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PERCURSOS DE

PESQUISAS EM
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Maria Escolástica de Moura Santos
Francisco Antonio Machado Araujo
Organização

PERCURSOS DE
PESQUISAS EM
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

2019
Reitor
Prof. Dr. José Arimatéia Dantas Lopes

Vice-Reitora
Profª. Drª. Nadir do Nascimento Nogueira

Superintendente de Comunicação
Profª. Drª. Jacqueline Lima Dourado

PERCURSOS DE PESQUISAS EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

© Maria Escolástica de Moura Santos • Francisco Antonio Machado Araujo

1ª edição: 2019

Revisão
Francisco Antonio Machado Araujo

Editoração
Francisco Antonio Machado Araujo

Diagramação
Wellington Silva

Capa
Mediação Acadêmica

Editor
Ricardo Alaggio Ribeiro

EDUFPI – Conselho Editorial


Ricardo Alaggio Ribeiro (presidente)
Acácio Salvador Veras e Silva
Antonio Fonseca dos Santos Neto
Wilson Seraine da Silva Filho
Gustavo Fortes Said
Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz
Viriato Campelo
Ficha Catalográfica elaborada de acordo com os padrões estabelecidos no

19 módulos
Código de Catalogação Anglo-Americano (AACR2)

P428 Percursos de pesquisas em História da Educação / Maria Escolástica de


Moura Santos, Francisco Antonio Machado Araujo organizadores. –
Teresina: EDUFPI, 2019. 53 módulos

E-Book.

ISBN: 978-85-509-0447-4

1. História da Educação.  2. Educação Escolar.  3. Pós-Graduação.


I. Santos, Maria Escolástica de Moura (Org.).  II. Araujo, Francisco
Antonio Machado (Org.).  IV. Título.

CDD: 370.7

Bibliotecária Responsável:
Nayla Kedma de Carvalho Santos CRB 3ª Região/1188
SUMÁRIO
PREFÁCIO 7
PARTE I – História, Educação e Sociedade

HISTÓRIA SOCIAL E DE UMA PERSONAGEM


DA EDUCAÇÃO NA LITERATURA
CLÁSSICA E POPULAR
17
Luís Távora Furtado Ribeiro

EDUCAÇÃO, HISTÓRIA E MEMÓRIA CULTURAL


DE ILHA GRANDE DO PIAUÍ: O OLHAR DO GRIÔ
ZÉ SANTANA (1970-2015) 37
José Marcelo Costa dos Santos
Maria do Amparo Borges Ferro

TRABALHO E EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA


POBRE NA PROPOSTA DA FUNABEM
(1964-1990): ADAPTAÇÃO E REPRODUÇÃO 61
DAS DESIGUALDADES SOCIAIS
Maria Escolástica de Moura Santos
Mayara Macedo Melo

PARTE II – História, Memória e Educação Escolar

PICOS E A CONSOLIDAÇÃO DE
SUA REDE ESCOLAR 79
Jane Bezerra de Sousa
BOLETIM INFORMATIVO: RECONSTITUIÇÃO DA
HISTÓRIA DO CENTRO DE TECNOLOGIA DA UFPI 97
A PARTIR DE ESCRITOS DE PROFESSORES
Magnaldo de Sá Cardoso
Maria do Amparo Borges Ferro

ESCOLA TÉCNICA FEDERAL DO PIAUÍ: UM OLHAR


SOBRE A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES 117
Samara Maria Viana da Silva Lacerda

O PROJETO LOGOS E A FORMAÇÃO DE


PROFESSORES LEIGOS NO PIAUÍ (1973-2001)
135
Djane Oliveira de Brito

A CIDADE E AS LETRAS: A MODERNIZAÇÃO


DO ENSINO PRIMÁRIO EM PARNAÍBA-PI NAS 157
PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
Maria Dalva Fontenele Cerqueira

TECENDO HISTÓRIAS SOBRE A FORMAÇÃO


DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA NO PIAUÍ: 179
DA FAFI À UFPI
Neuton Alves de Araújo
José Augusto C. Mendes Sobrinho

SOBRE A GÊNESE DA
PÓS-GRADUAÇÃO NO BRASIL 211
Francisco Antonio Machado Araujo
Maria Vilani Cosme de Carvalho

SOBRE OS AUTORES 229


PREFÁCIO
TRAJETÓRIAS DE PESQUISA:
CONTRIBUIÇÕES PARA HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO NO PIAUÍ

Marcelo de Sousa Neto1

D
ebruçarmo-nos na pesquisa da história da
educação e seus fundamentos em nosso país,
o mesmo podendo ser dito a respeito do Piauí,
significa aceitar os desafios da empreitada e ter a sensibilidade
de perceber a existência de mecanismos de controle e
funcionamento que remontam à organização do sistema
colonizador da América portuguesa. Entre suas estratégias de
controle, destacaram-se os interditos às estruturas de ensino,
que atenderam ao entrelaçamento entre opções políticas e
convicções religiosas de seus dirigentes que, dentre as várias
estratégias de controle negociadas entre a Metrópole e a
Colônia, estabeleceu-se um eficiente aparato de restrição ao
acesso público às letras (SILVA, 2007).


1
Professor Associado do curso de História da Universidade Estadual
do Piauí e da Pós-graduação em História da Universidade Federal do
Piauí. e-mail: marcelo@ccm.uespi.br

PREFÁCIO
TRAJETÓRIAS DE PESQUISA: CONTRIBUIÇÕES PARA
7
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO PIAUÍ
Mesmo regiões marginais da empresa colonial portuguesa,
como as áreas de criatório, não escaparam aos mecanismos
de controle promovidos pela Coroa. Em áreas de criatório, a
exemplo das terras pertencentes hoje ao Piauí, que tiveram um
processo de colonização pautado na pecuária e delineado sob
a marca dos conflitos de terras entre sesmeiros e posseiros, o
desenvolvimento da instrução formal foi marcado pelo signo
da falta de recursos financeiros e pela carência de professores
habilitados para exercerem as atividades de ensino, freando,
portanto, a efetiva implantação de uma educação escolar.
Essa carência na instrução formal no Piauí, em seu
período colonial, pode encontrar explicação na dificuldade de
sua implementação por “ter a sociedade piauiense sido calcada,
essencialmente, na criação de gado vacum e no latifúndio. Isto
gerava fenômenos como o da rarefação da população, além
de uma não necessidade de educação escolar com relação às
atividades produtivas e a fixação do homem na região” (LOPES,
1996, p.43).
Nas regiões com uma economia baseada no criatório,
as experiências educacionais que floresceram se ligavam,
sobretudo, ao meio rural e a um saber prático, influenciando a
história político-social desses locais. Em meio a esse contexto, no
Piauí, no início da organização de suas estruturas e estratégias
de ensino, Alcebíades Costa Filho assevera que,

a análise do material historiográfico produzido permite


observar que o sistema oficial de ensino tem sido o
elemento prioritário de estudo, ficando à margem as
formas alternativas de ensino. No geral, as abordagens
voltam-se para análise do sistema desvinculado do contexto
socioeconômico e concluem que, no século XIX, o referido
sistema fracassou. Dentre os fatores responsáveis por esse
insucesso, apontam: a falta ou ineficiência de escolas
oficiais, a carência de recursos financeiros e a inabilidade
do corpo docente (COSTA FILHO, 2006, p.10).

8 
O diferenciado formato de reocupação do território,
associado ao reduzido número de estudos acerca das
sociedades estabelecidas na região, contribuiu para a formação
da concepção de que suas relações sociais seriam mais simples
e com pequena diferenciação entre os sujeitos (MARTINS,
2002) que, por sua vez, levou a simplificações acerca de suas
estratégias de ensino.
Desta feita, justifica-se relembrar que, a partir do final
do século XVII e ao longo do século XVIII, o Piauí apresentou
lenta transformação em sua estrutura econômica (MARTINS,
2002), o que influenciou na sua organização socioeducacional,
fazendo surgir uma sociedade que, em seu início, não tinha
como uma de suas prioridades a educação escolar, dadas
as próprias necessidades de produção e sobrevivência que
prescindiam de um saber formal. Assim, relacionar educação
formal e estruturas produtivas faz-se necessário em razão de
preconceitos constituídos por uma parcela da historiografia,
que tende a simplificar estruturas extremamente complexas e
que se refletiram também sobre as discussões de suas formas
de ensino.
Deve, então, o pesquisador da história da educação
estar atento a esses aspectos acerca do processo educacional
piauiense e, em suas análises, observar de forma mais detida
suas peculiaridades, como a colonização de seu território, que
possuía um modelo econômico próprio baseado na pecuária
extensiva; o aspecto retardatário de implantação do sistema
oficial de ensino em relação a outras regiões do Brasil, e a
convivência do sistema oficial com formas alternativas de
ensino. Desta maneira, compreender a importância e o caráter
diferenciado de sua organização social e espacial, bem como
compreender a constituição das formas de ensino formal
no Piauí, não pode ser dissociado do contexto histórico-
econômico dos mesmos nos séculos XVIII e XIX, pois o processo

PREFÁCIO
TRAJETÓRIAS DE PESQUISA: CONTRIBUIÇÕES PARA
9
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO PIAUÍ
de constituição e desenvolvimento da instrução formal esteve
diretamente vinculado a suas estruturas produtivas.
Ao se deter o olhar sobre as primeiras experiências de
ensino formal no Piauí, pode-se perceber que, diferentemente
do que se poderia esperar de uma região na qual o saber formal
ofertado em escolas não representava uma prioridade para a
maior parte da população, a documentação e a literatura sobre
o tema põem em destaque a preocupação governamental com
as chamadas Aulas Públicas2, algo que ganhou maior ressonância
a partir do início do século XIX.
As iniciativas desses governantes, no entanto, ficaram
restritas mais a discursos do que a ações, frequentemente
solicitando criação de escolas em suas falas, mas não oferecendo
solução ao problema (SOUSA NETO, 2015). As Cadeiras de
Instrução, quando criadas, não eram providas ou, se providas,
muitas vezes não funcionavam, resultado do modelo adotado
de Instrução Pública, inadequado aos interesses da maioria da
população, tendo se desenvolvido “de modo lento, insuficiente
para o atendimento da população e permeada de criações e
extinções de escolas, devido à própria organização da produção
e do trabalho e ao modo como este vai se povoando” (LOPES,
1996, p. 39).
Assim, no Piauí, e por todo o Brasil, frente à ineficiência
das ações públicas, surgiram paralelamente formas alternativas
de ensino, a exemplo das escolas familiares ou domésticas, modelo
que perdurou para além do período colonial, no qual o ensino
era ministrado no espaço doméstico por familiares letrados,
religiosos ou mestres contratados (VASCONCELOS, 2005).
Nessas escolas, ministravam-se aulas ligadas a um saber formal,


2
Após a expulsão dos Jesuítas, o termo Escola era utilizado com o mesmo
sentido de Cadeira ou Aula. Cada Aula, de responsabilidade de um
único professor, representava uma unidade escolar, uma Escola ou Aula
Pública.

10 
mas também ligadas a um saber prático, focado na lida diária
da vida no campo, representando uma tentativa de preencher
o vazio deixado pela escola pública e responder às necessidades
locais.
Logo, ao se olhar de forma mais detida para a organização
da Instrução Pública no Piauí, percebe-se que, em seus
primeiros séculos, ela se caracterizou por sua condição precária,
inconstante e pelo reduzido alcance social, como resultado
de uma série de fatores que se interpenetraram, podendo ser
destacadas as distâncias entre escolas e alunos, distâncias
físicas e de interesses; a inadequação da estrutura do sistema
de ensino em relação à estrutura socioeconômica; a falta de
recursos a serem investidos e a carência de pessoal qualificado
e interessado no exercício do magistério (SOUSA NETO, 2013),
aspectos que reverberaram ao longo do tempo e que deixaram
marcas que se alongaram ao século XX, ampliando o desafio
aos que se dedicam ao estudo da história e dos fundamentos
da educação no Piauí.
A atenção a alguns desses aspectos se encontram em
destaque nas pesquisas que originaram a presente obra,
fazendo-nos perceber que o desafio de investigar a história da
educação e seus fundamentos tem, a cada dia, despertado a
atenção de um número crescente de pesquisadores, fenômeno
também percebido na historiografia piauiense, refletido no
forte crescimento de pesquisas sobre a temática e que encontra
na presente coletânea, Percursos de Pesquisas em História da
Educação, um importante esforço na divulgação destas.
Atento a diferentes temas, objetos e metodologias de
pesquisa, o livro se encontra estruturado em duas grandes
partes, cujos títulos são História, Educação e Sociedade, e História,
Memória e Educação Escolar, com o intuito de aproximar interesses
e metodologias afins e, assim, conferir uma maior articulação
entre as pesquisas apresentadas e os interesses dos leitores.

PREFÁCIO
TRAJETÓRIAS DE PESQUISA: CONTRIBUIÇÕES PARA
11
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO PIAUÍ
Em sua primeira parte, História, Educação e Sociedade,
encontramos a contribuição de Luís Távora Furtado Ribeiro,
intitulada História social e de uma personagem da educação na literatura
clássica e popular, que trata do nordeste brasileiro, especialmente
sobre o Ceará no tempo da severa seca de 1915, apresentando
uma sociedade e uma economia de subsistência sem geração
de excedente, devastada pela estiagem, tomando por livro base
para suas discussões “O Quinze”, de Rachel de Queiroz, de
1930.
Em seguida, encontramos o capítulo intitulado Educação,
história e memória cultural de Ilha grande do Piauí: o olhar do griô Zé
Santana (1970-2015), de autoria de José Marcelo Costa dos
Santos e Maria do Amparo Borges Ferro. Neste capítulo, os
autores se debruçam sobre a ação cultural de Raimundo José do
Nascimento, o griô Zé Santana, e sua influência na educação,
história e cultura do povo do município de Ilha Grande do
Piauí, no recorte de 1970 a 2015, analisando sua influência na
educação, história e cultura dos ilhagrandenses, investigando,
ainda, como se deu o seu processo de formação como um
educador cultural.
Maria Escolástica de Moura Santos e Mayara Macedo
Melo nos apresentam o capítulo Trabalho e educação da infância
pobre na proposta da FUNABEM (1964-1990): adaptação e reprodução
das desigualdades sociais. Neste, as autoras analisam as políticas
de educação para crianças pobres no período da Ditadura
Militar brasileira, a partir da revisão de literatura e de análise
documental que demonstram que a política nacional do bem-
estar do menor desdobra-se de forma gradual por meios de
duas linhas de ação, a primeira é a terapêutica, constituída de
um conjunto de ações interventivas destinadas a atender os
menores definidos como carentes e os de condutas antissociais e,
a segunda é a preventiva, composta por programas que visavam
atender as crianças e os adolescentes que se encontravam em
vias do processo de marginalização.

12 
A segunda parte do livro, História, Memória e Educação
Escolar, inicia-se com o capítulo Picos e a consolidação de sua
rede escolar, de Jane Bezerra de Sousa. No capítulo, Jane
Bezerra analisa o processo de consolidação da rede escolar
da cidade de Picos-PI, ocorrido entre os anos de 1929 a 1949,
em que trata da estruturação da rede escolar picoense em
substituição ao ensino do mestre-escola na região que, para
a autora, manifesta-se pela implantação de escolas de ensino
regular, a exemplo do Grupo Escolar Coelho Rodrigues, Escola
Municipal Landri Sales, Instituto Monsenhor Hipólito e o
Ginásio Estadual Picoense. Em sua construção, para além do
processo de fundação destas instituições escolares, a autora
põe em evidência aspectos da cultura escolar, do cotidiano das
práticas pedagógicas adotadas e da participação da sociedade
na consolidação destas instituições educativas.
O capítulo Boletim informativo: reconstituição da história
do Centro de Tecnologia da UFPI através de escritos de professores,
de autoria de Magnaldo de Sá Cardoso e Maria do Amparo
Borges Ferro, dá sequência à obra. Neste estudo, os autores
apresentam a análise da primeira edição do Boletim Informativo
do Departamento de Estruturas do Centro de Tecnologia,
da Universidade Federal do Piauí, de junho de 1985, e suas
reverberações naquele Centro. Em sua escrita, os autores
procuram, a partir de pesquisa de natureza qualitativa, discutir
como a iniciativa de publicação do periódico influenciou na
formação continuada e na prática de ensino de seu corpo
docente.
Na sequência, encontramos o capítulo Escola Técnica Federal
do Piauí: um olhar sobre a formação dos professores, de Samara Maria
Viana da Silva Lacerda, que propõe analisar a formação de
professores na Educação Profissional no Piauí, oportunidade
que procura discutir a importância da formação de professores
para a educação profissional, adotando a metodologia da
História Oral como ferramenta de pesquisa.

PREFÁCIO
TRAJETÓRIAS DE PESQUISA: CONTRIBUIÇÕES PARA
13
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO PIAUÍ
Djane Oliveira de Brito nos traz como contribuição o
capítulo O Projeto Logos e a formação de professores leigos no Piauí
(1973-1993), estudo que problematiza o Projeto Logos no Piauí,
que se configurou como importante política pública para a
formação de professores leigos no Brasil, adotando para seu
estudo o recorte temporal de 1973 a 1993, anos do início e do
final de funcionamento do curso no Piauí.
Maria Dalva Fontenele Cerqueira nos contempla com
o capítulo A Cidade e as Letras: a modernização do Ensino Primário
em Parnaíba-PI nas primeiras décadas do Século XX, em que procura
discutir o processo de modernização da educação escolar,
significado por meio da construção do Grupo Escolar Miranda
Osório, na década de 1920, na cidade de Parnaíba-PI. Para a
autora, a construção do Grupo Escolar insere-se como parte
do processo de modernização escolar da cidade de Parnaíba,
que resultou na construção de uma rede de escolas públicas
municipais na cidade e na adoção de um programa escolar que
passou a ser modelo para as escolas estaduais.
Na sequência, temos o capítulo Tecendo histórias sobre a
formação de professores de matemática no Piauí: da FAFI à UFPI, de
Neuton Alves de Araújo e José Augusto Mendes Sobrinho.
Neste estudo, os autores dedicam-se a contextualizar aspectos
históricos da formação de professores de Matemática no estado
do Piauí, desde a criação da Faculdade Católica de Filosofia
do Piauí – FAFI, aos dias atuais, na Universidade Federal
do Piauí -UFPI. Como metodologia de pesquisa, adotam
a História Oral e a pesquisa bibliográfica, contribuindo,
assim, significativamente com a historiografia da Educação
Matemática no Brasil e no Piauí, bem como abordam a
implantação dos Cursos de Licenciatura no Piauí, tendo como
ponto de partida a criação da FAFI.
Por fim, encerrando a obra, temos o capítulo Percurso
histórico da pós-graduação no Brasil: uma análise dos Planos Nacionais

14 
de Pós-Graduação, de autoria de Francisco Antonio Machado
Araújo e Maria Vilani Cosme de Carvalho, que discute a
institucionalização da Pós-graduação no Brasil, tomando
como referência os princípios, objetivos e diretrizes gerais
estabelecidos na legislação pelas agências reguladoras
durante as décadas de 1960 e 1970. Em sua construção, os
autores destacam que o delineamento da Pós-graduação no
Brasil foi definido por princípios, objetivos e diretrizes gerais
estabelecidos pelas agências reguladoras.
Esta obra coletiva significa, assim, um importante
esforço na direção da consolidação dos estudos em História
da Educação no Piauí, mas também o reconhecimento dos
permanentes desafios de pesquisa, seja pelas dificuldades
de acesso às fontes, seja pela infinitude de questionamentos
que lançamos aos objetos, o que torna ainda mais relevante
a construção da presente obra, fruto da energia e do labor
de pesquisadores mais jovens e pesquisadores experientes
oriundos de diferentes instituições. Dessa forma, lançam-se
olhares em diversas direções e focos, que resultam em uma
obra que enriquece nossa historiografia e servirá de referência
ao desenvolvimento de novas pesquisas.
Resta-nos, então, deixar o convite para que aproveitem a
leitura.

Referências

COSTA FILHO, Alcebíades. A escola do sertão: ensino e


sociedade no Piauí, 1850-1889. Teresina: Fundação Cultural
Mons. Chaves, 2006.

LOPES, Antonio de Pádua Carvalho. Beneméritas da instrução:


a feminização do magistério primário piauiense. Fortaleza-CE
[Dissertação de Mestrado], 1996.

PREFÁCIO
TRAJETÓRIAS DE PESQUISA: CONTRIBUIÇÕES PARA
15
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO PIAUÍ
MARTINS, Agenor de Sousa [et al.]. Piauí: evolução, realidade
e desenvolvimento. Teresina: Fundação Cepro, 2002.

SILVA, Adriana Maria Paulo da. Processos de construção


das práticas de escolarização em Pernambuco, em fins do
século XVIII e primeira metade do século XIX. Recife: Editora
Universitária da UFPE, 2007.

SOUSA NETO, Marcelo de. Entre vaqueiros e fidalgos:


sociedade, política e educação no Piauí (1820-1850). Teresina:
Fundação Monsenhor Chaves, 2013.

SOUSA NETO, Marcelo de. Escola para que? Escola para


quem? Os primeiros passos da instrução pública no Piauí
(1730-1824). Mneme - Revista de Humanidades, v. 15, n. 35,
p. 260-283, 17 out. 2015.

VASCONCELOS, Maria Celi Chaves. A casa e os mestres: a


educação no Brasil de Oitocentos. Rio de Janeiro: Gryphus,
2005.

16 
HISTÓRIA SOCIAL E DE UMA
PERSONAGEM DA EDUCAÇÃO NA
LITERATURA CLÁSSICA E POPULAR

Luís Távora Furtado Ribeiro

E
sse artigo é um ensaio sobre história social e de
uma personagem da educação a partir de três
livros clássicos da literatura. Apresenta um recorte
temporal de aproximadamente um século, tratando de
acontecimentos trágicos motivados pela pavorosa seca de 1915
que atingiu o nordeste brasileiro, particularmente o Ceará. O
resgate se baseia no romance O Quinze de Rachel de Queiroz,
um clássico da literatura modernista no romance regionalista
brasileiro. Além dele, se orienta nos relatos também clássicos
em literatura popular de cordel se utilizando dos livros A
Seca do Ceará de Leandro Gomes de Barros e de outro livro
em forma de folheto intitulado O Quinze, releitura em versos
do livro de Rachel de Queiroz, escrita numa adaptação por
Stélio Torquato. A jovem professora Conceição, brevemente
biografada aqui, é apresentada por Rachel de Queiroz como
leitora voraz e que recentemente “rabiscara dois sonetos” e que

HISTÓRIA SOCIAL E DE UMA PERSONAGEM DA EDUCAÇÃO 17


NA LITERATURA CLÁSSICA E POPULAR
até “escrevia um livro sobre pedagogia”. (QUEIROZ, 1993, p.
10)
Os três autores artistas de origem nordestina escrevem
sobre temas que podem ser sintetizados como: - a devastação
econômica e social provocada por uma terrível estiagem em
1915; - a desarticulação completa da economia local com a
mortalidade do gado e a perda de toda a produção agrícola
então voltada apenas para a subsistência; - o movimento
populacional provocado pela emigração de famílias inteiras; -
a origem desses movimentos migratórios em direção á capital
Fortaleza, aos seringais na Amazônia ou para suportar de
mão de obra a industrialização de São Paulo; - a atuação
assistencialista das classes proprietárias e do Estado para evitar
a violência e acalmar as enormes tensões sociais; - os dramas
pessoais e familiares de personagens sendo provocado pela
dissolução de quase todos os vínculos de coesão social em que
viviam antes; - com a devastação provocando uma completa
anomia com a quebra de toda organização social; - a corrupção
no desvio de recursos públicos destinados à assistência social;
- o retorno da calma e da ordem social com a volta das chuvas;
- a manutenção das antigas formas de propriedade e das
relações sociais anteriores baseadas no apadrinhamento, no
favor e na violência, sutilmente disfarçada; - a vida vazia de
sentido, medíocre, individualista e sem aspirações coletivas
de uma classe média apenas interessada na tranqüilidade de
um emprego público; - por fim, num olhar sobre educação e
história, na vida e atuação social de uma professora, iluminista
e intelectual, que se licencia do trabalho em Quixadá, vai
viver temporariamente em Fortaleza, tendo destacada ação
assistencial no campo de concentração de flagelados.
Escrevendo uma biografia de Antônio Gramsci (1891 –
1937), Aurelio Lepre o apresenta, na origem de sua militância
política como pertencente a um grupo peculiar que ele definia

18  Luís Távora Furtado Ribeiro


como uma “aristocracia da inteligência”, mesmo com sua origem
pobre. O autor assim o descreve: “Muitas atitudes de Gramsci
denotavam uma espécie de aristocratismo pequeno burguês,
uma atitude bastante difundida entre os intelectuais pobres,
mas orgulhosos de pertencerem, graças a seus conhecimentos
culturais, á aristocracia da inteligência. Gramssci ainda não
tinha nenhum interesse pelas classes populares”. Lepre (2001,
p. 25). A personagem Conceição, professora e intelectual,
filha de uma classe de proprietários de terra empobrecidos,
talvez pudesse receber seu destaque muito vaidosa como uma
pertencente a essa tal, “aristocracia da inteligência”.
A história social em questão é a da devastação do tecido
social cearense provocado pela inclemente estiagem de 1915,
agravada pela própria ordem social e econômica local. Quanto à
personalidade da educação, trata-se da personagem Conceição,
uma professora da região que trabalhava em Quixadá, região
do sertão onde se ambienta o romance. Tratando-se aqui
de uma mulher intelectualizada, apresentada nesse aspecto
como uma exceção meio iluminista diante de certo marasmo
cultural totalmente deslocada do contexto apresentado. Sua
presença e aquelas características pessoais podem ser o sinal
da necessidade de alguma forma de elevação social como uma
espécie de revolução burguesa, a necessidade de investimentos
externos, uma rebelião social contra o latifúndio ou alguma
outra saída em direção à ruptura com a velha ordem social que
se degradava.
Importa destacar que não será apresentada aqui
qualquer tipo de análise do valor literário das referidas obras
literárias, quando isso porventura acontecer, se tratará apenas
de observações decorrentes da mera admiração do leitor.
A escritora Rachel de Queiroz, nascida em 1910 escreveu
e publicou seu livro O Quinze aos dezoito anos de idade em
1930. Ela viria a falecer aos quase 93 anos de idade em 2003.

HISTÓRIA SOCIAL E DE UMA PERSONAGEM DA EDUCAÇÃO 19


NA LITERATURA CLÁSSICA E POPULAR
A referida obra se tornaria um clássico da literatura brasileira,
fazendo parte do grupo de publicações na década de 1930 que
seria reconhecido como o romance regionalista, vertente do
modernismo no Brasil.
Reafirmo que não tratarei aqui da análise ou de pelo menos
realizar comentários sobre o estilo da escritora cearense e dos
poetas populares pelo seu valor literário, lingüístico, semântico
ou algo semelhante. Essa breve análise se concentra então em
observar os atores sociais locais, a partir de personagens da
ficção, em algumas de seus dramas pessoais e sociais. Tem
como objetivo principal, apresentar aspectos históricos de sua
economia e sociedade em degradação. Além dele, apresentar
traços biográficos muito peculiares de uma personagem do
livro, a professora, intelectual e líder da assistência social,
a iluminista Conceição. Isso com a finalidade de traçar uma
espécie traços de papéis sociais dos atores sociais cearenses no
período histórico exato de cem anos atrás. Em particular em
história da educação, sobre traços biográficos de Conceição,
essa professora intelectualizada de papel destacado. Para
perceber que principais permanências ou mudanças, quais
transformações humanas ocorreram nesse intervalo de um
século. Importante dizer que não tratarei aqui desse intervalo
de tempo, ano por ano, década após década. Interessa aqui
tratar do extremo inicial, isto é, de 1915 com reflexões mais
breves sobre os dias atuais, quando escrevo em 2018. No caso
da atualidade, realizar breve reflexão sobre a profissão docente
hoje.
O interesse especial dessa pesquisa tem mais uma
coincidência geográfico – espacial com O Quinze, especialmente
no aspecto geográfico. O livro tem como ambiente e o enredo se
situa na cidade e na zona rural do atual município de Quixadá
no estado do Ceará. A escritora tinha uma propriedade rural
na região, a fazenda denominada “Não me Deixes”, que

20  Luís Távora Furtado Ribeiro


visitava frequentemente até sua morte em 2003 aos 92 anos
de idade. Ela nunca deixou de visitar o local, mesmo residindo
mais permanentemente na cidade do Rio de Janeiro. Observe-
se que essa história se realiza nas proximidades da zona rural
de Quixeramobim, no Ceará, municípios limite e de fronteira,
situado às vizinhanças de Quixadá. Quixeramobim foi a cidade
onde nasceu Antônio Vicente Mendes Maciel (1830 – 1897)
que migraria para o sertão da Bahia, onde se tornaria um
líder messiânico, liderando a comunidade de Canudos, sendo
imortalizado pelo nome Antônio Conselheiro.
Ressaltando as coincidências entre os dois municípios,
Quixadá e Quixeramobim, para além de ambos os seus nomes
serem de origem de populações, culturas e língua indígena,
ambos se localizam na mesma macro-região econômica e
geográfica do estado. Trata-se do chamado sertão central
cearense, que traz em si semelhanças importantes como
o mesmo perfil climático do semi árido, com suas chuvas
irregulares se concentrando em cerca de três meses no início de
cada ano.
Outro relato literário utilizado aqui é o da literatura
popular de cordel, que são pequenos livros, folhetos impressos
em tamanho reduzido com papel mais barato, que pode
ser vendido a preço acessível nas feriras livres do interior do
nordeste, sempre expostos pendurados em cordas, daí o nome
literatura de cordel
O primeiro livro pode ser considerado um clássico da
literatura popular nordestina, escrito por um autor que talvez
tenha sido um de seus maiores representantes e divulgadores,
como poeta e escritor. Trata-se do livro, impresso e adaptado
em forma de literatura de cordel intitulado “A Seca do Ceará”,
escrito originalmente em 1915 e publicado postumamente em
1921, da autoria do poeta, editor e divulgador Leandro Gomes
de Barros (1865-1918). Em sua vasta obra, Barros escreveu

HISTÓRIA SOCIAL E DE UMA PERSONAGEM DA EDUCAÇÃO 21


NA LITERATURA CLÁSSICA E POPULAR
cerca 240 livros de cordel, acreditando-se que pode ter vendido
mais de um milhão de exemplares. O livreto é escrito em 12
páginas, as três últimas divulgando uma reportagem da época,
e a reprodução em forma de desenho de dois quadros, Criança
Morta e Os Retirantes, de Cândido Portinari (1903–1962). Nas
nove primeiras páginas d’A Seca do Ceará vem o poema em si,
composto de 18 estrofes de dez versos cada uma, totalizando
180 versos. Cada um desses tendo sete sílabas cada um. No
relato da seca de 1915, um trecho do poema serve para ilustrar
a miséria e o desencanto geral: “Seca a terra as folhas caem,/
Morre o gado sai o povo.../ Em todo aquele sertão.../ Tudo
ali surdo aos gemidos/ Visa os espectros da morte... O filho
ultimando a vida... / Vendo a esposa soluçar/ Um adeus por
despedida”. (BARROS, 2018, p. 01 e 02)
Um segundo livro em Literatura de cordel é de autoria
do professor Stélio Torquato, que se auto - intitula como um
“adaptador” de clássicos da literatura, re contando inúmeros
textos literários, sempre na forma de poesia popular. Torquato
inclusive, re criou toda a obra de William Shakespeare (1564
- 1616), adaptando-a para literatura de cordel. Nesse caso,
trata-se do livro em cordel intitulado O Quinze, publicado em
2017. A impressionante narrativa traz 170 estrofes, cada uma
delas com sete versos, num total de 850 versos de sete sílabas.
Talvez por ser publicado pela mesma editora, o livro traz as
duas reproduções de Cãndido Portinari, Criança Morta e os
Retirantes. Revelando pessoas de diferentes idades revelando
seu desespero em suas expressões físicas e nos corpos contraídos
reveladores de uma magreza esquálida.
Esse contexto é captado com precisa descrição pela
poesia de Stélio Torquato, se reportando com muita fidelidade
ao relato original de O Quinze de Rachel de Queiroz. Afirma o
autor sobre uma jovem que emigrara fugindo da seca em seu
reencontro com antigas amizades: “Esquálida e mal vestida .../

22  Luís Távora Furtado Ribeiro


Tivera um triste destino.../ Sou sim, madrinha Inácia/ Acredite,
pois sou eu./ Não sabe o quanto sofri./ E vivo de esmola aqui,/
Com esse filhinho meu”. (TORQUATO, 2017, p. 33).
Com maestria, dramaticidade e diferentemente de outras
obras de Barros e Torquato escrevem, muito compreensivelmente
sem fazer muitas concessões ao humor.
Para além de semelhantes formas de organização social,
ressaltadas algumas diferenças, todos os municípios de sertão
central cearense têm praticamente a mesma origem histórica
e de propriedade latifundiária da terra, com trabalho de
agricultores e trabalhadores rurais que lidavam com o cuidado
do gado, os chamados vaqueiros. Além de cultivarem algumas
culturas agrícolas para mera subsistência com muito pouco
quase nenhuma geração de excedente para comercialização.
Resumindo, trabalhadores agregados, moradores na terra,
trabalhando como parceiros subordinados não proprietários,
produzindo com pouca tecnologia e baixos índices de
produtividade, muitas vezes em relações com os proprietários
marcadas pelo assistencialismo e pelo favor, pouco disfarçando
a exploração e a violência.
Como ganhos possíveis, aqueles trabalhadores do
campo, gozavam de direito, mesmo que precário de moradia
e trabalho, podendo ter iniciativas de algumas plantações e
criação de animais domésticos para a mera subsistência pessoal
e familiar. Em casos extremos, principalmente no passado,
esses trabalhadores agregados podiam servir como proteção
armada para o proprietário e suas posses em casos possíveis
e ocasionais de agressões ou em pequenas guerras e disputas
locais. Também retribuindo ainda com a fidelidade do voto
controlado nas eleições para cargos políticos nas diferentes
esferas de poder. (FACÓ, 1980).

