i déias
os governos, especialmente o governo americano, a priorizar o depois de sua morte em 1 826 . No entanto, foi somente em 1 8 52
desenvolvimento da transmissão sem fio do som. Os telefones de que dois discípulos, os irmãos Jacob e Isaac Pereire, estabelece­
campo conectados por fios eram simplesmente por demais pre­ ram o primeiro banco empreendedor, o Crédit Mobilier, e com
cários, e o telégrafo sem fios se reduzia a pontos e traços. E, assim, ele introduziram o que hoje chamamos de capitalismo financeiro.
o rádio chegou ao mercado no início dos anos 20, apenas Da mesma forma, muitos dos elementos necessários
quinze anos depois do surgimento do conhecimento no qual ;e para o que agora chamamos de Administração estavam acessíveis
baseava. logo após a Primeira Guerra Mundial. De fato, em 1 92 3, Herbert
Semelhantemente, a penicilina provavelmente não teria sido Hoover, que seria alguns anos depois Presidente dos Estados
desenvolvida até os anos 50, mais ou menos, não fora a Segunda Unidos, e Thomas Masaryk, criador e presidente da Checoslo­
Guerra Mundial. Alexander Fleming descobriu o mofo que matava váquia, convocaram o primeiro Congresso de Administração
bactérias, penicillium, nos anos 20. O bioquímico inglês Howard Internacional em Praga. Simultaneamente, algumas grandes em­
Florey começou a trabalhar com ele dez anos mais tarde. Mas presas aqui e ali, especialmente a DuPont e General Motors, nos
foi a Segunda Guerra Mundial que forçou a introdução anteci­ Estados Unidos, começaram a se reorganizar conforme novos
pada da penicilina. A necessidade de contar com uma droga conceitos de Administração. Na década seguinte, uns poucos
potente para combater infecções levou o governo britânico a "crentes verdadeiros", especialmente o inglês Lyndall Urwick,
impulsionar a pesquisa de Florey : soldados ingleses foram colo­ o fundador da primeira firma de consultoria administrativa, a
cados à sua disposição como cobaias onde quer que estivessem qual ainda leva o seu nome, começaram a escrever sobre Admi­
lutando. O computador, também, provavelmente teria aguardado nistração. No entanto, não foi senão até que os meus livros
a descoberta do transistor pelos físicos do Laboratório Bell em Concept of the Corporation ( 1 946) e Practice of Management
1 94 7 , não fosse a Segunda Guerra Mundial ter levado o governo ( 1 9 54)* fossem publicados, que a Administração tornou-se uma
americano a forçar a pesquisa do computador e a investir grande
* (N.T.) O primeiro ainda não foi traduzido para o português; o segundo é
quantidade de recursos de homens e dinheiro no trabalho. l'rcítica de Administração de Empresas. São Paulo: Livraria Pioneira Editora , 1 98 1 .

'S.· -"A.
·1
I N OVAÇÃO E ESPfRITO EMP R E EN DEDOR 1 55

P ETER F. D R U C K E R em Avignon (onde ainda pode ser visto) mostra idosos cardeais
1 54
t usando óculos para leitura; e, dez anos depois, miniaturas mos­
d i sc ipl ina acessível aos administradores no mundo todo. Até então,
' tram idosos cortesãos do Palácio do Sultão no Cairo também
cada estudioso ou praticante de "Administração" enfocava uma usando óculos. O moinho movido por represamento de águas que
área em separado : Urwick em organização, outros em adminis­
t foi a primeira "automatização verdadeira", foi desenvolvido para

l
tração de pessoas, e assim por diante. Meus livros codificaram-na, a moagem de grãos pelos monges beneditinos no Norte da Europa
organizaram-na e sistematizaram-na. E , em poucos anos, a Admi­ lá pelo ano 1 000; dentro de 30 anos ele havia se espalhado por
1. toda a Europa. E, repetindo, as invenções de Gutenberg do tipo
nistração tornou-se uma força mundial.
Hoje, passamos por um período de espera no que se trata móvel e da xilogravura surgiram ambas nos trinta anos depois
da teoria da aprendizagem. O estudo científico da aprendizagem do Ocidente ter aprendido a impressão chinesa.
começou por volta de 1 890 com Wilhelm Wundt na Alemanha O tempo de aguardo para o conhecimento se tornar inovação
e William James nos Estados Unidos. Depois da Segunda Guerra baseada em conhecimento parece ser inerente à natureza do co­
Mundial, dois americanos, B . F. Skinner e Jerome Bruner, ambos nhecimento. Não sabemos o porquê. Mas talvez não seja pura
de Harvard , desenvolveram e testaram teorias básicas de apren­ coincidência o fato de que o mesmo tempo de espera aplica-se
dizagem , Skinner especializando-se em comportamento e Bruner à nova teoria científica. Thomas Kuhn, no seu livro que desbra­
vou caminhos, The Structure of Scientific Revolutions ( 1 962),
em cognição. No entanto, somente agora, a teoria de aprendi­
mostrou que leva cerca de trinta anos antes que urna nova teoria
zagen está se tornando um fator em nossas escolas. Talvez esteja
;ia hora de um empreendedor criar escolas baseadas no que hoje 1 científica se torne um novo paradigma - uma nova afirmativa
a qual os cientistas dão atenção e utilizam em seu próprio

1:
sabemos sobre o aprendizado em vez dos contos da carochinha
trabalho.
sobre ele que têm sido transmitidos de geração em geração, po'r

r,
séculos.
Em outras palavras, o tempo de espera para o conhecimento CONVERGÊNCIAS
se tornar tecnologia acessível e começar a ser aceito no mer­ )i

cado é de vinte e cinco a trinta anos.


1 A segunda característica das inovações baseadas em conhe­
t.
Isso não tem muclado muito no decorrer dos registros da cimento - e a única verdadeiramente singular - é que elas
história. Acredita-se largamente que as descobertas científicas quase nunca se baseiam em um só fator, mas na convergência
transformam-se mais rapidamente nos dias atuais do que jamais de vários tipos de conhecimento, e nem todos eles científicos ou
o fora antigamente, em tecnologia, produtos e processos. Mas isto tecnológicos.
é , em grande parte, uma ilusão. Por volta de 1 250, o inglês Roger Poucas inovações baseadas em conhecimento neste século
Bacon, um monge franciscano , mostrou que os defeitos de refra­ têm bencciciado a humanidade mais do que a hibridação de
ção do olho poderiam ser corrigidos com óculos. Isso era ihcom­ sementes e animais de criação. Ela permite à terra alimentar
patível com o que todos sabiam : a autoridade "infalível" de uma população muito maior do que jamais se poderia ter pen­
Galena , na I dade Média, o grande cientista médico, havia "pro­ sado há cinqüenta anos atrás. A primeira semente híbrida bem
vado conclusivamente" que isso não poderia ser feito. Roger sucedida foi a do milho híbrido . Ela foi o resultado de vinte
Bacon vivia e trabalhava nos limites extremos do mundo civili­ anos de trabalho árduo de Henry C. Wallace, editor de um jornal
zado de então, nas florestas do norte de Yorkshire. No entanto,
um mural pintado trinta anos mais tarde no Palácio dos Papas
1 56 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESP !RITO EMPREENDEDOR 1 57

ru ral em Iowa, e depois Secretário (Ministro) da Agricultura dos feedback, nenhum dos quais Babbage possuía , ele só poderi a
Estados Unidos com os presidentes Harding e Coolidge, o único imaginar um computador.
ocupante desse cargo, talvez, que mereça ser lembrado por algo Os i rmãos Pereire fundaram o primeiro banco empreende­
mais do que jogar dinheiro fora. O mi lho híbrido tem duas raízes dor em 1 852. Ele faliu em poucos anos porque os Pereires tinham
de conhecimento. Uma foi o trabalho do cultivador de plantas somente uma base de conhecimento, e o banco empreendedor
Willi am G. Beal, de Michigan, que por volta de 1 880 descobriu precisava de duas. Eles tinham uma teoria de finanças criativa
o vigor híbrido. A outra foi a redescoberta da genética de Mendel que lhes permitia serem brilhantes capitalistas especulativos. Mas
pelo biologista hol andês Hugo de Vries. Um não sabia do outro. faltava a eles o conhecimento sistemático de negócios bancários
Seus trabalhos eram totalmente diferentes em propósito, objeto, que estava sendo desenvolvi do nesse exato momento do outro
intento e conteúdo. Mas somente colocando-os juntos pôde o lado do Canal pelos ingleses, e codificado no clássico Lombard
milho híbrido ser desenvolvido. Street, de Walter Bagehot.
O aeroplano dos irmãos Wright também teve duas raízes de Depois do fracasso deles, no início dos anos 1 860, três jovens
conhecimento: uma foi o motor a gasolina, projetado em meados independentemente começaram por onde os irmãos Pereire
dos anos 1 880 para mover os primeiros automóveis, construídos haviam deixado ; acrescentaram à base de conhecimento de negó­
por Karl Benz e Gottfried Daimler, respectivamente. A outra foi cios bancários o concei to de capital de risco, e foram bem suce­
matemática: a areodinâmica, desenvolvida principalmente a didos. O primeiro foi J. P. Morgan, que havia sido treinado em
partir de experiências com pl anadores. Cada uma foi desenvolvi­ Londres, mas também havia estudado a fundo o Crédit Mobilier
dos Pereires. Ele fundou o mais bem sucedido banco empreende­
da em grande parte independentemente. E somente quando as
dor do século X I X em Nova York, em 1 865. O segundo, do outro
duas se juntaram é que o aeroplano se tornou possível.
lado do rio Reno, foi o jovem alemão Georg Siemens, que fundou
O computador, como já se falou, demandou a convergência
o que ele chamou de "Banco Universal"; segundo ele, era um
de não menos de cinco conhecimentos diferentes. Uma invenção
banco tanto para depósitos no modelo britânico, como um banco
científica , a válvul a audion ; uma importante descoberta matemá­
empreendedor conforme o modelo dos Pereires. E na longínqua
tica , o teorema binário; uma nova lógica ; o conceito de design Tóquio, outro jovem, Shibusawa Eichi i , que havia sido um dos pri­
do cartão perfurado; e · os conceitos de programa e feedback. meiros japoneses a viajar à Europa para estudar bancos diretamen­
Enquanto todos esses não estivessem acessíveis, nenhum compu­ te, e havia passado uns tempos em Paris e na Lombard Street de
tador poderia ser construído. O matemático inglês Charles Bab­ Londres, tornou-se o fundador da moderna economia japonesa,
bage é muitas vezes chamado de o " pai do computador". O que cri ando uma versão japonesa do Banco Universal. Tanto o Deuts­
o impediu de construir um computador, conforme é voz corrente, che Bank de S iemens, como o Daichi Bank de Shibusawa ai nda
foi simplesmente a não disponibilidade de metais apropriados e são os maiores bancos de seus respectivos países.
de energia elétrica no seu tempo. Porém, isso é um mal-enten­ O primeiro homem a intuir o jornal moderno foi o ameri­
dido. Mesmo se Babbage tivesse os materiais apropriados, ele cano James Gordon Bennett, fundador do New York Hera/d.
poderia ter, no máximo, construído a calculadora mecânica que Bcnnett entendeu perfeitamente os problemas: um jornal preci­
hoje chamamos de caixa registradora. Sem a lógica, o concei to sava ter renda suficiente para ser editorialmente independente,
dl' design do cartão perfurado , e o conceito de programa e l' ainda ser barato o suficiente para ter uma circulação de massa.

.-s.·.•�,
1 58 PETER F. DRUCKER
I N OVAÇÃO E ESPI R I TO EMPREENDEDOR 1 59
Os jornais anteriores tanto obtinham receita vendendo sua inde­
pendência e se tornando lacaios e propagandistas pagos de uma p;1ra investir pesadamente na pesquisa em polimerização para
facção política - como o faziam a maioria dos jornais ameri­ t i htcr um substituto para a borracha. Levou mais vinte anos,

canos e praticamente todos os europeus dessa época -, ou, como l·o11 t u<lo, antes que o Nylon estivesse pronto para ser lançado no
o grande aristocrata daquel es dias (The Times de Londres), eles 1m: rca<lo.
eram "escritos por cavalheiros para cavalheiros", mas tão caros
que apenas uma pequena elite podia tê-los.
Bennett explorou brilhantemente as bases gêmeas de conhe­ Até que os conhecimentos necessários possam estar à mão,
cimento tecnológico sobre as quais um jornal moderno se apóia: ;i inovação baseada em conhecimento é prematura e falhará. Na

o telégrafo e a impressão de alta velocidade. Isso permitiu a ele 111aioria dos casos , a inovação somente ocorre quando esses vários
produzir papel a uma fração do custo ust.al. Ele sabia que preci­ l:,torcs já são conhecidos, disponíveis, e já sendo utilizados em
sava de composição tipográfica de alta velocidade, embora ela ;ilgum lugar. Este foi o caso do Banco Universal de 1 865- 1 875 .
não tivesse sido inventada senão após sua morte. Também viu As vezes, o inovador pode identificar as peças que faltam e
utna das bases não-científicas, a alfabetização em massa, que via­ t r;1ta <lc produzi-las. Joseph Pulitzer, Adolph Ochs e William
bilizou a circulação de massa para um jornal de preço baixo. Mas l{ ;1 11Jolph Hearst, em grande parte, criaram a moderna publicida­
ele não chegou a compreender a quinta base : propaganda de dl' . Isto então criou o que chamamos de mídia, isto é, a fusão de
massa como fonte de renda que permita a independência edi to­ in formação e publicidade na " comunicação de massa". Os i rmãos
rial. Bennett, pessoalmente, desfrutava de um sucesso espeta­ W righ t identificaram as peças de conhecimento que faltavam, na
cular; ele foi o primeiro dos lordes da imprensa. Mas seu jorn,\l 11 1aioria matemáticas, e então eles mesmos as desenvolveram
não alcançou nem liderança e nem segurança financeira. Essas
rnnstruindo um túnel de vento, e realmente testando teorias ma­
metas somente foram atingidas duas décadas mais tarde, por volta
l l·1rní ticas . Mas, até que todos os conhecimentos necessários para
de 1 890, por três homens que entenderam e exploraram a publi­
1 1 111.1 dada inovação baseada em conhecimento estejam reunidos ,
cidade : Joseph Pulitzer, primeiro em St. Louis e depois Nova
11 inovnção não decolará. Permanecerá natimorta.
York; Adolph Ochs que assumiu um moribundo New York
Samuel Langley , por exemplo, a quem seus contemporâneos
Times e fez dele o principal jornal dos Estados Unidos, e William
l ' s peravam que chegasse a inventar o avião, era um cientista
Randolph Hearst, que reinventou a moderna cadeia de jornais.
1 1 1 11ito mais preparado que os irmãos Wright. Como secretário do
A invenção do plástico, começando com o Nylon, também
q t 1 l' era então a principal instituição científica, o Smithsonian em
resultou da convergência de um certo número de conhecimentos
novos que surgiam por volta de 1 9 1 0 . A química orgânica, da W 11!,;hington, ele também tinha a seu dispor todos os recursos
l' irn t íficos da nação . Mas, embora o motor a gasolina tivesse sido
qual os alemães foram pioneiros, e que foi aperfeiçoada por Leo
Baekeland, um belga que trabalhava em Nova York, era um; a i 1 1 vl·ntado na época de Langley , ele preferiu ignorá-lo. Ele acre­
difração do raio-X e com ela a compreensão de estrutura dos d i 1 11va no motor a vapor. Resultava daí que seu aeroplano podia
cristais foi outro; e a tecnologia de alto vácuo. O fator final foi a vpu r : mas por causa do peso do motor a vapor, ele não podia
pressão das cctrências causadas pela Primeira Guerra Mundial, v11 tTl)�a r nenhuma carga, quanto mais um piloto. Era necessária
que fizeram com que o governo alemão mostrasse disposição 11 rnnvl'rgência da Matemática e do motor a gasolina para pro­
d 1 1 ·1. ir o av ião.

.-:t� â
1 60 PETER F. DRUCKER 1 NOVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 161

Na verdade, até que todos os conhecimentos convirJam, o publicaram suas anotações; mas Shibusawa no Japão o fez. E , por
período de espera de uma inovação baseada em conhecimento isso, sabemos que ele baseou sua decisão de renunciar a uma
geralmente sequer tem início. brilhante carreira governamental e começar um banco a partir
de uma análise criteriosa do conhecimento disponível e do conhe­
cimento necessário . Semel hantemente, Joseph Pulitzer analisou
com os mesmos cuidados o conhecimento necessário quando
II lançou o que se tornou o primeiro jornal moderno, e decidiu que
a publicidade tinha que ser inventada e podia ser inventada .
Se me permitem acrescentar uma nota pessoal, meu próprio
O QUE A INOVAÇÃO BASEADA sucesso como inovador no campo de Administração foi baseado
EM CONHECIMENTO REQUER numa análise similar no começo dos anos 40. Muitas das peças
de conhecimento requeridas já estavam acessíveis: a teori a das
Suas características dão à inovação baseada em conheci­ organizações, por exemplo. Mas, também, muita coisa sobre como
mento requisitos específicos. E estes diferem daqueles de qual­ administrar o trabalho e o trabalhador. Minha análise mostrou
quer outro tipo de inovação. t ambém, contudo, que essas peças estavam dispersas e contidas
1 - Em primeiro lugar, a inovação baseada em conheci­ cm meia dúzia de diferentes disciplinas. Então ela me levou aos
mento requer uma análise meticulosa de todos os fatores sociais, conhecimentos que ainda faltavam: propósito de um negó­
econômicos ou perceptuais. A análise precisa identificar quai,s c io ; conhecimento do trabalho e da estrutura da alta adminis­
os fatores ainda não disponíveis, de modo que o empreendedor tração; o que chamamos hoje de "política empresarial" e
possa decidir sobre se esses fatores que faltam podem ser produ­ "estratégia " ; objetivos, e assim por diante. Todos esses conheci­
zidos - como os irmãos Wright decidiram a respeito dos dados mentos em falta , eu decidi , poderiam ser produzidos. Mas, sem
matemáticos que faltavam - ou se a inovação talvez devesse L's sas análises, eu jamais poderia ter sabido quais seriam eles ou
ser adiada por ainda não ser viável . q ue eles estivessem faltando.
Os irmãos Wright exemplificam o método melhor que qual­ A falta dessa análise é uma prescrição quase certa para o
quer outro. Eles ponderaram cuidadosamente sobre qual conhe­ desastre. Ou a inovação baseada em conhecimento não é alcan-
cimento seria necessário para construir um aeroplano para um 1,'. ada, como aconteceu a Samuel Langley, ou o inovador perde
vôo com motor e manual . Em seguida trataram de desenvolver os frutos de sua inovação e somente tem êxito por criar uma
as peças de conhecimento necessárias, tomando o conhecimento 1 1purlunidade para um outro.
existente e testando-o antes teoricamente, depois no túnel de Bem instrutiva é a falha dos ingleses de colher a safra de
vento, e finalmente em experimentos de vôos reais, até que obti­ suas próprias inovações baseadas em conhecimento.
vessem os dados matemáticos de que precisavam para construir Os ingleses descobriram e desenvolveram a penicilina, mas
os " ailerons", para dar formas às asas, e assim por diante. furam os americanos que dela tomaram conta. Os cientistas rea­
A mesma análise é necessária para a inovação não técnica l i zaram um magnífico trabalho técnico. Eles conseguiram as
baseada cm conheci mento. Nem J . P . Morgan ou Georg Siemens s 1 1 hstfincias certas e os usos corretos. No entanto, fracassaram em

:s.·. :A,
1 62 PETER F. DRUCKER I N OVAÇÃO E ESP1RITO EMPREENDEDOR 1 63
identificar a habilidade de fabricação do material como sendo sário não foi feita pelo químico que desenvolveu a tecnologia,
um fator crítico de conhecimento. Eles poderiam ter desenvol­ mas pelo pessoal da administração na comissão executiva da
vido o conhecimento necessário da tecnologia da fermentação; empresa. E a Boeing tornou-se a maior fabricante mundial de
nem mesmo o tentaram . Como resultado, uma pequena empresa aviões sob a liderança do pessoal de marketing que compreendeu
americana, a Pfizer, pôs-se a trabalhar no desenvolvimento do o que as linhas aéreas e o público necessitavam.
conhecimento da fermentação, e tornou-se a principal fabricante Isto não é urna lei da natureza, contudo. Na maior parte
de penicilina do mundo. das vezes é urna questão de vontade e autodisciplina. Têm havido
De forma semelhante, os ingleses conceberam, projetaram inúmeros cientistas e tecnólogos , dos quais Edison é um bom
e construíram o primeiro avião a jato para passageiros . Mas , a exemplo, que se esforçavam em pensar a fundo o que sua ino­
de Havilland, a companhia britânica, não analisou o que era vação baseada em conhecimento exigia.
preciso e portanto não identificou dois fatores-chaves . Um era 2 - O segundo requisito da inovação baseada em conhe­
a configuração, isto é, o tamanho certo com a carga útil do avião cimento é um enfoque claro na posição estratégica. Ele não pode
para as rotas nas quais o jato daria a uma companhia de aviação ser introduzido tentativamente. O fato de que a introdução de
a maior vantagem. O outro era igualmente rotineiro: como fi­ urna inovação cria um estímulo e atrai urna hoste de outras
nanciar a compra de aviões tão caros pelas companhias de significa que o inovador tem que estar certo na primeira vez.
aviação. Dificilmente ele terá urna segunda oportunidade. Em todas as
O fracasso da de Havilland em fazer análises resultou em outras inovações discutidas até agora, o inovador, uma vez sendo
que dois fabricantes de aviões americanos , a Boeing e a Douglas , bem sucedido com sua inovação, pode esperar ser deixado em paz
assumissem o avião a jato. E a de Havilland há tempos desapa­ por um bom tempo. No caso da inovação baseada no conhecimen­
receu . to isso não acontece. Aqui, os inovadores quase que de imediato
Tal análise pareceria bastante óbvia, e no entanto são raras as têm muito mais companhia do que o desejariam. Basta a eles um
vezes em que é feita pelo inovador científico ou técnico. Cientistas passo em falso para serem ultrapassados.
e tecnólogos relutam em fazer essas análises precisamente porque Existem basicamente somente três enfoques importantes para
pensam que eles já as .conhecem. Isso explica por que, em tantos a inovação baseada no conhecimento. Primeiro, existe o enfoque
casos, as grandes inovações baseadas em conhecimento têm um dado por Edwin Land à Polaroid : desenvolver um sistema com­
leigo e não um cientista ou um tecnólogo como seu pai ou, pelo pleto que então dominaria o campo. Isto é exatamente o que a
menos , seu padrinho. A empresa americana, General Electric 1 BM fez nos seus primeiros anos quando resolveu não vender
Company, é, em grande medida, o fruto da imaginação de um computadores , mas arrendá-los aos seus clientes . Ela os supria
homem de finanças . Ele concebeu a estratégia (discutida no Capí­ com o software disponível, com programação, com treinamento
tulo 1 9) que fez da GE o maior fornecedor mundial das em linguagem de computador para programadores e no uso de
turbinas a vapor, e daí o maior fornecedor mundial para os pro­ computadores para executivos, e com assistência técnica. Isto
dutores de energia elétrica. Semelhantemente , dois leigos , Thomas também foi o que a GE fez quando tornou-se a líder na ino­
Watson, Sr. e seu filho Thomas Watson, Jr. fizeram da IBM a vação baseada no conhecimento de grandes turbinas a vapor nos
líder em computadores . Na DuPont, a análise do que era neces- primeiros anos deste século.

·1 , á�
1 64 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 1 65

O segundo enfoque certo é um enfoque no mercado. A . Dentro do mesmo setor, os inovadores individuais baseados
inovação baseada no conhecimento pode almejar a criação de no conhecimento podem algumas vezes escolher entre essas alter­
mercado para seus produtos. Isto é o que a DuPont fez com nativas. Onde a DuPont, por exemplo, escolheu criar mercados,
o Nylon. Ela não "vendeu" Nylon; ela criou um mercado consu­ seu mais próximo concorrente americano, a Dow Chemical,
midor feminino para meias e lingerie utilizando Nylon, um mer­ procura ocupar uma posição-chave em cada segmento de mer­
cado para pneus de automóveis utilizando Nylon, e assim por cado. Cem anos atrás, J . P. Morgan optou pela abordagem da
diante. Então ela forneceu Nylon aos fabricantes, para fazer os função-chave. Estabeleceu seu banco como o canal para o inves­
artigos para os quais a DuPont já havia criado uma demanda, timento de capital europeu na indústria americana, e ademais
e a qual, de fato, já estava vendida. Semelhantemente, o alumínio num país com carência de capital . Ao mesmo tempo, Georg
desde o início, logo após a invenção do processo de redução do Siemens na Alemanha e Shibusawa Eichii no Japão preferiam,
alumínio por Charles M . Hall em 1 888, começou a criar um mer­ ambos, a abordagem sistêmica .
cado para panelas e frigideiras, para barras, e outras extrusões O poder de um enfoque claro é demonstrado pelo êxito de
de alumínio. A companhia de alumínio na realidade passou a Edison. Edison não foi o único que identificou as invenções a
fabricar esses produtos finais e a vendê-los. Ela criou um mercado serem feitas para produzir uma lâmpada elétrica. O físico inglês
o qual, por sua vez, desencorajou (se não afastou de vez) compe­ Joseph Swan também o fez. Swan desenvolveu sua lâmpada
tidores em potencial. exatamente na mesma ocasião que Edison. Tecnicamente, a lâm­
O terceiro enfoque é ocupar uma posição estratégica, con­ pada de Swan era superior, a ponto de Edison comprar as paten­
centrando-se em uma função-chave (a estratégia é discutida no•Ca­ tes de Swan e usá-las em sua própria fábrica de lâmpadas. Porém,
pítulo 1 8 sobre Nichos Ecológicos). Que posição possibilitaria que Edison não somente ponderou sobre os requisitos técnicos, como
o inovador de conhecimento ficasse em grande parte imune às também sobre seu enfoque. Mesmo antes de começar o trabalho
extremas convulsões de uma indústria baseada no conhecimento técnico com o invólucro de vidro, o vácuo, o fechamento e o
em seus estágios iniciais? Foi pensando a fundo nisso, e resol­ filamento incandescente, ele já havia decidido sobre um "siste­
vendo se concentrar em dominar o processo de fermentação, que ma " : sua lâmpada elétrica era projetada para servir a uma com­
a Pfizer conseguiu nos Estados Unidos uma liderança desde o panhia de energia elétrica, para a qual ele havia arranjado finan­
início em penicilina, a qual ela nunca mais perdeu. Com o enfo­ ciamento, os direitos de colocação dos fios para levar a energia
que em marketing - no domínio dos requisitos das companhias até seus clientes de lâmpadas e o sistema de distribuição. Swan,
de aviação e do público quanto à configuração e finanças - a o cientista, inventou um produto, Edison construiu uma indús­
Boeing chegou à liderança em aviões de passageiros, e a manteve tria. Assim, Edison pôde vender e instalar a energia elétrica,
desde então. E apesar da turbulência da indústria de', compu­ enquanto Swan ainda tentava imaginar quem poderia estar inte­
tadores nos dias atuais, uns poucos importantes fabricantes do ressado em sua conquista técnica.
componente-chave do computador, os semicondutores, podem O inovador baseado no conhecimento precisa decidir sobre
manter sua posição de liderança quase independentemente do o enfoque claro. Cada um dos três destes descritos aqui é, con­
destino dos próprios fabricantes de computadores. A Intel é um fessadamente, muito arriscado. Mas, não decidir quanto a um
exemplo. claro enfoque, quanto mais tentar ficar indeciso entre eles. ou

L. . ..-:. .-.a.
PETER F. DRUCKER
166 I NOVAÇÃO E ESP f R JTO F.MPR EF.NDEDOR 1 67

tentar mais de um enfoque, é muito mais arriscado . Possivel­


mente, será fatal . III
3 -- Finalmente, o inovador baseado no conhecimento, e
especialmente aquele cuja inovação se baseia no conhecimento OS RISCOS TÍPICOS
científico ou tecnológico, precisa aprender e praticar a admi­
nistração empreendedora (veja Capítulo 1 5 - A Nova Empresa Mesmo quando baseada em análise meticulosa, dotada de um
de Risco) . De fato, a administração empreendedora é mais crucial enfoque preciso e claro e conscienciosamente administrada, a
à i novação baseada em conhecimento do que a qualquer outro inovação baseada em conhecimento ainda sofre de riscos típicos,
tipo. Seus riscos são elevados, havendo portanto um prêmio mais e, pior, de uma imprevisibilidade inata.
elevado à previsão, tanto financeira como administrativa, e por Primeiro, por sua própria natureza, ela é turbulenta.
ser enfocada no mercado e dirigida pelo mercado. No entanto, A combinação das duas características das inovações basea­
a inovação baseada em conhecimento e especialmente a de alta das em conhecimento - longos períodos de espera e conver­
tecnologi a é propensa a ter pouca administração empreendedora . gências - dá a elas o seu ritmo peculiar. Por um período longo,
Em grande parte, a alta taxa d e fracassos da indústria baseada existe a percepção de que urna inovação está para acontecer,
em conhecimento é devida à falha dos próprios empreendedores mas nada acontece. Então, de repente, há urna quase-explosão,
baseados no conhecimento e especialmente da alta tecnologia. seguida por uns poucos anos de grande arrebatamento, tremen­
Eles tendem a desdenhar tudo que não seja "conhecimento avan­ das atividades de se pôr em marcha, tremenda publicidade.
çado" , e parti cularmente qualquer pessoa que não seja especia­ Cinco anos depois vem o "abalo' ' do qual poucas sobrevivem.
lista na área em que atua. Eles tendem a se enfeitiçar com sua Em 1 856, Werner Siemens, na Alemanha, aplicou as teorias
própria tecnologia, mui tas vezes acredi tando que ,. qualidade" de eletricidade que M ichael Faraday havia desenvolvido por volta
de 1 830 (vinte e cinco anos antes), ao projeto do ancestral do
significa o que é tecnicamente sofisticado, em vez daquilo que é
primeiro motor elétrico, o primeiro dínamo. Causou uma enorme
valor para o usuário. A este respeito eles ainda são, e na sua
sensação. Daí em d iante ficou a certeza de que haveria urna
grande maioria, inventores do século X I X e não empreendedores
"indústria de eletricidade " e que ela seria urna das grandes . Deze­
do século X X . nas de cientistas inventores puseram-se a trabalhar. Porém, nada
De fato, existem hoje mui tas empresas ao nosso redor que aconteceu por vinte e dois anos. Faltava o conhecimento : o tra­
mostram que o risco na inovação baseada em conhecimento, balho de M axwell a partir das teorias de Faraday .
incluindo a de alta tecnologia, pode ser reduzido substancial­ Depois que ela se tornou acessível, Edison inventou a l âm­
mente se a administração empreendedora é aplicada cons­ pada elétrica em 1 87 8 e começou a corrida. Nos cinco anos
cienciosamente. Hoffmann-LaRocha, o laboratório farma�utico seguintes se estabeleceram todas as grandes empresas de apare-
suíço, é um exemplo; a Hewlett-Packard, é outro, como também 1 hos elétricos na Europa e na América : Siemens, na Alemanha,
a Intel . Precisamente porque os riscos inerentes à inovação basea­ comprou uma pequena fábrica de aparelhos elétricos, a Schuc­
da no conhecimento são tão elevados, a administração empreen­ kcrt. A General Electric Company da Alemanha (AEG) também
dedora é tanto particularmente necessári a quanto particularmente se formou baseada no trabalho de Edison. Nos Estados U n i <los
eficaz. surgiram as que são hoje a GE e a Westinghouse: na Suí�·a , a
DOR 1 69
1 68 PETER F. DRUCKER 1 1 1 1 >V A<,',\Ü E ESP 1RIT O EMP REE NDE

s práti cos . Exi ste uma "j a nel a "


Brown-B ov eri ; n a Sué c i a , a ASEA fo i f u ndada e m 1 884. M a s essa s 1 11, pn li<l a p a ra qu ais qu er p ropós ito
m a n ova empres a de risco
pou cas são as sob rev iventes de um a c enten a de empresa s ameri ca­ , k 1111s poucos an os du r a nte a qu a l u bas eado e m
uer nov o seto r ind ust rial
nas , ingl es as, fra ncesa s, a l emãs, ita li a n a s, esp a n ho las, ho landes as, , l 1 · v ,· est abe l e c e r-se e m qu a lq
be lgas, suíças, austríacas, ch e c as, húng a ra s, e a ssim po r diante , 1 ,n hcci m e nto.
ssa "j a n e l a " fi cou me n o r.
- todas a vidamente fin a nc i a da s p elos inv estido res da época e H o j e acr edita -se comume nte que e o de
a nto o de qu e o te mp
todas esperando se tornar empres as de "b i lhões de dólares". F o i l 'i1n· rn . isso é um equívoc o, t a nto qu
ecimento e su a co nv e rsão
esse s u rto d a indústri a d e maqu in a ria e létric a qu e d eu o rigem ao , . . . pn;1 entre o su rgime nto do novo conh
nou-se men or.
prime iro " b oom" da ficção c ientífi ca e fez de J u li o Vern e e H . G . , ·11 1 tl'l:n ol ogi a, produtos e pro cessos tor
G eorge Stephenso n te r
We lls auto res dos m a is lido s por todo o mu ndo . M as, de 1 895 a P oucos an os após a "Rocket " de
v i a comercial em 1 830, m ais
1 900, a maiori a dessas empres as já h a vi a desaparec ido, sej a por 1 111 x :1do o pri me iro tre m num a fe rro
str ad as de f e rro su rgira m na
fechamento , falência, ou abso rção por u m as poucas sob re viventes. , k I I ma centen a de comp anhi a s de e
ro vi as fo ra m de "alt a t e cno-
Por v olta de 1 9 1 O, h a vi a ce rca de duzentas empresas aut o­ 1 11 g l a t e rra. D u r a nte de z a n os as fer f ebre
assuntos de míd i a . A
mob ilístic as somente n os Estado s Unidos . No começo dos a nos 30 1, if•. i a " e empreendedores fer rov i ários
racte rist ic a me nte satiri z a da em
o seu número reduzia-se a v inte, e, em 1 960, a qu a tro. , ·�,pL'CU lat i v a desses a nos está ca
1 1 1 1 1 dos contos de Di ck e ns, Lit tle
Do rrit (pu blicado em 1 855 -
Nos anos 20, l iteralmente centen a s de empres as esta­ esp ecu lati va de h o j e
' i I l ; i sso nã o er a mu it
o dif erente d a feb r e
v am pro duzindo a parelh os de rádi o e ce nten a s ma is monta ndo com
a j a n e l a fo i fec h a d a
est ações de rádi o . Em 1 93 5, o contro l e da s tr a nsmissões de rádi o 1 1P V a l e do Silíci o . Mas, em 1 845
ve ma is din hei ro na I ngl at e rr a
esta v a n as mã os de três "redes" e rest a v a a pe n as uma dúzi a d e v iulê n cia. A partir d a í não h ou
nos m a is t arde , as cento e t a nta
s
f abric a ntes de ap a relh os de rádi o . De nov o , h ou ve um a expl�são p:1 ra nov a s f e rro vi a s. Cin qüe nta a
iam se reduzido pa r a cin co
n o número de jorn a is fu ndados entre 1 880 e 1 900. e devera s n llll pan hi as f e rroviári as ingl esas h av
ritmo car act er izo u o
setor de maqui n aria
os j ornais esta v a m entre as i ndústri as de crescimento da épo ca. 1 1 1 1 seis. E o mesm o
e ap a re­
l ísti co , o qu ím i co, o d
Desde a P rimei ra G ue rra M u ndi a l o número de j o rn a is em todo l'k l ric a, o de t el efon e , o automob i l a " nun ca
e consu mo . A " j a n e
p a ís adi a ntado te m decrescido continu a damente. O m esmo é ve r­ l hos domésti cos e o de el etrô ni ca d
i to tempo.
dade iro para o s b an cos. Depois dos fu nda do res - os Morga ns, os I P i m u ito larg a ou ab erta p or mu
e que h o je a "jane l a
" está
Si emens, os Shibus aw a s -, h ou ve um cres cimento qu ase expl osi­ Por ém existe m pou cas dúv id a s d f erro
O "b oom" das estra da s de
vo de n ovos b anc os n os Esta dos Unidos, bem como n a Eu ropa. l i l' :im.lo· cada v ez ma is apin h ada.
I ngl at e rr a ; m a is tarde , t odo paí
s
Mas po r volta de 1 890, apen a s v inte anos depo is, ve i o a co nsoli­ dlls an o s de 1 830 c onfi nou -se à
se pa rado de um ante rio r no
dação . As firma s b an cári as começ a ram a ab ando n a r o n egóci o ou l l·ve o seu "boom" l ocal be m
pa men tos elétr icos já se e sten­
a se fu ndir. A o fin a l da Primeira G uerra M u ndi al em todo p a ís paí s vizinho. O " b oo m" dos equi do a ut0-
co mo o fez o "boom"
adi a ntado resta ram ape n a s um punhado de b ancos que'. tinham d l'll cruz ando fronte ir as nac ion a is,
Apes a r dis so, amb os se restr in­
impo rtân c ia além do nív el l oca l , foss em b ancos comerci a is ou 111úvcl vint e e cinco anos depo is.
ustri a lme nte desenvolvi do s na
priva dos . �·. i ram aos países qu e er am ind
desenv o lvid o" h o je englob a .
Ma s, a c ada vez, sem ex ceção, o sob re vivente era uma l; poca. O t erm o " i ndustrialmente
i o r. In clu i o J apão , po r e xem­
e mpr esa que começara d u rante o iníc i o do pe ríodo de expl osão . l'lll l t u<l o . um territóri o mu ito ma os chineses
o i n cl uir os t e rrit óri
Depo is que esse período termin ou , a e ntra da n o setor est a va pll l. I ncl ui o Br asil . Pode ri a l o g
I I H > V A (,'AO I·: E S P ! R ITO EMPREENDEDOR 171
1 70 PETER F. DRUCKER

não-comunistas : Hong Kong, Formosa e Singapura. Hoje a comu­ l l 1 d ; 1 mla; e assim por diante. Em 1 9 70, cada uma das grandes
nicação é praticamente instant�nea, viaja com facilidade e de­ rn 1 p rcsas individualmente estava fora dos computadores, igno-
pressa. E muitos países possuem hoje o que bem poucos pequenos 1 1 1 i 1 1iosamente. O campo foi ocupado por empresas que , ou nem
núcleos tinham há cem anos atrás : grandes quadros de gente ·.1·q 1 1 n existiam em 1 949 ou eram pequenas e marginais: I B M
treinada que podem imediatamente ir trabalhar em qualquer 11;1l t mt l mente, e a s "Sete Anãs ", a s sete menores empresas de
área da inovação baseada em conhecimento e especialmente de , , ,111pu tadores dos Estados Unidos; a ICL, a remanescente das
inovação b,aseada na ciência ou na tecnologia. 1 ·11q1 rcsas de computadores da General Electric Company, da
Esses fatos têm duas importantes implicações. P ksscy, e da Ferranti na Grã-Bretanha ; alguns fragmentos ampa­
1 - Primeiro, tanto os inovadores baseados na ciência , rados por pesados subsídios governamentais na França; e urna
como os baseados na tecnologia têm, d a mesma forma , o tempo 1·1 1111 plcta novata, a Nixdorf, na Alemanha. As empresas j apone­
,. ; , s foram amparadas durante muito tempo pelo governo.
trabalhando contra eles. Em todas as inovações baseadas noutras
fontes - o inesperado, as incongruências, a necessidade de pro­ Então, ao final da década de 70, uma segunda "janela"
cesso , mudanças na estrutura do setor, mudanças demográficas ;1hriu-sc com a invenção dos micro-chips, que levou a processa­
ou mudanças de percepção - o tempo está do lado do inovador. dPrL'. S de textos, minicomputadores, computadores pessoais e a
Em qualquer outro tipo de inovação os inovadores aspiram, com l 1 1 si10 do computador com o painel telefônico.
alguma razão , ser deixados por sua conta . Se cometerem um M as as empresas que fracassaram no primeiro round não
erro, terão tempo para corrigi-lo . E há várias ocasiões no decorrer n· l ornaram para o segundo. Mesmo os sobreviventes do primeiro
do tempo nas quais podem lançar-se no seu novo empreen.di­ rnunu ficaram fora do segundo, ou vieram tardia e relutante-
mento . I sso não ocorre com a inovação baseada no conhecimento, 111rntc. Nem a Univac, ou a Control Data, nem a Honeywell ou a
especialmente naquelas baseadas no conhecimento científico e B u r roughs, nem a Fujitsu ou a Hitachi assumiram a liderança
tecnológico . Aqui existe apenas pequeno período - a "janela" l' l l l minicomputadores ou computadores pessoais. A única exceção

- durante o qual o ingresso mal é possível. Aqui os inova­ foi a IBM, a indiscutível campeã do prime.iro round. E este tem
dores não têm uma segunda chance ; têm que estar certos na sido também o modelo de inovações anteriores baseadas em
primeira vez. O meio ambiente é implacável e não perdoa. E uma ronhccimento.
vez fechada a "janela" , a oportunidade perdeu-se para sempre. 2 - Devido a "janela" estar muito mais apinhada, qualquer
Em alguns setores de indústrias baseadas em conhecimento, inovador baseado no conhecimento tem muito menos chances
uma segunda "janela " de fato abre-se por vinte a trinta anos mais dl' sobrevivência . O número de ingressantes durante o período
ou menos depois que a primeira fechou-se . Um exemplo disso de "j anela " provavelmente será muito maior. Porém a estrutura
são os computadores. dos setores industriais, uma vez estabilizados e amadurecidos,
A primeira "janela" em computadores durou de 1 949 a parece ter permanecido extraordinariamente inalterada, pelo
1 95 5 aproximadamente. Durante esse período , no mundo, cada menos por um século até hoje. Naturalmente, existem grandes
empresa de equipamentos elétricos, individualmente, entrou no d i ferenças de estrutura entre os vários setores, dependendo da
ramo de computadores - GE, Westinghouse e RCA nos Estados l l'rnologia , necessidades de capital, facilidades de ingresso, ou de
Unidos; a British General Electric Company, Plessey e Ferranti SL' o produto pode ser despachado ou entregue localmente , e assim

na G rã-Bretanha ; Siemens e a AEG na Alemanha ; Philips na por d iante. M as a qualquer tempo, uma dada indústria qualquer
1 72 PETER F. DRUCKER 1 NOV AÇÃO E ESPIRITO EMPREENDEDOR 1 73

tem uma estrutura típica: em um dado mercado qualquer existe a DuPont seria hoje a maior e mais bem sucedida companhic1
um grande número de empresas no conjunto, um dado número química do mundo. Em 1 920, quando a "janela" abriu-se para
de grandes, de pequenas, e de especialistas. E, cada vez mais, a indústria química nos Estados Unidos, a Allied Chemicals p are­
existe apenas um só mercado para qualquer novo setor baseado cia invencível, bastando o fato de ter obtido as patentes químicas
em conhecimento, seja de computadores ou de modernas transa­ alemãs que o governo americano havia confiscado durante a Pri­
ções bancárias - o mercado mundial. meira Guerra Mundial. Sete anos depois do abalo, a Allied
O número de inovadores baseados em conhecimento que Chemicals tornara-se fraca e desgastada. Nunca mais recuperou
sobreviverá quando uma indústria amadurece e estabiliza não seu ímpeto.
é portanto maior que foi antes. Mas, em grande medida devido N inguém em 1 949 poderia ter predito que a IBM emergiria
ao surgimento de um mercado mundial e das comunicações glo­ como a gigante do computador, quanto mais que líderes grandes
bais, o número de ingressantes durante o período de "janelas" e experimentados como a GE ou a Siemens fracassassem tota,'
cresceu bastante. Quando vier o abalo a taxa de vítimas será mente. N inguém, em 1 9 1 0 óu 1 9 1 4, quando as ações de auto­
portanto muito maior do que costumava ser. E o abalo sempre móveis eram as favoritas da Bolsa de Valores de Nova York,
vem; é inevitável . poderia ter predito que a General Motors e a Ford fossem sobre­
viver e prosperar e que favoritas mundiais, corno a Packard ou
a Hup1:1obile fossem desaparecer. Ninguém, nas décadas de 1 870
O ABALO e 1 880, período no qual nasceram os grandes bancos, poderia
Ler predito que o Deutsche Bank fosse absorver dezenas de anti­
O abalo estabelece-se assim que a "janela" fecha. E a maio­ gos bancos comerciais da Alemanha e emergir como o principal
ria dos negócios de risco que começaram durante o período de hanco do país.
"janela" não sobrevive ao abalo, como já foi mostrado para
Ê razoavelmente fácil predizer que um determinado setor
indústrias de alta tecnologia de antigamente, como ferrovias,
industrial vai se tornar importante. Não existe nenhum caso
fabricantes de equipamentos elétricos e de automóveis. Neste
documentado de um setor que, atingindo a fase explosiva, a fase
momento em que estas linhas estão sendo escritas, o abalo come­
da "janela" corno a chamei, depois não tenha conseguido se tornar
çou nas empresas de microprocessadores, minicomputadores e do
u m setor relevante. A pergunta é - Quais das unidades específi­
computador pessoal, apenas cinco ou seis anos depois que a
cas desse setor serão as líderes e sobreviverão?
"janela" se abriu. Hoje, existem talvez cem empresas no setor,
somente nos Estados Unidos. Daqui a dez anos, em 1 995, é muito
pouco provável que restem mais do que uma dúzia de qualquer Este ritmo, período de grande agitação durante o qual
tamanho ou significação. 1.
e xiste também uma grande fermentação especulativa, seguida por
Mas quais sobreviverão, quais morrerão, e quais se tornarão um severo abalo , é particularmente pronunciado nos setores de
permanentemente inválidas - capazes nem de viver e nem de alta tecnologia.
morrer - é imprevisível. De fato, é fútil especular. O tamanho Em primeiro lugar, tais setores estão na ribalta e portanto
por si só pode assegurar a sobrevivência . M as, não garante sucesso a t raem muito mais ingressantes e muito mais capital que á n.::1s
quando do abalo, pois de outro modo a Allied Chemicals e não 11ia i s comuns. Também as expectativas são muito maiores. M ais

,1:. :
INOVAÇÃO E E S P f R ITO E M PR E E N D EDOR 1 75
1 74 PETER F. D R U C K E R

possuem os recursos necessários para durar mais que uma tem­


gente, provavelmente, ficou rica construindo empreendimentos
pestade curta. Essa é a razão pela qual empresas de alta tecnolo­
prosaicos, como engraxatarias ou relojoarias, do que empreendi­
gia demandam previsão financeira, até mesmo mais do que outns
mentos de alta tecnologia. No entanto, ninguém esperaria que
novas inicia tivas de risco, mas também a razão por que a previsão
os criadores de engraxataria construíssem negócios de um bilhão
financeira é até m esmo mais escassa entre os novos empreendi­
de dólares, nem os consideraria fracassados se todos construíssem
mentos da alta tecnologia do que novos empreendimentos em
uma empresa familiar sólida, mas modesta. A alta tecnologia,
geral.
pelo contrário, é um jogo de "ou tudo ou nada" , no qual o jogo do
Existe apenas uma prescrição para sobrevivência durante o
meio não tem valor algum . E isto torna a inovação de alta tecno­
abalo: a administração empreendedora (descrita nos Capítulos
logia inerentemente arriscada.
Além disso, a alta tecnologia não é lucrativa por um longo 1 2- 1 5). O que destacou o Deutsche Bank de outras instituiçõis
período de tempo . A indústria do computador começou em 1 94 7- financeiras "quentes" de sua época foi que Georg Siemens pensou
48, mas somente no início dos anos 80, mais de trinta anos a fundo e montou a primeira equipe de alta administração do
depois, ela alcançaria, no conjunto, o ponto de equilíbrio. Por mundo. O que destacou a DuPont da Allied Chemicals foi que
certo, algumas poucas empresas (praticamente todas elas ameri­ a DuPont, no início dos anos 20, criou a primeira estrutura de
canas, por sinal) começaram a ganhar dinheiro bem mais cedo. organização sistematizada do mundo, o primeiro planejamento a
E uma delas, a IBM, a líder, começou a ganhar muito dinheiro longo prazo do mundo, e o primeiro sistema de in formação e
mais cedo ainda. Mas, por todo o setor, os lucros desses poucos controle administrativo do mundo. A Allied Chemicals, ao con­
fabricantes de computadores eram mais que esmagados pelas �er­ trário, era dirigida arbitrariamente por um brilhante egomaníaco.
ríveis perdas dos demais; por exemplo, as enormes perdas que Esta, porém, não é a história toda. A maior parte das grandes
as grandes empresas internacionais de equipamentos elétricos companhias que não conseguiram sobreviver ao mais recente
sofreram em suas tentativas abortadas de se tornar fabricantes de abalo do computador, a GE e a Siemens, por exemplo, são
computadores. em geral, consideradas como tendo uma administração de pri­
Exatamente a mesma coisa ocorre em cada um dos meira ordem. E a Ford Motor Company sobreviveu, embora por
"booms" de alta tecnologia - nos "booms" das estradas de um fio, apesar de grotescamente mal administrada durante os
ferro do início do século X T X, nos " booms" da maquinaria elé­ anos do abalo.
trica e dos automóveis entre 1 880 e 1 9 1 4, nos " booms" dos A administração empreendedora é portanto, provavelmente ,
aparelhos eletrodomésticos e do rádio nos anos 20, e assim uma pré-condição de sobrevivência, mas não uma garantia disso.
por diante. E por ocasião do abalo, só os que estão dentro (e talvez nem
Uma das principais razões disso é a necessidade .de reinves­ eles) podem realmente saber se o empreendimento inovador
tir cada vez mais recursos em pesquisas, desenvolvimento téc­ baseado em conhecimento, que cresceu rapidamente por uns
nico, e assistência técnica, para permanecer na corrida. A alta poucos anos de " boom", é bem administrado, como a DuPont
tecnologia, de fato, precisa correr mais e mais depressa para ficar
o foi, ou basicamente mal administrado , como a Allied Chemicals
onde está.
o foi. Quando chegarmos a saber, provavelmente será tarde
Isto faz parte, naturalmente, de seu fascínio. Mas, também,
demais.
sign i fica que, quando vem o abalo, bem poucas empresas do setor
1 76 PETER F. DRUCKER I N OVAÇÃO E ESPtRlTO EMPREENDEDOR 1 77

A APOSTA DA RECEPTIVIDADE mesmas autoridades que em 1 948 não puderam imaginar que
as empresas porventura viessem a querer um computador, poucos
Para ser bem sucedida, uma inovacão baseada no conheci­
anos mais tarde - por volta de 1 95 5 - predisseram que o
mento deve estar "madura " ; precisa haver receptividade a ela.
computador iria "revolucionar as escolas" dentro de dez anos.
Este risco é inerente à inovação baseada no conhecimento e,
Os alemães consideram Philip Reis, e não Alexander Graham
deveras, derivação do seu poder singular. Todas as outras ino­
Bell, como o inventor do telefone. Reis, de fato, construiu um
vações exploram uma mudança que já ocorreu. Elas satisfaz�m
instrumento em 1 86 1 que podia transmitir música e estava bem
uma necessidade que já existe . Mas, na inovação baseada em
perto de transmitir a fala. Então ele desistiu, totalmente desani­
conhecimento, a inovacão' traz a mudanca, . Ela visa criar um
mado . Não havia receptividade para um telefone, nem interesse e
desejo . E ninguém pode dizer antecipadamente se o usuário vai
nem desejo. " O telégrafo é suficientemente bom para nós", era a
ser receptivo, indiferente, ou ativamente resistente .
atitude prevalecente. No entanto, quando Bell, quinze anos depois,
Por certo, existem exceções. Quem quer que seja que con­ patenteou seu telefone, houve de imediato uma reação entusiás­
siga a cura do câncer não precisa se preocupar com "receptivi­ tica. E em nenhum lugar foi maior do que na Alemanha.
dade" . Mas tais exceções são poucas. Na maioria das inovações
A mudança em receptividade nesses quinze anos não é difí­
baseadas no conhecimento, a receptividade é um jogo . E as pro­
cil de explicar. Duas guerras importantes, a Guerra de Secessão
babilidades são desconhecidas, e deveras misteriosas. Pode haver
Americana e a Guerra Franco-Prussiana, mostraram que o telé­
grande receptividade e, no entanto, ninguém notá-la. E pode não
grafo estava longe de ser "suficientemente bom". Mas o ponto
haver receptividade, ou até mesmo uma grande resistência,
verdadeiro não é porque a receptividade mudou. É que todas as
embora todos estejam convictos de que a sociedade está espe­
autoridades em 1 86 1 entusiasticamente previram uma esmaga­
rando ansiosamente pela inovação.
dora receptividade quando Reis demonstrou seu instrumento
Relatos da obtusidade dos arrogantes face a uma inovação
numa reunião científica. E todas elas estavam erradas.
a partir do conhecimento existem em abundância. Típica é a his­
Mas, é claro que as autoridades podem também estar certas,
torieta que fala de um rei da Prússia predizendo o fracasso
e com freqüência estão. Em 1 876-77, por exemplo, todas elas
daquela engenhoca em moda, a estrada de ferro, porque "Nin­
sabiam que havia receptividade, tanto para a lâmpada como para
guém vai gastar um bom dinheiro para ir de Berlim a Potsdam
o telefone - e elas estavam certas. Semelhantemente, Edison,
em uma hora, quando pode ir no seu cavalo em um dia sem
nos anos 1 880, era apoiado pela opinião dos especialistas do
gastar nada". Porém, o rei da Prússia não estava sozinho na inter­
seu tempo quando se envolveu na invenção do fonógrafo, e de
pretação errônea da receptividade à estrada de ferro ; a maioria
novo essas autoridades estavam certas em pressupor alta recep­
dos entendidos dessa época inclinava-se para a sua opinião. tividade para o novo aparelho .
E quando o computador apareceu, não houve um único'. "espe­ M as, somente a percepção posterior do fato pode nos dizer
cialista" que pudesse imaginar que as empresas iriam jamais se os peritos estão certos ou errados em sua apreciação da recep­
querer tal engenhoca. t i v idade por esta ou aquela inovação baseada no conhecimento.
O erro oposto é, contudo, igualmente comum. "Todo mundo Nem nós podemos perceber, mesmo tardiamente, por 4ue
sabe" que existe uma necessidade real, uma demanda real , u ma determinada inovação baseada no conhecimento tem rccep­
quando na realidade há total indiferença ou até resistência. As t ividade ou deixa de ter. Ninguém, por exemplo, pode explicJr
,.

