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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

WILSON AUGUSTO COSTA CABRAL

LIBERDADE, IGUALDADE E EDUCAÇÃO NO PENSAMENTO DE


NORBERTO BOBBIO E RALF DAHRENDORF

UBERLÂNDIA-MG

2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

WILSON AUGUSTO COSTA CABRAL

LIBERDADE, IGUALDADE E EDUCAÇÃO NO PENSAMENTO DE


NORBERTO BOBBIO E RALF DAHRENDORF

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-


Graduação em Educação, da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de
Uberlândia, como requisito parcial para
aprovação na disciplina Liberalismo e
Educação, sob orientação do Prof. Décio Gatti
Júnior.

UBERLÂNDIA-MG

2016
LIBERDADE, IGUALDADE E EDUCAÇÃO NO PENSAMENTO DE
NORBERTO BOBBIO E RALF DAHRENDORF1

Wilson Augusto Costa Cabral2

Resumo
Este artigo visa abordar a questão da liberdade, da igualdade e da educação nas
obras de dois pensadores, considerados liberais-sociais, Ralf Dahrendorf e Norberto
Bobbio. O texto parte do princípio que ambos os pensadores tiveram experiências de
vida semelhantes que marcaram seu pensamento. Liberais por princípio, Dahrendorf e
Bobbio, distanciaram-se do Liberalismo radical, mantendo diálogo com o pensamento
marxiano. Tal postura influenciou sua compreensão da liberdade enquanto
autorrealização e da igualdade do status civil e do status social. Ambos defendem o
direito à educação. O estudo destes autores apresenta-se como uma possibilidade de
diálogo em um tempo de radicalizações e novos dogmatismos.

1. Introdução
Estamos habituados com a valorização dos clássicos do passado. Autores que,
em tempos remotos ou dos séculos passados, deixaram sua marca indelével com suas
ideias e escritos que, os tempos ou os modismos nunca darão conta de relegá-los ao
olvido das estantes empoeiradas. Norberto Bobbio (1909-2004) e Ralf Dahrendorf
(1929-2009) são autores dos quais, não obstante a sua contemporaneidade e o frescor de
suas reflexões sobre temas atuais; a profundidade, propriedade e validade das reflexões
já os inserem no rol dos grandes pensadores de todos os tempos.
Norberto Bobbio, nasceu em Turim, a 18 de outubro de 1909, foi um dos
grandes eruditos do século XX. Filósofo político e do direito, historiador do pensamento
político, escritor e senador vitalício italiano. Conhecido por sua ampla capacidade de
produzir escritos concisos, lógicos e, ainda assim, densos. Bobbio foi defensor da
democracia socialista liberal e do positivismo jurídico. Crítico de Marx, do fascismo
italiano, do Bolchevismo, em suas obras dialogou com os grandes autores de suas áreas

1
Trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Uberlândia, como requisito parcial para aprovação na disciplina “Educação e
Liberalismo” sob orientação do Prof. Décio Gatti Júnior.
2
Doutorando do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de Uberlândia
– PPGED-FACED-UFU. Graduado em Filosofia e Teologia pela Faculdade dos Jesuítas de Belo
Horizonte. Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Filosofia
/ Sociologia do Instituto Federal do Triângulo Mineiro – IFTM – Campus Uberaba desde setembro de
2014.
de interesse. Nas palavras de Rubens Ricupero por ocasião de seu necrológio (2004, s.
p.):

Filósofo militante, Norberto Bobbio uniu pensamento e ação ao longo de uma vida que
abrangeu mais do que o “breve século 20”, pois se iniciou antes da 1ª Guerra Mundial e
se prolongou bem além da queda do Muro de Berlim. Nas últimas duas décadas,
converteu-se na consciência ética e política de uma Itália mergulhada na crise moral da
operação “Mãos Limpas” e no desafio de resgatar a democracia corrompida em um
meio paralisado pelo impasse esquerda-direita.