HISTÓRIA SOCIAL E DE UMA PERSONAGEM DA EDUCAÇÃO 23


NA LITERATURA CLÁSSICA E POPULAR
História Social e Biografia de uma Professora na
Literatura

A seguir, relatos sobre a história social no nordeste


brasileiro, particularmente no Ceará e, na história da educação,
com a apresentação de dados biográficos de uma professora e
Intelectual cearense, personagem de ficção, muito importante
da literatura local. Baseado em O Quinze de Rachel de Queiroz,
o estudo também se apóia nos livros mencionados A Seca do
Ceará de Leandro Gomes de Barros e em O Quinze, adaptação
em versos de livro de Rachel de Queiroz por Stélio Torquato. Os
dois últimos, clássicos em versos de métrica e rimas, publicados
sob a forma de literatura de cordel.
Os enredos dos três livros tratam da devastadora seca
ocorrida no Ceará no ano de 1915 e que provocou profunda
desorganização produtiva e social com consequências
econômicas críticas e a quase completa destruição do tecido
social cearense no período Dentre outras, suas principais
conseqüências foram: - desarticulação de todo o sistema
produtivo local baseado na propriedade concentrada da
terra; - devastação de toda a economia da região baseada
numa produção para subsistência, caracterizada pela
baixíssima produtividade, com técnicas rudimentares e pouca
produtividade; - desagregação do tecido e dos vínculos sociais
locais agravados em eventos como a migração forçada,
aumento das taxas de mortalidade, principalmente infantil,
com o agravante do crescimento da violência e da anomia
social; - outra conseqüência é o efeito simultâneo do aumento
dos níveis de violência exigindo maior vigilância do Estado;
ao mesmo tempo que se desenvolvem formas tradicionais
de religiosidade, baseadas no conformismo e na resignação
para acalmar possíveis revoltas coletivas e tensões sociais; -
com o crescimento do assistencialismo, seja dos governos,

24  Luís Távora Furtado Ribeiro


seja por iniciativas particulares, sem o acompanhamento de
medidas necessárias para impulsionar mudanças na estrutura
produtiva ou social; - criação de zonas urbanas de aglomeração
e segregação de flagelados, com trabalho controlado e uma
rígida disciplina, os denominados, entre as décadas de 1920
e 1930 como “campos de concentração”; - a distribuição pelo
governo de gêneros de primeira necessidade, principalmente
alimentos, muito pouco variados e insuficientes, chamados “os
socorros públicos”; - essa iniciativa de política emergencial de
alimentação, sendo conseguida em troca da participação dos
homens, chefes de família e de seus filhos mais velhos, além de
algumas mulheres, em obras públicas em contrapartida pelo
recebimento da mencionada “ração de alimentos”.
O descalabro social é revelado nos três livros a exemplo
de Leandro Gomes de Barros ou em Stélio Torquato quando
eles o descrevem em versos memoráveis: Barros relembra: “Foi
a fome negra e crua.../ De uma vida provisória/ Foi o decreto
terrível.../ Autorizou que a fome/ Mandasse riscar meu nome/
Do livro da existência... A sentença foi cumprida.../ Tirou-lhe
de um golpe a vida”. Barros (2018, p. 03). Enquanto Torquato
se aprofunda em sua análise: “Dessa forma Chico Bento.../
Sem o emprego, como ele/ Poderia alimentar/ Os cinco filhos
que tinha/ E com a família ir embora.../ Iriam prá capital/ Dali,
eles, afinal/ Pro Amazonas partiriam.” (2017, p. 13).
Em seu relato literário clássico, Rachel de Queiroz traz
seu depoimento, na mesma direção dos poetas populares. Ela
fala dos migrantes “vendo morrer às centenas as criancinhas
trôpegas”, como vítimas inocentes da “mortandade impiedosa
daquele novembro horroroso”. Revelando ainda as ações de
caridade da intelectual e professora Conceição que em sua
“labuta caridosa... empregava o melhor de sua natureza... por
consumir todo o ordenado em alimentos... para os doentes do
Campo [de Concentração]. (QUEIROZ, 1993, p. 127)

HISTÓRIA SOCIAL E DE UMA PERSONAGEM DA EDUCAÇÃO 25


NA LITERATURA CLÁSSICA E POPULAR
O poeta Stélio Torquato, apresenta esses campos de
concentração, com fidelidade ao relato do texto original de
Rachel de Queiroz. O nome que eles receberam, sua localização,
a condição e o número de moradores, tudo isso é revelado:
“Chamavam –se tais lugares/ Campos de Concentração/
Lugares em que se via/ A cruel segregação/ No Alagadiço se
achava/ Um campo que congregava/ Oito mil homens então”.
Torquato (2017, p. 23). Como objetivo e com função de controle
das massas sociais contra possíveis rebeliões, o autor apresenta
sua finalidade: “Prá distribuir comida/ Aquela gente tangida/
Pela seca colossal.” E prosseguindo, fala do governo em
missão: “Para os saques impedir/ Com olhos bem vigilantes”.
(TORQUATO, 2017, p. 23).
Comprovando a única opção econômica e social
da excessiva dependência do clima, aliada a muito rígidas
estruturas se propriedade, sob o controle do assistencialismo
e da vigilância do Estado. O livro de Rachel de Queiroz ainda
revela em seu desfecho e desenlace final, no início do ano
seguinte, com a volta da estação das chuvas, com a ocorrência
de precipitações regulares, o retorno dos proprietários às suas
terras. Nela re encontram alguns moradores, trabalhadores
agregados que retornaram ou os poucos que permaneceram.
As divisões sociais mediadas pelo apadrinhamento e pela
excessiva separação e distinção entre as classes sociais se revela
numa cena final antológica, quando a literatura revela com
eloqüência, ao mesmo tempo, relações de proximidade e de
distanciamento social. Na referida cena, a matriarca proprietária
retorna à fazenda, sendo recebida com manifestações efusivas
de alegria pelos antigos moradores que restaram no local.
Na falta de animais de carga ou montaria, muitos mortos
outros ainda debilitados por tantos meses de estiagem, são
os felizes camponeses que se apresentam para o transporte
da fazendeira. Diz o livro: “Em casa do Major, ... a aguardava

26  Luís Távora Furtado Ribeiro


uma espreguiçadeira... Dona Inácia veio sentar na cadeirinha,
admirou-se: - Que é dos jumentos? ... O vaqueiro acudiu: -
Minha madrinha não tem os seus caboclos pra carregarem a
senhora? Por que se havia de botar animal tendo nós ... oito
homens!” (QUEIROZ, 1993, p. 142 e 143).
A aparente proximidade social e a camaradagem,
disfarçando um enorme distanciamento de posições sociais
bem definidas e delimitadas. O apadrinhamento “da mão
que eles beijavam num respeito filial.”, oculta um verdadeiro
fosso de distanciamento social entre os proprietários e seus
trabalhadores agregados. Tudo revelando ainda para além das
relações de dependência de moradia e trabalho, as diferenças
étnicas e raciais dos “caboclos” que solícitos, carregam a
senhora.
Recomeça assim o antigo ciclo virtuoso da produção
agrícola e da criação de gado, praticamente sem geração de
excedente econômico, com a baixa produtividade dificultando,
quase impedindo a produção desse excedente e a acumulação
de capital. Tudo combinado e complicado pela falta de algo que
se assemelhasse a uma revolução burguesa com o aparecimento
de uma classe trabalhadora assalariada. Solução discutível,
inviabilizada pela inexistência de investimentos externos ou
internos, fossem públicos ou estatais, que originassem alguma
forma embrionária, mesmo que rudimentar de capital.
Coincidentemente em 2018, o estado do Ceará, e em
toda a região nordeste brasileira, um século depois da tragédia
climática e social de 1915, estavam encerrando um ciclo
extremamente problemático de uma prolongada estiagem
que durou nada menos que 08 anos de secas, com estiagens
prolongadas nesses anos de poucas precipitações irregulares e
chuvas bem inferiores ao esperado.
Em todo esse período de quase uma década as chuvas,
que sempre ocorrem nos primeiros meses do ano, ocorriam

HISTÓRIA SOCIAL E DE UMA PERSONAGEM DA EDUCAÇÃO 27


NA LITERATURA CLÁSSICA E POPULAR
de forma irregular, caracterizadas por serem sempre abaixo da
média de histórica de precipitações. No Ceará, em sua vasta
região litorânea, e em algumas regiões de relevos, as serras,
as chuvas atingem uma média de 1.200 milímetros por ano.
Nas regiões do interior do estado, como a dessa pesquisa, o
sertão central, as precipitações pluviométricas podem atingir a
média de 800 milímetros de chuvas anuais. Entre 2010 e 1017,
o período chuvoso ficou sempre, ano a ano, sempre em níveis
bem inferiores a esses padrões.
Como conseqüências dessa escassez sem precedentes de
chuvas na região, como ocorria exatamente um século atrás, foi
o que provocou a queda acentuada da produção agrícola local,
além de perdas irreparáveis com a mortalidade de numerosos
rebanhos de gado, seja de bovinos, caprinos, até mesmo de
aves. Essa última, com perdas reduzidas pela existência de
criação de aves para comercialização em estruturas de empresas
que utilizam alimentação e cuidados sanitários, utilizando
rações balanceadas com origem também industrial. Quanto à
produção de laticínios para consumo urbano, produzido em
grandes empresas, ela só prosseguiu a custos econômicos muito
mais elevados. Dados mais precisos sobre essas referências na
economia podem ser acessados na página da secretaria de
Planejamento do Estado do Ceará.1
Como maior ameaça social, a queda dos níveis dos
rios e dos reservatórios de água, provocou séria ameaça de
racionamento e de desabastecimento de água, com ameaça
concreta de colapso de sua distribuição nas grandes cidades.
Houve ainda a interrupção quase completa da irrigação, onde
havia, em alguns locais do estado.
Retornando à média histórica de precipitações


1
Conferir: Perfil Geossocioeconômico: um olha para as macrorregiões
de Planejamento do Estado do ceará/ Fortaleza: IPECE, 2014. Dados
mais atualilzados estão disponíveis em WWW.ipece.ce.gov.br

28  Luís Távora Furtado Ribeiro


pluviométricas em 2018, os reservatórios mencionados
aumentaram seus níveis de acúmulo devido às chuvas,
minimizando as ameaças de crise de abastecimento hídrico em
todo o Ceará.
Num retorno aos enredos literários nos três livros
analisados, algumas saídas para o futuro podem ser
encontradas nessa biografia peculiar de uma mulher,
intelectual e professora, a iluminista Conceição, personagem
imortal de Rachel de Queiroz em O Quinze. Aqui apresentada
vinculando história social e história da educação a partir de
relatos de ficção literária de traços tão realistas. Enraizada
no seu tempo e em seu lugar social, em sua origem de moça
originária de classe branca e proprietária nos moldes de uma
peculiar aristocracia local, ela é caridosa, gastando seu tempo
e dinheiro no cuidado dos flagelados e na assistência social.
Mas ela é diferente de tudo e de todos que viviam ali, naquele
contexto aparentemente sem perspectivas de reforma ou
revolução social. Na região dos livros mencionados, não havia
inversões econômicas que sinalizassem para algum tipo de
mudança social qualitativamente significativa. Reformas sociais
que nunca aconteciam, talvez devido ao fato das classes sociais
locais serem tão débeis, tão frágeis, sem perspectivas.
A personagem Conceição, professora e intelectual,
era uma leitora voraz, como uma exceção a olhos vistos
naquele contexto de personagens pouco letrados, jamais
apresentados como apreciadores de livros ou freqüentadores
de bibliotecas e livrarias. Equipamentos culturais inexistentes,
nunca mencionadas nos três textos literários analisados.
Conceição possuía em sua estante uma centena de livros e já
havia lido todos, alguns mais de uma vez. Ela os considerava
“muito pobres” dizendo como num lamento, “já sei de tudo
decorado”. Segundo Rachel de Queiroz: “Aqueles livros - uns
cem, no máximo – eram velhos companheiros que ela escolhia

HISTÓRIA SOCIAL E DE UMA PERSONAGEM DA EDUCAÇÃO 29


NA LITERATURA CLÁSSICA E POPULAR
ao acaso... para saborear à noite. Como “um tratado em
Francês, sobre religiões.” (QUEIROZ, 1993, p. 08-09).
O trabalho docente é apresentado no livro na viagem de
férias para a fazenda para o cuidado da avó e para reencontrar
“os seus livros”. A professora retornava ano após ano, nas
férias, visivelmente fatigada quando: “Chegava sempre
cansada, emagrecida pelos dez meses de professorado”.
A moça de 22 anos preocupava a avó, porque tinha umas
“ideias” e se expressava de modo que muito inquietava a velha
protetora porque: “Chegara a se arriscar em leituras socialistas,
e justamente dessas leituras é que lhe saíam as piores das tais
ideias.” (QUEIROZ, 1993, p. 09-10)
A jovem vive um amor cheio de afeto por Vicente, que
numa festa animada ao som do gramofone dançava com a
prima que “saiu dançando muito orgulhosa do cavalheiro”
um proprietário muito bonito, apresentado como bastante
ligado à terra, muito bronco, casmurro, personagem literária
secundária, sem muitas amizades e com pouca vida social. O
romance da professora com o vaqueiro não vai adiante. Há
um abismo entre eles, talvez revelando a interdição do futuro
daquela sociedade sem perspectivas. Na derradeira cena do
livro, Conceição vê Vicente partir cavalgando e “sumir-se no
nevoeiro dourado da noite”. (QUEIROZ, 1993, p. 149). Stélio
Torquato, vai transformando essa cena da separação em versos:
“No nevoeiro dourado/ Daquela noitinha então,/ Conceição
o viu sumir/ Em seu cavalo alazão/ Na serra o estranho
vulto,/ Sumia o vaqueiro inculto/ Como uma assombração”.
(TORQUATO, 2017, p. 37)
O casal que se aproxima muito e definitivamente se
afasta, parece representar os acordos entre as frágeis classes
médias intelectualizadas e as classes proprietárias da peculiar e
limitada aristocracia local. Não há acordo possível entre elas.
Nem há saídas para o futuro. Pelo menos cem anos atrás.

30  Luís Távora Furtado Ribeiro


A professora Conceição tem seu destino traçado. As
palavras da literatura são fortes, definitivas, soando como
um oráculo de previsões tristes de separações inconciliáveis. A
ela é destinada a solidão. A interdição das mudanças naquele
contexto histórico de impossíveis reformas apresentadas como
sendo inatingíveis, irrealizáveis. Não há consciência da luta
entre as classes, nem qualquer acordo possível entre elas.
A irmã de Vicente viu nele “um grande industrial, um galã
de Esrich...”. Mas tudo foi “embaraçado, desfeito”. Como um
sonho terminado que demoraria a se realizar. Tudo retorna
ao mesmo lugar de antes, mesmo quando após as chuvas “o
dinheiro circulava alegremente”. A personagem Conceição,
professora e intelectual, nos relatos literários não poderia
realizar mudanças sozinha. Ela se conforma e afirma sem meias
palavras e com certa desilusão: “Nasci prá viver só”. (QUEIROZ,
1993, p. 148)
Para a professora, e as demais personagens, o desenlace
do romance e o amor desfeito não impedem o curso do
tempo que, naquela ordem social que mudava, para que tudo
retornasse e permanecesse onde sempre esteve. Conceição
permanece em Fortaleza, não retorna a Quixadá, apesar de
saber que as “aulas só reabrem no dia 15”. Tudo vai retornando
ao que era antes. Mudanças mais estruturais seriam lentas e
mesmo elas, um século depois não seriam muito animadoras.

A Professora Conceição, se ela vivesse nos dias de hoje

Muitas mudanças ocorreriam desde então passados


cem anos em 2018, segundo a imprensa atual que divulga as
informações seguintes: - dados do governo central apontaram
leve melhora nos números do emprego; - o país contabilizava
na segunda década do século XXI, algo em torno de 12 milhões
e novecentos mil desempregados; - além deles, há quatro

HISTÓRIA SOCIAL E DE UMA PERSONAGEM DA EDUCAÇÃO 31


NA LITERATURA CLÁSSICA E POPULAR
milhões e oitocentos mil desalentados, já nem procuram mais
emprego; - os indicadores da avaliação nacional da educação
escolar agora universalizada, seguem permanecendo em
níveis muito baixos, tendo leves melhoras em apenas cinco
dos vinte e sete estados da federação; - no final do mês de
agosto, o Supremo Tribunal aprova a liberdade irrestrita para
a contratação de trabalhadores terceirizados para atividades
fim; - na economia, o dólar se valoriza, seguindo o movimento
dos últimos dias, com a depreciação, desvalorização da
moeda local;- no esporte, três valorosos times se classificam
para a próxima fase do campeonato sul americano de futebol,
sugestivamente denominado: Copa Libertadores da América.
Folha de São Paulo e Portal de Notícias UOL (Notícias de 30/08
e 31/08/2018). Como se percebe, significativas, inegáveis
mudanças aconteceram no intervalo de um século. Mudanças
socialmente conservadoras, muito significativas.
Esse artigo relata a história social e a vida de uma
professora, na época da devastação provocada pela grande
seca de 1915 revelada em três livros de literatura. Passado
exatamente um século da tragédia climática e social de 1915, as
chuvas retornam ao Ceará após longa estiagem em 2018. Como
vemos, pelas notícias de jornal desse mês de agosto, haveria
muitas mudanças nessa distância de um século. Nas primeiras
décadas do século XXI, tudo seria muito, muito diferente.
Nesse breve estudo, uma homenagem à professora e
intelectual Conceição, personagem imortal de nossa literatura,
que serviu aqui para este ensaio de uma biografia, resgatando
temas de nossa história social e da história da educação. Com
ela, todas as honras aos professores e às professoras, que
escrevem no seu dia – a – dia o que pode haver de melhor e mais
significativo em nossa história.
Essa personagem Conceição, imortal criação literária de
Rachel de Queiroz com seus traços reais, era uma professora,

32  Luís Távora Furtado Ribeiro


que aliava paixão intelectual e uma prática social baseada na
caridade e na assistência aos flagelados. Ela viveu em 1915, tempo
de uma seca destruidora e devastação social. Pode-se indagar
para uma reflexão histórica sobre a contemporaneidade, como
viveria aquela professora se existisse um século depois em 2018.
Trata-se de outro exercício de ficção com muitos traços reais.
As professoras e professores vivem hoje tempos de
profissionalização da carreira docente. Muito longe do
amadorismo de tempos passados. Essa profissionalização se
realiza em experiências como: - ingresso no serviço público por
concurso; - formação, preparação para o trabalho em cursos
superiores de licenciatura; - pertencimento a uma profissão com
planos de remuneração salarial e carreira; - estabelecimento de
um piso salarial nacional; - gozo de direitos trabalhistas como
férias, descanso semanal e licenças remuneradas; - formação
continuada, inclusive em pós – graduação, sob responsabilidade
ou apoio das agências contratantes, sejam secretarias de
educação ou escolas; - possibilidade de se retirar ao fim da
carreira através do direito á pensão ou aposentadoria.
Vale dizer, que todos aqueles direitos profissionais
conquistados, encontram-se atualmente sob ataque. Ele se
revela através de mecanismos de incentivo á precarização
das relações de trabalho em iniciativas como a admissão por
contratos temporários sem direitos ou proteção, com formação
ligeira algumas vezes realizada em programas de fins de semana
ou à distância. Como na precarização das relações de trabalho
atuais em geral, esse modelo tem por finalidade a redução da
massa salarial paga aos trabalhadores, em última instância,
promovendo ainda mais a concentração de capital.
Para além desse contexto, em acordo com Ribeiro (2018),
o atual modelo é caracterizado pelo excessivo e onipresente
controle do trabalho do professor Pela restrição de seu tempo
e iniciativas, o que vai aos poucos minando sua criatividade,

HISTÓRIA SOCIAL E DE UMA PERSONAGEM DA EDUCAÇÃO 33


NA LITERATURA CLÁSSICA E POPULAR
ocupando e devastando seu tempo livre, esgotando e exaurindo
suas melhores energias.
Há dois grandes momentos desse movimento: o
primeiro, o excessivo número de relatórios, planos e avaliações,
a participação em inúmeros projetos. Não esquecendo o
estafante e, muitas vezes improdutivo esforço e assiduidade
exigida para a participação em inúmeras reuniões. O segundo
aspecto desse controle do seu tempo é a utilização das
antigas e novas tecnologias como forma de controle imediato,
permanente, exercida em tempo real. Preenchimento da
freqüência de estudantes a cada aula, registro de conteúdos
ministrados a cada hora, preenchimento de diversos planos e
relatórios, a comunicação permanente com grupos de discentes
com postagens de textos, notas de aula, grupos de discussão e
para recados e avisos em geral.
Ressaltando a praticidade e a facilidade da comunicação
atual em seu potencial pedagógico, todo esse contexto faz
parte da submissão a um novo ator invisível e onipresente
que educadoras e educadores denominam com uma palavra
eloqüente: o sistema. Todo ele bem azeitado em seu objetivo
de limitação de sua liberdade, servindo para o controle do
trabalho docente. E que o torna mais estressante, limitado e
pouco produtivo.
A iluminista, professora intelectualizada e de liderança
social assistencial comprovada Conceição de O Quinze, caso
vivesse hoje, um século depois, veria serem reduzidos tanto seus
salários, quanto seus recém conquistados direitos sociais, vendo
ser combatido, adiado e aviltado seu direito à aposentadoria.
Além disso, teria seu tempo, suas energias e criatividade serem
invadidos pela burocracia.
Mas permaneceria viva sua missão de difundir e
democratizar a cultura, apoiar e difundir o conhecimento
produzido pela humanidade para as novas e as antigas gerações.

34  Luís Távora Furtado Ribeiro


A intelectual e professora Conceição era originária de um
contexto sem perspectivas históricas visíveis, pouco realizáveis
em 1915. Nos dias atuais, junto com as demais professoras e
professores, teria muitas lutas a vencer para reconquistar seus
direitos sociais. Haveria muito trabalho pela frente. Não lhes
faltaria disposição. Pois, como diria Stélio Torquato em seus
versos de literatura de cordel inspirados em Rachel de Queiroz
n’O Quinze: “Achou que em menos de um mês.../ A vida
renasceria/ Com toda sua robustez.../ Alegrando Conceição.../
E muita energia tinha”. (TORQUATO, 2017, p. 35). Com luta e
organização, melhoras poderiam vir, talvez em pouco tempo.

Referências

BARROS, Leandro Gomes de. A Seca do Ceará. Literatura de


Cordel. Fortaleza; Cordelaria Flor da Serra, 2017

FACÓ, Rui. Cangaceiros e Fanáticos. Rio de Janeiro; Editora


Civilização Brasileira, 1980.

FIORI, Giuseppe. A Vida de Antonio Gramsci. Rio de Janeiro:


Paz e Terra, 1979.

LEPRE, Aurélio. O Prisioneiro: a vida de Antonio Gramsci. Rio


de Janeiro? Record, 2001.

QUEIROZ, Raquel de. O Quinze. São Paulo: Siciliano, 1993.

RIBEIRO, Luís Távora F. Totalidade social, contemporaneidade,


memórias, educação: a interdição do futuro no mundo em
pedaços. Tese. (Professor Titular). Faculdade de Educação da
Universidade Federal do ceará. Fortaleza, 2018.

HISTÓRIA SOCIAL E DE UMA PERSONAGEM DA EDUCAÇÃO 35


NA LITERATURA CLÁSSICA E POPULAR
_______. Pobres e remediados na terra do sol: um estudo a
partir dos clássicos da literatura. Fortaleza: Edições UFC, 2014.

TORQUATO, Stélio. O Quinze. Literatura de Cordel. Fortaleza;


Cordelaria Flor da Serra, 2017

36  Luís Távora Furtado Ribeiro


EDUCAÇÃO, HISTÓRIA E MEMÓRIA
CULTURAL DE ILHA GRANDE DO PIAUÍ:
o olhar do Griô Zé Santana (1970-2015)

José Marcelo Costa dos Santos


Maria do Amparo Borges Ferro

N
osso estudo contempla aspectos da educação,
história e memória cultural do povo de Ilha
Grande do Piauí, no seio da Ilha Grande de
Santa Isabel – a maior ilha do Delta do Rio Parnaíba, a partir do
fazer do griô1 Zé Santana que, dentre outras ações, se dedicou
a contar e cantar peculiaridades dessa comunidade em suas
produções ao longo de décadas.
O recorte temporal de 1970 a 2015 compreende o
período de participação de Zé Santana na cultura e educação
da cidade, por meio das suas atividades como líder de grupos


1
Nomeação dada ao indivíduo que desenvolve atividades na comunidade
em que vive, fazendo com que os habitantes o reconheçam como um
líder, um figura de expressão que representa e multiplica uma cultura
(PACHECO, 2006).

EDUCAÇÃO, HISTÓRIA E MEMÓRIA CULTURAL DE ILHA GRANDE DO PIAUÍ: 37


O OLHAR DO GRIÔ ZÉ SANTANA (1970-2015)
de brincadeira de boi2, animador do grupo das pastorinhas,
repentista, cantador, dentre outras. O objeto de estudo se
entremeia com a seguinte problemática: “Como a ação cultural
do griô Zé Santana contribuiu para a educação, história e
cultura do município de Ilha Grande do Piauí, tornando-o um
educador cultural?”.
O objetivo geral da presente pesquisa foi interpretar
a ação cultural desse griô e sua influência na educação,
história e cultura dos ilhagrandenses, verificando como se
deu o seu processo de formação como um educador cultural.
Especificamente, almejamos: relacionar o acervo escrito de
Zé Santana com aspectos da educação, história e memória
cultural de Ilha Grande do Piauí; analisar o fazer desse griô
como um possível educador cultural; e mostrar a importância
da utilização do acervo escrito de Zé Santana como material
educativo para as escolas do citado município.
Tal pesquisa se justifica a partir do entendimento de
que a relação entre educação, história, cultura, memória e
literatura possibilita formas de pensar o processo de ensino e
de aprendizagem de forma dinâmica, considerando múltiplas
possibilidades de aprender e ensinar, como bem o fez Zé
Santana.
Compreendemos que esses elementos estão relacionados
a ações que podem ser desenvolvidas na escola, mas também
em outros contextos, dada a própria abrangência da educação
na vida do homem, considerando que “Ninguém escapa da
educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo
ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela”
(BRANDÃO, 2007, p. 07).
Ensinar e aprender são atos que se constituem
intrinsecamente e dão vazão a práticas de construção de


2
Assim denominadas as rodas de bumba-meu-boi da região.

38  José Marcelo Costa dos Santos • Maria do Amparo Borges Ferro
saberes, em diferentes perspectivas. Dessa forma, o trabalho
que propusemos se constitui na ótica de educação a partir de
ações voltadas à cultura, em diferentes possibilidades de ensino
e de aprendizagem.

Enlace teórico: aspectos de história, memória e cultura

A história, como registro e expressão da habilidade


humana de habitar, construir e transformar espaços ao longo
dos tempos, se relaciona e se complementa nos processos de
formação das sociedades. Atualmente, muitos pesquisadores
têm se dedicado ao estudo de campos mais específicos das
comunidades como, por exemplo, a vida dos moradores,
suas formas de ser e habitar o território, suas maneiras de
comunicação, seus hábitos, costumes, sua cultura e suas formas
de educar em contextos não, necessariamente, escolares.
Esse novo sentido dado aos estudos históricos foi
denominado de Nova História ou Novo Paradigma, que
se caracteriza por ser “a história escrita como uma reação
deliberada contra o ‘paradigma’ tradicional, [...] posto em
circulação pelo historiador de ciência americano Thomas Kuhn.
[...] A base histórica e filosófica da nova história é a ideia de
que a realidade é social ou culturalmente constituída” (BURKE,
1992, p.10-11).
Tratando de aferições sobre esse campo de estudo,
necessário é enfatizarmos as contribuições de Lucien Febvre
e Marc Bloch, que tiveram relevante importância nos novos
estudos em história com a criação dos Annales.

Originalmente chamada Annales d’histoire économique et


sociale, tendo por modelo os Annales de Géographie de Vidal
de la Blache, a revista foi planejada, desde seu início, para
ser algo mais do que uma outra revista histórica. Pretendia
exercer uma liderança intelectual nos campos da história

EDUCAÇÃO, HISTÓRIA E MEMÓRIA CULTURAL DE ILHA GRANDE DO PIAUÍ: 39


O OLHAR DO GRIÔ ZÉ SANTANA (1970-2015)
social e econômica. Seria o porta-voz, melhor dizendo, o
alto-falante de difusão dos apelos dos editores em favor
de uma abordagem nova e interdisciplinar da história
(BURKE, 1991, p. 33).

Nessa versão nova de ver e produzir história criou-se


um olhar interdisciplinar, onde a história não se isola em
seu campo, ao contrário, estabelece conexões e auxilia nos
estudos da antropologia, das artes, da literatura, economia,
psicologia, sociologia, dentre outros ramos, tendo em vista que
o historiador sai do seu “campo fechado” e adentra a outros
contextos com intuito de entender e produzir história para
além dos cânones.
Burke (2005) salienta que a Nova História ou História
Cultural surge em um momento de ruptura dos padrões
instituídos, uma “virada cultural”, impulsionada pela
aproximação de expressões e diagnósticos culturais com os
estudos de vários campos como, a economia, a política e as
ciências que estudavam a sociedade, bem como a atividade
de rever indagações sobre aspectos até então não levados em
conta nas pesquisas em história, como é exemplo o estudo da
cultura da pobreza, da cultura do medo, etc.
Segundo esse autor, esse processo suscita diversos
percursos para que o historiador possa desenvolver estudos
dessa natureza, sendo que o primeiro se insere na utilização das
delimitações e classificações que, em alguns aspectos, podem
dar determinada sistematização, categorização, ao universo
perceptível onde a percepção do tido como real pode se dar a
partir de representações de um grupo.
Nesse âmbito, Chartier (1990) considera que é possível
construir variáveis, tendo como referência os meios intelectuais
e as classes sociais, por meio das formas/modos partilhados e
estáveis referentes ao grupo em que são construídos.

40  José Marcelo Costa dos Santos • Maria do Amparo Borges Ferro
As representações do mundo social assim construídas,
embora aspirem à universalidade de um diagnóstico
fundado na razão, são sempre determinadas pelos
interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o
necessário relacionamento dos discursos proferidos com a
posição de quem os utiliza (CHARTIER, 1990, p. 17).

