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FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
UBERLÂNDIA-MG
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
UBERLÂNDIA-MG
2016
LIBERDADE, IGUALDADE E EDUCAÇÃO NO PENSAMENTO DE
NORBERTO BOBBIO E RALF DAHRENDORF1
Resumo
Este artigo visa abordar a questão da liberdade, da igualdade e da educação nas
obras de dois pensadores, considerados liberais-sociais, Ralf Dahrendorf e Norberto
Bobbio. O texto parte do princípio que ambos os pensadores tiveram experiências de
vida semelhantes que marcaram seu pensamento. Liberais por princípio, Dahrendorf e
Bobbio, distanciaram-se do Liberalismo radical, mantendo diálogo com o pensamento
marxiano. Tal postura influenciou sua compreensão da liberdade enquanto
autorrealização e da igualdade do status civil e do status social. Ambos defendem o
direito à educação. O estudo destes autores apresenta-se como uma possibilidade de
diálogo em um tempo de radicalizações e novos dogmatismos.
1. Introdução
Estamos habituados com a valorização dos clássicos do passado. Autores que,
em tempos remotos ou dos séculos passados, deixaram sua marca indelével com suas
ideias e escritos que, os tempos ou os modismos nunca darão conta de relegá-los ao
olvido das estantes empoeiradas. Norberto Bobbio (1909-2004) e Ralf Dahrendorf
(1929-2009) são autores dos quais, não obstante a sua contemporaneidade e o frescor de
suas reflexões sobre temas atuais; a profundidade, propriedade e validade das reflexões
já os inserem no rol dos grandes pensadores de todos os tempos.
Norberto Bobbio, nasceu em Turim, a 18 de outubro de 1909, foi um dos
grandes eruditos do século XX. Filósofo político e do direito, historiador do pensamento
político, escritor e senador vitalício italiano. Conhecido por sua ampla capacidade de
produzir escritos concisos, lógicos e, ainda assim, densos. Bobbio foi defensor da
democracia socialista liberal e do positivismo jurídico. Crítico de Marx, do fascismo
italiano, do Bolchevismo, em suas obras dialogou com os grandes autores de suas áreas
1
Trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Uberlândia, como requisito parcial para aprovação na disciplina “Educação e
Liberalismo” sob orientação do Prof. Décio Gatti Júnior.
2
Doutorando do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de Uberlândia
– PPGED-FACED-UFU. Graduado em Filosofia e Teologia pela Faculdade dos Jesuítas de Belo
Horizonte. Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Filosofia
/ Sociologia do Instituto Federal do Triângulo Mineiro – IFTM – Campus Uberaba desde setembro de
2014.
de interesse. Nas palavras de Rubens Ricupero por ocasião de seu necrológio (2004, s.
p.):
Filósofo militante, Norberto Bobbio uniu pensamento e ação ao longo de uma vida que
abrangeu mais do que o “breve século 20”, pois se iniciou antes da 1ª Guerra Mundial e
se prolongou bem além da queda do Muro de Berlim. Nas últimas duas décadas,
converteu-se na consciência ética e política de uma Itália mergulhada na crise moral da
operação “Mãos Limpas” e no desafio de resgatar a democracia corrompida em um
meio paralisado pelo impasse esquerda-direita.
Nela descansa toda a diferença entre uma concepção da política como meio de
mudanças institucionais e outra, segundo a qual o campo da ordem social acessível ao
político transcende as instituições; é aceito como base o conceito problemático da
liberdade, segue-se que a única missão da política é a eliminação de toda espécie de
coação que se ponha no caminho da liberdade; que uma vez eliminada a coação,
aproveitar-se-á da oportunidade da autorrealização do homem, afirma-se isso como algo
lógico, ou seja, automático, ou também se exclui, como algo lógico, ou seja, automático,
ou também se exclui como algo metapolítico dos programas administrativos e dos
assuntos públicos.