1 78 PETER F. DRUCKER
I N OVAÇÃO E ESPIR ITO EMPREENDEDOR 179
por que a soletração fonética tem sido tão tenazmente resistida. computadores pessoais hoje e m dia, o u biotecnologia. Em con­
Todos concordam que a soletração não fonética é um dos princi­ traste, áreas que não estão na "onda" têm riscos muito menores,
pais obstáculos para se aprender a ler e a escrever, que ela força no mínimo porque existe mais tempo. E em inovações onde a
as escolas a dedicarem um tempo excessivo para a habilidade de base do conhecimento não é ciência ou tecnologia - inovações
leitura e é responsável por um número desproporcionado de sociais, por exemplo -, os riscos são ainda mais baixos. Mas,
insuficiências de leituras e traumas emocionais das crianças. riscos elevados são inerentes na inovação baseada em conheci­
O conhecimento de fonética existe há pelo menos um século. mento. É o preço que temos que pagar por seu impacto, e acima
Existem meios para levar a cabo a soletração fonética nas duas de tudo pela sua capacidade de provocar mudança, não somente
línguas nas quais os problemas são mais agudos: um número, seja cm produtos e serviços, mas na maneira como vemos o mundo,
qual for, de alfabetos fonéticos para o inglês, e, bem mais nosso lugar nele e, eventualmente, a nós mesmos.
antigo, textos kana de quarenta e oito sílabas, em japonês. Para Apesar disso, mesmo os riscos de inovações de alta tecno­
ambos os países, há exemplos à vontade de mudança bem suce­ logia podem ser substancialmente reduzidos, integrando o novo
dida para uma escrita fonética. Os ingleses têm o modelo da conhecimento como fonte de inovação com uma das outras fontes
reforma alemã de soletração de meados do século XIX ; os japo­ definidas anteriormente, o inesperado, as incongruências, e espe­
neses, a igualmente bem sucedida, e muito anterior, reforma rialmente a necessidade de processo. Nessas áreas, a receptividade,
fonética da escrita coreana. No entanto, em nenhum desses países, ou já foi estabelecida, ou pode ser testada com razoável facilidade
existe a menor receptividade para uma inovação que, poder-se-ia l' com boa confiabilidade. E também nessas áreas, o conheci­
dizer, é extremamente necessária, eminentemente racional, prova­ rncnto ou conhecimentos, que precisam ser produzidos para
da na prática como sendo segura, bastante fácil e eficaz. Por quê? complementar uma inovação, podem usualmente ser definidos
Sobram explicações, mas ninguém realmente sabe. :om uma considerável precisão. É por este motivo que a "pes­
Não há meios para eliminar o elemento do risco, nem meios quisa programada" está se tornando tão popular. Porém, mesmo
sequer para reduzi-lo . A pesquisa de mercado não funciona - a pesquisa programada demanda uma grande dose de sistema
não se pode fazer pesquisa de verdade sobre algo que não existe. r autodisciplina, e precisa ser organizada, e ter um propósito
A pesquisa de opinião é provavelmente não apenas inútil mas dl'terminado.
passível de causar danos. Pelo menos é o que indica a experiência As demandas sobre os inovadores baseados em conhecimento
com a " opinião de especialistas' ' sobre a receptividade à inovação s i 1 0 , portanto, muito grandes. Elas também são diferentes daque­
baseada no conhecimento. l as em outras áreas de inovação. Os riscos que enfrentam são
Apesar disso, não há escolha. Se queremos a inovação l ambém diferentes; o tempo, por exemplo, não está a seu lado.
baseada no conhecimento, devemos apostar na receptividade Mas se os riscos são maiores, também o são as recompensas
a ela. ,. potenciais. Os outros inovadores podem colher uma fortuna.
( > i novador baseado no conhecimento pode esperar também pela
1'11 111a.
Os riscos são maiores nas muvações baseadas nos conheci­
mentos da ciência e tecnologia. Eles são particulat mente elevados,
naturalmente, nas inovações que são atualmente "quentes" -
1

a
,...... �
A
Idéia
Brilhante

,...
-,---'I

Inovações baseadas em uma idéia brilhante


provavelmente são mais numerosas do que todas
as demais categorias somadas. Sete ou oito em
cada dez patentes se enquadram aqui, por exem­
plo. Uma proporção bastante pronunciada de
novos negócios descritos em livros sobre empreen­
dedores e o espírito empreendedor é construí­
da em torno de "idéias brilhantes": o zíper, a
caneta esferográfica, a lata spray de aerosol, a
lingüeta para abrir latas de refrigerantes e cerveja,
e muitos outros. E o que é chamado de pesquisa
em muitas empresas objetiva encontrar e explorar
idéias brilhantes, seja por um novo sabor de cereais
do café da manhã ou de refrigerantes, por uma
sapatilha de corridas, ou por ainda mais um ferro
,, de passar que não chamusque roupas.
No entanto, idéias brilhantes são as mais
arriscadas e as menos bem sucedidas fontes de
oportunidades inovadoras. A taxa de perdas é enor­
me. Não mais que uma de cem patentes para uma
181

'""'"
182 PETER F. DRUCKER INOVAÇÃO E ESP!R ITO E MP R E E N DEDOR 1 83

inovação desse tipo produz receita suficiente para repor os custos gráfica. E há centenas de inventores por aí que têm quarenta
de desenvolvimento e taxas de patente. Uma proporção muito patentes em seu nome, e nenhuma deu certo . Os inovadores, na­
menor, talvez até mesmo de uma entre quinhentas, produz qual­ turalmente, melhoram com a prática. Mas somente se praticarem
quer receita acima do dinheiro desembolsado. o método certo, isto é, se basearem seu trabalho numa análise
E ninguém sabe quais idéias, para uma inovação baseada sistemática das fontes de oportunidade inovadora.
numa idéia brilhante, têm alguma chance de ser bem sucedidas As razões, tanto para a imprevisibilidade como para a alta
e quais provavelmente serão fracassos. Por que o aerosol pôde taxa de fracassos, são bastante óbvias. As idéias brilhantes são
dar certo, por exemplo? E por que uma dúzia ou mais de inven­ vagas e ilusórias. Duvido que alguém, exceto o inventor do zíper,
ções similares para b orrifamento uniforme de partículas falharam jamais pensasse que botões e colchetes fossem inadequados p ara
melancolicamente? Por que uma chave ingl�sa universal vende e prender roupas, ou que alguém, se não o inventor de caneta esfe­
a maioria de muitas outras desaparece? Por que o zíper tem rográfica, pudesse ter definido o quê, se é que houvesse alguma
aceitação e praticamente substituiu os botões, embora tenda a coisa , era insatisfatório naquela invenção do século X IX, a caneta­
emperrar? (Afinal, um zíper emperrado em um vestido, paletó tinteiro . Que necessidade foi satisfeita pela escova de dentes
ou calça pode ser bem embaraçoso.) elétrica, um dos sucessos de, mercado dos anos 60? Afinal de
Tentativas para melhorar a previsibilidade de inovações contas, ela ainda precisa ser segurada na mão.
baseadas em idéias brilhantes não têm dado resultados satisfa­
E mesmo que a necessidade possa ser definida, a solução
tórios.
não pode geralmente ser especificada . Talvez não seja tão difícil
Igualmente sem resultados têm sido as tentativas de identi­
imaginar que quem esteja sentado dentro de seu automóvel
ficar os traços pessoais, comportamento, ou hábitos que fazem
parado num congestionamento de trânsito gostaria de alguma
de alguém um inovador bem sucedido. "Inventores bem suce­
distração. Mas, por que então o pequeno televisor que a Sony
didos", diz um velho adágio, "estão sempre inventando. Eles
jogam com a sorte, e, se tentarem o bastante, acertarão". lançou em 1 965 para atender a essa necessidade fracassou no
Essa crença de que se ganha com idéias brilhantes somente mercado , ao passo que os muito mais caros rádios-estéreos de
se se continua tentando, contudo, não é mais racional do que a carros deram certo? Em retrospecto , é fácil responder a isso.
falácia popular de que para ganhar a sorte grande em Las Vegas Mas teria sido possível respondê-lo quando era ainda uma pers­
basta ficar puxando a alavanca das máquinas caça-níqueis. Aliás, pectiva?
a máquina está fraudada para que a casa ganhe 70 por cento das O 'empreendedor faria bem , portanto, em renunciar u ino­
vezes. Quanto mais vezes se puxa a alavanca, mais vezes se vações b aseadas em idéias brilhantes, por mais atraen l cs que
perde. Na verdade, não existe evidência empírica p ara à· crença sejam os casos de sucesso . Afinal de contas, alguém ganha I I sorte
de que a persistência se paga ao perseguir a " idéia brilhante" , grande nas máquinas caça-níqueis de Las Vegas todu scm11 1 rn . e
da mesma forma como não h á evidência d e qualquer "sistema " no entanto o melhor que um jogador de caça-níqucis pode r azer
que ganhe das máquinas caça-níqueis. Alguns eventos que logra­ é tentar não perder mais do que pode se permiti r. Os empreen­
ram êxito tiveram apenas uma única idéia brilhante e saíram dedores sistemáticos e determinados analisam as áreas siste­
de cena : o inventor do zíper, por exemplo, ou da caneta esfero- máticas, as sete fontes que discuti nos Capítulos 3 a g ,
P ET E R F. D R UC K E R
I NOVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 1 85
1 84
países desenvolvidos, especialmente nos Estados Unidos, de
O que existe nessas áreas é suficiente para manter ocupado
desencorajar o indivíduo que tenta apresentar uma i novação de
um empreendedor, e qualquer empresa ou instituição de serviço idéia brilhante ,aumentando as taxas sobre patentes, por exem­
público empreendedora. Na realidade, há muito mais do que é plo) e geralmente a desencorajar patentes corno sendo "anticom­
possível a alguém explorar totalmente. E nessas áreas nós sabe­ petitivas" demonstra visão acanhada e deletéria .
mos como olhar, o que procurar e o que fazer.
Tudo que se pode fazer pelo inovador que busca idéias
brilhantes é dizer a ele o que fazer no caso de sua inovação,
contra todas as probabilidades, dar certo. Então as regras para
novas iniciativas de risco se aplicam (vej a Capítulo 1 5 ). E esta
é, claro, a razão por que na literatura sobre a atividade de em­
preender se fala tanto sobre como iniciar e levar avante um novo
empreendim�nto, mais do que sobre a inovação em si.
E no entanto, uma economia empreendedora não pode alti­
vamente rejeitar a inovação b aseada numa idéia brilhante. A
i novação individual deste tipo não é predizível , não pode ser
organizada , não pode ser sistematizada, e fracassa na maioria
esmagadora dos casos. Também , muitas e muitas são triviais
desde o início. Há sempre mais pedidos de patente para novos
abridores de latas, para novos prendedores de perucas, e para no­
vas fivelas de cintos do que para qualquer outra coisa. E, em qual­
quer lista de novas patentes, há sempre pelo menos um aquecedor
para pés que pode servir também de toalha de prato. No entanto,
o volume de tal inovação da idéia brilhante é tão grande que a
diminuta porcentagem de sucessos representa uma substancial
fonte de novos negócios, novos empregos e nova capacidade de
desempenho para a economia.
Na teoria e prática de inovação e empreendimento, a inova­
ção de idéia brilhante pertence ao que é acessório. Mas deve
ser apoiada e recompensada . Ela representa qualidades ,. que a
sociedade necessita : iniciativa , ambição e engenho. Pouco pode
fazer a sociedade, talvez, para promover essa inovação. 'Não se
pode promover o que não se compreende. Mas, pelo menos, a
sociedade não deve desencorajar, penalizar ou dificultar essas
i novações. Vista sob esta perspectiva, a recente tendência nos
,. 4 Í1li Princípios
,. n=- de
� 1
Inovação
- o
,-....E
Q.
ü 11
I
Todos os médicos experimentados já presen­
ciaram "curas milagrosas" . Pacientes sofrendo de
doenças terminais recuperam-se repentinamente,
às vezes espontaneamente, às vezes indo a curan­
deiros, ou passando para alguma dieta absurda ou
dormindo durante o dia e se movimentando a noite
toda. Somente um intolerante negaria que tais
curas existem e as descartariam como "não-cientí­
ficas". Elas são bastante reais. No entanto, ne­
nhum médico vai colocar curas milagrosas em um
livro-texto ou em um curso para estudantes de
Medicina. Elas não podem ser reproduzidas, nem
ensinadas e nem aprendidas. Também são extre­
mamente raras; afinal de contas, na enorme maio­
j__
ria dos casos terminais, as pessoas realmente
morrem.
,. Similarmente, há inovações que não provêm
das fontes descritas nos capítulos anteriores, ino­
vações que não são de5envolvidas de nenhum
modo organizado, propositado e sistemático.
187
PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ES PIR ITO EMPREENDEDOR
1 88 1 89

Existem os inovadores que são "beijados pelas Musas", e cuj as acionar o pistão, o que obstruía tanto o cilindro, que este precisava
inovações resultam de um "lampejo de gênio" e não de trabalho ser desmontado e limpado depois de cada curso. A idéia de
árduo, sistemático e deliberado. Mas, tais inovações não podem Boyle permitiu, primeiro a Denis Papin (que fora assistente . de
ser reproduzidas. Não podem ser ensinadas, e não podem ser Boyle na construção do motor à pólvora), depois Newcomen,
aprendidas. Não existe maneira de ensinar alguém a ser um gênio. e, finalmente Watt, a desenvolver um motor de combustão que
Mas, também, contrariando a crença popular no romance de funcionasse. Tudo que Boyle, o gênio, teve foi uma idéia lumi­
invenção e inovação, os "lampejos de gênio" são incomumente nosa. Ela pertence à história das idéias e não à história da tec­
raros. Pior ainda, eu não conheço nenhum "lampejo de gênio" nologia ou da inovação.
que tivesse resultado em inovação. Todos permaneceram como A inovação sistemática resultante da análise, sistema e
idéias luminosas. trabalho árduo é tudo que pode ser discutido e apresentado como
O maior gênio inventivo nos anais da história foi certamente a prática da inovação. Mas isso é tudo que precisa ser apresen­
Leonardo da Vinci. Há uma idéia surpreendente, um submarino tado, pois cobre pelo menos 90 por cento de todas as inovações
ou helicóptero ou forja automática, em cada página de suas ano­ eficazes. E o realizador extraordinário em inovação, como em
tações. Mas nenhuma delas poderia ter-se convertido em uma qualquer outra área , somente será eficaz se apoiado na disciplina
inovação com a tecnologia e materiais de 1 SOO. Na verdade, e dominá-la .
para nenhuma delas teria havido qualquer receptividade na Quais são então os pri ncípios de inovação que representam
sociedade e economia da época . o núcleo da disciplina? Há um certo número de "faça ", coisas
Toda criança de escola ouviu falar de J ames Watt como o que têm que ser feitas. Também há alguns "não faça", coisas que
"_i nventor" da máquina a vapor, o que ele não foi. H istoriadores é melhor que não sejam feitas . E ainda há o que eu chamaria
de tecnologia sabem que Thomas Newcomen, em 1 7 1 2, cons­ de "condições ".
truiu a primeira máquina a vapor que realmente realizou traba­
lho útil: ela bombeou a água de uma mina de carvão inglesa .
Esses dois homens eram inovadores organizados, sistematizados
e deliberados. A máquina a vapor de Watt, em particular, é o
verdadeiro modelo de uma inovação na qual o conhecimento
II.
recém-acessível (como mandrilar um cilindro liso) e o projeto
de um "elo que faltava " (o condensad9r) foram combinados em OS " FAÇA "
uma inovação baseada na necessidade do processo, cuj a recepti­
vidade fora criada pelo motor de Newcomen (vários milhares 1 - A inovação deliberada e sistemática conH:<,:,1 rn11 1 . i
deles já estavam em uso). Porém, o verdadeiro "inven'tor" do análise das oportunidades. Começa com a cogi ta<,:iio do l j l l l'
motor de combustão, e com ele do que chamamos de tecnologia :hamei de fontes de oportunidades inovadoras. Em ,111os d i fe­
moderna, não foi nem Watt, nem Newcomen. Foi o grande quí­ rentes, fontes di ferentes terão importância difere n t e em l ll',1sÍ( lL'S
mico anglo-irlandês Robert Boyle, que o fez num "lampejo de di ferentes. As mudanças demográficas, por exemplo, podl'rn sl' r
gênio" . Só que o motor de Boyle não funcionou e não poderia ter u bjeto de poucas preocupações para inovadores l'm procl'ssos
funcionado. Isto porque Boyle usou a explosão de pólvora para in<lustriais básicos, para alguém que esteja buscanuo, por L'xc111-

�..
1 90 PETER F. DRUCKER INOVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 191
plo, "o elo que falta" em um processo de fabricação de papel, não pode ser consertado o u ajustado. Todas as inovações eficazes
onde existe uma visível incongruência entre realidades econômi­ são surpreendentemente simples. Na verdade, o maior elogio
cas. Comprovando o que digo, o conhecimento pode ter rele­ que uma inovação pode receber é haver quem diga : "Isto é
vância muito pequena para alguém que esteja criando um novo óbvio. Por que não pensei nisso? "
instrumento social para satisfazer uma necessidade provocada Até mesmo a inovação que cria novos usos e novos merca­
pelas mudanças demográficas. Porém, todas as fontes de oportu­ dos deve ser dirigida para uma aplicação específica, clara e
nidade inovadora devem ser sistematicamente analisadas e siste­ deliberada. Deve ser central izada numa necessidade específica,
maticamente estudadas . Não basta estar alerta a elas. A busca
a qual ela satisfaz, num resultado final específico, o qual ela
tem que ser organizada, e deve ser feita em base ordeira e produz.
sistemática.
4 - As inovações eficazes começam pequenas. Não são
2 - A inovação é tanto conceituai como perceptual . O se­
grandiosas. Procuram fazer uma coisa específica . Pode ser o de
gundo imperativo de inovação é portanto sair para olhar, per­
permitir a um veículo em movimento puxar força elétrica quando
guntar e escutar. I sto não pode ser realçado em demasia. Os
estiver correndo sobre trilhos - a inovação que possibilitou o
inovadores bem sucedidos usam tanto o lado direito como o lado
bonde elétrico. Ou, pode ser tão elementar quanto o de colocar
esquerdo de seu cérebro. Eles deitam os olhos em números, e
o mesmo número de fósforos numa caixa de fósforos (costumava
em pessoas. Eles elaboram analiticamente o que a inovação
ser cinqüenta), o que possibilitou . o enchimento automático das
precisa ser para satisfazer a uma oportunidade. E, aí, saem a
l·aixas de fósforos, e deu aos originadores suecos da idéia um
campo e olham os clientes, os usuários, para saber quais são
monopólio mundial de fósforos por quase um século. Idéias
suas expectativas, seus valores, suas necessidades.
g randiosas, planos que almejam "revolucionar uma indústria ",
A receptividade pode ser sentida, assim como os valores.
d i ficilmente vão dar certo .
Pode-se perceber que esta ou aquela abordagem não se enqua­
E melhor que as inovações comecem pequenas, exigindo ini­
drará nas expectativas ou hábitos das pessoas que precisam
rial mente pouco dinheiro , pouca gente, e somente um mercado
usá-la. E aí alguém pode perguntar: " O que esta inovação
pl'q ucno e limitado . De ou(ro modo não há tempo suficiente para
tem que refletir, de modo que os que vão usá-la vão querer
f 111.er todos os ajustamentos e mudanças que são quase sempre
usá-la, e ver nela sua oportunidade ? " De outra maneira, pode-se
l ll'lTssárias para uma inovação ter êxito . Inicialmente, as inova­
correr o risco de ter a inovação certa da forma errada, como
�·1 1l· s raras vezes estão mais do que "quase certas". As mudanças
aconteceu com o principal produtor de programas de compu­
1 wrl'ssárias só podem ser feitas se a escala for pequena e as
tadores para o ensino nas escolas americanas, cujos programas
dl'llian<las por pessoas e dinheiro bem modestas.
excelentes e eficazes não foram utilizados por professores aterro­
'; - Mas, e este é o último "faça ", uma inovação bem suce­
rizados pelo computador, que viam a máquina como algo , que,
· d i d u visa a liderança. Não visa necessariamente a se tornar even-
em vez de lhes ser útil, os ameaçava.
1 1 111l111rntc um "grande negócio"; de fato, ninguém pode predizer
3 - Uma inovação para ser eficaz precisa ser simples e
111,· 1 1 1 1 1a inovação terminará como uma grande empresa ou uma
tem que ser concentrada . Ela deve fazer somente uma coisa, eis n·11 l i 1.111,:iío modesta. Porém, se uma inovação não visar a l iderança
que , em caso contrário , ela confunde. Se não for simples, ela
1 h- M k o início, dificilmente ela será suficientemente inovadora, e
não funciona. Tudo que é novidade corre perigo ; se complicado,
111 •1'1 1 1 1 1 1 0 dificilmente terá condições de se estabelecer. As estra-
192 PETER F . DRUCK E R I N OVAÇÃO E ESPf R I TO EMPREENDEDOR 1 93

tégias (a ser discutidas no Capítulo 16 até o 1 9) variam muito, energia concentrada de um esforço unificado para mantê-la. Ela
desde as que visam o domínio de um setor industrial ou um também requer que as pessoas que a põem em ação compreen­
mercado, até aquelas que visam encontrar e ocupar· um pequeno dam-se umas às outras, e isto, da mesma forma, requer uma uni­
"nicho ecológico" em um processo ou mercado. Mas todas as dade, um núcleo comum. Isso, também, é posto em perigo pela
estratégias empreendedoras, isto é, todas as estratégias que visam diversidade e dispersão.
explorar uma inovação, devem conseguir a liderança dentro de 3 - Finalmente, não tente inovar para o futuro. Inove para
um dado meio. Senão, elas simplesmente irão criar uma oportu­ o presente! Uma inovação pode causar um impacto de longo
nidade para a concorrência. alcance; ela pode não alcançar sua maturidade completa senão
vinte anos mais tarde. O computador, como vimos, não começou
realmente a ter qualquer impacto mensurável sobre como se
faziam negócios até o início dos anos 70, vinte e cinco anos
III depois que os primeiros modelos entraram em operação. Mas,
desde o primeiro dia, o computador tinha algumas aplicações
específicas correntes, seja em cálculos científicos, folhas de
OS " NÃO FAÇA " pagamento, ou simulação para treinamento de pilotos de aviões.
Não basta sermos capazes de dizer: "Daqui a vinte e cinco anos
E agora, alguns importantes "Não Faça". vai haver tanta gente idosa que eles vão precisar disto". Deve-
1 - O primeiro é simplesmente não tentar ser engephoso 111os ter condições de dizer: "Existe tanta gente idosa por aí,
demais. As inovações precisam ser manipuladas por seres huma­ hoje, que isto fará diferença para eles. Naturalmente, o tempo
nos normais, e se é que vão chegar a um tamanho ou impor­ l's l .í do nosso lado - em vinte e cinco anos vai haver muito
tância qualquer, por tolos ou quase tolos. A incompetência, 111ais ". Porém, a não ser que haja uma imediata aplicação no
afinal, é a única coisa em abundância e oferta jamais esgotadas. prL·sente, uma inovação é como os desenhos das anotações de
Algo demasiadamente engenhoso, seja em design ou execução, 1 L'Onardo da Vinci, uma "idéia brilhante" . Muito poucos de nós
quase com certeza falhará.
l l'111 o gênio de Leonardo e pode esperar que apenas por nossas
2 - Não diversifique, não se disperse, não tente fazer coisas
111 1l ltações asseguremos a imortalidade.
demais logo de início. Este é, naturalmente, o corolário ao
O primeiro inovador que aprendeu esta terceira advertência
"Faça" : Concentre ! Inovações que desgarram do núcleo pro­
l 1 1i provavelmente Edison. Um em dois dos inovadores de sua
vavelmente tornar-se-ão difusas. Permanecem sendo idéias e não
1'pl lrn começou a trabalhar por volta de 1 860 ou 1 865 no que
se transformam em inovação. O núcleo não precisa ser, tecnologia
1' Vl'llt11almente resultou na l âmpada elétrica. Edison esperou dez
ou conhecimento. Na verdade, o conhecimento do mercado pro­
porciona um melhor núcleo unitário em qualquer empreendi­ 111 11 1s até que o conhecimento se tornasse acessível ; até aquele
mento, seja empresarial ou instituição de serviço público, do p1 1 1 1 l l l , o trabalho na lâmpada elétrica pertencia "ao futuro". Mas,
que conhecimento ou tecnologia. Mas é preciso haver um núcleo 1 p 11111do o conhecimento passou a ser acessível - quando, cm
unitário para os esforços inovadores, ou eles provavelmente 1 11 1 1 rns palavras, a l âmpada elétrica pôde tornar-se "o presente "

irão se dispersar por todos os lados. Uma inovação precisa da , 1 :d ison organizou suas tremendas energias e um pessoal extre-
1 94 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 1 95

mamente competente e concentrou-se por uns poucos anos na­ claro, a inovação não é diferente de outro trabalho. Mas em
quela oportunidade inovadora . inovação pode ser mais importante construir a partir de nossos
Às vezes, as oportunidades inovadoras têm longos intervalos pontos fortes por causa dos riscos de inovação e o prêmio que
de espera. Na pesquisa farmacêutica , dez anos de trabalho de resulta em conhecimento e capacidade de desempenho. E, em
pesquisa e desenvolvimento de maneira alguma é incomum, ou inovação, como em qualquer outra iniciativa de risco, deve haver
particularmente demorado. Mesmo assim, nenhum laboratório t ambém um " ajuste" temperamental. Os negócios não se saem
farmacêutico sonharia em iniciar um projeto de pesquisa para hem em algo que eles não respeitam realmente. Nenhum labo­
algo que não tenha, se bem sucedido, aplicação imediata como ratório farmacêutico - dirigido como deve ser, por gente com
um medicamento para problemas de saúde já existentes. mentalidade científica que se vê como "seria" - tem se saído
hem em algo tão "frívolo" como batões ou perfumes. Os inova­
dores, semelhantemente, precisam estar temperamentalmente afi­
TR:f:S CONDIÇÕES nados com a oportunidade inovadora. Ela deye ser importante
ç fazer sentido para eles. De outro modo, eles não se disporão
Finalmente, existem três condições. Todas elas são óbvias,
: 1 0 trabalho persistente, árduo e frustrante que a inovação bem
mas freqüentemente são negligenciadas.
su cedida sempre exige.
1 - Inovação é trabalho. Ela requer conhecimento. Com
3 - E, finalmente, a inovação é um efeito na economia e
freqüência, requer muito engenho . Claramente existem pessoas
sociedade, mudança no comportamento de clientes, de profes­
que são inovadores mais talentosos do que os demais. Também,
'.i1 ,res, de fazendeiros, de oftalmologistas - das pessoas em geral.
os inovadores raramente trabalham em mais de uma área.
( >11 ela é uma mudança em um processo, isto é, na maneira
Mesmo com toda sua tremenda capacidade inovadora, Edison
rnmo as pessoas trabalham e produzem algo. Portanto, a inovação
somente trabalhou no campo da eletricidade. E um inovador em
:,(·111 pre precisa estar junto ao mercado, concentrada no mercado,
áreas financeiras, Citibank em Nova York, por exemplo, difi­
v . deveras, guiada pelo mercado.
cilmente aventurar-se-ia em inovações no varejo ou na assistência
médica. Em inovação, tanto como em qualquer outro trabalho,
existe talento, existe engenho e existe predisposição. Porém, O INOVADOR CONSERVADOR
quando tudo for dito e feito, a inovação torna-se um trabalho
árduo, concentrado e deliberado, demandando muito em dili­ l lá um ano ou dois, participei de um Simpósio sobre entre­
gência , em persistência e em comportamento. Se esses estão / 1 n ·11rnrship, no qual dentre os oradores havia vários psicólogos.
faltando, nenhuma magnitude de talento, engenho ou conheci­ 1 : 1 1 1 hura os trabalhos que apresentaram divergissem em tudo mais,
mento será de proveito.
' t 1 1dus eles falaram de uma "personalidade empreendedora", que
2 - Para alcançarem êxito, os inovadores precisam 'valer-se n11 l';1racterizada por uma propensão para assumir riscos.
de seus pontos fortes. Os inovadores bem sucedidos vêem as l l m empreendedor e inovador bem conhecido e bem suce­
oportunidades com larga amplitude. E aí perguntam: " Quais d i d 1 , . q ue, a partir de uma inovação baseada em processo, chegou
dessas oportunidades é conveniente a mim, se ajusta a esta empre­ 11 rn11stru i r um substancial negócio de âmbito mun dial, n um
sa, põe a trabalhar aquilo em que nós (ou eu) somos bons, e pn 1udu de v i nte e cinco anos, foi então solicitado a comentar o
que mostrou condições para desempenho?" A esse respeito, é 11• , •, 1 1 1 1 t l 1 . D i sse ele : "Sinto-me desconcertado pelos seus trabalhos.
1 96 PETER F: Ç>RUCKER
í"r- - -1
1

li
Creio que conheço tantos inovadores e empreendedores como PARTE
qualquer outro, a começar por mim. Jamais vi-me frente a uma
'personalidade empreendedora '. Os que alcançaram êxito, que - -
conheci , todos têm porém uma coisa, e somente uma, em comum :
eles não são 'assumidores de riscos '. Eles procuram definir os
i...,.
riscos que têm que incorrer e minimizá-los o quanto for possível.

11 - 1

De outra forma, nenhum de nós poderia ter obtido êxito. Quanto


a mim, se eu tivesse desejado assumir riscos, eu teria ingressado
no ramo de imóveis ou no mercado de commodities , ou teria me
tornado o pintor profissional que minha mãe queria que eu
fosse".
I sto está de acordo com a minha própria experiência. Eu
também conheço muitos inovadores e empreendedores . Nenhum
deles tem uma "propensão " para assumir riscos .
A imagem popular dos inovadores - metade psicologia
popular, metade Hollywood - os faz parecer uma mistura de A PRÁTICA DO
Super-homem e Cavaleiros da Távola Redonda. Aliás, a maioria
deles, na vida real, são figuras nada românticas, e com muito EMPREENDIMENTO
maior probabilidade estarão passando horas numa projeção êle
fluxo de caixa do que procurando "riscos". Claro que a inovação
é arriscada. Mas também é arriscado subir no carro para ir até
o supermercado comprar pão . Toda atividade econômica é, por A administração empreendedora exige admi-
definição, de "alto risco". E defender o ontem, isto é, não inovar, 11st ração diferente daquela que existe. Mas, como
é muito mais arriscado do que fazer o amanhã. Os inovadores ,, ,·xistente, ela requer administração sistemática,
que conheço são bem sucedidos na medida em que definem riscos 1r1:a11izada e deliberada. E, embora as regras bási­
·11s sejam as mesmas para qualquer organização
e os confinam. São bem sucedidos na medida em que eles siste­
maticamente analisam as fontes de oportunidades inovadoras, e ,·11111rccndedora, a empresa em atividade, a institui­
'1 /1 1 de serviço público e as novas iniciativas de
aí localizam precisamente a oportunidade e a exploram. Essas
i ., , . ,, apresentam desafios diferentes, têm proble-
oportunidades podem ser as de risco pequeno e claramente defi­
111,1s diferentes e precisam se resguardar de ten-
nível, tais como as de exploração do inesperado ou da necessi­
1/1 1 11, ·ias degenerativas diferentes. E há necessidade
dade de processo, ou oportunidades de risco muito maior, mas
1,1111/J,;111 de que todos os .empreendedores enfren·-
ainda definível, como a inovação baseada em conhecimento.
1,,,11 , ·0111 determinação decisões sobre seus próprios
Os inovadores de sucesso são conservadores . Eles têm que
1•,111,;i.,· ,. seus próprios compromissos. !

ser. Eles não se concentram nos "riscos" e sim nas "oportuni­


dades ". 1 97

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C\l rt
Administração
.,.. Empreendedora

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...
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O empreendimento se baseia nos mesmos


princípios, tanto se o empreendedor é uma grande
instituição existente ou se é um indivíduo que está
começando seu novo negócio sozinho. Não faz dife­
rença alguma se o empreendedor é uma empresa
ou uma organização de serviço público sem fins
lucrativos, nem sequer se o empreendedor é uma
instituição governamental ou não-governamental.
As regras são quase as mesmas, as coisas que fun­
cionam e as que não funcionam são quase as
mesmas, como o são os tipos· de inovação e onde
procurá-los. Em cada caso há uma disciplina que
poderíamos chamar de Administração Empreende­
dora.·
No entanto, a empresa existente enfrenta
,. problemas, limitações e restrições diferentes do
empreendedor só, e precisa aprender coisas dife­
rentes. A empresa existente, para super-simplificar,
sabe como administrar, mas precisa aprender como
ser empreendedora e como inovar. A instituição
199
200 PETER F. D RUCKER I N OVAÇÃO E ESPlRITO EMPREENDEDOR 20 1

de serviço público sem fins lucrativos, também, enfrenta proble­ sas existentes - especialmente as de grande porte - devido à ino­
mas diferentes, tem necessidades diferentes, e tem inclinação para vação, a "destruição criativa" pelo inovador, na famosa frase de
cometer erros diferentes. E o negócio novo de risco precisa apren­ Joseph Schumpeter, representa uina ameaça social genuína ao
der como ser empreendedor e como inovar, mas, acir,ia de tudo, emprego, à estabilidade financeira, à ordem social e à responsa­
aprender como administrar. bilidade governamenta 1.
Para cada um desses três : As empresas hoje estabelecidas precisarão mudar, e mudar
muito, em qualquer situação. Dentro de vinte e cinco anos (veja
a empresa em atividade, Capítulo 7), todo país não comunista desenvolvido industrial­
a instituição de serviço público , mente verá a força de trabalho operário empregada na fabricação
a nova empresa de risco , se reduzir para um terço da atual, enquanto a produção resultante
é preciso desenvolver um guia específico para a prática do empre­ aumentará três ou quatro vezes - um desenvolvimento que terá
endimento. O que cada um tem que fazer? Para o que cada u m paralelo no desenvolvimento em agricultura nos países industria­
tem que estar atento? E o que , para cada um, será melhor lizados não comunistas, durante os vinte e cinco anos depois da
evitar? Segunda Guerra Mundial. Tendo em vista a estabilidade e lide­
rança numa transição dessa magnitude, as empresas de hoje têm
Logicamente, a discussão poderia começar com o novo negó­
que aprender como sobreviver e, deveras, como prosperar. E isso
cio, assim como, logicamente, o estudo da Medicina poderia come­
elas só poderão fazer se aprenderem a ser empreendedoras bem
çar com o embrião e o recém-nascido. Porém, o aluno de Medi­
sucedi das.
cina começa estudando a anatomia e a patologia do adulto. As6im,
Em muitos casos, a capacidade de empreender necessária
para a prática de empreendimento, da mesma forma, é melhor
só pode provir de empresas em atividade. Alguns dos gigantes
começar discutindo o "adulto", isto é, a empresa já funcionando,
atuais podem bem não sobreviver aos próximos vinte e cinco
e as diretrizes, práticas e problemas pertinentes à sua adminis­
anos. Mas sabemos agora que a média empresa está particular­
tração e o espírito empreendedor.
mente bem posicionada para ser um empreendedor e inovador
As empresas de hoje, especialmente as grandes, simples­ bem sucedido, desde que ela apenas se organize para a adminis­
mente não sobreviverão neste período de rápida mudança e ino­ tração empreendedora. É a empresa em operação, a de tamanho
vação a não ser que adquiram uma competência empreendedora. médio, não a pequena, que estará mais capacitada para a lide­
A esse respei to, o final do século X X é totalmente diferente do rança empreendedora. Ela possui os recursos necessários, espe­
último grande período empreendedor na história econômica, os l' i almente os recursos humanos. Ela já adquiriu a competência
cinqüenta ou sessenta anos que terminaram com a deflagração ndministrativa e construiu uma equipe administrativa. Ela tem
da Primeira Guerra Mundial. Não existiam muitas grandtl,s empre­ t anto a oportunidade como a responsabilidade para a adminis­
sas nesses anos, e nem mesmo muitas de tamanho médio. H oje, t ra ção empreendedora eficaz.
não é somente de interesse próprio de muitas grandes empresas O mesmo é verdade para as instituições de serviço públ ico .
existentes aprender a administrar para empreender ; elas têm a l' especialmente para aquelas que desempenham funções não pol í­
responsabilidade social de fazer isso. Num contraste marcante t il·as , sejam elas de propriedade do governo e financiadas por
mm a situação de um século atrás, a rápida destruição de empre- rl 'rnrsos de impostos, ou não ; para hospitais, escolas e univcrsi

l
PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESP1RITO EMPREENDEDOR 203
202

dades; para os serviços públicos dos governos municipais, agên­ i nstituições de serviço público têm tanto uma oportunid ade como
cias comunitárias e organizações voluntárias, como a Cruz Ver­ t 1 111a responsabilidade para ser empreendedoras e para inovar.
melha, os Escoteiros, e as Escoteiras; para igrejas e organizações Mas, precisamente por serem instituições de serviço público,
l igadas a elas ; e também para associações profissionais de classe L· l as enfrentam diferentes obstáculos e desafios, e estão propensas
; 1 cometer erros diferentes. O espírito empreendedor na institui­
ou comerciais, e muitas mais. Um período de mudança rápida
torna obsoleto um grande número dos velhos estabelecimentos, ,·ao de serviço públi co, portanto, precisa ser discutido em sepa­
ou, pelo menos, torna ineficaz um grande número de meios pelos raJo.
quais eles têm sido dirigidos . Ao mesmo tempo, esse período cria Finalmente, existe a nova empresa de risco. Esta continua a
\l'r um dos principais veículos para a inovação, c omo tem sido
oportunidades para atacar novas tarefas, para experimentação,
e inovação social . t·111 todos os principais períodos empreendedores, e hoje é, mais
1 1 1 1 1 a vez, na nova economia empreendedora dos Estados Unidos.
Acima de tudo, ocorreu uma importante mudança em per­
cepção e disposição no domínio público (Capítulo 8). Há cem N i10 há, realmente, falta de possíveis empreendedores e nem de
anos atrás, o pânico de 1 8 7 3 pôs fim ao século de laissez-faire 1 1uvos empreendimentos. Mas a maioria deles, especialmente os de
que havia começado com a Riqueza das Nações de Adam Smith, n l t a tecnologia, tem muito a aprender sobre administração em­
em 1 7 76. Durante cem anos a partir de 1 87 3, ser "moderno", p rcrndedora e terá que aprendê-lo para poder sobreviver.
"progressista" ou "avançado " significava ver o governo como o O hiato entre o desempenho do praticante médio e dos l íde-
agente de mudança social e de melhoria de vida. Para melhor 1n na prática de empreender e inovar é enorme em todas as
l rt·s categorias . Afortunadamente, existem exemplos suficientes à
ou pior, esse período chegou ao fim em todos os países gesen­
volvidos não comunistas (e provavelmente nos países desenvolvi­ 1 1ussa volta da prática bem sucedida do empreendimento para
dos comunistas, também). Ainda não sabemos o que será a nova viuhilizar uma apresentação sistemática da administração empre-
1·1Hledora, que é tanto prática como teórica, e tanto descrição
onda de "progressismo". Mas sabemos que qualquer um que ainda
1 1 1 1 1 10 prescrição.
pregue o evangelho "liberal " ou "progressista " de 1 930, ou
mesmo de 1 960, dos anos de Kennedy e J ohnson, não é um pro­
gressista, mas um "reacionário" . Nós não sabemos se a privati­
zação,1 isto é, devolver as atividades do governo de volta ao setor
não governamental (embora não necessariamente para ser ope­
rada por uma empresa privada, como a maior parte das pessoas
interpretaram o termo), vai funcionar ou se irá muito longe. Mas,
nós sabemos que nenhum país desenvolvido não comunista irá
se mover no sentido de maior nacionalização e contrhle gover­
namental por falta de esperança, de expectativas e de confiança
nas promessas usuais. Farão isso apenas por frustração e com
um sentimento de fracasso. E esta é uma situação na qual as
1 . Palavra cunhada por mim em 1 969, no livro Uma Era de Descontinuidade.
Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1 974.

A
r,:_ Empresa
T
Empreendedora


,..,

ü
I
"A grande empresa não inova", diz a sabedo­
ria convencional. Isto parece bastante plausível.
De fato, as novas e principais inovações deste
século não provieram das antigas e grandes empre­
sas de seu tempo. As estradas de ferro não geraram
o automóvel ou o caminhão; elas nem tentaram
isso. E, embora as empresas automobilísticas real­
mente tentassem (tanto a Ford como a General
Motors foram pioneiras em aviação e indústria
aeroespacial) , hoje todas as grandes companhias de
aviação e fabricantes de aviões se originaram de
novos empreendimentos distintos. Igualmente, os
gigantes atuais da indústria farmacêutica são, na
maioria, empresas que eram pequenas ou que se­
quer existiam há cinqüenta anos, quando as primei­
'. ras drogas modernas foram fabricadas. Cada um
dos gigantes da indústria de eletricidade, General
Electric, Westinghouse, e RCA nos Estados Unidos;
Siemens e Philips na Europa; Toshiba no Japão,
lançaram-se em computadores nos anos 50, e ne-
205

·1. -"à
206 PETER F. DRUCKER 1 N OVAÇÃO E ESP1RITO EMPREEND EDOR 207

nhum deles teve sucesso. O campo é dominado pela IBM, uma cndimento e inovação -- mas, também para qualquer outra ativi­
empresa que mal era considerada de tamanho médio e, definiti­ dade. E, no entanto, os registros mostram inequivocamente que
vamente, não era de alta tecnologia há quarenta anos. entre as empresas existentes, seja de fins lucrativos ou institui­
E, no entanto, a quase universal opinião de que grandes <;Ões de serviço público, as menores são menos empreendedoras
empresas não inovam , e não podem inovar, não é sequer uma e menos inovadoras. Entre as empresas inovadoras existem muitas
meia-verdade; ela é um equívoco . Em primeiro lugar, existem bastante grandes; a lista acima poderia ser ampliada sem difi­
inúmeras exceções, inúmeras grandes empresas que tiveram um c uldade para cem empresas de todo o mundo , e uma lista de
desempenho bom como empreendedores e inovadores. Nos instituições de serviço público inovadoras também incluiria um
Estados Unidos, há a Johnson & Johnson em higiene e saúde, grande número de grandes.
e a 3M em produtos altamente técnicos para mercados indus­ E, talvez, a empresa mais empreendedora de todas é a grande
triais e de consumo . O Citibank, a maior instituição financeira média empresa, como a companhia americana com 500 milhões
não governamental dos Estados Unidos e do mundo, com bem d e dólares de vendas em meados da década de 80. 1 Mas, peque­
mais de um século, tem sido um dos principais inovadores em nas empresas estariam visivelmente ausentes de qualquer relação
muitas áreas financeiras e bancárias. Na Alemanha, a Hoechst, de empresas empreendedoras estabelecidas.
uma das maiores companhias químicas do mundo e com mais Não é o tamanho que é o impedimento para empreendimento
de 1 2 5 anos, tornou-se um inovador bem sucedido na indústria e inovação; é a própria atividade em funcionamento, e especial-
farmacêutica. Na Suécia, a A SEA, fundada em 1 884, e durante 11wnte a atividade em andamento bem sucedida. E é mais fácil
os últimos sessenta ou setenta a·nos uma grande empresa, é, uma para uma grande, ou, pelo menos, média empresa, superar esse
verdadeira inovadora tanto na transmissão de energia elétrica a obstáculo de que uma pequena. Operar qualquer coisa - uma
longa distância, como na robótica para a automação das fábricas. f;í brica, uma tecnologia, uma linha de produto, um sistema de
Para confundir ainda mais, existem umas poucas, antigas e distribuição - exige esforço constante e atenção incessante. Se
liü algo que seguramente existe em qualquer tipo de atividade
grandes empresas, que foram bem sucedidas como empreende­
0 a crise diária. A crise diária não pode ser adiada, ela tem que
doras e inovadoras em alguns campos, enquanto fracassavam
sn resolvida prontamente. E a atividade em andamento exige
melancolicamente em outros. A General Electric Company ame­
i i l ta prioridade e a merece.
ricana fracassou em computadores, mas foi uma inovadora desta­
cada em três campos totalmente diferentes : motores de aviões, O que é novo sempre parece tão pequeno, tão insignificante,
1 ao pouco prometedor ao lado do tamanho e do desempenho da
plásticos inorgânicos trabalhados, e eletrônica médica. A RCA
11 wturidade. Qualquer coisa verdadeiramente nova que pareça
também fracassou em computadores, mas acertou na televisão
�: rnnde, de fato, não é confiável. As probabilidades pesam muito
colorida. Certamente, as coisas não são tão simples como a sabe-
'- rnntra para que ela dê certo. E apesar disso, inovadores bem
doria convencional achava.
.., l lcedidos, como foi discutido antes, começam pequenos e, acima
Em segundo lugar, não é verdade que " tamanho grande" é
, k tudo, sendo simples.
um obstáculo para empreender e inovar. Em discussões sobre o es­
pírito empreendedor ouve-se falar muito sobre a "burocracia" das 1 . Há muito se suspeitava disso. Agora, contudo, há evidência conclusiva IH'
grandes organizações e do seu "conservadorismo". Ambos exis­ , •.i 1 1do de cem médias empresas de "crescimento", feito por Richard E . Cavcnau)(h
,. 1 >< >nal<l K. Clifford, J r. " Lessons from America's Mid-Sized Growlh Compan il·s " ,
tem, naturalmente, e constituem impedimentos sérios ao empre- M, l únsey Quarterly (outono, 1 983).
208 PETER F. DRUCKER INOVAÇÃO E ESP1RITO EMPREENDEDOR 209
A pretensão de tantas empresas, o "Daqui a dez anos , sucedidas . Essas empresas mostram que o obstáculo do sucesso,
noventa por cento das nossas receitas virão de produtos que o obstáculo de existir, pode ser vencido. E pode ser vencido de
sequer existem hoje", é, em grande parte, jactância. Modificações t al maneira que, tanto a existente como a nova, a amadurecida
de produtos existentes , sim; variações, sim; mesmo extensões de e a que está na infância se beneficiam e prosperam. As grandes
produtos existentes para novos mercados e novos usos finais - companhias que são empreendedoras e inovadoras bem sucedi­
com ou sem modificações. Mas , os empreendimentos verdadei­ das, Johnson & Johnson, Hoechst, ASEA, 3M ou as cem médias
ramente novos tendem a ter intervalos de espera mais longos. L'tnpresas de "crescimento", claramente sabem como fazê-lo.
Empresas bem sucedidas, empresas que hoje estão nos mercados Onde a sabedoria convencional erra é no seu pressuposto
certos, com os produtos ou serviços certos, provavelmente daqui de que o empreendimento e a inovação são atividades naturais,
a dez anos estarão obtendo três quartos de suas receitas de pro­ niativas e espontâneas. Se o espírito empreendedor e a inovação
dutos ou serviços que existem hoje, ou de seus descendentes dire­ não vicejam numa organização, alguma coisa deve estar sufo­
tos. De fato, se os produtos ou serviços de hoje não geram um cando-as. O fato de que apenas uma minoria das empresas bem
fluxo de receita contínuo e vigoroso, a empresa não será capaz ,.; ucedidas em atividade são empreendedoras e inovadoras é, por-
de fazer o investimento substancial no futuro que a inovação vai 1 anto, visto como evidência conclusiva de que as empresas exis­
exigir. l l·ntes reprimem o espírito empreendedor.
Portanto, um esforço especial é exigido para que a empresa Mas, empreendimento não é "natural"; não é "criativo" .
em atividade se torne empreendedora e inovadora. A reação !'· . trabalho. Daí, a conclusão correta, a partir da evidência, é a
"normal" é a de alocar recursos produtivos à empresa atufil, à ( >posta daquela a que se chega comumente. O fato de que um
crise diária, e conseguir um pouco mais daquilo que já temos . 111ím ero muito substancial de empresas, e dentre elas um bom
A tentação na empresa existente é sempre alimentar o ontem e 11 ú mcro de médias, grandes e gigantescas empresas , obtêm êxito
deixar passar fome o amanhã. rn 1110 empreendedoras e inovadoras indica que empreendimento e
Naturalmente é uma tentação mortífera. A empresa que não i novação podem ser alcançados por qualquer empresa. Mas elas
inova inevitavelmente envelhece e declina. E, em um período drvcm empenhar-se para isso. Ambas as atividades podem ser
de rápida mudança como o presente, um período empreendedor, n prcndidas, mas exigem esforço. A empresa empreendedora trata
a queda será rápida. Assim que uma empresa ou um setor indus­ ( ) t·rn preendimento como um dever; ela é disciplinada para isso . . .
trial começa a olhar para trás, revirar de todo é excessivamente 11 l rnhalhar nele . . . e a praticá-lo.
difícil, se é que isso sequer poderá ser feito. Mas o obstáculo ao
empreendimento e inovação devido ao sucesso da empresa é
real. O problema é exatamente que a empresa é tão bem suce­ (,
Especificamente, a administração empreendedora requer
dida, e que é "saudável" e não degenerativamente doente por ilin·trizes e práticas em quatro áreas principais.
causa da burocracia, formalidade ou complacência. Pri meira, a organização deve ser receptiva à inovação e
Isto é que torna os exemplos de empresas em atividade, que pn·d isposta a ver a mudança como uma oportunidade e não como
realmente administram com sucesso para inovar, tão importantes, 11111l'i11;a . Ela deverá ser organizada para fazer o árduo trabalho
especialmente os exemplos de empresas grandes e médias em d 1 1 l'l11 prccndedor. Diretrizes e práticas são necessárias para criar
atividade, que também são empreendedoras e inovadoras bem , 1 l' l i 111a empreendedor.

·S.. :,à.
210 P E T E R F. DRUCKER I ' H l \/ i\Ç Ã O E E S P f R I TO E MPREENDEDOR 211

Segunda, a mensuração sistemática , ou pelo menos uma Segunda , a importância da necessidade de inovação e as
apreciação, do desempenho de uma empresa como empreendedora . l 1 1 1 1rnsões de seus prazos devem ser definidas e declaradas .
e inovadora é obrigatória, bem como o aprendizado integrado E , finalmente, há necessidade de se ter um plano de inova­
para melhorar o desempenho. '· . 1 1 1 , com objetivos específicos estabelecidos.
Terceira, a administração empreendedora requer práticas 1 - Há somente um modo de tornar a inovação atraente
específicas pertinentes à estrutura organizacional, à provisão de 11 , 1 1:i os administradores: uma política sistemática de abandonar
pessoal e gerência, e à remuneração, incentivos e recompensas. 1 1 1do que estiver desgastado, obsoleto, improdutivo, bem como os
Quarta, existem alguns " nãos", coisas que não devem ser , 1 10s, falhas e esforços mal direcionados. A cada três anos mais
feitas na administração empreendedora. , 111 menos, a empresa deve pôr em julgamento cada produto,
1 • 1 1 n·sso, tecnologia, mercado, canal de distribuição, para não
1 1 w11c ionar cada atividade administrativa interna. Deve pergun-
1 , 1 1 : Vamos entrar agora neste produto, neste mercado, neste
II 1 1 111;d de distribuição, nesta tecnologia hoje? Se a resposta for
· N : i u " , não se deve retrucar com: "Vamos fazer um outro estudo" .
1 k V l'-sc perguntar: "O que precisamos fazer para parar d e gastar
DIRETRI ZES EMPREENDEDORAS
1 n 11rsos neste mercado, neste canal de distribuição, nesta ativi­
Um poeta latino chamava o ser humano de "rerum novarum d 11dl' administrativa? "
cupidus" (ganancioso por coisas novas). A administração .empre­ As vezes, o abandono não é a resposta, e pode até não ser pos­
endedora deve fazer de cada administrador da empresa em ativi­ �1 vl'I. Mas, pelo menos limita-se os esforços adicionais e garante-
dade um "rerum novarum cupidus". 1. u· q 11e recursos produtivos humanos e financeiros não sejam mais
"Como vencer a resistência à inovação na organização d,·vorados pelo ontem. Este é o procedimento correto a ser sempre
atual? " é uma pergunta comumente feita pelos executivos. Mesmo 11d1 1t ado para manter a saúde da organização: todo organismo
se soubéssemos a resposta a essa pergunta, ainda seria a errada . pn·r is:1 el iminar seus produtos residuais ou se envenena . Contudo,
A certa seria : "Como tornar a organização receptiva à inovação, 1 1 1 111:i necessidade absoluta para que urna empresa seja capaz de
1

querer a inovação, alcançá-la e trabalhar para ela?" Quando a l 1 11 1v111J10 e ser receptiva a ela . "Nada faz concentrar a mente
inovação é percebida pela organização como algo contra a sua h 1 1 111n11a com tanta intensidade corno saber que será enforcado
natureza, como nadar contra a corrente, ou senão um feito 1 1 1�1 1 de manhã " , como gostava de dizer o Dr. Johnson. Nada faz

heróico, não haverá inovação. Inovação deve ser · parte essencial 11 t1H· 1 1 t c de um administrador se concentrar em inovação com
do rotineiro , a norma, senão a rotina. 1 t1 1 1 1 n v i gor corno o conhecimento de que seu produto ou serviço
Isso requer diretrizes específicas. Primeira, a inovação, em 11 1 1 1 1 1 1 t e rá que ser abandonado dentro de um futuro previsível.
vez de se ater àquilo que já existe, deve ser tornada atraente e 1 novação requer um esforço ponderável. Requer trabalho
vantajosa para os administradores. Deve haver uma clara com­ 1 1 111, , pur parte dos elementos atuantes e capazes, o recurso mais
preensão por toda a organização que a inovação é o melhor meio 1 11 1 1· 1 t t l' cm qualquer organização. "Nada exige esforços mais
para preservar e perpetuar essa organização, e que e!::: é o alicerce lll'n'iirns do que evitar que um cadáver cheire mal, e no entanto

L
para a segurança e sucesso no trabalho de cada administrador. 1 1 11 d 1 1 ,: mais inútil " , diz um antigo provérbio médico . Em quase
L. " 1.",!J,llj,1111�11·.IJi.1.1..M,J,I!�---

PETER F. DRUCKER INOVAÇÃO E ESPIRITO E MPREENDEDOR 213


212
todas as organizações que vim a conhecer, os melhores elementos Nas estratégias que têm recebido ampla publicidade nestes
estão empenhados nesse esforço inútil; e, no entanto, tudo que últimos dez anos, especialmente a administração de carteiras , os
esperam realizar é adiar a aceitação do inevitável um pouco mais achados dessa análise constituem, por si, um programa de ação.
e a um alto custo. Isso é um mal-entendido, propenso a levar a resultados desaponta­
Porém, se for dado a conhecer por toda a organização que dores , como um bom número de empresas descobriu quando elas
os mortos serão encarregados de enterrar os seus mortos, então se atiraram nessas estratégias ao final dos anos 70 e início dos
os vivos estarão desejosos, e, realmente, ansiosos, por trabalhar 80. Os achados devem levar a um diagnóstico. Este, por sua vez,
em inovação. exige um julgamento. Exige conhecimento do negócio, de seus
Para se permitir inovar, uma empresa precisa ser capaz de produtos, seus mercados , seus clientes , suas tecnologi as. Exige
liberar seus melhores elementos capazes para os desafios da ino­ experiências e não apenas uma análise. A idéia de que jovens
vação. Da mesma forma, deve ter condições para destinar recursos brilhantes vindos diretamente de escolas de Administração e
financeiros à inovação. Mas não terá condições para fazer nada equipados somente com ferramentas analíticas aguçadas possam
disso a não ser que se organize para livrar-se dos sucessos do digerir decisões de vida ou morte de seu computador sobre negó­
passado, dos fracassos e especialmente dos "quase acertos" , cios, produtos e mercados é pura charlatanice, para ser grosseiro.
coisas que " deveriam ter dado certo", mas não deram. S e os Essa análise (em Administração Lucrativa, eu a chamei de
executivos ficarem cientes de que a empresa tem por diretriz o "Raio-X da Empresa ") pretende ser uma ferramenta para encon­
" abandonar", então eles estarão motivados para procurar o que trar as perguntas certas, e não um meio que automaticamente
é novo, a encorajar o empreendimento e aceitarão a necessidade conduza às respostas certas . É um desafio a todo conhecimento,
de eles mesmos se tornarem empreendedores. Este é o primeiro que pode ser encontrado em uma determinada empresa , e a toda
passo - uma forma de higiene organizacional. experiência. Ela deverá - e deveria - provocar discordância.
2 - O segundo passo, a segunda diretriz necessária para A ação que se segue à classificação deste ou daquele produto
tornar a empresa atual "ávida por coisas novas", é enfrentar o como "o ganha pão de hoje" é uma decisão arriscada. E assim
fato de que todos os atuais produtos, serviços, mercados, canais são as decisões sobre o que fazer com o produto que está no
de distribuição, processos, tecnologias têm expectativas de saúde ponto de se tornar o "ganha pão de ontem", ou com uma "especia­
e de vida limitadas, e habitualmente curtas. lidade injustificável ", ou com um "investimento no ego geren­
Análises do ciclo de vida dos atuais produtos, serviços, e cial" . 3
assim por diante, popularizaram-se desde a década de 70. Alguns 3 - O Raio-X da Empresa fornece a informação necessária
exemplos são os conceitos de estratégia defendidos pelo Boston para definir quanto de inovação uma determinada empresa requer,
Consulting Group; os l ivros de estratégia do professor Michael l' lll quais áreas, e dentro de que prazos. A melhor e mais simples
Porter, da Harvard Business School ; e a chamada administração abordagem sobre o assunto foi desenvolvida por M ichael J. Kami,
de carteiras (portfolios).2 u m dos membros do I Seminário em "Entrepreneurship" n a
2 . Todas essas abordagens tiveram origem em um livro meu publicado há vinte
anos, Administração Lucrativa (Managing for Results, Nova York: Hnrper & Row, , . snviços em u m pequeno número d e categorias d e acordo com os seus desempenhos,
,·nractcrísticas, e expectativas de vida, ainda é um instrumento útil para a análise

l
1964), o primeiro trabalho sistemático sobre estratégia empresarial, pelo que sei.
Este, por sua vez, nasceu do I Seminário em " Entrepreneurship" que conduzi nos d,· vida do produto e da saúde do produto.
últimos anos da década de 50, na Ncw York University. A análise apresentada em 1 . Para uma definição desses termos, ver Administração Lucrativa. especial-
Administração Lucrativa (Capítulos 1 a 5) . com a ordenação de todos os produtos 1111· 1111: o Capítulo 4, "Como Vamos Indo?", pp. 5 1-68.