Nesse ensejo, as percepções em torno do social não são


indistintas, o que as tornam mecanismos de competição entre
os grupos que almejam ratificar suas ideias perante os outros,
apresentando-as com aquelas que detêm maior confiabilidade
e melhor regime de critérios (CHARTIER, 1990).
Os conflitos em torno das representações têm relevância
igual ao dos embates econômicos, todavia, embora a própria
história assim já tenha julgado, isso não pressupõe afastamento
do social (BOURDIEU apud CHARTIER, 1990). Desta feita,
segundo o autor em discussão, é impraticável ainda, buscar a
consolidação de discussões sobre a partilha entre o que seria
o campo estrutural, no qual a história se apoia em fontes
quantificáveis para reconstruir uma sociedade, e o campo
subjetivo, o das representações, onde a história se tece nas
veias da subjetividade dos discursos do pensamento humano.
Segundo Chartier (1990), o que é necessário, e já está
acontecendo, é a superação desse senso polarizador, que opôs
perspectivas estruturalistas e abordagens fenomenológicas,
traçando um olhar de binarismo engessado que não é mais
aplicável a essa questão. Ao elegermos Zé Santana – um
personagem à margem da história oficial, como objeto de
estudo, optamos por uma construção na perspectiva da história
cultural, que compreende a ação de diversos sujeitos que
habitam um espaço (a sociedade), engessado pelas convenções
e pelas relações de poder, mas que resistem para manter suas
tradições vivas na comunidade.
Considerando essa proposição, nos reportamos aos
estudos de Pierre Bordieu (2003), no que diz respeito aos

EDUCAÇÃO, HISTÓRIA E MEMÓRIA CULTURAL DE ILHA GRANDE DO PIAUÍ: 41


O OLHAR DO GRIÔ ZÉ SANTANA (1970-2015)
conceitos de campo, habitus e capital cultural. Segundo esse
autor, os campos “apresentam-se à apreensão sincrônica
como espaços estruturados de posições (ou de postos) cujas
propriedades dependem da sua posição nesses espaços e que
podem ser analisadas independentemente das características
dos seus ocupantes” (BORDIEU, 2003, p. 119). Ou seja, são
os espaços onde “duelam” os fortes e os fracos; compreendem
os cenários em que a frentes de disputa pelejam, para afirmar
o poderio que possa ditar as regras e as condutas a serem
seguidas pelos demais.
O confronto dentro desses campos é acirrado e construído
mediante o capital cultural, que Bordieu (2007) compreende
como um instrumento de hierarquização entre as classes
sociais, ou seja, aquilo que os grupos dominantes utilizam
para a manutenção das diferenças no contexto das sociedades,
considerando o conjunto de bens culturais acumulados pelos
membros desses grupos. O autor apresenta a ideia de capital
cultural sob três aspectos: no estado incorporado, no estado
objetivado e no estado institucionalizado.
No estado incorporado, o capital cultural é um
investimento do agente em si mesmo, o acúmulo de
conhecimentos possíveis de serem assimilados, aprendidos,
isto é, “sob a forma de disposições duráveis do organismo”
(BORDIEU, 2007, p. 74). Considerando essa ótica, podemos
relacionar o fazer de Zé Santana que assimilou, acumulou uma
gama de conhecimentos que se refletem no seu perfil eclético:
homem dotado de diversas habilidades que lhe permitem
manifestar as tradições culturais de Ilha Grande do Piauí e
ensinar a partir de sua ação cultural.
No estado objetivado, o capital cultural é construído
a partir da aquisição de bens, portanto, em caráter de
materialidade que cada indivíduo pode deter, isto é, “sob a forma
de bens culturais – quadros, livros, dicionários, instrumentos,

42  José Marcelo Costa dos Santos • Maria do Amparo Borges Ferro
máquinas que constituem indícios ou a realização de teorias ou
de críticas dessas teorias, de problemáticas, etc.” (BORDIEU,
2007, p. 74). Nesse sentido, fazemos menção ao acervo escrito
de Zé Santana, que reflete o povo do Delta do Parnaíba – os
ribeirinhos ilhagrandenses, em letras e cantos, além do fato de
que esse griô ensinou diversas pessoas no campo da linguagem
e do artesanato.
No estado institucionalizado é conferido ao indivíduo o
capital cultural por meio da certificação, do diploma, como
o escolar, por exemplo, “que é, supostamente, a garantia –
propriedades inteiramente originais.” (BORDIEU, 2007, p. 74).
Nesse viés, Zé Santana também pode ser relacionado, uma vez
que frequentou a instituição escolar em diversos momentos
da sua vida, atividades que lhe conferiram os certificados de
Auxiliar de Enfermagem e de conclusão do Ensino Médio.
Ressaltamos ainda, que esse griô possui uma certificação
empírica, conferida a partir dos saberes, dos ofícios, das
habilidades das quais é detentor. Nas hierarquias sociais, o
agente é direcionado a noções de conduta e comportamento,
uma espécie de mapa mental daquilo que é regra e o que é
obstrução desta na convivência em sociedade. Ocorre que o
agente não se limita a seguir, à risca, esses direcionamentos,
caracterizando o que Bordieu (2003, p. 125) chamou de
habitus, ou seja, um conjunto de “disposições adquiridas pela
aprendizagem implícita ou explícita que funciona como um
sistema de esquemas geradores [...] de estratégias”.
Segundo o autor, esses esquemas podem corresponder
àquilo que o indivíduo expressa como interesse, embora não
tenham sido criadas, exatamente, para essa função. Nesse
ensejo, o habitus compreende a ação ou o conjunto de ações
do indivíduo, que lhe permite ser criativo, modificar, sair do
que foi estipulado, ainda que seja conhecedor e praticante das
atribuições sociais impostas pela sociedade dominante. Zé

EDUCAÇÃO, HISTÓRIA E MEMÓRIA CULTURAL DE ILHA GRANDE DO PIAUÍ: 43


O OLHAR DO GRIÔ ZÉ SANTANA (1970-2015)
Santana, no campo em que é agente, atua a partir de um habitus
no qual faz uso do seu capital cultural para manifestar as
tradições culturais de Ilha Grande do Piauí, estabelecendo um
elo entre o povo e as tradições da comunidade, que se reflete
em aprendizado, permitindo que o griô eduque gerações de
moradores por meio das ações em torno dessas manifestações
culturais que realiza.
Nesse viés, a história cultural passa ter íntima relação
com a memória, entendida nesse estudo como mecanismo
que possibilita ao homem (re)viver momentos do passado, no
sentido de entender com estes ocorreram e de que forma eles
interferem no presente, pode ser acionada de forma individual,
porém, tendo uma caráter coletivo, pois a lembrança é
passível de interação entre indivíduos (HALBWACHS, 1990).
Não obstante reside a influência de tais reminiscências no
entendimento de como se processaram as práticas de educação
ao longo da história.
Halbwachs (1990) esclarece que o processo de
construção da memória ocorre durante toda a vida, de formas
diferentes. Esse autor enfatiza o caráter coletivo e o individual
da memória, atribuindo a ação das testemunhas (os agentes
que participam dos acontecimentos e que ajudam na formação
da lembrança) como condição para a formação das memórias,
ou seja, somos testemunhas uns dos outros porque ajudamo-
nos, mutuamente, a construir nossas lembranças sobre os fatos
vivenciados ao longo de nossa vida.
A pesquisadora Maria do Amparo Borges Ferro, na obra
“Cazuza e o sonho da escola ideal”, evidencia a influência
da experiência do presente na interpretação da memória, no
sentido de que esta possibilita processos de reconstrução e
ressignificação de eventos já vividos e acionados.

A memória é sempre uma interpretação influenciada pela


experiência do presente. Todo o trabalho do historiador é
uma representação do passado. Mas, é além disso, uma

44  José Marcelo Costa dos Santos • Maria do Amparo Borges Ferro
seleção do que é considerado importante. A memória
constrói, reconstrói, reelabora e ressignifica o passado
(FERRO, 2010, p.40).

Podemos verificar essa questão, considerando que no


processo de manifestação das tradições culturais de Ilha Grande
do Piauí, ou quando um morador lê ou ouve os cantos e as
narrativas do griô Zé Santana, possivelmente há a construção
de memórias coletivas, de reconstrução de lembranças de
tempos, espaços, hábitos e pessoas da comunidade, em suas
várias dimensões de cultura.
Sabemos que cultura é um termo complexo, de prisma
polissêmico que ainda divide pesquisadores de vários campos.
José Luiz dos Santos, em O que é Cultura (1994), referencia
o termo como elemento que se entrelaça com a própria
humanidade, considerando suas várias manifestações e
variações, no sentido de que são essas multiplicidades que
formam o conjunto de sentidos que caracterizam o termo e
que apontam para interpretações diversas: diz respeito à toda
sorte de grupo humano, mas também pode particularizar uma
sociedade, ou ainda, grupos específicos dentro de uma mesma
comunidade.
O autor apresenta duas concepções, consideradas
básicas, sobre cultura. A primeira gira em torno do conjunto
das manifestações de uma realidade social, ou seja, a própria
existência de um povo e sua atuação em sociedade, o que
nos permite caracterizar, por exemplo, uma cultura latino-
americana, ou uma cultura brasileira inserida nesta, ou mesmo
uma cultura nordestina dentro da brasileira, uma piauiense no
seio da nordestina, etc., (SANTOS, 1994).
Esse pesquisador postula que a atividade de busca do
entendimento em torno do que seria cultura pode culminar
no risco de compreendermos essa palavra com certo grau
de totalidade, como um campo fechado, engessado em suas

EDUCAÇÃO, HISTÓRIA E MEMÓRIA CULTURAL DE ILHA GRANDE DO PIAUÍ: 45


O OLHAR DO GRIÔ ZÉ SANTANA (1970-2015)
características e peculiaridades, o que nos impediria de perceber
o domínio dinâmico no qual se insere tal termo.

Cultura é uma dimensão do processo social, da vida de


uma sociedade. Não diz respeito apenas a um conjunto
de práticas e concepções, como por exemplo se poderia
dizer da arte. Não é apenas uma da vida social como por
exemplo se poderia falar da religião. Não se pode dizer que
cultura seja algo independente da vida social, algo que não
tenha a ver com a realidade onde existe. [...] Cultura é uma
construção histórica, seja como concepção, seja como
dimensão do processo social [...] é produto coletivo da
vida humana (SANTOS, op. cit., p. 44-45).

A cultura, nessa perspectiva, é um fenômeno social e


histórico, que é construído a partir da ação de indivíduos ao
longo dos tempos, não podendo ser, dessa forma, dissociado
da sociedade.
Vera Werneck, na obra Cultura e Valor (2003), apresenta
o conceito de cultura sob duas óticas: a primeira sendo o
resultado da ação do homem na natureza, sua interferência
no meio e, também, em outros indivíduos assim como em si
mesmo; a segunda compreende cultura como o ato de propor
uma noção de valor na natureza, ou seja, como processo de
aquisição de valores, em outros indivíduos e no próprio ente
instaurador desse valor.
Em nossa pesquisa construímos o entendimento de cultura
considerando as contribuições de Santos (1994) e Werneck
(2003), mas não em sua totalidade, ou seja, consideramos
o que esta determina sobre cultura como processo que pode
modificar, transformar; e o que aquele enfatiza como cultura
como prática desenvolvida na coletividade.
Dessa forma, concebemos cultura como o processo
que se manifesta na coletividade, de forma dinâmica, e que
compreende o jeito de ser e fazer dos moradores de uma

46  José Marcelo Costa dos Santos • Maria do Amparo Borges Ferro
comunidade onde, na interação entre esses modos e jeitos,
seja possível a transmissão de tradições, o repasse de valores,
a linguagem, os costumes, possibilitando aos sujeitos que a
formam, criar, recriar, educar, transformar sua vida e a dos seus
pares.

Metodologia

A pesquisa, no âmbito da análise da relação entre história


e memória, se baseia em uma nova forma de ver e conceber
os eventos do passado e de como é possível compreendê-los
no presente. Félix (1998) propõe que o processo de pesquisar
parte de uma dinâmica que envolve as seguintes questões
fundamentais: O que pesquisar? Por que pesquisar? Como
pesquisar? E isso só é possível quando o pesquisador tem clareza
dos objetivos, do método, da metodologia, das categorias de
análise e de como seu estudo pode contribuir com a sociedade.
De outra forma, não há razão para a pesquisa existir.
A esse respeito, Ana Galvão e Eliane Marta Lopes (2010),
em Território Plural – a pesquisa em história da educação, postulam:
“definir o que pesquisar é um trabalho árduo e angustiante.
Transformar inquietações e desejos esparsos em problema
de pesquisa exige tempo, leitura, amadurecimento, escrita e
reescrita” (p. 84).
Dessa forma, optamos, considerando nosso objeto de
investigação, pela abordagem qualitativa de pesquisa, com
aproximações com o método de História Oral, na perspectiva
de Meihy (1996), que compreende a História Oral como “um
recurso moderno usado para elaboração de documentos,
arquivamento e estudos referentes à vida social de pessoas.
Ela é sempre uma história do tempo presente e é reconhecida
como história viva” (MEIHY, 1996, p. 17).
Os instrumentos de coleta de dados foram o acervo escrito
de Zé Santana e a entrevista semiestruturada. Os entrevistados

EDUCAÇÃO, HISTÓRIA E MEMÓRIA CULTURAL DE ILHA GRANDE DO PIAUÍ: 47


O OLHAR DO GRIÔ ZÉ SANTANA (1970-2015)
foram: Airton Júlio Marques Araújo (Seu Julinho), 70 anos,
pescador aposentado, ex-catador de caranguejo, contador de
histórias, desde os anos de 1970 vem desenvolvendo atividades
de cultura na região do Delta, por meio das brincadeiras de
boi, fazendo parcerias com Zé Santana e outros líderes dessa
comunidade; e Maria José Lima dos Santos (Mazé), moradora
de Ilha Grande do Piauí, professora, admiradora e incentivadora
do trabalho de Zé Santana, tendo organizado grupos culturais
envolvendo crianças, adolescentes, mulheres e idosos.

Análise e discussão dos dados

Raimundo José do Nascimento, o Zé Santana, atuou por


cerca de quarenta anos na manifestação cultural da brincadeira
de boi, além de ter participado da tradição das pastorinhas, em
concursos de música popular, bem como em eventos de caráter
religioso, onde era compositor e intérprete, se constituindo um
griô na sua comunidade.
De acordo com Kourouma (2009), ser griô significa ter
uma íntima relação com a linguagem, pois é no trato desta
que a ação desses “artesãos da palavra [...] livres, públicos,
ambulantes” (p. 13) acontece no seio das tribos, aldeias,
comunidades. Territórios em que atuam, com funções bastante
específicas:

Nas reuniões públicas, o griô apresenta seu protetor e


declama sua genealogia. Ele lhe compõe louvores. Quem
não tem um griô particular e participa de uma dessas
reuniões é louvado por um griô público. O homem
da palavra serve de porta-voz nas assembleias e de
conciliador nas controvérsias. Intervém como mediador
entre indivíduos e famílias. Sabe tratar de todo tipo de
procedimento, especialmente dos pedidos de casamento. E
serve de arauto, anunciando as novidades de interesse geral
para a população. O griô é poeta e músico (KOUROUMA,
2009, p. 15).

48  José Marcelo Costa dos Santos • Maria do Amparo Borges Ferro
No Brasil, é possível encontrar diversas categorias de
griôs, principalmente nas comunidades rurais, onde circulam
os cantadores, os contadores de histórias, os poetas, os
apaziguadores de conflitos entre famílias, os conselheiros, os
artesãos, os mestres (representantes de uma cultura) do povo,
como é exemplo Zé Santana.
Esse griô, além de desenvolver práticas de oralidade,
também tem um acervo escrito, que organizamos em categorias
textuais, onde identificamos 108 textos, em diferentes gêneros:
poemas, letras de música, toadas, repentes, hinos e orações,
crônicas e lendas. Essas produções trazem em seu conteúdo
aspectos da história e da memória cultural do povo de Ilha
Grande do Piauí.
Nos versos “[...] A cultura da terra de Simplício Dias. /
No passado foi Testa Branca, / Foi Vila de São João. / Hoje é
cidade do turismo, / Parnaíba do meu coração.”, da letra da
música Clareou, Zé Santana aponta a formação de Parnaíba e,
portanto, a história da história do povoado Morros da Mariana
– gênese do município de Ilha Grande do Piauí.
Não é possível falar da origem desse lugar sem recorrer
à formação da cidade de Parnaíba, que foi fundada em 1762,
como o título de povoado “Testa Branca”, sendo uma pequena
formação composta por quatro fogos3, oito pessoas livres e
onze escravos, conforme postula Rego (2010, p 39):

A vila de São João da Parnaíba foi oficialmente criada,


segundo Carta Régia de 19 de junho de 1791. O ato
solene de sua instalação, conduzido pelo governador da
Capitania do Piauí, João Pereira Caldas, com a presença
do Ouvidor Geral da Capitania, teve lugar a 18 de agosto
de 1962, na igreja matriz de Nossa Senhora de Piracuruca,
vila da qual o território constitutivo do termo da de São
João da Parnaíba foi desmembrado.


3
Fogos eram formas de habitações onde residiam pessoas da mesma
família e até mesmo de famílias diferentes (REGO, 2010).

EDUCAÇÃO, HISTÓRIA E MEMÓRIA CULTURAL DE ILHA GRANDE DO PIAUÍ: 49


O OLHAR DO GRIÔ ZÉ SANTANA (1970-2015)
A história de formação e desenvolvimento de Parnaíba
teve influência relevante da Família Dias da Silva, tendo como
pioneiro o português Domingos Dias da Silva, seguido por seu
filho Simplício Dias da Silva, que desenvolveram o comércio do
charque no Porto Salgado4, onde se situa, atualmente, o Porto
das Barcas, às margens do Rio Igaraçu (REGO, 2010), que
separa as terras de Parnaíba das do território da grande ilha.
No poema Emancipação de Ilha Grande, Zé Santana tece os
versos “A Ilha é nossa herança, / Que Mariana deixou”. Mariana
– a mulher que deu nome ao povoado, que virou bairro e se
transformou em cidade. Coroa Grande ou Coroa do Igaraçu, como
era denominada a região que compreendia a grande ilha,
foi habitada a partir da ação de caçadores e pescadores que
desbravaram o território.
Um nome em particular é recorrente nas falácias sobre a
origem do povoado, “uma certa Dona Mariana”, que teria sido
a primeira matriarca das terras da Coroa Grande, instalando-
se nas proximidades do igarapé que dava acesso ao citado rio.

Os morros existentes próximos ao local eram avistados de


longe, com suas areias brancas e cajueirais. Os caçadores,
principalmente eles, associaram os morros à desbravadora
da região e passaram a se referir ao local como Morros
da Mariana, denominação assimilada e mantida até hoje
(SILVA FILHO, 2002, p. 05-06).

Sobre os habitantes pioneiros que alavancaram as


atividades de comércio e geração de renda no povoado Morros
da Mariana, Costa (1996) aponta uma família de origem
portuguesa, que se mudou do Ceará (a família percorreu várias
partes do Brasil) tendo como patriarca Raimundo Luciano,


4
Denominação dada pelo fato da grande concentração de volumes de
sal trazidos para o porto por conta das charqueadas da Família Dias da
Silva.

50  José Marcelo Costa dos Santos • Maria do Amparo Borges Ferro
que se fixou em Morros da Mariana (1884), desenvolvendo
atividades voltadas ao plantio da cana-de-açúcar e à criação de
gado, o que resultou na construção de engenhos de cana, que
prosperaram e impulsionaram a economia local.
Em Lembranças dos Morros da Mariana, o griô Zé Santana
faz alusões aos festejos católicos característicos do período
evidenciado, descrevendo as noites em Morros da Mariana,
onde a população se reunia para apreciar (após as celebrações
religiosas) os eventos culturais, gastronômicos e sociais que
eram oferecidos como: barracas, parquinhos de diversão,
leilões, festas, etc.
Na música Uma casinha lá em cima do alto, Zé Santana
descreve as dificuldades da vida da maioria dos moradores
da região. O poema Ai, saudade exemplifica a rotina nas tardes
desses povoados: após chegarem da lida, os rapazes se reuniam
nas “baixas” (campos improvisados) para jogar futebol, muitas
vezes com bola feita de meia velha, cheia de retalhos. O poema
Emancipação de Ilha Grande foi criado na década de 1990 e faz
referência ao principal movimento sociopolítico da época: a
luta em prol da emancipação.
Nos textos: “Minha Cidade”, “Meu lugar”, “Coração
do Brasil”, “Boi de Ilha Grande”, “Lembranças do Boi”, o
griô apresenta as diversas tradições que formam a memória
cultural dos ilhagrandenses: a brincadeira de boi, a tradição
das pastorinhas, as quadrilhas caipiras, as regatas de canoas,
os tradicionais carnavais, etc.
Essas obras mostram como Ilha Grande do Piauí é um
delta dentro do grande Delta do Parnaíba. Um delta de riquezas
naturais e culturais, que brotam das mãos, da voz e do corpo de
cada ribeirinho que manifesta as tradições do seu lugar, como
forma de extensão da própria vida na vida da comunidade.
Assim se formaram as várias tradições desse lugar,
cantadas e poetizadas em algumas das obras do griô Zé Santana

EDUCAÇÃO, HISTÓRIA E MEMÓRIA CULTURAL DE ILHA GRANDE DO PIAUÍ: 51


O OLHAR DO GRIÔ ZÉ SANTANA (1970-2015)
ou mesmo nos discursos deste e dos demais participantes da
pesquisa que, em um processo de acionamento de memórias
individuais e coletivas (HALBWACHS, 1990), trouxeram à tona
suas lembranças sobre a vivência na Ilha. É na memória que
se guardam os cenários de Morros da Mariana de tempos de
outrora, de Ilha Grande do Piauí, em suas várias manifestações
e tradições: lendas, mitos, saberes, fazeres, dizeres, etc.
O acervo escrito de Zé Santana traz, visceralmente,
a cultura desse lugar, fato que é ratificado pelos discursos
dos participantes, que comungam do reconhecimento da
importância e da necessidade do acervo desse griô ser explorado
como material educativo nas escolas do município.
Segundo o senhor Julinho, a obra construída por Zé
Santana deve adentrar os espaços formais de educação do
município, ou seja, ser utilizado nas aulas e estar disponível para
consulta na biblioteca, para que os moradores da comunidade
e os visitantes possam conhecer, apreciar e até mesmo se
reconhecer nas letras e cantos expressos nos textos do acervo.

Zé Santana com todos esses escritos pode ser transformado


em livro, em cartilha e isso pode ser levado até para as
bibliotecas, para as escolas. E isso é importante demais,
porque hoje nossa cultura está praticamente morta, a
gente não vê mais a cultura que existia antes e precisamos
mostrar essa riqueza (ARAÚJO, 2017, s/p.).

A professora Mazé também considera de grande riqueza


o material produzido pelo griô, no sentido de que serviria,
também, de motivação e incentivo na sala de aula, para que
os alunos buscassem conhecer a história e as origens da
comunidade, assim como as tradições e os costumes de outrora.

Através do que tem nesse material, as futuras gerações e as


atuais também, podem conhecer e aprender sobre a Ilha
Grande. O material que ele tem é rico demais, precisa ser

52  José Marcelo Costa dos Santos • Maria do Amparo Borges Ferro
levado para todos, porque quando a gente lê, a gente se vê
dentro disso, é como se a gente fosse caminhando com ele,
eu fico emocionada de ver! (SANTOS, 2017, s/p.).

Na visão da entrevistada, muitas vezes os professores


em exercício não estão atentos e sensíveis às potencialidades
dos alunos, como por exemplo, a capacidade linguística,
manifestada de diversas formas. Se o educando é introspectivo
ou se não há uma articulação para que este possa mostrar
suas potencialidades, muito do que poderia ser produzido
por esse discente não é desenvolvido, porém, em contato com
obras como as de Zé Santana, o aluno poderá se reconhecer
nos escritos, reconhecer sua comunidade, pessoas com quem
conviveu e/ou convive, culminando com a manifestação de
falas, textos, poemas, canções que podem ser produzidas na
sala de aula, a partir de/ou inspirados nos textos desse griô.
Considerando os discursos dos participantes, vemos
claramente a relevância da proposição do acervo escrito de
Zé Santana como material educativo para ser trabalhado nas
escolas de Ilha Grande e, também, como fonte de consulta e
deleite para a comunidade e para além desta. São instrumentos
que possibilitam pensarmos a Ilha Grande a partir da própria
Ilha Grande, ou seja, a leitura dos textos do acervo traz, para
quem é morador, um caráter identitário, referencial.

As experiências individuais são sempre inscritas no interior


de modelos e de normas compartilhadas. Cada leitor,
para cada uma de suas leituras, em cada circunstância, é
singular. Mas esta singularidade é ela própria atravessada
por aquilo que faz com que este leitor seja [de algum
modo] semelhante a todos aqueles que pertencem à
mesma comunidade (CHARTIER, 1999, p. 91).

Os textos são, em potencial, ferramentas para se trabalhar


processos de letramento e alfabetização na Educação Infantil

EDUCAÇÃO, HISTÓRIA E MEMÓRIA CULTURAL DE ILHA GRANDE DO PIAUÍ: 53


O OLHAR DO GRIÔ ZÉ SANTANA (1970-2015)
e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, por trazerem a
proximidade do lugar de origem dos alunos, de pessoas do seu
convívio na comunidade. Além disso, podem ser trabalhados
nos anos finais do Ensino Fundamental, bem como em práticas
educativas no Ensino Médio.
Os entrevistados expressaram ainda, seus olhares sobre
a ação cultural de Zé Santana na educação, história e cultura
de Ilha Grande do Piauí e sua identificação como um possível
educador cultural. Relembrando a trajetória do griô, Mazé
salientou a importância do fazer de Santana na comunidade,
ao longo das últimas décadas, em que manifestou as tradições
desse lugar; foi e ainda o é, um genuíno representante destas,
tendo atuado na educação de várias gerações, que aprenderam
com ele: a dança, os ritmos, a feitura do boi, a articulação e a
organização de grupos culturais.

Com certeza, ele pode e deve ser considerado um educador


cultural, porque a participação dele dentro da cultura está
aí pra todo mundo ver, não tem como negar que ele seja
um educador cultural, na questão da disciplina, porque
a brincadeira era disciplinada e organizada e ele tinha a
postura dele dentro da brincadeira, que era séria. Então,
isso de juntar tanto homens e organizar uma atividade
como ele fazia e muitos desses homens, aprendendo com
ele, já até iniciaram atividades porque aprenderam com ele
(SANTOS, 2017, s/p.).

O senhor Julinho acompanhou de perto a ação cultural


(e educativa) de Zé Santana nas brincadeiras de boi, tendo
partilhado com ele esse ofício. No grupo, Zé Santana orientava,
formava novos amos5, ensinava a arte do repente e das toadas,
ritos da tradição do boi, postura ética perante a comunidade,


5
O poeta da brincadeira de boi, aquele que canta as toadas e produz os
repentes no grupo (ARAÚJO, 2017).

54  José Marcelo Costa dos Santos • Maria do Amparo Borges Ferro
orientação moral. Quando indagado sobre a identificação
de Zé Santana como possível educador cultural, ele salientou:
“Sim, pelo que ele tem feito aqui, nas coisas que ele produziu,
não só no boi, mas isso tudo que tem escrito, essas coisas são
importantes demais para Ilha Grande toda” (ARAÚJO, 2017,
s/p.).
Os depoimentos dos participantes confirmaram a
importância da ação de Zé Santana na educação e cultura de
Ilha Grande. Temos nesse griô, o que Pinheiro (2016) postula
em relação ao mestre-escola Miguel Guarani, ao relacioná-lo
com uma “biblioteca viva”. Zé Santana confirma a metáfora
da biblioteca, ou seja, é um “acervo vivo” de conhecimentos
acerca das tradições do seu lugar de origem, bem como dos
ofícios, saberes e do modo de vida do seu povo.
Desta feita, “Cantar a terra natal, dizer o seu
significado, emoldurá-la em versos, apontar seus encantos e
desencantos, imortalizar seu povo, dizer a cultura local com
suas particularidades, fez do poeta um retratista do tempo,
um desenhista da vida, um arquiteto das gentes” (PINHEIRO,
2016, p. 24). Se relacionarmos essa menção à ação do griô Zé
Santana, identificamos facilmente as molduras, as fotografias,
os desenhos, e os formatos da Ilha Grande do Piauí, nas letras
e nos cantos desse poeta da vida.
Nesse ensejo, e considerando: que educação, à luz de
Freire (1987), é um processo de transformação do homem, de
construção de cidadania e de reconhecimento de sua própria
identidade cultural; que educador é aquele que possibilita
aprendizado a partir de ações concretas, vivas (LUCKESI,
2005); e que a cultura pode transformar a natureza, o homem
em si mesmo e o outro (WERNECK, 2003), referenciamos
Zé Santana como um educador cultural, uma vez que este
desempenhou, e desempenha, atividades de formação cultural
humana, através de práticas que fomentam a construção da

EDUCAÇÃO, HISTÓRIA E MEMÓRIA CULTURAL DE ILHA GRANDE DO PIAUÍ: 55


O OLHAR DO GRIÔ ZÉ SANTANA (1970-2015)
identidade cultural do seu povo, nos vários grupos onde atuou,
ensinando, compartilhando, transformando o meio social da
comunidade, os outros à sua volta e a si mesmo.
Atuando como amo de boi, poeta, cantador, animador
das cantigas das pastorinhas, artesão, esse griô possibilitou
formas de educar gerações de ilhagrandenses para a cultura
do município: pessoas se tornaram amos de boi porque
aprenderam com Santana, artesãos foram influenciados
pelo griô na feitura dos bois, gerações aprenderam sobre as
tradições do seu lugar de origem ouvindo e vendo Zé Santana
manifestá-las em letras e cantos.
A participação desse homem na comunidade, os textos
que escreveu contemplando aspectos da história e memória
cultural do povo do Delta, são marcas de quem educava sua
gente, mesmo que, talvez, não tivesse consciência plena dessa
pedagogia. O fato é que, consciente ou inconscientemente, seu
trabalho educativo na região foi atravessando a história de vida
desses moradores.
Assim, ele é um educador formado por sua própria gente,
através de suas tradições, costumes, modos de ser, fazendo
uso do seu capital cultural, que lhe conferem habilidades
específicas como o domínio de ofícios e saberes, por meio dos
quais desenvolve práticas de interação com os moradores,
possibilitando aprendizados, ações de pertencimento e
promoção da identidade cultural do seu povo.

Considerações finais

Zé Santana representa a possibilidade de pensarmos


a cultura como forma de desenvolver educação em diversos
contextos de aprendizagem, inclusive em práticas escolares
oficiais, por meio da utilização da literatura construída por
ele.

56  José Marcelo Costa dos Santos • Maria do Amparo Borges Ferro
Suas ações dentro da comunidade fizeram dele uma
espécie de “educador cultural”, uma vez que o seu fazer
possibilitou diferentes formas de aprendizado e de construção
de conhecimentos sobre a vida e a cultura no espaço da cidade
em questão, sendo um parceiro em potencial para as atividades
desenvolvidas nas escolas da região.
Compreendemos que a escola é um ambiente
multicultural, onde é possível desenvolver atividades que
potencializem o pertencimento da comunidade com a cultura
que desenvolve, no sentido de compartilhar as tradições que
lhes são intrínsecas, em um processo de interação e construção
coletiva.
Nesse ensejo, vemos em Zé Santana um agente de cultura,
realmente um educador cultural, que pode e deve ser inserido
nas práticas educativas, pois tem muito a contribuir, tanto
no que diz respeito ao material que já produziu em forma de
acervo, como pela experiência que possui no trato de práticas
de linguagem e do artesanato.
Esse griô não deve continuar sendo apenas um ex-amo de
boi que, esporadicamente, é procurado para compor músicas
ou animar eventos pontuais nas comunidades. Sua atuação e
sua relevante participação em prol da cultura do município o
licenciam a integrar, efetivamente, as práticas que envolvem
educação, arte, cultura e literatura, como por exemplo,
ministrando oficinas para crianças, adolescentes e jovens sobre
a confecção do boi; oficinas de produção de toadas e repentes;
conversas e rodas literárias sobre os gêneros que compreendem
seu acervo; parceria nas escolas para atividades em torno da
cultura; etc.
Dessa forma, essa pesquisa se constituiu como uma
oportunidade de se pensar a relação entre a educação e a
cultura de tradição viva na escola, no sentido de possibilitar
formas de fortalecimento dessas relações, trazendo a discussão

EDUCAÇÃO, HISTÓRIA E MEMÓRIA CULTURAL DE ILHA GRANDE DO PIAUÍ: 57


O OLHAR DO GRIÔ ZÉ SANTANA (1970-2015)
para o ambiente escolar, a partir de um olhar sensível e de
pertencimento do povo de Ilha Grande do Piauí, para com a
sua própria cultura, que é elemento central no fazer do griô Zé
Santana.