Contemporâneo de Bobbio, Ralf Gustav Dahrendof, nasceu em 1º de maio de


1929, em Hamburgo, Alemanha. Intelectual de grande produtividade, Dahrendorf foi
sociólogo, filósofo e político. Seus pais eram luteranos. Em 1957 foi convidado para
passar um ano no Center for Advanced Study in the Behavioural Sciences, em Palo
Alto, na Califórnia. Foi depois professor de sociologia em Hamburgo, Tubinga e
Constança. Militou na política. Entre 1969 e 1970 foi deputado no parlamento alemão
pelo Freie Demokratische Partei (FDP), os liberais alemães, e secretário de Estado no
Ministério de Negócios Estrangeiros. Em 1970 tornou-se comissário na Comissão
Europeia em Bruxelas. Em 1993 ele recebeu o título de lorde da rainha Elizabeth II da
Inglaterra. Nas palavras de Smelser (2011, p. 466, tradução nossa),

Quando Lorde Ralf Dahrendorf morreu em Colônia, em 17 de junho de 2009, o mundo


perdeu um dos mais fortes e distintos líderes intelectuais da segunda metade do século
XX. Eu uso o termo genérico “intelectual” apropriadamente, por ele não somente ter se
estabelecido como um eminente cientista social como filósofo social, mas também
engajado em uma longa vida de esforços para aplicar suas ideias diante das questões e
dilemas do mundo Ocidental e por se envolver diretamente como um líder em muitas
instituições políticas e educacionais.

Para além da simples contemporaneidade, os dois autores têm em comum seus


estudos enquanto temas inerentes à sociedade e a cultura de seu tempo, bem como
traços biográficos comuns, como a resistência aos regimes totalitários fascista, nazista e
comunista. Ambos tiveram o pensamento marxiano como interlocutor. Bobbio, por
exemplo dedicou um número considerável de artigos ao estudo do pensamento do
pensador comunista alemão Antonio Gramsci (Bobbio, 2002). Dahrendorf, por sua vez,
nos textos referentes aos Conflitos Sociais, debruçou-se sobre o conceito da luta de
classes de Karl Marx (Dahrendorf, 1992); apontando, conforme veremos, seus limites,
mas por outro lado, tendo o autor de O Capital como grande interlocutor. Ambos, a seu
modo discordaram, sem perder a identidade liberal, do liberalismo da Escola Austríaca,
de Mises e Hayek, bem como da Escola de Chicago de Stigler e Friedman. Dahrendorf,
junto com Raymond Aron, protagonizou o que Merquior (2014, p. 234) define como
“Liberalismo Sociológico; enquanto que Bobbio, juntamente Rawls e Nozick são
denominados pelo mesmo autor (2014, p. 244-245), como “Neocontratualistas”,
abordando a “linguagem dos direitos” e do “Contrato social”.
Outro dado biográfico que uniu os dois pensadores foi a forma como ambos
viram as manifestações estudantis de 1968. Os dois autores sem aderirem ao
movimento, observaram à distância, discordando dos modismos da época e assumindo
as consequências da distância dos maîtres à penser que naquele momento, conquistaram
a simpatia de milhares de estudantes.
Objetiva-se neste trabalho a encontrar, pois, os pontos de contato no pensamento
destes dois autores em três aspectos de seu pensamento, a liberdade, a igualdade e a
questão da educação. As duas primeiras temáticas perpassam toda a obra dos autores e
são mormente discutidas em muitos livros, trabalhos e artigos. Para abordar a terceira
temática, partiremos de conclusões pois tal temática além de ser tratada de forma
periférica pelos autores, não foi ainda estudada amplamente.

2. A liberdade em Dahrendorf e Bobbio


Tanto Dahrendorf quanto Bobbio dedicaram muitos ensaios e conferências à
questão da liberdade. Este conceito na maioria das ocorrências em seus escritos está
relacionado com a questão da democracia.