Sub a, a instituição de órgãos de decisão popular fora dos institutos clássicos do governo
parlamentar (a chamada democracia dos conselhos); sub b, a democracia direta ou
assembleísta (um dos temas mais defendidos pela contestação); sub c, o controle popular
dos meios de informação e propaganda, etc. (BOBBIO, 2004, p. 139)
A igualdade do estado civil é hoje apenas um processo histórico e não ainda plena
realidade. Este processo se iniciou com a igualdade dos cidadãos perante a lei;
prosseguiu com a equiparação dos direitos civis e políticos, em particular o direito de
voto universal, secreto e igual, se o elo mais recente é, enfim, a equiparação de
determinadas oportunidades sociais no que diz respeito à educação, renda e seguros
sociais. (DAHRENDORF, 1981, p. 253)
Paralela à igualdade do status civil está a igualdade do status social, embora esta
seja mais problemática. Tem-se nas sociedades modernas, desde a revolução francesa a
ideia de uma certa igualdade socioeconômica entre os indivíduos. Esta igualdade é
proposta não enquanto ao embasamento dos princípios dos direitos, mas enquanto às
formas de existência. Os quatro fatores que determinam a igualdade entre os cidadãos
são: suas rendas, patrimônio, seu prestígio social, sua autoridade e seu nível de
formação ou educação. Dahrendorf (1981) afirma haver possibilidade de igualdade
nestes fatores somente no campo da utopia.
Sem, contudo, cair nos extremismos das teorias socialistas, o autor alemão
defende que deve haver no campo da igualdade do status social um piso no campo da
renda, de modo que ninguém viva em condições de miséria, que tenha o amparo do
estado em suas necessidades básicas, enfim, que todos possam ter o que se designa
como uma “vida digna”. Quando a discussão é sobre um teto, ou seja, um máximo de
riqueza a questão se problematiza, pois, ninguém pode afirmar que em um estado
democrático de direito a riqueza de alguém pode ferir os direitos dos demais, deixando
claro que esta riqueza surgiu dentro dos limites da própria lei.
Dahrendorf afirma que uma política social-liberal atuará sobretudo, na defesa da
liberdade do status civil. É importante que ela “possibilite a liberdade de todos; mas
além disso, é adversária decidida de qualquer nivelamento e uniformização social e,
com isto, defensora entusiasta do pluralismo institucional, da diferenciação social e da
multiformidade humana na liberdade” (DAHRENDORF, 1981, p. 269).
Para o autor, esta união daria condições para uma maior competitividade e
também para um maior êxito para o sistema educacional.
Norberto Bobbio, dedica boa parte de seus estudos sobre a educação à
perspectiva do direito. O autor italiano, ao discorrer sobre este direito, afirma que este é
próprio das sociedades modernas, e pode-se afirmar, também liberais:
Não existe atualmente nenhuma carta de direitos, para darmos um exemplo convincente,
que não reconheça o direito à instrução – crescente, de resto, de sociedade para
sociedade – primeiro, elementar, depois secundária, e pouco a pouco até mesmo
universitária. Não me consta que, nas mais conhecidas descrições do estado de natureza,
esse direito fosse mencionado. A verdade é que esse direito não fora posto no estado de
natureza porque não emergira na sociedade da época em que nasceram as doutrinas
jusnaturalistas, quando as exigências fundamentais que partiam daquelas sociedades
para chegarem aos poderosos da Terra eram principalmente exigências de liberdade em
face das Igrejas e dos Estados, e não ainda de outros bens como o da instrução, que
somente uma sociedade mais evoluída econômica e socialmente poderia expressar
(Bobbio, 2004, p. p. 69-70)
Será a partir do que Bobbio denomina como “a era dos direitos” (2004), que se
discutirá o direito à educação. Faz-se a distinção entre o direito de liberdade – nascido
com o ideário dos estados modernos –, com relação aos direitos sociais, dentre eles, o
direito à educação.
Enquanto os direitos de liberdade nascem contra o superpoder do Estado – e, portanto
com o objetivo de limitar o poder –, os direitos sociais exigem para a sua realização
prática, ou seja, para a passagem da declaração puramente verbal à proteção efetiva,
precisamente o contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado (BOBBIO, 2004, p.
67).
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