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concedida a José Marcelo Costa dos Santos. Ilha Grande do
Piauí, 2017.

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EDUCAÇÃO, HISTÓRIA E MEMÓRIA CULTURAL DE ILHA GRANDE DO PIAUÍ: 59


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60  José Marcelo Costa dos Santos • Maria do Amparo Borges Ferro
TRABALHO E EDUCAÇÃO DA
INFÂNCIA POBRE NA PROPOSTA DA
FUNABEM (1964-1990): ADAPTAÇÃO E
REPRODUÇÃO DAS DESIGUALDADES
SOCIAIS

Maria Escolástica de Moura Santos


Mayara Macedo Melo

N
este trabalho apresentamos resultados parciais
de pesquisa, ainda em andamento, que busca
analisar as políticas de educação para crianças
pobres no período da Ditadura Militar brasileira. Está
fundamentado nos pressupostos do Materialismo Histórico
e Dialético e tem como objetivo analisar a relação trabalho e
educação na proposta da Fundação Nacional do Bem-Estar
do Menor – FUNABEM. Esta foi criada pela lei nº 4.513, de 1º
de dezembro de 1964 e se constituiu como a principal política
de atendimentos a crianças e adolescentes em situação de
desamparo e/ou em conflito com a lei até os anos 1990, quando
foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.
O estudo desenvolvido tem sido fundamental para

TRABALHO E EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA POBRE NA PROPOSTA DA FUNABEM 61


(1964-1990): ADAPTAÇÃO E REPRODUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS
compreensão da relação entre as categorias Trabalho, Educação
e Pobreza, tendo como recorte o universo infantil e como
período histórico a Ditadura Militar no Brasil. Partimos da
concepção de trabalho apresentado por Lukács (2007, 2013),
em consonância com o legado de Marx, como a atividade
gênese do ser social. Nessa perspectiva, o trabalho cumpre
duplamente a função de construir o mundo e o indivíduo e
se constitui como protoforma dos demais complexos sociais.
Nesse sentido, estabelece com a educação uma relação que é,
conforme Lima e Jimenez (2011), de dependência ontológica e
autonomia relativa.
Ao compreendermos essa relação será possível analisar
a educação e a assistência entrelaçadas nas políticas para
crianças e adolescentes pobres. Defendemos que tais políticas,
de caráter perverso e limitador, visam apenas garantir a tão
desejada ordem social, sem qualquer preocupação com a
elevação intelectual e social dos sujeitos atendidos.
Não será possível descrevermos, como fizemos noutros
momentos (SANTOS, 2017), o movimento histórico dessas
políticas em âmbito nacional, desde as práticas caritativas das
Santas Casas de Misericórdia, até a instauração da FUNABEM,
passando pelas Casas de Aprendizes Artífices, Companhias
de Aprendizes Marinheiros do século XIX, políticas higienistas
do final do século XIX e início do século XX, promulgação do
Código de Menos de 1927 e Serviço de Atendimento ao Menor
(SAM) de 1941.
Trataremos aqui apenas da FUNABEM como expressão
autoritária do governo ditatorial de cunho militar. Como
forma de organização, sistematizamos nosso texto em quatro
partes. Além desta introdução, contextualizamos o Estado e
a sociedade no período do Regime Militar, considerando os
aspectos políticos, econômicos e sociais. Em seguida discutimos
sobre a FUNABEM, suas propostas educacionais e seu caráter

62  Maria Escolástica de Moura Santos • Mayara Macedo Melo


disciplinador. Por fim, apresentamos as considerações finais
do nosso trabalho.

Sociedade e Estado na Ditadura Militar: o acirramento da crise


e os ideais da Escola Superior de Guerra - ESG

O surgimento do Estado coincide com o período de


dissolução das comunidades gentílicas, e está vinculado desde
o início com a necessidade de regulamentar a propriedade
privada e validar os interesses de alguns indivíduos que, pela
força e pela persuasão, buscam se sobrepor aos demais. Assim,
o Estado centraliza o poder que antes, nas comunidades tribais,
era exercido de forma coletiva (ENGELS, 2009).
O Estado, nas diversas sociedade e momentos históricos
distintos, considerando todas as especificidades, assume a
função de garantir os privilégios de poucos em detrimento de
muitos. Para tanto, conforme Mészáros (2011, 2015), atua
buscando uma aparente conciliação dos interesses da maioria
trabalhadora e da minoria exploradora, no sentido de garantir
a ordem e a paz social. Age pelo convencimento, tentando
equilibrar interesses antagônicos, ou pela coerção, usando de
todos os instrumentos, inclusive da violência, para abrandar os
conflitos e estabelecer a ordem vigente.
Isso explica porque sempre em momentos de crise o
Estado é chamado a dar respostas, ao tempo em que oscila entre
formatos mais democráticos e ditatoriais. Germano (2000)
explica que, no Brasil, as Forças Armadas vêm sendo utilizadas
em momentos de crise desde meados do século XIX, de modo
que o exército se disfarçou com inúmeras vestes durante a
história, assumindo diferentes características em cada momento
de mudanças muito bruscas. Em um primeiro período, que se
refere à intervenção militar de 1888-1889 e 1930, assumiu um
caráter mais progressista, já a de 1937 e a de 1964 traz consigo
um perfil antidemocrático (GERMANO, 2000).

TRABALHO E EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA POBRE NA PROPOSTA DA FUNABEM 63


(1964-1990): ADAPTAÇÃO E REPRODUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS
A partir da instalação do Estado Novo, a burguesia
consegue se consolidar politicamente e garantir forte intervenção
do Estado na economia do país. Custeou o aprimoramento da
máquina estatal, enquanto a máquina administrativa começou
a ter a participação da classe média, de empresários e militares
(GERMANO, 2000).
Em épocas anteriores, a intervenção militar tinha caráter
emergencial com pouca duração. Em 1964 os militares viram a
possibilidade real de se instalarem de forma direta e duradoura
no governo e implantaram um regime autoritário e violento
com duração de 21 anos, de 1964 a 1985.
A crise política e social que culminou com o golpe teve
seu momento de agravamento no início dos anos 1960 com
o aprofundamento da crise econômica, o agravamento da
separação entre capital e trabalho, aumento da pobreza e
acirramento da luta de classes. Isso foi determinante para
organização e mobilização dos trabalhadores urbanos e rurais,
de modo que vários movimentos surgiram e o país mergulhou
numa crise. Esse cenário coloca em alerta não apenas a
burguesia, mas, também a classe média e o alto comando militar,
que passam a agir em várias frentes, tentando frear o congresso
e barrar as reformas consideradas de base (GERMANO, 2011).
Como tentativa de superar essa crise, o então presidente,
Jânio Quadros, com o apoio do Fundo Monetário Internacional
(FMI), realizou arrochos salarias e depreciou o valor da moeda,
dentre outras medidas que tiveram efeito inverso ao pretendido,
causando revoltas e protestos populares (MAZZEO, 1995).
Nesse contexto, vários acontecimentos foram relevantes
para o golpe, dentre eles: a revolta dos sargentos em setembro
de 1963, a inflação que subia vertiginosamente, o combate
à reforma agrária, o recrutamento de aliados fardados pelas
classes dominantes, o movimento conhecido como “Marcha da
Família com Deus pela liberdade” e a incorporação da ideologia

64  Maria Escolástica de Moura Santos • Mayara Macedo Melo


da segurança nacional. Esses acontecimentos culminaram com a
intervenção militar de 1964 (GERMANO, 2000).
Consumado o golpe, o poder, de fato, passou a ser
concentrado nas mãos de uma Junta Militar constituída pelo
brigadeiro Correia de Mello, general Arthur da Costa e Silva e o
almirante Augusto Rademaker. Em seus discursos, afirmavam a
intenção de reestabelecer a legalidade, fortalecer as instituições
democráticas ameaçadas e recuperar a composição federativa
da nação. Prometiam descentralizar o poder a fim de dar
mais autonomia aos Estados, além de banir qualquer tipo de
subversão, sobretudo, o comunismo e eliminar a corrupção
(GERMANO, 2000).
Porém, com o surgimento do Ato Institucional nº 1
(AI-1), do dia 9 de abril de 1964, as intervenções provocadas
foram na contramão do discurso proclamado anteriormente
pela Junta Militar. A AI-1 proferida pelo Supremo Comando
Revolucionário, atraiu para si poderes constituintes, visando
controlar o Judiciário, debilitar o Legislativo e aumentar o
poder Executivo (GERMANO, 2000).
Ao longo da ditadura o país foi governado por cinco
generais (além da citada junta militar que governou o país
por um breve período, em 1969). No que se refere ao aspecto
econômico, o primeiro governo militar implementou uma
série de medidas buscando superar a crise herdada do período
precedente. Medidas essas que não garantiram o resultado
esperado.
Trata-se de período marcado pela censura, perseguições,
torturas, exílios e assassinatos. A inflação chega a 80% ao
ano, o crescimento do produto nacional bruto (PNB) chega
a apenas 1,6% ao ano, as taxas de investimento no país foram
quase zero. Com isso o governo adota várias medidas, dentre
elas, a política de recessão, diminuição do ritmo das obras
públicas, reduz os subsídios do petróleo e os itens da cesta

TRABALHO E EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA POBRE NA PROPOSTA DA FUNABEM 65


(1964-1990): ADAPTAÇÃO E REPRODUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS
básica, o que diminuiu as oportunidades de crédito interno e
muitas empresas entraram em falência (GERMANO, 2000).
Desse modo, após a instalação da ditadura, o país é
abatido por uma nova crise econômico-social que foi dividida
em dois momentos, o primeiro que compreende de 1964 a 1968
e o segundo de 1968 a 1975. No primeiro momento, a maior
preocupação era controlar a inflação, freando tal situação
através de medidas que impactavam diretamente o trabalhador
ao comprimir violentamente seu salário. Essas medidas foram
impostas por meio de violentas repressões ao movimento
sindical que dava sinais de organização. Houve também
as contenções de crédito que atingiram principalmente os
pequenos empresários com o fechamento de muitas empresas,
sem atingir as empresas internacionais. Tinham como intuito
estruturar o capitalismo de forma satisfatória e obter um
modelo econômico flexível, além de manter o imperialismo na
condição de subordinação (MAZZEO, 1995).
O segundo momento tem início em 1968, sendo marcado
como o período mais violento da ditadura militar, cujo intuito
era extinguir toda e qualquer forma de democracia. Foi nesse
período que o Brasil viveu o chamado milagre econômico,
pois o capital financeiro tomou as rédeas da economia. O
cruel arrocho salarial que atingiu até mesmo as classes médias
da sociedade assegurava tal alívio econômico, porém, a crise
mundial do capitalismo começa a repercutir aqui e essa medida
revela-se insuficiente para manter tal “milagre”, de modo que o
Estado atribui o fracasso à crise do petróleo (MAZZEO, 1995).
Apenas no governo de Castello Branco (1964-1967) a
inflação baixa, chegando a 23%,. Grandes obras foram iniciadas
como indicativo do crescimento do Brasil e de sua economia.
Empresários e burguesia, de modo geral, experimentaram um
momento de grande crescimento.

66  Maria Escolástica de Moura Santos • Mayara Macedo Melo


Entretanto, o custo de vida ainda é alto, é gritante
a concentração renda, visto que apenas 4% da população
brasileira, no eixo Rio de janeiro e São Paulo, chegam a ganhar
acima de 6 (seis) salários mínimos, o que desencadeia uma
absurda desigualdade social. Resumindo, os ricos ficaram mais
ricos e os pobres mais pobres (GERMANO, 2000).
Tanto a crise econômica e política, quanto as manobras
empreendidas pelos militares para contorná-la, repercutiam
no campo da educação e cultura, assim como na imprensa
e assistência social. De acordo com Saviani (2008), há
uma vinculação entre a educação pública e os interesses
e necessidades do mercado. É nesse momento que há um
grande investimento em cursos técnicos e profissionalizantes,
inaugurando o período que ficou conhecido como tecnicismo.
Do mesmo modo impactavam a educação os ideais da
Escola Superior de Guerra (ESG) alicerçados na ideologia da
segurança nacional. A ESG havia sido criada em 1949, um
período de conflitos ideológicos e instabilidade política no
Brasil. A crise do governo Vargas, entre 1937-1945, a fragilização
das forças armadas e a insatisfação da burguesia industrial -
que estava afastada das políticas do governo Vargas e percebia
o apoio deste à classe trabalhadora e consequentemente
ao sindicalismo - criou uma ambiente propício para criação
da ESG. O intúito era proporcionar uma relação harmônica
entre militares, classes dominantes e membros do aparelho
do Estado, com o objetivo de proporcionar desenvolvimento
econômico, regido pelas elites, fundado na ideologia de
Segurança Nacional (garantida pelas forças armadas) e
baseado no modelo capitalista americano (OLIVEIRA, 2010).
O alicerce para o desenvolvimento econômico capitalista
foi a ideia da Segurança Nacional. Esta não envolve apenas
a defesa das fronteiras nacionais, mas, também, a garantia
à sociedade e, principalmente às elites dominantes, de que o

TRABALHO E EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA POBRE NA PROPOSTA DA FUNABEM 67


(1964-1990): ADAPTAÇÃO E REPRODUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS
avanço do comunismo iminente seria combatido pelo poder
militar, tido como o único capaz de manter a ordem nacional.
A ideologia da Segurança Nacional difundida pela ESG
consistia em fazer prevalecer os objetivos do desenvolvimento
nacional. Como este era embasado no modelo americano,
estava amparado completamente no capitalismo, de modo
que seu oponente direto era o comunismo. Ou seja, as
forças oponentes à segurança nacional eram influenciadas
pelo comunismo internacional. Assim, qualquer grupo que
professasse ideias contrárias ao modelo adotado no país e aos
objetivos traçados, deveriam ser suprimidas ou aniquiladas.
Aí reside o poder intervencionista das forças armadas para
garantir a ordem pré-estabelecida.
Para a execução das suas ideias, a ESG tinha como tríade:
Objetivos Nacionais, Poder Nacional e Estratégia Nacional.

Os Objetivos Nacionais se subdividiam em Objetivos


Nacionais Atuais e Permanentes onde se tinham: Integridade
Territorial; Integridade Nacional (espírito de solidariedade,
consolidação da comunidade nacional); Democracia e
Progresso. Os Objetivos Nacionais Permanentes (ONP)
são formulados enquanto interpretação dos anseios e
aspirações nacionais e os Objetivos Nacionais Atuais
(ONA) são de natureza conjuntural subordinados às
limitações de um dado momento. Poder Nacional, uno e
indivisível, é centralizado através do Estado. É um conceito
amplo que abrange todas as capacidades e disponibilidades
do Estado. Os recursos humanos e materiais estão aí
compreendidos [...]. A Estratégia Nacional é o modo
de aplicar o Poder Nacional para alcançar os Objetivos
Nacionais. Tal conceito abrange todas as atividades civis e
militares (BAZÍLIO, 1985, 36).

Nesse sentido, observa-se que o intuito era garantir


o controle de todos os setores sociais, como forma de se ter

68  Maria Escolástica de Moura Santos • Mayara Macedo Melo


uma unidade de pensamentos e de ações por parte de todos
os cidadãos. Estes deveriam ir ao encontro do modelo de
desenvolvimento proposto que, por sua vez, seria dirigido pelas
elites nacionais, pois, para os pensadores da ESG, somente
as elites seriam capazes de conduzir a nação ao alcance dos
Objetivos Nacionais Permanentes que resultariam no bem-
comum.
Após o golpe de 1964, a ESG, empenhou-se em
formar elites nacionais, pois não mais há o intenso apoio
de Vargas ao proletariado e ao sindicalismo que minavam
os interesses da classe empresarial. Assim, consolida-se no
país o processo de desenvolvimento econômico elitista,
garantido institucionalmente pela ESG que, sob o viés
Psicossocial do Poder Nacional, procurava coibir, suprimir
ou liquidar qualquer forma de manifestação contrária ao
modelo de desenvolvimento adotado no país, isso quer dizer:
combate à propaganda comunista e a práticas consideradas
subversivas.
O trabalho de consolidar a imagem do regime vigente,
após o golpe de 1964, foi massivo, tanto na área da assistência
social, educação e comunicação social. Uma das táticas
utilizadas foi a contratação de profissionais e agências de
propaganda para mobilizar a opinião pública no sentido de
perceber o modelo vigente como forte e legítimo. Fazendo uso
da mídia, divulgaram a imagem de um “Brasil Grande”, ou seja,
um Brasil forte, próspero e indivisível (BRAZÍLIO, 1985, p. 42).
A ideologia da segurança nacional disseminada pela ESG
influenciou diretamente as políticas sociais implementadas
para dar estabilidade ao regime, sobretudo, no que se refere
à assistência. Isso porque, concomitante ao desenvolvimento
econômico e ao crescimento da desigualdade social, cresce,
conforme Becher (2011), o número de crianças e jovens vivendo
nas ruas dos grandes centros urbanos.

TRABALHO E EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA POBRE NA PROPOSTA DA FUNABEM 69


(1964-1990): ADAPTAÇÃO E REPRODUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS
Foi nesse contexto que se instituiu a Fundação Nacional
do Bem-Estar do Menor - FUNABEM, pela Lei 4.513/64,
vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social, cuja
política de bem-estar do menor estava vinculada às políticas de
Desenvolvimentos Nacional e de Segurança Nacional.

O caráter perverso da educação e assistência na proposta da


FUNABEM: modelagem de comportamentos e reprodução da
desigualdade social

A fundação se propunha a atender os ditos menores


submetidos a situações de desamparo social e/ou atos de
delinquência. Ela propõe atendimento à crianças e adolescentes
imersos em situação de marginalização. Considerando o período
de 1967 a 1972, cerca de 53 mil crianças e adolescentes foram
atendidas em regime de internato em todo o país (BECHER,
2011).
Conforme Bazílio (1985, p. 50), os primeiros documentos
importantes relacionados à política da FUNABEM são “a Nova
Política do Bem-Estar do Menor” e as “Diretrizes e Normas
para Aplicação da Política do Bem-Estar do Menor”, datados
de 28/01/1966 e 10/06/1966. Os documentos buscam superar
o improviso e implantar uma lógica profissional na Fundação.
Conforme o pesquisador, “as necessidades básicas do menor
agora são definidas como saúde, amor, compreensão, educação,
recreação e segurança social”. Utilizam constantemente
termos médicos para explicar os fenômenos sociais, visto ser
mais conveniente para o sistema optar pela compreensão do
problema como questão de saúde e apontar soluções de base
terapêutica.
Um dos objetivos da FUNABEM era formular um parâmetro
de conhecimento sobre a problemática do menor, deste modo,
desempenhava atividades, ainda que teoricamente, sob dois

70  Maria Escolástica de Moura Santos • Mayara Macedo Melo


vieses fundamentais: a reparação e prevenção das razões
pelas quais o menor estava apresentando comportamento
indesejado, e medidas terapêutico-pedagógicas com o intuito
de reintegração e correção dos desvios para voltar ao convívio
social (BECHER, 2011).
O desenvolvimento da ordem social, para os ideólogos
da Fundação, era percebido como uma deformidade causada
pela evolução do processo industrial e pela modernização
da sociedade. Assim, enxergava o menor como vítima desse
processo, por estar à margem do que se considera coerente
(BECHER, 2011).
Pressupõe-se, então, um atendimento individualizado
e, embora aponte os problemas de ordem econômica, toda
a base do discurso se assenta na ideia do fortalecimento da
família. As causas do abandono do menor são apontadas como
sendo provocadas pela desestrutura familiar, a desorganização,
promiscuidade etc. Nesse sentido, afirma Bazílio (1985, p. 50),

A família, em última análise, é apresentada como a


principal responsável pelo processo de desagregação e o
consequente abandono dos filhos. Em nenhum momento
questões fundamentais como distribuição de renda,
mobilidade social, bem-estar social, acesso a emprego,
educação, hospitais, são colocados como alternativas para
explicação do problema. A proposta, além de moralista,
revela um profundo desconhecimento da realidade de vida
e dos valores das classes sociais dominadas, na medida em
que pretende criar os cursos ou outros mecanismos para
preparar para o casamento.

A partir do exposto podemos afirmar que embora o


discurso da Fundação apresente as causas do problema de
âmbito universal, as propostas de superação limitam-se ao
plano particular e imediato. Segundo Rodrigues apud Becher
(2011) as ações da FUNABEM sustentam-se no tripé: pátria,

TRABALHO E EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA POBRE NA PROPOSTA DA FUNABEM 71


(1964-1990): ADAPTAÇÃO E REPRODUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS
Deus e família. Permeiam os documentos da FUNABEM a
visão funcionalista de sociedade. Nela a organização social
é compreendida como um corpo humano que precisa ser
tratado, curado e o problema da marginalidade como distúrbio,
enfermidade (BAZÍLIO, 1985).
Compreende-se que não existem distorções na sociedade,
o problema está no indivíduo e na sua incapacidade de se ajustar
às determinações sociais (BAZÍLIO, 1985). Desse modo, as
medidas paliativas, a assepsia e a adaptação dos desajustados
são apontadas como solução para o problema da crescente
violência nos grandes centros urbanos.
Os pressupostos propagados pela FUNABEM tinham
como base um caráter de devoção e sacrifício, amparados na fé
através de discursos moralizantes. O objetivo era propagá-los
sobre todo o território nacional, de maneira a dar a entender que
havia uma grande preocupação com a delicada problemática
do menor (BECHER, 2011).
A FUNABEM se apresenta como a corporificação das
duas principais táticas do Estado no processo de manutenção
do controle social e reprodução das estruturas de poder
que, segundo Mészáros (2015), refere-se à repressão e ao
convencimento. Por um lado, garante o disciplinamento e a
adaptação dos desajustados através do seu aparato legal e
repressivo. Por outro, mantém alguns instrumentos midiáticos,
como a Revista Brasil Jovens, dentre outros, para divulgação
dos ideias da Escola Superior de Guerra (ESG) e manipulação
da opinião pública no sentido da aceitação do regime e
valorização da FUNABEM.
Utilizam-se desses instrumentos para disseminar a ideia
de que as unidades de atendimento tinham como prioridade
garantir a escolarização e preparar para o trabalho. A ideia da
imersão do menor no mundo do trabalho, através de oficinas
profissionalizantes, amparava-se na justificativa de que elas

72  Maria Escolástica de Moura Santos • Mayara Macedo Melo


serviria como ferramenta de reinserção social dos adolescentes.
Assim, tornar-se-iam sujeitos relevantes para a nação. Nessa
tarefa, a Revista Brasil Jovem destacou-se ao divulgar a imagem
da FUNABEM como a “instituição ideal para a educação
profissionalizante dos jovens que viviam em situação de
vulnerabilidade social” (MIRANDA, 2017, p. 46).
Nesse sentido, a educação e o trabalho, ou melhor,
a educação para o trabalho é apresentada como instância
salvacionista para adolescentes e jovens desajustados. Violante
(1982) apud Miranda (2017, p. 46) afirma que:

Apesar do descrédito que, em geral, conferem ao menor,


muitos agentes, vendo no trabalhador a antítese do
“infrator”, tentam desenvolver no menor a crença de
que o estudo e a profissionalização lhe garantirão a
“reintegração social”, pelo combate ou prevenção de
sua “marginalidade”, entendida como emissão de atos
“antissociais”.

Nessa perspectiva, o trabalho é visto como atividade


regeneradora, capaz de retirar crianças e adolescentes pobres
das situações de delinquência. No entanto, sem questionar o
tipo de educação ofertada e o tipo de trabalho para o qual
estavam sendo preparados. Em geral, as oficinas apontam
para o desenvolvimento de trabalhos manuais, sem qualquer
garantia de formação para elevação intelectual dos internos,
como indica o reportagem da Revista Brasil Jovem.

A oficina de trabalho em madeira prepara os rapazes para


as especialidades de entalhação, lustração, modelagem,
tornearia e marcenaria. Verdadeiras obras de arte são
feitas pelos alunos, que, num ambiente agradável e
completamente identificados com a especialidade que
escolheram, preparam-se para o exercício da profissão que
irão exercer quando deixarem a Fundação (FUNABEM,
1979 apud MIRANDA, 2017, p. 45).

TRABALHO E EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA POBRE NA PROPOSTA DA FUNABEM 73


(1964-1990): ADAPTAÇÃO E REPRODUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS
Do exposto, podemos entender que o trabalho
regenerador oferecido aos ditos menores se refere a atividades
que não lhes possibilitarão ir além da reprodução da sua
condição de classe. Assim, as opções a serem escolhidas no
que se refere a especialidades e áreas de atuação eram bastante
reduzidas, ao reduzirem suas opções e possibilidades restringem
também sua liberdade. Isso porque, conforme Lukács (2013),
o indivíduo é livre para fazer escolhas entre alternativas e as
alternativas oferecidas aos internos da FUNABEM eram
nitidamente limitadoras.

Considerações finais

A discussão realizada a partir da revisão de literatura


e análise inicial dos documentos nos permite afirmar que
a política nacional do bem-estar do menor desdobra-se de
forma gradual por meios de duas linhas de ação. A primeira é a
terapêutica constituída de um conjunto de ações interventivas
destinadas a atender os menores definidos como carentes e os
de condutas antisociais. A segunda é a preventiva composta
por programas que visavam atender crianças e adolescentes
que se encontram em vias do processo de marginalização.
A linha interventiva é de âmbito mais restrito, porque
os programas de atendimentos não comportavam grande
parcela do público marginalizado. Já a linha preventiva era de
maior amplitude, pois, as ações desenvolvidas na comunidade
permitiam o atendimento de maior número de pessoas.
Com base nessas duas linhas, a FUNABEM classifica os seus
programas como interventivos e preventivos.
Seguindo uma tendência comum, predominante em
outros momentos históricos, a proposta da FUNABEM que
assume a responsabilidade pelo problema do menor ou pelo
“menor-problema”, dá continuidade à perspectiva higienista

74  Maria Escolástica de Moura Santos • Mayara Macedo Melo


prevalentes nas políticas de assistência e de educação destinadas
a crianças pobres.
Historicamente as ações direcionadas à criança pobre, em
especial àquela tida como desvalida ou delinquente, mostram-
se efetivamente insipientes, esvaziadas e, em muitos momentos,
extremamente perversas. A carga ideológica que se expressa
nessas ações e nos discursos adota a lógica de culpabilização
do indivíduo, próprio da perspectiva liberal predominante na
sociedade capitalista. Nessa perspectiva, a culpa será sempre
dos miseráveis, uma vez que se apresentam como incapazes,
desajustados e preguiçosos, de modo que precisam ser vigiados,
moldados, saneados, para conter a ameaça que a sua existência
representa.
O Código de Menores de 1927 é um marco legal
importante na regulamentação de ações punitivas para os
menores com atitudes desaprovadas. Além de regulamentar o
trabalho de crianças e adolescentes, inferia que as emergências
do “menor perigoso” era causado por sua condição de pobreza.
Desse modo, o trabalho assumiria a importante tarefa de
salvar crianças e jovens do ócio e do vício, mantendo-os longe
da marginalidade e os preparando para sua vida adulta.
As unidades de atendimento da FUNABEM assumem
essa lógica e apresentam como proposta integrar educação por
meio do trabalho. A ideia era lhes garantir um ofício para torna-
los úteis à nação. Em nenhum momento pudemos perceber o
interesse na elevação intelectual desses indivíduos. Trata-se
apenas de medidas educativas com foco na modelagem de
comportamentos. O objetivo é transformar aquele indivíduo
em um ser apto a conviver e servir à sociedade, sem se preocupar
com as condições reais sobre as quais edificará sua existência .
Nesse sentido, o trabalho apresenta-se ainda como
medida “terapêutica” para o reestabelecimento de crianças
e adolescentes assistidos pela Fundação. A ideia prevalente

TRABALHO E EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA POBRE NA PROPOSTA DA FUNABEM 75


(1964-1990): ADAPTAÇÃO E REPRODUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS
remete ao senso comum no que se refere à defesa de que
“é melhor trabalhar do que roubar”, embora esse discurso
sirva apenas para enquadrar os filhos de pobres. Em hipótese
alguma essa compreensão se aplica às crianças das classes
privilegiadas.
A partir do exposto podemos afirmar que está contida
na proposta da FUNABEM toda lógica prevalente na Ditadura
Militar, qual seja, a ideia de desenvolvimento econômico e a
garantia da segurança nacional. Entendemos que o modelo
de educação que se propõe a realizar tende a validar a relação
de desigualdade instituída no ordenamento burguês. Isso se
explicita na medida em que o discurso educacional da instituição
investigada preza pela adaptação de crianças e adolescentes
numa sociedade marcada por profunda desigualdade social.
A FUNABEM não problematiza de forma radical o projeto
societário da época, nem poderia fazer sob pena de negar a si
mesma. Assim, o Estado não é concebido como instância das
classes dominantes. Por se negar a fazer essa discussão, tanto a
desigualdade social, quanto a ação repressiva e modeladora do
Estado emergem como elementos que devem ser conservados,
permitindo apenas parciais modificações. A ênfase passa a ser
a subjetividade, pois pretendem modificar os indivíduos, porém
mantendo o ordenamento social responsável pelo surgimento
da marginalidade.

Referências

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Nacional. 1. ed. Belo Horizonte: Veja-Novo, 1985.

BECHER, Francielle. Os “menores” e a Funabem: influências


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Nacional de História – ANPUH. São Paulo, julho 2011. CD-
ROM.

76  Maria Escolástica de Moura Santos • Mayara Macedo Melo


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TRABALHO E EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA POBRE NA PROPOSTA DA FUNABEM 77


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78  Maria Escolástica de Moura Santos • Mayara Macedo Melo


PICOS E A CONSOLIDAÇÃO
DE SUA REDE ESCOLAR1

Jane Bezerra de Sousa

T
odas as sociedades possuem a sua história, com a
cidade de Picos (PI) não seria diferente, ali também
existe na memória do povo e nos documentos
escritos, as marcas na cidade dos tempos passados, o cotidiano,
as emoções, a vida privada, histórias que perpassaram de “boca
em boca” e sobreviveram no tempo, mas que correm o risco de
se perderem, caso não sejam escritas ou registradas.
Picos (PI), localiza-se à margem direita do rio Guaribas,
estando rodeada de montes picosos, que lhe legaram o nome.
É o principal entroncamento rodoviário do Estado e o segundo
do Nordeste. Localiza-se a 306 km da Capital Teresina (PI). O
início do povoamento deu-se com a vinda de compradores de
cavalos, originados de Pernambuco e Bahia. O primeiro lugar a
ser devassado foi o atual município de Bocaina, em que Antonio


1
Este artigo é parte da dissertação de mestrado da autora, intitulada:
Picos e a consolidação de sua rede escolar : do Grupo Escolar ao
Ginásio Estadual.