2.1. O conceito de liberdade em Dahrendorf


Para aprofundarmos a questão da liberdade na perspectiva do liberalismo
sociológico de Dahrendorf utilizaremos o texto do autor “Reflexões sobre a liberdade e
a Igualdade, presente em sua obra “Sociedade e Liberdade: para uma análise sociológica
do presente”, traduzida para o português por Vamireh chacon (DAHRENDORF, 1981).
Segundo o autor, existe uma difícil conciliação entre liberdade e igualdade. Nos
governos de orientação liberal há uma tendência para que se acentue a liberdade,
enquanto que nos governos socialistas, que primam pela igualdade, há uma inclinação
ao totalitarismo, atrofiando a liberdade dos indivíduos.
Ao analisar o conceito de liberdade, Dahrendorf aponta que existem dois tipos,
dois modos fundamentais de se compreender a liberdade, a primeira como “ausência de
coação” e a segunda enquanto “possibilidade de autorrealização”. O primeiro,
declaradamente em um caráter negativo, enquanto que o segundo num caráter positivo.
Dahrendorf (1981, p. 244) analisa a liberdade enquanto ausência de coação, para
ele, este sentido se deduz da própria origem da palavra:
Como nos ensina o vocabulário etimológico, a palavra “Freiheit” (“liberdade” em
alemão) procede do termo gótico “Freihals” […], pois enquanto os escravos deviam
levar um grilhão em torno do pescoço, seus donos tinham o “pescoço livre” (“frein
Hals”); eram, por isso mesmo, “livres” (“freie”). No transcurso da história se converteu,
talvez, o grilhão no pescoço escravo de um instrumento a um símbolo de coação; de
qualquer modo representa uma limitação, à qual não estão submetidos aqueles que
desfrutam da liberdade de pescoço, isto é, de liberdade. Liberdade é, por conseguinte,
pelo menos numa das suas acepções uma ausência de limitações na conduta humana,
uma liberdade de coação de qualquer espécie.

A imagem da liberdade como a ausência de um grilhão no pescoço, ao mesmo


tempo que é rica, ela é limitada. Pois os homens podem se dizer livres da escravidão ou
mesmo do jugo de um poder tirânico, mas existem realidades das quais nenhum homem
poderá se dizer liberto, por exemplo das consequências do tempo que corre a cada dia
ou das limitações somáticas ou do próprio fato de se viver em sociedade que traz
consigo suas limitações.
Mas o autor alemão acrescenta que este sentido de “liberdade de…”, entendida
em seu sentido como uma privação e, portanto, portador de um sentido negativo não
esgota o conceito de liberdade. Esta é também “liberdade para…”, embora advirta que,
“na realidade, na história da teoria política quase não existe uma definição ‘negativa’ da
liberdade que esteja acompanhada de determinados traços positivos” (DAHRENDORF,
1981, p. 245). Entretanto, ao se levar em consideração que ambos os conceitos devam
estar unidos, pois somente quem é “livre de” determinados grilhões, poderá ser “livre
para” se autorrealizar enquanto indivíduo. Segundo Marx, “o encurtamento da jornada
de trabalho é condição fundamental para a criação do autêntico reino da liberdade”
(MARX, 1974, p. 942).
Longe de tal discussão, refletir uma mera questão filosófica, Dahrendorf (1981,
p. 247) adverte:

Nela descansa toda a diferença entre uma concepção da política como meio de
mudanças institucionais e outra, segundo a qual o campo da ordem social acessível ao
político transcende as instituições; é aceito como base o conceito problemático da
liberdade, segue-se que a única missão da política é a eliminação de toda espécie de
coação que se ponha no caminho da liberdade; que uma vez eliminada a coação,
aproveitar-se-á da oportunidade da autorrealização do homem, afirma-se isso como algo
lógico, ou seja, automático, ou também se exclui, como algo lógico, ou seja, automático,
ou também se exclui como algo metapolítico dos programas administrativos e dos
assuntos públicos.

A questão da liberdade está, portanto, relacionada estritamente com a


compreensão política que temos de Democracia. Espaço privilegiado de superação das
coações que impedem de assumir também uma postura propositiva diante de sua vida.
Em outro texto, “A Lei e a Ordem”, um conjunto de quatro conferências,
Dahrendorf amadurece este pensamento, argumentando sobre o futuro da ordem social e
da liberdade. Para ele, o maior obstáculo para efetivar a política da liberdade seria a
erosão da lei e da ordem, cujo principal sintoma seria a incapacidade do Estado de
cuidar das pessoas e dos bens e de punir de maneira sistemática e eficaz as infrações às
normas. “As principais consequências desse cenário seriam a escalada do crime e a
generalização do sentimento de insegurança na contemporaneidade” (DIAS JÚNIOR,
2011, s. p.).