N.�
2 14 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESPfRITO EMP R EENDEDOR 215

Escola de Pós-Graduação em Administração de Empresas, da esforços inovadores que, se tudo ocorrer de acordo com o plano,
New York University, na década de 50. Kami aplicou sua abor­ rendem três vezes os resultados mínimos necessários é apenas
dagem pela primeira vez na IBM, onde era o diretor de planeja­ precaução elementar.
mento empresarial; e, depois, no início da década de 60, na Xerox, 4 - O abandono sistemático: o Raio-X da Empresa, seus
onde por muitos anos ocupou posição semelhante. produtos, seus serviços, seus mercados, suas tecnologias; e a defi­
Nesta abordagem, a empresa lista cada um de seus produtos nição do hiato de inovação e a necessidade de inovação, tudo
e serviços, mas também os mercados que cada um serve e os isso junto permite a uma empresa formular um plano empreen­
canais de distribuição que cada um usa, para estimar a posição de­ dedor com objetivos para inovação e prazos-limites.
les no ciclo de venda do produto. Por quanto tempo este produto Esse plano assegura que o orçamento de inovação está ade­
ainda crescerá? Por quanto tempo ele ainda se manterá no mer­ quado. E - o resultado mais importante de todos - determina
cado? Quando se pode esperar que ele envelheça e decaia - quantas pessoas serão necessárias, e com que habilidade e capa­
com que rapidez? Quando ficará obsoleto? Isso vai permitir à cidades. Somente quando elementos com capacidade de desem­
empresa estimar onde estaria se se confinasse a administrar, no penho comprovada estiverem designados para um projeto, provi­
melhor de sua capacidade, aquilo que já existe. Isso, então, dos de instrumentos, dinheiro, informação de que necessitam
mostra o hiato entre o que se pode esperar realisticamente, e o que para executar o trabalho, e conhecendo os prazos - fatais, claros
uma empresa ainda necessita para alcançar seus objetivos, seja e inequívocos - somente então, nós temos realmente um plano.
em vendas, posição no mercado, ou em lucratividade. Até aí, nós tínhamos "boas intenções", e para o que estas servem,
O hiato é o mínimo que deve ser coberto para que a emp,resa todo mundo sabe .
não vá morro abaixo. De fato, o hiato tem que ser coberto, ou a
empresa logo começará a morrer. A realização empreendedora Essas são as diretrizes básicas necessárias para contemplar
deve ser grande o suficiente para fechar o hiato, e fechá-lo no uma empresa com uma administração empreendedora; para
momento certo o suficiente antes que o antigo torne-se obsoleto. t ornar uma empresa e sua administração ávida por coisas novas;
Os esforços inovadores, porém, não contêm a certeza; eles para fazê-la ver a inovação como uma linha de ação salutar,
têm alta probabilidade de fracasso e mais alta ainda de atraso. normal e necessária. Por ser baseada num "Raio-X da Empresa",
Portanto, uma empresa deve estar preparada para contar com pelo isto é, numa análise e diagnóstico da empresa existente, seus
menos três vezes os esforços inovadores , que, se bem sucedidos, produtos, serviços e mercados, esta abordagem também assegura
cobrirão o hiato. q ue a empresa não será negligenciada na busca do que é novo,
A maioria dos executivos considera isso excessivamente alto. l' q ue as oportunidades inerentes aos produtos, serviços e mer­
A experiência, entretanto, tem provado que o erro aí está para rndos existentes não serão sacrificadas à fascinação pela novi­
o menor, se é que se erra . Por certo, alguns esforços inbvadores dnde.
darão melhores resultados do que se espera, mas outros se darão O Raio-X da Empresa é um instrumento para a tomada de
muito menos bem. E tudo leva mais tempo do que esperamos ou dtTisiío. Ele nos permite, e na realidade nos força, alocar
estimamos; tudo também exige mais esforço. Finalmente, se existe n·rnrsos para resultados na empresa. Mas, também, viabiliza,
uma certeza sobre qualquer esforço inovador é que vai haver p11 r;1 nós, e determina quanto é necessário para criar a empresa
empecilhos de último minuto e atrasos de último minuto. Querer d1 , :imanhã e seus novos produtos, novos serviços e novos mer-
2 16 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESP1RI TO EMPREENDEDOR 217
cados. Ele nos permite transformar as intenções inovadoras em Naturalmente, os problemas devem merecer atenção, levados
desempenho inovador . a sério e atacados. Porém, se eles são as únicas coisas que são
Para converter a empresa existente em empreendedora, a discutidas, as oportunidades morrerão por negligência . Nas
administração deve assumir a liderança em tornar obsoletos seus empresas que desejam criar uma receptividade para o espírito
próprios produtos e serviços em vez de esperar que um concor­
empreendedor, cuidados especiais devem ser tomados para que
rente o faça. A empresa deve ser administrada de modo a perce­
as oportunidades também sejam consideradas. (Cf. Capítulo 3
ber no que é novo uma oportunidade e não uma ameaça. Ela
sobre o sucesso inesperado.)
deve ser administrada para trabalhar hoje nos produtos, serviços,
Nessas empresas, o relatório operacional tem duas "primei­
processos e tecnologias que irão fazer um diferente amanhã .
ras páginas" : a tradicional com a lista de problemas; e outra que
lista todas as áreas nas quais o desempenho é melhor do que
o esperado, orçado ou planejado. Pois, como foi comentado
III antes, o sucesso inesperado em nossa própria empresa é um impor­
tante sintoma de oportunidade inovadora. Se não for visto dessa
maneira, a empresa como um todo dificilmente será empreende­
PRÁTICAS EMPREENDEDORAS dora. De fato, a empresa e seus dirigentes, ao focalizarem "os
problemas", provavelmente deixarão de lado o sucesso inespe­
O empreendimento na empresa em operação também requer rado, considerando-o urna intrusão em seu tempo e atenção. Eles
práticas administrativas. dirão: "Por que temos que fazer alguma coisa nesse caso? Vai
1 - A primeira delas, e a mais simples, é enfocar a visão indo tudo bem sem nós estarmos nos embromando com isso". I sto,
administrativa em oportunidades. As pessoas vêem o que é porém, só cria uma aberiura para o concorrente que está um
exposto a elas; o que não é submetido tende a não ser notado. pouco mais alerta e um pouco menos arrogante .
E o que é submetido à maioria dos dirigentes são "problemas", Tipicamente, em empresas que são administradas para em­
especialmente nas áreas onde o desempenho fica abaixo das expec­ preender, há, portanto, duas reuniões sobre resultados operacio­
tativas, o que significa que os administradores tendem a não ver nais; uma enfocada nos problemas e uma enfocada nas oportu­
as oportunidades. Elas simplesmente não estão sendo submetidas nidades.
a eles. Um fornecedor de tamanho médio de produtos terapêutioos
A diretoria, mesmo em pequenas empresas, geralmente para médicos e hospitais, empresa que conseguiu a liderança em
recebe um relatório sobre o desempenho operacional uma vez alguns campos novos e promissores, faz uma "reunião de ope­
por mês. A primeira página desse relatório sempre listá as áreas rações" na segunda e última segundas-feiras de cada mês. A pri­
nas quais o desempenho ficou abaixo do orçamento, nas quais meira reunião é dedicada a problemas - a todas as áreas que ,
há uma falha, nas quais há um "problema" . Na reunião mensal no mês anterior, ficaram abaixo do esperado ou ainda estão
da diretoria, todos então põem-se a trabalhar nos assim chamados abaixo do esperado seis meses depois. Esta reunião não difere
problemas. Quando a reunião é suspensa p ara o almoço, toda a nem um pouquinho de qualquer reunião sobre operações. M as ,

l
manhã terá sido tomada com a discussão desses problemas. a segunda reunião, a da última segunda-feira, discute as áreas

·:&.. -"'&
PETER F. D RUCKER 1 • 1t > V A (' A O E ESPIRITO EMPR E E N D E DOR
218 219
onde a empresa está se saindo melhor do que o esperado: as , · . t :H l fazendo que o resto de nós não está, e o que vocês não
vendas de um certo produto que cresceram mais que as previstas, , . 1 ; 1 u fazendo que o resto de nós está?"
ou os pedidos de um novo produto provenientes de mercados 3 - Uma terceira prática, e que é particularmente impor­
para os quais não fora destinado. t 1 1 1 1 I L' na grande empresa , é uma sessão, informal , mas progra-
A diretori a dessa empresa (que cresceu dez vezes em vinte 1 1 1 : 1 t la e bem preparada, na qual um membro da alta adminis­
anos) acredita que seu sucesso resultou principalmente em ter t 1 " 1, : 1 0 reúne-se com o pessoal júnior de pesquisa, engenharia ,
construído esse foco em oportunidades nas suas reuniões mensais l 1 1 l , 1 i l'ação , marketing, contabilidade, e assim por diante. O diri­
da administração. "As oportuni dades que nelas foram identifica­ vrn t l· sênior abre a sessão dizendo : "Eu não estou aqui para
das " , como di�se o presidente da empresa muitas vezes, "não fo. l 11 1 n um discurso ou contar alguma coisa para vocês; estou aqui
ram nem de perto tão importantes como a atitude empreendedora p 1 1 1 n L'scutar. Quero ouvir de vocês quais são suas aspirações,

que o hábito de buscar oportunidades cria em toda a equipe 1 1 1 1 1 · . . acima de tudo, onde vocês vêem oportunidades para esta
administrativa ". , 1 11 1 q 1a 1 1 h ia e onde vêem ameaças. E quais são suas idéias para
2 - Essa empresa adota uma segunda prática para gerar um "' "· t rnta rmos fazer coisas novas, desenvolver novos produtos,
espírito empreendedor por todo o grupo administrativo . A cada ,l,•, . rn l iar novas maneiras de alcançar o mercado? Que perguntas
seis meses ela proporciona um encontro de dois d ias para todos \'1 11 ,·L, q uerem fazer sobre a companhia, suas diretrizes, seus
os executivos encarregados das divisões, mercados e principais 1 1 1 1 1 11 1'., . . . sua posição no setor, em tecnologia, no mercado? "
linhas de produtos - um grupo de quarenta a cinqüenta pessoas . hs:1s sessões não devem se realizar com muita freqüência ;
A primeira manhã é reservada para relatórios a todo o grupo, "'"� rn11sti tuem um transtorno para o tempo do pessoal sênior.
feitos por três ou quatro executivos cujâs unidades tiveram um Nl• t d 1 1 1 1 1 1 executivo sênior , portanto, deveria esperar reunir-se mais
desempenho excepcionalmente bom como empreendedoras e ino­ dt t q11c t rês vezes por ano numa longa tarde ou noite, com um
vadoras durante o ano findo. Deles é esperado que relatem o • • 1 1 1 11 1 de talvez vinte e cinco a trinta juniores. Entretanto, as
que explica o seu sucesso : "O que fizemos que se transformou lf11111 11", devem ser mantidas sistematicamente. Elas constituem

num sucesso? " "Como descobrimos a oportunidade? " "O que Wltl n , ciente veículo de comunicação para cima, o melhor meio
aprendemos e que planos empreendedores e inovadores temos p111 11 pn1 1 1 i t i r que os jovens, e, especialmente, profissionais, vol­
agora em mãos? " � Wltl IH• 1 i l hos de suas estreitas especialidades para ver a empresa
Repetindo, o que realmente é relatado nessas sessões 6 lttft1
" '"' " rnnj unto. Ela:;; permitem aos juniores entenderem o que
menos importante do que o impacto em atitudes e valores . Entr<'• orn pn II a I ta administração, e o porquê . Por sua vez, elas
tanto, os gerentes de operações da empresa também salientam O tw1 ·1•111 1 1 0s seniores um discernimento extremamente neces-
quanto eles aprendem em cada uma dessas sessões, quant,as novll rtu t11 1l i rl' os valores, visão e preocupações de seus colegas mais
i déias lhes surgem daí, e como voltam para suas casas <lessH 11111 . Â l' Í 1 11a de tudo essas sessões constituem uma das maneiras
sessões com p lanos na cabeça e ansiosos para tentá-los. 11 ,1 l l rn 1L' S para instilar a visão empreendedora por toda a
As empresas empreendedoras sempre buscam as pessoa11 1 , r•1111i111 .
unidades que fazem o melhor e de forma diferente. El as 11 J li,111 1 11 priítica tem um requisito incorporado a ela . Daqueles
separam, as destacam e freqüentemente perguntam-lhes: "O qutz .. ,.,,.,·,· 1 1 1 qualquer coisa nova, ou mesmo a mudança na ma­
vocês estão fazendo que explica o seu sucesso? " "O que voe l 1 11• 1·1 1111<> as coisas estão sendo feitas, seja a respeito de
220 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESPtRITO EMPREENDEDOR 22 1

produto ou processo, mercado ou serviço, espera-se que se 1 - O primeiro passo inclui em cada projeto inovador um
ponham a trabalhar. Deve-se pedir a eles que submetam, dentro feedback dos resultados face às expectativas. Isto indica a quali­
de um prazo razoável, uma proposta de trabalho, por escrito, ao dade e a confiabilidade tanto dos nossos planos inovadores como
sénior que preside a sessão e a seus colegas desta, na qual eles dos nossos esforços inovadores .
tentam desenvolver sua i déia. Como ficaria ela se convertida em Os gerentes de pesquisa aprenderam, desde há muito, a per­
realidade? Por sua vez, como deveria parecer a realidade para guntar no início de qualquer projeto de pesquisa: "Que resulta­
que a idéia fizesse algum sentido? Quais são os pressupostos em dos esperamos deste projeto? Quando esperamos seus resultados ?
relação aos clientes e mercados, e outros ? Quanto trabalho será Quando apreciaremos o progresso do projeto de modo a termos
preciso? . . . quanto de recursos e quantas pessoas . . . e quanto controle? " Também aprenderam a checar se as suas expectativas
tempo? E que resultados pode se esperar? são confirmadas pelo rumo real dos eventos . I sto mostra a eles
Novamente, o resultado de idéias empreendedoras de tudo se estão tendendo a ser por demais otimistas ou por demais
isso pode não ser o seu mais importante produto, embora em pessimistas, se esperam resultados em muito pouco tempo ou se
muitas organizações os resultados tenham sido consistentemente estão dispostos a esperar por muito tempo, se estão inclinados
altos. A realização mais promissora pode bem ser a visão empre­ a superestimar o impacto de um projeto de pesquisa concluído
endedora, receptividade à inovação, e "avidez por coisas novas " com sucesso ou a subestimá-lo. Isso, por sua vez, permite que
por toda a organização . corrijam tendências, e i dentifiquem tanto as áreas de bom desem­
penho como aquelas onde há tendência para um fraco desempe­
nho. Esse feedback é naturalmente necessário para todos os
esforços inovadores, não meramente para pesquisa e desenvolvi­
IV mento técnicos.
O primeiro propósito é descobrir o que estamos acertando,
pois sempre é possível seguir em frente fazendo mais a mesma
AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO INOVADOR coisa, mesmo normalmente sem ter a menor idéia do porquê
estamos indo bem numa determinada área. Em seguida, procura­
Para uma empresa ser receptiva ao empreendimento, o se descobrir as limitações dos nossos pontos fortes: por exemplo,
desempenho inovador deve ser incluído entre as providências uma tendência, seja de subestimar o tempo necessário ou de
pelas quais essa empresa realiza o seu próprio controle. Somente superestimá-lo; ou uma tendência de superestimar o quanto de
se avaliarmos o desempenho empreendedor de uma empresa, pesquisa é necessário numa dada área, e, ao mesmo tempo,
empreend imento se transformará em ação. Os seres humanos subestimando os recursos exigidos para desenvolver os resultados
são propensos a se comportar conforme o que se esperà deles. da pesquisa em um produto ou um processo. Ou, encontra-se uma
Nas avaliações normais de uma empresa, o desempenho ino­ tendência , muito comum e muito prejudicial, de retardar os
vador é conspícuo por sua ausência. No entanto, não é especial­ esforços de marketing ou de promoção para a nova iniciativa no
mente difícil elaborar um sistema de avaliação, ou pelo menos momento em que ela está pronta para decolar.
de julgamento de desempenho empreendedor e inovador que se Um dos principais e mais bem sucedidos bancos do mundo
i nclua nos controles da empresa. a tribui suas realizações ao feedback que incorpora em todos os

S;, ;il
r

222 PETER F. D RUCKER 1 N OVAÇAO E ESPfRITO E MPRE E N D EDOR 223

seus novos esforços, seja entrar em um mercado novo como a para um outro laboratório farmacêutico? Ou talvez fosse melhor
Coréia do Sui, no arrendamento de equipamento, ou na emissão abandoná-lo?" E, então, os mesmos dirigentes examinam todas
de cartões de crédito. Impondo o feedback de resultados face às as demais atividades inovadoras, especialmente em marketing,
expectativas para todos os novos empreendimentos, o banco e a fazendo sempre as mesmas perguntás. Finalmente, eles exami­
sua direção também aprenderam o que podem esperar de novas nam, com os mesmos cuidados, o desempenho inovador de todos
iniciativas de risco: quão depressa se pode esperar que um novo os seus concorrentes principais. Em termos do seu orçamento de
esforço produza resultados e quando ele deve ser sustentado por pesquisa e de suas despesas totais para inovação, esta companhia
maiores esforços e maiores recursos. se coloca apenas a nível médio. Sua história como inovadora e
Esse feedback é necessário para todas as tentativas inova­ empreendedora é contudo excelente.
doras, o desenvolvimento e introdução de um novo programa de 3 - Finalmente, a administração empreendedora impõe a
segurança, ou um novo plano de remuneração. Quais são as pri­ avaliação de todo desempenho inovador da empresa face aos
meiras indicações de que a nova tentativa provavelmente está em seus objetivos inovadores, face ao seu desempenho e posição no
dificuldades e precisa ser reconsiderada? E quais são as indicações mercado e face ao seu desempenho empresarial como um todo.
que nos permitem dizer que essa tentativa, embora parecendo A cada cinco anos, talvez, a diretoria reúne-se com seus colegas
encaminhar para dificuldades, na realidade está indo bem, mas de cada área básica e pergunta : "Com que vocês contribuíram
também que ela pode levar mais tempo do que o previsto origi­ para esta empresa nos últimos cinco anos que realmente tenha
nariamente? feito alguma diferença? E com que vocês planejam contribuir nos
2 - O próximo passo é desenvolver uma revisão sistemática próximos cinco anos? "
dos esforços inovadores em conjunto. Com intervalos de póucos Mas não são as atividades inovadoras intangíveis pela sua
anos, uma administração empreendedora examina todos os esfor­ própria natureza? Como avaliá-las?
ços inovadores da empresa e faz perguntas. Quais deles devem re­ De fato, é verdade que existem algumas áreas nas quais nin­
ceber maior apoio, neste estágio, e deve ser empurrado? Quais guém pode ou deve decidir o grau de importância relativa. O
deles abriram novas oportunidades? Quais deles, por outro lado, que é mais significativo : uma grande realização em pesquisa
não estão dando os resultados esperados, e o que devemos fazer? básica, que anos mais tarde pode levar à cura eficaz para certos
Chegou a ocasião de abandoná-los, ou, ao contrário, chegou a tipos de câncer, ou uma nova formulação que permita aos pacien­
ocasião para redobrar esforços, mas com que expectativas e qual tes autoministrarem um antigo mas eficaz medicamento, em vez
o prazo fatal? de ter que consultar um médico ou ir ao hospital três vezes
Os dirigentes de uma das maiores e mais bem sucedidas por semana? Ê impossível decidir. Igualmente, uma empresa pre­
companhias farmacêuticas do mundo reúnem-se uma vez por ano cisa escolher entre uma nova maneira de atender aos clientes que
para examinar seus esforços inovadores. Primeiro, eles eixaminam permita a ela reter uma conta importante, pois senão a perderia,
o desenvolvimento de cada novo medicamento, perguntando: e um novo produto que dá à empresa a liderança em mercados,
"Este desenvolvimento está no caminho certo, e à velocidade que, embora ainda pequenos, podem em poucos anos tornar-se
correta? Ele está nos levando a alguma coisa que vamos querer grandes e importantes. Esses são julgamentos, mais que avalia­
colocar em nossa própria linha, ou vai ser algo que não se enqua­ ções. Porém, eles não são arbitrários e nem mesmo subjetivos. E
dra em nossos mercados; sendo assim, melhor conceder a licença são bem rigorosos, embora não passíveis de quantificação. Acima
224 P ETER F. DRUCKER I N O VAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 225
de tud o, eles fazem o que se quer que
uma "avaliação" nos l' verdadeiro nas médias empresas, e até mesmo nas pequenas
permita fazer: agir com deliberação, base
ados no conhec ime nto , · , n presas.
e não em opin ião ou adiv inhação.
A questão mais i mportante para a emp Uma razão é que (como foi dito antes) a empresa sempre
resa típica nesse t kmanda tempo e esforço das pessoas responsáveis por ela, e
exame é provavel men te: conseguimos
uma liderança inovadora, merece a prioridade que elas lhe dão. O novo sempre parece
ou pelo menos man tê-la ? Liderança não
necessariamente corres­ ser tão insignificante, tão pouco promissor, perto da realidade
pon de a tamanho. Sign ifica ser aceito
como líde r, reconhecido do negócio, em andamento seguro. A empresa atual, afinal de
como aquele que estabelece os padrões;
acim a de tudo , sign ifica contas, tem que fomentar a inovação que luta com dificuldades.
ter a liberdade de liderar em vez de ser obri
gado a seguir. Essa Mas a "crise" da empresa de hoje também precisa ser atendida.
é a prova decisiva do espí rito empreendedo
r bem sucedido na Os responsáveis pela empresa atual, portanto, estarão sempre
emp resa atua l.
tentados a adiar ações em qualquer novidade, empreendedora
ou inovadora, até que seja demasiado tarde. Não importa o que
foi tentado - e agora temos estado tentando qualquer meca­

V n ismo concebível por trinta ou quarenta anos -, as unidades


existentes têm comprovado possuir capacidade principalmente
para ampliar, modificar e adaptar o que já existe. O novo per­
ESTRUTURAS tence a outro lugar.
2 - Isto significa, também, que é preciso haver uma posição
Diretrizes, práticas e avaliações possibilitam o espírito em­ especial para a nova iniciativa dentro da organização, e ela precisa
preendedor e a inovação. Elas removem ou reduzem possíveis estar bem no alto. Mesmo embora o novo projeto, em virtude
obstáculos. Elas criam a atitude adequada e fornecem os instru­ de seu tamanho atual, receitas, e mercados, não tenha precedên­
mentos adequados. Mas i novação é feita por gente. E gente tra­ cia sobre os produtos existentes, alguém na alta administração
balha dentro de uma estrutura. precisa ter uma designação específica para trabalhar no amanhã
Para a empresa em operação ter condições de inovar, ela como empreendedor e inovador.
precisa criar uma estrutura que permita às pessoas serem em­ Isso não requer um encargo de tempo integral; nas empre­
preendedoras. Tem que delinear relacionamentos centrados em sas menores, freqüentemente, não pode ser de tempo integral.
empreendimento. Precisa se assegurar de que suas recompensas Mas é i mperioso que seja um cargo claramente definido, e, pelo
e incentivos, seus salários, suas decisões sobre pessoal e dire­ qual, alguém com autoridade e prestígio possa ser responsabi­
trizes, todos recompensam o comportamento empreendedor cor- lizado. Essas pessoas normalmente também serão responsií veis
reto, e não o punem. •. pelas diretrizes necessárias por criar o espírito empreendedor 1 1 1 1
1 - Isto quer dizer, primeiro, que o que é empreendedor, empresa atual, pela análise de abandono, pelo Raio-X d a l •'. m­
o que é novo, tem que ser organizado separadamente do antigo presa, e por desenvolver os objetivos de i novação paru t11p11r o
e do atual. Sempre que tentamos fazer de uma unidade existente hiato entre o que pode ser esperado dos produtos a t u a is e o que
o veículo do projeto empreendedor, nós falhamos. Isto em espe­ é necessário para a sobrevivência e crescimento da co111p11 1 1 h i11 .
cial é verdade, naturalmente, nas grandes empresas, mas também Elas também normalmente são encarregadas da a n iílisr sis 1t:111fÍ-

lt ...
226 P ETER F. DRUCKER 1 N1 lV AÇÃO E ESPfRITO EM PREENDEDOR 227

tica de oportunidades i novadoras - a análise das opo rtunidades , kmlo suas linha s tradi ciona is contra muitos novos conc
orren-
1 1 · :-, como os j aponeses, rede senh ando -as pa r
inovadoras apresentada na Parte I deste livro, "A Prática da a as enqu adra r a
ento e
Inovação" . Elas ainda deveriam assumir a responsabilidade pela 11Pvas especificações, demonst rações, mark eting , finan ciam
ioná­
análise de idéias inovadoras e empreendedoras que surgem den­ , , n·stação de assistênci a técni ca . Todas as vezes que os func
uma decisão, estes
tro da organização, por exemplo, na recomendada sessão "infor­ , i 1 1 s <lo "bebê" procuravam seus chefes para
mal" com os juniores. l l ws dizia m, "Não tenho tempo agora , volte m na próx ima se-
E esforços inovadores, especialmente aqueles aplicados ao 1 11;11 1a". Afi nal de conta s, a robót ica era apena s uma p romes
sa;
desenvolvimento de novos negócios, produtos, ou serviços, de­ : 1 :, linha s atuai s de máqu inas-operatrizes produziam milhões
de
vem normalmente se dirigir diretamente a esse "executivo en­ 1 kilares por ano.
carregado de inovação", e não a gerentes mais abaixo n a hie­ Infelizmente, esse é um er ro comum. O melhor, e talvez o
rarquia. Jamais eles devem se reportar aos ge rentes de linha 1 1 1 1ico modo de evitar acabar com o novo por pura negligência
,
negócio
encarregados das operações normais. , . mont ar o projeto inovador desde o início como um
Isso será considerado uma heresia na maioria das empresas, ·,,· parado.
três
particularmente nas "bem administradas". Mas o novo projeto Os mais conhecidos prati cante s dessa abordagem são
é um bebê, e permanecerá bebê no futuro previsível, e bebês 1· 111 presas americanas: a P rocter & Gamble, fabricant e de sabo-
esa
devem estar no berçário. Os "adultos", isto é, os executivos en­ 111· 1cs, detergentes, óleos comestíveis, e de alime ntos, uma empr
carregados da empresa ou produtos atuais, não terão nem tempo , k grande porte e agressivamen te empreendedora ; a J ohns
on &
a 3M,
nem a compreensão pelo projeto recém-nascido. Eles não podem l 1 1l 1 11son, na área de produtos de higie ne e de saúde ; e
i l l l porta nte fabri cante de produtos industriais
se permitir ser incomodados. Pôr de lado essa regra custou· a um e de consu mo. Essas
dos p rincipais fabr icantes de máquinas-ferramentas sua lider ança 1 1C·s empresas diferem em detalhes quan to à prática , mas essen
-
em robótica. 1· inl mente todas elas têm a mesm a
políti ca. Elas mont am a nova
A companhia possuía as patentes básicas de máquinas-ope­ i11 iciativ a como um negóc io em separado desde o início e colo­
ratrizes para produção em massa automatizada. Sua engenharia rn 1 1 1 um geren te de projeto dele encar regad
o. O geren te do pro­
o ou
era excelente, sua reputação também, e sua fabricação era de jl' t o permanece à testa até que o proje to seja, ou abandonad
e
primeira ordem. Todo mundo, nos primeiros anos de automati­ t i · nha ating ido seu objetivo, torna ndo-se um negócio plena ment
zação de fábricas, por volta de 1 975, achava que ela se tornaria d 1 ·sl·tivolvido. E, assim , o gerente de proje to pode mobi lizar todos
ma-
a líder no setor . Dez anos mais tarde, ela estava completamente dns espec ialida des, à medida que são necessários, de pesquisa,
lhar na equip e
fora da corrida. A empresa havia colocado a unidade encarre­ 1111fatura, finanças, mark eting , e colocá-los a traba
gada do desenvolvimento de máquinas-operat rizes para a pro­ do projeto.
i no-
dução automatizada três ou quatro níveis abaixo na organização, Uma empresa que se envolve em mais de um esforço
, pode
e subordinada ao pessoal encarregado do desenho, fabricação e v udor de cada vez, e empresas maiores realm ente o fazem
t n t odos os "bebês" se reportando di retamúnte ao mesm
vendas das linhas de máquinas-operatrizes tradicionais da em­ o ele-
1111· 1110 do grupo da alta admi n istr ação, não importando
presa. Essas pessoas estavam propensas a dar seu apoio; e, de muito
fato, o trabalho em robótica tinha sido em grande parte idéia q 1 1 1· ns inicia tivas tenha m tecnologia, mercados ou car acterí

delas. Mas elas estavam longe, demasiadamente ocupadas, defen- peque nas e
Hrns de produtos diferentes. Todas elas são novas,
-
228 PETER F. DRUCKER 1• 1 1 > V !\ �'ÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 229

empreendedoras. Todas elas estão expostas às mesmas "doenças , 1 1 1 pn.:sa estabelecida e em funcionamento mataria o "bebê",
de infância ". Os problemas de que sofrem as iniciativas empre­ 1 1 1 , · ·, 1 1 1 0 sem chegar a ser a remuneração adequada para seu pes­
endedoras, e as decisões que exigem, tendem a ser bem seme­ . , ,: i l c have. Na verdade, o esquema de remuneração mais popu-
lhantes, não importando a tecnologia, o mercado, ou a linha de 1 1 1 1 1 1as grandes empresas, baseado no retorno sobre o ativo, ou

produtos. Alguém precisa ter tempo para elas, dar-lhes a aten­ , , l i rl ' o investimento, é uma barreira quase intransponível �1
ção que requerem, para se preocupar em entender quais são 1 1 11 1v;H,:ão.
os problemas, as decisões cruciais, e as coisas que realmente são Aprendi isso há muitos anos numa grande companhia quí-
importantes num dado esforço inovador . E esse alguém precisa 1 1 1 11·;1. Todo mundo sabia que uma de suas divisões principais
ter estatura suficiente na empresa para ser capaz de representar p,n·isava produzir materiais novos para permanecer no negócio.
o projeto infantil, e de tomar a decisão de interromper um es­ 1 , . . p l anos para esses materiais existiam , o trabalho científico
forço se ele está levando a nada. l 1 1 r;1 feito . . . e nada acontecia. Ano após ano, havia uma nova
3 - Há outra razão pela qual um esforço novo e ino­ t l1 · �,l'1 1lpa . Finalmente, o gerente geral da divisão falou numa
vador seja montado em separado: para deixá-lo afastado dos far­ 1 1 · 1 1 1 1iiio de avaliação, "O meu grupo administrativo e eu somos
dos que ele ainda não pode carregar. Tanto o investimento em 1 1·1111111crados principalmente na base do retorno sobre o investi-
uma nova linha de produto e seus retornos não devem , por exem­ 1 1 11· 1 1 ! 0. No momento em que gastamos dinheiro desenvolvendo
plo, ser incluídos na análise tradicional do retorno sobre o inves­ 111 •vos materiais, nosso retorno baixa pela metade durante pelo
timento, até que a linha de produtos tenha estado no mercado 1111·11os quatro anos. Mesmo que eu esteja aqui nos próximos qua-
por alguns anos. Pedir à recém-iniciativa para escorar to�as as
1 n , a nos quando poderíamos mostrar os primeiros retornos desses
cargas que um negócio em andamento impõe às suas unidades
l 1 1v1·sti mentos - e eu duvido que a companhia me aturasse por
é como pedir a uma criança de seis anos que faça uma longa
1 1 1 1 1 1 0 tempo se os lucros fossem assim tão reduzidos - eu estaria
caminhada carregando uma sacola de trinta quilos; nenhuma irá
t i rnndo o pão da boca de todos os meus colegas nesse meio­
muito longe . E, no entanto , a empresa existente tem requisitos a
t r 1 1 1 po. Faz sentido esperar que façamos isso? " A fórmula foi
respeito da contabilidade, política de pessoal e relatórios de
todos os tipos, que ela não pode facilmente pôr de lado . 1 1 1 1 ,dada e as despesas com o desenvolvimento do novo projeto
1 1 1 H 1 mais oneram o retorno sobre o investimento. Em dezoito
O esforço inovador e a unidade que o mantém requerem
diretrizes, regras e avaliações diferentes em muitas áreas. Por 1 1 11·sl'S, os novos materiais estavam no mercado. Dois anos depois
exemplo, o que fazer quanto ao plano de pensões de empresa'? 1'11·s deram à divisão a liderança em seu campo, que mantém até
Freqüentemente, faz sentido dar ao pessoal da unidade inova­ h 1 1 jl' . Quatro anos mais tarde a divisão dobrava seus lucros.
dora uma participação nos lucros futuros, ao invés de colocá-lo Em termos de remuneração e incentivos p ara os esforços
num plano de pensão enquanto ela não estiver produzindo, l 1 11 1vmlores, contudo, é bem mais fácil definir o que não deveria
ainda, ganhos para constituir uma contribuição para um fun­ 111·r fL:ito do que descobrir o que deveria ser. Os requisitos são
do-de-pensão. n ,1 1 11 itantes: o novo projeto não pode ser sobrecarregado com
A área na qual a separação da unidade nova e inovadora <lu 1 1 1 1 1 peso de remuneração que não pode suportar e, ao mesmo
empresa em funcionamento é mais importante é a da remunera­ 11·1 1 1 po . o pessoal envolvido deve ser adequadamente motivado
ção e incentivos do pessoal-chave. O que funciona melhor numu 1 11 1 1 i ncl'.ntivos adequados aos seus esforços.
'!

230 PETER F. DRUCKER I N OVAÇÃO E ESPf R ITO E M PR E EN DEDOR 231


Especificamen te, isto quer dizer que as pessoas e ncarre ga­ 4 - Como ficou implícito na discussão sobre a remune­
das do n ovo projeto devem fazer jus a um salário mod erado. ração individual, os re torn os sobre a inovação s erão b em d ife­
Contudo, é por demais irre alista pedir a elas que trabalhem por rentes daqueles da empresa e x istente e precisarão s er medidos
m enos di nh e iro do que rec ebiam em s e us cargos anteriores . d i feren temente. Dizer: "Esperamos que todas as nossas empre sas
Quem fica en carregado d e uma nova área d en tro d e uma empresa mostrem p elo men os um retorno d e qui nze por cento, antes dos
e xistente provav elment e vai ganhar um bom di nh e i ro. Também
i mpostos, anualmente, e dez por cen to de crescimento a nual"
são essas as pessoas que pod eriam facilmente mudar para outros pod e ter s e ntido para empresas atuais e produtos atuais. Mas não
cargos , seja d entro ou fo ra da empresa, nos quais ganhariam mais. faz sentido para o novo proj eto, s en do desde logo demasiada­
Portanto, pre cisa-se começar com sua re muneração e b enefícios mente alto e demasiadamente baixo.
atuais . Por muito t empo (an os em muitos casos), o novo emp reen -
Um método, que tanto a 3 M como a Joh n so n & J oh n son d i men to n ão mostra nem lucros e nem crescimen to. Ele absorve
usam eficazmente, é prometer que o el emento que d e s en volve recursos. Mas daí , a partir d e um momen to, ele deve cre sce r
com êxito um novo produto, um novo mercado, ou um novo s er­ r,1pidamen te por bastante tempo e retornar o d inheiro investido
viço e daí con strói um negócio s e tornará o cab eça d e sse n egó­ l'lll seu d e s envolvimento pelo menos ci nqü e nta vezes mais -
cio : gerente geral, vice-presid en te ou pre sid ente d e divisão , com senão a uma taxa ainda mai s alta - ou em caso co ntrário a
a posição, remuneração, bônus e opçõe s d e compra d e ações
inovação é um fracasso. Uma i n ovação começa pequena mas
apropriados ao n ível. Isso pode constituir uma boa re compensa,
deve terminar grande . Deve resultar e m novo negócio, e não em
sem nen hum comprometim en to da e mpre sa, exceto em, caso d e
suce sso. . 1 penas uma outra " especiali dad e" , ou uma adição "respeitável"
, 1 linha de produtos .
Um outro método - e sobre qual é o preferido vai d e pen­
der em gran d e parte das le is fi scais na época - é dar a quem Somente a nalisan do a própria expe riência i novadora de uma
assume uma nova i n iciativa uma parte dos lucros futuros. A l·mpresa, o feedback d e seu d e sempenho em relação às suas expec­
i n iciativa pod e, por e xemplo, s er tratada como s e fosse uma t :1t ivas , pode ela d etermi nar quais são as expectativas ade quadas
empresa s eparada, na qual os gerente s e mp reend e do res e ncar­ p:1ra inovações em s eu s etor e s eus mercados. Quais são os inter­
regados têm uma participação em ações , d igamos, d e 2 5 por valos d e tempos adequados? E qual é a distribuição ótima d e
cento. Qua n do a i n ovação ati ng e a maturidad e, elas são re com­ l·s forço? D ev eria haver um vultoso inve stimen to de homen s e
pradas confo rme uma fórmula pree stab el ecida bas eada e m ven das d i nh e iro n o começo, ou d everia o esforço inicial s e confinar a
e lucros . 1 1 m i n divíduo com um ou doi s ajudante s, trabalhan do sozinho?
Mais uma coisa é nece ssária: as pe ssoas que assume m a Ou ando então d everia s er ace l erado o esforço? E quan do deve ­
tarefa inovadora em uma empre sa exist en te também "se aventu­ l i :1 a i n iciativa s e tran sformar em " negócio ", produzin do retornos
ram". E é justo que seus empregadore s compartilhem do risco. �·.randes , mas normais?
Elas d ev em te r a opção d e retornar aos s e us antigos cargos , com Essas são perguntas-chave. As respostas a elas não serão
s e us salários a nteriore s, se a i novação fracassar . Elas não d e vem t·11contradas e m livros . E, n o en tanto, não pode m ser re spo n di­

l
s er recompensadas pelo fracasso, mas certamen te não d e vem ser d :is arbitrariamen t e, por adivi nhação , ou rebatendo-as . As em­
pun idas por tentar acertar. p n·sas empreen dedoras realmente sabem que padrões, ritmos

... ,..
PETER F. D RUCKER I N OVAÇÃO E ESPfRITO EMPRE ENDEDOR 23 3
232
5 - O sétimo requ1s1to estrutural para o empreendim
ento
e intervalos de tempo correspon dem a inovações em s eu s etor,
onente
tecnologia e mercado e specíficos . 1 1 a empre sa em ativi da de é qu e alguém ou um grupo comp
O grand e banco inovador mencionado anterio rmente sabe, possa s er claramente responsabilizado .
s ante s,
por exemplo, que uma nova subsidiária estabelecida em um novo Nas "médias empre sas de cresci mento" mencionada
d o diretor-pre si­
país exigirá investim ento pelo menos por três anos. Deve equi­ isso é geralmente a prin cipal responsa bilid ade
s eja um mem­
l ibrar-se no quarto ano, e deve te r recupe rado o investimento dente. Nas gran des empresas , é mais provável que
inistração.
total em meados do sexto ano . S e ainda precisar de investimento b ro designado e bastan te catego rizado da alta adm
empreen di -
ao final d o sexto ano, será um desaponto e provavelmente deverá Fm empresas men ores , o executiv o encar regad o de
b ili d ad e s.
ser fechad a. 111cnto e inovação pode bem assum ir outras responsa
ito empre­
Um importante novo serviço - arrendamento, por exemplo A ma i s aberta e strutura organizacional para o espír
muito
- tem um ciclo simila r, embo ra mais curto . A Procter & Gam­ t· 1 1dcdor, embora adequa da apenas para uma companhi a
rada ou com-
ble - ou pelo menos parece, vista de fora - sabe que seus 1•. rande, é uma ope ração de inovação totalmente sepa
novos pro dutos devem estar no mercado , e venden d o, dois a três 1 1a11 hia de d esenvolvim e nto .
O exemplo mais antigo que conheço d esse caso
anos depois que se começou a trabalhar neles . Eles devem ter-se foi montado
n eck, o
firmad o por si próprios como líderes do mercado dezoito meses l t ;i mais de c em anos atrás , em 1 87 2 , po r Hefner-Alte
1 1 r i 1 11ciro engenheiro formad o em universi d
mais tarde. A IBM, segundo parece, calcula um tempo de espera ade contratado por
de 5 anos para um novo produto importante, ante s de ingressar e ns alemã.
1111 1 ;1 companh i a manufature i ra, a Companhia Siem
no mercado . Dentro de mais um ano o novo pro duto deve então 1 kfnc r começou o prime i ro "laboratório de pesquisa" e m i ndús
-
começar a crescer depressa. Deve chegar à liderança no m'ercado e ntar prod u-
1 1 i a . Seus membros rec eb eram a i ncumbência de inv
re sponsa­
e dar lucros bastante cedo no seu segundo ano no mercado, ter 1 11\ L' processos n ovos e d i ferentes. Mas também foram
pago to d o o inve stimento nos pri meiros meses do terceiro ano, l i i l i1.a<los para id ent ificar usos finai s novos e diferentes e
mer-
atingir o pico e aí nivelar-se no seu quinto ano no mercado. Aí lho
1 11dus novos e d iferentes. E eles não faziam apenas o traba
então um novo produto IBM d eve já ter começad o a torná-lo
h'rnico; eram responsáve is pelo d esenvolvimento do
processo de
obsoleto.
1 1 1 h ricação, pela intro dução do novo produto no mercado
e pela
A única maneira, contudo, para saber dessas coisas é por
meio da análise sistemática d o d esempenho da empre sa e de "1111 l ucrativ idade .
C i nqüenta anos depoi s, na d écada d e 20, a Com
panhia
seus conco rrentes, isto é, pelo fee dback sistemático parti ndo dos ade s i -
re sulta d os da inovação até as expectativas da i novação, e por l l1 1 l 'u11 l ameri cana, independen te me nte, montou uma unid
111ll 1 1 r c a chamou de D epartamento de De s e nvolvime
nto. Este
uma avaliação periódica do des empenho da empre sa como empre­
1 k p11r l a mento reúne i déias inovadoras vin das d e toda
a compa-
e ndedo ra. E uma vez a empresa compreendendo que ,.r esultados
sa. Daí ,
deveriam e pode r iam ser esperados de suas ativi d ades inovadoras, 1 1 h l 1 1 , l'stu da-as , pond era bastante sobre elas e as anali
das <.:omo
ela pode então de s e nhar os controles apropriados. Estes irão medir p1·1 1 1 11 1l' ii alta adm inistração quais devem ser ataca
1•11 1j1· ll 1s inova do res pri oritá rios. Desd e o início, ele
aplic a nu
tanto quão bem as unidades e seus gerentes se des empenham em
vol vi1m: 11-
inovação, quanto determinar quais atividad e s fo rçar, quais recon­ ll11 1v 1 1 i;mi todos os re cu rsos nece ssário s : pesquisa, desen
si dera r e quais aban d onar. l 1 1 , 11 11 111u falura, marketing , finan ças
, e assim por dian ll'. Fk sL'
234 PETER F. DRUCKER
I N OVAÇÃO E ESPÍRITO EMP R E E N DEDOR 235

encarrega de tudo até que o novo produto ou serviço permaneça dora, a não ser que adote as diretrizes e práticas da administração
no mercado por alguns anos. empreendedora. A razão por que as personalidades e atitudes da
Fique a responsabilidade pela inovação com o diretor-presi­ alta administração não são suficientes em nenhuma empresa, a
dente, com um outro membro da alta administração, ou com uma não ser que sejam empresas muito jovens ou muito pequenas, é,
unidade separada, seja uma incumbência de tempo integral ou naturalmente, que mesmo uma empresa média é uma organização
parte das responsabilidades de um executivo, ela deve ser sempre bem grande . Ela requer muita gente que saiba o que se espera que
estabelecida e reconhecida tanto como sendo uma responsabili­ vai fazer, queira fazê-lo, esteja motivada para fazê-lo, e receba
dade distinta e como uma responsabilidade da alta administração. as ferramentas e reafirmação permanente . Em caso contrário, só
E ela deve sempre incluir a busca sistemática e deliberada de restam os louvores de boca para fora; o empreendimento logo se
oportunidades inovadoras. confinará aos discursos do diretor-presidente.
Não conheço nenhuma empresa que continuasse a permane­
cer empreendedora depois da saída do fundador, a não ser que
Poder-se-ia perguntar: "Todas essas diretrizes e práti­ ele tivesse firmado, na organização, as diretrizes e práticas da
cas são necessárias? Elas não interferem com o espírito empre­ administração empreendedora. Se estas faltam, a empresa se
endedor e sufocam a criatividade ? E não pode uma empresa ser torna tímida e voltada para o passado dentro de poucos anos, o
empreendedora sem tais diretrizes e práticas?" A resposta é : mais tardar. E essas empresas sequer percebem, em regra geral,
"Talvez, porém, não com muito sucesso e nem por muito tempo". que perderam sua qualidade essencial, o único elemento que as
As discussões sobre empreendimento tendem a enfocar as havia feito sobressair, até que seja, talvez, tarde demais. Para
personalidades e atitudes do pessoal da alta administração, e espe­ essa percepção é necessário que se avalie o desempenho empre­
cialmente do diretor-presidente. 4 Naturalmente, qualquer direto­ endedor.
ria pode prejudicar e abalar o espírito empreendedor dentro de Duas empresas que eram negócios empreendedores par
sua empresa. É bastante simples. T udo que é preciso fazer é excellence sob a administração de seus fundadores são bons
dizer "Não" para cada idéia nova e continuar a dizer isso por exemplos: a Walt Disney 's Productions e a McDonald's. Os res­
uns anos, e, daí, assegurar que todos que apareçam com novas pectivos fundadores, Walt Disney e Ray Kroc, eram homens de
idéias jamais sejam recompensados ou promovidos e se tornem imensa imaginação e garra, cada um a verdadeira incorporação
ex-empregados prontamente. Contudo, é muito menos certo que do pensamento criativo, empreendedor e inovador. Ambos cria­
as personalidades e atitudes dos membros da alta administração ram em suas empresas uma forte administração operacional do
possam, por si mesmas, sem as diretrizes e práticas apropriadas, dia-a-dia. Mas, ambos mantiveram em suas mãos a responsabili­
criar um negócio empreendedor, conforme assevera a maioria dos dade empreendedora dentro de suas empresas. Ambos depende­
livros sobre empreendimento, pelo menos por implica�o. Nos ram da "personalidade empreendedora" e não implantaram o
poucos casos de curta duração que conheci , as empresas eram espírito empreendedor em políticas e práticas específicas. Dcnt ro
montadas e ainda dirigidas pelo fundador. Mesmo então, quando de poucos anos depois da morte desses homens, suas empresus
acontece de a empresa acertar, ela logo deixa de ser empreende- ficaram sem imaginação, retrógradas, tímidas e defensivas.
Empresas que implantaram a administração empreendcdorn
4 . A melhor apresentação desse ponto de vista está no livro de Rosabeth cm suas estruturas, como a Procter & Gamble , a Jnh nson (l!.t
M. Kanter. The Change Masters (Nova York: Simon & Schuster, 1 983) .
236 PETER F. DRUCKER 1 N OV AÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 2 3. 7
Johnson , e a Marks and Spencer, cont inuam
a ser líde res inova­ riam mais ficar depois que os "seus bebês" chegavam n o ponto
dores e empreendedores década após déca
da, independ entemente L' l11 que começavam a andar e a falar, ou, em outras palavras, ao
de mud anças dos diretores-presidentes ou
cond ições econômicas. deixarem de ser "bebês" . Porém, muitas delas gostavam de ficar
L' não achavam difícil cuidar de crianças maiores . Os que não

querem ser mais nada, a não ser empreendedores, provavelmente

VI não serão empregados em uma empresa existente, para começar,


L' quase com absoluta certeza não serão bem sucedidos nela.

F as pessoas que se saem bem corno empreendedoras em uma


PROVISÃO DE PESSOAL L'.mpresa existente têm, em geral, comprovado ter sido anterior­
mente bons gerentes na mesma organização. 'É portanto razoável
Como as empresas existentes devem destacar pessoal para supor-se que elas podem tanto inovar como gerenciar o que já
empreendimento e inovação? Existe essa gente que são os existe. Há pessoas na Procter & Gamble e na 3M que fizeram
"empreendedores"? Constituem eles uma estirpe especial? L·arreira como gerentes de projetos e que assumem um novo proje­
A literatura está repleta de discussões sobre essas questões; t o assim que terminam com êxito um anterior. Porém, a maioria
repleta de histórias sobre a "personalidade empreendedora" e de das pessoas nos níveis mais altos dessas empresas faz suas
pessoas que jamais farão outra coisa senão inovar. À luz da nossa carreiras saindo da "gerência de projetos", para "gerência de
experiência, que é considerável, essas discussões não fazem sen­ produtos" , para "gerência de mercado", e finalmente para uma
tido. Comumente, quem não se sente à vontade como inovâdor posição sénior geral da companhia. E o mesmo é verdade para
ou empreendedor não se vol untariará para tais encargos; os desa­ a Johnson & Johnson e o Citibank.
justados flagrantes eliminam a si mesmos. Os outros podem A melhor prova de que empreendimento é uma questão de
aprender a prática de inovação. Nossa experiência mostra que rnmportarnento, diretrizes e práticas, em vez de personalidade,
um executivo que trabalhou em outras missões fará um trabalho L: o número crescente de gente mais idosa em grandes empresas
decente como empreendedor . Em negócios empreendedores bem
dos Estados Unidos que faz do empreendimento sua segunda
sucedidos, ninguém parece se preocupar se alguém provavelmente
rnrreira. Cada vez com maior freqüência, executivos de alto e
fará um bom trabalho de desenvolvimento ou não. Gente de todos
médio níveis e profissionais seniores que passaram toda sua vida
os tipos de temperamento e backgrounds provavelmente fará
t rnbalhando em grandes empresas - mais vezes que não, com
igualmente bem. De qualquer jovem engenheiro na 3M que pro­
1 1 mesmo empregador - aposentam-se mais cedo, com vinte e
cura a diretoria com uma i déia que faz sentido espera-se que
l· i nco ou trinta anos de serviço, quando alcançaram o que consi-
assuma o seu encargo. •.
1 kram como seu cargo de final de carreira. Com cinqüenta ou
Igualmente não há razões para preocupar-se até onde o
l'inq üenta e cinco anos, esses indivíduos de meia-idade tornam-se
empreendedor bem sucedido chegará. Por certo, existem algumas
l'ntão empreendedores. Alguns montam seus próprios negócios.
pessoas que somente querem trabalhar em projetos novos e ja­ Alguns, especialmente analistas técnicos, estabelecem-se como
mais querem conduzir qualquer coisa. Quando a maioria das
1·1 111sultores de novos e pequenos negócios de risco. Alguns outros
famílias inglesas ainda tinha "babás" , muitas destas não que- v:11 1 participar de uma nova e pequena empresa numa posição

..__ ... ...