PICOS E A CONSOLIDAÇÃO DE SUA REDE ESCOLAR 79


Borges Marinho edificou, em 1754, uma capela, a qual ainda
existe. Em 1851, erigiu-se a freguesia no Povoado sob a invocação
de Nossa Senhora dos Remédios. Em 20 de dezembro de 1855,
foi elevada à categoria de vila pela Resolução provincial nº 397,
sendo desmembrada de Oeiras e ficando na ordem judiciária
de Jaicós. Em 1859, a cidade de Picos foi edificada no local
onde ficava localizada a fazenda de gado da família de Félix
Borges Leal, português vindo da Bahia que instalou a fazenda
Curralinho às margens do rio Guaribas. Como a maioria das
cidades do Piauí, Picos surgiu da combinação fazenda, curral
e capela. Em 12 de dezembro de 1890, foi elevada à categoria
de cidade.
No período de povoamento da região, nos idos de 1754,
era marcante a figura do vaqueiro em virtude mesmo de ser ali
uma região predominante de fazendas. A educação informal,
que formava o vaqueiro, se dava através da imitação da rotina
do dia-a-dia, das atividades do pastoreio, numa sociedade
em que a criação de gado e a agricultura de subsistência
eram os principais meios de sobrevivência. Nesse momento,
a preocupação com o saber ler e escrever era superada
pela necessidade e pelo desejo do aprendizado do trabalho
cotidiano.
Em 1851, foi nomeado o professor da cadeira de primeiras
letras Joaquim Jusselino Viriato Formiga. Em 1854, já havia
uma escola de primeiras letras para o sexo masculino, a qual
contava com 17 alunos, enquanto, as mulheres do povoado não
dispunham de professoras públicas, dedicando-se apenas aos
afazeres do lar, à criação dos filhos e aos cuidados do marido.
Somente em 1867, foi criada, pela Assembleia Legislativa
Provincial, uma escola de primeiras letras para o sexo feminino,
tendo como professora Mariana Joaquina de Almeida Brito.
Outros professores desse período foram os mestres-escolas
ambulantes, que se embrenhavam sertão adentro, ministrando

80  Jane Bezerra de Sousa


as primeiras letras. Eles eram membros da comunidade que
mais sabiam ler, escrever, contar, dedicando-se ao ensino desses
conhecimentos. As aulas funcionavam em casas alugadas ou na
casa dos alunos, sem livros, com móveis disponibilizados pelos
próprios alunos, tendo muitas vezes o chão como quadro de
escrever ou as pequenas lousinhas de ardósia que carregavam
debaixo do braço. Os mestres-escolas ambulantes trabalhavam
temporariamente nas fazendas e povoados ensinando meninos
e meninas a escreverem as primeiras letras, exercendo assim
o magistério nas incursões pelo interior. Aplicavam muitas
vezes castigos para que a aprendizagem se efetuasse como a
palmatória e a troca de bolos entre alunos caso não aprendessem
a lição. Com esses procedimentos intentavam manter sua
autoridade, além de acreditarem na eficácia do ensino dessa
maneira. Em sua maioria, a atividade dos mestres-escolas era
subsidiada pelos pais de família. Segundo A. Sampaio (1996)
os mestres desapareceram à medida que o Estado enviou as
primeiras professoras públicas para ensinar de graça, o que o
autor caracteriza como uma luta desigual entre o mestre que
cobrava e a professora que não cobrava nada. A estabilidade
funcional dessas professoras era algo que os mestres-escolas
ambulantes não conheciam.
Nesse processo de substituição dos mestres por
professores subsidiados pelo Estado, chegou à vila a primeira
professora normalista em 1886. Era Dona Ana Clara de Lima
Castro esposa de Joaquim das Chagas Leitão. Conforme Lopes
(2001), ela formou-se na Escola Normal do Piauí em 1883.
Anos depois, precisamente em 1900, foi criada uma vaga de
professor público municipal para ministrar aulas no povoado
Genipapo. Esta situação perdurou até a fundação do Grupo
Escolar Coelho Rodrigues.
A implantação do Grupo Escolar Coelho Rodrigues
ocorreu em 1929, período em que predominava na cidade o
coronelismo. Sua fundação coincide com as transformações

PICOS E A CONSOLIDAÇÃO DE SUA REDE ESCOLAR 81


ocorridas naquele período em todo o Brasil, como a urbanização
das cidades, energia elétrica, mercado público.
O modelo de Grupo Escolar fez desaparecer lentamente
a figura do mestre-escola e das escolas primárias de caráter
particular de primeiras letras. O Grupo Escolar e a modernidade
educacional exigiam a presença de um outro tipo de professora,
vinda das Escolas Normais. A chegada das normalistas, Maria
das Neves Cardoso Santos, Alda Rodrigues da Mata Neiva e
Ricardina de Castro Neiva à cidade mudou o ritmo de vida
das pessoas, ao introduzirem novos comportamentos, novos
conhecimentos. O entrelaçamento com a estrutura de poder,
ao se casarem com prefeitos e outros políticos, permitiu
opinarem e participarem das gestões como primeiras damas.
Proporcionaram a apresentação de dramatizações e festas
em suas residências. Além disso, os novos métodos de ensino
utilizados na sua prática cotidiana fizeram do Grupo Escolar
um centro irradiador de saber que permitiu aos alunos
prosseguirem seus estudos no Ginásio em outras cidades. Além
disso, as normalistas despertaram a vontade de que as filhas
da terra procurassem estudar, se formassem e retornassem
para atuar no Grupo Escolar Coelho Rodrigues.
As memórias de Nevinha Santos são de muita importância
para entender esse período do Grupo Escolar por ela relatar o
dia-a-dia, as práticas escolares, o convívio das normalistas, o
retrato da cidade, a maneira de pensar e de se comportar da
comunidade daquele período. Suas memórias proporcionam
uma viagem no tempo, observando a antiga cidade de Picos
como se fosse num filme ou num “trailer”, em que tudo é
reconstituído na imaginação de quem está lendo.
Como entidade modernizante, o Grupo Escolar
requeria um professor qualificado, por isso a combinação
consubstanciada na aliança entre Grupo Escolar/ Escola
Normal/professora normalista. Segundo Vilella (1998), as

82  Jane Bezerra de Sousa


Escolas Normais representavam o novo em substituição ao
que era velho, no caso, os mestres escolas, com saber prático
ou algumas vezes, sem domínio da arte de ensinar. Conforme
Lopes (2001), a normalista representava assim uma professora
preparada nos mais modernos métodos de ensino e apta a
trabalhar no Grupo Escolar.
Após a inauguração do Grupo Escolar, no dia 15 de
fevereiro de 1929. A diretora Alborina Silveira Reis, com
a colaboração das professoras, cuidava de toda a parte
burocrática da escola desde a matrícula até o preenchimento de
certificados de conclusão, assumindo assim um papel central,
com poder de mando sobre alunos e professores, constituindo-
se dessa forma em elemento fundamental e centralizador na
escola. Segundo Souza (1998, p. 76),

[...] dela se esperava tudo: organizar, coordenar, fiscalizar


e dirigir o ensino primário ... Encarregado de acompanhar
todo o movimento das aulas, proceder à matrícula,
classificação e eliminação dos alunos, organizar mapas e
folhas de pagamento, fazer toda a escritura do grupo, visar
os boletins mensais dos alunos a fim de serem entregues
aos pais, exercer sobre os alunos constante vigilância, quer
em recreios, quer em horas de trabalho.

Foram diretoras do Grupo Escolar, no período de 1929


a 1944, Alborina Silveira Reis, Ricardina de Castro Neiva,
Maria das Neves Cardoso Santos, Benvinda Nunes Santos e
Julieta Martins Neiva Nunes, todas indicadas por políticos que
gozavam do poder em cada época. Normalmente consideravam
para a indicação ao cargo o critério de parentesco: Ricardina
Neiva era esposa do Prefeito Dr. Antenor Neiva; Maria das Neves
Cardoso Santos era esposa do Prefeito Adalberto de Moura
Santos; Benvinda Nunes Santos era filha de Elizeu Pereira
Nunes, ex-prefeito de Picos, e Julieta Martins Neiva Nunes era
irmã do Dr. Antenor Neiva.

PICOS E A CONSOLIDAÇÃO DE SUA REDE ESCOLAR 83


Na cidade, a maioria das crianças de seis a catorze anos
eram analfabetas. A pedido do Coronel Francisco Santos, as
crianças foram separadas pela idade, sendo feita uma seleção:
os menores ficariam numa sala e as maiores, em outra, cursando
a 1ª. Série, pois todas precisavam aprender indistintamente. A
mesma professora acompanhava a turma da 1ª. à 4ª. série. Para
Souza (2004, p. 114), ”o modelo colocava em correspondência
a distribuição do espaço com os elementos de racionalização
pedagógica – em cada sala de aula uma classe referente a
uma série; para cada classe, um professor”. No Grupo Escolar
Coelho Rodrigues, o princípio de cada série numa sala de aula
foi adotado, ficando ainda as crianças de faixa etária diferente
em salas diferentes, embora na mesma série.
Os alunos aprendiam noções de História e Geografia,
estudavam as principais regras de gramática e de matemática,
tinham aulas de Educação Moral e Cívica. Além disso,
aprendiam bons hábitos, bons costumes, noções de higiene,
respeito às autoridades civis, militares e eclesiásticas e amor e
respeito a Deus e à Pátria. No início da aula, cantava-se o Hino
Nacional e, no fim, o Hino da Bandeira ou do Piauí.
Ainda em 1929, o Estado ampliou suas escolas fora da
sede do município e criou, sob a lei nº. 40 de 17 de agosto
do mesmo ano, escolas nos povoados Genipapo, Riachão,
Bocaina e São Luís. Em 11 de outubro de 1929, a Diretoria
Geral de Instrução Pública, então dirigida por Christino Castelo
Branco, exonerou a professora interina do povoado Riachão,
Albertina Maria de Castro Leitão, por considerar falsos os
mapas e atestados apresentados pela mesma. Essas escolas
funcionaram legalmente até 1931, quando são fechadas pela
Diretoria Geral de Instrução Pública, em 30 de novembro,
devido a pouca frequência de alunos. Nessa época, a escola
de Genipapo tinha 29 alunos; a de Riachão, 19; a de Bocaina
14 e a de São Luís, 22. Com o fechamento dessas escolas ficou

84  Jane Bezerra de Sousa


somente a de Picos, que tinha 49 alunos. Estavam assim as
outras aquém do permitido no regulamento, motivo pelo qual
não deveriam ser conservadas, uma vez que o resultado dessas
escolas era inapreciável, segundo documento de nº. 539, da
Diretoria Geral de Instrução Pública, assinado pelo diretor
Benedicto Martins Napoleão.
Na época, a administração do município estava sob
o comando de Plínio Mozart de Morais, que, ao assumir a
Prefeitura, enviou um relatório para o Governo do Estado,
em dezembro de 1931, descrevendo a situação da educação
no município, relatando que as escolas localizadas nas
povoações não estavam em condições de funcionamento. Na
sua visão, isso ocorria em função dos professores serem leigos,
e, consequentemente, os pais tiravam os filhos da escola,
por considerarem o ensino deficiente. Essa atitude dos pais
provavelmente também decorreu da presença da professora
normalista na cidade e do funcionamento do Grupo Escolar
Coelho Rodrigues, considerado até então como um ensino
moderno e de qualidade.
Em 1932, precisamente no dia 02 de janeiro, foi fechada
a escola mista de Picos, sob alegação de essa instituição
não atender aos interesses do ensino. Provavelmente esse
ato ocorreu em virtude do funcionamento do Grupo Escolar
Coelho Rodrigues, que atendia à demanda dos alunos da sede
municipal.
Até então a ação do município em educação era muito
incipiente. Somente em 1935 foi fundada a primeira escola
municipal, funcionando num mesmo espaço físico, denominada
de Escola Municipal Landri Sales, localizada em casas alugadas
na Rua Grande, atualmente Avenida Getúlio Vargas.
Havia grande rivalidade entre os alunos da Escola
Municipal Landri Sales e os do Grupo Escolar Coelho Rodrigues,
conforme Duarte (1995, p.61):

PICOS E A CONSOLIDAÇÃO DE SUA REDE ESCOLAR 85


a disputa se dava nos mais variados aspectos: culturais,
desportivos e até nos desfiles realizados em ocasiões
solenes. Motivos das rusgas entre os alunos eram os
apelidos dados aos estudantes de cada escola: por causa
das letras C e R, o Coelho Rodrigues era chamado de Cera
Roubada; as iniciais L e S do Landr Sales inspiraram o
apelido de Lombriga Salgada.

O aluno Dimas Lélis (2004) relembra o tempo em que


estudava no Landri Sales. Analisando suas memórias, podemos
notar que o comportamento, a metodologia e as práticas
educacionais eram semelhantes às implementadas no Grupo
Escolar Coelho Rodrigues, até porque algumas das professoras
da Escola Municipal Landri Sales também atuavam no Grupo
Escolar, como era o caso da professora Maria do Socorro
Santos

Cantávamos o Hino Nacional, da Independência e do Brasil.


Todo caderno tinha letras desses hinos. O que marcava
mais a gente era do dia do aniversário do Presidente Vargas,
o aniversário do Prefeito de Picos, desfilava nas ruas com
a banda de música, distribuíam bombons para gente.
Tinha festinha quando era aniversário da professora. As
professoras eram bem trajadas, naquele tempo a gente
chegava na escola, ela olhava detrás das orelhas. O castigo
era escrever frases contradizendo o que tinha feito, às
vezes ficava mesmo de joelhos. Naquele tempo, quando
a professora reclamava e ia de castigo, a gente ia logo pra
ver se ela não mandava dizer aos pais. O castigo era duro.
Tinha um livro que era Coração de criança. No sábado
colocavam a gente pra ler, leitura de classe. A professora
notava quem tava conversando e de repente mandava
continuar pra ver quem estava prestando atenção na
leitura do amigo, coisas práticas que hoje poderia vigorar.

Até 1943 o Grupo Escolar Coelho Rodrigues e a


Escola Municipal Landri Sales eram as instituições escolares
responsáveis pela educação na sede do município, mas as

86  Jane Bezerra de Sousa


carências já eram evidenciadas no ensino municipal como
também algumas dificuldades no ensino ministrado pelo
Grupo Escolar. A alta demanda da população por instrução,
estimulou a elite econômica da cidade que também motivada
pela promoção de ensino de qualidade e pela formação religiosa
dos colégios da capital como o Diocesano e o Colégio das
Irmãs, inicia a articulação da vinda das freiras para o município
de Picos, a fim de educarem suas filhas com vistas não apenas
aos aspectos didático pedagógicos, mas também à modelação
dos comportamentos, à valorização da religiosidade e à
aprendizagem de prendas domésticas.
Antes da fundação do Instituto Monsenhor Hipólito,
existiram em Picos outras escolas de caráter privado como a
de Miguel Lidiano, a de Mário Martins, a de Zezé Eulálio e a
de Ulisses Rocha, destinadas ao ensino primário. A primeira
escola de caráter confessional fundada em 1944 foi o “Colégio
das Freiras”, como era comumente conhecido até o ano de
1972, quando ocorreu a unificação dos cursos primário e
ginasial, passando então essa escola a ser denominada Instituto
Monsenhor Hipólito.
Em 1943, encontrando-se enfermo no Hospital Getúlio
Vargas, o Monsenhor João Hipólito, acompanhado do seu
sobrinho, o Reverendo Paulo Libório, manifestou às Irmãs Filhas
do Coração Imaculado de Maria o desejo que ambos tinham
de fundar um colégio religioso na cidade de Picos, terra natal
do Monsenhor. Após a sua morte, o monsenhor Paulo Libório
recorreu à madre geral, Irmã Maria de Jesus e a Dom Severino
Vieira de Melo, pedindo freiras para instalar a escola em Picos. O
pedido foi prontamente atendido. No dia 28 de julho de 1943,
saíram de Teresina as primeiras freiras, que, após dois dias e
meio de viagem, chegaram a Picos às 13h, sendo recebidas por
Adalberto Santos, Celso Eulálio, Edith Leopoldo e Benvinda
Nunes (HISTÓRICO, 1994). O ensino privado consubstanciou-

PICOS E A CONSOLIDAÇÃO DE SUA REDE ESCOLAR 87


se na fundação do Instituto Monsenhor Hipólito, pelo empenho
da igreja e da elite picoense, iniciando o ensino de datilografia e
de bordado para as meninas e se consolidando como formador
das elites picoenses, especialmente femininas.
Até o ano de 1949, a cidade de Picos não possuía Ginásio.
O Grupo Escolar Coelho Rodrigues, a Escola Municipal
Landri Sales, o Instituto Monsenhor Hipólito e os professores
municipais espalhados em casas e escolas improvisadas,
ensinando a ler, a escrever e a contar, constituía o panorama
educacional da região. Quem desejasse ampliar os estudos ia
para Teresina, Crato ou Floriano, como lembra Oscar Eulálio
(2005):

Daqui foram colegas fazer o curso em Teresina no ginásio,


fomos a cavalo, viagem que durou 27 dias. Descansávamos
debaixo de uma tenda feita de couro de boi onde
armávamos as redes uma ao lado da outra. Levávamos
requeijão, rapadura, bode, carne de gado. Certa vez,
tivemos que esperar oito dias pois o rio estava cheio e não
tinha como passar. Passamos o mês de dezembro viajando
saindo daqui dia 03 e chegamos lá dia 27 de dezembro de
1943.

Era uma viagem cansativa e dispendiosa mesmo para


as famílias abastadas do município, que logo passariam a
reivindicar a estruturação dessa modalidade de ensino na
cidade. Foi nesse cenário que surgiu a necessidade da fundação
de um Ginásio na cidade, o que representava um anseio dos
jovens egressos do Grupo Escolar Coelho Rodrigues, os quais
desejavam a continuidade dos estudos, ascensão social e maior
prestígio. Era uma forma de se chegar ao ensino superior. A
procura pelo ensino secundário na região se deu em função
também das modificações que vinham ocorrendo no país desde
1930, com o crescimento da população, o deslocamento da

88  Jane Bezerra de Sousa


população rural para as zonas urbanas e as exigências de maior
escolarização devido ao crescente processo de urbanização.
Segundo Dimas Lélis (2004), ex-aluno do Ginásio
Estadual Picoense, teria o prefeito da época, Celso Eulálio,
feito a seguinte pergunta ao juiz José Vidal de Freitas: ”O que
faço para minha administração nunca ser esquecida?” Logo
veio a resposta:“Crie um Ginásio para a mocidade picoense”.
Dessa forma, Celso Eulálio empreendeu várias visitas à capital
em busca da criação do Ginásio, como noticia o jornal O Piauí,
de quinta feira, 25 de agosto de 1949.

Prefeito Celso Eulálio


Procedente da progressista cidade de Picos, encontra-
se nesta capital nosso amigo e distinto correligionário
Prefeito Celso Eulálio que para aqui se dirigiu a fim de
tratar de interesses de seu próspero município.
Ao distinto itinerante, que é um dos políticos de maior
prestígio do estado e que nos deu o prazer de uma visita,
apresentamos votos de boas-vindas e profícua estada
(PREFEITO, 1949)

Outra matéria no mesmo jornal já noticia os motivos que


levaram o Prefeito Celso à capital:

GINÁSIO PICOENSE SUA PRÓXIMA INSTALAÇÃO


O povo picoense, tendo a frente o dinâmico Celso Eulálio,
está vivamente empenhado no louvável propósito de levar
a efeito no princípio do ano vindouro a instalação do
Ginásio Picoense, aspiração máxima daquele grande povo.
Para isso quando da estadia do ilustre chefe do executivo
municipal picoense nesta capital foi lavrando um acordo
entre o Governo do Estado e a Prefeitura Municipal de
Picos, transferindo o Governo Estadual àquela Prefeitura
de acordo com o que estabelece a constituição estadual
os poderes que lhes foram conferidos para criação e
instalação daquele estabelecimento de ensino secundário,

PICOS E A CONSOLIDAÇÃO DE SUA REDE ESCOLAR 89


na terra de Coelho Rodrigues por não estar em condições
de fazê-lo no momento (GINÁSIO, 1949).

A matéria do jornal também se referia ao entusiasmo do


povo picoense, exaltando o chefe do poder executivo municipal,
ao mesmo tempo que informava sobre a formação de uma
comissão central composta por membros da comunidade
picoense, como o Dr. Fonseca. Essa comissão ficou sob a
presidência do prefeito Celso Eulálio e tinha como objetivo
arrecadar fundos para o funcionamento do Ginásio. Como
se vê, o governo do Estado, representado por José da Rocha
Furtado, se empenhou apenas na autorização e funcionamento
regular do Ginásio, alegando falta de recursos financeiros no
Departamento de Educação fato que não difere do modelo
de interiorização desse nível de ensino em Parnaíba e Floriano
ainda na década de 20, que resultou da ação dos governos
municipais e de membros da própria comunidade.
Olímpio (1993, p. 32) apresenta a seguinte explicação
para a falta de investimento do governo Rocha Furtado em
educação:

Essa situação era fruto da intransigência da maioria dos


deputados, de filiação pedessista, que fazia oposição
a Rocha Furtado e relutava em aprovar qualquer
suplementação de verba para o Departamento de
Educação, enquanto o governo não atualizasse o
pagamento de seus subsídios, em atraso há algum tempo.

A implantação do Ginásio Picoense implicou em muitas


brigas políticas entre os partidos e grupos dominantes da
política municipal: a UDN (União Democrática Nacional) e o
PSD (Partido Social Democrático), ambos fundados em 1945,
quando, segundo Bueno (2002, p. 344), “Vargas se viu forçado
a baixar a guarda e, no dia 28 de fevereiro, assinou o Ato

90  Jane Bezerra de Sousa


Adicional n. 9, fixando o prazo de 90 dias para a realização das
eleições”. No Piauí, a UDN, contrária ao regime getulista tinha,
um órgão de notícias intitulado “O Piauí”, que basicamente
enaltecia os feitos udenistas e decrescia a ação do PSD. A briga
relativa à implantação do Ginásio ocorreu entre os partidos e
líderes políticos em função da repercussão na comunidade da
ideia de criação dessa escola.
Como fundar um Ginásio em Picos seria uma obra
audaciosa e de cunho importante diante do anseio da
comunidade, os deputados Alberto Monteiro e João de Moura
Santos, ambos do PSD, chegaram a votar contra na Assembleia
Legislativa para que tal ato não favorecesse os deputados
Antenor Neiva e Hélio das Chagas Leitão (UDN). Este último
concedeu entrevista ao Jornal Piauí sobre esses acontecimentos:

Já foi dada a autorização pelo Ministério da Educação


para realização dos exames de admissão que se realizarão
nos dias 06 e 07 de março vindouro. Com esse grande
empreendimento o povo da minha terra vê coroado de
êxito o seu velho sonho. No começo advertido por amigos
de que certos elementos trabalhavam contra o Ginásio
não queria acreditar, confesso pois não costumo atribuir
aos outros aquilo que em qualquer circunstância jamais
faria. Os fatos, contudo se encarregaram das provas.
Senão, vejamos : - quando saiu uma comissão formada
de elementos de destaque na sociedade local (udenistas
e pedessista), angariando contribuições para o ginásio,
somente não contribuíram na cidade o chefe pedessista
Chico Santos, seus filhos João de Moura (deputado) e
Valdemar Santos (candidato ao PSD a Prefeito, derrotado
nas últimas eleições e seu genro Hercílio Rocha (gerente
do Banco do Brasil). Com exceção destes cidadãos, os
demais membros da comuna picoense contribuíram e
deram o seu apelo metal. Mas não ficou só nisso, eles
próprios se encarregaram de comprovar que era verdade
o que se dizia a boca pequena, tanto assim que quando

PICOS E A CONSOLIDAÇÃO DE SUA REDE ESCOLAR 91


recebemos a notícia de que o ministério havia dado a
autorização para o exame de admissão, houve uma festa
de regozijo da população sem distinção política. Só não
compareceram esses cidadãos, ainda não permitindo que
membros da família participassem do justo regozijo do
povo (LEITÃO,1950,p.01).

A implantação do Ginásio passa a ser uma luta de


caráter pessoal do prefeito Celso Eulálio, que, em discurso na
Câmara Municipal, se comprometeu em manter o Ginásio com
o dinheiro da prefeitura e até mesmo do seu próprio bolso.
Essa luta tinha como aliada a pressão e a contribuição da
comunidade picoense, que se mobilizava para arrecadação de
fundos pecuniários destinados à implantação do Ginásio.
Assim, o governador José da Rocha Furtado autoriza, em
1949, o funcionamento do Ginásio Estadual Picoense. Segundo
Macedo (1987), “o nosso Ginásio foi criado aos esforços
dos deputados Antenor Neiva e Hélio Leitão. Sua instalação
deve-se à vontade férrea do Prefeito Celso Eulálio. Mas o seu
funcionamento é mérito do Professor Vidal”.
A reunião inaugural do Ginásio Estadual Picoense ocorreu
no dia 09 de março de 1950, como consta no Livro de atas I,
do Ginásio:

Às nove horas da manhã do dia acima citado reuniram-


se, sob a presidência do Governador do Estado José da
Rocha Furtado, Matias Olímpio de Melo, Luiz Mendes
Ribeiro Gonçalves, Agenor Barbosa de Almeida, Agenor
Portela Veloso, Hélio das Chagas Leitão, Demerval Veras,
Gumercindo Saraiva Ribeiro, Celso Eulálio, José de Sousa
Granja, Antenor Neiva e Vidal de Freitas. Realizou-se a
inauguração do Ginásio Estadual Picoense, no prédio
destinado ao seu funcionamento na Praça da Bandeira
(Grupo Escolar Coelho Rodrigues), sendo orador oficial
o Juiz Vidal de Freitas, logo em seguida o Governador
do Estado fez um apelo “a criação do Ginásio pertence

92  Jane Bezerra de Sousa


ao povo de Picos e representa terreno neutro, não serve
a influência dos interesses de ninguém”. Foi oferecido
à noite um grande baile ao Governador do Estado e às
delegações de udenistas de Pio IX e Fronteiras.

A afirmação do governador teria sido em função das


disputas criadas pelos deputados e prefeito em torno do
mérito da criação do Ginásio, uma vez que este feito traria de
alguma forma dividendos políticos para os seus realizadores.
Inicialmente, a sede do Ginásio foi no Grupo Escolar Coelho
Rodrigues, que, embora já desse naquele período claros indícios
de decadência com um prédio necessitando de reformas,
não prejudicou a aura de glória que cobria a fundação do
Ginásio, uma vez que, para a população, não importava onde
funcionasse a instituição, pois o seu caráter de relevância não
se perdia em função da falta de uma sede ou do estado do local
de seu funcionamento.
Picos agora tinha o Ginásio, e isso representava uma
conquista importante no conjunto das cidades piauienses.
O curso ginasial pôs fim à migração precoce dos jovens para
outras cidades, trazendo o sonho da faculdade, os bailes de
formatura, a ampliação do contato com livros e o intercâmbio
com outros Ginásios do estado e do país. É um momento
marcante na memória de todos os Picoenses. Alguns alunos
ainda guardam seus diplomas, o exame de admissão, suas
notas, fotografia de época, possibilitando a recuperação desse
tempo e da cultura escolar.
Assim, de 1929 a 1949, a rede escolar sistematizada com
ensino regular seja estadual, municipal ou privado é consolidada
em Picos, através da fundação das escolas organizadas em série,
com contratações de professores possuidores de formação
específica, uma sede fixa, carteiras, quadros de escrever e
material escolar substituindo assim o cenário anterior em que
predominava os mestres ambulantes sem formação específica

PICOS E A CONSOLIDAÇÃO DE SUA REDE ESCOLAR 93


e nem uma instalação própria para o ensino. Isto se deu
principalmente pelo projeto modernizador após a revolução de
1930 com o governo Vargas que tinha como objetivos apagar
as heranças do período coronelista no Brasil.

Referências

ALBANO, Osildo. Professor José Vidal de Freitas. 1987.


Mimeografado. Museu Ozildo Albano.

EULÁLIO, Oscar Neiva. Oscar Neiva Eulálio: depoimento


[abr. 2005].. Picos-PI, 2005. 2 cassetes sonoros. Entrevista
concedida para elaboração da dissertação da entrevistadora.

GINÁSIO. O Piauí, Teresina, PI, 24 de setembro de 1949.

HISTÓRICO. Revista do Jubileu de Ouro. Caruaru, PE, Editora


Vanguarda, n. 01, p. 18, 1994.

LEITÃO, Hélio. Fala ao Piauí o deputado Hélio Leitão. O Piauí,


Teresina, p.01, 23 de fevereiro de 1950.

LÉLIS, Dimas de Sousa. Dimas de Sousa Lélis: depoimento


[dez. 2004]. Picos-PI, 2004. 2 cassetes sonoros. Entrevista
concedida para elaboração da dissertação da entrevistadora.

LOPES, Antonio de Pádua Carvalho. Superando a pedagogia


Sertaneja: Grupo Escolar, Escola Normal e Modernização da
Escola Primária Pública Piauiense (1908 – 1930) 2001.225f.
Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do
Ceará, Fortaleza, 2001.

OLÍMPIO, José. Liceu Piauiense. Teresina: Gráfica Mendes,


1993.

94  Jane Bezerra de Sousa


PICOS. Conselho de Inspeção do grupo Escolar Coelho Rodrigues.
Relatórios Registrados no livro de Termos de Inspeção do
Referido grupo. 1932 a 1954. Manuscrito.

PICOS. Decreto nº 01, de 02 de janeiro de 1931. Extingue a


escola mista de Picos. Diário Oficial, Teresina, 11 de fevereiro de
1932.

PICOS. Prefeitura Municipal. Relatório da situação do município


de Picos apresentado ao interventor Federal do estado do Piauí pelo
prefeito nomeado, Plínio Mozart de Morais, 1931. Manuscrito.

PREFEITO. O Piauí, Teresina, PI, 25 de agosto de 1949

SAMPAIO, A. Velhas escolas – grandes mestres. Teresina: Comepi,


1996

SOUZA, Rosa Fátima de.Lições da Escola Primária. In:


SAVIANI, Demerval. O Legado Educacional do Século XX no Brasil.
Campinas, SP: Autores Associados, 2004.

______. O direito à educação: lutas populares pela Escola em


Campinas. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1998.

VILLELA, Heloísa de O. S. O mestre-escola e a professora. In:


Lopes, Eliana Marta, et al. 500 anos de educação no Brasil. Belo
Horizonte: Autêntica, 2000.

PICOS E A CONSOLIDAÇÃO DE SUA REDE ESCOLAR 95


BOLETIM INFORMATIVO:
RECONSTITUIÇÃO DA HISTÓRIA DO
CENTRO DE TECNOLOGIA DA UFPI A
PARTIR DE ESCRITOS DE PROFESSORES

Magnaldo de Sá Cardoso
Maria do Amparo Borges Ferro

Considerações iniciais

E
ste trabalho1 apresenta um estudo sobre a publicação
do Boletim Informativo do Departamento de
Estruturas e sua influência no processo político
de escolha de diretores para o Centro de Tecnologia (CT) da
Universidade Federal do Piauí (UFPI).
O Centro de Tecnologia foi implantado através da
Resolução nº 38 do Conselho Universitário, em 25 de agosto de


1
Texto oriundo da comunicação intitulada: Boletim informativo do
Departamento de Estruturas do Centro de Tecnologia da Ufpi: uma
estratégia de legitimação, apresentada na “III Jornadas de estúdio sobre
Prensa pedagógica de los professores. Su contribución al patrimonio
histórico educativo, celebradas em la Facultad de Educación de la
Universidad de Salamanca los días 18, 19 y 20 de octubre de 2018”.

BOLETIM INFORMATIVO: RECONSTITUIÇÃO DA HISTÓRIA DO CENTRO DE 97


TECNOLOGIA DA UFPI A PARTIR DE ESCRITOS DE PROFESSORES
1975, inicialmente constituído pelas Coordenações de Ciências
Agrárias e de Tecnologia. A partir do ano de 1978, houve o
desmembramento da Coordenação de Ciências Agrárias dando
origem aos Centros de Ciências Agrárias e de Tecnologia, este
último estruturado em novos cursos e novos departamentos.
O Brasil dos anos da década de 1980 vivia momentos de
euforia com a volta, ao país, de personalidades2 que retornaram
do exílio imposto pelo regime militar instaurado no poder
através da Revolução de 1964. Retornaram ao país pensadores
como o intelectual Paulo Freire e outras personalidades do
mundo da música, das artes e da política. À época, tomava
corpo a ideia de participação igualitária em todos os segmentos
da sociedade brasileira, notadamente no tocante à escolha de
seus representantes e gestores.
No seio da comunidade da Universidade Federal do
Piauí não seria diferente, todos os centros de ensino da
UFPI articulavam-se para a escolha de seus diretores com a
participação direta dos segmentos que a compunham. Ou seja,
de maneira proporcional, com o voto dos segmentos docentes,
discentes e técnico-administrativos. Havia naquele momento
histórico, a convicção entre toda a comunidade do Centro de
Tecnologia e demais centros de ensino da UFPI, que o modelo
vigente de articulação de lista tríplice com os nomes indicados
pelo Conselho Departamental e posteriormente encaminhada
ao Magnífico Reitor para nomeação junto ao Ministério da
Educação já não representava o sentimento da maioria.