2.2. O conceito de liberdade em Bobbio


As obras de Bobbio com relação ao tema da liberdade são extensas. Em seus
escritos a liberdade está comumente relacionada à questão da democracia.
Como Dahrendorf, Bobbio faz a distinção entre liberdade negativa e liberdade
positiva. Usando, entretanto a semântica jurídica, o autor apresenta a liberdade negativa
como um ente do direito dual, compreendendo duas emanações de legitimidade de
exercício do direito. Em primeiro lugar, como “falta de impedimento” que abre
perspectiva para a liberdade de agir. Desse modo, como exemplo, podemos citar a
situação do indivíduo que, não havendo nenhuma lei proibitiva, ele não pode ser
impedido de agir, ou seja, o indivíduo pode fazer tudo o que a lei não proibir (BOBBIO,
1997).
Outra forma de liberdade negativa, emanada do exercício do direito, se aproxima
muito da liberdade negativa apresentada por Dahrendorf, quando fala da liberdade como
“ausência de coação”. Bobbio a define como é liberdade como “ausência de
constrangimento” (BOBBIO, 1997, p. 49). Como a lei se omite em diferentes matérias,
quando esta não obriga o indivíduo a determinada ação, seria como se a mesma desse a
este a permissão de realizar tal ato. “O que a lei não me obriga a fazer eu posso não
fazer. Baseado em Hobbes, Locke em Montesquieu ele afirma que a liberdade consiste
em poder fazer tudo o que a lei permite. E, podemos acrescentar, seja por sua expressão
ou omissão.
Também como Dahrendorf Bobbio utiliza o tema da liberdade positiva,
entendida, porém, numa perspectiva política. A liberdade representa, pois, uma
autodeterminação ou autonomia da vontade do indivíduo de fazer. Aqui diferentemente
das perspectivas da liberdade negativa, a liberdade positiva refere-se à existência de
uma vontade, que é própria do indivíduo. Neste sentido, podemos situar o autor em seu
tempo. Como pensador em tempos de pós-modernidade, ao tratar do tema da liberdade
faz-se necessária a referência ao aspecto da mesma em diante de uma individualidade
marcada pela exaltação da subjetividade e do desejo. Como ser de vontade e desejo, este
indivíduo anseia por autonomia, autodeterminação e finalmente, como coroamento da
existência, à autorrealização.
Bobbio, nesse aspecto dialoga com Rousseau, Kant e Hegel ao referir-se à
liberdade positiva como fonte de autonomia. Difere de Hegel ao deslocar a autonomia,
em relação com o Estado, no pensamento do autor alemão, como realização do Espírito
Absoluto; para a realização do próprio indivíduo. Bobbio dialoga também com o
existencialismo de Maurice Merleau Ponty em sua existência e dialética; e até mesmo
de Jean Paul Sartre, em sua célebre expressão do homem condenado a ser livre. Eis a
contradição da liberdade, que, neste caso apresenta-se também como privação, a qual o
indivíduo ao mesmo tempo está sempre em busca, e, contudo, deve arcar com suas
consequências.
Bobbio reafirma a, segundo ele, estrita relação, entre liberdade e democracia em
seu ensaio “A resistência à opressão hoje” (BOBBIO, 2004, p. p. 131-146), no qual
manifesta sua rejeição a toda a espécie de autoritarismo. Discute as formas de
resistência pacífica e chega a afirmar a necessidade de alguns remédios para que se
aumente a participação popular, como garantidora da liberdade, diante das críticas
quanto aos limites da democracia representativa:

Sub a, a instituição de órgãos de decisão popular fora dos institutos clássicos do governo
parlamentar (a chamada democracia dos conselhos); sub b, a democracia direta ou
assembleísta (um dos temas mais defendidos pela contestação); sub c, o controle popular
dos meios de informação e propaganda, etc. (BOBBIO, 2004, p. 139)