,
238 PET ER F. DRU CKE R
1 N OVAÇÃO E ESPIR ITO E MP R E E N D EDOR 239
sl3n ior. E a grande maioria das vez
es são bem sucedid os e estão
fel i zes nas suas novas tarefas. seu instituto tornou-se uma das principais universidades técnicas,
Modem Maturity, a revista da Ass com quatro campi, um deles uma escola de Medicina e quase
ociação Am ericana dos
Aposentados, está repleta de história doze mil alunos. Schure ainda trabalha como inventor em eletrô­
s de pessoas assim, e de
anúncios de novas peq uenas em nica bem sucedido. Mas, também tem sido nestes trinta anos
presas procurando por elas. Num
seminário para diretores-presidente reitor, com dedicação integral , de sua universidade, e, sob todos
s que conduzi em 1 983 , hav ia
qui nze desses empreendedores de os aspectos, desenvolveu uma equipe administrativa profissional
segunda carreira (quatorze ho­
mens e um a mu lhe r) dentre os e eficaz .
quarenta e oito par tici pantes.
Durante uma reunião especial com Ao contrário de Schure, Boyer começou como administrador,
eles, perguntei se haviam se :111tes no sistema da Universidade da Califórnia, e depois na Uni­
frustrado ou sido reprimidos
em todos aqueles anos quando
haviam trabalhado para empresas versidade Estadual de Nova York, a qual, com 3 50.000 alunos
de porte, como "personal idades
empreendedoras " supostamente dev e 64 campi, é o maior e mais burocrático dos sistemas univer­
iam ter sid o. Eles acharam si tários americanos. Em 1 970, Boyer, com quarenta e dois anos,
a pergunta totalmente absurda.
Perguntei , a seguir, se haviam
encontrado mu ita dificuldade por seus próprios esforços, chegou ao topo e foi nomeado reitor.
com a sua mu dança de pap éis ; 1 mediatamente fundou o Empire State College, na verdade, não
acharam a pergunta igualmente
absurda. Co mo disse um del es uma faculdade, mas uma solução não convencional para uma das
- e os outros concordaram - "Bo
a adm inis tração é boa adm i­ mais antigas e mais frustrantes falhas da educação superior ame­
nis tração, seja diri gin do um dep
artamento de 1 80 mil hões de ricana, o programa de graduação para adultos que não possuem
dól ares na General Electric, com
seus bilhões em vendas, como
no meu caso, ou uma nova em pre todas as credenciais acadêmicas .
sa inovadora em crescimento: Embora tentado muitas vezes, isso nunca funcionou antes.
de ins trumentos de diagnóstic o,
com seis mil hões de vendas, que Se esses adultos eram aceitos para programas universitários junto
é o que eu faço agora. Naturalment
e faço coisas diferentes e faço com . os alunos mais jovens "regulares", nenhuma atenção era
as coisas diferentemente. Mas
apl ico conceitos aprendidos na geralmente dada a seus propósitos, suas necessidades, e, menos
GE e faço exatamente a mesma
análise. A transição foi ma is que tudo, à sua experiência. Eles eram tratados como jovens de
fác il, de fato, do que quando passei
, há dez ano s atrás, de enge­ Jezoito anos, se desencorajavam e logo desistiam . Porém se,
nhe iro de prancheta para o meu prim
eiro cargo adm inistrativo ". como era tentado repetidamente, eles fossem colocados em "pro­
As inst itui ções de serviços públicos
nos ensinam a mesma gramas especiais de educação continuada'', eles eram considerados
l ição. Entre os mais bem sucedidos
inovadores da história ame­ um aborrecimento e postos de lado, em programas com profes­
ricana recente estão dois homens na
educação superior, Alexander sores que a universidade pudesse dispor o mais facilmente pos­
Schure e Ernest Boyer. Schure com
eçou como um próspero inven­ s ível. No Empire State College, os adultos assistem aos cursos
tor no campo eletrônico, com mu
itas patentes em seu n�me . normais universitários em uma das faculdades ou universidades
Mas, em 1 955 , quando estava com
trinta e poucos anos, ele fun­ da universidade estadual. Porém, antes, os alunos adultos são
dou o Instituto de Tecnologia de
Nova York como uma univer­ designados a um "mentor"* , geralmente um membro do corpo
sid ade pri vada sem apo io de gov
erno, fundação ou grande em­ docente de uma universidade estadual próxima, com quem eles
presa, e com idé ias novas sobre o
tipo de alunos a ser adm itid os, estabelecem seus programas de estudo, decidindo se precisam de
o que deveria ser ens ina do, e de
que forma. Trinta anos dep ois ,
• ( N .T .) Orientador.

11,;. ....
REE NDE DOR 24 1
I N OVA ÇÃO E ESP fR ITO EMP
240 PETER F. DRUCKER 11

lógica ,
ou a que l a teori a p sico
prep a ra ção especi a l e onde, ao inverso , suas exper iênc i a s os aquel a pessoa , e não confo rme e st a
ita evi dência empíri ca.
qualifi cam para condições e trab a lhos ava nça d os. E d a í o mentor para nenhuma das quai s existe mu preen­
o al nas e mpres as em
atu a co rn o co rretor, negoc i ando a a dmissã o , c ondição e pr ogra­ Dec i sões s ob re provi sã o de pes s
er outra d ec i são sobre p ess oas
ma pa ra cad a candid a to com a institu ição a d equ a d a . dedor as s ão toma d as como qu alqu
d eci s õe s que envolvem ri scos:
Tu d o i sso parece bom sen so - e é. No e ntanto , f o i u ma t· c argos . N atu r almente, e l a s são
s sob re pessoa s . Natu ralme nte ,
e no rme ruptura com os hábitos e p ráti cas d o mu nd o aca dêmico i sso oco rre e m tod a s as d eci s õe
e con sci enc i osamente .
E têm
a merica no e fo i comb a tido pe l o " est a bli shrne nt " d a u nivers i d a d e t·las d ev em ser t om a d a s cu i d a d osa
. P rimeiro, a incu ência
mb
est a du a l. M a s B oyer pe rs i s ti u. S eu programa d o Empi re Sta te que ser t om a d a s d e m an eira correta certo
o, algu ém a va l i a u m
Coll ege tornou- se o prime iro progr ama d es se tipo que al cançou deve ser muito b em pen s ada; entã e gi s ­
in a cu id a do s amente os
r
êxito n a ed ucação superior amer i cana , com mai s de s ei s m i l 11úmero d e pess oa s ; em segui d a, exam icação de
almente f az u ma verif
a l u nos, u rn a taxa negligív e l d e desistênci a, e u m programa de t ros sob re seu d esempenho ; e fin
mas pessoas p ara quem ele ou
mestra do. B oy er , o argu i-inov a d o r, não ces sou d e ser um " a dmi­ l·ad a u m do s candi d atos com algu que
ca a qua lquer d ec i s ão
nistra dor" . De re itor da Universidade Estad u al d e Nova York l'la trabal ho u . M a s tu d o i sso se apli
na empresa empreend e d o ra , a
e l e p assou a ser , p rime iro, o Comi ssár i o de Edu ca ção d o Pres i­ L·oloca uma p essoa num cargo. E,
obre p esso as, é a mes ma p ara
d ente C a rte r, e d epoi s presidente d a Fu ndação C a rnegi e p ara o mé di a d e ace rtos, em d eci sõ es s
dores e profissionais.
Progresso d o Ensino, respe ctivamente o cargo m a is "bu rocráti­ l'mpreendedores e outros adm inistra
co ", ma i s " es ta bli s hment" d o mu nd o aca dêmi co a me rica no.
E sses exe mplos não provam qu e qu alquer u m p o d e d esta­
car- se sendo b u rocrat a e inov a d or. S chure e B o yer s ã o cert aménte
indivíduos excepci ona i s . Porém suas experiênc i a s mos tra m real­ VII
mente que não exi ste "person a lida d e " e spec ífi ca pa ra qu alquer
u rn a d a s t a ref a s. O que é ne cess á r i o é di s p os ição p a r a aprend e r,
di spos ição para trab a lha r á rd ua e pe rsi ste nteme nte , di spos ição OS "NÃO FAÇA"
p a ra ex ercitar aut o di s ciplina, di spos ição p a ra a d apta r e apl icar ora
i nis tra ção empreend e d
as diret r ize s e p ráti cas co r ret as . I s to é ex at a mente o qu e qual­ Ex i ste m algu ma s coisas que a a dm
e f a zer.
quer empre s a que a d otou a a dmini stração e mp reended o r a desco­ de um a empresa exi st ente não d ev
te é não mi stur ar uni dades
bri u a res pe ito das pessoas e d e sua es co lha . 1 - A a dvertênc i a m ais importan o mponente
s . J am a i s col oqu e o c
admini st rativ as e empreende d ora
ne nte a dm ini strat iv o exi ste nte .
l'tnpreendedor d entro d o compo
P a ra permiti r que o p roj eto empreende dor corra bem, como v o para os encarreg a d os d e con­
algo nov o , a estrutu ra e a org a niz a ção d evem s er as · certas;
N fio f a ça d a inovação um obj et i
existe.
d u zir, expl ora r e otim izar o que já
os re l ac i on amentos d eve m se r aprop r i a d os ; e a remu ne r a ção e lhá ve l, e , de f a to, quas e
Entretanto, t ambém é desaconse a r-se e m­
incentivos d evem es t ar ajust a dos. Entret anto , qu ando t u d o i sso e mpres a tenta r t orn
urn a garanti a d e fr acasso, u m a s. S er um
estive r fe ito ; a questã o sobre qu em d ev e rá cond u zir a unid a de, r izes e prá ti cas bá sic a
prl'c nd ed ora sem mu d ar sua s diret
e o que d eve se r fe ito com as pessoas , qu and o o novo proj e to und ári a rar amente d á certo .
tiver êxito, preci sam ser decididos em b a se individ u al p ara esta ou 1· m preended or como ocu pa ção sec
242 P E T E R F. D R U C K E R I N OVAÇÃO E ESP f R I TO E MP R E EN D EDOR 243

Nos últimos dez ou quinze anos muitas empresas ameri­ diversificação enfrenta problemas . Porém, se acrescentarmos, às
canas de porte tentaram entrar em "joint ventures" como empre­ dificuldades e demandas da d iversificacão, as dificuldades e
endedoras. Nenhuma dessas tentativas obteve bons resultados; os demandas de empreendimento, o resultado é desastre previsível.
empreendedores viram-se bloqueados por diretrizes, por regras Portanto, inova-se somente naquilo que se entende.
básicas, por um "clima" que sentiam como burocrático, enfado­ 3 - Finalmente, é quase sempre infrutífero tornar empre­
nho e reacionário. Mas, ao mesmo tempo, seus associados, o endedor o nosso próprio negócio "adquirindo ações", isto é, com­
pessoal da grande empresa, não podiam imaginar o que os em­ prando pequenas empresas empreendedoras. Aquisições rara­
preendedores estavam querendo fazer, e os viam como indiscipli­ mente dão certo, a não ser que a empresa compradora esteja
nados, arrebatados e visionários. disposta e capacitada para, dentro de um prazo bem curto, pro­
De um modo geral, empresas de grande porte têm sido bem piciar administração à aquisição. Os administradores que vêm
sucedidas como empreendedoras somente quando utilizam o seu junto com a empresa adquirida raramente permanecem por muito
próprio pessoal para montar o empreendimento . Somente têm tempo. Se eram donos, já estarão ricos; se eram gerentes profis­
sido bem sucedidas quando usam seu próprio pessoal a quem sionais, eles provavelmente permanecerão somente se tiverem
elas entendem e que as entende, gente em quem confiam e que, oportunidades muito maiores na empresa compradora. Então,
por sua vez, sabe como fazer as coisas na empresa existente; dentro de um ou dois anos, o comprador tem que fornecer admi­
gente, em outras palavras, com quem podem trabalhar como par­ n istração para levar avante o negóci o que adquiriu. Isto é espe­
ceiros. Mas isso pressupõe que toda a empresa está imbuída do cialmente verdadeiro quando uma empresa não empreendedora
espírito empreendedor, que ela quer a inovação e a está alcan­ compra uma que o é. O pessoal administrativo do novo empre­
çando, considerando-a uma necessidade e uma oportunidade.' Ela endimento adquirido logo verifica que eles não podem trabalhar
pressupõe que a organização interna tornou-se "ávida por coisas com o pessoal na sua nova empresa matriz e vice-versa. Eu não
novas". sei de nenhum caso onde a "aquisição" funcionou .
2 - Os esforços inovadores que tiram a empresa existente Uma empresa, que quer se capacitar para inovar e ter uma
de seu próprio campo raramente dão resultado . E melhor que a chance de sucesso e prosperidade em época de mudança rápida,
inovação não seja "diversificação". Quaisquer que sejam os bene­ tem que implantar a administração empreendedora dentro de seu
fícios da diversificação, ela não se mistura com empreendimento próprio sistema. Tem que adotar diretrizes que criam, por toda
e inovação. O novo é sempre suficientemente difícil para que não a organização, o desejo de inovar e os hábitos de empreendi­
seja buscado numa área que não se entenda. Uma empresa inova mento e inovação. Para ser um empreendedor bem sucedido,
onde ela tem conhecimento, seja de marketing ou de tecnologia. a empresa existente , grande ou pequena, tem que ser adminis­
Qualquer coisa nova previsivelmente enfrenta dificuldades, e trada como uma empresa empreendedora .
por isso tem-se que conhecer o negócio. A d iversificação em
si raramente dá certo, a não ser, também, que seja realizada de
conformidade com a empresa existente, seja em mercado ou
em tecnologia. Mesmo assim, corno analisei num outro livro,5 a
5 . Administração: Tarefas, Responsabilidades, Práticas, especi:clrnente Caps. 56
e 57. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1 979.
'
ã
1

.
1-

tt..
Empreendimento
na Instituição de

=-
1
Seiviços
o
,....

I
As instituições de serviço público, tais como
órgãos governamentais, sindicatos trabalhistas,
igrejas, universidades, escolas, hospitais, orga­
nizações comunitárias e beneficentes, associações
profissionais e comerciais, e semelhantes, precisam
ser tão empreendedoras e inovadoras quanto qual­
quer negócio. Na verdade, elas podem precisar até
mais do que isso. As rápidas mudanças na socie­
dade de hoje, na tecnologia e na economia consti­
tuem, ao mesmo tempo, uma ameaça ainda maior
para elas e uma oportunidade ainda maior.
No entanto, as instituições de serviço público
acham muito mais difícil inovar do que até mesmo
a empresa mais "burocrática". "Aquilo que existe"
parece ser ainda mais do que um obstáculo. Por
'· certo, toda instituição de serviços gosta de ficar
maior. Na ausência do teste do lucro, tamanho é o
único critério de sucesso para uma instituição de
serviços, e crescimento, uma meta em si mesma.
E, naturalmente, há sempre tanta coisa mais que
245

e
. :•
246 PETER F. DRUCKFI� 1 "\J O V AÇÃO E ESPI R I TO E MPREENDEDOR 247

precisa ser feita. Mas, parar "aquilo que sempre foi feito" e fazer 1 uu há quase quinhentos anos. A única coisa que muda é quem
algo novo são, igualmente , anátemas para as instituições de ser­ : 1 entoa . No começo deste século, era o slogan dos assim chama­
viços, ou pelo menos algo cruciantemente doloroso para elas. dos liberais, e agora é o slogan dos assim chamados conserva­
A maior parte das i novações em instituições de serviço dores. Ora , as coisas não são tão simples, e "gente melhor",
público são impostas a elas por quem está fora delas ou por catás­ aq uela perene panacéia dos reformistas, é uma miragem. As pes­
trofe . A universidade moderna, por exemplo, foi criada por um ·, oas mais empreendedoras e inovadoras comportam-se como o
intruso total, o diplomata prussiano Wilhelm von Humboldt . 1 1 ior burocrata oportunista ou o político faminto de poder, seis
Ele fundou a Universidade de Berlim em 1 809 quando a univer­ 111cses depois de assumirem a administração de uma i nstituição de
sidade tradicional dos séculos XVI I e XVIII ti nha sido quase .... erviço público, particularmente se for um órgão governamental.
totalmente destruída pela Revolução Francesa e as guerras napo­ As forças que obstruem o empreendimento e a inovação
leônicas. Sessenta anos mais tarde, a moderna universidade ame­ 1 1 uma instituição de serviço público são inerentes a ela, integram­
ricana passou a existir quando as tradicionais faculdades e uni­ ',e nela, e são inseparáveis dela : A melhor prova disso são os
versidades do país estavam morrendo e não conseguiam mais ,erv iços administrativos auxiliares internos das empresas, que são,
atrair alunos. 1 1:1 verdade, as instituições de serviço público dentro das corpo­
Similarmente, todas as inovações básicas do campo militar r:1ções empresariais. Eles são tipicamente chefiados por elementos
neste século, sej a em estrutura ou estratégia, v ieram em seguidn q ue vieram das áreas de operações e provaram sua capacidade
a uma vergonhosa confusão ou a uma esmagadora derrota : u de desempenho em mercados competitivos. E, apesar disso, os
organização do exército americano e de sua estratégia por um serviços administrativos auxiliares i nternos não se notabilizam
advogado de Nova York, Elihu Root, o Secretário da Guerra de rumo inovadores. Eles são bons para construir impérios, e sempre
Teddy Roosevelt , depois de seu ignominioso desempenho nu q uerem fazer mais das mesmas coisas.
Guerra Hispano-Americana; a reorganização, alguns anos depois , Eles resistem ao abandono de seja o que for que estej am
do exército britânico e d e sua estratégia pelo Secretário d a Guerrn , 1 :1zendo . Porém, raramente inovam depois que se estabeleceram.

Lord Haldane, outro civil, depois do igualmente vergonhoso São três as principais razões por que a empresa em operação
desempenho do exército britânico na Guerra dos Boers; e a re­ nrnstitui muito mais um obstáculo à inovação nas instituições de
consideração da estrutura e estratégia do exército alemão depois sn viço público do que na típica empresa de fins lucrativos.
da derrota na Primeira Guerra Mundial. 1 - Primeira, a instituição de serviço público se baseia
E, em governo, a maior reformulação inovadora na históriu 11 11m "orçamento" e não em receber pagamentos por seus resul­
política recente, o New Deal dos Estados Unidos de 1 933-36, foi t :1Jos. Ela é paga por suas atividades através de fundos que outro
ativada por uma Depressão tão severa que quase arrasou a cstru· :i lguém ganhou, seja o contribuinte do imposto de renda, os doa­
tura social do país . d ures de uma organização caritativa , ou a companhia para a qual
Os críticos d a burocracia culpam os "burocratas tímidos ", 1 1 111 departamento de pessoal ou membros dos serviços de mar­
os aproveitadores que "j amais viram uma folha de pagamento" ou kl'l i ng trabalham. Em quanto mais atividades se envolver a insti-
os políticos "ávidos" de poder pela resistência das instituições
de serviço público ao empreendimento e à i novação. E uma anligu 1 . Sobre as instituições de serviço público e suas características, vc.i a a pnrll"
.nhn; Desempenho na Instituição de Serviço, Capítulos 1 1-14, em Aúministrurtio:
ladainha e, de fato, ela já era antiga quando Machiavell i a del'llll· /1,rl'fus. J<esponsabilidades e Práticas, op. cit.
248 PETER F. DRU CKER 1 N U VAÇAO E ESP.!RITO EMPREEN DEDOR 249
tuição de serviço público , ma ior ser
á seu orçamento. E "sucesso. ,
na ins titu ição de serviço público é l i ;í essa questão de um maior rendimento. Se se está "fazendo o
definido ma is por se conseguir l i rn1 ", então não existe "o melhor". Na verdade, o fracasso em
um orçamento ma ior do que por se
obter resultados. Qualq uer : 1 kançar objetivos na busca por um "bem" apenas significa que
tentativa de descartar ativ idades e
esforços, portanto, dim inu i a 1· s lorços precisam ser redobrados. As forças do mal precisam
ins titu ição de serviço público . l sso
cau sar ia a perda de esta tura ·.n muito mais poderosas do que se esperava e precisam ser com­
e prestíg io. Fra casso não pode ser
reconhecido. Pior ainda, o lia t idas com maior vigor.
fato de que um objetivo foi alcança
do não pode ser admitido.
2 - Segunda, um a ins titu ição de Durante milhares de anos os pregadores de todos os tipos
serviço público depende dl' religião têm pregado contra os "pecados da carne". Na melhor
de um a profusão de componentes.
Nu ma empresa que vende seus das hipóteses, o sucesso deles foi limitado. Porém, isso não é
produtos no mercado, um compon
ente, o consumidor, eventu al­
mente, pas sa por cim a de todos ;1rgumento no que concerne a esses pregadores. Nada disso os
os outros . Um a empresa precisa JH:rsuade a devotar seus consideráveis talentos para atividades
apenas de uma parcela mu ito peq
uena de um pequeno mercado 1 1as quais resultados podem ser mais facilmente alcançados. Pelo
para ser bem suc edi da. Então, ela
pode sat isfazer os outros com­
ponentes, com o aci oni stas, trabal rnntrário, só prova que seus esforços têm que ser redobrados.
hadores, a com uni dade, e assim l ·:vitar os "pecados da carne" é claramente um "bem moral", e
por diante . Mas, exa tamente por
que as ins titu ições de serviços portanto u m absoluto, que não admite nenhum cálculo de custo­
públicos (e isso inc lui as ativida
des adm inis tra tiva s aux ilia res hcnefício.
dentro de um a corporação empre
sarial) não obtêm "resul tad os"
por aqu ilo que elas estão sendo pag Poucas instituições de serviço público definem seus objeti­
as, qualqu er componente, não vos em termos assim tão absolutos. Porém, mesmo departamentos
importando quã o marginal, tem
na realidade um poder de veto.
Uma ins titu ição de serviço público de pessoal e de serviços auxiliares de produção das empresas
tem que sat isfazer a todos; t endem a ver sua missão como a de "fazer o bem", e portanto
certamente, ela não pode se per mit
ir alienar qualqu er um . sendo moral e absoluta, em vez de ser econômica e relativa.
No momento em que um a ins titu
ição de serviço público Isso significa que as instituições de serviço público buscam
inic ia um a ativ idade, ela adq uir
e um a "clientela ", que então maximizar e não otimizar. "Nossa missão não estará terminada",
recusa ter o progra ma abolido ou
mesmo sig nif ica tivamente mo­ assegura o chefe da Cruzada Contra a Fome, "enquanto houver
dif ica do. Porém qualqu er coisa
nova é sempre controversa . Isto
quer dizer que ela enfrentará u ma só criança na Terra que vai dormir com fome" . Se ele dis­
oposição · por parte das clientelas
existentes, sem ter constit uído, sesse: "Nossa missão estará terminada, se o maior número pos­
nesse me io-tempo, uma clientela sível de crianças que podem ser alcançadas pelos canais de distri­
própri a para apoiá-la.
3 - A razão ma is importante, con buição existentes tiverem o suficiente para comer para não defi-
tudo, é que ins titu ição de 11harem" , ele seria chutado do cargo. Entretanto, se a meta é
serviço público existe, afin al de
contas, par a "fazer o bem ". lsto maximizar, ela jamais será atingida . Na verdade, quanto mais
sig nif ica que ela tende a ver sua
missão como moral absoluta perto se chega de alcançar o nosso objetivo, maiores esforços
e não como econôm ica e suj eita
a um cál cul o de cus to-benefíci o. serão exigidos. Pois, uma vez alcançada a otimização (e o
A econom ia sempre bus ca um
a diferente alocação dos mesm lÍtimo, na maioria das atividades, se situa entre 7 5 e 80 por
recursos para obter um ma ior os

---- -
rendim ent o. Tudo que é econô­
mi co, portanto, é rel ativ o. Na cento do máximo teórico), os custos adicionais sobem exponen­
institu içã o de serviço público não
rialmente, ao passo que os resultados adicionais caem exponen-

:&" .'&
PETER F. DRUCKER I N OVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 25 1
250

cialmente. Quanto mais perto uma instituição de serviço público envolva a ministração de sacramentos e o serviço de pastor das
chega de seus objetivos, portanto, mais frustrada ela ficará, e congregações é feito por profissionais liberais e administradores
mais arduamente ela trabalhará naquilo que já está fazendo. leigos. Embora haja falta de padres por toda a Igreja Católica
Contudo, ela se comportará exatamente da mesma maneira americana, esta arquidiocese dispõe de padres e tem conseguido
quanto menos realizar. Quer tenha êxito ou fracasso, a demanda ir à frente agressivamente, fundando congregações e expandindo
serviços religiosos.
para inovar e fazer algo diferente será ressentida como um ata­
que ao seu compromisso básico, à sua própria razão de existir Uma das mais antigas sociedades científicas, a Associação
e às crenças e valores. Americana para o Progresso da Ciência, redirecionou-se entre
Esses são sérios obstáculos à inovação. Eles explicam por 1 960 e 1 980 para se tornar uma "organização de massa " sem
que, de um modo geral, a inovação em serviço público tende a perder seu caráter de l íder. Ela mudou completamente sua revista
provir de novas iniciativas e não de instituições existentes. semanal, Science, para se tornar a porta-voz da Ciência perante
O exemplo mais extremo nos dias atuais pode bem ser o o público e o governo, e fazer um jornalismo autorizado sobre
sindicato trabalhista. Ele é provavelmente a instituição mais bem política científica. E criou uma revista cientificamente sólida, e,
sucedida do século nos países desenvolvidos. Claramente, ele mesmo assim, popular e de circulação de massa para leitores
l eigos.
atingiu os objetivos originais. Não pode haver mais "mais"
quando a parcela do trabalho no produto nacional bruto nos Um grande hospital na Costa Oeste reconheceu, já desde
países desenvolvidos ocidentais está em cerca de 90 por cento, por volta de 1 965, que a assistência médica estava se modifi­
e em países como a Holanda perto dos 100 por cento. Apesar cando como resultado de seu sucesso. Enquanto outros grandes
disso, o sindicato trabalhista é incapaz de sequer pensar em novos hospitais de cidade tentavam lutar contra tendências, tais como
;1 formação de cadeias de hospitais, ou centros de tratamento
desafios, novos objetivos, novas contribuições. Tudo que ele con­
segue fazer é repetir os velhos slogans e travar as velhas batalhas. a mbulatorial independentes, essa instituição foi inovadora e líder
1 H.::sses desenvolvimentos. Realmente, ela foi a primeira a construir
Pois a "causa do trabalho " é um bem absoluto. E claro então
que ele não deve ser questionado, quanto mais redefinido. u ma maternidade independente, na qual a mãe grávida é enca-
1n inhada para um quarto com instalações completas de um centro
A universidade, seja como for, pode não ser demasiadamente
d e tratamento determinado a um custo razoavelmente baixo,
diferente do sindicato trabalhista, e, em parte, pela mesma razão:
um nível de crescimento e sucesso, que neste século está abaixo 111<1s dispondo de todos os serviços médicos que possam ser neces­
somente daquele do sindicato trabalhista. s:í rios. Ela foi a primeira a entrar no ramo de centros cirúrgicos
Ainda há exceções em número suficiente dentro das insti­ 111dcpendentes para atendimento ambulatorial. Mas, também,
rnmcçou a construir sua própria cadeia de hospitais beneficentes,
tuições de serviço público (embora, tenho que admitir, não em
11.1 q ual oferece contratos de administração a pequenos hospitais
muitos órgãos governamentais) para mostrar que as instituições
p( )r toda a região.
de serviço público, mesmo as antigas e grandes, podem inovar.
Começando por volta de 1 97 5, as Escoteiras dos Estados
Uma arquidiocese católica romana nos Estados Unidos, por
l l 11 i dos, uma grande organização que existe desde os primeiros
exemplo, tem trazido leigos para conduzir a diocese, inclusive
1 1 1 H 1 s <lo século, com milhões de moças alistadas, introduziu ino­
uma senhora leiga, a antiga vice-presidente de uma cadeia de
v111;ücs afetando a associação de membros, programas e volunla-
lojas de departamentos, como diretora geral. Tudo que não
252 PETER F. DRUCKER t NOV AÇÃO E ESPIRITO EMPREEND EDOR 253

ri ado - a s três dimensões bá si cas da organizaçã o . Ela c omeçou ou no Japão. Mas e s pero que e sse s casos , apesar de s uas li m i­
a recrutar ativamente moças das novas classes médi as urbanas, t ações, sejam suficientes para demonstrar as diretrizes empreen­
i sto é, negras, asiáticas, ]atinas; essas m inorias, agora, chegam a dedoras necessárias na instituição de serviço público para capa-
um qui nto de seus membros . E]a reco nheceu que com as m ulheres vitá-la à inovaçã o .
i ngressando em pro fissõe s e posições ad m inist rat i vas , a s mo ças 1 - P r imeiro , a instituição de serv i ço públ i c o necess ita de
prec isavam de novo s progra ma s e m odel os de papéi s que enfati ­ t 1 ma clara definição de sua m i ssão. O que ela es tá tentando fazer ?
zass em carreiras pro fiss i onais e de negócios , em vez das car reira s l 'or que ela exi ste? Ela precisa enfocar objeti v os e não
t radi cionai s de donas -de-casa e enfermei ra s . A s dirigentes das programa s e p rojeto s . Programas e projetos são mei os para um
E s c oteiras deram-se c onta de que as fontes t radici onai s de v olun­ fim. Eles devem ser sem pre considerados c omo temporári os, e,
tári as para dirigi r as atividades locai s e stavam secando por que de fato, de vida curta.
as j ovens mães não ficavam mai s em casa pro curando co i s as para 2 - A instituição de serviço público necessita de uma decla-
fazer . Reconheciam também que a no va profi ss i onal, a no va mãe ração explícita de metas . E]a deveria dize r: "Nossa tarefa é miti­
que t rabalhava, repres entava uma oportunidade, e que as Esco­ gar a fome", e não : "Noss a tarefa é elim inar a fome". Ela p recisa
teira s ( Girl Scouts) tinham o que oferecer a ela; e para qualquer de algo genuinamente atingível e, portanto, um compromisso a
o rganizaçã o comunitária, v ol untárias c onstituem a li m itação críti­
u ma meta realista, de mo do que possa eventualmente dizer: "No s-
ca. P ortanto , trataram de t ornar o t rabalho v oluntári o das Esco­ :--a tarefa terminou " .
teiras atraente para a mãe trabalhadora, e uma boa maneira dela Exi stem , natural mente, objeti v os que jamai s p oderão s e r
ter tempo e brincar c om sua filha ao mesmo tempo que também a l ingi d os . Ministrar a ju stiça em qualquer so ciedade humana é
c ontribuía para o desenvolvimento desta. Final m ente, as Êsco­ d aramente um a tarefa se m fi m, que não poderá jam ai s s er total­
tei ra s c ompreenderam que a mãe trabalhadora que não tem tempo mente alcançada, me smo a padrões modestos. Mas a maior par te
suficiente para s ua c riança repres enta uma outra oportunidade: dos objet iv os podem e devem s er pos tos em termos de ótimos e
aí começou o trabalho de E s coteiras ( m i rins) para crianças de nüo de máxi mos . Daí é pos sível dizer : "Alcançamos aquilo que
idade p ré-es colar . A ss im, as Escotei ras reverteram a tendência
procurávamos fazer ".
para a queda do ali stamento de crianças e v oluntárias , enquanto
Certamente, isso pode ser dito de m etas tradicionais d o
que os E s cotei ros (B o y Scouts), uma organi zaçã o maior , mais
1 1 irctor de e s cola: cons eguir que t od os freqüentem a escola por
antiga e i nfinitam ente mais rica, ainda estã o s em rumo .
lungos anos . E ss a meta foi há muito tempo alcançada em países
desenv olvidos . O que a educação tem que fazer agora, ist o é,
q u a l o si gnificado da "educação " c omparada à mera e s c olari-
II '·
dade?
3 - O m alogro em alcançar o s objetiv os deve ser c on s ide-
rndo como indicação de que o objetivo está e rrado, ou, pelo
DIRETRIZES EMPREENDEDORAS 1 1 1rnos, defi nido err adamente. O pressuposto preci sa então ser
q11r o objeti v o tem que ser econôm i c o em vez de mo ral . Se u m
E sses exemplos são todos americanos, sei bem disso. Sem uh jl'! iv o não fo i alcançado dep o i s de repetidas tentativas, tem -se
dúv ida, exempl os s emelhantes podem ser encontrados na Euro pa q 1 1L· pressupor que ele está errado. Não é racional c on s iderar o

L -s. !"A
254 PETER F. DRUCKER 1 NOV AÇÃO E ESP f RI TO EMPREENDEDOR 255
m alogro como boa razão para ficar tentando sempre . A proba­ Todos os hospitais americanos, de 1 970 a 1 97 5 , viram
bilidade de sucesso, como os matemáticos sabem há trezentos chegar as mudanças na prestação de serviços de saúde. A maioria
anos, diminui a cada tentativa sucessiva ; de fato, a probabilidade deles se organizou para lutar contra essas mudanças. A m aio­
de sucesso em qualquer tentativa sucessiva nunca é maior do ria deles dizia a todos que "estas mudanças serão catastróficas".
que a metade da probabilidade da anterior. Portanto, o malogro Somente um hospital viu oportunidades nelas .
em alcançar os objetivos é uma razão prima facie para questionar A Associação Americana para o Progresso da Ciência viu,
a validade do objetivo - exatamente o oposto do que a maioria na expansão do número de pessoas com formação científica e
das instituições de serviço público acredita. trabalhando em ocupações científicas, uma tremenda oportuni­
4 - Finalmente, as instituições de serviço público precisam dade para se estabelecer como líder tanto na comunidade dentí­
embutir em suas diretrizes e práticas a busca constante de opor­ fica como fora dela.
tunidade inovadora . Elas precisam ver a mudança como oportu­ E as Escoteiras examinaram as mudanças demográficas e
nidade e não como ameaça. disseram : "Como poderemos converter as tendências populacio­
As instituições de serviço público inovadoras mencionadas nais em novas oportunidades para nós" ?
nas páginas anteriores foram bem sucedidas porque aplicaram Mesmo no governo, a inovação é possível se regras simples
essas regras básicas. forem seguidas. Eis um exemplo:
Nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, a Igreja Lincoln, a capital do Estado de Nebraska, há 1 20 anos
Católica Romana nos Estados Unidos confrontou-se pela primeira atrás, foi a primeira cidade do mundo ocidental em que a munici­
vez com o rápido surgi mento de uma classe leiga católic.i com palidade assumiu a propriedade de serviços públicos, como trans­
educação superior. A maioria das dioceses católicas e, na verdade, portes, eletricidade, gás de rua, água, e assim por diante. Nos
a maioria das i nstituições da Igreja Católica Romana, viu nisso últimos dez anos, sob uma prefeita , Helen Boosalis, ela começou
uma ameaça ou, pelo menos, um problema. Com essa classe leiga a privatizar serviços como coleta de lixo, transporte escolar e
i nstruída , a aceitação inconteste de bispo e padre não mais pode­ vários outros. A cidade provê o dinheiro e as empresas privadas
ria ser tomada como certa e assegurada. E, apesar disso, não fazem licitações para os contratos; há economias substanciais nos
havia lugar para os leigos católicos na estrutura e governo da n1stos e melhorias ainda maiores nos serviços.
Igreja. Similarmente, todas as dioceses Católicas Romanas nos O que Helen Boosalis viu em ·Lincoln foi a oportunidade de
Estados Unidos, começando ao redor de 1 965 ou 1 970, enfren­ separar o "provedor" de serviços públicos - isto é, o governo -
tavam uma queda sensível no número de jovens ingressando no l' o "fornecedor". Isso tornou possível tanto altos padrões de

sacerdócio - e viram nisso uma grave ameaça. Apenas uma snviço, como eficiência, confiabilidade e custos baixos, que a
Arquidiocese Católica viu ambos esses eventos como,. oportuni­ rnmpetição pode proporcionar.
dades. (Como resultado, seu problema agora é diferente. Jovens As quatro regras expostas acima constituem as diretrizes e
padres, vindos de todos os Estados Unidos, querem ingressar pní ticas específicas que a instituição de serviço público requer
nela ; porque nessa arquidiocese o padre consegue fazer aquilo p:ira se tornar empreendedora e capacitada para i novar. Além
para o qual foi preparado, aquilo pelo que ele i ngressou no disso, contudo, ela também precisa adotar aquelas diretrizes e
sacerdócio para fazer.) pr;í l icas que qualquer organização existente requer para ser em-
256 PETER F. DRUCKER 1 NOV AÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 257
preendedora: as diretrizes e práticas discu tidas no capítu
lo ante­ 4uado às necessidades da economia. Portanto, nós não podemos
rior. "A Empresa Empreendedora ".
nos permitir manter atividades "não-lucrativas" , isto é, atividades
4ue devoram o capital ao invés de formá-lo, se elas puderem ser
organizadas como atividades que formam capital , como ativida­
des que geram um lucro.
III Porém, a grande maioria das atividades que estão sendo
desempenhadas nas e pelas instituições de serviço público perma­
necerão atividades de serviço público, e nem desaparecerão, nem
A NECESSIDADE DE INOVAR serão transformadas. Conseqüentemente, elas têm que ser trans­
formadas em produtoras e produtivas. Instituições de serviço
Por que é tão importante a inovação nas instituições de
público precisarão aprender a ser inovadoras, e a se administra­
serviço público? Por que não podemos deixar as instituições exis­
n.: m empreendedorialmente. Para conseguir isso, as i nstituições de
tentes de serviço público como estão, e depender de novas insti­ serviço público precisarão aprender a ver as mudanças sociais ,
tuições para as inovações de que precisamos no setor de serviços l ccnológicas, econômicas e demográficas como oportunidades em
públicos, como historicamente sempre o fizemos? período de rápida mudança em todas essas áreas. Caso contrário ,
A resposta é que as instituições de serviço público torna­ l' l as se tornarão obstáculos . As instituições d e serviço público
ram-se demasiadamente importantes e demasiadamente grandes se tornarão cada vez mais incapazes de desempenhar sua missão
nos países desenvolvidos. O setor de serviços públicos, tanto go­ i1 medida que se mantêm fiéis a programas e projetos que não
vernamentais como os privados sem fins lucrativos, creiceu podem funcionar em um meio ambiente em mudança, e, ainda
mais rapidamente neste século que o setor privado, talvez três a nss i m , sem serem capazes ou estarem dispostas a abandonar as
cinco vezes mais depressa. O crescimento foi especialmente 1 1 1 i ssões que não podem mais desempenhar. Cada vez mais, elas
rápido desde a Segunda Guerra Mundial. virão a se parecer aos barões feudais depois que perderam toda
Até certo ponto, esse crescimento foi excessivo . Sempre que 11 sua função social : como parasitas, sem funções, sem nada restar
atividades de serviços públicos puderem ser convertidas em em­ 11 não ser o poder de obstruir e de explorar. Elas se tornarão auto­
preendimentos geradores de lucros, elas devem ser assim conver­ j usti ficadas embora perdendo crescentemente a sua legitimação.
tidas . Isto aplica-se não apenas ao tipo de serviços municipais < ' ! a ramente, isto j á está acontecendo ao aparentemente mais
que a cidade de Lincoln agora "privatiza " . O movimento de 1 urlc delas, o sindicato trabalhista. No entanto, uma sociedade
não-lucro para l ucro já foi bastante longe no hospital americano. 1·111 mudança rápida, com novos desafios, novas exigências e
Espero que ele se torne uma debandada na educação profissional 1 1portun idades, precisa das instituições de serviço público.
e de pós-graduação. Subsidiar os que mais ganham na sàciedade A escola pública nos Estados Unidos exemplifica tanto as
desenvolvida, os detentores de títulos profissionais avançados, 1 ,pur tunidades como os perigos. A não ser que assuma a liderança
dificilmente poderá ser justificado . ,·111 i novação, provavelmente ela não sobreviverá a este século ,
Um problema econômico central das sociedades desenvolvi­ 1·xrcto como escola para as minorias nas favelas. Pela primeira
das durante os próximos vinte ou trinta anos será certamente v1·1. na sua história, os Estados Unidos se defrontam com a
o de formação do capital; somente no Japão ele ainda está ade- 1 1 1 1 H·,1<;a de uma estrutura de classe em Educação na qual todos,

&;..1*'
A
258 PETER F. DRUCKER ...
exceto os muito pobres, permanecem fora do sistema de escolas
públicas - pelo menos nas cidades e subúrbios onde mora a V; Nova
maior parte da população. E isso será, honestamente, a falha da
própria escola pública em si, porque o que é necessário para
,.,, &.:ti• Empresa
--o:,...s
reformá-la já é conhecido (ver o Capítulo 9).
Muitas outras instituições de serviço público defrontam-se
T 1
de Risco
com uma situação semelhante. O conhecimento está aí. A neces­
sidade de inovar é evidente. Elas agora precisam aprender como
colocar o espírito empreendedor e a inovação dentro de seu
próprio sistema. Caso contrário, elas se verão substituídas por
intrusos que criarão instituições de serviço público empreende­
doras competitivas e assim tornando obsoletas as existentes.
Os últimos anos do século X I X e o início do século XX
foram um período de enorme criatividade e inovação no campo
do serviço público. A inovação social durante os setenta e cinco Para a empresa em atividade, seja de negócios
anos até os anos 30 foi certamente tão vigorosa, tão produtiva e ou instituição de serviço público, a palavra domi­
tão rápida quanto a inovação tecnológica, senão até mais. Porém nante do termo "administração empreendedora" é
nesses períodos a inovação tomou a forma da criação de novas "empreendedora". Para a nova empresa de risco,
instituições de serviço público. A maioria daquelas que existem é "Administração". No negócio j á existente, o fato
por aí remontam a não mais de sessenta ou setenta anos em sua de já existir é que é o principal obstáculo ao espí­
forma atual e com sua missão atual. Os próximos vinte ou trinta rito empreendedor. Na nova empresa, é a ausên­
anos serão bem diferentes. A necessidade de inovação social pode cia disso.
ser até maior mas terá, em grande medida, que ser uma inovação A nova empresa tem uma idéia. Pode ter um
social dentro da instituição de serviço público já existente. Montar produto ou um serviço. Pode até mesmo ter ven­
a administração empreendedora na instituição de serviço público das, e, às vezes, um volume bem substancial
existente pode, portanto, ser a primeira tarefa política desta delas. Certamente tem custos. E pode ter receitas
geração. e até lucros. O que ela não tem é um "negócio",
um "presente" viável, em funcionamento e orga­
nizado, no qual as pessoas sabem para onde estão
indo, o que se espera que façam, e quais são os
resultados ou deveriam ser. Mas a não ser que a
nova empresa se desenvolva em um novo negócio
e assegure que esteja sendo "administrada", ela não
sobreviverá, não importa quão brilhante seja a
259
260 PETER F. DRUCKER 1 NOVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 261

idéia empreendedora , quanto dinheiro ela atraia, quão bons seus


produtos, nem mesmo quão grande a demanda por eles.
I
A recusa em aceitar esses fatos destruiu todas as iniciativas
de risco isoladas iniciadas pelo maior inventor do século XIX, A NECESSIDADE DE ENFOQUE NO MERCADO
Thomas Edison. A ambição de Edison era ser um homem de
negócios bem sucedido e o cabeça de uma grande companhia . Uma explicação usual para o fracasso de uma nova empresa
Ele teria conseguido, pois era um soberbo planejador de negó­ de risco em corresponder ao que prometia ou mesmo para chegar
cios. Ele sabia exatamente como uma companhia de eletricidade a sobreviver é : "Estávamos indo bem até que esses intrusos
deveria ser montada para explorar seu invento da lâmpada elé­ vieram e tomaram o nosso mercado. Realmente não enten demos
trica. Ele sabia exatamente como obter todo o dinheiro que pudes­ isso. O que eles ofereceram não era tão diferente do que tínha­
se necessitar para suas iniciativas. Seus produtos eram imediatos mos". Ou se ouve : "Estávamos fazendo tudo certo, mas esses
sucessos e a demanda por eles praticamente insaciável. Mas intrusos começaram a vender para clientes dos quais nunca tínha­
Edison permaneceu um empreendedor; ou melhor, ele pensava mos ouvido falar e, de repente, eles ficaram com o mercado".
que "administrar" significava ser o patrão. Recusou-se a montar Quando uma iniciativa é bem sucedida, mais freqüente­
uma equipe administrativa. E, assim, cada uma de suas quatro mente do que não, é em um mercado que não aquele pretendi do
ou cinco companhias entrou ignominiosamente em colapso quan­ inicialmente. com produtos e serviços não sendo bem aqueles
do atingiu um tamanho médio e foi salva apenas quando o próprio que haviam sido programados, comprados em grande parte por
Edisori foi despedido por uma administração profissional. clientes nos quais nem se pensava de início, e utilizados para uma
A administração na nova empresa de risco tem quatro série de propósitos além daqueles para os quais os produtos
requisitos: haviam sido projetados. Se uma empresa nova não antevir isso,
- Ela requer, primeiro, um enfoque no mercado . organizar-se para tirar vantagem dos mercados inesperados e des­
- Ela requer, segundo, previsão financeira, e especialmente percebidos, se não for totalmente enfocada no mercado, se não
planejamento do fluxo de caixa e necessidades de capital à for guiada pelo mercado, ela então só terá êxito em criar uma
frente . oportunidade para um concorrente.
Ela requer, terceiro, a montagem de uma equipe admi­ Por certo, há exceções. Um produto desenhado para um
nistrativa bem antes da nova empresa precisar de uma, e bem uso específico, especialmente se científico ou técnico, freqüen­
antes dela realmente se permitir ter uma. temente mantém o mercado e o uso final para o qual fora dese­
- E , finalmente, ela requer do empreendedor fundador nhado. Mas nem sempre. Mesmo um medicamento prescrito para
uma decisão a respeito do seu próprio papel, área de trabalho e u ma enfermidade específica , e testado para esta, às vezes acaba
relacionamentos. sendo usado para uma outra totalmente diferente. Um exemplo
é um preparado que é usado com bons resultados no tratamento
da úlcera estomacal . Ou uma droga utilizada principalmente para
u tratamento em seres humanos pode descobrir seu maior mer­
t·ado na Medicina veterinária .
262 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESP I R I TO EMPREENDEDOR 263

Qualquer coisa genuinamente nova cria mercados que pensara nos mercados de consumo. Foi puro acidente o que levou
ninguém antes sequer imaginava. Ninguém sabia que precisava o engenheiro que projetara um produto industrial, que nenhum
de uma copiadora de escritório antes que a primeira máquina de usuário industrial desejava , a perceber que o material poderia ser
Xerox surgisse, perto de 1 960; cinco anos depois, nenhuma vendável no mercado de consumo. Segundo o que se conta, ele
empresa podia se imaginar sem uma copiadora . Quando os pri­ levou algumas amostras para sua casa quando a companhia já
meiros aviões a jato começaram a voar, a melhor pesquisa de havia decidido abandonar o produto. Para sua surpresa, suas
mercado indicou que não havia sequer passageiros em número !'i lhas adolescentes começaram a usá-lo para prender seus cachos
suficiente para todos os aviões transatlânticos então em serviço de cabelo durante a noite. A única parte incomum desse caso é
ou sendo construídos. Cinco anos depois. os jatos transatlânticos que ele e seus patrões da 3M reconheceram que haviam tropeçado
estavam transportando, por ano, de cinqüenta a cem vezes mais num novo mercado.
uma quantidade de passageiros que jamais havia atravessado o Um químico alemão descobriu a Novocaína como o primeiro
Atlântico. ;mestésico local em 1 905 . N ão conseguiu, porém, que seus colegas
O inovador tem visão l imitada e, de fato, ele tem uma visão médicos a usassem; eles preferiam a anestesia total (eles somente
em túnel. Ele vê a área que lhe é familiar, excluindo todas as ;iceitaram a Novocaína durante a Primeira Guerra Mundial). En­
demais. tretanto, os dentistas começaram a usar o produto, o que foi total­
Um exemplo é o DDT. Descoberto durante a Segunda mente inesperado. Depois disso, segundo se conta, o químico
Guerra Mundial para proteger os soldados americanos de insetos começou a viajar por toda a Alemanha, fazendo discursos contra
e parasitas tropicais, ele eventualmente encontrou sua maior apli­ o uso da Novocaína em Odontologia. Ele não a havia descoberto
cação na agricultura, para proteger a criação e culturas contra para esse fim.
insetos, a ponto de ser banido por ser por demais eficaz. No Essa reação foi algo extremada, admito. Mesmo assim, em­
entanto, nenhum dos cientistas eminentes que prepararam o DDT preendedores sabem para o que servem suas inovações, e, se surge
durante a Segunda Guerra Mundial intuiu esses usos para ele. :ilgum outro uso para estas, eles tendem a se ressentir. Na reali­
Naturalmente, eles sabiam que bebês morriam de diarréia de dade podem até não recusar clientes que não "planejavam" ter,
"verão" causada por moscas. Naturalmente, eles sabiam que gado mas eles tendem a deixar claro que esses clientes não são bem­
e plantações são infestados por insetos e parasitas. Porém, essas v i n dos.
coisas eles sabiam como leigos. Como especialistas, eles estavam Foi o que aconteceu com o computador. A empresa que teve
preocupados com enfermidades tropicais dos humanos. Foi o u primeiro computador, a Univac, sabia que a sua esplêndida
soldado americano comum que então aplicou DDT às áreas nas 111 áquina fora projetada para trabalho científico. E, por isso,
quais ele era o "perito", isto é, seu lar, suas vacas, sua plantação sequer enviou um vendedor quando uma empresa se interessou
de algodão. •. por ela; certamente, argumentou, essa gente não poderia possi­
Similarmente, a Companhia 3 M não viu que uma fita adesiva vLl mente saber o que era um computador. A IBM estava igual-
que havia desenvolvido para a indústria encontraria miríades de 111ente convencida de que o computador era um instrumento para
usos domésticos e em escritórios, tornando-se a fita Scotch. A 3M, 1 rabalho científico; seu próprio computador fora projetado cspc-
por muitos anos, havia sido fornecedora de abrasivos e adesivos 1·ial mente para cálculos astronômicos. Mas a IBM se dispôs a
para a indústria e, com êxito, nos mercados industriais. Ela jamais 11ceitar pedidos de empresas e a atendê-los. Dez anos depois, por
264 PETER F. D RU CK E R I N OVAÇÃO E ESPfR lTO E MPRE EN D E D O R 265
volta de 1 960, a Univac ainda continuava a ter de longe a melhor rido vai contra as inclinações do empreendedor típico. Requer,
e mais avançada máquina . A IBM tinha o mercado de compu­ primeiro, que a nova empresa sistematicamente encontre tanto
tadores. u sucesso inesperado como o fracasso inesperado (cf. Capítulo 3).
A receita dada pelos livros-texto para este problema é "pes­ Em vez de pôr de lado o inesperado como uma "exceção", como
quisa de mercado". Mas é a receita errada . os empreendedores se inclinam a fazer, eles precisam sair a campo
Não se pode fazer pesquisa de mercado para algo inteira­ e olhá-lo cuidadosamente e como uma oportunidade disti nta .
mente novo. Não se pode fazer pesquisa de mercado para algo Pouco depois da Segunda Guerra Mundial, uma pequena
que ainda não está no mercado. Por volta de 1 950, a pesquisa firma de engenharia da lndia adquiriu a licença para produzir
de mercado da Univac concluiu que, pelo ano 2000 , seriam ven­ uma bicicleta de projeto europeu, com um pequeno e leve motor.
didos cerca de mil computadores; o número real em 1 984 é perto Parecia ser um produto ideal para a Índia e, apesar disso, nunca
de um milhão. E essa foi a pesquisa de mercado mais "científica ", deu certo. O proprietário dessa pequena firma percebeu, contudo,
rigorosa, criteriosa que jamais fora feita. Só havia uma coisa '.1ue um número substancial de pedidos era só para os motores.
errada nela : começou com uma premissa, na época comparti­ No início, ele pensou em não atender a esses pedidos; o que
lhada por todos, de que os computadores seriam usados para a lguém poderia fazer com um motor tão pequeno? Foi só a curio­
trabalho científico avançado, e para esse uso, realmente, o número s i dade que o fez ir até o próprio local de onde provinham os
é bastante limitado. Semelhantemente, várias empresas que rejei­ pedidos. E descobriu que os agricultores estavam retirando os
taram as patentes da Xerox o fizeram baseadas em pesquisas de motores das bicicletas e os utilizando como motores de bombas
mercado completas, que mostraram que gráficas não tinham de irrigação, que antes eram movidas à mão. Esse fabricante é,
nenhum uso para uma copiadora. Ninguém teve a mais vaga hoje, o maior do mundo de pequenas bombas de irrigação, ven­
idéia que empresas, escolas, universidades, faculdades, e um sem­ dendo-as aos milhões. Suas bombas revolucionaram as lavouras
número de i ndivíduos pudessem querer comprar uma copiadora. 1 1 0 sudeste da Ásia.
A nova empresa, portanto, precisa começar com a pressupo­ Ser dirigida para o mercado também requer que a nova
sição de que seu produto ou serviço pode encontrar clientes em empresa esteja disposta a experimentar. Se houver qualquer inte­
mercados nos quais ninguém pensou, para usos que ninguém resse pelo seu produto ou serviço por parte de consumidores ou
imaginou quando o produto ou serviço foi projetado, e que será mercados que não estavam nos planos originais, procura-se achar
comprado por clientes fora de seu campo de visão e até mesmo a lguém naquela área nova e inesperada que possa estar disposto
desconhecidos para a nova iniciativa. n experimentar o novo produto ou serviço e descobrir, se houver,
Se a nova empresa não tiver esse enfoque no mercado desde uma aplicação que possa ter. Fornece-se amostras grátis a consu­
o início, tudo que provavelmente ela criará é o mercado para m i dores eventuais do mercado "improvável" para ver o que estes
um concorrente. Alguns anos depois, "essas pessoas" virãme toma­ podem fazer com elas, se vão usá-las de algum modo, ou o que
rão conta do "nosso mercado", ou "aquelas outras pessoas", que l éria que ser feito com elas para que essas pessoas se tornassem
começaram vendendo para clientes de que jamais ouvimos falar, r l i cntes do novo produto. Anuncia-se nos jornais comerciais do
de repente terão se apropriado do mercado. setor de onde vieram indicações de interesse, e assim por diante.
Para i ntroduzir o enfoque no mercado em uma nova empre­ A companhia DuPont nunca pensou em pneus de automóveis
sa não é, em realidade, especialmente difícil. Mas, o que é regue- rnmo utilização da nova fibra de Nylon que desenvolvera. Porém

·.a.:.. là
266 PET E R F. D RUCKER I NOVAÇÃO E ESP ! RITO EMP R E E N D E DOR 267

quando um dos fabricantes de pneus de Akron , Ohio, mostrou e que pode prejudicar permanentemente até mesmo aquelas que
interesse em experimentar o Nylon , a DuPont montou uma fábri­ sobreviverem.
ca. Alguns anos mais tarde, pneus ti nham se tornado o maior e A falta de um enfoque financeiro adequado e das diretrizes
mais lucrativo mercado do Nylon . financeiras certas é, em contraste, a maior ameaça à nova empre­
Não é exigida uma quantia muito grande de dinheiro para sa no estágio seguinte de seu crescimento. Quanto mais bem
descobrir se um interesse inesperado de um mercado inesperado sucedida for a nova iniciativa, mais perigosa é a falta de previsão
é uma indicação de potencial genuíno ou um acaso feliz. Exige é financeira.
sensibilidade e um pouco de trabalho sistemático . Suponhamos que uma empresa nova obteve êxito no lança-
Acima de tudo, quem está conduzindo uma nova empresa mento de seu produto ou serviço e está crescendo depressa. Ela
precisa passar algum tempo fora : no mercado, com clientes e com mostra "lucros rapidamente crescentes" e divulga previsões aus­
seus próprios vendedores, olhando e escutando. A nova empresa piciosas. O mercado de ações então "descobre" a nova empresa
precisa introduzir práticas sistemáticas para lembrar-se de que um especialmente se ela for de alta tecnologia ou, em um campo, sob
"produto" ou um "serviço" é definido pelo cliente e não pelo outros aspectos, em moda na ocasião. Sobram previsões de que
produtor . Precisa trabalhar continuadamente, desafiando-se a res­ as vendas da nova empresa atingirão um bilhão de dólares em
peito da utilidade e valor que seus produtos ou serviços propor­
cinco anos. Dezoito meses depois, ela entra em colapso. Pode
cionam aos clientes . não deixar de existir ou falir. Mas está repentinamente "banhada
O maior perigo da nova empresa de risco é "saber melhor" cm tinta vermelha", dispensa (temporariamente) 1 80 de seus 2 7 5
que o cliente o que o produto ou serviço é ou deveria ser, c9mo empregados, despede o presidente, ou é vendida a preço d e bar­
deveria ser adquirido, e para o que seria usado. Mais que tudo, ganha para uma grande companhia. As causas são sempre as
a nova iniciativa precisa se dispor a ver o sucesso inesperado mesmas : falta de caixa; incapacidade de levantar o capital neces­
como uma oportunidade e não como uma afronta a sua autori� sário para expandir; e perda de controle, com despesas, estoques,
dade técnica. E ela precisa aceitar aquele axioma elementar de e contas a receber em desordem . Essas três enfermidades finan­
marketing: empresas não são pagas para reformar clientes. Elas ceiras freqüentemente atacam juntas e ao mesmo tempo. Além
são pagas para satisfazer clientes. disso, qualquer uma delas sozinha põe em perigo a saúde, se não
.i vida, da nova empresa.
Explodida esta crise financeira, ela somente pode ser curada

II com grande dificuldade e considerável sofrimento. Mas é eminen-


temente evitável .
'· Empreendedores ao i niciar novas empresas são raramente
PREVISÃO FINANCEIRA negligentes a respeito de dinheiro; pelo contrário, tendem a ser
gananciosos. Eles portanto centram-se em lucros. Porém , este
Falta de enfoque no mercado é tipicamente uma doença do L' o enfoque errado para uma nova empresa de risco, ou mel hor .
recém-nascido, a nova empresa de risco na sua infância. É a mais l'k vem em último lugar e não em primeiro. O fluxo de ca i xu .
grave enfermidade da nova iniciativa em seus primeiros estágios. t·;1pital e controles vêm muito antes. Sem eles, os números dos

L
268 PETE R F. D RUC KER 1 N O V AÇÃO E ESPfRITO E MP R E E N D EDOR 269
lucros são ficção, bons para doze ou dez
oito mes es, talvez, dep ois Uma nova empresa em crescimento deveria saber com uma
do que eles se evaporam .
O cres cimento precisa ser alimentado. Em a ntecedência de doze meses quanto de caixa vai precisar, quando
termos financeiros L' para quais fins . Com o tempo de espera de um ano, é quase sem­
isto sign ifica que crescimento em um nov
o empreendimento exige pre possível financiar as necessidades de caixa . Porém, mesmo se
colocar mai s recursos financeiros e não
reti rá-los. O crescimento uma nova empresa estiver dando bons resultados, obter caixa às
precisa de mais caixa e mais cap ital.
Se a nova empresa mostra pressas e numa "crise" nunca é fácil e sempre proi bitivamente
um "lucro" , este é uma ficção: um lanç
amento contábi l colocado caro. Acima de tudo, isso sempre desvia o pessoal-chave da em­
apenas para ajustar as contas . E desd
e que os impostos são pagos presa de seus objetivos na ocasião mais crítica. Por vários meses
baseados nessa ficção na maioria dos
países, ela cria uma obr i­ eles passam a gastar seu tempo e energia correndo de uma insti­
gação e um sacrifício de caix a e não um
sup erávit. Quanto mai s tuição financeira para outra e desdobrando um conjunto de pro­
forte uma nova empresa e mai s rapi dam
ente ela cresce, mai s ela jeções financeiras questionáveis uma após outra. No fim, eles
necessi ta de sustento financeiro. As emp
resas novas que são as geralmente têm que hipotecar o futuro do negócio a longo prazo
favoritas dos jornais e pub l icações do mer
cado de ações, as em­ para conseguir atender a um compromisso de caixa de noventa
pres as novas que mostram um rápido dias. Quando, finalmente, estão de novo em condições para dedi­
cres cimento e "lucros
recordes " são aquelas com maior pro car tempo e atenção à empresa, eles, infalivelmente, terão perdido
bab ilida de de incorrer em
complicações des esperadoras poucos ano as principais oportunidades. Isto porque a nova empresa, quase
s mais tard e.
A nova empresa de risco prec isa da aná por definição, está sob pressões de caixa quando as oportunidades
lise de fluxo de caixa,
previsões de fluxo de caixa e adm inis são as maiores.
tração de caixa. O fé:tto de
que as novas inic iativas da Améric A nova iniciativa bem sucedida também superará sua estru­
a dos últimos poucos anos
(com a significativa exceção das emp tura de capital. Uma regra prática, com uma boa dose de evi­
resas de alta tecnolo gia) têm
pro duz ido resultados tão sup erio res dência empírica para confirmá-la, diz que uma nova empresa
aos que elas cos tumavam,
ocorreu, em grande parte, porque supera sua base de capital a cada aumento de vendas (ou fatura­
os novos empreendedores nos
Estados Un ido s aprenderam que em mento) da ordem de 40 a 50 por cento. Depois desse crescimento,
preendimento demanda adm i­
nis tração financeira. a iniciativa também necessita de uma nova e diferente estrutura
A adm inis tração de caixa é relativa de capital, como regra geral. À medida que a empresa cresce as
mente fácil se existem
pre visõ es de fluxos de caixa confiáv fontes de recursos próprios, sejam dos proprietários e suas famí-
eis, onde "confiável" quer
diz er "o pior caso" de premis sas e 1 ias, ou de terceiros, tornam-se inadequadas. A empresa tem que
não esp eranças . Existe uma
antiga regra empírica do banque iro, encontrar um acesso a recursos de dinheiro muito maiores, abrin­
segundo a qual na pre visã o
de entradas e de saíd as de caix a pre do o seu capital, achando um ou mais sócios dentre empresas
ssu põe -se que as corhas pre ci­
sarã o ser pag as sess enta dias ant es do estabelecidas, ou levantando dinheiro de companhias de seguros
esperado e que con tas a
rec ebe r chegarão sessenta dias dep ois. ou de fundos-de-pensão. Uma nova empresa que tinha sido finan­
Se a pre visã o é excessiva­
ciada por capital próprio agora necessita mudar para dívida a

l
mente conservadora, o pior que pod
e acontecer , e que raramente
acontece numa nova empresa em cre longo prazo, ou vice-versa. À medida que a empresa cresce, a
scim ent o, é um superávit de
caixa temporário. estrutura de capital existente sempre se torna a estrutura errada
e um obstáculo.