2
A década dos anos de 1980 é marcada no cenário nacional pela
abertura política (1974 a 1988), com o retorno ao país de exilados
que foram expulsos, pelo então governo militar (1964 a 1985), a partir
do ano de 1964. Retornaram ao Brasil inúmeras personalidades
das mais diversas áreas do conhecimento, nomes como o do político
Leonel Brizola, o educador Paulo Freire, os músicos Chico Buarque de
Holanda, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré, entre outros,
fizeram parte desse rol de notáveis brasileiros que tiveram devolvidos
seus direitos políticos.

98  Magnaldo de Sá Cardoso • Maria do Amparo Borges Ferro


Imagem 1-Processo indireto de escolha de diretor

Fonte: Elaborado pelo pesquisador

Até a década de 1980, a articulação dos nomes dos


professores que comporiam a lista tríplice era conduzida pelo
diretor em exercício do mandato, que detinha, por força de
sua posição, forte poder de persuasão sobre os membros do
Conselho Departamental, formado em sua grande maioria
por chefes de departamentos alinhados com o pensamento
da chefia do Centro. A função do Conselho Departamental na
escolha dos nomes era simbólica, meramente homologatória,
tendo em vista uma articulação previamente estabelecida entre
o diretor e os membros conselheiros detentores de voto. A lista
com os três nomes era então, legitimada pelo Conselho que
encaminhava ao reitor, que por sua vez, e em novas articulações,
a enviava ao Ministro da Educação.
A etapa que se seguia, do encaminhamento da lista ao
Ministério da Educação até a divulgação da Portaria ministerial
nomeando o Diretor e Vice-Diretor do Centro de Tecnologia,
era marcada por fortes intervenções do poder político dos
componentes da lista. Desta feita, com envolvimento de

BOLETIM INFORMATIVO: RECONSTITUIÇÃO DA HISTÓRIA DO CENTRO DE 99


TECNOLOGIA DA UFPI A PARTIR DE ESCRITOS DE PROFESSORES
políticos de nível federal, ministros e outras autoridades de
prestígio nacional. De tal sorte, que ocorriam atos, negociações
e decisões muito distantes dos interesses da comunidade que
realmente seria afetada e conduzida pelo gestor a ser indicado.

Imagem 2-Processo direto de escolha de diretor

Fonte: Elaborado pelo pesquisador

A partir dessa década, a indicação para o cargo de Diretor


e Vice-Diretor pelo processo direto com o efetivo envolvimento
dos três segmentos que compunham a comunidade do Centro
de Tecnologia, passava pelo debate de ideias e ação direta da
participação pelo voto. Neste cenário, já não havia articulação
fechada entre membros do Conselho, o que se viu foi um debate
em espaço público com a participação de todos e a certeza
do compromisso assumido pelo futuro gestor em propostas
apresentadas e debatidas com os segmentos interessados no
porvir de realizações da instituição.
Dentre algumas dessas propostas, evidenciam-se as
seguintes: não mais haveria articulações políticas envolvendo

100  Magnaldo de Sá Cardoso • Maria do Amparo Borges Ferro


interesses, dos mais variados, na esfera federal; tornava-se
desnecessária a articulação envolvendo compromissos ou
prestígio pessoal do candidato componente da lista tríplice,
gerando consequências alheias e inconsequentes aos destinos
do Centro de Tecnologia; finitude da insegurança ou da
dúvida da escolha do nome do dirigente orientada apenas
por seu poder político e/ou avaliada por critérios distantes
dos compromissos assumidos através do discurso auferido
em espaço público. Dessa forma, os membros do Conselho
Departamental assumiram a função de legitimar a vontade
democrática da maioria registrada pela manifestação do voto.
Nesse contexto, com o lançamento do Boletim Informativo
o então Chefe do Departamento de Estruturas, candidato
ao cargo de Diretor, acreditava reunir as condições de levar à
frente uma abertura política no CT, contra a posse ao cargo por
indicação. Sendo assim, sinalizou que passaria os quatro anos
seguintes trabalhando a ideia de sua candidatura. Surgem,
a partir daí as estratégias de legitimação de uma proposta
de campanha política, com destaque para a publicação do
Boletim Informativo.

BOLETIM INFORMATIVO: RECONSTITUIÇÃO DA HISTÓRIA DO CENTRO DE 101


TECNOLOGIA DA UFPI A PARTIR DE ESCRITOS DE PROFESSORES
Imagem 03: Boletim informativo CT-UFPI

Fonte: Arquivo do pesquisador3

Desse modo, propõe-se neste artigo uma análise da


primeira edição do Boletim Informativo do Departamento de
Estruturas do CT/UFPI-Brasil, de junho 1985, tomando como
base a legitimação de uma proposta de campanha política


3
A foto da capa do Boletim destaca a Ponte Metálica João Luiz Ferreira,
sobre o Rio Parnaíba, que liga as cidades de Teresina, Capital do
Estado do Piauí à vizinha cidade de Timon no Estado do Maranhão.
Esta ponte foi a primeira obra construída sobre o Rio Parnaíba ligando
os Estados do Piauí e Maranhão.

102  Magnaldo de Sá Cardoso • Maria do Amparo Borges Ferro


presente neste documento, mais especificamente ao cargo de
Diretor e Vice-Diretor, quadriênio 1989/1992, deste Centro de
Ensino.
Complementando a edição, na contracapa do Boletim
encontram-se dois parceiros patrocinadores: a EMPOL-
Eletrometalúrgica Poty Ltda, fabricante de móveis de aço,
estantes e equipamentos elétricos e a Construtora Poty Ltda
com os serviços de Cálculos, Construção Civil, Consultoria e
Projetos.

Imagem 04: Indicativo da Construtora Poty LTDA

Fonte: Arquivos próprios do pesquisador

BOLETIM INFORMATIVO: RECONSTITUIÇÃO DA HISTÓRIA DO CENTRO DE 103


TECNOLOGIA DA UFPI A PARTIR DE ESCRITOS DE PROFESSORES
Nessa perspectiva, vale ressaltar Catani (2013), sobre a
importância de se produzir conhecimentos especializados para
formar e orientar o exercício da docência, que, em nosso estudo,
recai sobre a produção de “Boletins Informativos Oficiais”; e
das ideias de Fávero (2000), quando ressalta a importância do
pesquisador na abordagem e interpretação desses documentos,
uma vez que estes, sozinhos, não falam por si, daí a necessidade
de o pesquisador compreender o pensamento que há por detrás
deles, ancorado em uma base teórica.
Como pontua Catani (2013, p. 119) “a questão de
conhecer as leituras dos professores e as estratégias de
legitimação e imposição de certas representações de autores
[...]” é uma das relevâncias da utilização de tal documento
como fonte.
Desse modo, este intento investigativo partiu da seguinte
problematização: De que forma os créditos das matérias
publicadas no Boletim informativo/1985 da UFPI agregaram
valores no processo que buscou legitimar a candidatura a
Diretor deste Centro de Ensino?
Como contribuição, este estudo ressalta a importância
do gênero “Boletim Informativo” na formação continuada e na
prática de ensino do corpo docente deste Centro de Tecnologia,
pois, como releva Nunes (1990), interpretar documentos é
traduzi-los, e esta tradução está inserida num horizonte finito,
num terreno de pré-compreensões, cujo alargamento não se
dá apenas pela vontade do sujeito do pesquisador, mas pelo
avanço e rumos que assume o conjunto da produção no qual o
seu trabalho se insere.
Para melhor compreensão de como se constitui este
estudo, organizou-se o texto em três seções: na primeira, há uma
abordagem sobre o recorte temporal da publicação do Boletim
Informativo, o movimento nacional de abertura política no
Brasil na década de 1980; em seguida, formular-se um paralelo

104  Magnaldo de Sá Cardoso • Maria do Amparo Borges Ferro


entre os docentes autores do Boletim e os demais docentes
do Centro de Tecnologia e de outras áreas de Engenharia não
presentes no impresso; por último, apresenta-se o legado que a
iniciativa de publicação do periódico deixou como influência na
formação continuada e na prática de ensino do corpo docente
do CT/UFPI.

A publicação do Boletim Informativo

A reestruturação do Centro de Tecnologia surgiu após


a publicação da Resolução nº 38, de 25 de agosto de 1975,
instituída na época pelo, então, Reitor da UFPI e Presidente
do Conselho Universitário, o Magnífico Reitor José Camillo da
Silveira Filho, constituído, inicialmente, pelas Coordenação de
Ciências Agrárias e Coordenação de Tecnologia.
Todavia, foi a partir do ano de 1978, que houve o
desmembramento da Coordenação de Ciências Agrárias dando
origem aos Centros de Ciências Agrárias e de Tecnologia, este
último estruturado em novos cursos e novos departamentos.
Segundo Cardoso (2017), o recorte temporal de 1975
a 1978, compreende desde a criação até o desmembramento
da Coordenação de Ciências Agrárias. Como bem pontua o
autor, este é o momento em que o CT se assume como “[...]
independente e responsável, exclusivamente, pelo ensino
de graduação de cursos nas áreas de Tecnologia” (p. 33). O
autor explicita ainda a implantação dos departamentos de
Construção Civil, Estruturas e Transportes, como também
os cursos de Tecnólogo em Construção Civil, Engenharia de
Agrimensura e Engenharia Civil.

BOLETIM INFORMATIVO: RECONSTITUIÇÃO DA HISTÓRIA DO CENTRO DE 105


TECNOLOGIA DA UFPI A PARTIR DE ESCRITOS DE PROFESSORES
RESOLUÇÃO Nº 18/78
CONSELHO DIRETOR DA FUNDAÇÃO
Dispõe sobre a reestruturação do Centro de Tecnologia e
dá outras providências.
O Presidente da Fundação e Reitor da Universidade
Federal do Piauí no uso de suas atribuições, tendo em vista
decisão do Conselho Diretor e da Fundação em reunião de
15.03.78, e considerando:
- O disposto no art. 18 do Estatuto da FUFPI (Decreto nº
68.531 de 18.05.71);
- Criação do Centro de Ciências Agrárias que absorveu
a Coordenação de Ciências Agrárias do Centro de
Tecnologia.
RESOLVE:
1. Extinguir a Coordenação de Tecnologia criada através
da Resolução nº 38/75.
2. Criar no Centro de Tecnologia (CT) os Departamentos
de:
- Construção Civil
- Estruturas
- Transportes
3. Instituir as Coordenações do Curso de Engenharia Civil,
Agrimensura e do Curso de Curta Duração – Construção
Civil: Edifícios.
[...]
18. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua
publicação, revogadas as disposições em contrário. (UFPI,
1978)

Com a nova estrutura, a Diretoria do CT passou a


funcionar em novas instalações, mais especificamente nos
galpões SG-11 e SG-12, curiosamente conhecido como
“Sibéria”, pelo fato de estarem localizados nos limites da área
do Campus da Ininga, próximo à vegetação nativa existente,
remanescente daquela que fora a antiga Fazenda Ininga,
onde se ergueram os referidos galpões, necessários para o
funcionamento dos cursos já existentes, e de novos cursos que

106  Magnaldo de Sá Cardoso • Maria do Amparo Borges Ferro


estavam sendo criados. A ideia era que as instalações, naquele
primeiro momento provisórias, dariam respaldo ao andamento
dos cursos e uma contrapartida para as futuras e definitivas
instalações físicas para o CT, o que aconteceu posteriormente.
A mudança do CT para as novas instalações ocorreu
durante o período de 1998 a 2004, com a conclusão definitiva
do novo prédio. Durante esse período, a expectativa gerada pela
inauguração de novas instalações motivou todos os segmentos
que compunham o CT, funcionários, alunos, professores,
passando-se a especular, discutir, opinar, prever, quais seriam as
decisões advindas do Conselho Universitário com a já iminente
e definitiva mudança para as novas instalações.
Dentre as muitas expectativas, intencionava-se: voltar
suas ações para a pesquisa e extensão, além do ensino; e
propor soluções inovadoras, consistentes e factíveis em uma
perspectiva regional, contexto no qual o Centro de Tecnologia
está inserido. A mudança passaria também pelo perfil do
Diretor do Centro.

O processo de legitimação da campanha para diretor: um


diálogo entre autores do boletim e os demais docentes do CT

Até a década de 1980, as transições dos mandatos dos


diretores do CT ocorriam pela ascensão do vice-diretor a
diretor, escolhidos, até então, em lista tríplice de nomes em
eleição indireta. Deste modo, via de praxe, o Vice-Diretor era
alçado à condição de Diretor. A seguir, o depoimento do Prof.
Rômulo Gayoso C. Branco :

[...] estive como Vice-Diretor do professor Rafael de 80


a 84. Acompanhei o professor Rafael naquela luta de
sedimentar, consolidar uma estrutura para a Universidade
Federal do Piauí e particularmente uma estrutura para
o Centro de Tecnologia. [...] O professor Rafael tentava

BOLETIM INFORMATIVO: RECONSTITUIÇÃO DA HISTÓRIA DO CENTRO DE 107


TECNOLOGIA DA UFPI A PARTIR DE ESCRITOS DE PROFESSORES
firmar o CT, criando cursos. Tentamos o curso de Elétrica,
de Mecânica e fizemos um projeto para a criação do
Laboratório de Informática, futuro Núcleo de Engenharia
de Sistemas- NES.

Próximo ao final do mandato do Prof. Rafael-Victor


C. do Rêgo Monteiro, o Conselho Departamental reuniu-se,
conforme regulamentação vigente à época, para elaborar a
Lista Tríplice com os nomes que seriam encaminhados ao então
reitor Dr. Nathan Portella Nunes, para que esse indicasse o
Diretor e Vice-Diretor do Centro de Tecnologia. Compunham a
lista os professores: José Lages Monte, Antônio Trindade Barros
e Rômulo Gayoso Castello Branco.
A indicação recaiu sobre os nomes dos professores José
Lages Monte e Antônio Trindade Barros, para Diretor e Vice-
Diretor, respectivamente. Esse fato consta em depoimento do
então indicado a Diretor do CT, prof. José Lages Monte:

[...] em 83 para 84, foi deflagrado o processo para a


substituição do professor Rafael-Vitor. [...] naquela época
quem escolhia a Lista, era o Conselho Departamental.
Encaminhava ao reitor, que então encaminhava ao
Ministro da Educação para a escolha do nome.

A Reunião do Conselho Departamental do Centro de


Tecnologia para a escolha da Lista Tríplice, com os nomes
dos professores a serem indicados pelo reitor para ocupar o
cargo de Diretor, deu-se de fato em momento muito tenso na
comunidade do Centro de Tecnologia. Esse momento é assim
registrado pelo Prof. Wilson Martins de Sousa.

Quando da escolha do Prof. Monte, foi uma reunião


extremamente tensa, com muita influência da Reitoria
com o então Dr, José Nathan Portella. Lembro que a
escolha da eleição no CT, envolveu a segurança da UFPI, os

108  Magnaldo de Sá Cardoso • Maria do Amparo Borges Ferro


conselheiros eram chamados para votar, acompanhados
de uma escolta, quase coercitivamente, algo muito
estranho. Aquilo mexeu muito conosco, comigo, com
o Prof. Rômulo e outros professores. E os estudantes
sentiram que era chegado momento de começar a reagir a
ações tão policialescas, a gente pode dizer assim.

Como consequência, o fato da indicação do prof. José


Lages Monte ao cargo de Diretor do CT, provocou a reação do
prof. Rômulo:

[...] eu já estava no processo, e achava que reunia as


condições de levar à frente aquela abertura que eu queria
para o CT. [...] E me senti alijado, preterido do processo
[...] e isso foi de conhecimento público. Também foi
público que a partir daquele momento tomei a decisão de
ser Diretor do CT. Lutar pra ser. [...] procurei o professor
Wilson Martins de Sousa que à época, foi contra o
processo indireto [...] e disse a ele que pleiteava fazer um
movimento em prol do CT. [...] E passamos quatro anos
trabalhando essa ideia.

A partir da nomeação do prof. José Monte para a direção


do Centro de Tecnologia, estabeleceu-se um confronto político
direto entre dois grupos, nitidamente identificados. Um grupo
liderado pela então Diretoria, e a “oposição”, que tinham
como líderes mais destacados os professores Rômulo Gayoso
Castelo Branco e Wilson Martins de Sousa. A elaboração do
Regimento Interno do Centro de Tecnologia foi motivo de
debates dos mais acalorados entre os membros do Conselho
Departamental. Vivia-se no CT um ambiente de disputa, porém
sempre em defesa dos interesses maiores do Centro.
A partir desse momento acentuou-se o debate de ideias
acerca de eleição direta na escolha do próximo Diretor, com a
participação dos três segmentos que compunham o Centro de

BOLETIM INFORMATIVO: RECONSTITUIÇÃO DA HISTÓRIA DO CENTRO DE 109


TECNOLOGIA DA UFPI A PARTIR DE ESCRITOS DE PROFESSORES
Tecnologia: professores, servidores e alunos. A perspectiva de
eleição direta maturava-se, o Prof. Rômulo do Departamento
de Estrutura e o Prof. Wilson do Departamento de Recursos
Humanos e Geologia Aplicada comungavam pensamentos que
se aproximavam.
Os dois Chefes de Departamentos tinham visão contrária
ao Diretor em exercício e gozavam de maior penetração entre
alunos e servidores. Com isso, cada vez mais ganhava corpo a
ideia de eleições diretas. Assim, os dois pretensos candidatos
iniciaram um processo de planejamento e de estratégias
prevendo uma disputa futura, caso viesse a consolidar-se
as eleições diretas para Diretor e Vice-Diretor do Centro de
Tecnologia. Em depoimento o Prof. Wilson relata:

Então, eu e o Rômulo sentamos, para através de um


Boletim Informativo mostrar setorialmente o que vinha
sendo feito. Começamos a pensar em atividades conjuntas,
que mostrasse quem realmente estava fazendo alguma
coisa dentro do Centro de Tecnologia. Outros faziam,
mas se não tinham um Boletim para informar, ficava a
informação centralizada. Mostramos assim, que tínhamos
várias oportunidades de ocupar espaços.

Catani (2013, p. 115) postula que “a produção de


conhecimentos especializados para formar e orientar o
exercício da docência se torna mais visível na produção de
revistas, manuais de formação, boletins oficiais”. E ainda,
compreende-se com a autora que, “a questão de conhecer as
leituras dos professores e as estratégias de legitimação de certas
representações de autores” (p.119), é que se viu como uma das
importantes ferramentas de Legitimação da legitimação da
candidatura ao cargo de Diretor e vice-Diretor a utilização do
Boletim Informativo como fonte.
Assim, estabeleceu-se uma clara disputa no campo das
ideias por espaços de poder em todos os segmentos do Centro

110  Magnaldo de Sá Cardoso • Maria do Amparo Borges Ferro


de Tecnologia. Por um lado, o Diretor indicado e empossado,
do outro uma corrente de pensamentos contrários à gestão
vigente, composta de professores que se atribuíam boa
penetração entre os segmentos de alunos, servidores e parte dos
professores, conhecimento técnico em engenharia e prestígio
junto à Administração Superior da Universidade.
A partir da publicação do Boletim Informativo do
Departamento de Estruturas, professores liderados pelo Prof.
Rômulo consideravam a possibilidade de a partir dessa primeira
edição, tomá-la como núcleo informativo, uma vez que suas
características explicitavam modos de construir e divulgar o
discurso legítimo sobre ensino e o conjunto de prescrições sobre
formas ideais de realização do trabalho docente (CATANI,
2013). A partir desse momento, deflagrou-se o processo de
movimentação política em prol da próxima gestão da diretoria
do Centro de Tecnologia da UFPI.

O Boletim iInformativo: influência na formação continuada e


na prática de ensino do corpo docente do CT/UFPI

O Boletim Informativo do Departamento de Estruturas


do Centro de Tecnologia da Universidade Federal do Piauí,
Ano I, Nº 1 de junho de 1985 foi publicado em formato 148
milímetros por 210 milímetros e continha oito páginas.

BOLETIM INFORMATIVO: RECONSTITUIÇÃO DA HISTÓRIA DO CENTRO DE 111


TECNOLOGIA DA UFPI A PARTIR DE ESCRITOS DE PROFESSORES
Imagem 05: Partes do Boletim Informativo

Fonte: Arquivo do pesquisador

Na Apresentação (p. 01), justifica-se a criação do Boletim


enfatizando a necessidade de se “estabelecer uma ponte de
comunicação entre o Departamento de Estruturas -DE, [...] com
a comunidade externa ligada à Engenharia Civil”. Vale ressaltar
que, nessa época, o CT abrigava os cursos de Engenharia
Civil, Engenharia de Agrimensura e o curso de Tecnólogos em
Construção Civil – Edifícios. O Departamento de Estruturas
contava “com um corpo docente de dezoito professores, tendo

112  Magnaldo de Sá Cardoso • Maria do Amparo Borges Ferro


doze professores com curso de pós-graduação – seis em nível de
especialização e seis em nível de mestrado”.

Imagem 06: Partes do Boletim Informativo

Fonte: Arquivo do pesquisador

Em seguida, as Informações Gerais (p. 02) promovem o


curso “Projeto Estrutural de Edifícios de Concreto Armado,
período de 08 a 13 de junho, com carga horária de 36 horas,
tendo como ministrante o professor Ricardo Leopoldo e Silva
França, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo”.

BOLETIM INFORMATIVO: RECONSTITUIÇÃO DA HISTÓRIA DO CENTRO DE 113


TECNOLOGIA DA UFPI A PARTIR DE ESCRITOS DE PROFESSORES
Informa que no “segundo período deste ano o DE
oferecerá a disciplina optativa Concreto Protendido – 502/430,
para alunos de engenharia civil, tendo como ministrante a
professora Maria de Lourdes Teixeira Moreira”. Destaca que
a convite da direção do Complexo Escolar “Bela Vista”, o
professor Afrânio Piauiense de Sousa proferiu palestra sobre a
“Informática na Educação”.
Os Cursos de Extensão oferecidos no primeiro período
do ano são listados (p.03), juntamente com a programação de
cursos para o segundo período a serem oferecidos “com início
em julho próximo”.
Às páginas 04 e 05 do Boletim Informativo são
apresentados a seção Trabalhos /Teses com a dissertação
de mestrado defendida em 15.04.81, intitulada: Um modelo
de Manutenção de Estoque de Matéria-Prima, área de
concentração: Engenharia de Sistemas, autor Afrânio Piauiense
de Sousa, orientador Professor Dr. Hans Hermar Weber. E
conclui com a dissertação de mestrado Análise Estática de
Estruturas com Não-Linearidade Física Localizada, defendida
em março de 1981, de autoria de Maria de Lourdes T. Moreira,
tendo como orientador o professor Dr. Edison Castro P. Lima
– COPPE/UFRJ.
Com o título Fatos da Engenharia no Piauí (p.06), de
autoria do professor Rômulo G.C. Branco, o texto discorre
sobre a montagem da Ponte Metálica, repassando a informação
que, “em fins de 1922, chegou a Teresina a primeira remessa
dos perfis metálicos, vindo da Alemanha. A montagem ficou
sob a responsabilidade do técnico alemão Germano Franck,
inauguração ocorrida provavelmente no ano de 1938”.

Considerações finais

Apoiados na convicção de que reuniam as condições


adequadas para ocupar a direção e assim, melhor gerir os

114  Magnaldo de Sá Cardoso • Maria do Amparo Borges Ferro


destinos do Centro de Tecnologia, o grupo de professores em
sua maioria do Departamento de Estrutura e do Departamento
de Recursos Hídricos e Geologia Aplicada propunha a redação
de um novo Regimento do Conselho Departamental com
mais democracia. O novo documento validaria o direito de
participação, através do voto direto, dos três segmentos da
comunidade do Centro de tecnologia: docentes, discentes e
servidores técnico-administrativos.
Neste contexto, a Associação dos Docentes da
Universidade Federal (ADUFPI), tendo à frente o Prof. José
Reis Pereira, sai em defesa de eleições diretas, defendendo
uma posição de escolha democrática dos dirigentes dos
centros de ensino, com a participação de todos os segmentos
representativos.
Assim, ao final do mandato do Prof. José Lages Monte,
novamente deflagra-se o processo sucessório. Desta vez, como
proposta consensual, haveria uma escolha direta dos nomes,
uma eleição democrática na qual os candidatos exporiam
suas ideias para toda a comunidade do CT, ficando definido,
também, que os segmentos de professores, servidores e alunos,
fariam parte, equitativamente, da escolha do novo Diretor.
Foram eleitos, como Diretor e Vice-Diretor, os professores
Rômulo Gayoso Castello Branco e Wilson Martins de Sousa.
A publicação do Boletim Informativo do Departamento
de Estruturas apoiada por professores do Departamento
de Recursos Hídricos e Geologia Aplicada contribuiu para a
consolidação da campanha política do grupo de professores
vitoriosos na eleição direta e democrática no CT, no período de
1989 a 1992.
Assim, segundo consta na Apresentação, “o Boletim surgiu
da necessidade de estabelecer uma ponte de comunicação [...]
com a comunidade externa”, estabelecendo uma linha editorial
centrada em informes, cursos, trabalhos e assuntos de interesses

BOLETIM INFORMATIVO: RECONSTITUIÇÃO DA HISTÓRIA DO CENTRO DE 115


TECNOLOGIA DA UFPI A PARTIR DE ESCRITOS DE PROFESSORES
ligados ao Departamento de Estruturas e/ou programação
de extensão voltadas para profissionais de engenharia Civil
externos à UFPI”.
Entende-se, portanto, que mesmo percebendo a
efemeridade da primeira e única edição do Boletim Informativo
do Departamento de Estruturas, e da maneira como foi
concebido, de forma discreta, é perceptível sua contribuição no
sentido de influenciar na formação continuada ou na prática
de ensino do corpo docente do CT/UFPI. Ressalta-se, pois, a
importância deste tipo de publicação como fonte para estudos
no campo da História da Educação.

Referências

CARDOSO. Magnaldo de Sá. O Centro de Tecnologia da


UFPI: trajetória histórica. Teresina: EDUFPI, 2017.

CATANI, Denise Barbara. A imprensa periódica pedagógica e a


história dos estudos educacionais no Brasil. In: DÍAZ, J. M. H
(Org.). Prensa pedagógica Y patrimônio histórico educativo.
1. Ed. Salamanca: Aquilafuente, 2013. V. 1, p. 115-121.

FÁVERO, M. L. A.. Universidade e Poder. Análise Crítica/


Fundamentos Históricos (1930-45). 2. ed. Brasília: Plano,
2000.

NUNES, Clarice. História da Educação: espaço do desejo. Em


Aberto, Brasília, Ano 9, n. 47, p. 37-45, jul./set. 1990.

BRASIL. Universidade Federal do Piauí. Resolução


18/75.  Dispõe sobre a reestruturação do Centro de
Tecnologia e dá outras providências. Teresina (PI): UFPI, 1975.

116  Magnaldo de Sá Cardoso • Maria do Amparo Borges Ferro


ESCOLA TÉCNICA FEDERAL DO
PIAUÍ: UM OLHAR SOBRE A FORMAÇÃO
DOS PROFESSORES

Samara Maria Viana da Silva Lacerda


A
Escola Técnica Federal do Piauí (ETFPI), lócus
desta pesquisa passou por algumas mudanças,
na sua denominação, no decorrer de sua
história. Quando fundada em 1910 foi denominada Instituto
de Educandos Artífices, logo após, Escola de Educandos
Artífices, depois recebeu o nome de Liceu de Artes e Ofícios,
Liceu Industrial do Piauí, Escola Industrial de Teresina, Escola
Industrial Federal, Escola Técnica Federal do Piauí, Centro
Federal de Educação Tecnológica do Piauí e por último Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí.
Desde a sua fundação, a Escola Técnica Federal do Piauí
oferece cursos profissionalizantes para a sociedade piauiense.
A princípio visava alcançar a camada menos favorecida da
sociedade através das oficinas de serraria, fundição, ferraria,
marcenaria e alfaiataria e cursos de Letras, Desenho e
Aperfeiçoamento.

ESCOLA TÉCNICA FEDERAL DO PIAUÍ: UM OLHAR SOBRE 117


A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES
Atualmente, em 2019, oferece em seus 21 (vinte e
um) campi no Estado, cursos de nível médio integrado ao
técnico, cursos técnicos concomitantes e subsequentes,
cursos tecnólogos e superiores de licenciatura e bacharelado,
atendendo uma grande parcela da população piauiense,
contribuindo para a formação profissional da população e
para o crescimento econômico, social e cultural do estado.
Assim, pensar na educação profissional no Piauí nos
faz refletir a importância dessa instituição para a população
piauiense. Nesse sentido, ao tentarmos compreender suas
inúmeras contribuições para o Estado, nos deparamos com os
cursos ofertados, os professores que ensinavam, e os alunos
que ali estudavam.
A partir da minha experiência enquanto pesquisadora
na área de História da Educação foi que surgiu o desejo de
investigar o tema. Este objeto de estudo surgiu do propósito
de reconstituir a prática pedagógica de um docente da Escola
Técnica Federal do Piauí (ETFPI) através de suas memórias
referente ao período compreendido entre 1967 a 1999, por
perceber a necessidade de levantar e organizar as fontes
documentais da instituição e ainda trazer a memória do docente
pesquisado, as reminiscências de suas práticas pedagógicas e
de formação profissional.
O interesse em pesquisar esta instituição se dá ainda
devido o fato de ter sido aluna do Ensino Médio desta Escola
no período de 2000 a 2002 e ainda por estar desde 2011
trabalhando como professora efetiva na referida instituição de
ensino, ministrando disciplinas para os cursos de licenciatura,
como a disciplina Educação Profissional e Tecnológica que
me fez refletir acerca da história desta instituição, voltando-
me especificamente para a prática pedagógica e formação
profissional dos professores que ali trabalhavam.
A pesquisa proposta apresenta-se relevante pelo fato
da educação profissional ter alcançado espaço não apenas

118  Samara Maria Viana da Silva Lacerda


no Piauí, mas em todo o Brasil, merecendo atenção para a
formação e a prática pedagógica dos professores no período
investigado (1967-1999). O motivo desse recorte se dá pelo
fato de que em 1967, a Escola Industrial Federal do Piauí passou
a ser denominada Escola Técnica Federal do Piauí, e em 1999
foi assinado pelo Presidente da República Fernando Henrique
Cardoso, o Decreto em 22 de março de 1999, que autorizava
a transformação da Escola Técnica Federal do Piauí em Centro
Federal de Educação Tecnológica do Piauí.
Refletindo sobre o tema proposto, surgiu o seguinte
problema de pesquisa: Qual a importância da formação dos
professores para a educação profissional?
Nesse sentido, torna-se necessária esta pesquisa, para
que possamos manter viva na memória individual e coletiva
das pessoas as práticas pedagógicas dos professores desta
instituição e ainda ajudar a refletir sobre a importância, tanto
da Educação profissional para o país, quanto da formação
didático-pedagógica do professor da educação profissional,
visando contribuir para a construção do conhecimento
científico, almejando cooperar na ampliação da construção da
História e Memória do Instituto Federal de Educação, Ciência
e Teologia do Piauí (IFPI) e, consequentemente, na construção
da História da Educação no Piauí.
Com o propósito de responder o problema de
pesquisa definimos como objetivo geral desta pesquisa:
investigar a importância da formação de professores para a
educação profissional. Para o alcance do objetivo proposto,
estabelecemos como objetivos específicos: compreender
a necessidade da formação inicial e continuada para o
exercício da docência; conhecer os diversos tipos de saberes/
conhecimentos dos professores e rememorar a história da
Escola Técnica Federal do Piauí, enquanto instituição de
ensino profissionalizante.