Entretanto, o pensador italiano, alerta: “Mas é nesse ponto que reemergem


propostas mais radicais, que ultrapassam a linha da democracia representativa e repõem
em circulação os temas tradicionais do direito à resistência” (BOBBIO, 2004, p. 139).
Bobbio adverte que não se deve transformar a democracia direta em fetiche.
É neste ponto que ele abraça o denominado “neocontratualismo”, ou seja, uma
nova teoria do contrato social. Nesta, o exercício da democracia, deve respeitar o
elemento ascendente popular, em que representativamente, estes assumem esferas do
poder. Por outro lado, este se torna um invasor social, no qual se entrelaçam a lógica
privatista do estado com a lógica publicista da dominação. Segundo Bobbio (2000),
citado por Merquior (2014, p. 256) a nova estrutura contratualista da sociedade tem de
levar em consideração:

Nossos contratos sociais nunca podem esquecer a base individualista da sociedade


moderna […] – uma base que não é mais burguesa. […] O impulso ascendente da ideia
do contrato social moderno implica uma base social muito mais ampla do que jamais foi
permitido pelas relações de força (rapports de force) que prevaleciam no tempo dos
castelos, guildas e Estados.
Ao relacionar democracia e liberdade, Bobbio reafirma sua defesa do
liberalismo. Segundo o autor italiano, a prática da democracia é uma consequência do
liberalismo pois todos os Estados democráticos existentes foram originalmente estados
liberais” (BOBBIO, 2000).

3. A igualdade em Dahrendorf e Bobbio


Paralela à questão da liberdade, para os nossos autores outro tema que deve ser
aprofundado é a questão da igualdade. Para compreender a abordagem de ambos, faz-se
necessária a contextualização histórico-biográfica de suas obras. Ambos
experimentaram as funestas consequências dos regimes totalitários da primeira metade
do século XX. Por consequência, os dois viram com maus olhos o comunismo em suas
experiências concretas, não admitindo o seu totalitarismo.
Em contrapartida também, sem abandonar o liberalismo, ambos tecem suas
críticas ao neoliberalismo, com a sua teoria do Estado mínimo. Bobbio expressa este
descontentamento ao demonstrar a separação, dentro da perspectiva neoliberal, entre o
liberalismo político e o liberalismo econômico:

Por neoliberalismo se entende hoje, principalmente, uma doutrina econômica


consequente da qual o liberalismo político é apenas um modo de realização, nem
sempre necessário; ou em outros termos, uma defesa intransigente da liberdade
econômica, da qual a liberdade política é apenas um corolário (BOBBIO, 2000, p. 87).

O liberalismo-social, embora defenda uma economia de livre mercado e a


democracia como característica fundante do pensamento liberal, ele identifica os
monopólios legais e artificiais como culpa do capitalismo e, portanto, se opõe ao
laissez-faire do liberalismo econômico, comumente chamado por estes de liberismo. O
conceito de igualdade é um campo onde se desenvolve esta reflexão.

3.1. A igualdade no pensamento de Dahrendorf


Ao discorrer sobre a questão da igualdade, bandeira, segundo o autor, dos
teóricos socialistas, Dahrendorf recorre ao conceito de natureza humana, indagando no
que os homens são iguais e no que são desiguais. O autor recorre a Aristóteles para
afirmar a desigualdade humana. Segundo o filósofo grego a Pólis somente se sustenta
porque ela é fundada sobre a experiência de homens que são, por natureza, desiguais.
Deixando de lado as questões metafísicas quanto a uma natureza humana, o
pensador alemão, afirma que os homens são iguais por natureza com relação aos dados
de sua existência que se acham na base de toda a vida social:
são iguais em sua natureza corporal, que os liga ao “império da necessidade” e os obriga
a trabalhar para obter seus meios de vida; são iguais nos seus instintos naturais, que
impõem certos freios em seu desenvolvimento racional; são enfim iguais na possível
dependência da sua vontade a forças transcendentes. São, além disso, os homens iguais
por natureza, com relação a sua categoria existencial e, em particular, também com
relação ao seu acesso às possibilidades de liberdade, enquanto faltam limitações
arbitrárias de autorrealização. (DAHRENDORF, 1981, p. 250).