·1..;a
27 1
EM PR EEN DE DO R
2 70 P E T E R F. D RUCKE R 1 •,1 1 ,v AÇ ÃO E ESP !RI TO
en dedo r
su mi do tod o o ri sco empre
Em a lguma s emp re s a s nova s , o pl anejamento de capita l é, , l, ,n.: s perceberão que h av i am as o s p ro p riet ári o s.
em comp aração, fácil. Quan d o a empres a cons i ste de unidades o n s pa r a tornar rico s o utr
, · t rab alh o u ap e a
gad os , com o s novo s
árd
uniformes e to ta lmente l ocai s - res ta uran tes de um a ca deia , ri r o s ter ã o s e t orn ad o empre
1 k pr o p etá i s ele
trole.
centros cirúrgico s autôno mos o u h o spit a i s i so l a d o s em cid a des 111vcstid ores as sumi nd o o con
diferentes , con strutores de ca s a s co m o pera ções s ep a r ad as em
difere ntes áre as metrop ol it an a s, l oj a s d e especi a lid a des e seme­ an-
preci s a plan eja r o si stema fin
lhantes - ca d a u nid a de p o de ser fi n a nciad a como uma empresa Fi n almente, a nov a empres a a v ez , o em­
s eparada. U_ma soluçã o é a d otar a fran qui a (que é, em e s s ê n cia , 1 e i ro qu e requer p ar a ge
rir o cresc i mento . Ma i s um e
com um exc el ent
um mo d o de fin anci ar uma exp ansão rápi d a). Outra , é instalar n o n o v o em cre sci ment o começa
preendim e t perspec­
seu mercad o , e excelent e s
cad a u n id a de l oca l como uma empres a co m investid ores s ep a rado s p roduto , excelen te p os ição em co ntrole:
o n o rep e nte, tudo e s c a p a ao
e freqüentemente l oc a i s , com o sócio s "limitado s". O c apital ne­ tivas de cre s cim en t . E tã , de
rica ção , cus to s ad
min is­
ces s ári o para cres cimen to e e xpans ão p o de p ortan to s er levan­ a a c , e s t o qu es , cust os de fab
ro nt s re eb er um a áre a
bui ção , tudo . A ss im qu e
t a d o p asso a p a ss o , e o sucesso d a un id a de preceden te prop orciona t rativos , a ssi stência , distri s d em ais . A em pres a
a comp rovação e o incentivo para o s i nves tid ore s que se seguem. on o o me sm o aco ntece com a
esca p a ao c tr le, o o co ntrole
trutura de controle. Quand
M a s isso apenas func i ona quando : a) cada unid a de atinge o cresceu m a is do que sua es , cl i entes ficar am des­
p ont o de equilíbri o em p ouco tempo , no máximo t a lvez d entro i o r c ad o s for a m pe rd i dos
ror restab ele c d , me
per der a m sua confi ança n a
de d ois ou t rê s anos ; b) quan d o a operação p o de ser t ornad a o s , s e nã o h ost i s , di s tri bu id ores
nte nte n a a dm i-
empregad o s perderam a fé
c
rotineira , d e m o d o que gente de comp etên cia gerenci a l limita d a , em p re sa . Pi or que tud o , os
s.
o típico p o ssuidor d a fra nquia, ou o gerente a dmini s trativo ' d e nistr ação , e com b oa s razõe oles
pre t orn a o bsoleto s os contr
um centro cirú rgico autônom o l ocal, p o ss a f aze r um b om t rab a lho O crescimento ráp ido sem a 50 por cento em
s em muit a supe rvisão ; c) quand o a próp ri a u n idad e l o ca l atinge n o cres c imento de 40
ex isten te s . Re pe ti d , um
ti c o .
p rontamen te o tamanh o ótimo , além d o qua l el a n ão requer m a i s volume parece ser o v al or crí ptur ad o . N o
d ifíci l de s er rec a
capital mas pro duz s ald o s de caix a pa ra a jud ar a financiar o i níci o Perd i d o o controle, ele é i t a da co m gran de
f acil i­
d as o perações de unidade s adici onai s . o a c ontrole p ode s er ev
an t , a pe rd de
b re to das
primeiro , pensar a fun d o so
en t
P a ra a quelas nov a s empresa s que nã o têm con d i ções de ser d a de . O que é neces s ário é, uma d el as , p ode s e r
financi adas como unidades sep ar a d a s , o pl anejamento d e c a pital a em um a da d a em pre sa. Em
a s áre s crí tic as terceira,
a a s s i s tênci a ; n um a
duto ; n um a outr a ,
é uma necess id a de à sob revivência. Se uma nov a emp res a em a qu al i d a de d o pro s t o s de m anu ­
r s o es; n uma quart a , os cu
cres cimento planeja rea li stica mente, o que , novamente, s ignifica conta s a r e ceb e e e t qu
críticas
as sumir a necess id ade máxima e n ã o a mínima , as s u as exigên ci as ra a a e ex iste m ma i s que quatro ou cinco áreas
f a tu . R r m nte
tiv a s, contudo ,
a e s pe s as ge rai s a dm ini s tra
de ca pital e s ua estrutura de capital três anos à frente, em d eve em qualquer em pre s . (D
n a s. Um aum ent o
desp rop orc ion ad o e
normalmente ter p ouca dificuld a de em o bter o tip o de d i nhei ro s sem pre i clu íd
er des pe sas
receita s ab sorvid a s pe la s
devem
que p recis a, qua ndo preci sar dele, e s ob que forma preci s ar d ele. ráp ido na p orcentagem de do que a em pre sa
o ad mi n i s tr a ção , s ign ifican
Se el a esperar até que cres ç a m a is que s u a base de capita l e sua gerais d e dir eçã e
m a is rap ide z do
dmin istr ati v o co m
estrutura de capital , estará col oc and o s ua sobrevivênc ia, e co m contrata pesso al diretivo e a o sin al d e qu e
c ce , é, ger a lm ente , o pri me ir
m a i s certeza a su a i ndependênci a , à vend a . N o mín imo , o s fun d a- que el a re a lm en te res
272 PETER F. D RUCK E R I NOVAÇÃO E ESPIRITO EMPRE EN D EDOR 273

um negócio está ficando fora de controle, que sua estrutura e A razão é sempre a mesma: a falta de uma boa administração
práticas administrativas não estão mais adequadas à tarefa .) de cúpula. A empresa cresceu demais para ser administrada por
Para corresponder às suas expectativas de crescimento, a uma só pessoa, ou mesmo por duas, e agora precisa de uma
nova empresa precisa implantar hoje os controles nessas áreas equipe administrativa no topo. Se ela não tiver uma equipe já,
críticas das quais irá precisar daqui a três anos. Controles nessa ocasião, será muito tarde e, de fato, geralmente demasiado
elaborados não são necessários e nem importa que os números tarde. O melhor que se pode esperar é que a empresa sobreviva.
sejam apenas aproximados. O que importa é que a administração Mas provavelmente estará incapacitada de vez, ou ficará com
da nova empresa esteja ciente dessas áreas críticas, esteja sendo cicatrizes que a farão padecer por muitos anos à frente. O moral
lembrada de que elas existem, podendo portanto agir com rapidez estará destroçado e os empregados estarão desiludidos e céticos
se a necessidade surgir. Não haverá confusão, normalmente, se por toda a empresa. E as pessoas que a fundaram e a construíram
houver a devida atenção às áreas-chave. Então, o novo empreen­ quase sempre terminam do lado de fora, amarguradas e desen­
dimento terá os controles de que precisa quando necessitar deles. cantadas .
A previsão financeira não requer muito tempo. Ela requer O remédio é simples: montar uma equipe administrativa de
uma boa dose de ponderação, porém. Os instrumentos técnicos cúpula antes que a empresa atinja o ponto de precisar tê-la. As
para realizar o serviço estão fáceis, à mão; eles são abordados na equipes não podem ser formadas da noite para o dia. Elas exigem
maioria dos textos em contabilidade administrativa . Mas o traba­ longos períodos de tempo antes que possam funcionar. Equipes
lho terá que ser feito pela própria empresa . são baseadas em confiança mútua e compreensão mútua, e isso
leva anos para ser conseguido. Na minha experiência, um período
de três anos é aproximadamente o mínimo.

III Porém, a nova empresa pequena e crescendo não pode se


permitir contar com uma equipe de alta administração; ela não
pode manter meia dúzia de pessoas com elevadas posições e
A FORMAÇÃO DA EQUIPE DA salários correspondentes. De fato, na pequena empresa em cres­
ALTA ADMINISTRAÇÃO c imento, um número muito pequeno de pessoas vão fazendo de
t udo à medida que aparece. Como, então, resolver essa quadra­
A nova empresa estabeleceu-se com êxito no mercado certo i u ra do círculo?
e também acertou na criação de sua estrutura financeira e sistema Novamente, o remédio é relativamente simples. Porém ele
financeiro de que necess_ita. Não obstante, poucos anos depois, rL·quer disposição por parte dos fundadores para montar uma
está ainda a ponto de entrar numa grave crise. Bem q4ando pare­ l'quipe, em vez de continuar fazendo tudo sozinhos. Se uma
cia no limiar de se tornar um "adulto" - um empreendimento ou duas pessoas na cúpula acreditam que elas, e somente elas ,
estabelecido, operando e bem sucedido -, ela entra em dificul­ devem fazer tudo, então torna-se inevitável uma crise na adminis­
dades que ninguém parece entender. Os produtos são de primeira t rnção em poucos meses, ou, no máximo, em poucos anos adiante.
qualidade, as perspectivas são excelentes, e apesar disso a empre­ Sempre que os indicadores econômicos objetivos de umu
sa simplesmente não consegue crescer. Nem lucratividade e nem tHiva empresa, levantamentos de mercado, por exemplo, ou unú­
qualidade, nem qualquer das outras principais áreas funcionam. l iscs demográficas indicarem que ela pode dobrar dentro de t rês

:a. �
NDEDOR 275
274 PETER F. DRUCKER 1
NOVAÇÃO E ESP !RIT O EMPREE

ção da e qu ipe . O fu nda ­


ou cinco anos, então é d ever , do fundador ou fu ndadores , montar Então se inic ia o tra balho de forma
par a não lida r com pessoa s e
a eq u ipe administr ativa de que a iniciativa logo deverá preci s ar . dor com eça a se a utod i scip lina r
a ativ ida de-chav e à qu al ma is ele
I sto é med icina preventiva, pode- se dize r. seus probl emas, se essa não for os pro d u­
esse ind ivíduo se ja nov
Antes de tu do, os f undadores , juntamente com o u tras pes­ se adapta. Tal v ez o ponto forte d
idade-chav e d ess e ind ivíd uo
soas-chav e da fi rma, preci s arão pond erar sobre as atividades ­ t os e nova tecnolog ia. Tal vez a ativ
uiç ão física, a ssistência ao con­
chave d e su a empresa. Qu ais são a s áre a s específica s da s quais seja operação, manufatu ra, dis trib
iro e finanças e algum outro
d epende a sobrevivência e o su cesso d essa empresa em particular ? sum ido r. Ou , talvez, seja d inhe
. Ma s tod as as ativ ida des-chav e
A maioria da s á re as cons tarão da li sta d e todos . Porém se hou ver pud ess e melhor lida r com pessoas
que provou sua hab ilid ade no
dive rgências e discordâncias, e d eve haver nu m a ssunto tão impor­ precisam ser cobertas por alguém
desempenho d elas.
tante qu anto esse, elas d ev em s er encarada s com se ri e dad e . Qual­ diretor-pres i dente tem que
Não há regra par a dizer: "Um
que r atividade que u m membro do grupo achar que pe rtence à N at u ralmente um diretor-presi­
se incumbir di sto ou daq uilo ". ilid ade
li sta d eve consta r d esta . u r so e tem a r es ponsab
dente é o tribunal d e último rec
A s atividad es não se rão d es cob erta s em livros . Elas emer­ rar a obtenção da informa ção
fina l . E ele também tem que assegu
g em da análise do empreendimento es pecífico . Dua s empres as s a r esponsabili dad e fin
al . O
necessári a par a d esin cu mbir-se des e
que pa ra alguém d e fora pareçam pertence r a u ma linha idêntica ente , contu do, d e pe nd
do que
trab alh o pessoal do diretor-presid u anto o trab alh o
d e ne gócio podem mu ito b em acabar d efinindo suas atividades­ e m é o ind ivíduo. En q
;1 emp res a exi ge e d e qu
chave b em diferentemente. Uma, por exemplo, pod e colocar a e ativ ida d es -chav e, e le
ou ela
do diretor-presidente cons isti r d e
esid e nte . Ma s e
produção como centr al; a outra, a assistência ao cliente . Somente l tam bém é
L' xecuta um tra bal ho d e diretor-pr
todas as outras ativ idad es-chav
d u a s atividades-chave es tão sempre presentes em q u alque r o rga­ e
responsável por asseg u rar que
nização: existe sempre a admini stração de pessoa s e exi st e se mpre s eja m ad equ ada mente cob e rtas.
ecis am s e r estab e lec
ido s
a administração d e dinhei ro. As d emais têm que ser d eterminadas Fin almente, m etas e obj etivos pr e
ume a respons abi lida
d ma ior
por quem está d entro olhando a empres a e a seu s próprio s car gos, para cad a áre a . Cad a um que ass
esenvol vime nto d e p r
odu to, ou
valores e metas. por uma ativ ida d e-chav e , sej a d
rgunta do : "O que esta emp res a
O passo segu inte é, então, cada memb ro do grupo, a começa r pes soa l, ou dinhe iro, d e ve s er pe
mos tor nar voc ê responsável ?
pelo fundador, pergu ntar: "Qu ai s são as atividades qu e eu estou L·spera de voc ê? Do que devere
fazendo b em ? E qu ai s são as atividades que cada u m do s meus seg u ir e quando ? " Isto porém é
O que você está trntando con
lmente.
colegas-chave nesta empresa estão re almente fazendo b em?" De ad min i stração elementar , natura
da alta adm ini stração inf or-
novo, vai se concordar sobre a maioria das pes soas e s obre a É pru d ente estab el ecer a e quipe los às pes­
ece s sid ad e d e dar títu
maioria d e seu s ponto s fo rt es. E, mais u ma v ez, qualquer desa­ ma lmente a princípio. Nã o há n
scimento, nem d e fazer comu-
cordo d ev e ser levado a sério. sua s em uma empresa nova em cre e es pe rar
A se gu i r, pe rgunta-se: "Qu ais da s atividad es-chave cada um 11 ica do s e nem seque r
d e pag ar extras. Tu do isso pod
e ja cla ro que o nov
o arran .io
d e nós d ev eria, portanto, assumir como s ua p rime i ra e principal n·r ca de um ano , até que est
o, todos os memb ro s d e equ ipe
responsabilidad e porque são ad e qu ada s ao s pontos fo rtes de fu nci ona, e como. N esse meio-temp
o, como tra bal ham j unto s . l'
cada um? Que indivíduo se ajusta para qual atividade-chave ?" t(· m mu ito que aprender : seu serviç
276
PET ER F. DR UCK E R I NOVAÇÃO E ESPIRITO EMPRE ENDEDOR
277
o que têm que fazer para qu
e o diretor-pres idente e seus
vos façam o seu tra ba lho. executi­ Bem antes de ter atingido o ponto onde ela precisa da esta­
Do is ou três anos ma is tarde
a nova empresa em cresci , quando bilidade de uma equipe de alta administração, a nova empresa
mento precis ar de uma alt a
tração, ela a terá. adm ini s­ precisa criar uma alta administração. Bem antes de chegar a
Entretanto, caso ela não con ocasião em que a administração de um só indivíduo não mais
siga montar uma adm ini straçã funciona e se torna má administração, esse indivíduo também
de cúpula da qual realment o
e necessite , ela perderá a cap tem que começar a aprender a trabalhar com colegas, tem que
de se adm ini strar muito ant aci dad e
es de necess ita r de fato dessa aprender a confiar nas pessoas e ainda também como fazê-las
O fundador estará tão sob equ ipe .
recarregado que tarefas im responsáveis. O fundador tem que aprender a se tornar o líder
não serão cumpri da s. Nesse portantes
ponto a empresa poderá esc de uma equipe em vez de uma "estrela" com "ajudantes" .
um de dois cam inhos. A pri me olher
ira possi bil idade é que o fun
se concentre em uma ou du dad or
as áreas que se coadunem
ha bil idades e interesses. Essas com suas
são deveras áreas-cha ve, mas
IV
são as ún ica s cru cia is, e não não
resta ninguém para olh ar pe
dem ais . Do is anos ma is tar de, las
áreas importantes terão sido
gen cia das e a empresa estará neg li­
em terríveis ap uros. A outra
poss ibi lid ade é a de qu e o fun pio r "ONDE POSSO CONTRIBUIR?"
dad or seja consci en cioso. Ele
qu e gente e din he iro são ati vid sab e
ades essen cia is e devem ser
da s. Su as ha bil idades e int cu ida ­ Montar uma equipe de alta administração pode ser, isola­
eresses pessoais , os qu ais
construíram o negócio , est realmente damente, o mais importante passo para a administração empreen­
ão no projeto e desenvolvi
novos produtos . Mas, sendo mento de dedora na nova empresa. Ê apenas o primeiro passo, contudo,
consciencioso, o fundador se para os próprios fundadores, que então precisam pensar muito
para cu ida r de pessoas e fin esforça
anças. Uma vez que ele não sobre qual deverá ser seu próprio futuro.
dotado em nenhuma dessa é muito
s áreas, ele se sai ma l em À medida que um novo empreendimento se desenvolve e
E também demora dem ais pa am ba s.
ra tomar dec isões ou pa ra cresce, os papéis e os relacionamentos dos empreendedores ori­
qu alquer trabalho nessas áre fazer
as, sendo então ob rigad o, po ginais sofrem mudanças inexoravelmente. Se os fundadores
de tempo, a negligenciar aqu r fal ta
ilo em que ele é realmente recusam-se a aceitar esse fato, eles tolhem o negócio e podem
no que a companhia de le dep bom e
ende, o desenvolvimento de no até mesmo destruí-lo.
no log ia e de novos produtos va tec­
. Três anos depois , a empre Todos os fundadores-empreendedores concordam com isso e
se tornado uma concha vaz sa terá
ia sem os produtos de que dizem: "Amém". Cada um deles sabe de histórias de horror de
e ain da sem a ad mi nistra ne cessit a,
ção de gente e de dinhe iro outros fundadores-empreendedores que não mudaram quando o
carece. , de que
novo empreendimento mudou e assim destruíram tanto a empresa
No pri me iro exemp lo, pode como a si mesmos. Porém, mesmo entre os fundadores que po­
ser possível sal va r a empresa
Afina l , ela tem os produtos . . dem aceitar que eles próprios devem fazer alguma coisa, poucos
Mas o fun dad or será inevitav
afastado por quem a vier sal elm en te
va r. No segundo caso, a com sabem como fazer para mudar seus próprios papéis e relaciona­
nã o po de ma is ser sal va e ter panhia
á qu e ser vendid a ou l iqu ida da mentos. Eles tendem a começar perguntando: "O que eu gosto
.
de fazer? " Ou, no máximo, "Onde eu me ajusto? " A pcrgu nt11
RE END EDOR
279
278 PETER F. DRUCKEI{ i N l l V AÇÃÜ E ESPt RITO EMP

or e e mpl o , o ho mem
que inv entou o v i dro
co rreta p a ra começa r é: "De que a nova e mpres a precis a rá obje" Ed w in L and, p x
dura nte os
i r i gi u a comp anhi a
tivamente em termo s de a dmi n istra ção da qui em di ante?" E l 'ularoid e a câmera Polaro id , d a­
su a v ida , até o in ício d a déc
numa nova empres a em c rescim ento , o funda dor precis a fa zer primeiro s doze ou quin ze an os de o
scer depress a. L and, e ntão, m n­
ess a s pergunta s sempre que a empres a (ou a i n stituição de serviço da de 50 . Aí el a com eçou a cre a ele ,
n stal o u- a . Qu anto
a a dmi n istr a çã o e i
l l)U um a e quipe de a lt
público) cresça sign ific a tiva men te ou mude de rumo o u ca ráter, o da
certo par a o cargo ma is alt
isto é, mude seus produtos , serviço s, mercado s, ou o tipo de d ecidiu que n ão era o hom em a da r de co ntri bui
ção
gente de que precis a. a nh i a : o que el e , s o mente ele, pode ri
comp
qüentemente , L and construi u
um
A pergunta seguinte que o funda dor deve fa zer é: "Em er a a i nov ação ci entíf ic a . Cons e
que sou bom? Qu a is de t oda s ess a s necessida de s da empres a eu e como o di re to r consultor d a
l ab oratório para ele e e st ab eleceu-s anhi a , n a s su a s o p
era­
po sso aten der, e atender bem ? " Somen te a pós ter pen s ado e pen­ pan hi a par a pesq u is a bás i c a . A co mp
por ele p ara o s o utros a di ri girem
com .
s ado sobre ess a s pergun ta s, o funda dor en tã o pergunta : "O que
ções do di a-a-di a , foi deixa da
eu e con struiu a McDonald's,
eu desejo realmente fazer, e acre dito em fazê-lo ? Em que estou Ray Kroc, o h omem que conceb nt
i co u co m o pre s i de e
disposto a p a ss ar a n os, sen ã o o resto de minha vida ? Iss o é algo a a nclu sã o s e mel hante. El e f
che go u u m co
que a empres a rea lme nte n ecessita ? E uma contribuiçã o impo r­ do s o itent a a n os. M as i nstalou
até quando morreu, já p a ssado
çã o p ara di rigir a co mp anhi a e
ta nte, essenci a l e indispen sável? " se
uma equi pe de alta admi n i stra Até pouco
U m exempl o é o da bem sucedida un ive rsida de metropoli­ n g " da comp anhi a .
n omeo u a "consci ênc ia de m arketi re sta uran tes McD o ­
t ana a meric an a a pós a Segun da Guerra Mundi a l, a P ace, em e vis i t av a doi s ou três
antes a m orte , el
de s u su qualidade, a
N ov a Y o rk . O Dr. Edwa rd M o rtol a con struiu a i nstituição a
nald's po r sema n a
verifi ca ndo cuida dos a mente a
p artir do n ad a em 1 94 7 , p ara to rn á-l a a te rceir a m a io r, e a 'de a de tudo , pr ocura
v a o s client es,
crescimento m a is rápido de N ov a Y ork, com 25.000 a lunos e limpeza e a cordi alidade. Acim companhi a fa zer a s
o o s o uv ia . Is s o perm i t ia à
f al a v a c m eles e do s
esco l a s de pós-graduação bem considerada s. N o s primei ro s anos nter a l i der anç a n a i ndústria
da universid ade ele foi um i nov a dor ra dica l. M a s qu ando a P ace mudança s n ecessár i a s pa ra ma
a i n da er a be m pequen a (p o r v o lt a de 1 950) , M o rto l a mo n tou l a nch es-r ápi do s . eno r, uma com-
e o o , num a i ni ci a t i v a muito m
D o m sm m od ico
uma vigo ros a equipe de alta a dmi n istra ção . A ca da m embro fo i ução na re gião no roeste do P acíf
p anhi a de m ateri ais de co nstr
dad a uma respons abilidade impo rta nte cl a ra mente definida , da que cr iou a comp an hia dec id i
u
dos Esta dos U nidos, o j o vem
qua l se esperav a que ele presta sse cont a s de maneira tota l e propi­ e sim des envolv er seu recurso
ci a sse l ideranç a. U n s pouco s ano s ma is ta rde, M o rto l a decidiu que s eu p a pe l não era diri gi -l a ,
s po r sua s duzent a s fil iai s em
e ntã o qua l seri a o seu própri o pa pel e se co nv e rteu no tr a dici o ­ crítico , o s gerentes responsávei n­
Ess es gerentes estã o de f ato co
n a l pre sidente (reitor) da un ive rsida de, ao mesmo tempo em que pe quenas ci dades e subúrb ios.
l ocai s. Eles são apo i ado s p or
mont av a um vigoro so e i ndepe ndente Con se l ho Curado t- p a ra duzindo seus própri o s n egóci o s n tr a l de comp ras ,
o a n cia d a s sedes ce ntr a is; ce
a co ns e l h á-lo e a po iá-l o. ser v i ç s de ssis tê a
ntrole de crédito e de cont a s
M a s a s questões a respeito d a s n ecessidades de um empreen­ de controle de qual i dade, de co
s a venda é feita por mei o de
dimento no v o , s obre qua is são o s ponto s fo rtes do funda do r-em­ receber , e assim po r d iante. M a
muito pouc a a juda - ta lvez
preendedo r, e sob re o que ele o u el a dese j am fa ze r, podem ser cada gerente, na su a região , e co m
de c am in h ão.
respondida s bem diferentemente. um vendedor e alguns moto ri stas
280 P E T E R F. DRUCKER I N OVAÇÃO E E SPfRITO EMPREENDEDOR 28 1
A empresa depende da motivação, energia, habilidade e Isso foi o que concluiu o fundador de um dos mais bem
entusiasmo desses indivíduos isolados, sem sofisticação. Nenhum sucedidos empreendimentos novos nos Estados Unidos. Ele real­
deles tem diploma superior e poucos sequer concluíram a edu­ mente montou uma equipe de direção. Perguntou o que a com­
cação secundária. Por isso o fundador dessa companhia decidiu panhia necessitava. Olhou-se a si mesmo e aos seus pontos for­
ser sua incumbência passar doze a quinze dias por mês no cam­ tes; e viu que não havia compatibilidade entre as necessidades
po visitando gerentes de filiais, passando meio-dia com eles, dis­ da companhia e suas habilidades pessoais, quanto mais entre as
cutindo os negócio s, os planos e as aspirações deles. Esta bem necessidades da companhia e as coisas que ele desejava fazer .
pode ser a única característica especial da companhia; fora isso, "Eu treinei meu sucessor durante dezoito meses, passei a em­
todo atacadista de materiais de construção faz as mesmas coisas. presa para ele, e demiti-me", disse ele. A partir daí, ele iniciou
Porém o desempenho dessa única atividade-chave pelo diretor­ três novos negócios, nenhum deles em finanças, desenvolveu-os
presidente permitiu à companhia crescer três ou quatro vezes com sucesso até atingirem um tamanho médio, e também dei­
mais rapidamente do que qualquer concorrente, mesmo em épo­ xou-os. Quer desenvolver novos negócios, mas não tem prazer
cas de recessão. em dirigi-los, e aceita o fato de que será melhor que tanto ele
No entanto, uma outra resposta completamente diferente à como os negócios estejam divorciados um do outro.

.
mesma pergunta foi dada pelos três cientistas, que, juntos , fun­ Outros empreendedores nesta mesma situação podem che­
daram aquela que se tornou uma das maiores e mais bem suce­ gar a conclusões diferentes. O fundador de uma clínica médica
didas empresas na indústria dos semicondutores. Quando se per­ bem conhecida, líder no seu campo específico, enfrentou um di­
guntaram: "Quai s são as necessidades do negócio ?", a resposta lema semelhante. As necessidades da instituição demandavam
foi que elas eram três: "Uma para a estratégia básica do negó- um administrador e angariador de fundos. Suas inclinações pes­
cio, uma para a pesquisa científica e desenvolvimento, e uma soais eram a de ser pesquisador e clínico. Mas deu-se conta de
para o desenvolvimento de pessoal, especialmente pessoal cien­ que ele era bom em angariar recursos e capaz de aprender a
tífico e técnico". Eles decidiram qual dos três era o mais indi­ ser diretor-pn:sidente de uma organização de assistência à saúde
cado para cada uma dessas atribu ições, e então as dividi ram razoavelmente grande. "E assim", diz ele, "senti que era o meu
de acordo com seus pontos fortes . Aquele que ficou encarre­ dever à empresa nova que havia criado, e aos meus associados
gado de relações humanas e desenvolvimento de pessoal tinha nela, sufocar meus desejos pessoais e assumir o cargo de di re­
sido realmente um inovador científico prolífico e tinha elevado tor-presidente e angariador de fundos. Mas eu jamais teria fcito
prestígio nos círculos científicos. Mas ele resolveu , e seus cole­ isso se não soubesse que possuía as habilidades para fazer o
gas concordaram, de que estava esplendidamente qualificado para serviço e se meus assessores e o meu conselho diretor não tives­
a tarefa administrativa, de 1idar com pessoas, de modo que sem todos me assegurado que possuía essas habilidades''.
ele
a assumiu. "Não era", ele disse uma vez em discurso, ·�o A pergunta �·A que lugar eu pertenço? " precisa ser enfren­
que
eu realmente desejava, mas foi onde eu poderia dar a maior tada e bem ponderada pelo fundador-empreendedor no momento
contr ibuiçã o". em que a nova iniciativa mostra os primeiros sinais de sucesso.
Essas perguntas podem nem sempre levar a finais tão feli­ Mas ela pode ser enfrentada muito mais cedo. Na verdade , é
zes. Elas podem até mesmo levar à decisão de deixar a com­ melhor que seja cogitada antes sequer que se inicie o novo
panhia. empreendimento .
282 PETER F. D RUCKER I NO VAÇÃO E ESP1RITO E MPR E E N DEDOR 281
Isto é o que Soichiro Honda, o fundador e construtor da
l ugar, a Ford Motor Company começou seu longo decl ínio.
Honda Motor Company no Japão, fez quando decidiu abrir um
1 knry Ford aferrou-se ao Modelo T por dez anos inteiros, até
pequeno negócio nos dias mais sombrios depois da derrota do
que ele se tornou literalmente invendável. E o declínio da com­
Japão na Segunda Guerra Mundial. Ele não iniciou sua compa­
panhia não foi revertido durante trinta anos depois da demissão
nhia até que achasse o homem certo para ser seu sócio e dirigir
de Couzens, até que, com seu avô à morte, um muito jovem
a administração, finanças, distribuição, marketing, vendas e pes­
1 knry Ford I I assumiu o negócio praticamente {alido.
soal, pois Honda havia decidido desde logo que ele pertencia à
engenharia e produção e não dirigiria mais nada. Esta decisão
fez a Honda Motor Company. A NECESSIDADE DE ACONSELHAMENTO EXTERNO
Há um exemplo anterior e até mais instrutivo, que é o de
Henry Ford. Quando Ford decidiu em 1 903 entrar no ramo Esses últimos casos destacam um importante fator para o
de negócios por si mesmo, ele fez exatamente o que Honda iria empreendedor na empresa nova em crescimento, a necessidade
fazer quarenta anos mais tarde: antes de começar, ele achou de aconselhamento externo, independente e objetivo.
o homem certo para ser seu sócio e dirigir as áreas às quais Ford A iniciativa em crescimento necessita de um conselho di­
sabia que não pertencia: administração, finanças, distribuição, retor formal. Além disso, o típico conselho de diretores /freqüen­
marketing, vendas e pessoal . Como Honda, Henry Ford sabia temente nos fornece as recomendações e os pareceres que o fun­
que era homem de engenharia e manufatura e iria se confinar dador precisa. Mas o fundador precisa realmente de gente com
a essas duas áreas. O homem que achou, James Couzens,1 c�n­ quem ele possa discutir decisões básicas e a quem escutar. Tais
tribuiu tanto quanto Ford para o sucesso da companhia. Muitas pessoas raramente são encontradas dentro da empresa. Alguém
das diretrizes e práticas mais conhecidas da Ford Motor Com­ tem que desafiar a apreciação das necessidades do empreendi­
pany pelas quais Henry Ford freqüentemente recebe crédito - mento feita pelo fundador, e de seus próprios pontos fortes pes­
os famosos 5 dólares por dia de salário de 1 9 1 3, ou diretrizes soais. Alguém que não seja parte do problema tem que fazer
pioneiras de distribuição e assistência, por exemplo - foram perguntas, examinar decisões e, acima de tudo, pressionar cons­
idéias de Couzens, e no princípio até resistidas por Ford. Cou­ tantemente para ter as necessidades de sobrevivência a longo
zens tornou-se tão eficaz que Ford passou a sentir cada vez mais prazo do novo negócio satisfeitas pelo enfoque no mercado, pela
ciúmes dele e forçou-o a sair em 1 9 1 7. A última gota foi a insis­ preparação da previsão financeira, e pela criação de uma equipe
tência de Couzens que o Modelo T estava obsoleto, e sua pro­ de direção operante. Este é o requisito final de administração
posta de usar parte dos enormes lucros da companhia para co­ empreendedora na nova empresa de risco.
meçar a preparar o seu sucessor.
A Ford Motor Company prosperou até o próprio dia tla re­
signação de Couzens. Dentro de uns poucos meses a partir daí, A nova empresa que implanta essa administração empreen­
assim que Henry Ford assumiu todas as funções administrati­ dedora em suas diretrizes e práticas se tornará um grande e flo­
vas de cúpula, esquecendo que ele soubera antes qual o seu rescente negócio. 2

1 . Mais tarde Couzens foi prefeito de Detroit e senador por Michigan, e poderia 2 . Uma descrição apurnda desse processo pode ser encontrada em High-Output
ter se tornado presidente dos Estados Unidos se não tivesse nascido no Canadá. Management. Nova York: Random House, 1983, por Andrew S. Grove, co-fundador
e presidente da Intel, uma das maiores fabr.i cantes de semicondutores.

'11,.' ,'Â
284
PETER F. DR UCKER
11 � 1
E m mui tos empreendi
mentos novos, espe cial 11 1

Ili
tecnologi a, as téc men te os de alta
nicas discuti das nes te PARTE
até m es mo des den cap ítu lo são rejeitad as e
hadas . O arg umento
tração " e "Nós so é que elas são "admini
mos empreendedores ". s­
malida de é, sim, irre Porém, isso não é infor­
sponsa b ilidade e co

, 1
tância . E antiga sab nfunde forma e sub s­
edoria q ue não há l ibe
Libe rdade sem lei é rda de exceto sob a lei.
l icencio si dade, q ue
qui a, e, den tro em
pou co, em tirania . E
logo degenera em ana
r­ 11
no va empres a tem exatamente porque a
que manter e fortific
dedor que ela p recis ar o espírito empreen ­
a de previs ão e dis
estar prepa ra da para cipl ina. Ela necessita
as demandas que
sob re el a. Aci m a de seu próprio sucesso fará
tudo, ela precis a de
em últim a anál ise, responsabilid ade, e isto ,
é o que a a dm inis traç
picia à nova empre ão empreen dedora pro­
sa.
Há m uito m ais que
poderi a ser dito sob re
nova empresa, sob re adm inis trar a
produtos, e assi m
adequa da mente abor
financi amento, pes so
por dian te. Mas ess as
al, m arketing de seus
especificida des estão
ESTRATÉGIAS
capítul o procurou faz
retrizes simples que
dad as em várias p ubl
er foi identificar e
icações . 3 O que este
discutir as poucas 'd i­
EMPREENDEDORAS
são cruciai s p ara a sob
de qualq uer nova e revivência e sucesso
mpres a de r isco, seja
l ucros ou um a institu u m a empresa que visa
ição de serviço p úbli
nologia ", "ba ixa tec co, seja de "alt a tec­
nologia " ou "sem
çada por um home tecnologi a ", sej a co
m ou uma mu lher, ou me­
tendida a permanec por um grupo, seja pre
er um peq ueno neg ­
nova IB M. ócio ou se tornar u
ma

Da mesma forma que empreendimento exige


administração empreendedora, isto é, práticas e di­
retrizes dentro da empresa, também ele exige
práticas e diretrizes exteriores, no mercado. Ele

--- ---------------
requer estratégia empreendedora.
3 . Para algumas
dessas, ver a s "Le
ituras Sugerid as" 285
a o final deste livro.

\O it...
"Com Tudo
e
T 1
Pra Valer"
1

::s
,-
....

U ltimamente, "estratégia empresarial" 1 tem


sido o termo "da moda", com um sem-número de
l ivros escritos sobre ele. 2 Entretanto, eu não de­
parei com nenhuma d iscussão sobre estratégias
empreendedoras. Ainda assim, elas são impor­
tantes; são inconfundíveis características, e são
diferentes.

1 . A edição de 1952 do Concise Oxford Dictionary ainda


definia estratégia como: "A arte do general; a arte da guerra ;
administração de um exército ou exércitos em campanha". Alfred
D. Chandler, Jr., foi o primeiro a aplicar o termo à condução
de um negócio em 1 962, no seu pioneiro Strategy and Structure
(Cambridge, Mass.: M I T Press) que estudou a evolução da admi­
nistração na grande empresa. Porém, logo após, em 1963, quando
escrevi a primeira análise de estratégia empresarial, o editor e
eu achamos que a palavra não poderia ser usada no título sem
risco qe má interpretação. Livreiros, redatores de revistas e
executivos de empresas, todos nos asseguraram que "estratégia"
,. para eles significava a condução de campanhas militares ou elei­
torais. O livro discutia, em grande medida, o que hoje é con­
siderado · "estratégia", e a palavra está no seu texto. Mas o
título que escolhemos foi Managing for Results. (Administração
Lucrativa, em português)
2 . Deles, achei o mais útil, o livro · de Michael Por ter,
CompetiliJ?e Strategies. Nova York: The Free Prcss, 1 q80.

287

.s·: ,a
288 PETER F. DRUCKER l "J O VAÇÃO E ESPIRITO EMPREENDEDOR 289

Existem quatro estratégias empreendedoras específicas: "Com Tudo e Pra Valer" é a abordagem que muita gente
1 - "Com Tudo e Pra Valer". rnnsidera a estratégia empreendedora par excellence. De fato, se
2 - "Golpeá-los Onde Não Estão". formos acreditar no que dizem os livros populares sobre empre­
3 - Encontrar e ocupar um "nicho ecológico" especia­ .: ndedores,3 iríamos concluir que "Com Tudo e Pra Valer" é
:1 única estratégia, e muitos empreendedores, especialmente os da
lizado.
4 - Mudar as características econômicas de um produto, : i l t 1 tecnologia, parecem compartilhar da mesma opinião.
um mercado, ou um setor industrial. Entretanto, eles estão errados. Por certo, muitos empreen­
dedores realmente escolheram essa estratégia. No entanto, "Com
Essas quatro estratégias não se excluem mutuamente. Um Tudo e Pra Valer" não é sequer a estratégia empreendedora
mesmo empreendedor freqüentemente combina duas, e, às vezes, predominante, quanto mais aquela com o menor risco ou o maior
até elementos de três em uma estratégia. Elas também não são ni­ índice de sucesso. Pelo contrário, de todas as estratégias empre­
tidamente diferenciadas; a mesma estratégia pode, por exemplo, endedoras ela é a mais arriscada. E ela não perdoa , não permi-
ser classificada em "Golpeá-los Onde Não Estão" ou como "En­ 1 indo erros e nem mesmo uma segunda chance.
contrar e ocupar um 'nicho ecológico' especializado". Mesmo Mas, se tiver êxito, essa estratégia é altamente recompen­
assim, cada uma dessas quatro tem seus pré-requisitos. Cada uma sadora .
é adequada a certos tipos de inovação e não o é para outras. Cada Eis alguns exemplos indicando em que consiste essa estra­
uma requer um comportamento específico por parte do empreen­ tégia e o que ela requer.
dedor. Finalmente, cada uma tem suas próprias limitações e A Hoffmann-LaRoche de Basiléia, na Suíça, tem sido por
muitos anos a maior e, com toda a probabilidade, a mais lucra­
contém seus próprios riscos.
tiva companhia farmacêutica . Suas origens, entretanto, foram
bem humildes: até meados dos anos 20, Hoffmann-LaRoche era
uma pequena e lutadora indústria química, fabricante de alguns
I corantes têxteis. Era totalmente ofuscada pelos grandes fabrican­
tes alemães de materiais corantes, e duas ou três ainda maiores
firmas químicas em seu próprio país. Aí ela apostou nas recen­
"COM TUDO E PRA VALER" temente descobertas vitaminas, numa época em que o mundo
científico ainda não podia aceitar totalmente que tais substâncias
Adotar a estratégia "Com Tudo e Pra Valer" foi como um existiam. Ela adquiriu as patentes de vitaminas, pois ninguém
general da cavalaria confederada na Guerra de Secess�o Ame­ mais as queria. Ela contratou os descobridores que estavam na
ricana expli cava o fato de vencer consistentemente suas batalhas. Universidade de Zurique por salários várias vezes acima do que
Nesta estratégia o empreendedor visa à liderança, se não o próprio eles poderiam esperar conseguir como professores, e que nenhu­
domínio de um novo mercado ou um novo setor. Ela não neces­ ma indústria jamais havia pago. E ela investiu todo o dinheiro
sariamente visa criar, de imediato, um grande negócio, embora
freqüentemente isso seja mesmo o alvo. Entretanto ele visa, desde 3 . Ver, por ex., o livro The Spirit of Enterprise de George Gildcr. N ov.i York :
Simon & Schuster, 1 984, talvez o mais interessante de se ler dentre os cXl't11pl11•
o início, a uma posição de liderança permanente. recentes do gênero.