ESCOLA TÉCNICA FEDERAL DO PIAUÍ: UM OLHAR SOBRE 119


A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES
Foi utilizada como abordagem teórico-metodológica, a
Nova História Cultural por permitir ao pesquisador trabalhar
com toda atividade humana, possibilitando a este, o uso de
diversas fontes. Conforme Burke (1992), a Nova História
proporciona a análise e percepção de objetos de estudo, a partir
tanto de novas fontes quanto de novas formas de abordagens,
proporcionando o alcance dos objetivos traçados na pesquisa.
Neste estudo optamos pela pesquisa historiográfica,
pois a mesma possibilitou a reconstituição do passado e a
construção de conhecimentos através da memória do sujeito
pesquisado. Assim, “[...] pesquisar memórias para construir
história exige, hoje, a instauração de um novo tipo de relações
com o passado, a partir de novos pressupostos e procedimentos
que nos são colocados”. (FÉLIX, 1998, p. 64).
Um fato relevante na pesquisa historiográfica é a
memória, pois esta permite a lembrança de momentos vividos
no passado tanto na vida individual quanto coletiva. Dessa
forma, Félix afirma que “[...] as lembranças, constituídas nas
relações sociais, são mantidas nos diversos grupos de referência
e também nos espaços sociais da família, do trabalho, do lazer,
da religiosidade, ancoradas no vivido, na experiência histórica”.
(1998, p. 42).
Assim, as lembranças dos sujeitos são importantes para
reconstituição do passado e investigação do objeto de estudo,
uma vez que a memória não fixa apenas os fatos, mas também
as maneiras de ser e pensar, possibilitando ao investigador
conhecer fatos do passado através de testemunhas do período
estudado.

Enquanto uma lembrança subsiste, é inútil fixá-la por


escrito, nem mesmo fixá-la, pura e simplesmente. Assim,
a necessidade de escrever a história de um período de uma
sociedade, e mesmo de uma pessoa desperta somente
quando eles já estão muito distantes do passado, para

120  Samara Maria Viana da Silva Lacerda


que se tivesse a oportunidade de encontrar por muito
tempo ainda em torno de si muitas testemunhas que dela
conservem alguma lembrança. (HALBWACHS, 1990, p.
80).

Halbwachs nos faz refletir sobre a contribuição do uso


da memória para esta pesquisa, pois a mesma “[...] cria um
imaginário histórico definido pela apropriação pessoal e pela
doação de um sentido peculiar a uma determinada trajetória de
contato e de construção de um patrimônio cultural comum”.
(SOUZA, 2000, p. 15). Portanto, as memórias dos sujeitos
serão importantes para rememorarmos a prática pedagógica
dos docentes, bem como as experiências profissionais e de
formação dos professores dos cursos profissionalizantes da
Escola Técnica Federal do Piauí (ETFPI), pelo fato de os sujeitos
terem sido testemunhas desta história.
Nesse sentido, foi utilizada a História Oral para
compreensão do objeto de estudo a partir das testemunhas
desse fato, uma vez que “[...] essa forma de fazer história chama-
se oral porque a fonte fala e se fala é porque o pesquisador
(a) pediu que falasse sobre determinado assunto; há uma
direcionalidade em relação à fonte, uma pretensão de que fale
o que se quer ouvir”. (LOPES; GALVÃO, 2001, p. 88).
Assim sendo, dentro da História Oral, trabalhei com a
História Oral Temática ou Entrevista Temática, pois “[...] o que
deve presidir são os questionários, que precisam estabelecer
critérios de abordagem de temas. As perguntas e respostas,
pois, são partes do andamento investigativo proposto”.
(MEIHY; HOLANDA, 2007, p. 35).
Neste estudo foi realizado uma entrevista temática com
uma professora de Língua Portuguesa1 da escola pesquisada,


1
O nome da entrevistada foi preservado, mantendo assim o sigilo da
entrevista.

ESCOLA TÉCNICA FEDERAL DO PIAUÍ: UM OLHAR SOBRE 121


A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES
formada em Letras pela Universidade Federal do Piauí, Mestre
em Educação e cursando Doutorado em Educação. A mesma
possui 22 anos de experiência como professora, sendo que
ingressou no IFPI em 1996 quando ainda era denominado
Escola Técnica Federal do Piauí.
Nesta perspectiva, conclui-se que tanto a História Oral
quanto a memória são fundamentais para compreensão
e análise deste objeto de estudo, pois estas trazem à tona
fatos ocorridos no passado que são fundamentais para
compreensão da vida atual dos indivíduos, para que por meio
das significações que estes atribuem aos fatos e possíveis
reflexões possamos reconstituir a prática pedagógica dos
docentes, rememorar a história da Escola Técnica Federal
do Piauí, enquanto instituição de ensino profissionalizante,
através das memórias dos docentes pesquisados, investigar as
experiências profissionais e de formação dos professores dos
cursos profissionalizantes da ETFPI e ainda analisar as políticas
educacionais para o ensino técnico no Brasil.

Formação de professores da educação profissional

A educação profissional surgiu no Brasil com uma oferta


de ensino voltada para pessoas desvalidas, desafortunadas,
apresentando assim uma perspectiva assistencialista que
objetivava atender pessoas das classes sociais menos
favorecidas. Dessa forma, de acordo com Ney (2008, p. 112),
o ensino profissional era “[...] voltado a um ofício ou a posto
de trabalho, sempre pensado como ensino para dar uma
ocupação profissional a um pobre, de modo que este tenha
condições de sobrevivência, e sem o interesse devido por parte
dos governantes”.
O Brasil, conforme Ney (2008) era um país agrário-
exportador até a década 30 do século XX, sem mão de obra

122  Samara Maria Viana da Silva Lacerda


qualificada, o que fazia com que os empresários e governantes
importassem mão de obra estrangeira para o trabalho
nas indústrias. Como estes trabalhadores estrangeiros não
ensinavam seus ofícios e ainda reivindicavam melhorias
salariais, os empresários e governantes passaram a repensar a
educação profissional no país.
Este fato aliado às necessidades de melhor racionalizar a
organização do trabalho fez com que a educação profissional
tivesse um novo direcionamento. Veiga (2007) afirma que sob
a coordenação do Ministério da Saúde foram criadas várias leis
que organizavam o ensino profissionalizante no país. Dentre
estas leis podemos destacar as Leis Orgânicas da Educação
Nacional, também conhecida como Reforma Capanema, nome
do então Ministro de Educação, à época, Gustavo Capanema.
Nesse sentido:

Os principais decretos foram os seguintes: Decreto nº.


4.244/42 – Lei Orgânica do Ensino Secundário; Decreto
nº. 4.073/42 – Lei Orgânica do Ensino Industrial; Decreto
nº. 6.141/43 – Lei Orgânica do Ensino Comercial; Decreto
nº. 8.529/46 – Lei Orgânica do Ensino Primário; Decreto
nº. 8.530/46 – Lei Orgânica do Ensino Normal e; Decreto
nº. 9.613/46 – Lei Orgânica do Ensino Agrícola. Além disso,
o Decreto-Lei nº. 4.048/1942 – cria o Serviço Nacional
de Aprendizagem Industrial (SENAI), que deu origem
ao que hoje se conhece como Sistema “S”. Esse esforço
governamental evidencia a importância que passou a ter
a educação dentro do país e, em especial, a educação
profissional, pois foram definidas leis específicas para a
formação profissional em cada ramo da economia e para
a formação de professores em nível médio. (BRASIL, 2007,
p.11).

A Reforma Capanema proporcionou mudanças


significativas para a educação profissionalizante e possibilitou

ESCOLA TÉCNICA FEDERAL DO PIAUÍ: UM OLHAR SOBRE 123


A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES
além da estruturação no ensino, a criação dos cursos técnicos
de nível médio e uma melhor qualificação da mão de obra.
De acordo com Romanelli (2006, p. 155) esta reforma “[...]
revela uma preocupação do Governo de engajar as indústrias
na qualificação de seu pessoal, além de obrigá-las a colaborar
com a sociedade na educação de seus membros”. Com este
ideal de qualificar mão de obra surgiu no Brasil na segunda
metade do século XIX vários Estabelecimentos de Educando
Artífices nas capitais do país:

O primeiro foi criado em 1840 no Pará, seguido pelas


províncias do Maranhão (1841), São Paulo (1844), Piauí
(1847), Alagoas (1854), Ceará (1856), Amazonas (1858),
Rio Grande do Norte (1859) e Paraíba (1865). Todas
estavam localizadas no Norte do Brasil (divisão regional
da época) com exceção de São Paulo [...]. (REIS; FERRO,
2006, p. 2).

No Piauí, a história da educação profissional não foi


diferente, segundo Ferro (1996), o ensino técnico já existia no
Estado desde a criação do Estabelecimento dos Educandos
Artífices pela Lei nº 220 de 25 de setembro de 1847. Este
estabelecimento foi inaugurado em Oeiras, antiga capital do
Piauí em 1849. Conforme a autora, com a transferência da
capital para Teresina a referida escola também se deslocou
para a nova capital, desde o início de sua implantação o ensino
profissionalizante ministrado na aludida instituição destinava-
se aos filhos das camadas mais pobres da população.
Queiroz (2008) ressalta que após a transferência para
Teresina este estabelecimento foi extinto pela Lei nº 808 de 4
de agosto de 1873. Após esta extinção foi fundado em 1873 um
internato para meninos órfãos da Província, este também foi
fechado em 1875. Cabe ressaltar que houve ainda a tentativa
de fundação do Liceu de Artes e Ofício que não chegou a ser
instalado.

124  Samara Maria Viana da Silva Lacerda


Assim, após as inúmeras tentativas de se estabelecer
uma escola profissionalizante no Estado, é fundada em 1910
a Escola de Aprendizes Artífices “[...] mantida pelo governo
federal, com quatro cursos, dois diurnos (Letras e Desenho)
e dois noturnos (Aperfeiçoamento e Desenho). Completando
estes cursos haviam cinco oficinas: de serraria, fundição,
ferraria, marcenaria e alfaiataria”. (FERRO, 1996, p. 37).
Pensar em uma escola de educação profissional e na sua
história nos faz refletir sobre o cotidiano escolar, a prática
pedagógica e a formação dos professores. Para rememorar a
prática pedagógica dos docentes faz-se necessário investigar as
experiências profissionais e de formação dos professores dos
cursos profissionalizantes desta instituição. De acordo com Brito
(2007) para discutir a formação dos professores é necessário
revisar sua prática pedagógica, refletindo sobre a necessidade
de articular a teoria com a prática “[...] compreendendo a
trajetória profissional, vivenciada no contexto da sala de aula,
como possibilitadora de aprendizagens sobre a profissão [...]”.
(BRITO, 2007, p. 49).
Pacheco e Flores (1999) defendem que o professor é
detentor de um conjunto de saberes contextualizados por
um sistema concreto de práticas escolares que refletem suas
concepções, suas experiências pessoais, bem como suas
frustrações e expectativas da carreira docente. Os autores
afirmam ainda que o docente não nasce professor, havendo
assim a necessidade de processos de aprendizagem de caráter
formal e não formal. Sobre esse fato, a professora entrevistada
relembra:

Comecei dando aulas de Inglês ainda sem ter licenciatura


aos 17 anos. Depois ingressei na Universidade, na
licenciatura em Letras. Fiz especialização e Mestrado
e outros cursos na área da educação. (PROFESSORA,
ENTREVISTA, 2018).

ESCOLA TÉCNICA FEDERAL DO PIAUÍ: UM OLHAR SOBRE 125


A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES
A docente entrevistada narra o início da sua vida
profissional como professora, quando nem ainda possuía
formação acadêmica, após conclusão da graduação, cursou
pós-graduação e outros cursos necessários à sua qualificação
profissional.
O docente da educação profissional nem sempre possuiu
uma formação didático-pedagógica para ministrar aulas. Alguns
professores possuem cursos profissionalizantes e ensinam
em cursos da educação profissional a partir de sua própria
ação. Podemos perceber isto quando em 1967, a então Escola
Industrial Federal do Piauí abriu edital para matrícula em três
cursos: Agrimensura, Edificações e Eletromecânica. Conforme
Rodrigues e Rego (2009, p. 37) “A aceitação da comunidade
foi tão grande que as vagas foram imediatamente preenchidas
[...] As dificuldades foram muitas. Faltava quase tudo: recursos
materiais e humanos, mas principalmente pessoal docente
preparado para as disciplinas técnicas”.
Ao ser solicitada para falar sobre sua experiência como
professora da Escola Técnica Federal do Piauí, a docente
entrevistada relata:

Tem sido um período de muito aprendizado e de


realização profissional. Muitas experiências desafiadoras
como docente em uma instituição multiníveis, com
diferentes cursos, na qual ingressam alunos de faixas
etárias diversas e diferentes percursos de escolarização.
Isso enriquece a experiência docente e nos força a uma
atuação diversificada em termos de práticas educativas
para atender a diversidade do alunado. (PROFESSORA,
ENTREVISTA, 2018).

A professora que ainda atua como docente da Escola


Técnica Federal do Piauí, atual Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Piauí destaca que a instituição atua

126  Samara Maria Viana da Silva Lacerda


em diversos níveis, ofertando cursos de nível médio, técnico,
tecnólogo e de licenciatura o que enriquece a sua experiência
docente.
A formação de professores é importante para o
desenvolvimento das atividades docentes, ocorrendo através da
formação inicial e da formação continuada. Sobre a formação
inicial observa-se:

Assim, o processo de aprender a ensinar pode perspectivar-


se num contexto formativo (formação inicial) ou
num contexto prático (período de práticas de ensino e
experiência de ensino posterior), o que pressupõe a análise
do modo como se adquire e desenvolve o conhecimento
profissional, mas também o estudo das influências
pessoais e contextuais que o condicionam e/ou promovem.
(PACHECO; FLORES, 1999, p. 46).

Nesse sentido, a formação inicial pode ainda ocorrer


em um contexto prático, que é o caso de alguns dos docentes
da educação profissional que não tiveram formação para a
docência na academia, mas num contexto prático, através das
próprias práticas de ensino, experiências, uma vez que “Todos
os conhecimentos que integram o conhecimento profissional
do professor são fruto de uma aprendizagem formal e informal,
adquirida ao nível de várias fontes. (PACHECO; FLORES, 1999,
p. 36).
Tardif (2002) reconhece que o conhecimento produzido
por meio da prática e a partir do processo formativo do
professor é legítimo e é condição para a construção de uma
profissionalidade, gerando a produção de saberes originais e
característicos do fazer docente.
Quanto a formação continuada, Day (2001) a nomeia
de formação contínua, onde esta pode contribuir, de forma
significativa, para o desenvolvimento dos professores e

ESCOLA TÉCNICA FEDERAL DO PIAUÍ: UM OLHAR SOBRE 127


A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES
das escolas. O autor define formação contínua como um
conjunto de eventos ou um programa amplo de aprendizagens
acreditadas e não acreditadas. Acerca desta formação Souza
destaca “a importância dos processos de formação contínua
dos professores, revistos permanentemente para não se
confundirem com atividades pontuais, desconectadas, nos
começos do semestre”. (2012, p. 67).
Uma das dificuldades encontradas era carência de
docentes qualificados para ensinar nos cursos oferecidos pela
instituição. Percebe-se a carência de professores qualificados
quando vemos nos registros alguns dos primeiros alunos desta
escola se tornarem posteriormente professores dos cursos
técnicos. Esta realidade nos faz refletir a prática pedagógica
dos professores dos cursos técnicos ora ofertados pela Escola
Técnica Federal do Piauí, pois alguns não tinham formação
pedagógica para ministrar aulas, uma vez que eram formados
em cursos profissionalizantes sem nenhuma formação
pedagógica.

Esse imperialismo da escola profissionalizante, além de


manifestar divergências ideoepistemológicas, políticas
e teórico-metodológicas, revela as dificuldades de se
identificar uma proposta pedagógica para a educação,
inclusive, ou sobretudo, para a educação escolar. Por
isso, é preciso que os futuros professores e gestores sejam
formados numa visão mais ampla do contexto em que
estão a se formar e façam dele seu objeto de conhecimento
pedagógico. (SOUZA, 2012, p. 87).

Observou-se assim que alguns professores da educação


profissional, embora não possuam os conhecimentos
pedagógicos, necessários ao exercício da docência, possuem
outros tipos de conhecimentos, que também constituem a
sua profissionalidade. Conforme Pacheco e Flores (1999),

128  Samara Maria Viana da Silva Lacerda


o professor para ensinar “dispõe de diversos saberes ou
conhecimentos organizados em diversas dimensões e
delimitados por critérios de profissionalidade”. (p.19).
Para Tardif (2002) saberes ligados ao trabalho docente
são temporais, uma vez que são construídos no decorrer da
prática profissional e produzidos tanto em contexto individual
como coletivo; sendo estes saberes plurais e pragmáticos, por
serem pensados a partir de uma realidade que demanda o seu
desenvolvimento para um contexto prático.
No que se refere aos tipos de conhecimento dos
professores, Pacheco e Flores (1999) recorreram a alguns
teóricos para exemplificar os tipos de conhecimento:

Sockett (1989) refere ainda dois tipos de conhecimento:


o conhecimento pessoal, ligado ao controle da
personalidade do professor e o conhecimento de outros
conteúdos. Também Grossman (1990), procurando
estabelecer uma tipologia do conhecimento do professor,
destaca as seguintes componentes do conhecimento
profissional: conhecimento pedagógico geral (princípios
gerais de ensino, domínio de técnicas didáticas, etc.);
conhecimento do conteúdo (ou da matéria a ensinar);
conhecimento didáctico do conteúdo (que delimita a
sua profissionalidade e é resultante da simbiose entre
o conhecimento da matéria a ensinar e o conhecimento
pedagógico-didáctico relativo ao ‘como’ ensiná-la) e,
finalmente, o conhecimento do contexto (que se reporta
ao onde e ao quem se ensina). (p. 20).

Rodrigues e Rego (2009) destacam que Roberto


Gonçalves Freitas, professor de Língua Portuguesa e de
formação propedêutica e humanística assumiu a direção da
Escola Técnica Federal do Piauí em 22 de janeiro de 1969 para
um período de quatro anos, em sua gestão:

ESCOLA TÉCNICA FEDERAL DO PIAUÍ: UM OLHAR SOBRE 129


A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES
[...] contratou mais professores para os cursos técnicos e
habilitou, na parte de formação didático-pedagógica, os
denominados professores de oficinas, que lecionavam no
curso industrial, além de criar uma assessoria especial para
cuidar da administração do ensino [...] os professores de
disciplinas específicas do ginásio industrial, compunham-
se, na sua totalidade, de ex-alunos com extensa folha de
experiências profissionais, muita competência e experiência
no ensino de ofícios profissionais, mas sem quase ou
nenhuma formação didático pedagógica e portanto sem
a condição legal de exercer o magistério. (RODRIGUES,
REGO, 2009, p. 75, grifo nosso).

Na gestão de Roberto Gonçalves Freitas houve uma


preocupação com a formação didático-pedagógica dos
professores, uma vez que estes não possuíam tal formação.
Dessa forma, para resolver a situação destes docentes, a
Escola Técnica Federal do Piauí fez o convênio com o Centro
de Educação Técnica do Nordeste, e a Faculdade Católica de
Filosofia do Piauí para capacitar estes professores e habilitá-los
para o exercício da docência.
Tardif (2002) nos faz refletir da necessidade de uma
prática profissional dos professores que considere elementos
que possam transformar a sua ação docente, deixando de ser
reprodutivista e passem a ser produtoras, construtivas, a partir
da construção de um leque de saberes fundamentados no estudo
de saberes profissionais dos professores e na produção crítica
sobre as concepções e da relação com os saberes, nos quais os
pesquisadores e os professores socializam em sua formação e
ao longo de suas carreiras. Destaca ainda a necessidade de se
introduzir dispositivos de formação, de ação e de pesquisa que
sejam úteis e significativos as suas práticas.
A professora pesquisada obteve na sua formação a
aquisição de saberes tanto específicos quanto pedagógicos
que são essenciais para o exercício da docência. Assim, ao ser

130  Samara Maria Viana da Silva Lacerda


indagada sobre planejamento de aulas, metodologias, recursos
didáticos e avaliações, a professora afirma:

Faço planejamentos bimestrais e planejo as aulas


diárias providenciando materiais que serão utilizados.
Ministro aulas teóricas, em sala comum, com exposição
de assuntos, seminários, atividades extras...Uso livros
didáticos, livros literários, gramaticais, textos, apostilas...
Faço provas em épocas determinadas pela escola ou outros
trabalhos avaliativos durante o bimestre. (PROFESSORA,
ENTREVISTA, 2018).

Portanto, a professora investigada faz uso do


conhecimento pedagógico no exercício da sua docência, uma
vez que ser professor não se resume em ministrar aulas, mas
planejá-las e ainda avaliar, sendo os conhecimentos pedagógicos
importantes para desenvolver tais ações.
Nesse sentido, ressaltamos a história da educação
como campo de estudo para compreensão da prática
pedagógica dos docentes da Escola Técnica Federal do Piauí,
por compreendermos que há a necessidade de analisarmos a
formação dos professores da educação profissional, tendo em
vista uma perspectiva histórica.

Considerações finais

A partir deste estudo conclui-se que para aprender a ensinar


é necessário a aquisição de determinados conhecimentos,
destrezas, individualidade e expressão pessoal. O processo
de aprender a ensinar compreende o contexto da formação
inicial e o processo de aprender a ensinar. Tal fato também está
presente no contexto dos professores de educação profissional.
Portanto, os tipos de conhecimento que estão presentes
na profissionalidade do docente, são: o conhecimento

ESCOLA TÉCNICA FEDERAL DO PIAUÍ: UM OLHAR SOBRE 131


A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES
pedagógico, o conhecimento curricular, o conhecimento do
conteúdo pedagógico e o conhecimento dos alunos e de suas
características. Sendo esses conhecimentos indispensáveis a
prática docente.
Assim sendo, tanto a História Oral quanto a memória
são fundamentais para compreensão e análise deste objeto de
estudo, pois estas trazem à tona fatos ocorridos no passado
que são fundamentais para compreensão da vida atual dos
indivíduos, para que por meio das significações que estes
atribuem aos fatos e possíveis reflexões possamos reconstituir a
prática pedagógica dos docentes, e assim rememorar a história
da Escola Técnica Federal do Piauí.
Portanto, o conhecimento acerca da história da Escola
Técnica Federal do Piauí contribui para ampliação de fontes na
área da História da Educação, assim como da temática História
das Instituições Escolares, por ser esta uma escola centenária
na sociedade piauiense, influenciando o desenvolvimento
econômico, social, político e educacional do Estado.

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134  Samara Maria Viana da Silva Lacerda


O PROJETO LOGOS E A FORMAÇÃO
DE PROFESSORES LEIGOS
NO PIAUÍ (1973-2001)

Djane Oliveira de Brito

D
entre as políticas públicas voltadas para o campo
educacional no Brasil, verificamos algumas que
foram destinadas à formação de professores.
No início da década de 70, o governo brasileiro idealizou e
implementou o Projeto Logos, que foi planejado nacionalmente
– mas com organização, gerenciamento e execução distribuídos
entre os governos federal, estaduais e municipais – com a
finalidade de reduzir o elevado quantitativo de professores em
exercício no magistério sem a devida formação, os chamados
professores leigos.
Objetivamos, nesse sentido, apresentar o Projeto
Logos em suas duas fases: Logos I e Logos II, cujo período de
implantação e execução ocorreu no intervalo de 1973 a 2001.
Destacaremos, ainda, o contexto sócio-histórico no qual
o Projeto estava inserido, o público ao qual se destinava, a
legislação que o amparava, a técnica de ensino utilizada e os

O PROJETO LOGOS E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 135


LEIGOS NO PIAUÍ (1973-2001)
resultados alcançados, privilegiando, neste contexto, o Estado
do Piauí, participante das duas etapas do Projeto.
Evidenciamos, pela pesquisa bibliográfica levantada,
cujos principais elementos reportam-se a dados divulgados
pelo Governo Federal (o Projeto Logos esteve presente nos 114
municípios piauienses, considerando o período inicial em cena),
que o Projeto Logos foi exitoso na formação de professores
leigos, principalmente pela técnica de ensino adotada, que
utilizava módulos de ensino a distância, permitindo, assim,
que os professores-cursistas, mesmo nos mais longínquos
municípios, pudessem estudar nos horários que lhes fosse
mais conveniente e sem precisar abandonar a sala de aula, que
passou a ser considerada também seu laboratório de estudos.
Desse modo, na primeira parte do trabalho, faremos uma
abordagem sobre a necessidade de formação de professores
leigos. Posteriormente, na segunda e na terceira seções,
respectivamente, detalharemos o Projeto Logos em suas duas
fases: o Logos I e o Logos II, para, ao final, tecermos algumas
considerações acerca desse Projeto neste momento da pesquisa.
É necessários evidenciarmos que este trabalho é fruto de
uma pesquisa inicial do curso de Doutorado em Educação,
da Universidade Federal do Piauí, que, em contexto geral,
pretende analisar o Projeto Logos II e a prática educativa para
a formação de professores leigos no Piauí, a partir de módulos
de ensino a distância, no período de 1976 a 2001.

Formação de professores leigos

O processo de implementação, de consecução de


objetivos e de expansão do Projeto Logos (1973-2001), bem
como a elaboração de sua proposta e o público ao qual se
destinou (professores leigos), ocorreu em um intervalo de
tempo circunscrito pela efervescência política e econômica

136  Djane Oliveira de Brito


brasileira que, inevitavelmente, trouxe consigo mudanças
também no campo educacional. A este respeito podemos
citar alguns acontecimentos: a) a Ditadura Militar no Brasil
(1964-1985), marcada pela atuação dos poderes públicos com
propostas nacionais para atender as demandas educacionais
brasileiras, sobretudo àquelas relacionadas à formação de
professores leigos; b) o período chamado de “milagre brasileiro”
ou “milagre econômico” (1969-1973); e c) a década escolar
(1970), com a elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional n.º 5.692/71.
O crescimento econômico internacional verificado
entre as décadas de 60 e 70 permitiu que o governo brasileiro
utilizasse os sistemas de crédito de países como os Estados
Unidos para alavancar a economia do Brasil, que depois de
experimentar um grande crescimento nos 15 (quinze) anos que
sucederam a Segunda Guerra, começou a amargar, já no início
da Ditadura Militar, elevados índices inflacionários. Conforme
Earp; Prado (2003, p. 11), “o aumento do financiamento
externo, assim como as condições favoráveis ao aumento
das exportações (o comércio mundial cresceu 7,4% ao ano
entre 1961 e 1973) somaram-se para criar condições externas
extremamente favoráveis para a retomada do crescimento
econômico brasileiro”.
Segundo dados apontados por Earp; Prado (2003), saímos
de uma inflação de 90% em 1964, para 16% em 1970. Um dado
extremamente animador dentro de um cenário conturbado, no
qual os movimentos sindicais e estudantis demonstravam nas
ruas suas insatisfações com o governo militar, principalmente
porque os benefícios alcançados com o crescimento econômico
não contemplavam a maior parte da população e a distribuição
da renda era desigual, um pecúlio indesejado do qual não
fomos poupados. No discurso governamental, a educação
tornou-se, nesta conjuntura, “a variável explicativa do nível da

O PROJETO LOGOS E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 137


LEIGOS NO PIAUÍ (1973-2001)
renda. As alterações na composição educacional na força de
trabalho e a dispersão das rendas associadas a dados níveis de
educação resultariam do aumento da demanda por mão-de-
obra qualificada derivado do crescimento econômico” (EARP;
PRADO, 2003, p. 25).
Assim, o discurso de que uma oferta de trabalhadores
com maior escolaridade seria a “solução” para diminuir a
desigualdade na distribuição de renda no país (e não uma
política governamental excludente), foi amplamente propagado
e fez com que a educação assumisse um papel relevante para
o equacionamento desta questão, com vistas a assegurar o
aumento da produtividade e da renda. Conforme aponta
Saviani (2008), o sentido geral da proposta educacional do
governo brasileiro se traduzia

pela ênfase nos elementos dispostos pela “teoria do capital


humano”; na educação como formação de recursos
humanos para o desenvolvimento econômico dentro dos
parâmetros da ordem capitalista; na função de sondagem
de aptidões e iniciação para o trabalho atribuída ao primeiro
grau de ensino; no papel do ensino médio de formar,
mediante habilitações profissionais, a mão-de-obra técnica
requerida pelo mercado de trabalho; na diversificação do
ensino superior, introduzindo-se cursos de curta duração,
voltados para o atendimento da demanda de profissionais
qualificados; no destaque conferido à utilização dos meios
de comunicação de massa e novas tecnologias como
recursos pedagógicos; na valorização do planejamento
como caminho para racionalização dos investimentos e
aumento de sua produtividade; na proposta de criação de
um amplo programa de alfabetização centrado nas ações
das comunidades locais. (SAVIANI, 2008, p. 296).

Analisando os objetivos pretendidos pelo Governo para


a educação elencados acima, percebemos que se trata de uma
proposta direcionada à formação de mão de obra qualificada
para a manutenção de uma visão produtivista da educação,

138  Djane Oliveira de Brito


referendada pela legislação educacional que entrou em vigor
em 1971, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.º
5.692/71, determinando a unificação do antigo primário com
o antigo ginásio, que passou a ser chamado de 1º grau, com
duração de oito anos; além de ter instituído a profissionalização
obrigatória no 2º grau. Partindo da orientação de que os
currículos de 1º e 2º graus deveriam ser compostos de um
núcleo comum obrigatório e uma parte diversificada, o Art. 5,
§ 2º, inciso “a” da referida lei, indica que “A parte de formação
especial de currículo: a) terá o objetivo de sondagem de
aptidões e iniciação para o trabalho, no ensino de 1º grau e de
habilitação profissional, no ensino de 2º grau” (BRASIL, 1971),
o que reitera o disposto anteriormente.
Diante da demanda crescente de novos alunos ocasionada
pela ampliação do acesso à educação, o sistema escolar deveria
buscar alternativas, tanto em termos quantitativos quanto
qualitativos, de formação de profissionais para atendê-la.
Desta maneira, Stahl (1986, p. 18) nos diz que “A formação de
professores deve ser considerada numa perspectiva global, que
leve em conta a necessidade de, concomitantemente, habilitar
e qualificar os professores leigos, formar novos professores
e reciclar os que estão em exercício”1. Disto depreendemos
a necessidade de criação de programas direcionados aos
professores para atender à crescente demanda educacional,
bem como para obedecer ao impositivo da nova legislação (Lei
n.º 5.692/71) quanto à formação de professores:


1
Entendemos que a autora utiliza o termo “reciclar” muito mais por
uma questão terminológica da época, e que esta expressão assemelha-
se e tem sentido análogo ao que hoje denominamos de formação
contínua. Para Gondim (1982, p. 15), professores leigos são aqueles
“que não tem habilitação adequada para o magistério, além disso, em
geral, apresentam precário nível de formação geral, como primário
incompleto, primário completo, ginásio incompleto e, no melhor dos
casos, ginásio completo”.

O PROJETO LOGOS E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 139


LEIGOS NO PIAUÍ (1973-2001)
Art. 30 Exigir-se-á, como formação mínima para o exercício
do magistério:
a) no ensino de 1º grau, da 1ª a 4ª séries, habilitação
específica de 2º grau;
b) no ensino de 1º grau, da 1ª a 8ª séries, habilitação
específica de grau superior, ao nível de graduação,
representada por licenciatura de 1º grau, obtida em curso
de curta duração;
c) em todo o ensino de 1º e 2º graus, habilitação específica
obtida em curso superior de graduação correspondente à
licenciatura plena.
§ 1º Os professores a que se refere a letra “a” poderão
lecionar na 5ª e 6ª séries do ensino de 1º grau se a sua
habilitação houver sido obtida em quatro séries ou, quando
em três, mediante estudos adicionais correspondentes a
um ano letivo que incluirão, quando for o caso, formação
pedagógica.
§ 2º Os professores a que se refere a letra “b” poderão
alcançar, no exercício do magistério, a 2ª série do ensino
de 2º grau mediante estudos adicionais correspondentes
no mínimo a um ano letivo. (BRASIL, 1971).