Dahrendorf complementa que os homens, entretanto, são desiguais “com relação


ao seu modo de existir, isto é, em suas disposições e faculdades, necessidades e meios
de expressão, assim como na maneira e intensidade, com que adaptam os dados da sua
existência” (DAHRENDORF, 1981, p. 250). Percebe-se, portanto que para o nosso
autor, igualdade e desigualdade sempre estarão presentes nas sociedades, resguardando
suas devidas proporções.
A igualdade do nível natural de todos os homens está em estrita relação com a
igualdade de seus direitos na sociedade. Temos aí um princípio originado no discurso
do direito natural. É a igualdade do status civil. Segundo esta ideia, a sociedade garante
à cada indivíduo a mesma posição de saída para seu desenvolvimento.
Como um bom integrante do liberalismo-social, Dahrendorf (1981, p. 253),
observa:

A igualdade do estado civil é hoje apenas um processo histórico e não ainda plena
realidade. Este processo se iniciou com a igualdade dos cidadãos perante a lei;
prosseguiu com a equiparação dos direitos civis e políticos, em particular o direito de
voto universal, secreto e igual, se o elo mais recente é, enfim, a equiparação de
determinadas oportunidades sociais no que diz respeito à educação, renda e seguros
sociais. (DAHRENDORF, 1981, p. 253)

Paralela à igualdade do status civil está a igualdade do status social, embora esta
seja mais problemática. Tem-se nas sociedades modernas, desde a revolução francesa a
ideia de uma certa igualdade socioeconômica entre os indivíduos. Esta igualdade é
proposta não enquanto ao embasamento dos princípios dos direitos, mas enquanto às
formas de existência. Os quatro fatores que determinam a igualdade entre os cidadãos
são: suas rendas, patrimônio, seu prestígio social, sua autoridade e seu nível de
formação ou educação. Dahrendorf (1981) afirma haver possibilidade de igualdade
nestes fatores somente no campo da utopia.
Sem, contudo, cair nos extremismos das teorias socialistas, o autor alemão
defende que deve haver no campo da igualdade do status social um piso no campo da
renda, de modo que ninguém viva em condições de miséria, que tenha o amparo do
estado em suas necessidades básicas, enfim, que todos possam ter o que se designa
como uma “vida digna”. Quando a discussão é sobre um teto, ou seja, um máximo de
riqueza a questão se problematiza, pois, ninguém pode afirmar que em um estado
democrático de direito a riqueza de alguém pode ferir os direitos dos demais, deixando
claro que esta riqueza surgiu dentro dos limites da própria lei.
Dahrendorf afirma que uma política social-liberal atuará sobretudo, na defesa da
liberdade do status civil. É importante que ela “possibilite a liberdade de todos; mas
além disso, é adversária decidida de qualquer nivelamento e uniformização social e,
com isto, defensora entusiasta do pluralismo institucional, da diferenciação social e da
multiformidade humana na liberdade” (DAHRENDORF, 1981, p. 269).