� ....
290 PETER F. DRUCKER I N OVAÇÃO E ESPtRITO EMPREENDEDOR 291

que tinha, e todo o que pôde emprestar, em manufatura e mar­ os serviços de escritório - e o Laboratório Wang, naturalmente,
keting dessas novas substâncias. tornou-se urna empresa bastante grande.
Sessenta anos depois, muito após terem expirado todas as Similarmente, os dois jovens engenheiros , que lançaram o
patentes de vitamina, a Hoffmann-LaRoche tem quase a metade computador Apple na notória garagem sem financiadores ou expe­
do mercado mundial de vitaminas, agora atingindo a bilhões de riência prévia de negócios, vi saram desde o início criar uma
dólares por ano. A companhia seguiu a mesma estratégia por indústria e dominá-la.
duas vezes mais : na década de 30, quando entrou no ramo das Nem toda estratégia de "Com Tudo e Pra Valer " precisa
novas drogas de sulfa , mesmo embora a maioria dos cientistas da visar a criação de um grande negócio, embora sempre deva visar
época "soubessem " que as drogas sistêmicas não podiam ser efi­ criar um negócio que domine seu mercado . A Companhia 3M,
e,
cazes contra infecções ; e vinte anos depois , em meados dos anos de St. Paul, Minnesota, como política deliberada, segundo parec
50, quando entrou no ramo dos tranqüilizantes, relaxantes não tenta uma inovação que pode resultar em um novo grande
musculares, Librium e Valiurn, naquela época também conside­ negócio por si própri o. Nem a Johnson & Johnson, o produtor
rados heréticos e incompatíveis com o que "todo cientista sabia" .
de assistência à saúde e higiene. Ambas as companhias estão
A DuPont seguiu a mesma estratégia. Quando lançou o
entre as mais férteis e mais bem sucedidas inovadoras. Amba s
Nylon, a primeira fibra sintética verdadeira, depois de quinze
buscam a inovação que levam a empre sas de tamanho médio
anos de pesquisa árdua e frustrante, a DuPont desde logo arre­
ao invés de empres as gigantes, que são, todavi a, dominantes em
gimentou esforços maciços, construiu enormes fábricas, entrou
seus mercados.
na publicidade de massa - a companhia antes nunca tivera
Usar "Com Tudo e Pra Valer" não se confina ao mundo
produtos de consumo para anunciar - e criou a indústria que o
hoje chamamos de plásticos . dos negócios. Também é encontrada nas instituições de serviç
e
Pode-se dizer que essas são histórias de companhias de público . Quando Wilhelm von Humboldt fundou a Universidad
grande porte. Mas a Hoffmann-LaRoche não era uma grande de Berlim em 1 809 - um evento já mencionado neste livro -
a
empresa quando começou. E, agora, veremos alguns exemplos ele claramente visou ficar "Com Tudo e Pra Valer " . A Prússi
acabara de ser derrotada por Napoleão e havia mal escapa do de
mais recentes de empresas que começaram do nada com uma
estratégia de "Com Tudo e Pra Valer". um total desmembramento. Estava arruinada politicamente, mili­
O processador de textos não tem muito de uma inovação tarmente e, acima de tudo, financeiramente. Ela se assemelhava
o
"científica" . Ele conecta três instrumentos existentes: a máquina muito à Alemanha depois da derrota de Hitler em 1 94 5 . Mesm
e
de escrever, uma tela de exibição, e um computador razoavel­ assim, Humboldt empenhou-se para erigir a maior universidad
a
mente elementar. Porém essa combinação de elementos existentes que o mundo ocidental jamais vira ou ouvira falar - três
quatro vezes maior do que qualquer outra existente. Ele não
resultou numa genuína inovação que está mudando radicnlmente
os serviços de escritório . O Dr . An Wang era um empreendedor poupou esforços para contratar os principais conhecedores de
solitário quando concebeu a combinação durante meados dos cada disciplina, a começar pelo mais distinguido filósofo da
anos 50. Não havia registros de sua trajetória como empreendedor ·1 época, Georg W . F. Hegel . E pagav a a seus professores até dez
e contava com um mínimo apoio financeiro. No entanto, ele cla­ i vezes mais do que professores haviam jamais sido pagos , numa
ramente visou desde o começo criar uma nova indústria e mudar época em que os melhores deles estavam na penúria, desde que
P ET E R F. DRUCKER I N OVAÇÃO E ESPlRITO EMPREENDEDOR 293
292
as guerras napoleónicas haviam obrigado muitas antigas e famo­ anos, "Colocar um Homem na Lua " - todos esforços inova­
sas universidades a se dispersarem. dores usando a estratégia de "Com Tudo e Pra Valer".
Cem anos mais tarde, nos primeiros anos deste século, dois Esses exemplos mostram que estar primeiro, "Com Tudo
cirurgiões em Rochester, uma obscura cidade de Minnesota, longe e Pra Valer" requer um alvo ambicioso; de outro modo, ela
de centros populacionais e de escolas de Medicina, decidiram estará destinada a fracassar. Ela sempre visa criar uma nova
estabelecer um centro médico baseado inteiramente em novos, e i ndústria ou um novo mercado.
totalmente heréticos, conceitos da prática médica, e especialmente No mínimo, como nos casos da Clínica Mayo ou "March of
na constituição de equipes, nas quais destacados especialistas tra­ Dimes " , " Com Tudo e Pra Valer " visou criar um processo bem
balhariam juntos sob a coordenação de um chefe de equipe. diferenciado e altamente não convencional. Os DuPonts certa­
Frederick William Taylor, o assim chamado pai da Administra­ mente não disseram a si mesmos, em meados dos anos 20, quando
ção Científica, j amais se encontrou com os irmãos Mayo. Porém, trouxeram Carothers: "Nós estabeleceremos a indústria de plás­
no seu bem conhecido testemunho perante o Congresso em 1 9 1 1 , ticos" (na verdade, o termo era raramente usado até os anos 50).
ele chamou a Clínica Mayo de "a única administração científica Mas muita documentação interna da DuPont da época foi publi­
completa e bem sucedida" que conhecia. Esses desconhecidos cada mostrando que o pessoal da alta administração realmente
cirurgiões de interior visavam, desde o começo, o domínio do buscava criar uma nova indústria. Eles estavam longe de estar
campo, a atrair praticantes destacados em cada ramo da Medi­ convencidos de que Carothers e sua pesquisa teriam êxito. Porém,
cina, e os mais bem dotados dos jovens, e também atrair pacien­ eles sabiam que iriam fundar algo grande e novo em folha no
tes em condições de pagar, e dispostos a fazê-lo, o que então er:im caso do sucesso , algo que iria muito além de um isolado produto
considerados pagamentos ultrajantes. ou mesmo além de uma única importante linha de produto. O Dr.
Vinte e cinco anos mais tarde a estratégia de "Com Tudo e Wang não cunhou o termo "O Escritório do Futuro", pelo que
Pra Valer" foi utilizada pela "March of Dimes" (Campanha das sei. Mas, nas suas primeiras publicidades, ele anunciou um novo
Moedas de 10 Centavos de Dólar) para organizar a pesquisa sobre ambiente de escritórios e novos conceitos de trabalho em escri­
a paralisia infantil (poliomielite). Ao invés de visar acumular tório. Tanto os DuPonts como Wang, desde o princípio, clara­
novo conhecimento passo a passo, como toda a pesquisa médica mente procuraram dominar a indústria na qual esperavam ter
anterior havia feito, a "March of Dimes" procurou desde o prin­ sucesso de criar.
cípio a vitória completa sobre uma doença totalmente misteriosa. O melhor exemplo do que está implicado na estratégia
Ninguém antes jamais havia organizado um "laboratório de pes­ de "Com Tudo e Pra Valer" não é um caso de negócios, m as a
quisas sem paredes", nas quais um grande número de cientistas, U niversidade de Berlim de Humboldt. Humboldt não estava rea l­
numa enorme quantidade de instituições de pesquisa , foram mente nem um pouco interessado em uma universidade como tal.
comissionados para trabalhos em estágios específicos de um pro­ Para ele, era o meio de criar uma nova e diferente ordem políticu .
grama de pesquisa planej ada e administrada . A "March of que não seria nem a monarquia absoluta do século X V 1 1 1 nem a
Dimes" estabeleceu o padrão pelo qual os Estados Unidos, pouco democracia da Revolução Francesa na qual a burguesia predom i ­
depois, organizaram os primeiros grandes projetos de pesquisa da n ava. Mais exatamente, ela seria um sistema bala nceado, n o 4ual
Segunda Guerra Mundial : a bomba atômica, o laboratório do funcionários públicos profissionais totalmen te apolitiza<los e um
radar, o detonador de aproximação, e, depois de outros quinze corpo de funcionários graduados igualmen te apo l i tizados , recru-

·�.
P ETER F. DRUCK E R I NOVAÇÃO E ESPfRITO E MPREEN DEDOR 295
294

t ados e promovidos estritamente por mérito, seriam a u tônomos Talvez porque "Com Tu do e Pra Valer" deve objetivar cri ar
cm su as esfer as bem estreit as. Esses funci onári os, qu e hoje cha­ algo verdade iramen te novo, a lgo verd a deira ment e diferen te, o s
marí am os de t ecnocratas, teri am t arefas delimit a das e est ari a m n ão- especialistas e l e ig os p arecem s a ir-se tão bem quanto os esp e­

sob a estrit a su p ervisão de um j u diciári o profissi onal indep en­ ci alistas, e, d e fato, freqü entem ente melhor. Hoffmann-LaRoche ,
dente. Porém, dentro desses limites, eles seriam os chefes. H ave­ por exemplo, nã o dev eu su a estra tégi a aos químicos, m as a um
ria en tão dua s esfera s de liberdad e individual p ar a a burguesi a, músico que se ca sara com a ne t a d o f unda d or da companhia, e
u ma cult u ral e m ora l , e u ma e conômica . • precisav a de mais dinhe iro p ar a sust entar su a orquestra d o que
Humboldt apresent ou este conceito primeiramente sob a a comp a nhi a então proporci ona v a a través de magros divid endos.
forma de livro . 4 Depois da derrota total da monarqu ia pru ssian a Até hoje a companhia nunca fo i administrada p or qu ímicos, mas
p or Napoleão em 1 806, o colapso paralis ar a t o das as forças que, sempre p or fin a ncistas qu e fizeram su a c arreira em u m impor­
em caso con trári o, teriam co ntido H u mboldt - o re i, a arist o ­ t ante banco su íço. O próprio Wilhelm von H umboldt er a um
cracia, os mil ita res. Ele a prove it ou-se da o p o rtunidade e fund ou diploma ta sem laço s anteri ores com o mundo acadêmico ou exp e­
a Universidade de Berlim, como o principal órgão de seus con­ riênci a neste . Os dirig entes da Du Pont eram h o mens de empresas
ceitos p olíticos, com sucesso brilhante . A Universidad e de Berlim e não q u ímico s ou p esqu isadores. E emb or a os irmãos M ayo f os­
re almente cri ou a estr ut u r a política pecu liar dos alemães no sem cirurgiões experientes, el es esta va m t o talmente fora do "sis­
século X I X chamada d e "Rechtsstaat" (0 Estado da Lei), na tem a " médico da época, e dele isol ad os.
qu al um a elite autônoma e autog o vernant e de funci onári os públi­ Natur almente exist em também os verdadeiros "de dentro",
co s civis e militares de a ssessori a g era l manti nha o controle t otal Dr. W ang ou o p essoa l da 3 M ou o s joven s engenheiros de
de esfera política e militar; um a elite a u tônoma e au tog overnan.te, co mpu tadores qu e pro jet ar am o c omputad or Apple. Porém qu an­
com instrução su p erior ("die Gebildeten Staende") orga nizada d o v em o m omento de adotar "Co m Tudo e Pra Val er" os de
à volta de universidad es au to governadas, que fornecia u ma esfera fora p o dem ter u m a van tagem. Eles n ão sabem o q ue todo s do
cultur al "liberal"; e na qu al existia u ma economia au tônoma e ca mpo sabem, e p ort an to não sabem o que não pode ser f e i to.
em grande parte sem restrições. Ess a estru t ura deu à Prússia,
primeiro a a scendência moral e cultur al e, l ogo a pós, a ascen­
dência p olítica e econômica n a Alem anha. T a nto a liderança na
Eu ropa e a admiração d o exteri or segu i u-se em p o uco tempo, II
especi almen te p or parte d os britânico s e americanos para quem
os alemães, até 1 890 mais ou menos, era m os mo del os cult u ral
Valer" precis a atingi r
e intelectu al. Tudo isso era ex a t amente o que H u mboldt, na hora A estra tégi a de a gir "Com Tud o e Pra
ara v ari ar a metáfora,
da mais sombria derrota e t o t a l d esesp ero, havia int u ído e Visado. direto o alvo ou s a i t u d o err a d o . Ou , p
a gir "Com T u do e Pra V a l er"
é b ast a nte semelh ante a um l anç a­
Realmente, ele havi a deixado seus objetivos claramente expressos
a ção de mi nu t o do arco
e
no prospecto e no regul amento d e sua universidade. men t o par a a L u a : um d esvio d e fr
or. E , uma vez l anç a da
, a
o míssil desaparece no espaço exte ri
difí cil de ser ajus tad a n11
4 . Sob o título The limits on the Effectiveness of Government (Die Grenzen estra tégi a "Co m Tud o e Pr a Val er" é
der Wirksamkeit des Staates), um dos raros livros originais sobre filosofia política
já escritos por um alemão. co rrigida.
296 PETER F. D RUCKER
l
: :1
"";I
�]: 297

1
I N OV AÇÃO E ESPfR I TO E MP RE E N D ED O R
I
.
P ara usar e sta est ra tégia, em ou tr as p al a vras, é n e ces sário aut om atiz a d a que ainda existia , t aref a e s s a que tod o funci onário
pen s amento e a náli se cuida d osa. O emp reende d or d e que t anto " ;:.-. ;
,;j<j., i
de es c ritório odi av a : ree screver c a rtas, discurs o s, rel atóri os, ma­
f ala a litera tura ou os filme s de H ollywo od, a p essoa que d e n us critos p ara i ncluir pequen a s corre çõe s e tendo qu e faze r isso
repente tem u ma "idéia lu mi n osa " e se a p ressa p ara c ol ocá-la em rep etidamente.
p rática, não v ai se d ar b em c om ela. De f a to, p ara es s a e st ratégia H offmann-L a R o ch e, ao esc olh e r as vit a mi nas no início dos
d ar resu lta d os, a in ovação pre ci sa est a r b as ea d a n u ma t e nt ativa a n os 20, explo r ou o c o nhe cim e nto novo . O músico q u e formulo u
c aut el os a e d elib er ada de expl o r a r u ma d a s pri ncipai s opo rtu­ sua estratégia enten deu as "e strut u r a s das revoluç ões c i e ntífi
ca s "
nida des para inov ação que f o r am disc uti d a s n os Capítul os 3 a 9 . un s bons trint a a n o s antes que um filósofo , Thoma s Kuhn, e scr e­
Não h á melh or exe mplo de exploração de uma mudança em v es s e o c elebr a do livro c om esse título. El e compre e nde u q ue um
percepção do que a Un i versida d e de Berlim d e H umb oldt. A R e­ n ov o t eo r e ma básico em ciência , embora e s c ora do p o r s ufici ente
volu ção Fra ncesa com o s eu T erro r, seg uid a pel as impla cávei s
evidênc ia p ar a to rná-lo imposs ível d e ser rejeit ado, a inda não se rá
guer r as de co nq uis ta d e Napoleão h avi am dei x a d o a bu rguesia o m teo re­
a ceito p or um a ma i o ri a d e ci e ntist a s se el e c o nflita r c
instru ída desilu dida com a p olític a ; e, n o entanto, ela também,
mas básicos c om os qu ais el e s c o nvive r a m e c o nsidera m com o
com evidente cla r ez a , ter i a rejeit a do qualque r tenta tiva de mover a tenção a ele ,
a rtigos d e fé. P or mu ito t e mp o el es nã o p rest a m
p ara t r á s o relógio e voltar à mon arquia absolu ta d o s éc ulo XVI II , básica, tenha se
até que o antigo "p ara digma ", a antiga te oria
quanto m ai s a o feu d ali smo. Ela nec es s it a va d e u ma esf era "lib e­
tornado t ot alme nte in suste ntável. E, durante es s e tempo, aqueles
ral" mas a p olític a, ac o pl a da a u m g over n o a polít i c o ba sea d o no s
que aceitam o nov o teore ma e conco rdam com ele terão o campo
mesmo s p rincípios d e lei e e d uc a ção n o qual el a p rópria ac redi­ t od o p ara si .
ta v a . E to d os os b u rgue s es n a ép oc a eram s egui d o re s de Adam So me nte com e s s a ba se , em análi se c uidado s a , pode a estr a-
Smith, cuj o A Riqueza de Nações f oi p rov av elme nte o livro p olí­ tégia d e es t a r "C om Tud o e Pr a Valer " po ssivelm e nte vir a s er
tic o m ais ampl a mente lido e m ais altamente respeita d o d a época, bem su c e dida.
Er a i s so o que a estrutu r a p olítica de H umbol dt explor av a e o M e smo a ssim, ela r equ er uma gr a nde c o nce ntra çã o d e e sfor-
que se u pla no p a r a a Universid ade de B erl i m tr ad uzi u e m re ali­
ço s. T e m que h aver u ma met a be m de finida e todos o s e sforço s
dad e i n s titu cio n a l. d ev e m ser co ncentr ados n ela. E qu ando esse e s forç o começa a
O pro c es s a dor de textos de W a ng e xpl o rou b rilh a nteme nte produzir re s ulta dos , o in ov a d or t em que e sta r pronto p ara mobi­
a nec ess i d ad e d e p roce s s o . Po r volt a dos a no s 70 o medo d o
lizar r e c u rs os m a c i ç ame nte . Tão l ogo a D u P ont teve uma f i bra
compu t a d or, que h avia s i d o gr a nde e m e s cri tórios a p en a s u m
sintética u tilizável , b em a nte s que o merc a do rea gisse a el a , a
p ou co a ntes , e stav a send o s ub sti tuído pel a pergunta : "E o que comp a nhi a c on st ruiu fáb ric as e bombar d eou, t a nto a s m a n u f atu ­
o compu ta dor fa rá p a ra mim ? N essa o c asião, os f u ncionários ras têxteis c omo o público em geral c om p ublicida d e, test e s d e-
de e s c ritóri os h aviam s e fa mi lia riz a d o com o c o mp uta.d or em m onstrat iv os e amostr as.
ativida de s c omo o p re p aro d a folh a d e p a ga me nto ou o c o ntrole As sim, d e p o i s qu e a inovação obteve êxito, o t rab alh o r e al-
de es toques; eles, também n ess a o c a s ião, já tinh a m co p i ad ora s mente começou . Então a es tra tégia d e agi r "Com Tudo e P ra
p ara esc ritór ios de mod o que o vol ume de p a péi s e m tod o es cri tó­ Valer " d em a n da es forç os sub st a nci a i s e c ontin u ados p ar a ma nter
rio est a v a c re sc e nd o p ron u ncia dame nte. O p ro cessa d o r d e t extos u m a p o sição de l i dera nç a; d e outro mo d o, tudo q ue se fez foi
de W a ng foi d i rigido, e ntão, p ara a únic a taref a r otin ei ra não ni ar u m merc a d o p ara um conco rrente. O in ov a d or p recisa d ar
PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESPf R l TO E M P R E F. N OEDOR 299
298

mais de s i , principalmente agora que tem mais a l iderança, do que


antes, e a continuar seus esforços inovadores em grande escala.
III
O orçamento de pesquisa deve ser mais elevado depois que a
tram quão arri s­
inovação conseguiu resultados mais favoráveis do que os anterio­ Essa s são história s de sucesso. Elas não mos
o e Pra Val er". Os
res . Novos usos devem ser encontrados ; novos clientes devem ser cada real men te é a estratég ia de "Com Tud
mos que para cad a
identificados e persuadidos a experimentar os novos materiais. fracasso s desapareceram. Apesar d isso sabe
mai s fracassam .
Acima de tudo o empreendedor que obteve êxito ao adotar "Com um que tenha êxito com essa estra tégia , mui tos
d e "Com Tudo
Tudo e Pra Valer" tem que tornar seu produto ou seu processo H á somente uma únic a chance com a estratégia
, e\ a será um fra-
obsoleto antes que um competidor o faça. O trabalho do sucessor e Pra Vale r". Se ela não der certo desd e \ogo
do produto ou processo bem sucedido precisa começar imediata­ casso total.
Gui lherme Tel 1 ,
mente, com a mesma concentração de esforços e o mesmo inves­ Tod os conhecem a anti ga histó ria suíça de
consegui sse atirar
timento de recursos que levaram ao sucesso inicial. arqueiro a quem o tirano prometeu perdoar se
prim eira tentativa.
Finalmente o empreendedor que alcançou a liderança ado­ numa maçã em cima da cabeça do seu filho na
to . Esta é exata­
tando a estratégia "Com Tudo e Pra Valer" precisa ser aquele Se ele errasse, ou mataria a criança ou seria mor
que sistematicamente reduz o preço de seu próprio produto ou de ação "Com
mente a situação do empreendedor na estra tégia
processo. Manter preços al tos simplesmente é cobrir com um erto " ou "erro
Tudo e Pra Valer" . Não pode haver um "quase-ac
guarda-chuva competidores potenciais e os encorajar (sobre isto
por pouco" . Exis te apenas sucesso ou fraca sso .
veja o Capítulo seguinte, "Golpeá-los Onde Não Estão"). apenas por uma
Mesmo os suce ssos podem ser reconhe cido s
Isto foi estabelecido pelo mais duradouro monopólio priva­ os sabemos que, em
percepção tard ia do que aconteceu. Pelo men
do da história econômica, o Cartel da Dinamite, fundado por triz; urna combi-
dois dos exemplos , os fracasso s estiveram por um
Alfred Nobel depois de sua i nvenção da dinamite. O Cartel da
Dinamite manteve um monopólio de âmbito mundial até a Pri­ nação de sorte e acaso os salvaram.
acaso feliz . Não
O Nylon só teve êxito por cau sa de um
meira Guerra Mundial e, mesmo além, muito tempo depois que meados dos anos 30.
as patentes de Nobel expiraram. Ele conseguiu isso reduzindo havia mercado para uma fibra sinté tica em
dão e rayon, as fibras
o preço toda vez que a demanda subia 1 O a 20 por cento. Nessa Era demasia damente caro competi r com algo
do que a seda,
ocasião, as companhias no Cartel já haviam totalmente depreciado baratas da época, e era realmente aind a mais caro
depr essão dos f ins
o investimento que tiveram que fazer para obter a produção adi­ a fibra de luxo que os japoneses na severa
preço que conse­
cional. Então não havia atrativo para nenhum competidor poten­ dos anos 30 t inham que vend er por qualquer
nto da Segunda
cial construir novas fábricas de dinamite, ao passo que o Cartel guis sem. O que salvou o Nylon foi o rompime
rtações de seda dos
mantinha sua lucratividade. Não foi por acidente que a DuPont Guerra Mundial , que i nterrompeu as expo
iciar sua indú stria
constantemente seguia essa política nos Estados Unidos , pois a japonese s . Quando os japoneses puderam rein
emente entr in­
DuPont era o membro americano do Cartel da Dinamite. Wang de seda , por volt a de 1 950 , o Nylo n estava firm
uma fração do. que
também fez o mesmo em relação ao processador de textos , a Apple cheirado, com seu cust o e preço redu zido s a
ria do prod uto
em relação aos seus computadores , e a 3M em relação a todos tinham s ido ao fina l da década de 30. A histó
cont ada. Mai s uma
os seus produtos. mai s conh ecid o da 3M, a Scotch Tap e, já foi
300 PETER F. DRUCK E R

vez, se não por puro acidente, a Scotch Tape teria sido um


� "Golpeá-los
fracasso.
A estratégia de agir "Com Tudo e Pra Valer" é deveras tão ,.,, &c:;j Onde
arriscada, que toda uma estratégia básica - aquela que será
descrita no próximo capítulo, sob o título de Imitação Criativa
não Estão,,
- está baseada no pressuposto de que atacar "Com Tudo e Pra
Valer" irá fracassar com muito maior freqüência, do que poderia
possivelmente dar certo. Ela fracassará porque está faltando a
determinação. Ela fracassará porque os esforços são inadequados.
--
o
::s
,...,

Ela fracassará porque, apesar da inovação bem sucedida, não são


suficientes os recursos distribuídos, existentes, ou para ser postos
a trabalhar para explorar o sucesso, e assim por diante . Embora
a estratégia seja deveras compensadora se der certo, é demasiada­
mente arriscada e difícil de ser usada para algo que não seja
ª
uma inovação importante, ou criar uma nova ordem política como Duas estratégias empreendedoras completa­
Humboldt fez com acerto, ou um campo absolutamente novo de mente diferentes foram sumariadas por outro ge­
terapia como fez Hoffmann-LaRoche com as vitaminas, ou uma neral confederado, vencedor de batalhas, na
nova abordagem ao diagnóstico e prática médica como os irmãos Guerra de Secessão Americana, que disse: "Gol­
Mayo se propuseram a fazer. peá-los Onde Não Estão". Elas podem ser chama­
De fato, ela se presta a uma razoavelmente pequena minoria das de imitação criativa e judô empreendedor, res­
de inovações. Ela exige análise profunda e uma compreensão pectivamente.
genuína de fontes de inovação e de suas dinâmicas. Ela exige
uma extrema concentração de esforços e recursos substanciais.
Na maioria dos casos estratégias alternativas existem e são pre­
feríveis --- não principalmente porque envolvem riscos menores,
mas porque para a maior parte das inovações a oportunidade não
I
é bastante grande para justificar o custo, o esforço e o investi­
mento de recursos exigidos para a estratégia de "Com Tudo e P ru IMITAÇÃO CRIATIVA
Valer" .
A imitação criativa* é claramente uma contra­
dição de termos. O que é criativo deve ser certa­
mente original. E. se há alguma coisa que uma

* (N.T.) O termo foi cunhado por Theodore Levitt, da


Harvard Business School.
30 1

l
302 PETER F. DRUCKER 1 NOVAÇÃO E ESP!RITO EMPREENDEDOR 303

imitação não é, é "ser original " . No entanto o termo cabe. Ele imediatamente estabeleceu o padrão para computadores "main­
descreve uma estratégia que é "imitação" em sua substância. frame" comerciais e de múltiplas finalidades .
O que o empreendedor faz é algo que alguém já fez. Porém, ela Isto é a estratégia da "imitação criativa". Ela aguarda até
é '(,criativa" porque o empreendedor ao aplicar a estratégia de que alguém estabeleça o novo, mas apenas "aproximadamente"·.
"imitação criativa" compreende melhor o que a imitação repre­ Então ela põe-se a trabalhar. E, dentro de pouco tempo, lança o
senta , do que os que a fizeram e quem inovou. que o novo realmente deveria ser para satisfazer o cliente, fazer
O mais destacado praticante dessa estratégia e o mais o trabalho que os clientes desejam e pelo qual pagam . A imitação
brilhante é a IBM. Mas é também, em grande medida, a estratégia criativa estabeleceu então o padrão e tomou conta do mercado.
que vem sendo utilizada pela Procter & Gamble para ser líder A IBM praticou de novo a imitação criativa com o compu­
nos mercados de sabonetes , detergentes e de produtos de toilete. tador pessoal . A idéia foi da Apple. Corno foi descrito antes (no
E a companhia japonesa Hattori , cujos relógios Seiko tornaram-se Capítulo 3), todos na IBM "sabiam" que um computador peque­
no, autônomo, era um erro: não-econômico, longe do ótimo e
os líderes mundiais, também deve seu domínio do mercado à
caro. E apesar disso foi um sucesso. A IBM imediatamente pôs
imitação criativa.
mãos à obra para projetar urna máquina que se tornasse o padrão
No princípio dos anos 30, a IBM construiu uma máquina de
no campo do computador pessoal e dominasse, ou pelo menos
calcular de alta velocidade para fazer cálculos para os asttôno­
fosse a líder, em todo esse campo. O resultado foi o CP. Em
mos da Columbia University de Nova York. Alguns anos depois,
dois anos ela havia tirado da Apple a liderança no campo do
ela construiu a máquina que já foi projetada como computador computador pessoal, tornando-se o modelo que mais vende e o
� de novo para cálculos astronômicos, desta vez na Harvard. padrão nesse campo.
E ao final da Segunda Guerra Mundial , a IBM construiu um A Procter & Gamble age de maneira bem semelhante no
computador real, o primeiro, por sinal, que possuía característi­ mercado para detergentes, sabonetes, artigos de toucador e ali­
cas de um verdadeiro computador: uma "memória" e a capaci­ mentos processados .
dade de ser "programado" . E ainda existem várias boas razões Quando surgiram os semicondutores, todos n a indústria re­
por que a história deu pouca atenção à IBM como uma inovadora lojoeira sabiam que eles poderiam ser usados para fazer funcionar
em computadores. Pois, assim que ela terminou seu avançado um relógio com muito maior precisão , muito maior confiabili­
computador de 1 945 - o primeiro computador a ser exibido dade e custando muito menos do que os mecanismos tradicionais
para o público leigo no seu showroom no centro de Nova York, de um relógio. Os suíços logo lançaram um relógio digital mo­
onde atraiu imensas multidões -, a IBM abandonou seu próprio vido a quartzo. Porém, eles tinham investido tanto na fabricação
projeto e mudou para o projeto de sua rival , o ENIAC desen­ tradicional de relógios que decidiram por uma introdução gra­
volvido na Universidade da Pennsylvania. O ENIAC ern muito dual dos relógios digitais de quartzo num período longo, durante
mais apropriado para aplicações em empresas, como folhas de o qual esses novos mecanismos de tempo permaneceriam como
pagamento, somente que seus projetistas não viram isso. A IBM objetos de luxo caros.
estruturou o ENIAC de modo que ele pudesse ser fabricado e Nesse meio-tempo, a Companhia Hattori no Japão já há
ter assistência, e pudesse realizar tarefas rotineiras de "masti­ muito tempo fabricava relógios convencionais para o mercado
gação de números " . Quando a versão da IBM surgiu em 1 95 3 , japonês. Ela viu a oportunidade e partiu para a imitação criativa,
304 PETER F. DRUCKER I N OVAÇÃO E ESPfRITO E MPRE EN DEDOR 305

desenvolvendo o relógio digital movido a quartzo como o relógio dos Unidos apenas com receita médica. Até recentemente, tam­
padrão. Quando os suíços acordaram, era tarde demais. Os reló­ hL:m, a aspirina, a substância analgésica muito mais antiga, era
gios Seiko haviam se tornado os mais vendidos no mundo todo. L·onsiderada absolutamente segura e dominava o mercado de
com os suíços quase lançados fora do mercado. ;111algésicos. A acetaminophen é uma droga menos potente que a
Da mesma forma que "Com Tudo e Pra Valer" , a imita­ aspirina. E eficaz como analgésico, mas não possui o efeito anti­
ção criativa é uma estratégia que almeja a liderança do mer­ in flamatório e também não atua na coagulação do sangue. Por
cado ou do setor, se não a dominação do mercado ou indústria. musa disso, ela está livre de causar efeitos colaterais, especial­
Mas é muito menos arriscada. Quando o imitador criativo se mente perturbações gástricas e sangramentos estomacais, os quais
movimenta, o mercado já está estabelecido e o novo empreendi­ podem ser causados pela aspirina, particularmente se utilizada
mento já aceito. Na verdade, em geral há uma demanda maior cm doses elevadas e por longos períodos de tempo para uma
para ela do que o inovador original pode atender com facilidade. doença como a artrite.
As segmentações do mercado são conhecidas, ou pelo menos pas­ Quando a acetaminophen passou a ser vendida sem receita
síveis de ser. Já aí, também, a pesquisa de mercado pode desco­ médica, a primeira marca no mercado foi apresentada e promo­
brir o que os clientes compram, como compram, o que constitui vida como um remédio para aqueles que sofriam efeitos colaterais
valor para eles, e assim por diante. A maioria das incertezas que com a aspirina. Alcançou grande sucesso, e , realmente, muito
existem de sobejo quando o primeiro inovador surge já terá sido mais do que seus fabricantes haviam previsto. Mas foi esse próprio
descartada ou pode, pelo menos, ser analisada e estudada. sucesso que criou a oportunidade para a imitação criativa. A
Ninguém sequer precisa explicar mais o que é um computador 1 ohnson & J ohnson percebeu que aí havia um mercado para uma
pessoal ou um relógio digital e o que eles podem fazer. droga que substituísse a aspirina como o analgésico de escolha,
Naturalmente, o inovador original pode fazer tudo certo da com a aspirina confinada ao relativamente pequeno mercado em
primeira vez, e assim ele fecha a porta à imitação criativa. Há o que eram necessários os efeitos antiinflamatórios e de coagulação
risco do inovador introduzir, e fazer o que é certo com vitaminas, do sangue. Desde o início o Tylenol foi apresentado como o anal­
como fez a Hoffmann-LaRoche, ou com Nylon como fez a gésico seguro e universal. Em um ano ou dois ele ficou com o
DuPont, ou como fez Wang com o processador de textos. Porém , mercado.
o número de empreendedores envolvidos em imitação criativa e A imitação criativa, como esses casos mostram, não explora
seus substanciais sucessos indicam que, talvez, o risco dos pri­ o fracasso dos pioneiros, fracasso como normalmente é enten­
meiros inovadores tomarem conta antecipadamente do mercado dido. Ao contrário, o pioneiro precisa ser bem sucedido. O
fazendo a coisa certa não seja esmagador. computador Apple foi uma história de um grande sucesso como
Outro bom exemplo de imitação criativa é Tylenol , a "aspi­ também o foi a marca acetaminophen que o Tylenol , em última
rina não-aspirina". Este caso mostra, mais claramente do que análise, expulsou da liderança do mercado. Porém os inovadores
qualquer outro que conheço. do que consiste a estratégia, quais originais falharam em não compreender o seu sucesso. Os fabri­
são os seus requisitos e como ela funciona. cantes do Apple concentravam-se no produto e não no usuário,
A acetaminophen (a substância que é vendida sob o nome e portanto ofereciam hardware adicionais onde os usuários que­
de marca Tylenol nos Estados Unidos) era usada há muitos anos riam programas e software. No caso Tylenol, os inovadores erra­
como analgésico, que, até recentemente, era vendido nos Esta- ram ao não perceber o significado do seu próprio sucesso.
306 PETER F. DRUCKER 1 NOV AÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 307

O inovador criativo explora o sucesso de outros . A imitação seus esforços na tentativa de garantir as apostas que fazem. Um
criativa não é "inovação" no sentido em que o termo é mais outro perigo é interpretar erroneamente as tendências e imitar
comumente entendido. O imitador criativo não inventa um pro­ c riativamente aquilo que acaba não sendo o desenvolvimento
duto ou serviço; ele o aperfeiçoa e o posiciona . Na forma como ganhador no mercado.
ele foi apresentado, falta-lhe alguma coisa. Podem ser caracterís­ A IBM, o mais destacado dos imitadores criativos do mundo,
ticas de produtos adicionais. Pode ser a segmentação de produtos exemplifica esses perigos . Ela imitou com êxito todos os princi­
ou serviços de modo que versões um pouco diferentes se adeqüem pais desenvolvimentos no campo de automação de escritórios.
a mercados um pouco diferentes . Pode ser o posicionamento apro­ Como resultado, ela tem o principal produto em qualquer área
priado do produto no mercado . Ou a imitação criativa acrescenta isolada. Mas, porque começaram com imitação, os produtos são
alguma coisa que ainda está faltando . tão diversos e tão pouco compatíveis uns com os outros que é
O imitador criativo vê os produtos ou serviços sob o ponto praticamente impossível construir um escritório automatizado e
de vista do cliente. O computador pessoal da IBM é praticamente integrado com os blocos de construção da IBM. Portanto ainda
indistinguível do Apple em suas características técnicas, mas a é duvidoso que a IBM consiga manter a liderança no escritório
IBM desde o início ofereceu ao cliente programas e software. automatizado e fornecer o sistema integrado para o mesmo. No
A Apple manteve a distribuição tradicional de computadores entanto, aí, com toda a probabilidade, estará o principal mercado
via lojas de especialidades . A IBM, em quebra radical com suas no futuro. E esse risco, o risco de ser hábil demais, é inerente à
próprias tradições, desenvolveu todos os tipos de canais de distri­ estratégia da imitação criativa.
buição: lojas de especialidades, grandes varejistas como a Sears, A imitação criativa, provavelmente, funcionará mais eficaz­
Roebuck, suas próprias lojas varejistas, e assim por diante. 'Ela mente nas áreas de alta tecnologia por uma razão simples : os ino­
facilitou para o consumidor a compra e facilitou para o consumi­ vadores de alta tecnologia têm menos probabilidade de se con­
dor o uso do produto. Essas ações, mais do que as características centrar no mercado, e mais probabilidade de se concentrar em
do hardware, foram as "inovações " que deram à IBM o mercado tecnologia e em produto. Eles, portanto, tendem a interpretar
do computador pessoal. erroneamente seu próprio sucesso e a falhar em explorar e atender
Pensando bem, a imitação criativa começa com mercados e à demanda que criaram. Porém, como a acetaminophen e o reló­
não com produtos, e com clientes e não com produtores. Ela gio Seiko mostram, de maneira alguma eles são os únicos a
tanto se concentra no mercado como é guiada pelo mercado. proceder assim.
Esses casos mostram o que a estratégia de imitação criativa Pelo fato da imitação criativa almejar a dominação do mer­
requer: um mercado em crescimento rápido. Imitadores criativos cado, ela é mais apropriada a um produto, processo ou serviço
não obtêm seu sucesso tirando clientes dos pioneiros que intro­ importante: o computador pessoal, o mercado mundial de reló­
duziram, antes de todos, um novo produto ou serviço; eles'- servem gios, ou um mercado tão grande como o do alívio da dor. Mas a
a mercados que os pioneiros criaram mas que não os atenderam estratégia exige menos de um mercado, do que agir "Com Tudo
adequadamente. A imitação criativa satisfaz a uma demanda que e Pra Valer" . Ela envolve menos risco. Quando os imitadores
já existe e não cria essa demanda . criativos começam a trabalhar, o mercado já foi identificado e
A estratégia tem seus próprios riscos, e eles são considerá­ a demanda já foi criada. O que lhe falta em risco, todavia, a
veis . Os imitadores criativos são facilmente tentados a dispersar imitação criativa compensa exigindo mais em seus requisitos por
308 PETER F. DRUCKER
1 N( l V AÇÃO E ESP l R ITO E MP R E ENDEDOR 309

um estado de alerta, flexibilidade, disposição para aceitar o vere­ p io típico do orgulho de fazer as coisas exclusivamente por esfor­
dito do mercado, e, acima de tudo, por trabalho árduo e esforços � 11 próprio. Os americanos estavam bastante orgulhosos dos ma­
maciços. , ;1 vilhosos rádios daqueles dias, os grandes aparelhos Super
l l cterodyne que eram verdadeiras obras de artesanato . Compa­
rados a eles, achavam que os chips de silício eram de categoria
i n ferior, se não mesmo abaixo de sua dignidade .
II Porém o sucesso da Sony não é a história real . Como expli­
car que os japoneses repetiram essa mesma estratégia várias
vezes, e sempre com êxito, e sempre surpreendendo aos america­
JUDÔ EMPREENDEDOR nos? Eles a repetiram com os televisores e os relógios digitais
e as calculadoras de mão. Repetiram-na com as copiadoras quan­
Em 1 94 7 os Laboratórios Bell inventaram o transistor . Foi do as lançaram e ficaram com um grande quinhão do mercado
desde logo reconhecido que o transistor iria substituir a válvula <lo inventor original , a companhia Xerox. Os japoneses, em
de vácuo, especialmente na eletrônica de consumo, como o rádio outras palavras, foram bem sucedidos praticando repetidamente
e o ainda novo em folha aparelho de televisão. Todo mundo sabia o "judô empreendedor" contra os americanos.
disso mas ninguém fez nada . Os principais fabricantes, naquela Mas, também procederam assim a MCI e a Sprint, quando
época todos americanos, começaram a estudar o transistor e a usaram o próprio sistema de preços do Sistema da Bell Tele­
fazer planos para se converterem ao transistor "lá por volta de phone (A T &T) para tirar do Sistema Bell uma grande fatia do
1 9 70 " . Até aí, proclamavam eles, o transistor "não estaria negócio das chamadas interurbanas (ver o Capítulo 6) . Também
pronto" . A Sony era praticamente desconhecida fora do Japão fez o mesmo a ROL M , quando utilizou as políticas do Sistema
e nem estava no ramo de eletrônica de consumo nessa época . Mas, Bell contra este, para tomar uma grande parte do mercado do
Akio Morita, o presidente da Sony, leu sobre o transistor nos PBX . E o mesmo fez o Citibank quando começou um banco do
jornais. Por força disso, ele foi para os Estados Unidos e adquiriu consumidor na Alemanha, o "Familienbank" (Banco da Família),
uma licença dos Laboratórios Bell para o novo transistor por o qual dentro de poucos anos dominou as finanças do consumidor
alemão.
uma quantia ridícula, um total de 2 5 mil dólares. Dois anos mais
tarde, a Sony l ançou o primeiro rádio transistor, que pesava me­ Os bancos alemães sabiam que os consumidores comuns
nos de um quinto dos rádios com válvulas comparáveis existentes haviam adquirido poder de compra e se tornado clientes desejá­
veis. Começaram a aparentar que iriam oferecer serviços bancá­
no mercado e custava menos de um terço do que eles. Três anos
rios aos consumidores. M as, realmente, eles não os queriam. Os
depois, a Sony tinha o mercado de rádios de baixo custo nos
consumidores, achavam eles, estavam aquém da dignidade de
Estados Unidos, e, cinco anos após, os japoneses tinham '-captu­
um banco importante com seus clientes empresariais e seus ricos
rado o mercado mundial de rádios.
clientes investidores. Se os consumidores quisessem mesmo ter
Naturalmente, esse é um caso clássico de rejeição do sucesso
uma conta, eles poderiam conseguir isso no banco de poupança
i nesperado . Os americanos rejeitaram o transistor porque "não postal . '� Mesmo que a publicidade anunciasse o contrário, os
fora i nventado aqui ", isto é, não fora inventado pelos l íderes das
indústrias elétrica e eletrônica, a RCA e GE. Este é um exem- * (N.T.) Posto de Captação de Poupança nos Correios, nos Estados Unidos.
3 10 PETER F. DRUCKER 1 N OVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 311

bancos deixavam absolutamente claro que quando os consumi­ as formas de desculpas. As indústrias eletrônicas americanas, por
dores vinham aos seus augustos escritórios das agências pouco e xemplo, atribuem os êxitos dos japoneses aos "custos baixos de
poderiam fazer por eles. mão-de-obra" no Japão. No entanto, os poucos fabricantes ame­
Essa foi a abertura que o Citibank explorou quando fundou ricanos que enfrentaram a realidade, por exemplo, a RCA e a
seu Familienbank, que não atendia ninguém, a não ser consumido­ Magnavox em televisores, têm condições de fabricar nos Estados
res individuais, criaram os serviços de que os consumidores ne­ U ni dos a preços competitivos com os dos japoneses, e competiti­
cessitavam, e facilitaram a eles fazer negócios com um banco. vos também em qualidade, apesar de pagarem salários e benefí­
Apesar do enorme poder dos bancos alemães e sua difusão por cios sindicais americanos. Os bancos alemães uniformemente
todo um país onde há uma agência de um grande banco em cada explicam o sucesso do Familienbank do Citibank pelo fato dele
esquina de rua central da cidade, o Familienbank do Citibank assumir riscos que eles mesmos não assumiriam. Porém o Fami­
conseguiu dominar o negócio de bancos do consumidor alemão lienbank tem perdas de crédito mais baixas com empréstimos aos
dentro de cinco anos mais ou menos. clientes do que os bancos alemães, e seus requisitos para emprés­
Todos esses recém-vindos, os japoneses, MCI , ROLM, Citi­ t i mos são tão estritos quanto os dos alemães. Os bancos alemães,
bank, praticaram o "judô empreendedor". Dentre as estratégias naturalmente, sabem disso. No entanto, continuam a dar explica­
empreendedoras, especialmente aquelas que visam a liderança e ções para atenuar seu fracasso e o sucesso do Familienbank. Isso
dominação em uma indústria ou mercado, esse judô empresarial é típico. E explica por que a mesma estratégia, o mesmo judô
é de longe a menos arriscada e a que tem as maiores probabili­ empreendedor, pode ser usado repetidamente por várias vezes.
dades de sucesso. Existem em particular cinco maus hábitos bastante comuns
Todo policial sabe que um criminoso habitual sempre come­ que permitem aos novatos utilizar o judô empreendedor e a se
terá seu crime da mesma forma, seja arrombando um cofre ou lançar até uma posição de liderança em um setor contra com­
entrando num edifício que quer saquear. Ele deixa atrás de si panhias já estabelecidas e entrincheiradas.
uma "assinatura" , que é pessoal e tão diferenciada como uma 1 - O primeiro é o que a gíria americana chama C:e "NI H "
impressão digital. E ele não mudará essa assinatura mesmo que ("Not l nvented Here") / a arrogância que leva uma empresa ou
o leve à prisão todas as vezes. um setor a acreditar que nada novo pode ser bom a não ser que
Mas não é somente o criminoso que se fixa em seus hábitos. eles mesmos tivessem pensado nele. E então a nova invenção é
Todos nós fazemos o mesmo. E também as empresas e os setores rejeitada, como o foi o transistor pelos fabricantes eletrônicos
industriais. O hábito persistirá mesmo que leve sistematicamente americanos.
à perda da liderança e à perda de mercado. As indústrias ameri­ 2 - O segundo é a tendência para extrair a "nata" de um
canas persistiram nos hábitos que permitiram aos japoneses con- mercado, isto é, ficar com a parte dos elevados lucros que ele
quistar seus mercados muitas vezes. •, proporciona.
Se o criminoso é preso, ele raramente aceita o fato de que Isso é basicamente o que a Xerox fez, e o que a tornou um
seus hábitos o traíram. Pelo contrário, ele achará todas as formas alvo fácil para os imitadores japoneses de máquinas copiadoras.
de desculpas, e continuará com os mesmos hábitos que o levaram A Xerox concentrou sua estratégia nos grandes usuários, os com­
à sua captura. Semelhantemente, as empresas que estão sendo pradores de muitas máquinas, ou de máquinas caras, de alto
traídas por seus hábitos não irão admiti-lo, e encontrarão todas * (N.T,) " Não Inventado Aqui",
,,
312 PETER F. DRUCKE R I NOVAÇÃO E ESP! RITO EMPREENDEDOR 313

desempenho. Ela não re1 e 1tava os outros; mas também não os muito m enos. E, em alcance e fidel idade , em pouco tempo supe­
procurava. Em particular, ela não achava cabíve l prestar assis­ rou até mesmo o mais esplêndido Super Heterodyne com dezes­
tência a eles. No fim, foi a insatisfação com a assistência, ou seis válvul as, uma das quais sempre que imava justamente quando
melhor com a falta desta, prestada pe la X erox para seus peque­ necessitada.
nos clientes que os tornou receptivos às máquinas dos concor­ 4 - R elacionado d e perto com "tirar a nata" e com a
re ntes. crença na "quali dad e " está o quarto mau hábito, a ilusão do
"Tirar a nata" é uma violação de preceitos administrativos pre ço "prêm io". * Um preço "prêmio" é sempre um convite ao
e e conômicos e lementares . ·É sempre punida com a perda do concorrente.
mercado. Durante duzentos anos desd e a época de J. B. Say na França
A Xerox descansava sobre seus lauréis. Estes eram r eal­ e d e David Ricardo na Inglaterra, nos primeiros anos do século
mente substanciais e mere cidos, mas nenhuma empresa é paga XIX, economistas souberam que a única maneira de obter uma
pelo que fez no passado. "Tirar a nata" procura ser paga por margem maior de lucro, exceto via monopólio, é por meio de
contribuições fe itas no passado. Assim que uma empresa adquire custos mais baixos. A t entativa de conseguir essa margem maior
esse hábito, provavelmente continuará com el e e portanto conti­ d e lucro por m e io de um preço mais el evado é sempre autoderro­
nuará a ser vulneráv el ao judô e mpreend edor. táv el . Ela abre um guarda-chuva sobre seu concorrente. O que
3 - Ainda mais debilitante é o terce iro mau hábito: a parecem lucros maiores para o líder estabelecido é na r ealidade
crença em "qualidade". Qualidade em um produto ou serviço um subsídio para o recém-chegado que , em bem poucos anos,
não é o que o fornece dor insere nel e . É o que o cli e nte obtém irá d esalojar o líder e reivin dicar o trono para si. Os preços

d e l e e está disposto a pagar por isso. Um produto não é "quâli­ "prêm io " , ao contrário d e constituírem urna ocasião para conte
açõ e s ou um
dad e " porqu e seja difícil de fazer e custa muito dinhe iro, como tamento, e um motivo para um maior preço das
de­
os fabricantes tipicam ente acreditam. Isso é incompetência. Os maior índice d e preço /lucro por ação, d evem ser sempre consi
cli entes pagam somente por aquilo que lh es é d e uso e lhes dá rados uma ameaça e perigosa vulnerabilidade.
valor. Nada ma is constitui a "qualidade ". Aind a assim a i lusão d e maiores lucros a ser conseguidos
por meio de preços "prêmio" é quase univ ersal, apesar de se
mpre
As indústrias eletrônicas americanas nos anos 50 acredita­
vam que seus produtos com todas aque las maravilhosas válvulas abrir a porta para o judô empresarial.
d e vácuo eram de "qualidade" porque haviam inserido neles 5 - Finalmente, há o quinto mau hábito , que é típico d e
empresas já estabe lecida s e as l eva à derroc
trinta anos de esforços, fazendo rádios mais complicados, maio­ ada - a Xerox é
res e mais caros. Consid eravam o produto como de "qualidad e " um bom exempl o. Elas maximizam em vez de otimizarem. À
porque este precisava d e um alto grau d e habilidad e para ser medid a que o mercado cresce e se desenvolv e, e las procur am
feito, enquanto qu e um rádio transistor é simples e pode ser fe ito satisfazer a cada um dos seus usuários individualmente ofere­
por mão-de-obra não-qualificada em linha de montagem. Porém cendo o mesmo produto ou serviço.
em termos d e consumidor, o rádio transistor, claram ente , é de Por exempl o, um novo instrumento analítico para t estar
longe superior em "qualidade". El e pesa muito menos e assim reações químicas está sendo lançado. A princíp io, o mercado é
pode ser l evado em viagem para a praia ou para um piquenique .
Rarame nte apresenta d efeito; não há válvula para trocar. Custn
* (N.T.) Preço que o vendedor de um produto ou serviço estabelece acima
<lo preço que normalmente seria cobrado do comprador.
NDE DOR 315
1 NOV AÇÃ O E ESP fRIT O EMP REE
3 14 P ETER F. DRUCKER

a nit ide z d a cóp ia . Ele


s deram
bastante limita do , digamos, a l abo ratórios industri ais. Po rém, c omo a vel oci dad e d a máquina ou
pre cis av a m ais, uma máquina
então, labora tórios de universidades, instituições de pesquisa s a o pequeno escritório o que este
vez firma dos nesse mercado,
e hospitais c omeç am todos a comp rar o instrumento, ma s c ada sim ples e a um custo b a ixo . E um a
merc a dos , c a da um deles com
um quer a lgo um pouc o diferente. E, da í, o fabric ante a crescenta eles d a í p a ssa ram p ar a os outros nto de
otimamente um segme
uma c arac terístic a p ara sa tisf azer este cliente, depois outra p ara um pro dut o p roje ta do p ara atender
sa tisf a zer aquele cliente , e assim por diante, a té o ponto em que merc a d o espe cífi co .
iro entrou no nível infe-
o que h avia sido um instrumento simples to rnou-se complicado. A Sony, d a mesm a m aneira , p r ime alc ance
a do p ar a portáteis com
O f ab ric a nte maximiz ara o que o instrumento podia fazer. Como rior do merca do de rádios, o merc ro
d a , ela p assou p ara out s seg
result ado , o inst rumento não m a is s a tisf az a nenhum deles. Pois, reduzi do. Uma vez aí estabeleci
por tentar sa tisf azer a todos, semp re se a c ab a por não s atisfazer men tos do merca do.
a ninguém . O instrumen to ta mbém se tor n ou c a ro, bem como
difícil de utiliz ar e de manutenção difícil. M a s o fa brica nte está me iro , g ar anti r uma cabeç a
orgulhoso do instrumen to ; rea lmente, seu a núncio de página O jud ô empreendedor visa , pri defen depi
abel eci dos , ou não a
inteira relacionou sessent a e qua t ro coisa s diferentes que ele de pon te, uma que os l íderes est como os
apen as tim id a mente -
podia fa zer . de modo al gum, ou a d efendem est abe leceu
alemães que não con
tra- a t a car am qu an do o Citib ank ej a
Esse fab ric ante qu a se ce rta mente se to rnará uma vítima do que essa c abeça de pon te est
o seu Fa milienbank. U ma vez
judô empreendedor. O que ele pensa ser seu própr io ponto forte tenham um merca do adequ a do
se voltará contra ele. O recém-vindo su rgirá com um in strumento gar an tid a , isto é , os recém-vindos se m ovem p ar a o
flu xo de rec eita s a dequa do, ele s então
projeta do p ar a satisf azer a um dos mercado s, o hospi t al, por e um c a d a c aso ,
ar a tod a a "ilh a ". Em
exemplo. Ele não possui um a única c aracterístic a que o pessoal resto d a "pr a i a " e fin almente p
enh am o produ to ou o serviço
do hospita l não necessita , e não necessita todos os dia s. M a s tudo eles repetem a estra tégia . Ele s des
mento do merc a do e ótimo p ara
que o h ospita l necessita lá estará e com m aio r c a p a cida de de especificamente para um dad o seg
icilm en te jam ais irão derrotá-lo
s
desempenho do que o instrumento de múltipl a s fina lida des pode ele . E os líd eres estabel eci dos dif
os líderes estabel eci dos conse­
nesse j o go . Dif icilmente, j am ais
possivelmente oferecer. O mesmo fabric a nte l a nçará, então, um ortamento antes que os recém
­
modelo p ara l abora tórios de pesquisa , para l aboratórios do gover­ guem mu d ar seu próprio c omp íni o .
a nç a e a dquirido o dom
no , p ar a a indústria, e, em um mínimo de temp o , o recém-vindo vin dos tenh am assumido a lider pre­
a es tr atégi a do jud ô em
terá conseguido os merc a dos com instrumen tos p r ojeta dos espe­ Existem três situ ações n a s quais
ul armente bem suc edi d a .
cific amente p a ra seus usuários, instrumentos que otimizam em endedor provavelmente será p artic
n a qu al os líd eres estabele-
vez de maximiz ar. A pri me ira é a situ ação comum,
no inespera do, sej a êxito ou
Simil armente, quando os j a poneses l a nç a ra m suas côpia do­ cidos recusam-se a a gir b asea dos
tod o ou tenta m pô- lo de l ado .
ra s concorrendo com a Xerox, eles desenh a ra m máquin as que se fra casso, e ou se des cui da m de
ajusta va m a específicos grupos de usuá rios - po r exemplo, o I sso foi o que a Son y explorou.
rox . Uma nov a tecnol ogi a
pequeno escritório, fosse o do dentista, o médico ou do diretor A segund a é a situ ação d a Xe
inova dores que l anç aram no
de um a escola . Eles não tenta ram se contra por às c ar a cterístic as surge e cresce depressa . M as os
o novo serviço) comportam-se
da s quais o p róprio pess oa l d a Xerox mais se orgulh av a , ta is m erc a do a n ov a tec nol ogia (ou
316 317
PETER F. D RUCKER
1 I N OVAÇÃO E ESP!R ITO EMP REENDEDOR

como os "monopolistas " clássicos : eles usam a posição de l ide­ Guerra Mundial , para adquirir uma licença do transistor. Morita
rança para "tirar a nata " do mercado e obter preços "prêmio". olhou para o segmento de mercado que a tecnologia existente
Eles ou não sabem ou se recusam a reconhecer aquilo que tem mal satisfazia, simplesmente por causa do peso e fragil idade das
sido comprovado largamente : uma posição de liderança, quanto válvulas de vácuo: o mercado dos portáteis. Ele então desenhou
mais qualquer tipo de monopólio, só pode ser mantid 1 se o l íder o rádio certo para o mercado, um mercado de jovens com pouco
se comportar como um "monopolista benevolente" (o termo é dinheiro mas também com demandas bastante simples cm relação
de Joseph Schumpeter). ao alcance do instrumento e à qualidade do som, um mercado,
Um monopolista benevolente reduz seus p reços antes que o em outras palavras, que a antiga tecnologia simplesmente não
concorrente reduza os dele. E ele torna seu produto obsoleto e podia servir adequadamente.
lança novo produto antes que um concorrente o faça. Existem Similarmente, os "descontadores" de l igações interurbanas
exemplos suficientes disso à nossa volta para provar a validade da nos Estados Unidos, que viram a oportunidade de comprar do Bel !
tese. Foi assim que a Companhia DuPont agiu durante muitos anos Telephone System no atacado e revender no varejo, p rojetaram um
e como o American Bell Telephone System (A T &T) costumava serviço, primei ro, para o número modesto de empresas substan­
agir antes que fosse atingida pelos problemas inflacionários dos ciais que eram muito pequenas para construir seu próprio sistema
anos 70. Porém se o líder utiliza sua posição de Jiderança para de ligações interurbanas, mas bastante grandes para ter pesa­
el evar os preços ou el evar as margens de lucros, exceto quando das contas de ligações interurbanas. Somente depois que haviam
pela redução de seus custos , ele se coloca em posição de ser no­ assegurado uma parcela substancial desse mercado foi que se
cauteado por qualquer um que utilize o judô empreendedor lançaram para tentar conquistar, tanto os usuários muito grandes
contra ele. como os pequenos.
Similarmente , o líder em um novo mercado de rápido cres­ Para usar a estratégia do judô empreendedor, começa-se pela
cimento ou nova tecnologia, que tenta maximizar em vez de oti­ análise do setor, os produtores e os fornecedores, seus hábitos,
mizar, logo se tornará vulnerável ao judô empreendedor. especialmente seus maus hábitos e suas diretrizes. Então, olha-se
Finalmente, o judô empreendedor funciona como estratégia para os mercados e tenta-se localizar o lugar onde uma estratégia
quando o m ercado, ou a indústria, muda rapidamente, como no alternativa obteria maior sucesso e encontraria a menor resis­
caso do Familienbank. À medida que a Alemanha prosperava tência.
nos anos 50 e 60, a gente comum se tornou cliente dos serviços O judô empreendedor requer um certo grau de inovação
financeiros além das tradicionais contas de poupança ou das tra­ genuína. Não é, em regra geral, suficientemente bom oferecer
dicionais hipotecas. Porém, os bancos alemães se fincaram nos o mesmo produto ou o mesmo serviço a um custo menor. E preci­
seus mercados. so haver algo que o distinga daquilo que já existe. Quando a
companhia ROLM ofereceu um PBX, uma central telefônica para
usuários de empresas e escritórios, concorrendo com a AT&T ,
O judô empreendedor sempre se concentra no mercado e é ela introduziu características adicionais baseadas num pequeno
dirigido pelo mercado. O ponto de partida pod� ser a tecnologia , computador. Elas não eram de alta tecnologia, e sequer novas
como foi quando Akio Morita viajou para os Estados Unidos , invenções. Na verdade, a própria AT&T havia desenhado carac­
vindo de um Japão que mal emergia da destruição da Segundu t erísticas semelhantes. Mas a AT&T não as impulsionou e a
l
3 18 PETER F. DRUCKER

ROLM o fez . Da mesma forma, quando o Citibank entrou na


CIJ Nichos
,. Ecológicos
Alemanha com o Familienbank, ele implantou alguns serviços
inovadores que os bancos alemães, normalmente, não ofereciam

aos pequenos depositantes, tais como cheques de viagem e acon­
selhamento sobre impostos.
Não é suficiente, em outras palavras, para o recém-vindo
-·r=U j

simplesmente fazer um trabalho tão bom quanto o do líder esta­


belecido, a um custo inferior ou com melhor servico . Os recém­
vindos precisam se tornar inconfundíveis.
--o
,....
:J