3.2. A igualdade no pensamento de Norberto Bobbio


Bobbio, enquanto pensador na esteira do liberalismo-sociológico não difere da
perspectiva dahrendorfiana. Para o autor italiano, a igualdade de oportunidades equivale
à equivalência de condições entre os indivíduos que não se assemelham socialmente
pelo contexto em que se deu o ponto de partida de sua existência.
Aproximando-se do que Dahrendorf indicava como igualdade de status civil.
Bobbio reafirma que igualdade, neste sentido, vem significar que ricos e pobres
possuem o mesmo direito político, a mesma legitimidade para exercer o poder
democrático. Em sua obra, Igualdade e Liberdade (1997), o pensador italiano afirma
que a democracia é – em essência – o resultado da associação da liberdade e da
igualdade como princípios políticos.
Em vista da superação da dicotomia entre igualdade e liberdade presente em
toda discussão do liberalismo social que ele esboça a teoria do neocontratualismo. A via
democrática assinalada por Bobbio envereda pelo caminho do pacto entre burguesia e
proletariado, na qual, as partes sempre buscam privilegiar a repactuação em momentos
de crises. As liberdades individuais e os direitos políticos, em Bobbio, são condição
para a realização humana e para o desenvolvimento da sociedade moderna e são a
reafirmação destas, através das instituições democráticas do Estado de Direito, que
empreendem resultados perenes, contínuos e cumulativos.
Podemos concluir que, para o nosso autor, a igualdade, diferente daquela das
utopias dentre as quais ele insere o socialismo, pode ser alcançado através da
democracia. Esta tem suas regras, que Bobbio denomina “regras do jogo” com as
seguintes características:
As regras são de cima para baixo, as seguintes: a) todos os cidadãos que tenham
atingido a maioridade, sem distinção de raça, religião, condições econômicas, sexo,
etc..., devem gozar dos direitos políticos, isto é, do direito de exprimir com o voto à
própria opinião e/ou eleger quem a exprima por ele; b) o voto de todos os cidadãos deve
ter peso idêntico isto é, deve valer por um; c) todos os cidadãos que gozam dos direitos
políticos devem ser livres de votar segundo a própria opinião, formando o mais
livremente possível, isto é, em uma livre concorrência entre grupos políticos
organizados, que competem entre si para reunir reivindicações e transforma-las em
deliberações coletivas; d) devem ser livres ainda no sentido em que devem ser
colocados em condição de terem reais alternativas, isto é, de escolher entre soluções
diversas; e) para as deliberações coletivas como para as eleições dos representantes deve
valer o princípio da maioria numérica, ainda que possa estabelecer diversas formas de
maioria (relativa, absoluta, qualificada), em determinadas circunstancias previamente
estabelecidas; f) nenhuma decisão tomada pela maioria deve limitar os direitos da
minoria, em modo particular o direito de tornar-se, em condições de igualdade, maioria”
(Bobbio, 1983, p.56).

Como se pode perceber, a filosofia política e a filosofia do direito se entrelaçam


no pensamento de Norberto Bobbio. O conceito de igualdade para este autor sempre
estará relacionado com a questão da igualdade política (em um Estado Democrático) e
da igualdade jurídica, ou seja, a dos direitos, que devem ser iguais.

4. A educação para a liberdade e a igualdade


A expressão, “a educação é um direito civil” pode ser aplicado ao liberalismo
social de Dahrendorf e de Bobbio. Olhando desta perspectiva, inferimos que a educação
não é apenas uma segurança pessoal, mas também significa empoderar – usando uma
expressão atual – para que ela possa ser um cidadão. Como um direito civil, isto implica
a igualdade para todos os cidadãos, mas também igualdade de oportunidades.
Simplificando, pode-se afirmar que sem o direito à educação não poderá haver
igualdade de oportunidades.
Ambos autores vão defender uma ativa política educacional. Em contraste com
os liberais mais radicais, Dahrendorf e Bobbio defenderam um maior envolvimento do
estado para garantir que todos, de fato, tenham o direito à educação.
Dahrendorf, em sua discussão quanto à igualdade, afirma que o estado deve
garantir um mínimo da formação do indivíduo para que este possa viver em sociedade.
Enquanto este piso educacional é desejável para o progresso de qualquer sociedade, o
autor ironiza a possibilidade da existência de um teto educacional, pois, “não há
monopólio da ciência, o que um aprende é suscetível de ser aprendido pelo outro”
(DAHRENDORF, 1981, P. 257).
O autor alemão, ao defender a escola pública com o objetivo de se atingir a
igualdade de oportunidades entre os indivíduos, tem uma opinião discordante da política
educacional de seu país de origem, pois para ele seria importante a união entre uma
educação pública e uma privada, pois, como bom liberal, ele é de opinião de que assim
se estimularia mais a concorrência. Segundo Dahrendorf (1965), citado por Stefan
Melnik e Sascha Tamm (2008, p. 146):
Eu tenho, com frequência, lamentado o fato que o sistema de educação alemão não
herdou a mistura flexível entre elementos privados e públicos tão típica das escolas e
universidades dos países anglo-saxões. […] A esperança que a Alemanha possa também
ter uma mistura semelhante entre instituições privadas e públicas é infelizmente uma
das utopias da política educacional alemã. (Tradução nossa)