Da mesma forma que a estratégia de "Com Tudo e Pra Va­


ler", e a imitação criativa, o judô empreendedor almeja alcançar
a posição de liderança, e eventualmente o domínio. Mas não faz
isso concorrendo com os líderes, ou pelo menos não onde os líde­
res estão alertas ao desafio competitivo ou preocupados com ele.
O judô empreendedor trata de " Golpeá-los Onde Não Estão". As estratégias empreendedoras discutidas até
aqui, "Com Tudo e Pra Valer", a imitação cria­
tiva e o judô empreendedor, todas elas buscam a
liderança de mercado ou do setor industrial, se não
a dominação. A estratégia do "nicho ecológico"
àlmeja o controle. As estratégias discutidas antes
procuram posicionar uma empresa em um grande
mercado ou um importante setor. A estratégia do
nicho ecológico almeja conseguir um monopólio
prático numa área pequena . As três primeiras
estratégias são estratégias competitivas . A estraté­
gia do nicho ecológico quer tornar seus bem suce­
d idos praticantes imunes à competição e sem pos­
sibilidade de ser desafiados. Os praticantes bem
suced idos de ações "Com Tudo e Pra Valer", imi­
tação criativa e judô empreendedor tornam-se
grandes empresas, altamente visíveis, se não nomes
na boca do povo. Os praticantes bem sucedidos
do nicho ecológico ficam com a ·c aixa e dei xam o
crédito à solta. Eles submergem em seu anonimu-
319
1
320
PET E R F. DRUCKE R ' I N OVAÇÃO E ESP1 RITO EMPREENDEDOR 32 1

portanto, era derrubar o preço para todo mundo , sem conseguir


to . De fato, nas mais bem sucedidas estratégias de nicho ecoló­
benefícios para si próprios.
gico, o ponto principal consiste em ser tão discreto, apesar do
Uma posição bastante semelhante à anterior de posto de
produto ser essencial a um processo, que ninguém provavelmente
pedágio vem sendo ocupada há muitos anos por uma empresa
tentará competir.
de porte médio, a qual há cinqüenta ou sessenta anos desenvol­
Existem três estratégias de nicho diferentes, cada uma com
seus próprios requisitos, suas próprias limi tações e seus riscos veu um protetor de escape de jorros para poços de petróleo .
O custo de perfurar um poço de petróleo pode chegar a vários
próprios:
milhões de dólares. Uma explosão destruirá todo o poço e tudo
a estratégia do posto de pedágio ; o que foi nele investido. O protetor de escapes, que protege o
a estratégia d a habilidade especializada; e poço que está sendo perfurado, é, portanto, um seguro barato,
a estratégia do mercado de bens de especialidade. não importando o seu preço . E, mais uma vez, o mercado total
é tão limitado que não atrai qualquer possível competidor. Redu­
zir o preço dos protetores de explosão, que constitui, talvez, um
por cento do custo total de um poço profundo, não poderia pos­
I sivelmente estimular ninguém a perfurar mais poços. A competi­
.;ão poderia apenas degradar o preço sem aumentar a demanda.
Um outro exemplo dessa estratégia de posto de pedágio é a
A ESTRATÉGIA DO POSTO DE PEDÁGIO • kwey & Almy , agora uma divisão da W. R. Grace. Esta com­
panhia desenvolveu uma selagem para fechar latas nos anos 30.
Anteriormente, no Capítulo 4, eu analisei a estratégia do O fecho é um ingrediente essencial da lata: se uma lata for mal
Companhia Alcon que desenvolveu uma enzima para eliminar fechada, ela pode causar um prejuízo catastrófico. Uma morte
uma característica da operação cirúrgica padrão de cataratas que seja devido a um caso de botulismo numa lata pode destruir
senis que ia contra o ritmo e a lógica do processo. Uma vez facilmente um embalador de alimentos. Um material que permita
desenvolvida essa enzima, e patenteada, ela assumiu a posição de se lar latas que ofereça proteção contra deterioração é, portanto,
"posto de pedágio ". Nenhum cirurgião oftalmologista opera riu b a rato a qualquer preço. E, no entanto, o custo de fechá-la, uma
sem ela. Não importa o quanto a Alcon cobrasse pela colheradu f ração de um centavo de dólar no máximo, é tão insignificante,
da enzima que era necessária para cada operação de catarata , o 1 a 11 10 em relação ao custo total como ao risco de deterioração,
custo seria insignificante em relação ao custo total da opcraçüo. q ue ninguém se preocupa muito com ele. O que interessa é desem­
Eu duvido que qualquer oftalmologista, ou qualquer i 1ospi tul, pl' 1 1 ho e não custo. Novamente, o mercado total, embora maior
jamais inquiriu quanto custou o produto. O mercado total pur11 q ue o de enzimas nas operações de catarata ou protetores de
essa particular preparação era tão pequeno, talvez cinqüenta mi• l'X plosões, é ainda limitado. E reduzir o preço do material de
lhões de dólares por ano no mundo todo, que claramente nfto •,d agcm de latas é muito improvável que vá reduzir a demanda
valia a. pena para ninguém tentar desenvolver um produto com• dl· u ma lata sequer.
petitivo para ela. Não haveria uma operação de catarata a mui• ;\ posição de posto de pedágio é, portanto, sob muitas ma-
no mundo só porque essa particular enzima havia se tornudo . 1 w i ras, a posição mais desejável que uma empresa pode ocupar.
mais barata. Tudo que os potenciais concorrentes poderiam fuzcr, · ·
322 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESP(RITO EMPREENDEDOR 323

Mas ela tem requisitos rigorosos . O produto tem que ser essencial Ela também ficou sem ação quando, poucos anos depois, o
a um processo. O risco de não usá-lo - o risco de perder a vista, "boom" do petróleo entrou em colapso, e a perfuração de petró­
perder um poço de petróleo, ou a deterioração em uma lata - leo reduziu-se 80 por cento em doze meses, e com ela os pedidos
deve ser infinitamente maior do que o custo do produto. O mer­ de equipamento de perfuração de petróleo.
cado deve ser tão limitado que quem ocupá-lo primeiro j á se Assim que a estratégia do posto de pedágio alcance o seu
apropriou dele. Deve ser um verdadeiro "nicho ecológico" objetivo, a empresa está "madura". A rapidez de seu crescimento
ocupado inteiramente por alguém, e que ao mesmo tempo é peque­ depende de quanto crescem os seus usuários finais . Mas, pode
no e discreto o suficiente para não atrair rivais . cair rapidamente. Pode tornar-se obsoleta quase da noite para o
Essas posições de posto de pedágio não são encontradas dia se alguém encontra uma maneira diferente de satisfazer o
com facilidade. Normalmente ocorrem apenas numa situação de mesmo uso final. A Dewey & Almy, por exemplo, não tem como
incongruência (cf. Capítulo 4 ) . A incongruência, como no caso se defender contra a substituição de latas de estanho por outros
da enzima da Alcon, poderia ser uma incongruência no ritmo materiais de recipientes tais como vidro, papel, ou plástico, ou
ou na lógica do processo. Ou, no caso do protetor de explosão por outros métodos de conservar alimentos , como congelamento
ou do composto para selagem de latas, poderia ser uma incon­ e irradiação.
gruência entre realidades econômicas - entre o custo do mal fun­ E o estrategista de posto de pedágio não deve j amais tirar
cionamento e o custo de uma proteção adequada . partido do seu monopólio. Ele não deve se tornar naquilo que os
A posição de posto de pedágio também tem severas limi­ alemães chamam de Raubritter (o termo inglês "robber baron"
tações e riscos sérios . :E: basicamente uma posição estática . Uma não significa exatamente a mesma coisa), que roubava e s aqueava
vez ocupado o nicho ecológico, dificilmente haverá um cresci­ os viajantes incautos quando estes passavam pelos desfiladeiros
mento significativo. Não há nada que a companhia ocupante da das montanhas e gargantas de rios, acima dos quais, lá no alto,
posição de posto de pedágio possa fazer para aumentar o seu ficava o seu castelo. Ele não deve abusar de seu monopólio para
negócio, ou para controlá-lo. Não importa quão bom seja seu explorar, para extorquir ou maltratar seus clientes . Se o fizer,
produto ou quão barato, a demanda é dependente da demanda os usuários irão colocar um outro fornecedor no negócio, ou
pelo processo ou pelo produto para o qual o produto do posto mudarão para substitutivos menos eficazes que eles podem, então,
de pedágio fornece um ingrediente. controlar.
Isso pode não ser demasiadamente importante para a Alcon. A estratégia certa é a que a Dewey & Almy tem seguido
As cataratas podem ser pressupostas como sendo impermeáveis com sucesso por mais de quarenta anos . Ela oferece aos seus
às flutuações econômicas , seja "boom" ou depressão. Mas a com­ usuários, especialmente aqueles do Terceiro Mundo, serviços de
panhia que faz protetores de explosões teve que investir enormes assistência extensivos, ensina o seu pessoal, e projeta maquinaria,
quantias de dinheiro em novas instalações, quando as perfurações para enlatar e selar latas, nova e aperfeiçoada, para usá-la com
de petróleo dispararam em 1 97 3 , e de novo depois do pânico do os novos compostos de selagem da Dewey & Almy. Além disso,
petróleo de 1 979. Ela suspeitava que o "boom" não poderia constantemente melhora os seus compostos .
durar; mesmo assim, ela teve que fazer os investimentos , embora A posição de posto de pedágio deve ser impregnável, ou
razoavelmente segura de que jamais poderia recuperá-los . Se não quase isso. Mas ela só permite controlar dentro de um raio muito
t ivcsse feito isso, significaria a perda definitiva de seu mercado. estreito. A Alcon tentou superar essa limitação diversificando
I NOVAÇÃO E ESP1RITO EMPREENDEDOR 325
324 PETER F. DRUCKER

infância , bem antes da Primeira Guerra Mundial. Robert Bosch,


para todos os tipos de produtos para os olhos: lágrimas artificiais,
por exemplo, foi contemporâneo e amigo de dois pioneiros ale­
fluidos para lentes de contato, colírios antialérgicos, e assim por
mães de automóveis, Carl Benz e Gottfried Daimler, e começou
diante. Isso teve sucesso na medida em que tornou a empresa
sua firma nos anos 1 880.
atrativa para uma das principais multinacionais de bens de con­
Mas, assim que essas companhias conseguiram posição de
sumo , a companhia suíça Nestlé , que adquiriu a Alcon por uma
controle no seu nicho de habilidade especializada, elas a man­
soma substancial. Que eu saiba, a Alcon é a única empresa posto
tiveram. Ao contrário das empresas posto de pedágio, o nicho
de pedágio deste tipo que teve êxito em se estabelecer em merca­
delas é bastante grande, e, mesmo assim, único. Ele foi obtido
dos fora de sua posição original, e com produtos que eram dife­
rentes em suas características econômicas. Porém, se essa diver­ graças ao desenvolvimento de uma alta habilidade e desde muito
cedo. A A. O. Smith desenvolveu o que hoje seria chamado
sificação para mercados de consumo altamente competitivos, dos
quais a companhia conhecia muito pouco, foi lucrativa , não de "automação " na fabricação de chassis de automóveis durante
e pouco depois da Primeira Guerra Mundial. O sistema elétrico
se sabe.
que Bosch na Alemanha projetou para os carros-staff da Merce­
des, por volta de 1 9 1 t , era tão avançado que foi adotado gene­
ralizadamente, mesmo em automóveis de luxo, somente após a
II Segunda Guerra Mundial . A Delco, em Dayton, no Estado de
Ohio, desenvolveu a partida automática antes de se tornar parte
<la General Motors, isto é, antes de 1 9 1 4. Tais habilidades espe­
A HABILIDADE ESPECIALIZADA cializadas colocaram essas companhias tão à frente no seu campo
que pouco valeria a pena alguém tentar desafiá-las. Elas haviam
Todos conhecem as principais marcas de automóveis. Porém, se tornado o "padrão ".
poucas pessoas sabem os nomes das companhias que fornecem Os nichos de habilidade especializada de maneira alguma
os sistemas elétricos e de ignição para esses carros, e no entanto se confinam à manufatura. Nos últimos dez anos, algumas
existem muito menos desses sistemas do que marcas de automó­ ''trading companies" privadas, a maioria delas de Viena, cons­
veis: nos Estados Unidos, o grupo Delco da General Motors; na truíram um nicho similar naquilo que se costumava chamar de
Alemanha, a Robert Bosch ; na Grã-Bretanha , a Lucas; e assim "permuta" e agora se chama de "counter-trade" : transportar mer­
por diante. Praticamente ninguém fora da indústria automobilís­ cadorias de um país em desenvolvimento importador, tabaco da
tica conhece uma firma de Milwaukee, a A . O. Smith, que por Bulgária , ou bombas de irrigação fabricadas no Brasil, em paga­
décadas tem produzido todos os chassis utilizados em carros mento por locomotivas, maquinaria ou produtos farmacêuticos
americanos de passageiros, e nem que durante década uma outra
nportados por uma companhia em um país desenvolvido. E,
firma, a Bendix, tem produzido todos os conjuntos de freios de
muito antes, um alemão empreeendedor conseguiu tal controle
automóveis usados pela indústria automobilística americana.
de um nicho de habilidade especializada, que guias turísticos
Atualmente, essas são todas firmas antigas e bem estabelc•
;1inda são chamados pelo s·eu nome, "Baedeker".
cidas, naturalmente, mas somente porque a indústria automobi­
Como esses casos mostram, o momento oportuno é essencial
lística é ela mesma uma indústria antiga. Essas empresas estahc•
: 1 0 se estabelecer um nicho de habilidade especializada . Isso tem
lcceram sua posição de controle quando a indústria estava na sua
j
i
326 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESP1RITO EMPREENDEDOR 327
1
que ser feito bem no princípio de uma nova indústria, um novo isolado, o empreendedor procura o lugar onde uma habilidade
costume, um novo mercado, uma nova tendência. Karl Baedeker
.\
especializada possa ser desenvolvida e dar a um novo empreendi­
]
publicou seu primeiro guia em t 828, tão logo os primeiros vapo­ mento uma posição de controle única. Robert Bosch passou anos
res no Rio Reno iniciaram as viagens de turismo para as classes estudando o novo campo automobilístico para posicionar sua em­
médias . Ele dominou virtualmente todo o campo até que a Pri­ presa onde ele pudesse imediatamente estabelecer-se como líder.
meira Guerra Mundial tornou inaceitáveis os livros alemães nos A Hamilton Propeller, por muitos anos o principal fabricante de
países ocidentais . Os "counter-traders " de Viena começaram por hélices dos Estados Unidos, foi o resultado de uma procura siste­
volta de 1 960, quando esse comércio ainda era a rara exceção, mática pelo seu fundador nos primeiros dias do vôo a motor. Bae­
em grande parte confinado aos países menores do bloco soviético deker fez várias tentativas para começar um serviço para o turista
(o que explica por que estão concentrados na Áustria) . Dez anos antes que decid isse pelo guia, que então levou o seu nome e
depois, quando a moeda forte tornou-se escassa em todo o Ter­ tornou-o famoso.
ceiro Mundo, eles haviam apurado as suas habilidades, tornan­ O primeiro ponto, portanto, é que nos estágios iniciais de
do-se os "especialistas". uma nova indústria e um novo mercado, ou uma nova tendência
Para conseguir um nicho de especialidades sempre se requer importante, existe a oportunidade de procurar sistematicamente
algo novo, algo adicionado, algo que seja uma inovação genuína. a oportunidade da habilidade especializada - e então há, ge­
Já existiam guias para viajantes antes de Baedeker, mas se res­ ralmente, tempo para desenvolver uma habilidade singular.
tringiam ao cenário cultural, igrejas, vistas panorâmicas e assim O segundo ponto é que o nicho de habilidade especiali­
por diante. Para detalhes práticos, os hotéis, as tarifas das carrua­ zada requer realmente uma habilidade que é tanto única como
gens puxadas por cavalos, as distâncias e a gorjeta apropriada, diferente. Os antigos pioneiros do automóvel eram, sem exceção
o milorde viajante confiava num profissional, o acompanhante. alguma, mecânicos. Eles sabiam muito sobre maquinaria, metais
Porém a classe média não tinha o acompanhante, e isso foi a e motores, mas a eletricidade era coisa que lhes era estra­
oportunidade de Baedeker. Assim que aprendeu quais as infor­ nha. Ela exigia conhecimentos teóricos, que eles não possuíam
mações que o viajante necessitava, como chegar até ela, e apre­ e nem sabiam como adquirir. Existiam outros editores na época
sentá-la (o formato que ele criou ainda é aquele que muitos guias de Baedeker, mas um guia que exigia uma coleta "in loco" de
adotam), ninguém mais teria condições de reproduzir o investi­ uma enorme quantidade de informações detalhadas, verificações
mento de Baedeker e montar uma organização concorrente. constantes, e um corpo de auditores viajantes não estava no seu
Nos estágios iniciais de um novo desenvolvimento de vulto, campo de atuação. O "counter-trade" não é nem comércio e nem
o nicho de habilidade especializada oferece uma oportunidade l ransação bancári a.
excepcional . Sobram os exemplos. Por muitos e muitos anos só A empresa que se estabelece num nicho de habilidade espe­
existiam duas companhias nos Estados Unidos que fabrkavam cializada, portanto, dificilmente será ameaçada por seus clientes
hélices de avião, por exemplo. Ambas haviam começado antes da ou por seus fornecedores. Nenhum deles realmente deseja entrar
Primeira Guerra Mundial. em algo que lhes é tão estranho em habilidade e índole.
Um nicho de habilidade especializada é raramente encon­ Terceiro, uma empresa ocupando um nicho de habilidade
trado por acidente. Em cada caso isolado, ele resulta de uma L'spccializada deve constantemente procurar melhorar a sua pró­
huscn s i stemática de oportunidades inovadoras . Em cada caso p ria habilidade. Ela tem que estar à frente. Na verdade, ela tem
328 PETER F. DRUCK E R I N OVAÇÃO E ESPlRITO EMPREEN DEDOR 329

que se fazer constantemente de obsoleta . As companhias automo­ O nicho que os "counter-traders" vienenses agora ocupam
bilísticas antigamente costumavam queixar-se de que a Delco em era ocupado nas décadas de 20 e 30 por comerciantes de câmbio
Dayton e a Bosch em Stuttgart as pressionavam. Elas produziam internacional, na sua maioria suíços. Os banqueiros desses dias,
sistemas elétricos que estavam muito adiante do carro comum, à tendo crescido antes da Primeira Guerra Mundial, ainda acredi­
frente do que os fabricantes de automóveis da época achavam tavam que as moedas deviam ser estáveis. E assim que as moedas
que o cliente precisava , queria e pagava, e além, com freqüência, se tornaram instáveis, quando vieram as moedas incon versíveis,
d o que o fabricante d e automóveis sabia montar. moedas com diferentes taxas de câmbio para diferentes propósi­
Embora o nicho de habilidade especializada tenha vanta­ tos, e outras monstruosidades semelhantes, os banqueiros nem
gens únicas, ele também tem severas limitações. Uma delas é que mais queriam continuar operando. Ficaram até mesmo feli zes em
impõe uma visão em túnel a seus ocupantes. Para poderem se deixar os especialistas suíços cuidarem daquilo que consideravam
como um negócio sujo. Assim , um número pequeno de comer­
manter em suas posições controladoras, eles têm que aprender
ciantes suíços de câmbio ocupou um nicho de habilidade espe­
a não olhar nem para a direita nem para a esquerda, mas direta­
cializada altamente lucrativo. Depois da Segunda Guerra Mun dial ,
mente frente à sua área estreita, seu campo especializado. A ele­
com a tremenda expansão do comércio internacional, as operações
trônica de aviões não era muito diferente da eletrônica de auto­
com câmbio tornaram-se rotina. Atualmente, todo banco, pelo
móveis nos estágios iniciais. No entanto, os eletricistas de auto­
menos nos principais centros financeiros, tem seus próprios ope­
móveis, Delco, Bosch e Lucas, não são líderes na eletrônica de
radores de câmbio.
aviões. Eles sequer visaram o campo, e não fizeram nenhuma O nicho de habilidade especial izada , como todos os nichos
tentativa para entrar nele. ecológicos, é portanto limitado tanto no seu escopo , como no
Uma segunda e grave limitação é que o ocupante do nicho tempo. Espécies que ocupam tais nichos, ensina a Biologia , não
de habilidades especializadas é geralmente dependente de alguém se adaptam facilmente sequer a pequenas mudanças no ambiente
mais para trazer seu produto ou serviço ao mercado. Ele torna-se externo. E isso é verdade , também, para a espécie habilidade
um componente. A força das firmas de eletricidade de automóveis empreendedora. Porém, dentro dessas limitações, o nicho de habi­
é que o cliente não sabe que elas existem. Claro que isso é tam­ lidade especializada é uma posição certamente vantajosa. Em
bém a fraqueza delas. Se a indústria automobilística britânica tecnologias, i ndústrias e mercados novos e em rápida expansão ,
afundar, o mesmo acontecerá à Lucas. A A. O. Smith prosperou talvez seja a estratégia mais vantajosa. Muito poucos dos fabri­
fabricando chassis de automóveis até a crise de energia . Então, cantes de automóveis de 1 900 ainda existem; porém, cada um
os fabricantes americanos de automóveis começaram a mudar dos fabricantes de sistemas elétricos e de ignição ainda estão
para carros sem chassis. Estes carros são substancialmente mah: por aí . Uma vez obtido e adequadamente mantido, o nicho de
caros que os carros com chassis, mas pesam menos, e, portanto, habilidade especializada protege contra a concorrência, precisa­
gastam menos combustível . A A. O. Smith nada pode fazer para mente porque nenhum comprador de automóvel conhece ou se
reverter a tendência adversa . importa com quem faz os faróis ou os freios. Nenhum comprador
Finalmente, o maior perigo para o fabricante do nicho espe­ de carro, portanto, dificilmente irá de vendedor a vendedor pro­
cializado é que a especialidade deixe de ser uma especialidade e curando por quaisquer deles. Uma vez que o nome "Baedeker"
se torne universal. se tornou sinônimo de guias turísticos, praticamente não houve
3 30 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 331

perigo de que alguém tentasse abrir caminho à força, pelo menos desde que o emissor, fosse a Cook ou a American Express, tivesse
não até que o mercado mudasse drasticamente. Numa nova tec­ o uso do dinheiro e ficasse com os juros sobre ele, até que o
nologia, nova indústria, ou novo mercado, a estratégia da habili­ comprador descontasse o cheque, algumas vezes meses depois dos
dade especializada oferece um ótimo índice entre oportunidade e cheques serem comprados. Mas o mercado não era bastante grande
risco de fracasso. para tentar mais ninguém . Além disso , os cheques de viagem
requeriam uma organização de âmbi to mundial, que a Cook e a
American Express precisavam manter de qualquer maneira para
atender seus clientes de viagem, organização essa que nenhum
III outro naqueles dias via razão para montar.
O mercado de bens de especialidade é encontrado ao se
olhar um novo desenvolvimento, e se perguntar: que oportuni­
O MERCADO DE BENS DE ESPECIALIDADE dades existem nele que nos daria um nicho único, e o que tere­
mos que fazer para ocupá-lo antes de qualquer outro? O cheque
A principal diferença entre o nicho de habilidade especiali­
de viagem não é uma grande "invenção". Não passa de uma carta
zada e o nicho de mercado de bens de especialidade é que o
de crédito, e esta tem existido por centenas de anos. A novidade
primeiro é constituído a partir de um produto ou serviço e o
era que os cheques de viagem foram oferecidos - primeiro para
último, a partir do conhecimento especializado de um mercado.
os clientes da Cook e da American Express, e depois ao público
No mais, eles são similares.
em geral - em séries padrões. E poderiam ser descontados onde
Duas empresas de porte médio, uma no norte da Inglaterra
quer que a Cook e a American Express tivessem um escritório
e outra na Dinamarca, fornecem a grande maioria dos fornos de
ou uma agência. Isso os tornava caracteristicamente atraentes
assar automáticos para biscoitos e bolachas comprados no mundo
não-comunista. Por muitas décadas, duas empresas, os dois mais para o turista que não queria andar com muito dinheiro à mão,
antigos agentes de viagem, Thomas Cook , na Europa, e a Ame­ e não tinha a·s relações bancárias estabelecidas para torná-lo elegí­
rican Express, nos Estados Unidos, mantiveram, na prática, um vel para uma carta de crédito.
monopólio dos cheques de viagem. N ão havia nada particularmente avançado nos antigos for­
Não existe, segundo me disseram, nada muito difícil ou nos de assar, nem há qualquer alta tecnologia nos fornos de
particularmente técnico sobre fornos de assar. Existem literal­ assar instalados hoje. O que as duas firmas fizeram foi notar
mente dúzias de empresas por aí que poderiam fazê-los tão bem que o ato de assar biscoitos e bolachas estava passando do lar
quanto aquelas duas firmas na Inglaterra e Dinamarca. Porém, para a fábrica. Elas então estudaram o que os confeiteiros comer­
essas duas conhecem o mercado: elas conhecem cada um dos ciais precisavam para poder fabricar o produto que seus próprios
confeiteiros mais renomados, e cada um desses confeiteiros os clientes, mercearias e supermercados, pudessem por sua vez ven­
conhecem : O mercado simplesmente não é de tamanho suficiente der, e a dona-de-casa comprar. Os fornos de assar não eram
ou atraente para que se tente concorrer com essas duas, enquanto baseados em engenharia, mas em pesquisa de mercado ; nessa
elas continuarem satisfatórias. Similarmente, o cheque de viagem época a técnica estava à disposição de todos.
era considerado retrógrado até o período após a Segunda Guerra O nicho de mercado de bens de especialidade tem os mes­
Mundial de viagem em massa. Eles eram altamente lucrativos mos requisitos do nicho de habilidades especializadas: análise
H2 PETER F. DRUCKER 1-

. ............
sistemática de uma nova tendência, indústria ou mercado; uma

Mudanças em
contribuição inovadora específica, mesmo que fosse uma "torção",
como aquela que converteu a tradicional carta de crédito nos ..... t_ Valores e
modernos cheques de viagem; e trabalho continuado para aper­ Características

ª
feiçoar o produto, e especialmente o serviço, de modo que a T
liderança , uma vez obtida , seja mantida.
Também tem as mesmas limitações. A maior ameaça à posi­
ção do mercado de bens de especialidade é o sucesso. A maior
ameaça é quando o mercado de bens de especi alidade se torna
-o
......
::i
,...,
um mercado de massa .
Os cheques de viagem hoje tornaram-se uma utilidade e alta­
mente competitiva porque viajar tornou-se um mercado de massa .
O mesmo acontece com perfumes. Uma firma francesa, a
Coty, criou a moderna indústria de perfumes. Ela percebeu que
Nas estratégias empreendedoras d iscutidas até
a Primeira Guerra Mundial havia mudado a atitude em relação
a cosméticos. Enquanto que antes da guerra somente "mulheres agora, a finalidade é a de introduzir uma inovação.
Na estratégia empreendedora discutida neste capí­
levi anas" usavam cosméticos, ou ousavam admitir que os usa­
tulo, a própria estratégia é a i novação. O produto
vam, estes haviam se tornado aceitáveis e respeitáveis. Em
ou o serviço, neste caso, pode muito bem já existir
meados da década de 20, a Coty havia se firmado numa posi­
há muito tempo - em nosso primeiro exemplo, o
<;ão de quase monopólio em ambos os lados do Atlântico . Até
serviço postal, já tem quase dois mil anos. Mas a
1 929, o mercado de cosméticos era um "mercado de bens de
estratégia converte esse produto ou serviço, antigo
especialidade", um mercado de classe média alta. Mas então,
e estabelecido, em algo novo. Muda a sua utilidade,
durante a Depressão, ele explodiu, tornando-se um mercado de
seu valor, suas características econômicas. En­
massa genuíno. Ele também se dividiu em dois segmentos: um
quanto que fisicamente não há mudança, econo­
segmento de prestígio com altos preços, distribuição de especia­
micamente existe alguma coisa diferente e nova .
lidades, e embalagem de especialidades; e um segmento de pre­
ços populares, marcas de massa vendidas em todos os pontos, Todas as estratégias a serem d iscutidas neste
inclusive o supermercado, a loja de variedades, e a "drugstore". capítulo possuem algo em comum. Elas criam um
Dentro de poucos anos, o mercado de bens de especialidade domi­ cliente - o que é o propósito último de um negó­
nado pela Coty havia desaparecido. Mas a Coty não conseguiu cio, e até mesmo da atividade econômica. Mas
' elas fazem isso de quatro maneiras diferentes:
se decidir se tentava se tornar um dos comerciantes de massa
em cosméticos, ou um dos produtores de luxo. Ela tentou ficar 1 . Como eu disse, há mais de trinta anos, em A Prática de
num mercado que não mais existia, e desde então tem andado Administração de Empresas ( 1 954). São Paulo: Livraria Pioneira
ao léu. Editora, 1 981.

333
334 PETER F. DRUCKER 1 NOVAÇÃO E ESPlRITO EMPREENDEDOR 335
criando utilidade;
fixando o preço; coisa nova, com nada que pudesse concebivelmente ser patentea­
adaptando-se à realidade socia l e econômica do clien do. Porém, o correio tinha sido sempre pago por quem recebia a
te; correspondência, a taxa sendo calculada de acordo com a distância
proporcionando o que representa verdadeiro valo
r ao é o peso. Isso o tornava caro e vagaroso. Cada carta tinha que ser
cliente.
levada ao correio para ser pesada. Hill propôs que a franquia
postal deveria ser uniforme dentro da Grã-Bretanha, qualquer
4ue fosse a distância; que fosse paga antes; e que o valor pago
I fosse pago afixando o tipo de selo que vinha sendo usado há
vinte anos para pagar outros emolumentos e impostos. Da noite
para o dia , o correio tornou-se fácil e conveniente; na verdade,
CRIAÇÃO DE UTILIDADE as cartas poderiam ser colocadas numa caixa de coleta . Tmbém,
imediatamente, o correio tornou-se absurdamente barato . A carta
Era costume ensinar-se aos escolares ingleses que Rowland que antes custava um shilling ou mais - e um shilling era apro­
Hill "inventou" o serviço postal em 1 836. Isso não faz sentido, x imadamente quanto ganhava um artesão em um dia - passou
naturalmente. A Roma dos Césares tinha um serviço excelente, a custar apenas um penny::, O volume não era mais limitado .
com rápidos mensageiros levando correspondência em horários Em resumo, nascera o "correio ".
regulares às mais distantes regiões do Império. Mil anos depois, Hill criara utilidade. Ele perguntara : o que os clientes neces­
em 1 52 1 , o imperador alemão Carlos V, de maneira tipicameilte sitavam para que um serviço postal fosse verdadeiramente um
renascentista, retornou à clássica Roma e concedeu o monopólio serviço para eles ? Esta é sempre a primeira pergunta na estratégia
de transporte de correspondência nos seus domínios imperiais empreendedora de mudança de utilidade, valores e características
à opulenta família de Thurn e Taxis. As generosas contribuições econômicas. De fato, a redução no custo de remessa de uma carta,
de campanha que estes fizeram permitiram a ele subornar um embora sendo de 80 por cento ou mais, era algo secundário.
número suficiente de Eleitores Alemães para que conseguisse a O principal resultado foi tornar o uso dos correios conveniente
coroa imperial - e os príncipes de Thurn e Taxis ainda manti­
para todos e disponível para todos . As cartas não mais tinham
veram o serviço postal em muitas partes da Alemanha até cerca
que ser confinadas a "epístolas " . O alfaiate poderia agora usar
de 1 866, como sabem os colecionadores de selos. Em meados do
o correio para envi ar uma conta. A explosão em volume que daí
século XVII, todo país europeu tinha o seu serviço postal basea­
resultou, dobrando nos primeiros quatro anos, e quadruplicando
do no modelo alemão, o mesmo acontecendo, cem anos mais
nos dez seguintes, reduziu ainda mais o custo, a ponto que
tarde, com as colônias americanas . Na verdade, todos os grandes
escritores de cartas da tradição ocidental , de Cícero a Madàme de enviar uma carta pelo correio custava praticamente nada por
Sévigné, Lord Chesterfield e Voltaire, escreveram e enviaram muitos anos .
suas cartas pelo correio muito antes de Rowland Hill "inventar" O preço é geralmente quase irrelevante na estratégia de
o serviço postal . criação de utilidade. A estratégia trabalha permitindo que os
No entanto Hill realmente criou o que chamamos agora de clientes façam o que atende aos seus propósitos. Ela funciona
"correio " . Ele não contribuiu com nova tecnologia , com nenhuma
* (N.T.) Um shilling equivalia a 12 pence (pi . de penny) .

�. :â
3 36 PETER F. D RUCKER 1 NOVAÇÃO E ESPlRITO EMPREENDEDOR 337

porque pergunta: o que é verdadeiramente um "serviço" e ver­ postais, usando as mesmas carruagens postais e os mesmos esta­
dadeiramente uma "utilidade" para o cliente? retas. E, no entanto, o serviço postal de Rowland Hill era um
Toda noiva americana deseja ganhar um aparelho de "por­ "serviço" totalmente diferente. Servia a urna função diferente.
celana fina". Um aparelho completo é, contudo, um presente
excessivamente caro, e os que vão dar a ela um presente de
casamento não sabem que modelo ela quer, ou quais peças ela
já tem. Então, eles acabam dando outra coisa. A demanda existia, II
em outras palavras, mas faltava a utilidade. Um fabricante de
aparelhos de louça de jantar de tamanho médio, a companhia
FIXAÇÃO DE PREÇO
Lenox China, viu aí uma oportunidade inovadora. A Lenox adap­
tou uma idéia antiga, "a lista de presentes de casamento", de Por muitos anos, o rosto americano mais conhecido no
modo que ela somente contivesse a porcelana Lenox. A noiva mundo todo era o de King Gillette, que decorava o pacotinho
escolhe então um comerciante a quem ela diz que modelo de de toda lâmina de barbear Gillette vendida em qualquer lugar
porcelana Lenox quer, e a quem ela indica os potenciais doadores do mundo. E milhões de homens por todo o mundo usaram a
dos presentes de casamento. O comerciante então pergunta ao lâmina de barbear Gillette todas as manhãs.
presenteador: "Quanto pretende gastar"?, e explica: "Isso equi­ King Gillette não inventou o aparelho de barbear; dúzias
vale a duas xícaras de café com os pires". Ou o comerciante pode deles foram patenteadas nas últimas décadas do século XIX. Até
dizer : "Ela já tem todas as xícaras de café; o que ela precisa 1 860 ou 1 8 70, somente um número bem pequeno de homens, a
agora é de pratos de sobremesa". O resultado é uma noiva feliz, aristocracia e uns poucos profissionais e comerciantes, precisava
um feliz presenteador, e uma companhia muito feliz, a Lenox cuidar de sua barba, mas podia facilmente ter um barbeiro.
China. Então. de re-p ente, muitos e muitos homens, negociantes, lojistas
De novo, não há alta tecnologia aqui, nada patenteável, nada e empregados de escritórios precisaram parecer "respeitáveis".
senão o foco nas necessidades do cliente. No entanto, a lista de Poucos deles poderiam usar uma navalha ou se sentiam à vontade
presentes de casamento, com toda a sua simplicidade, ou talvez com um instrumento tão perigoso, mas as idas ao barbeiro saíam
por causa dela. fez da Lenox o fabricante favorito da "porcelana caro e, pior, demoravam muito. Muitos inventores desenharam
fina" e uma das companhias americanas de tamanho médio de um aparelho de barbear "faça você mesmo", mas nada conseguia
mais rápido crescimento . vendê-lo. Uma ida ao barbeiro custava dez centavos de dólar
A criação de utilidade permite às pessoas atender seus dese­ e o aparelho de barbear mais barato custava cinco dólares - uma
jos e suas necessidades à sua própria maneira. O alfaiate não quantia enorme naqueles dias quando um dólar por dia era um
poderia mandar a carta ao seu cliente pelo correio se ela levasse bom salário.
três horas para ser aceita por um funcionário, e se o cliente tivesse O aparelho de barbear de Gillette não era melhor que muitos
que pagar uma quantia elevada, talvez tão grande quanto a outros, e era bem mais caro para ser fabricado. Mas Gillette não
própria conta. Rowland Hill não acrescentou nada ao serviço. "vendia" o aparelho. Ele praticamente o dava de graça, fixando
Ele continuou a ser desempenhado pelos mesmos funcionários seu preço em 5 5 centavos no varejo e 20 no atacado, não muito
338 PETER F . DRUCKER I NOVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 339

mais do que um quinto de seu preço de fabricação. Mas , ele o série de níveis administrativos para chegar até o Conselho de
projetou de modo que teria que utilizar somente suas lâminas Administração, acompanhado de cálculos indicando o retorno do
patenteadas. Estas custavam a ele menos que um centavo por investimento, ambas as providências parecendo inimagináveis
peça para serem feitas : ele as vendia por cinco centavos. E como para uma engenhoca para ajudar a secretária. A Haloid Company,
as lâminas podiam ser usadas seis ou sete vezes, era possível a atual Xerox, teve muito trabalho para chegar ao projeto final
fazer-se a barba por menos de um centavo por vez - ou por da máquina. Porém, sua contribuição principal foi quanto à deter­
menos de um décimo do custo de uma ida ao barbeiro . minação do preço. Ela não vendia a máquina; ela vendia o que
O que Gillette fez foi estabelecer o preço para aquilo que o a máquina produzia, ou seja, cópias. A quatro ou cinco centavos
cliente compra , isto é, barbear-se, em vez do que o fabricante de dólar a cópia, não há necessidade de solicitar uma apropri ação
vende. Ao final, o cliente cativo de Gillette pode ter pago mais de capital. Isto é "caixa pequena ", o que a secretária pode gastar
do que ele teria pago se tivesse comprado um aparelho de barbear sem precisar ir ao chefe. Fixar o preço da máquina Xerox em
de um concorrente por cinco dólares, e então comprado as lâmi­ cinco centavos a cópia foi a verdadeira inovação.
nas do concorrente vendendo-as a um ou dois centavos. Os clien­ A maioria dos fornecedores, incluindo instituições de serviço
tes de Gillette certamente sabiam disso: clientes são mais inteli­ público, jamais pensou na fixação de preço como uma estratégia.
gentes do que as agências de publicidade ou Ralph Nader* acre­ No entanto, fixar preços é o que permite ao cliente pagar pelo
ditam. Mas o esquema de fixação de preços de G iÍlette fazia que compra - barbear-se, a cópia de um documento - e não
sentido para eles. Eles estavam pagando pelo que compravam, isto por aquilo que o fornecedor faz. O que está sendo pago, no final,
é, barbear-se, e não por uma "coisa". E o corte de barba que é naturalmente a mesma quantia. Porém, o modo como está sendo
conseguiam com o aparelho de barbear Gillette e a lâmina 'de pago é estruturado para as necessidades e realidades do consu­
barbear Gillette era muito mais agradável do que qualquer outro midor. f: estruturado de acordo com o que o consumidor real­
corte que poderiam fazer com aquela arma perigosa , a navalha, mente compra. E cobra o que representa "valor" para o cliente,
e muito mais barato do que teriam conseguido no barbeiro da e não o que representa "custo" para o fornecedor.
vizinhança .
Uma razão por que as patentes de uma copiadora acaba­
ram numa pequena e obscura empresa de Rochester, no Estado
de Nova York, então conhecida como a Haloid Company, e não III
com um dos grandes fabricantes de impressoras, foi que nenhum
dos grandes fabricantes já estabelecidos viu alguma possibilidade
de vender uma copiadora. Seus cálculos mostravam que tal A REALIDADE DO CLIENTE
máquina teria que ser vendida por, pelo menos, 4.000 dólares.
A liderança mundial da General Electric Company (G E)
Ninguém iria pagar essa quantia por um copiadora quando o
papel carbono não custava praticamente nada . Naturalmente, gas­ americana em grandes turbinas a vapor está baseada no fato de
tar 4.000 dólares numa máquina significava, além disso, um ter a GE cogitado a fundo, nos anos antes da Primei ra G ucn11
pedido de apropriação do capital, que teria que passar por uma Mundial, sobre quais eram as realidades dos clientes. As 1 u rhi1111N
a vapor, ao contrário dos motores a vapor de pistfio, q t 1 L' r im•
* (N.T.) O mais conhecido detensor do consumidor americano. substituíram na geração de energia elétrica, são wmplc,rnN, t· K I
340 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESPI R I TO EMP R E E ND E DO R 34 1
gindo um alto grau de técnica em seu projeto, e de habilidade seu produto: O fazendeiro não tinha o poder de compra. Que a
em construí-las e ajustá-las. Isto, uma companhia de eletricidade máquina o faria recuperar o seu custo, em duas ou três safras,
simplesmente não pode proporcionar. Ela adquire uma grande todo mundo sabia e aceitava, mas não existia nenhum banqueiro
turbina a vapor a cada cinco ou dez anos, quando constrói uma que então emprestasse ao fazendeiro americano o dinheiro para
nova estação de força. No entanto, a habilidade tem que ser comprar uma. McCormick ofereceu prestações, a serem pagas
mantida permanentemente. O fabricante, portanto, precisa montar com as economias que os colhedores obtivessem nos três anos
e manter uma vasta organização de consultoria técnica. seguintes. O fazendeiro podia agora comprar a máquina, e ele
Porém, como a GE logo descobriu, o cliente não pode a comprou .
pagar por serviços de consultoria técnica. Sob a legislação ameri­ Os fabricantes estão acostumados a falar do "cliente irracio­
cana, as comissões estaduais de utilidade pública precisariam nal" (como o fazem os economistas, psicólogos e moralistas) . Mas
autorizar essas despesas. Entretanto, na opinião das comissões, não existem "clientes irracionais". Um antigo adágio dizia: "Exis­
as empresas deveriam ter condições de elas mesmas realizar esse tem apenas fabricantes indolentes" . É preciso pressupor que o
trabalho. A GE descobriu, também, que não poderia adicionar cliente é racional. A realidade dele ou dela, entretanto, é geral­
ao preço da turbina a vapor o custo dos serviços de consultoria mente diferente daquela do fabricante. As normas e regulamentos
técnica que seus clientes necessitavam. E, também isso, as comis­ das comissões de utilidade pública podem parecer sem sentido e
sões de utilidade pública não o teriam aceito. Mas, embora a puramente arbitrárias. Para as empresas de eletricidade, que têm
turbina a vapor tenha uma vida bastante longa, ela precisa de um que operar sob essas condições, elas constituem, todavia, reali­
novo conjunto de lâminas com bastante freqüência, talvez de dades. O fazendeiro americano pode ter sido um melhor risco
cinco a sete anos, e essas lâminas precisam vir do fabricante da de crédito do que pensavam os banqueiros americanos de 1 840.
turbina original. A GE montou a maior organização do mundo Mas é um fato que os bancos americanos da época não adian­
de consultoria técnica em estações de energia elétrica, tendo o tavam dinheiro aos fazendeiros para comprar equipamento. A
cuidado de nã� chamá-Ia de consultoria técnica, e sim de venda estratégia inovadora consiste em aceitar que essas realidades não
de aparelhagem, pela qual nada cobrava. Suas turbinas a vapor são irrelevantes para o produto, mas são, de fato, o produto no
não eram mais caras do que as dos seus concorrentes. Mas, ela que diz respeito ao cliente. Seja o que for que os clientes com­
incluía o custo adicional da organização de consultoria, mais um pram, precisa ser adequado às suas realidades, ou não terá uso
substancial lucro, no preço que cobrava pelas lâminas de substi­ para eles.
tuição. Dentro de dez anos, todos os outros fabricantes de turbi­
nas a vapor haviam compreendido e mudado para o mesmo siste­
ma. Mas, então, a GE já tinha a liderança mundial.
Muito antes, durante a década de 1 840, um projeto' de pro­ IV
duto e processo similar que se adequassem às realidades do
cliente levou à invenção da compra a crédito. Cyrus McCormick
PROPORCIONAR VALOR AO CLIENTF
foi um dos muitos americanos que construíram uma segadeira
- a necessidade era óbvia. E descobriu, como tantos outros A última dessas estratégias inovadoras t ra nsm i lL' o qt1l' l<
inventores de máquinas similares, que não conseguia vender o "valor" ao cliente e não o que é "produto" pura o fu hriL:11 1 1 l l'.
342
PETER F. DRUCKER T NOVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 343
É realmente somente um passo adiante na
estratégia de aceitar a no início, bem conhecida como a fabricante de móveis de um
realidade do clie nte como parte do pro
duto e par te do que o dos primeiros estilos modernos , a cadeira Eames . Então, quando
cliente compra e paga .
Uma empresa de médio porte do Meio-O todos os demais fabricantes começaram a lançar cadeiras de marca
este americano forne­ do projetista, Herman Miller começou a fabricar e vender escritó­
ce mais da metade de um lubrificante
especial utilizado por gran­
des máquinas de terraplenagem e de rios completos, e postos de atendimento de enfermagem em hospi­
carregamento : os "bulldo­ tais, ambos com considerável sucesso. Finalmente, quando o "es­
zers " e "draglines ", usados pelos emp
r eiteiros para con strução de
estradas; o equipamento pesado usad critório do futuro" começou a chegar, Herman Miller fundou um
o para remover resíduos da
mineração de superfície; os caminhões Instituto de Administração de Instalações (Facilities Management
pesados usados para t rans­ Institute) que não vende sequer mobiliário ou equipamento, mas
portar o carvão tirado das minas; e assi
m por diante . A empresa assessora as empresas sobre layout e equipamentos de escritórios
compete com algumas das maiores com
panhias petrolíferas, que para um melhor fluxo de t rabalho, alta produtividade, elevado
podem mobilizar batalhões inteiros
de especialistas em lub rifi­
cação. Ela compete não vendendo moral dos funcionários, tudo a um custo baixo. O que Herman
óleo lubrificante de modo Miller faz é definir "valor " para o cliente. E: dizer ao cliente:
algum. Ao invés, ela vende o que é,
de fato, um segu ro. O que "Você pode pagar pelos móveis, mas você está comprando traba­
é "valor " para o emp reiteiro não
é a lubrificação: é operar o lho, moral, produtividade. E isto é o que você deveria estar
equipamentos. Então, ele oferece a eles
um p rograma de manuten­ pagando" .
aquela peça do equipamento pesado não
pode funcionar , custa a
ele infinitamente mais do que ele gast
a em lubrificantes durante
um ano inteiro. Em todas essas atividad
es, existe uma pes'ada Esses exemplos, p rovavelmente, podem ser considerados
multa para os empreiteiros que não obe
decem aos prazos fixados , óbvios. Por certo, qualquer pessoa aplicando um pouco de inteli­
e eles só pod·em conseguir o con trato
se calcularem o prazo final gência poderia chegar a essas estratégias ou outras semelhantes a
o mais precisamente possível e corrend
o contra o relógio. O que elas? Porém, o pai da economia sistemática, David Ricardo, é
o fabricante de lubrificante do Meio-O creditado por ter dito uma vez: "Os lucros não são obtidos por
este faz é oferecer aos
empreiteiros uma análise das necessi esperteza diferenciada, mas por estupidez diferenciada". As estra­
dades de manutenção de seus
equipamentos . Então, ele oferece-lhes tégias funcionam, não porque elas são engenhosas, mas porque a
um programa de manuten­
ção com um preço anual de assinatu maioria dos fornecedores - de bens e de serviços, de empresas
ra contratual, e ga rante aos
assinan tes que seus pesados equipam que visam lucros e de instituições de serviços públicos - não
entos não ficarão parados por
mais de um dado número de horas po pensa. Elas funcionam precisamente por ser tão "óbvias". Po
r ano, devido a problemas
de lubrificação. Não é preciso dizer,
o p rograma sempre prescreve que, então, elas são tão raras? Porque, como mostram esses exem­
o lub rificante desse fabrican te. Mas plos, qualquer um que faça a pergunta: "O que o cliente real­
não é isso o que os emprei­
teiros compram. Eles estão comprando
operações livres de proble­ mente compra?", ganhará a corrida. Na verdade, não chega a ser
mas , que são extremamente valiosa
s para eles. nem sequer uma corrida, pois ninguém mais está correndo. O
O exemplo final, que poderia ser chamad que explica isso?
p roduto para sistema", é o de Her o de "passar de
man Mil ler , o fabricante ame­ Uma razão é a dos economistas e seus conceitos de "valor".
ricano de móveis , em Zeeland, Michiga Todo livro de Economia assinala que os clientes não compram
n . A empresa tornou-s e,
um "produto", mas o que o produto faz para eles . E daí, todos os

L .-.:.a
I N OVAÇÃO E ESPfRITO EM·PREENDEDOR 345
344 PETER F. DRUCKER

q uais são os seus valores - isto é tudo o que é marketing. Mas


livros de Economia prontamente põem de lado considerações sobre
por que, depois de quarenta anos de estar pregando marketing,
tudo que não seja o "preço" do produto, "preço" este definido
rnsinando marketing, e exercendo marketing, tão poucos forne­
como sendo o que o comprador paga para assumir a posse ou
l·cdores estão dispostos a seguir, eu não posso explicar. O fato
propriedade de uma coisa ou um serviço. O que o produto faz
permanece que, até hoje, quem quer que esteja disposto a usar
para o comprador nunca é mencionado de novo. Infelizmente, os
marketing como base para estratégia provavelmente chegará à
fornecedores, seja de produtos ou de serviços , tendem a seguir
liderança de um setor ou um mercado rapidamente e quase sem
os economistas.
ri sco .
E: expressivo dizer que "o produto A custa X dólares".
É expressivo dizer que "temos que conseguir Y dólares pelo pro­
duto para cobrir nossos custos de produção e ter ainda o sufi­
As estratégias empreendedoras são tão importantes quanto
ciente para cobrir o custo de capital, e desse modo ter um lucro
a inovação deliberada e a administração empreendedora. Juntas,
adequado". Mas não faz nenhum sentido concluir " . . . e por­
as três constituem inovação e empreendimento.
tanto o comprador tem que pagar a quantia global de Y dólares
As estratégias disponíveis são razoavelmente claras, e exis­
em dinheiro cada vez que comprar cada peça do produto A".
Ao invés, o argumento deveria ser o seguinte : "O que o compra­ l cm apenas poucas delas. Porém, é de longe menos fácil ser espe­
cífico sobre estratégias empreendedoras do que sobre inovação
dor paga por peça do produto tem que produzir Y dólares para
deliberada e administração empreendedora. Sabemos quais são
nós ". Mas a forma como· o comprador paga depende do que faz
mais sentido para ele. Depende do que o produto faz para quem as áreas nas quais podem ser encontradas as oportunidades ino­
vadoras e como elas devem ser analisadas. Existem diretrizes e
o compra. Depende do que se ajusta à realidade dele. Depe�de
práticas corretas e diretrizes e práticas errôneas para tornar uma
do que o comprador vê como "valor"
empresa existente ou uma instituição de serviço público capaz de
O preço em si não é "fixação do preço", e não é "valor" .
praticar o empreendimento; coisas certas a fazer, e coisas erradas
Foi esse discernimento que deu a King Gíllette um virtual mono­
a fazer em um novo negócio de risco. Porém, a estratégia empre­
pólio do mercado de barbear por quase quarenta anos ; também
endedora que se ajusta a uma determinada inovação é uma decisão
foi o que permitiu à diminuta Haloid Company em dez anos
de alto risco. Algumas estratégias empreendedoras são melhores
tornar-se a multibilionária Companhia Xerox e o que deu à Gene­
que outras numa dada situação, como, por exemplo, a estratégia
ral Electric a liderança mundial nas turbinas a vapor. Em cada
que chamei de judô empresarial , que é a estratégia a ser escolhida
u m dos casos, essas companhias se tornaram extremamente lucra­
quando as empresas líderes em uma indústria persistem ano após
tivas. Mas elas fizeram por merecer sua lucratividade. Elas foram
ano nos mesmos hábitos de arrogância e falsa superioridade. Po­
pagas por ter dado aos seus clientes satisfação, por dar a eles o
demos descrever as vantagens típicas e as limitações típicas de
que eles queriam comprar, ou, em outras palavras, por t�r dado
certas estratégias empreendedoras .
a seus clientes o que vale o seu dinheiro.
Acima de tudo, sabemos que �ma estratégia empreendedora
"Mas isso não passa de marketing elementar", dirá a maioria
tem mais chances de sucesso quanto mais cedo ela começar com
dos leitores em protesto, e eles estão certos. Não é nada mais
os usuários - suas utilidades, seus valores, suas realidades. Uma
que marketing elementar. Começar com a utilidade do cliente ,
inovação é uma mudança em mercado ou sociedade. Ela produz
com o que ele compra, com quais são as realidades do cliente e
>46 PETER F. DR UCKER -
maior ganho para o usuário, maior capacidade produtiva para a A Sociedade
sociedade, mais alto valor ou maior satisfação. O teste de uma
inovação é sempre o que ela taz para o usuário. Por isso, o
..-- Empreendedora
empreendimento sempre precisa estar enfocado no mercado e,
realmente, ser dirigido pelo mercado. 1 1

Ainda mai s : a estratégia empreendedora permanece sendo


a área de tomada de decisão de empreendimento e portanto a
el�
área de assumi r risco. Ela não pode ser definida como mero pal­
-e
rJ)
:s
pite ou jogo. Mas também não é precisamente ciência. Mais exa­ (J
tamente, é julgamento. t::
u
I
'Toda geração precisa de uma nova revolu-
ção" foi a conclusão de Thomas Jefferson perto
do fi m de sua longa vida. Seu contemporâneo,
Go1 ~the, o grande poeta alemão, apesar de ser um
arq uiconservador, exprimiu o mesmo sentimento
qm .ndo cantou em versos na sua velhice:
Vernunft wird Unsinn
Wohltat, Plage. 1
Tanto Jefferson como Goethe estavam expri­
mir o o desencanto de sua geração com o legado
1d
do lluminismo e a Revolução Francesa. Mas, eles
ber 1 podiam, igualmente, estar refletindo sobre
nm so legado atual, 1 50 anos mais .tarde, daquela
gra ode e cintilante promessa, o Estado do Bem­
Est arSocial, começado na Alemanha Imperial para
os verdadeiramente indigentes e inválidos, e que
age ,rase tornou o "direito de todos" e uma carga
cre seente sobre aqueles que produzem . I nstitui­
s, sistemas e políticas eventualmente duram
ÇÕé
1.A razão se torna contra-senso,
alegrias, angústias.

347

:ir,. _ ....
348 PETER F. DRUCKER ! N OVAÇAO E ESP f R I TO E M P R E E NDEDOR 349
mais que eles mesmos, da mesma forma que produtos, processos E, no entanto, também sabemos que teorias, valores e todos
e serviços. Todos conseguem isso quando alcançam seus objeti­ os artefatos de mentes humanas e de mãos humanas realmente
vos, e o conseguem quando não alcançam seus objetivos. Os me­ envelhecem e rigidificam, tornando-se obsoletos, tornando-se
canismos podem ainda estar palpitando. Porém, aí pressupostos "angústias".
sobre os quais foram projetados não mais são válidos - como, A inovação e o espírito empreeendedor são, portanto, neces­
por exemplo , aconteceu com as premissas demográficas sobre as s ários na sociedade tanto quanto na economia; na instituição de
quais foram preparados planos de assistência à saúde e esquemas serviço público tanto quanto em empresas privadas. B precisa­
de aposentadoria em todos os países desenvolvidos durante os mente porque a inovação e o empreendimento não constituem
últimos cem anos. Então, realmente , a razão se torna um contra­ "algo radical", mas "um passo de cada vez", um produto aqui,
senso e alegrias, angústias . uma diretriz lá, um serviço público acolá; porque eles não são
No entanto, "revoluções", como temos aprendido desde os planejados mas enfocados nesta oportunidade e naquela necessi­
dias de Jefferson, não constituem o remédio. Elas não podem dade; porque eles são tentativas e desaparecerão se não produzi­
ser preditas, direcionadas ou controladas. Elas levam ao poder rem os resultados esperados e necessários; porque, em outras
as pessoas erradas. Pior de tudo, seus resultados - preditamente palavras, eles são pragmáticos e não dogmáticos, e modestos e não
- são o oposto exato de suas promessas. Somente uns poucos grandiosos - que eles prometem manter qualquer sociedade,
anos depois da morte de Jefferson, em 1 826, o grande anato­ economia, indústria, serviços públicos, ou empresas, flexíveis e
mista de governo e política, Alexis de Tocqueville, assinalou que auto-renovadores. Eles realizam o que Jefferson esperava realizar
revoluções não derrubam as prisões dos antigos regimes, �las por meio de uma revolução em cada geração, e eles fazem isso
as aumentam de tamanho. O mais duradouro legado da Revolu­ sem derramamento de sangue, guerra civil, ou campos de concen­
ção Francesa, Tocqueville provou, foi o arrocho dos mesmos gri­ tração , sem catástrofe econômica, deliberadamente, com d irecio­
lhões da França pré-revolucionária, a sujeição de todo o país a namento, e sob controle .
uma burocracia incontrolada e incontrolável e a centralização em O que precisamos é de uma sociedade empreendedora, na
Paris de toda a vida pol ítica, intelectual, artística e econômica. q ual a inovação e o empreendimento sejam normais, estáveis e
As principais conseqüências da Revolução Russa foram a nova contínuos. Exatamente como a administração se tornou o órgão
sujeição para os trabalhadores da terra, uma polícia secreta oni­ específico de todas as instituições contemporâneas, e o órgão
potente e uma burocracia rígida, corrupta e inflexível - as mes­ i ntegrador da nossa sociedade de organizações, assim também a
mas características do regime czarista contra o qual os liberais e i novação e o empreendimento tornar-se-ão uma atividade vital,
revolucionários russos haviam protestado mais ruidosamente e permanente e integral em nossas organizações. nossa economia,
com a maior justificativa. E o mesmo deve ser d ito da macabra nossa sociedade.
"Grande Revolução Cultural" de Mao. Isto requer de executivos em todas as instituições que fa­
Na verdade, agora sabemos que "revolução" é uma ilusão, u çam de inovação e empreendimento uma ativi dade normal fun­
ilusão difusa do século XIX, mas hoje talvez a mais desacredi­ cionando, e do dia-a-dia, uma prática em seu próprio trabalho,
tada de seus mitos. Sabemos agora que "revolução" não é reali­ e no de suas organizações. Fornecer os conceitos e instrumentos
zação e o novo amanhecer. Ela resulta de decadência senil du para essa tarefa é o propósito deste livro.
falência de idéias e instituições, do fracasso da auto-renovação .

l a.·. ...
li' ..
3 50 PETER F. DRUCKER I N OVAÇÃO E ESPI R ITO EMPRE ENDEDOR 35 1

II .:.
e:
quena gloire, marés de perdas, mas nem empregos e nem l ide­
rança tecnológica.
A alta tecnologia, em primeiro lugar, e esta é, naturalmente ,
O QUE NÃO DARÁ CERTO uma das principais premissas deste livro, é apenas uma área de
inovação e empreendimento. A grande massa de inovações jaz
A primeira prioridade ao se falar sobre diretrizes públicas em outras áreas . Porém, também , uma política de alta tecnolo­
e medidas governamentais na sociedade empreendedora é definir gia vai encontrar obstáculos políticos que a derrotarão em pouco
o que não dará certo, especialmente quando as diretrizes que não tempo. Em termos de criação de empregos, a alta tecnologia é
darão certo são tão populares hoje em dia. o criador do amanhã, e não o de hoje. Como vimos inicialmente
"Planejamento" , como o termo é entendido comumenle, é (na Introdução), a alta tecnologia nos Estados Unidos não criou
na realidade incompatível com uma sociedade e economia empre­ mais empregos no período 1 970-85 do que as "indústrias de cha­
endedoras. A inovação precisa realmente ser deliberada e o empre­ minés" perderam : cerca de cinco a seis milhões. Todos os empre­
endimento ser administrado. Porém, inovação, quase que por defi­ gos adicionais na economia americana durante esse período, um
nição, tem que ser descentralizada, ad hoc, autônoma, especí­ total de 35 milhões, foram criados por novas empresas que não
fica e microeconômica. B melhor que comece pequena, tentativa, eram "high-tech", mas "middle-tech", "low-tech", ou "no-tech".
flexível . De fato, as oportunidades para inovação são encontradas, Os países europeus, todavia , estarão sob pressões crescentes para
em geral , somente bem adentro e perto dos eventos. Elas não criar empregos adicionais para uma força de trabalho em cresci­
serão encontradas nos agregados maciços com os quais o plan�ja­ mento. E se, então, o foco em inovação e empreendimento é a
dor trabalha por necessidade, mas nos desvios daí resultantes - ,ilta tecnologia, a demanda para que os governos abandonem as
no inesperado, na incongruência, na diferença entre "O copo está políticas de alta tecnologia que sacrificam as necessidades de hoje
semicheio" e "O copo está semivazio" , no elo fraco de um proces­ - o favorecimento dos gigantes industriais enfermos - à pro­
so. Quando o desvio se torna "significativo estatisticamente" , messa incerta de uma alta tecnologia no futuro se tornará irresis­
e conseqüentemente visível para o planejador, é tarde demais . t ível. Na França, essa foi a questão que levou os comunistas a
As oportunidades inovadoras não vêm com a tempestade mas deixarem o gabinete do Presidente Mitterand em 1 984, e a ala
com o sussurro da brisa. L'squerda do Partido Socialista do próprio Mitterand também a
B costume hoje, especialmente na Europa, acreditar que um se tornar cada vez mais desgostosa e inquieta.
país pode ter "empreendimento de alta tecnologia" por si só . Acima de tudo, ter apenas a capacidade empreendedora de
A França, a Alemanha Ocidental e mesmo a Inglaterra estão ba­ "alta tecnologia" sem estar ela embutida numa ampla economia
seando suas políticas nacionais nessa premissa. Mas é uma ilusão. L' lllpreendedora de "no-tech" , "low-tech" e "middle-tech" é como
Na verdade, uma política que promova a alta tecnologia, e exclusi­ t n o cume da montanha sem ter a montanha. Mesmo o i:essoal
vamente a alta tecnologia - e que, sob outros aspectos, é t iio q ue é de alta tecnologia, em tal situação, não assumirá cargos cm
hostil ao espírito empreendedor, como a França, Alemanha Ocl· l'lllpresas novas, arriscadas, de alta tecnologia. Irá preferir 11
dental e mesmo a Inglaterra ainda o são -, sequer chegará o sq.�urança de um emprego numa grande , estabelecida e sc�urn
produzir a alta tecnologia. Tudo que conseguirá produzir é muh1 1 · 1 1 1 prcsa ou em um órgão governamental . Naturalmente os cmprl'
um dispendioso fiasco, um outro supersônico Concorde; uma pt,• 1·11dimcntos de alta tecnologia precisam de muita gente que 1 1 11 1 1
P ET E R F. DRUCKER I N OVAÇÃO E ESP ! R IT O E MP R EE N D E DO R 353
352

é de alta tecnologia: contadores, vendedores, gerentes, e assim lucros para contrabalançar as perdas da alta tecnologia e forne­
por diante. Numa economia que despreza empreendimento e cer o capital necessário.
inovação, exceto por essa pequenina extravagância, a "glamo­ Os franceses têm razão, naturalmente : o vigor econômico
rosa empresa de alta tecnologia", aquelas pessoas continuarão a e político dos dias de hoje requer uma posição de alta tecno­
procurar empregos e oportunidades de carreira onde a sociedade logia, seja em tecnologia de informação, em Biologia ou em auto­
e a economia (i. e. , seus colegas de escola, seus pais, e seus profes­ mação. Os franceses certamente possuem a capacidade científica
e técnica. E , no entanto, é muito improvável (sinto-me tentado
sores) os encorajam a procurar: na instituição grande, "segura"
a dizer, impossível) para qualquer país ser inovador e empreen­
e já estabelecida. Nem distribuidores se interessarão pelos pro­
dedor em alta tecnologia sem contar com uma econom ia empre­
dutos da nova empresa, e nem investidores a apoiarão.
endedora. A alta tecnologia é, sem dúvida, a lâmina cortante,
Porém as outras novas empresas inovadoras também são mas não pode haver uma lâmina sem uma faca. N ão pode existir
necessárias para fornecer o capital que a alta tecnologia requer. um setor viável de alta tecnologia por si próprio, da mesma forma
A inov<1ção baseada em conhecimento, e, especialmente, a ino­ que não pode haver um cérebro sadio num corpo morto. :f: preciso
vação de alta tecnologia, tem o mais longo período de espera existir uma economia plena de inovadores e empreendedores, com
entre o investimento e a lucratividade. A indústria mundial de visão empreendedora e valores empreendedores, com acesso a ca­
computador não atingiu seu ponto de equilíbrio até a década de pital de risco e pleno de vigor empreendedor.
70, isto é, depois de trinta anos de perdas. Por certo, a I BM
ganhou um bom dinheiro desde cedo. E um após outro dos "Sete
Anões" , os pequenos fabricantes americanos de computadores,
passaram a ter lucros no final da década de 60 . Porém, esses III
lucros foram várias vezes neutralizados pelas tremendas perdas
de todos os demais, especialmente as grandes e antigas compa­ AS INOVAÇÕES SOCIAIS NECESSÁRIAS
nhias que fracassaram totalmente em computadores : General Elec­
tric, Westinghouse , ITT e RCA nos Estados Unidos; a General Existem duas áreas nas quais a sociedade empreendedora
Electric Company (inglesa), Ferranti e Plessey na Grã-Bretanha; requer uma inovação social substancial.
Thomson-Houston na França; Siemens e Telefunken na Alema­ 1 - A primeira é uma política para cuidar de trabalhadores
nha; Philips na Holanda; e muitas outras. A história está se redundantes. Os números não são grandes. Entretanto, os traba­
repetindo agora nos minicomputadores e computadores pessoais: lhadores das "indústrias de chaminés" estão concentrados em bem
poucos lugares; três quartos de todos os operários da indústria
vão se passar muitos anos antes que a indústria no mundo passe
automobilística americana vivem em vinte "counties" , * por exem­
a dar lucros. E o mesmo está ocorrendo com a biotect\ologi a .
plo. Eles estão portanto bastante visíveis e são bastante organi­
Esse também, há cem anos, foi o modelo na indústria de equipa­
zados. Mais importante, eles estão mal preparados para encontrar
mentos elétricos dos anos 1 880, por exemplo, ou na indústria
colocação, para mudar de endereço, para se deslocar. Eles não
automobilística de 1 900 a 1 9 1 0 . têm instrução, nem habilidade, nem posição social, e, acima de
E, durante esse longo período de gestação, os empreendi­
mentos que não são de alta tecnologia são obrigados a produzir os * (N.T .) Equivalentes a municípios. Plural de " county" (condado) .
354 PETER F. DRUCKER I NOVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 355

tudo , nem muita autoconfiança. Nunca s e candidataram a um nova, inclusive até aos m e i os de sua próp ria salvação . A "mini­
;%' :
empreg o durante toda sua vida; quand o estavam prontos pa ra �: usina" p rop orciona empregos para op erári os siderúrgicos redun­
!�
:1
começar a trabalha r , um parente que já trabalhava na fáb rica d e dante s. A fábrica de automóve is automatizada é o l ocal de traba­
automóve is os ap resentava ao sup ervis or. Ou o padre da paró­ lho mais apropr iado para op erári os automobilísticos de slocado s.
quia dava a ele s uma carta para um d os s eus paro quianos que já E, no entanto , tanto a "mini-usina", como a automação na fábrica
trabalhava na usina. E os trabalhadores de "chaminés" na G rã­ de v eículos são combatidas intransig enteme nte p el os op erários
Bretanha, ou os mineiros de carvão do País de Gales, não são de hoj e , me smo sabendo que seus própri os empre gos não du­

'i
diferentes, com o não o são os operári os no Ruhr al emão, na L ore­ rarão . A não ser que façamos da inovação uma op ortunidade
na francesa ou na Borinage belga . para os op erário s redundantes das indústrias de "chaminés", se us
Ess es op erári os constituem o único grup o nas so ci edades de­ :• (
s entimento s de imp otência, s eus temores, a s ensação de estarem
s envolvidas que não experimenta ram, ne ste sécul o , um e norme
numa armadilha p o derão levá-los a re sistir a qualquer inovação ,
crescimento em educação e horizonte s. Quanto à sua competência, como já é o caso na G r ã-Bretanha, ou n os C orreios do s Estados
e xperiência, habilidade e escola r idade, eles e stã o b em p róximos
1

'· lt
Unidos. Essa tarefa já fo i fe ita antes - p ela Mitsui Zaibatsu
de onde s e encontrava o trabalhador não qualificado d e 1 900.
A única coisa que aconteceu a ele s foi um aumento expl osivo de t do Japão , na séria dep ressão jap on e sa depois da guerra russo­
jap one sa de 1 906, p elos suecos dep o is da Segunda Guerra Mun­
suas rendas - comparativamente el es constituem o grup o mais
dial na p olítica deliberada que converteu um país de fazendei ro s
bem pago da sociedad e industrial s e s omarmos s eus salári os a
de subsistência e madeire iros em uma nação industrializada e
s eus benefícios - e também de p oder p olítico. El es, entretanto ,
sumamente próspera. E os número s não são , como já foi dito ,
não têm capacidade sufici ente , s eja como indivíduos ou como um \1
muito grande s - e sp ecialmente porque não é preciso n os p reo­
1
r,. ,

grupo , para s e ajudar, mas têm p oder , mais que suficie nte, para
cuparmos demais com o terç o do grupo que e stá com 5 5 anos
s e op or , vetar e obstruir. A não ser que a s oci edade cuide d e
de idade ou mais, e conta c om disp osições de apos entadoria ante­
col ocá-l os, mesmo se em empregos d e m enor r emuneraçã o , el es .
cipada adequadas, e com o outro terço que está com menos de
devem s e tornar uma força puramente negativa.
trinta anos de idade , capaz de se de sloca r e de p rocurar col ocação
O problema é solucionável s e uma economia se torna empre­ p or si m e smo. Mas a p olítica de treinar e colocar o um terço
endedora. P ois, e ntão , as novas empre sas da econ omia empreen­
restante, um núcleo p equeno mas irredutível, de op erá rios de
dedor a criam no vo s emp regos, c omo v em acontecend o nos Esta­
dos Unidos durante os últimos dez anos (o que explica por que '! "chaminés" descolocados ainda está p recisando ser elaborada.
2 - A outra inovação s ocial necessária é tanto mais radical
o maciç o de s emp re go das antigas "indústrias de chaminés" cau­
quanto mais difícil e sem precedentes: organizar o abandono

t
s ou tão p oucos probl emas p olíticos até agora no país, e s e quer
sistemático de p olíticas sociais de sgastadas e de instituiçõe s de
acionou uma reação p roteci onista maciça). P orém, mesmo que
serviço público obsoletas. Isto não constituiu um p roblema na
uma economia emp reendedora cri e os no vo s emp rego s, há nece s­
.

i última grande er a empreendedora; há cem anos atrás havia pou­


sidade de esforços organizados pa ra treina r e colocar os antigos ·�
cas de ssas políticas e instituiçõe s. Agora, as temos em abundânc ia.
trabalhadore s de "chaminés" redundantes, p ois el e s não p od em P orém, agora também sabemos que poucas, se é que alguma,
fazer isso p or si mesmos. Se isso não oc orrer , a mão-de-obra de e stão aí para s empre . P oucas de las s e que r duram mais que um
"chaminé" redundante irá, cada v e z mais, se opor a qualquer coisa
mínimo de temp o .

:a... ;&

1
PETER F. DRUCKER I N OVAÇÃO E ESPíRITO EMPREEN DEDOR 357
Uma das mudanças fundamentais na visão e percepção do reorientação em políticas e atitudes, e, acima de tudo, em priori­
mundo dos últimos vinte anos, mudança verdadeiramente monu­ dades. Precisamos encorajar hábitos de flexibilidade, de aprendi­
mental , é a constatação de que políticas e órgãos governamen­ ir
�-- zado contínuo e de aceitação da mudança como normal e como
tais são de origem humana e não divina, e que portanto a única
oportunidade, tanto para instituições como para indivíduos.
coisa certa sobre eles é que se tornarão obsoletos com razoável
A política tributária é uma área importante por seu impacto
rapidez . Apesar disso, as políticas ainda são baseadas na supo­
sição antiquada de que tudo que o governo faz está fundado na sobre o comportamento e como símbolo dos valores e prioridades
natureza da sociedade humana, e, portanto, é "para sempre" . na sociedade. Em países desenvolvidos, pôr de lado o ontem é,
Como resultado, não existe até agora mecanismo político para nos dias atuais, severamente penalizado pelo sistema tributário.
descartar o que há de antiquado, de desgastado, de não mais Nos Estados Unidos, por exemplo, o coletor de impostos trata o
produtivo no governo. dinheiro conseguido pela venda, ou liquidação, de um negócio ou
Ou melhor, o que nós temos ainda não está funcionando. uma linha de produto como renda. Na verdade, as quantias rece­
Nos Estados Unidos, tem havido ultimamente uma erupção de bidas nesses casos são, r,aturalmente, repagamentos do capital
"leis do pôr do sol" , que estabelecem que um órgão governamental para o ativo da empresa. Mas, sob o sistema tributário atual, a
ou uma lei pública prescrevam depois de um determinado perío­ empresa paga o imposto de renda de pessoa jurídica sobre eles.
do de tempo, a não ser que sejam especificamente restabelecidas. E, se ela distribuir os rendimentos apurados aos seus acionistas,
Contudo, essas leis não funcionaram - em parte, porque não eles pagarão o imposto de renda integral da pessoa física como
existem critérios objetivos sobre quando um órgão ou uma lei se se fossem "dividendos" comuns - isto é, distribuição de "lucros".
torna disfuncional ; em parte, porque até agora não existe um Por causa disso, as empresas preferem não abandonar o que é
processo de abandono organizado; mas talvez, principalmente, antiquado, o que é obsoleto, o que é não mais produtivo; elas pre­
porque ainda não aprendemos a desenvolver métodos novos ou ferem então se apegar a essas coisas e continuam despejando
alternativas para conseguir o que uma lei ou órgão ineficaz se dinheiro nelas. Pior ainda , elas então destacam seu pessoal m ais
supunha original mente como capaz de conseguir. Desenvolver capaz para "defender" o que já está desgastado numa enorme
tanto os princípios como o processo para tornar significativas e má aplicação do recurso mais escasso e mais valioso - o recurso
eficazes as "leis do pôr do sol " é uma das importantes inovações humano, que precisa ser alocado para preparar o amanhã, se
sociais à nossa frente, e que precisa ser feita logo. Nossas socie­
é que a empresa chegará a ter um amanhã . E quando a empresa
dades estão prontas para ela.
então , finalmente, l iquida ou vende o negócio ou linha de produto
que está antiquado, obsoleto e não mais produtivo, ela não distri­
bui os resultados aos acionistas e portanto não os devolve ao
IV mercado de capital onde eles se tornariam disponíveis para inves­
timentos em oportunidades empreendedoras inovadoras. Em vez
AS NOVAS TAREFAS disso, a empresa mantém esses fundos e normalmente os investe
li'
'."'

1'
em negócios ou em produtos ultrapassados, tradicionais e em declí­
Essas duas políticas sociais necessárias são, porém , apenas nio - isto é, naqueles setores de suas operações e atividades
exemplos. Subjacente a elas está a necessidade de uma maciça para os quais ela não conseguiria facilmente levantar recursos no

,&.. �
358 PETER F. DRUCKER

mercado de capitais - e de novo resultando numa enorme má


alocação de recursos escassos.
O que uma sociedade empreendedora precisa é de um siste­
'�- .
/
INOVAÇÃO E ESP fRITO EMPREENDEDOR

período de pressões agudas do fluxo de caixa e fazer isso sem


punições ou pagamentos de juros.
Como um todo, uma sociedade e economia empreendedoras
3 59

ma tributário que encoraje o fluxo de capital do ontem para o


amanhã ao invés de, como o atual, evitar e punir isso.
t
';' t·
exigem políticas tributárias que encorajem a formação de capital.
Certamente, um "segredo " dos japoneses é sua "evasão de
Porém, também devemos ser capazes de, no sistema tri­ impostos", oficialmente encorajada, sobre a formação de capital.
butário, minorar o mais premente problema financeiro do negó­ Legalmente, um japonês adulto pode manter uma conta de pou­
cio novo e em crescimento : a falta de caixa. Um meio poderia pança de nível médio com seus juros isentos de impostos. Na ver­
ser a aceitação da realidade econôm ica: durante os primeiros '\
) dade, o Japão tem cinco vezes mais dessas contas do que de habi­
cinco ou seis anos de vida de um negócio novo, e particularmente tantes, incluindo crianças e menores de idade. Isto é, na verdade,
.l
de um negócio em crescim ento, os "lucros " constitue:n uma fic­ '' ;" um "escândalo " contra o qual jornais e políticos vituperam regu­
ção contáb il. Durante esses anos, os custos de permanecer no larmente. Porém, os japoneses são muito cuidadosos em não fazer
negócio são sempre, e quase que por definição, menores para nada para "acabar com o abuso". O resultado disso é que eles
uma iniciati va nova do que o superávit das operações de ontem ·::�
têm a maior taxa de formação de capital no mundo todo . Isto
(isto é, excesso da renda corrente sobre os custos de ontem) . Isto, parece um modo por demais tortuoso para escapar do dilema da
na verdade, quer dizer que uma iniciativa em crescimento pre­ sociedade moderna: o conflito entre a necessidade de formação
cisa investir cada centavo do superávit operac ional para sobre­ de capital a uma taxa elevada e a condenação popular de juros
viver; em geral, especialmente se estiver crescendo com rapidez, e dividendos como "renda não ganha" e "capitalista", se não
ela precisa investir muito mais do que poderia possivelmente como pecaminosa e cruel. Mas, de uma ou outra maneira, qual­
quer país que pretenda permanecer competitivo numa era empre­
esperar para produzir como "superávit corrente" (isto é, como
endedora terá que conceber políticas tributárias que fazem o que
"lucro ") nas suas contas correntes. Durante os primeiros pouco
s os japoneses fazem por meio de uma hipocrisia semi-oficial : enco­
anos de sua vida, a nova e crescente iniciativa, seja por ela
rajar a formação de capital.
mesma, ou fazendo parte de uma empresa existente, deveria con­
seqüentemente estar isenta de impostos sobre sua renda,
pela
mesma razão pela qual nós não esperamos que uma criança Tão importante quanto as políticas tributárias e fiscais
pe­ que encorajem a prática do empreendimento, ou pelo menos
quena, que cresce depressa, produza "superávit" que susten
te que não a penalizem, é a proteção da nova empresa de risco
um adulto . E impostos são os meios pelos quais um produ
tor contra o crescente fardo de resoluções, restrições, relatórios
sustenta alguém mais, ou seja, alguém que não produz.
Por sinal, e papeladas governamentais. Minha própria receita, embora
isentar a nova iniciativa de impostos até que ela haja
"cre� cido " eu não tenha ilusão de que jamais seria aceita, é a de permitir
..:iuase certamente iria no final resultar num imposto muito
maio r. que a nova empresa, seja empresa independente ou parte de uma
Se isto, porém, for consi derado por demais "radic al ", a nova
existente, cobrasse do governo o custo dessas resoluções, relató­
ini ciativ a deve, pelo menos, ter condições de adiar o
pagamento rios e papelada que excedessem uma certa proporção (digamos
de impostos sobre os assim chamados "lucros" dos
anos de sua cinco por cento) das receitas brutas da nova iniciativa. Isso seria,
infân cia. Ela deve ser capaz de reter caixa até que ultrap
asse o sobremaneira, útil à nova empresa do setor de serviços públi-

,'F f

I NOVAÇÃO E ESPfRITO EMPREENDEDOR 36 1


'>60 PETER F. D RUCKER

cos - por exemplo, uma clínica autônoma para cirurgia ambula­ menos, nós deveríamos ser capazes de proteger a nova iniciativa
torial. Nos países desenvolvidos, as instituições de serviço público empreendedora contra isso.
são ainda mais pesadamente prejudicadas pela burocracia gover­ Precisamos aprender a perguntar a respeito de qualquer nova
namental, e ainda mais sobrecarregadas prestando serviços para política ou medida governamental : ela incrementa a capacidade
o governo do que as empresariais. E elas são ainda menos capazes, da sociedade para inovar? Ela promove a flexibilidade social e
como regra geral, de escorar o fardo, seja em relação a dinheiro econômica? Ou, ela obstrui e pune inovação e empreendimento?
ou gente. Por certo, o impacto na capacidade da sociedade para inovar não
Tal diretriz, por sinal, seria o melhor e talvez o único remé­ pode e não deve ser o determinante, e, muito menos, o único
dio para essa moléstia perigosa e insidiosa dos países desenvol­ critério. Mas ele precisa ser levado em consideração antes que
vidos: o crescimento constante do custo invisível de governo. E uma nova política ou uma nova medida seja sancionada e, hoje,
um custo real em dinheiro, e, mais que isso, em gente capaz, seu isso não é levado em conta em nenhum país (exceto talvez o
tempo e seus esforços. Contudo, o custo é invisível, pois não é Japão) ou por nenhum formulador de política.
mostrado nos orçamentos governamentais, mas está oculto nas
contas do médico cuja enfermeira passa metade de seu tempo
preenchendo formulários e relatórios governamentais, no orça­
mento da universidade onde dezesseis administradores de alto
V
nível trabalham em obediência a resoluções e regulamentos gover­
namentais, ou na declaração de lucros e perdas da pequena em­ O INDIVÍDUO NA SOCIEDADE EMPREENDEDORA
presa com dezenove dos seus 2 7 5 empregados que, embora pagos Em uma sociedade empreendedora, os indivíduos enfrentam
por ela, na realidade trabalham como coletores de impostos para um enorme desafio, desafio este que precisam explorar como
o governo, deduzindo impostos e contribuições previdenciárias sendo uma oportunidade : a necessidade por aprendizado e rea­
do pagamento de seus companheiros de trabalho, compilando nú­ prendizado continuados.
meros de identificação fiscal de fornecedores e clientes e os Na sociedade tradicional, era possível supor, e se supunha,
enviando ao governo, ou, como na Europa, recolhendo imposto que o aprendizado chegava ao fim com a adolescência, ou, o mais
sobre valor adicionado ( VA T) . Essas despesas gerais governa­ tardar, com a idade adulta. O que não se havia aprendido até ao
mentais invisíveis são totalmente improdutivas. Alguém, por exem­ redor dos vinte e um anos de idade, jamais se aprenderia. Mas,
plo, vai acreditar que contadores fiscais contribuem para a rique­ também, o que era aprendido até mais ou menos os vinte e um anos
za nacional ou a produtividade, e, em conjunto, acrescentam algo de idade poder-se-ia aplicar, sem nada mudar, até o resto da vida.
ao bem-estar da sociedade , seja material, física ou espiritualmente ? Nessas suposições é que se baseava o aprendizado tradicional, o
E, no entanto, em todos os países desenvolvidos, o governô deter­ ofício tradicional, as profissões tradicionais, bem como os siste­
mina a alocação indevida de uma parcela crescente do nosso mais mas de educação tradicionais e as escolas. Os ofícios, as profis­
escasso recurso, que é gente competente, diligente e treinada, para sões, os sistemas de educação e escolas são ainda, de um modo
atividades tão essencialmente estéreis. geral, baseados nessas suposições. Existiam sempre, naturalmente ,
Pode ser demais esperar que possamo.s deter, quanto mais as exceções, alguns grupos que praticavam o aprendizado e o
extirpar, o câncer dos custos invisíveis do governo. Porém, pelo reaprendizado continuados; os grandes artistas e os grandes eru-

__J
PETER F. DRUCKER INOVAÇÃO E ESPlRITO EMPREENDEDOR 363
362
'' 1 ze anos ek s
ditos, monges Zen, místicos, os jesuítas. Porém, essas exceções :.;:_ ,_\.·
., dade , é melhor que presumam que daqu i a quin
metas nova s
eram tão poucas que poderiam seguramente ser ignoradas . estarão fazendo coisas novas e bem diferentes, terão
" diferentes.
E m urna sociedade empreendedora , contudo, essas "exce­ e diferentes, e mesmo, em muitos casos, "carreiras
ilida de pelo
ções" tornam-se casos típicos. A suposição correta numa socie­ E somente eles próprios podem assumir a responsab
ionamen­
dade empreendedora é que os indivíduos precisarão aprender aprendizado e reaprendizado necessários e por seus direc
esa " serão mai s
coisas novas bem depois de se tornarem adultos - e , quem sabe, tos. Trad ição, convenção e "política da empr
mais de uma vez. A suposição correta é que o que os indivíduos obstáculos do que ajuda .
reendedora
aprenderam por volta dos vinte e um anos de idade começará a I sto tamb ém significa que uma socie dade emp
agem . Os siste­
ficar obsoleto de cinco a dez anos mais tarde e terá que ser desafia hábitos e premissas de instrução e aprendiz
ria, prolon­
substituído - ou, pelo menos, renovado - por novo aprendi­ mas educacionais por todo o mundo são, em sua maio
XVI I. Houve
zado, novas habilidades, novo conhecimento. gamentos do que a Europa desenvolveu no século
arquitetural
Uma implicação que decorre daí é que os indivíduos cada adições e mod ificações substanci ais. Mas o plano
ruídas
vez mais terão que assumir responsabilidades pelo seu próprio básico sobre o qual nossas escol as e universidades são const
ar novo s,
aprendizado e reaprendizado continuados, pelo seu autodesenvol­ recua a trezentos anos ou mais . Agor a, modos de pens
s, em
vimento e por suas próprias carreiras. Eles não podem mais pre­ em alguns casos radicalmente novo s, e abordagens nova
os
sumir que aquilo que aprenderam quando crianças e jovens será alguns casos, radicalmente novas, são requeridos , e em todos
resul tar em
o "alicerce " para o resto de suas vidas. Será a "plataforma de níve is. O uso de computadores na pré-escola pode
stas à tele­
lançamento", o lugar da decolagem, e não o lugar para constrt}ir moda passageira . Mas, crianças de quatro anos expo
entemente
e descansar. Eles não podem mais presumir que "entram para visão esperam, exigem e reagem à peda gogia muito difer
atrás . Os
uma carreira" a qual, a partir daí, prossegue por uma trajetória do que o fazia m as de quatro anos cinqüenta anos
quatro
predeterminada, bem mapeada, e bem iluminada, até um destino 1 jovens encaminhados para uma "profissão " - isto é,
ente preci­
conhecido - aquilo que os militares americanos chamam de quintos dos estudantes universitários de hoje - realm
1
e significa
"progressing in grade" (progredindo de posto). A suposição a sam de uma "educação liber al" . Porém, isso clara ment
currículo do
partir de agora tem que ser a de que indivíduos por sua própria algo bem diferente da versão do século X I X do
no mundo
conta precisarão encontrar, determinar e desenvolver um certo século XVI I que pass ou por uma "educação liber al"
número de "carreiras" durante as suas vidas de trabalho. de língua inglesa ou por uma "Allgemeine Bild
ung" na Alem a­
os o risco de
E quanto mais os indivíduos avançarem em seus estudos, nha . Se esse desafio não for enfrenta do, correrem
o liber al" de
mais empreendedoras serão suas carreiras e mais exigentes os seus perder o conceito fundamental de uma "edu caçã
puramente es­
desafios para o aprendizado. O carpinteiro ainda pode pressupor, todo e desceremos ao que é puramente vocacional,
acional d a co­
talvez, que as habilidades que adquiriu quando aprendiz e oficial pecia lizad o, o que poria em perigo o alicerce educ
tamb ém os
artífice lhe serão úteis quarenta anos mais tarde: Já médicos, enge­ munidade e , no final , a própria comunida de . Porém,
somente para
nheiros, metalúrgicos, químicos, contadores, advogados, profes­ educadores terão que aceitar que o ensino não é
a maio r dm,
sores, administradores é melhor que presumam que as habilidades, os jovens e que o maior dos desa fios, mas tamb ém
nuad o dos
os conhecimentos e os instrumentos que terão que saber utilizar e oportunid ades , para a escol a , é o apren dizad o conti
aplicar daqui a quinze anos vão ser diferentes e novos. Na ver- adultos já altamente escolarizados.
364 PETER F. DRUCKER
TJ!

'. t�
...
Até agora não possuímos teoria educacional para essas tare­
i Leituras
fas. Até agora não temos o que, no século XVII, o grande refor­
mador educacional checo Johann Comenius fez , ou o que fizeram
...
-
~
Sugeridas
os educadores jesuítas quando desenvolveram o que até os dias };
:
�;,:

de hoje é a escola "moderna " e a universidade "moderna ". Nos 1


Estados Unidos, pelo menos , a prática está muito adiante da teo­
ria. Para mim, o mais positivo desenvolvimento dos últimos vinte
anos e o mais encorajador é a efervescência da experimentação t;,
educacional nos Estados Unidos - um feliz subproduto de ausên­
cia de um "Ministério de Educação" - a respeito do aprendi­

I",
zado e reaprendizado continuados de adultos, especialmente de
profissionais de maior escolaridade. Sem um "plano mestre", sem
A maior parte da leitura sobre "entrepreneurship " é episó­
"filosofia educacional", e, deveras, sem muito apoio por parte . .

dica e do tipo "Veja mãe, estou guiando sem segurar o guidão".


do "establishment" educacional, a educação continuada e o de­
O melhor desse gênero pode ser o livro The Spirit of the Enter­
senvolvimento profissional de adultos com elevado nível educa­ prise de George G ilder, edição Simon & Schuster, 1 984, Nova
cional e de realização tornou-se a verdadeira "indústria de cres­ York. Ele consiste principalmente de histórias de indivíduos que
cimento" nos Estados Unidos nos últimos vinte anos. fundaram novos negócios; há pouco a dizer do que se pode apren­
der de seus exemplos. O livro se limita a novos pequenos negócios
e omite discussões sobre empreendimento, tanto nas empresas
O surgimento da sociedade empreendedora pode ser um como na instituição de serviço público. Porém, pelo menos, Gilder
importante ponto crucial da história. não comete o erro de confinar empreendimento à alta tecnologia.
Há cem anos atrás, o pânico mundial de 1 8 73 acabou com Muito mais útil para o empreendedor, e para aqueles que
o século do Laissez-Faire que havia começado com a publicação querem entender o espírito empreendedor, são os estudos de Karl
do livro de Adam Smith , A Riqueza das Nações, em 1 776 . No H. Vesper, da Universidade de Washington, em Seattle, Washing­
pânico de 1 873 nascera o moderno Estado do Bem-Estar Social. ton, especialmente o seu New Venture Strategy, edição Prentice­
Cem anos depois, ele chegou ao seu fim, como quase todos agora Hall, 1 980, Englewood-Cliffs, Nova Jersey, e sua publicação
sabem. Ele pode sobreviver apesar dos desafios demográficos de anual, Frontiers of Entrepreneurship Research, edição Bab son
uma população cada vez mais idosa e uma taxa de nascimento College, Babson Park, Ma�sachusetts . Também Vesper se restringe
decrescente. Mas, ele sobreviverá somente se a economia empre­ ao novo negócio, especialmente o pequeno. Porém, dentro desses
endedora tiver êxito em elevar em muito as produtividades . Nós limites, seus trabalhos estimulantes estão plenos de discernimento
poderemos até mesmo fazer algumas pequenas adições ao edifício e sabedoria prática.
do Bem-Estar, construir um quarto aqui, ou um novo benefício O Center for Entrepreneurial Management (Centro de Admi­
ali. Mas o Estado do Bem-Estar Social é passado e não futuro - nistração Empreendedora) 83 Spring Street, Nova York (NY
como até mesmo os antigos liberais sabem agora.
365
Seu sucessor será a Sociedade Empreendedora?
..
..
P ETER F. DRUCKER
366
Índice
Rem iss ivo
1 00 1 2), fundado e dirigido por Joseph R. Mancuso, enfoca intei­
i
ramente o "Como Fazer" na pequena empresa, como também o �
faz o bastante conhecido livro de Mancuso, How to Start, Finance
·�

and Manage Your Own Small Business, edição Prentice-Hall,


1 979, Englewood-Cliffs, Nova Jersey . 1

A administração empreendedora na grande empresa em ati­


vidade é o tema de dois livros bastante diferentes que se comple­
tam. Andrew S . Grove, um dos fundadores e agora presidente da
13
Intel Corporation, analisa as diretrizes e práticas necessárias para , 3 28 American Bus iness Conference ,
A. O. Smith (company) , 3 24, 3 25 Ame rican Exp ress , 330
manter o espírito empreendedor na empresa que cresceu rapida­ acetaminophen, 304-05 , 307 American Health, 1 38
mente até se tornar grande, em seu High-Output Management, administração América Latina
- alta, 2 1 8- 1 9 , 225-27 , 237 - mudanças populacionais na,
1 26 , 1 30
edição Random House, 1 983, Nova York. Rosabeth M. Kanter, - como disciplina, 1 9-24, 27-9, 4
1 , 1 53 ,
ocia tion , 22
American Management Ass
uma psicóloga organizacional da Yale University, analisa as ati­ 1 6 1 , 1 75 aná lise do reto rno sobr e o inve stim ento ,
0, 27 1 -
tudes e comportamento de líderes empresariais em companhias - de empresas novas de risco , 26 228- 29
77, 282 , 284
Anderson, Marian (/902- ), 102
empreendedoras em seu livro The Change Masters, edição Simon - de pesquisa, 59-64, 22 1 anestesia , 263
& Schuster, 1 983, Nova York. Uma bem mais penetrante dis­ - de projetos, 226-27 , 23 6 antibióticos, 54
1 66 , 1 7 5 ,
cussão do espírito empreendedor em empresas existentes é a apre­ - empreendedora, 1 6 , 1 8-24 , aposentadoria, 1 22 , 1 28
1 99-203 , 233-3 4, 258 , 260, 344 , 303 ;
sentada no quase inacessível artigo de dois membros de firma 241 -43 , App le, computador, 29 1 , 295 , 298
- empreendimento vs. , 2 1 5-20, 305
de consultoria de McKinsey & Company, Richard E. Cavenaugh 348-49 artidos dj: moda, 50, 52 , 53
e Donald K. Clifford, Jr., "Lessons from America's Mid-Sized aerosol, 1 8 1
6 artrite, 305
Agnelli, Giovanni (1866-J Y45) , 1 0 ASEA, 1 68 , 206
Growth Companies", McKinsey Quarterly, 1 983. Espera-se, Aliança para o Progresso, 1 26 , 1
30
aspirina, 1 1 6, 305-06
em 1 985 ou 1 986, a publicação de um livro pelos mesmos autores, Alcan, 1 03 assistência à saúde:
baseado no artigo e no estudo que este relata. Alcon, Laboratórios, 9 1 , 320, 323 - como setor de crescim ento , 1 4
, 1 1l,
Alemanha Ocidental 1 1 3 , 1 38-3 9, 145
Dos muitos livros sobre estratégias, o mais útil pode ser o - condições econômicas na, 1 6 , 1
1 8 , 309,
- custo da, 82-4 , 90
de Michael Porter, Competitive Strategies, edição Free Press, 3 10 - inovação na, 4 1 , 54, 82-4, l l 5 , 1 37-3
8,
1 39
1 980, Nova York. "ali mentação" adequada e rápida, 1 50-5 1 , 2 1 7- 1 8 , 250-5 1 , 254
, 1 39, 1 46
alimentação " gourmet" ver também hospitais
Em meus próprios trabalhos anteriores, o espírito empreen­ Allgemeine Bildung, 3 63 mos ,
associações de poupança e emprésti
dedor e a administração empreendedora são analisados em Mana­ Allied Chemical , 1 72 , 175 1 35
ging for Results, edição Harper & Row, 1 964, especialmente ,
alumínio Atari, 147
- indústria do, 1 03 , 1 64
capítulos 1 -5 , e em Management: Tasks, Responsibilities, Practi- Aluminum Company of America,
1 03 AT&T, 3 1 6, 3 1 7
áudio-cassetes, 44
ces (traduzido pela Livraria Pioneira Editora, Administração: ambulatórios, clínicas de, 83, 25 1
automação , 80, 1 23, 1 5 1 , 1 55 , 226 ,
307 ,
Tarefas, Responsabilidades e Práticas, 1 976), edição Harper & American Association for the 325 , 353, 355
Advancement of Science , 25 1 , 255
Row, 1 973, Nova York, Capítulos 1 1 - 1 4 ("O Desempenho nas
Instituições de Serviços) e Capítuíos 53-6 1 ("Estratégias e Estru­ 367
t u ras ") .
I N OVAÇÃO E ESPlRITO EMPREENDEDOR 369
368 P ET E R F. DRUCKER
- posição estratégica e, 1 63-66
automobil ística, indústria, 68-70, 87, 1 50, Boy Scouts, 252 - ( 1 973), 2, 7
- receptividade do, 1 75, 178, 1 87-89. 1 90
1 68 , 205 , 353-55 Boyer, Emest (1928- ), 238-39 - ( 1 979). 2, 7, 1 05, 1 07 , 1 1 9
- requisitos do, 1 60-66
� japonesa, 98-9, 1 06, 107, 109 Boyler, Robert (1627-1691) , 1 88 Chrysler, 68, 1 06
Cícero, Marco Tulio (106-43B.C.), 334 - riscos do. 1 67-72
- setores e mercados, 1 04- 1 0, 1 1 3 Brady , Matthew (1823 ?-1896), 97 - tempo de espera para, 1 53-55, 1 59, 1 60,
aviões: Brasil , 7, 86, 87 ciclos de Kondratieff, 1 , 6, 9, 1 6-7
Citibank, 1 30, 1 42 , 1 43 , 1 46, 1 94, 206, 1 67, 1 68, 1 93-94, 207, 232
). 9 1 , 92, 94,
- desenvolvimento, 46, 1 56, 1 59, 327, Bre'ntano's (Livrarias) , 75 Connor, William (1907-
328 British, Leyland, 1 08 237, 3 10, 3 1 5 , 3 1 8
cirurgia: 95, 102
- jatos, 1 62, 1 63 , 262 Brown-Boveri , 1 68
), 1 54 - cardíaca, 1 42 Control Data, 1 5
Bruner, Jerome (1915- Coolidge, Calvin (1872-1933), 1 56
' ' baby bust" , 4, 8, 1 4 , 66, 95-6, 1 25 , 1 26, Bryan, William Jennings ( 1860-1925) , 1 5 - eletiva, 83
- olhos, 90, 9 1 , 92, 94, 1 0 1 , 320, 321 Coty, 332
1 29, 1 32 Business Cycles (Schumpeter), 5n "counter-trade" , 325 , 327, 329
"baby room' · vs. "explosão de bebês " , 2, Citroen, 1 09, 1 1 0, 1 1 3
clínicas: Couzens, James (1872-1936), 282
8 , 63, 69, 1 25 , 1 26, 1 29, 1 32, 1 33 cadeados, 62-3, 66
Babbage, Charles ( 1801 - 184 1 ) , 1 56 - realidade social e econômica dos, 333, cosméticos, 89, 332
cadeias de livrarias, 72-3 , 75, 1 1 4 Crédit Mobilier, 33, 1 53 , 1 57
Bacon , Roger (12 14?-1294), 1 54 Cadillac, 1 09 335, 341 -42
- valores dos, 24, 28, 44, 62, 65 , 69, 78- criação de empregos, 1 - 10, 16, 35 1 , 353
Baedener, Karl ( 1801 -1859) , 325, 326, câncer: cristais:
327, 329 - pesquisa de, 1 38 , 1 76 9, 87-92, 1 02, 1 32-35, 1 90, 266, 333,
34 1 -45 - estrutura dos, 1 58
Baekeland, Leo ( 1863-1944), 1 58 canetas esferográficas, 1 82-83 �-

Clínica Mayo, 2 1 2 , 300 Cruzada contra a Fome, 249


Bagehot, Walter (1826-1877), 1 57 canetas-tinteiro, 1 8 1 , 1 82 " curas milagrosas" , 1 87
Banco Universal , 1 7 , 1 57, 1 59 capital: Clifford , Donald K. Jr. , 1 3n, 207n, 366
bancos, 30, 339-4 1 - como recurso econômico, 7, 35, 1 53 , Club Mediterrané e, 1 3 1 , 1 35
da Vinci, Leonardo ( 1452-1519), 1 88, 1 93
- de dados, 101 357, 358 colecionador de arte, 1 14
Daichi Bank, 1 57
- empreendedores, 1 7 , 1 9 , 33, 1 53, 1 56, - de risco, 6, 1 57, 352-53 Comenius Johann Amos ( 1592- 1670) , 4 1 ,
Daimler Gottfried ( 1 834- 1 900), 1 56, 325
1 57 - formação de, 256, 352, 358-60 364
Datril , 1 1 6
Beal , William J. (1833-1924 ) , 1 56 - para novas empresas, 260, 358 comissões de utilidade pública, 34 1
de Forest, Lce (1873- 1961 ) , 1 5 1
Bell, Alexander Graham (l847-1922) , 1 77 carga aérea, 85, 86 comp anhias de mater iais de constr ução,
279 Delco, 325 , 328
Bel l , Sistema Telefônico, 95 , 1 1 1 , 1 1 3 , Carlos V, Sagrado I mperador Romano
Competitive Strategies (Porter) , 287n, 366 demografia:
1 1 5 , 1 1 6, 309, 3 1 6- 1 7 (1500-1558), 334-35
computadore s, 100-01 , 1 1 4- 1 6, 1 90 - análises da, 1 3 1 -35, 255
Bendix , 324 Carnegie Foundation for the Advancement - como fator econômico, 10, 1 8 , 65 , 1 90
Bennett, James Gordon ( 1 795-1872), 1 57 of Teaching, 240 - desenvolvimento dos, 57-8, 70-5, 1 50,
1 5 1 , 1 56 , 1 59 , 1 64, 176, 1 83, 205 , 302- - como " secular", 1 24
Benton, William (1900-1973) , 1 43-44 Carothers, Wal lace Jr. ( 1 896- 1 937) , 57,
03, 305, 35 1 -53 - da popula ção, 1 22-24 , 1 26 , 1 3 1 -3 5 ,
Benz, Carl (1844-1929), 1 56, 325 293
- "janela" no mercado de, 1 69-7 1 364
bibliotecas públicas, 72 carruagens: - educacional , 3 1 , 60, 1 27, 1 32-33 , 1 34,
Bloomingdale's, 50, 56 - venda de, 1 05 - main-frame, 70- 1 , 302
- pessoais, 70- 1 , 75 , 1 46 , 1 79, 304, 305- 1 46
BMW, 1 08 Cartel da Dinamite, 298 - exploração da, 1 28-3 1
Bodin, Jean ( 1530?-1596), 42 Carter, Jimmy (1924- ), 240 07
- inovação e, 45, 66, 69, 93 , 94-5
Boeing, 1 62, 1 63 , 1 64 cartões perfurados , 1 56 Concept of the Corpo ration ( Druck er) ,
20n, 1 53 - no Japão, 1 0, 95, 1 23
Bolsa de Valores de Nova York, 2 1 4 "casa básica " , 64-6
Concise Oxford Dictionary , 287n - previsões, Í25, 1 26-27
Bolsa de Valores de Viena catarata senil , 90- 1 , 92, 94, 3 2 1 " destruição criativa" , 34, 20 1
- quebra de 1 873, 1 6 Cavenaugh, Richard E . , 1 3n, 207n,• 366 Concorde, 350
conhecimento novo, 45, 96, 97, 1 49-79 Deutsche Bank, 1 7 , 33, 1 7 3 , 1 75
bombas de irrigação, 265 Celestial Seasonings, 1 38, 1 45 de Vries, Hugo ( 1848-/935), 1 56
bondes elétricos, 1 9 1 chaves inglesas, 1 82 - "abalo" e, 1 67-70, 1 72-75
) , 1 5 , 255 - análise do, 1 60-64 Dewey & Almy, 32 1 , 323-24
Boosalis, Helen (1 919- Change Masters, The (Kanter) , 234n, 366, Dickens, Charles (1812- 1870), 1 69
Borsig, August (1804-1854) , 4 1 , 42 367 - características do, 1 50-55
- convergências do, 1 55-60, 1 67 Diesel, Rudolph (1858-1 913), 1 50
Bosch, Companhia, 327, 328 cheques de viagem, 330 difração de Raio-X, 1 58
Bosch, Robert (1861-1942) , 324, 325 , 327 Chesterfield, Lord ( 1694-1 773), 334 - especializado, 328-32
- não-técnico vs. técnico, 1 60-64, 1 66 dínamo, 1 67
Boston Consulting Group, 2 1 2 "choque do petróleo":
370 . PETER F. DRUCKER I N OVAÇÃO E ESPf RITO EMPREENDEDOR 37 1
distribuição de renda, 1 34, 1 44 empreendedores: Encyclopedia Britannica, 1 43-45 fita adesiva, 262
Disney, Walt (1901 -/966), 235 - como capitalistas, 1 7-8, 20, 33 ENIAC, 302 fita Scotch, 262, 299
Donaldson, Lutlcin & Jenrette , 1 3 , 1 1 0, - mudança importante para, 35-7, 45-6, envelhecimento populacional, 1 22, 1 23 , Fleming, Alexander (188/-/955), 39, 1 5 1
Florey , Howard (1898-/968), 1 5 1

'
113 47, 62, 1 79 1 25, 1 29-35, 364
Douglas, 1 62 - p,apel dos, 260, 275 , 276, 277-83 Enterprise Management Agency, 2 1 n fonógrafo, 1 78
Dow Chemical , 1 65 - personalidades de, 32-3, 1 8 1 -85, 1 95- equipamentos: força de trabalho:
drogas antibacterianas, 1 50 96, 236-40, 246 - de perfuração de· petróleo, 32 1 - crescimento da, 1 - 1 0, 1 34, 35 1
DuPont, 2 1 , 5 7 , 1 53 , 1 62-63 , 1 73 , 1 75 , empreendimento: - de terraplenagem, 342 - escassez na, 96
265-66 - administração vs. , 2 1 5-20, 24 1 , 242 - para "cooper", 1 39 - mudanças na, 1 2 1 , 1 22, 1 25
Durant, William Crapo (1861-/ 947), 1 05 - áreas de crescimento, 10-6 - para exercícios, 1 38 - mulheres na, 2, 8, 1 26, 1 27, 1 29-3 1 ,
Drucker, Peter F. (1909- ), 7n, 3 1 n, - como "Com Tudo e Pra Valer" 287- Era de Descontinuidade (A), (Drucker), 1 42, 146, 25 1
32n, 1 53 , 1 6 1 , 202n, 2 1 2 , 242n, 247n, 300, 304, 306, 307 202n - operariado, 20 1
287, 333 , 366 - como evento meta-econômico , 1 8 , 34 escolas de economia, 34-5, 343 Ford , Henry, Sr. ( 1863 - / 947), 69, !05 ,
Dymaxion House, 1 5 1 - como "desequilíbrio dinâmico" , 35 escolas públicas, 14, 257 282
Escritório do Futuro, 293, 343 Ford, Henry, li (/9/ 7- ), 283
- como "destruição criativa" , 34, 20 1
Eastman, George (1854-1932), 97 - como "Golpeá-los Onde Não Estão" , espalhador Scott, 9 1 Ford Motor Company, 68-70, 1 06-07, 144,
economia: 288, 298, 30 1 - 1 8 , 3 1 9 Estado do Bem-Estar Social, 9 , 347 1 46, 1 5 1 , 1 73, 1 75 , 282, 283
- de crescimento zero, 1 , 3 , 6 - estratégias de, 1 1 7- 1 8 , 237 Estados Unidos: fornos de assar automáticos, 33 1 -32
- empreendedora, 1 -24, 1 84 - grandes vs. pequenos negócios, 22-3, - classe média vs. trabalhadores em, 65 , Forrester, Jay W. (1918- ), 7n
- equilíbrio na, 34, 35 27, 28-9, 66, 74-5 , 1 1 6, 200, 205-09. 143;44 Fortune, 3, 1 3
-estagnação Kondratieff da, 1 , 6- 1 O, 1 6-8 225, 226-34, 24 1 -42, 290 - ciclos econômicos nos, 1 6, 1 8 fotocopiadoras, 262, 296, 309, 3 1 1 , 3 1 2,
- fundação tecnológica da, 9, 1 5 , 35-6 - recursos para, 37-8, 296-98, 300 - como sociedade de organizações , 22, 3 1 5 , 338-39
- queda pela demanda vs . guiada pela - riscos de, 37, 43, 1 74, 1 76-79, 1 95-96, 4 1 -2 fotografia, 96-7, lOI , 1 63
oferta, 40, 43, 79, 8 1 328 - desindustrialização dos, 1 , 3, 1 1 , 23 Franklin, Benjamin (1 706-1 790), 1 7
- recursos da, 35, 37, 39, 43, 45 - teorias de, 27-38 estratégias para investimento, 1 2 , 87-90, Friedman, Milton (/9/2- ), 35
- setores de crescimento da, 9- 16, 3 1 empresas: 1 1 0- 1 3, 1 53 Frontiers Entreneurship Research of, 365
Economist, 4 , 8 2 n - abandono sistemático nas, 2 1 4- 1 5 , 225 estruturas de indústria e mercado, 46, 1 03- Fuller, R . Buckminster (1905-1983), 1 50-
Edison, Thomas Alva (1847-1930) , 1 3 , 97, - administração das, 2 1 5-20, 24 1 09, 169-73 51
102 , 1 63, 1 65, 1 77 , 1 93 , 260 - avaliação da capacidade inovadora das, - análise das, 1 1 2- 1 9 , 224 fundos-de-pensão , 1 1 0, 1 1 3, 228
educação: 209, 220-24 - da indústria automobilística, 1 04- 1 0 , Fusca Volkswagen, 1 1 8- 1 9
- continuada, 1 0, 45, 1 72-73, 264-65 - como "ávidas por coisas novas" , 2 1 0, 1 1 3 , 1 72-74
- demografia da, 3 1 , 60 , 1 27-30, 1 3 1 , 1 33 2 1 2, 2 1 3 , 220 - mudanças na, 1 03, 1 04, 1 05 , 1 1 5, 1 17 Galeno (D.C. 1 30?-200?), 1 54
- de nível superior, 70, 1 27-28 - diretrizes das, 209- 1 6, 235 - oportunidades para inovação na, 1 03 , GE, Credit Corporation, 30, 1 5 1 , 162, 1 63,
- de profissionais, 1 22, 1 32, 36 1 -63 - diversificação, 73-5 1 1 0- 1 2 1 73
- em massa, 40, 1 0 1 , 1 27 , 1 57 - estratégia para.as, 206-09, 2 1 4- 1 6 Gebildeten Staende die, 294
- emprego na, 3-4 - estrutura organizacional das, 209, 224- Facilities Management lnstitute, 343 General Electric, 1 75 , 206, 238-39, 308,
- inovações em, 22, 35, 1 22, 1 54, 1 77, 36 Familienbank, 309, 3 1 0, 3 1 5 , 3 16, 3 1 8 339-4 1 , 344
238-39, 253 , 278 - executivos nas, 2 ! 0- 1 9, 225, 232 , 235 , Faraday, Michael (1791-/867), 1 67 General Electric Company, 167
- no Japão, 1 00, 144, 1 78 275 fatores inesperados, 46, 49-75 , 1 96, 3 1 5 General Motors, 2 1 , 68, 1 06, 1 07 , 1 5 1 ,
ver também universidades. - " médias" , 1 3-4, 20 1 , 207 , 223, 225, - eventos externos como, 70-5 153, 1 73, 205
Edsel da Ford , 68, 1 44, 1 46 - "na infância" , 226-29 - fracassos como, 6 1 -70 "gerente-proprietário ", 32
Ehrlich, Paul (1854-/915), 1 50 - operações do dia-a-dia das, 200, 205-43 - sucessos como, 49-6 1 , 2 1 7 Gilder G. , 289, 365
Eisenhow, Dwight D. (1896-/ 969) , 1 32 , - os "não-faça" das, 24 1 -43 Federal Express, 1 1 7 Gillette, King (1855-1932 ), 337-38, 344
1 39-40 - pessoal das, 2 1 4, 228, 236-41 , 246 feminismo, 1 4 1 -42 Girl Scouts, 25 1 , 252, 255
eletrônica; 169, 1 74, 205 , 308, 352 - práticas das, 2 1 6-20, 235 ferrovias, 4 1 , 1 69-70, 1 74, 205 Goethe, J. W. von (1749-/832), 347
Emery Air Freight, 1 1 7 - receptividade à inovação das, 209- 1 0, Fiat, 106, 1 07 Golden Gate University, 1 29, 1 34
Empire State College, 239-40 2 1 1 , 2 1 4, 2 1 7- 1 8 , 2 1 9 , 226 ficção científica, 1 68 Grã-Bretanha:

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