Para o autor, esta união daria condições para uma maior competitividade e
também para um maior êxito para o sistema educacional.
Norberto Bobbio, dedica boa parte de seus estudos sobre a educação à
perspectiva do direito. O autor italiano, ao discorrer sobre este direito, afirma que este é
próprio das sociedades modernas, e pode-se afirmar, também liberais:

Não existe atualmente nenhuma carta de direitos, para darmos um exemplo convincente,
que não reconheça o direito à instrução – crescente, de resto, de sociedade para
sociedade – primeiro, elementar, depois secundária, e pouco a pouco até mesmo
universitária. Não me consta que, nas mais conhecidas descrições do estado de natureza,
esse direito fosse mencionado. A verdade é que esse direito não fora posto no estado de
natureza porque não emergira na sociedade da época em que nasceram as doutrinas
jusnaturalistas, quando as exigências fundamentais que partiam daquelas sociedades
para chegarem aos poderosos da Terra eram principalmente exigências de liberdade em
face das Igrejas e dos Estados, e não ainda de outros bens como o da instrução, que
somente uma sociedade mais evoluída econômica e socialmente poderia expressar
(Bobbio, 2004, p. p. 69-70)

Será a partir do que Bobbio denomina como “a era dos direitos” (2004), que se
discutirá o direito à educação. Faz-se a distinção entre o direito de liberdade – nascido
com o ideário dos estados modernos –, com relação aos direitos sociais, dentre eles, o
direito à educação.
Enquanto os direitos de liberdade nascem contra o superpoder do Estado – e, portanto
com o objetivo de limitar o poder –, os direitos sociais exigem para a sua realização
prática, ou seja, para a passagem da declaração puramente verbal à proteção efetiva,
precisamente o contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado (BOBBIO, 2004, p.
67).

Nesta discussão quando os liberais-sociais, como Bobbio e Dahrendorf


defendem a educação como direito, eles fazem referência a direitos à realização de
políticas públicas em um estado que tome para si esta função como ato de seguridade.
Desse modo, nossos autores, embora enfatizem o direito à liberdade, e, somente a partir
deste, a discussão sobre políticas que promovam a igualdade enquanto status civil de
igualdade de oportunidades, eles se colocam em contraposição ao liberalismo radical de
Mises e Hayek e, inserem-se, junto a tantos outros na perspectiva de Keynes e Dewey.
5. Considerações Finais
Ao chegar ao fim deste ensaio, faz-se necessário ressaltar que a profundidade e a
complexidade do pensamento de dois autores, tão longevos em idade, profícuos em suas
obras, atuantes na ciência, política e sociedade de seu tempo, faz com que haja
necessidade de um maior estudo, com uma pesquisa mais aprofundada. Todavia embora
tenha-se consciência de seu caráter introdutório, buscou-se fugir dos lugares-comuns e
da superficialidade.
Bobbio e Dahrendorf foram homens de seu tempo. Marcados pelos horrores dos
totalitarismos e das guerras, transformaram-se através da intelectualidade e da política
defensores da liberdade e arautos de um novo mundo que acreditavam que passava por
uma via diferente das radicalidades do comunismo e do liberalismo radical. Ambos
defenderam o liberalismo como o regime por natureza democrático, ambos
manifestaram o direito à liberdade como condição para que se tivesse também o direito
à igualdade. Por fim ambos rejeitaram as propostas presentes nas teorias igualitaristas.
Pata Dahrendorf e para Bobbio, a educação é um direito que, por sua natureza
social deve ser conquistado. Mais uma vez, é no credo democrático liberal que este
projeto pode, de fato, tornar-se realidade. Liberdade, igualdade e educação longe de
serem conceitos abstratos, para estes homens tornaram-se expressões concretas de suas
vidas e suas obras.

Referências Bibliográficas
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