Ao tempo em que especifica a formação mínima para


atuação em cada nível de ensino, por série, a própria lei deixa
lacunas, e de algum modo dá suporte à entrada de professores
leigos no sistema educacional, como podemos observar no
Parágrafo Único, incisos “a”, “b” e “c” do Art. 77:

Art. 77 Quando a oferta de professores, legalmente


habilitados, não bastar para atender às necessidades do
ensino, permitir-se-á que lecionem, em caráter suplementar
e a título precário:
a) no ensino de 1º grau, até a 8ª série, os diplomados com
habilitação para o magistério ao nível da 4ª série e 2º grau;
b) no ensino de 1º grau, até a 6ª série, os diplomados com
habilitação para o magistério ao nível da 3ª série de 2º
grau;

140  Djane Oliveira de Brito


c) no ensino de 2º grau, até a série final, os portadores de
diploma relativo à licenciatura de 1º grau.
Parágrafo único. Onde e quando persistir a falta real de
professores, após a aplicação dos critérios estabelecidos
neste artigo, poderão ainda lecionar:
a) no ensino de 1º grau, até a 6ª série, candidatos que
hajam concluído a 8ª série e venham a ser preparados em
cursos intensivos;
b) no ensino de 1º grau, até a 5ª série, candidatos
habilitados em exames de capacitação regulados, nos
vários sistemas, pelos respectivos Conselhos de Educação;
c) nas demais séries do ensino de 1º grau e no 2º grau,
candidatos habilitados em exames de suficiência
regulados pelo Conselho Federal de Educação e realizados
em instituições oficiais de ensino superior indicados pelo
mesmo Conselho. (BRASIL, 1971).

Estudos como o de Brasileiro (1994), criticam duramente


esta visível controvérsia da formação de professores prevista
na Lei n.º 5.692/71, inclusive no que se refere à manutenção
proposital de professores leigos nas instituições educacionais,
principalmente na dos governos municipais, para atender a
determinados favoritismos, ou manutenção de um clientelismo
comum na política brasileira, que muitas vezes é justificado
(disfarçado?) pela presença do professor leigo como instrumento
de identidade cultural da região onde atua. Entretanto, esta
discussão, apesar de relevante e fecunda, foge às pretensões
deste artigo, o que nos contenta deixar a oportunidade para o
desenvolvimento desta reflexão em um trabalho futuro.
Ainda em 1966, Carlos Pasquale, ao divulgar os
resultados do seu trabalho como diretor do Instituto Nacional
de Estudos Pedagógicos do Ministério da Educação e Cultura,
já anunciava os esforços que deveriam ser empreendidos num
futuro próximo para a formação dos professores brasileiros,
tendo em vista que:

O PROJETO LOGOS E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 141


LEIGOS NO PIAUÍ (1973-2001)
O Censo Escolar revela que, de 289.865 regentes de classes,
isto é, 44,2% não possuem qualificação para exercer a
docência. Entre os professores não diplomados, pouco
mais que a quarta parte possui estudos de nível médio, e os
restantes têm apenas instrução primária, que, em muitos
casos, não chegaram sequer a concluir. (PASQUALE, 1966,
p. 32).

Pasquale (1966) sinaliza, ainda, que a maioria desses


professores é constituída por leigos que possuem somente o
primário. O que não convém apenas “recrutar e formar mais de
200.000 novos docentes, necessários para atender à desejada
expansão de matrículas” (p. 34), mas que os “Poderes Públicos
lhes proporcionem os incentivos, os meios e as condições – e
eles assumam o compromisso – de capacitar-se para o exercício
da docência” (p. 34). Ou seja, há que se fazer um esforço por
ambas as partes, professores e governos, para o alcance da
capacitação técnica e da formação de professores no exercício
da profissão docente.
Entretanto, com Stahl (1986), percebemos que mesmo 20
(vinte) anos depois da apresentação do relatório de Pasquale
(1966), a situação dos professores leigos continuava crítica e se
apresentava ainda como uma meta a ser alcançada:

A existência no Brasil de cerca de 200.000 professores leigos,


atuando nas quatro primeiras séries do 1º grau, demonstra
a urgência de se buscar uma metodologia adequada a
esse tipo de clientela que, localizada principalmente na
zona rural, necessita de um aperfeiçoamento profissional
que lhe permita uma ação docente condizente com as
necessidades dos indivíduos e da sociedade onde atua.
(STAHL, 1986, p. 19).

Os dados apontados, que não traduzem apenas números


elevados e, portanto, preocupantes, revelam, antes de tudo,

142  Djane Oliveira de Brito


uma realidade educacional imbricada de urgências em ações
efetivas para formar professores no exercício do magistério.
Assim é que surgiram vários programas no Piauí (e em todo o
território nacional), que evidenciavam o interesse em diminuir
a quantidade de professores leigos, como o PAMP (Programa
de Aperfeiçoamento do Magistério Primário2), o Curso de
Emergência3, o Pedagógico Parcelado4 e o Projeto Logos
(GONDIM, 1982). Este último, que é de interesse particular
deste trabalho, será examinado a seguir.

Projeto LOGOS I: o desafio da experimentação

O elevado número de professores não titulados, mas que


exerciam o magistério no Brasil (cerca de 200.000, entre as
décadas de 70 e 80, como já referenciado), principalmente nas
séries iniciais do 1º grau, requeria dos poderes governamentais
estratégias de formação profissional que “utilizando-se de


2
Conforme Gondim (1982, p. 15): “Sua finalidade foi titular como
regente de ensino o professor com primário incompleto e preparar para
a função de supervisor do sistema educacional de ensino, o professor
egresso de escola normal de grau ginasial. [...] Este programa esteve em
vigor no Piauí, entre os anos de 1965 e 1970”.

3
De acordo com Gondim (1982, p. 16, apud SILVA, 1966, p. 1): “Ele
teve o objetivo de “preparar os ginasianos ou pessoas com curso
clássico, científico ou comercial para o exercício do magistério primário
no Estado, uma vez que é insuficiente o número de normalistas”
(SILVA, 1966, p. 1). O curso atingiu também professores leigos com
escolaridade de nível ginasial”.

4
Para Gondim (1982, p. 16 apud CASTELO BRANCO, 1979, s. p.):
“Seu objetivo original foi: “Complementar o Curso de Emergência para
legalizar a situação dos professores, dele egressos, com qualificação
incompleta” (CASTELO BRANCO, 1979, p. s/n.º). Atualmente, o curso
propõe-se “Habilitar professores leigos, em exercício nas Unidades
Escolares de 1º grau da rede oficial, a nível de 2º grau, para exercício de
magistério de 1º grau” (CASTELO BRANCO, 1979, p. s/n.º)”.

O PROJETO LOGOS E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 143


LEIGOS NO PIAUÍ (1973-2001)
metodologia própria, oferecesse condições de habilitar o
professor leigo em serviço, sem retirá-lo da sala de aula, com
características de baixo custo e alta rentabilidade do processo”
(BRASIL. DSU/MEC, 1974, p. 11).
Neste sentido, o Departamento de Ensino Supletivo do
Ministério da Educação (DSU/MEC) concebeu e financiou
(auxiliado pelos Estados envolvidos) o Projeto Logos I, a ser
implantado de forma experimental, com o intuito de qualificar,
via ensino supletivo de 1º grau, os professores não titulados.
É importante ressaltarmos que o DSU/MEC reconhecia que o
ideal a ser perseguido deveria ser o de “habilitação para o 2º
grau”, entretanto, a maioria dos professores leigos não tinha
sequer o curso primário concluído, o que tornava ainda mais
emergencial a conclusão deste nível de ensino.
Dentre as alternativas pensadas como técnicas de ensino,
escolheu-se o módulo de ensino a distância, que pretendia
alcançar os professores nos mais longínquos recantos do país,
por meio de um material personalizado e de alta eficiência.
Com duração de 12 (doze) meses, a contar de março de 1973, o
Projeto Logos I começou a experimentar, nos estados da Paraíba
e do Piauí, e nos então territórios de Roraima, de Rondônia e do
Amapá5, com o apoio das Secretarias Estaduais de Educação,
um processo de ensino que deveria capacitar, quantitativa e
qualitativamente, professores leigos em exercício nas escolas de
1º grau do nosso país (BRASIL. DSU/MEC, 1974).


5
Conforme DSU/MEC (1974, p. 12): “Foram selecionados os Estados
do Piauí e da Paraíba não só por contarem com grande número de
professores não titulados como também por não disporem, a curto
prazo, de planos abrangentes para a qualificação ou habilitação dos
mesmos. Os Territórios Federais foram incluídos por constituírem
atribuições diretas do Governo Federal”. Ainda segundo DSU/MEC
(1974, p. 74): “O território federal do Amapá não participou do
Projeto, visto ter comunicado que possuía programa próprio para os
professores leigos”.

144  Djane Oliveira de Brito


Em 1972, o Piauí contava com 2.582 professores titulados
e 10.446 não titulados, o que representava um percentual de
80,2% de professores leigos no Estado, neste período (BRASIL.
DSU/MEC, 1974), um dado realmente preocupante e que em
si mesmo justificava qualquer esforço no sentido de reverter
este quadro. E, para isso, o Logos I confiou na metodologia
escolhida que, entre outras vantagens, indicava fontes de
consulta, garantia gratuitamente o material de aprendizagem
e possibilitava a aplicação imediata dos conhecimentos, já que
os professores-cursistas participavam do Projeto sem se afastar
da sala de aula.
A utilização de módulos didáticos a distância dava aos
professores-cursistas a oportunidade de planejarem o seu
próprio horário de estudos, ao tempo em que respeitava o
progresso individual dos mesmos. Nos encontros pedagógicos,
que normalmente aconteciam no último domingo de cada
mês, em núcleos educacionais estratégicos previamente
determinados em cada município, os professores-cursistas,
acompanhados de monitores e supervisores treinados e
capacitados para atender às suas demandas, tinham ainda a
oportunidade de levantar os problemas encontrados, dirimir
as dúvidas e realizar os testes de avaliação concernentes aos
assuntos dos módulos.
As séries eram divididas em módulos e estes apresentavam
uma estrutura que contemplava: “Objetivo de realização”,
“Sumário do conteúdo”, “Nível de desempenho” (80% era o
mínimo esperado) e “Horas de estudos prováveis” (que variava
entre 15h e 150h). As séries estavam assim distribuídas: 01 –
Informação; 02 e 06 – Estudos Sociais; 03 e 11 – Comunicação
e Expressão; 04 e 12 – Ciências; 05 – Orientação; 07 – Educação
Artística; 08 e 10 – Matemática; 09 – Técnicas Didáticas.
Sendo os assuntos independentes entre si, os professores-
cursistas tinham a liberdade de escolher quais módulos estudar

O PROJETO LOGOS E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 145


LEIGOS NO PIAUÍ (1973-2001)
primeiro, até que se sentissem preparados para realizar as
atividades de avaliação, que eram aplicadas por um monitor,
cuja participação foi de extrema relevância dentro do Logos,
visto ser ele o responsável pelo preenchimento da ficha que
avaliava o sistema de ensino, e que era utilizada posteriormente
pelas equipes responsáveis pela criação e implantação do
Logos I, especialmente àquela encarregada da produção do
material didático, a fim de que falhas inesperadas pudessem
ser corrigidas e as mudanças necessárias fossem realizadas para
o estabelecimento da fase seguinte: o Logos II.
Em termos gerais, o projeto objetivou a formação de
2.000 professores leigos, na faixa etária de 20 a 35 anos de
idade, em 12 meses, com escolarização mínima de 4ª série do
primeiro grau e máxima de 8ª série (BRASIL. DSU/MEC, 1974).
No quadro a seguir, visualizamos a quantidade de professores
não titulados e a quantidade a serem atendidos pelo Logos I
entre 1973 e 1974.

Quadro 1: Projeto Logos I


PROJETO LOGOS I
Estado/ Professores Meta Inscritos Concluintes Desistentes
Território não do
titulados Logos I
Piauí 10.446 1.000 930 837 93
Paraíba 7.525 700 654 530 124
Rondônia 668 150 130 92 38
Amapá 345 100 _ _ _
Roraima 232 50 43 29 14
TOTAIS 19.216 2.000 1.757 1.488 269
Fonte: Elaborado pela autora a partir de: BRASIL. DSU/MEC, 1974.

146  Djane Oliveira de Brito


Finalizado em dezembro de 1974, portanto, depois do
tempo previsto, que era março de 1974, quando completaria
os 12 (doze) meses estipulados para a realização do curso,
conforme o DSU/MEC, o Logos I ofertou aos professores-
cursistas vantagens além daquelas previstas no projeto inicial.
Dentre os principais motivos que ocasionaram o atraso
temporal na execução há um de ordem natural, caracterizado
pelas fortes chuvas ocorridas nos locais de aplicação do Projeto,
o que dificultava o deslocamento; e outro provocado pelo
retardo no envio do material didático, que por ser elaborado
a partir dos resultados identificados durante a execução do
curso, normalmente necessitava de ajustes, o que demandava
tempo por parte da comissão de elaboração.
Em termos de certificação, a princípio, os Conselhos
Estaduais de Educação resolveram que os professores-cursistas
receberiam apenas certificado de qualificação para o trabalho,
sem grau de escolarização, e que esta deveria ser completada
dentro do Projeto Minerva6. Entretanto, por reconhecerem a alta
eficiência do Logos I, cujos conteúdos eram ricos e abrangentes,
e, considerando, ainda, o elevado índice de aprovação, que


6
Conforme Rebêlo (2014, p. 39-42): “O Projeto Minerva foi criado
no Brasil no ano de 1970 pelo Serviço de Radiodifusão Educativa do
Ministério da Educação e Cultura. No período, as emissoras de rádio
eram obrigadas a destinar gratuitamente, cinco horas semanais de
sua programação, aos programas educativos em funcionamento no
país, e era exatamente este expediente que viabilizava a transmissão do
Minerva. Ao longo dos dias úteis da semana, os programas dispunham
diariamente de trinta minutos. [...] o governo organizou o ensino
em várias modalidades, dentre elas, o ensino supletivo e a distância
(Projeto Minerva), que correspondia ao ensino de 1º Grau aos jovens
e adultos que não haviam cursado a escolaridade obrigatória na idade
estabelecida. Deste modo, o ensino formal a distância, foi inicialmente,
operacionalizado pelo Projeto Minerva, que tinha como objetivo a
preparação dos alunos para os exames supletivos e, consequentemente,
a qualificação de mão de obra, a curto prazo, que viesse atender ao
processo de desenvolvimento do país.”.

O PROJETO LOGOS E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 147


LEIGOS NO PIAUÍ (1973-2001)
girava em torno de 88%, os Conselhos conferiram aos cursistas
que concluíram o Logos I: “certificados de conclusão de
estudos de 1º grau (suplência), com profissionalização a esse
nível (qualificação)” (BRASIL. DSU/MEC, 1974, p. 80).
Ao observarmos o Quadro 1, verificamos que a quantidade
de professores leigos na Paraíba, em Rondônia, no Amapá e
em Roraima, juntos, somava 8.770 professores, ao passo que
somente no Piauí o quantitativo era de 10.446, o que revelava
a necessidade urgente de continuação do Projeto, visto o fato
de que havia ainda um público elevado de docentes a serem
atendidos. Observamos, também, que apesar de a meta de
matricular 1.000 professores no Logos I não ter sido alcançada
(930 inscritos), o índice de evasão foi relativamente baixo,
em torno de 10%, já que dentre os 930 inscritos, 837 deles
concluíram o curso, o que revela o interesse dos professores,
apesar das adversidades (dificuldades de deslocamento aos
núcleos de apoio, da nova metodologia de ensino, do trabalho
concomitante aos estudos, dentre outros), de se esforçarem
para alcançarem a formação desejada para o exercício da
profissão.
Pelos números apresentados e discutidos, depreendemos
que o quantitativo de professores leigos, à época do Logos I
(década de 1970), ainda era elevado, o que culminaria com a
implantação do Projeto Logos II para atender a esta demanda,
conforme discutiremos no item que segue.

O projeto LOGOS II e a formação de professores leigos

Com avaliação positiva acerca da metodologia


utilizada no Logos I, o DSU/MEC (1974, p. 120) pondera
que: “O conhecimento permitido pela experiência estimulou
a institucionalização do processo, já que a eficácia
comprovadamente ficou demonstrada. [...] O DSU/MEC

148  Djane Oliveira de Brito


prepara-se para lançar o Logos II, desta vez a nível de 2º grau,
habilitando professores leigos”.
Os professores não titulados foram estimulados a
participar do Projeto Logos II por meio de campanhas realizadas
pelos órgãos educacionais dos municípios, que objetivavam
esclarecê-los sobre a importância da formação de professores
das redes municipal, estadual, federal e particular de ensino.
Assim, os professores não titulados seriam inscritos mediante
edital, obedecendo aos seguintes requisitos: “a) idade mínima
de 19 anos; b) efetivo exercício no magistério, nas 4 primeiras
séries do 1º grau; c) grau de escolarização: entre 4ª e 8ª série do
1º grau.” (BRASIL. DSU/MEC, 1975, p. 137.).
A proposta do Logos II continuava a atender ao
estabelecido pela LDBN n.º 5.692/71, Artigo 30, acerca
do Capítulo V – Dos Professores e Especialistas, como já
evidenciamos na neste texto. Verificamos, nesse cenário, que
o Piauí, o segundo Estado brasileiro a adotar a LDBN de 1971,
procurou cumprir o estabelecido em relação ao processo
de formação de professores, bem como atender à demanda
crescente de alunos. O DSU/MEC trabalhava com a expectativa
de beneficiar pelo menos 280.000 alunos das quatro primeiras
séries do 1º grau, no Piauí (e 1.836.000 nos cinco Estados
participantes: Piauí, Paraíba, Paraná, Rio Grande do Norte e
Rondônia), com a formação de professores leigos por meio do
Logos II (BRASIL.DSU.MEC, 1975).
Nesse sentido, visando a alcançar tão somente os
professores que estivessem em sala de aula e que atuassem nas
quatro primeiras séries do 1º grau, sem a devida formação, o
Logos II objetivava:

Habilitar, a nível de 2º grau, para lecionar até a 4 série do


1º grau, com avaliação no processo, via ensino supletivo,
mediante ensino à distância, aplicado através de módulos
de ensino, professores não titulados, com exercício no
magistério, nas quatro primeiras séries do 1º grau, nos

O PROJETO LOGOS E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 149


LEIGOS NO PIAUÍ (1973-2001)
estados do Piauí, Paraná, Paraíba, Rio Grande do Norte e
território federal de Rondônia. (BRASIL. DSU/MEC, 1975,
p. 17).

No Piauí, o projeto-piloto do Logos II ocorreu em cinco


etapas, com duração de quatro anos (1975 a 1979), e pretendia
formar 7.000 professores leigos. Para tanto, contou com 10
(dez) núcleos de apoio aos cursistas, sendo 03 (três) deles na
capital, Teresina, e os demais no interior do Estado: 01 (um)
em Campo Maior, 01 (um) em Picos, 01 (um) em Piracuruca,
01 (um) em Oeiras, 01 (um) em Floriano e 02 (dois) em
Parnaíba7. A primeira etapa (maio – 75/77), a segunda (agosto
– 75/77) e a terceira etapa (março – 76/78) ofereceram 1.500
vagas cada uma; a quarta etapa (agosto 76/78) e a quinta
(março – 77/79), 1.200 vagas respectivamente. Em cada uma
delas, estava prevista a atuação de 10 (dez) orientadores da
aprendizagem e 05 (cinco) supervisores docentes, pessoal
previamente capacitado para auxiliar os professores-cursistas
(BRASIL. DSU/MEC, 1975).
Dentre as particularidades do Logos II está o fato de se
tratar de ensino supletivo. Assim, o currículo foi constituído a
partir do núcleo comum do 2º grau, mais a parte especial, cujos
conteúdos mínimos exigiam conhecimentos em “Fundamentos


7
Conforme o DSU/MEC (1975, p. 23), nesse período (1975 a 1979), 52
municípios piauienses foram contemplados com o Logos II, a saber:
São Pedro, Agricolândia, Água Branca, Monsenhor Gil, Barro Duro,
Teresina, José de Freitas, União, Beneditinos, Miguel Alves e Demerval
Lobão (núcleo em Teresina); Campo Maior, Barras, Castelo do Piauí,
Alto Longá e Altos (núcleo em Campo Maior); Piracuruca, Pedro II,
Batalha, Capitão de Campos e Piripiri (núcleo em Piracuruca); Picos,
Francinópolis, Fronteira, Paulistana, São Julião, Pio IX e Santa Cruz
(núcleo em Picos); Várzea Grande, São José do Peixe, São Francisco
do Piauí, Santo Inácio, Ipiranga, Simplício Mendes, Valença, Elesbão
Veloso, Oeiras (núcleo em Oeiras); Guadalupe, Marcos Parente, Nazaré
do Piauí, Manoel Emídio, Landri Sales, Regeneração, Amarante, São
Gonçalo e Floriano (núcleo de Floriano); Luiz Correia, Buriti do Lopes,
Esperantina, Luzilândia e Parnaíba (núcleo de Parnaíba).

150  Djane Oliveira de Brito


da Educação” (aspectos biológicos, sociológicos e históricos
da educação); “Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º
Grau” (fundamentação legal, técnica e administrativa em
que iria atuar o professor-cursista) e “Didática, incluindo
Prática de Ensino” (conhecimento da estrutura, organização e
funcionamento escolar de 1º grau, além da própria observação
de sua prática na sala de aula em que atuava) (BRASIL. DSU/
MEC, 1975).
Os módulos didáticos, que perfaziam um total de 204
(Educação Geral8 + Formação Especial9), eram divididos
em séries que correspondiam às disciplinas estudadas.
Constituíam-se “de seis elementos estruturais: objetivos, pré-
requisitos, pré-avaliação, atividades de ensino, pós-avaliação e
atividades para sanar deficiências” (BRASIL. DSU/MEC, 1975,
p. 61). Estes elementos indicavam aos professores-cursistas
o que era esperado alcançar, em termos de conhecimento
e de eficiência, em cada módulo; a necessidade ou não de
realizar determinadas atividades, considerando, para isso, os
conhecimentos que já detinham; os diversos modos de realizar
as atividades (em separado, em grupo, por observação etc.);
dentre outros. Além do estudo por meio de módulos de ensino,
os professores-cursistas deveriam cumprir, no mínimo, 500h de
estágio supervisionado e participar dos encontros pedagógicos
nos núcleos de ensino, que normalmente ocorriam no último
domingo de cada mês.


8
Comunicação e Expressão (Língua Portuguesa, Literatura Brasileira,
Educação Artística); Estudos Sociais (Geografia, História, OSPB,
Moral e Cívica); Ciências (Matemática, Ciências Físicas e Biológicas,
Programa de Saúde) (BRASIL. DSU/MEC, 1975, p. 57).

9
História da Educação, Psicologia Educacional, Sociologia Educacional,
Est. Func. Ensino de 1º Grau, Org. do Trabalho Intel., Téc. Prep.
Mat. Didático, Didática Geral, Didática da Linguagem, Didática da
Matemática, Didática dos Est. Sociais, Didática de Ciên. Fís. e Biol.,
Didática da Educ. Artística, Didática de Educ. Física, Recreação e
Jogos, Técnicas de Estudo, Informações Pedagógicas, Currículos de 1º
Grau, Orientação Educacional (BRASIL. DSU/MEC, 1975, p. 57).

O PROJETO LOGOS E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 151


LEIGOS NO PIAUÍ (1973-2001)
Notícia veiculada pelo jornal carioca Correio da Manhã,
conforme imagem abaixo, resume e enfatiza as principais
características do Logos II: a) formar professores que atuavam
no exercício do magistério sem a formação necessária; b) em
função da quantidade elevada de professores, a impossibilidade
de que a formação ocorresse em escolas especializadas,
principalmente porque a maioria deles estava longe dos centros
urbanos; e c) a utilização de módulos de ensino, o que permitia
alcançar maior número de cursistas, a baixo custo, mesmo nas
regiões mais distantes do país.

Imagem 1: MEC procura habilitar os professores não


titulados

Fonte: Correio da Manhã, quarta-feira, 22 de maio de 1974.

152  Djane Oliveira de Brito


No Piauí, em Mensagem à Assembleia Legislativa no ano
de 1976 (referente às ações realizadas nos mais diversos setores
do Estado em relação ao ano de 1975), o então Governador
Dirceu Mendes Arcoverde, declara que: “Para solucionar
o problema da qualificação de professores leigos, assinei
Convênio com o MEC/DESU para a execução do Projeto Logos
– II, que se propõe atender, no período de 1976/1979, a 7.500
professores.” (PIAUÍ, 1976, p. 07).
Certamente a projeção feita pelo governador Dirceu
Arcoverde é um tanto otimista no que concerne a “solucionar
o problema da qualificação de professores leigos”.
Provavelmente o administrador estadual estava apostando no
alto investimento realizado no campo educacional no ano em
cena: “Destaco ainda a prioridade do Governo para o setor de
Educação, que apresentou um dispêndio de Cr$ 142 milhões,
ou seja, uma extraordinária participação de 25% do total da
despesa e ainda um incremento de 47% sobre o exercício de
1974.” (PIAUÍ, 1976, p. 09).
Apesar de o aspecto financeiro não ser o único fator
mensurado no atingimento de metas educacionais, os Cr$
130.000,00 envolvidos na assinatura do Convênio com o DSU/
MEC em 1975, seguramente oportunizaram a implantação e a
execução do Projeto Logos II no Piauí, que desde sua fase inicial
(Projeto Logos I), permitiu aos professores leigos do Estado a
formação necessária ao exercício regular da profissão.

Considerações finais

Em estudo no qual analisou programas para a formação


do professor leigo da zona rural no Estado do Piauí, Gondim
(1982) destacou alguns cursos que tinham como objetivo titular
os professores leigos, tanto para atender à necessidade legal
de formação, como para tentar solucionar a insuficiência de

O PROJETO LOGOS E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 153


LEIGOS NO PIAUÍ (1973-2001)
professores para atuar no ensino de primeiro grau: o Programa
de Aperfeiçoamento do Magistério Primário (PAMP), o Curso
de Emergência, o Pedagógico Parcelado e o Logos.
Nessa conjuntura, o Logos desponta como um curso
de longo alcance, tanto pela quantidade de professores
beneficiados quanto por se fazer presente mesmo nos
municípios mais distantes dos centros urbanos do Piauí. É
inovador por trabalhar com a técnica de módulos de ensino a
distância, que além do baixo custo, permitia aos professores-
cursistas o planejamento do próprio horário de estudo; e
também oportunizava a realização do Estágio Supervisionado
na própria escola onde o professor lecionava.
Para o DSU/MEC (1974, p. 08):

Os objetivos foram plenamente atingidos, e a metodologia


do Projeto LOGOS I tecnicamente foi considerada eficiente
e própria para utilização em qualquer modalidade de
formação ou aperfeiçoamento de professores, com uma
excelente característica: prepará-los em exercício e sem
retirá-los da sala de aula, que é próprio laboratório de
observação e aplicação do cursista durante seus estudos.
(BRASIL. DSU/MEC, 1974, p. 08).

Estudo avaliativo realizado por André; Candau (1984)


a respeito da implantação e do funcionamento do Projeto
Logos II no Estado Piauí aponta que, para os Orientadores da
Aprendizagem, as maiores vantagens do curso são “a titulação
dos professores (61%) e aplicação imediata dos conhecimentos
em sala de aula (29%)”, e para os cursistas são “a aplicação
imediata em sala de aula (38%), a titulação (22%) e o estudo
em casa (20%)” (ANDRÉ; CANDAU, 1984, p. 24).
É oportuno ressaltarmos, diante do cenário apresentado,
que o Projeto Logos figurou – assim como outros cursos
dirigidos à formação de professores leigos – como relevante para

154  Djane Oliveira de Brito


a formação dos profissionais da educação no estado do Piauí
e em outras unidades da federação. Entretanto, somente um
estudo pormenorizado do Projeto Logos, desde sua elaboração
e implantação até a avaliação dos resultados dentro do período
em tese (1973-2001), possibilitará conhecer o alcance dos
objetivos planejados, o que ultrapassa, momentaneamente, o
propósito deste estudo.

Referências

ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de; Candau, Vera Maria.


O Projeto Logos II e sua atuação junto aos professores leigos
do Piauí: um estudo avaliativo. Comunicação apresentada
no II Seminário Regional de Pesquisa em Educação. Belo
Horizonte, outubro de 1984.

BRASIL. DSU/MEC. Projeto Logos I. Brasília. Departamento


de Documentação e Divulgação, 1974.

______. Projeto Logos II. Brasília. Departamento de


Documentação e Divulgação, 1975.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei


n.º 5.692/71. Brasília, 1971.

BRASILEIRO, Helena Márcia Rabello. Professor leigo e


políticas educacionais. Recife: FUNDAJ, Editora Massangana,
1994.

EARP, Fábio Sá; PRADO, Luiz Carlos. O tempo da Ditadura:


regime militar e movimentos sociais em fins do século XX.
In: FERREIRA, Jorge; DELGADO Lucília. (Orgs.). O Brasil
Republicano. v. 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

O PROJETO LOGOS E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 155


LEIGOS NO PIAUÍ (1973-2001)
GONDIM, Maria Augusta Drumond Ramos. O Projeto
Logos II no Piauí: uma análise de programas para formação
do professor leigo de zona rural. 1982. 273f. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

MEC procura habilitar os professores não titulados. Correio


da Manhã. Rio de Janeiro, 22 maio 1974, p. 6. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.
aspx?bib=089842_08&pagfis=35689&url=http://memoria.
bn.br/docreader#>. Acesso em: 03 mar. 2018.

PASQUALE, Carlos. O desenvolvimento do ensino primário


e o plano nacional de educação. Ministério da Educação e
Cultura. Instituto Nacional de Estudos pedagógicos. Centro
Regional de Pesquisas Educacionais Professor Queiroz Filho.
Série I. Estudos e Documentos. vol. 4. 1966.

PIAUÍ. (ARCOVERDE). Mensagem apresentada à Assembleia


Legislativa do Estado do Piauí pelo Governador Dirceu
Mendes Arcoverde, em março de 1976, p. 7.

REBÊLO, Rejânia Lustosa. História e memória do


Projeto Minerva em Teresina: a educação nas ondas do
rádio. Dissertação (Mestrado em Educação). 2014. 93f.
Universidade Federal do Piauí (UFPI).

STAHL, Marimar Muller. Reflexões sobre a formação do


professor leigo. Em Aberto: Órgão de Divulgação Técnica do
Ministério da Educação. Brasília, ano 5, n. 32, out./dez. 1986.

SAVIANI, Dermeval. Cad. Cedes, Campinas, vol. 28, n. 76, p.


291-312, set./dez. 2008. Disponível em: <http://www.cedes.
unicamp.br>. Acesso em: 11 nov. 2017.

156  Djane Oliveira de Brito


A CIDADE E AS LETRAS:
A MODERNIZAÇÃO DO ENSINO
PRIMÁRIO EM PARNAÍBA-PI NAS
PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX

Maria Dalva Fontenele Cerqueira

N
a primeira metade do século XX, imbuída pelo
ideal republicano de ordem e progresso, os
parnaibanos adotaram medidas na cidade,
pautadas no ideal de modernidade, alinhados aos discursos
dos republicanos, que defendiam transformações no espaço
urbano, pelas quais passaram muitas cidades brasileiras nas
primeiras décadas do período republicano. Em Parnaíba, foram
realizadas transformações urbanas, como a remodelação no
espaço urbano, serviços públicos, a construção da Estrada de
Ferro Central do Piauí, pavimentação das ruas, eletricidade.
Além das transformações no espaço urbano, os parnaibanos
adotaram medidas que visavam à modernização da escola
pública.
Para conhecer as medidas modernizadoras adotadas
pelos parnaibanos, especialmente o grupo formado pelos

A CIDADE E AS LETRAS: A MODERNIZAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO EM PAR- 157


NAÍBA-PI NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
comerciantes que formava a elite local, preferencialmente
no campo educacional, precisamos interrogar o passado,
observando-o e fazendo uma leitura das marcas deixadas na
cidade, tendo como uma dessas marcas o prédio do Grupo
Escolar Miranda Osório (1922), cujo edifício é um símbolo da
memória escolar na cidade de Parnaíba. O “Miranda Osório”,
como ficou conhecido na cidade, foi o primeiro edifício-escola1
construído e destinado à escola pública em Parnaíba, e pelas
várias instituições educativas que abrigou em suas instalações,
dentre as quais: o Ginásio Parnaibano; a Escola Normal de
Parnaíba e o anexo da Universidade Estadual do Piauí, Campus
Alexandre Alves de Oliveira, onde funcionou o curso de Direito.
O presente texto tem a finalidade de compreender
as medidas adotadas pelos parnaibanos que visavam à
modernização da educação escolar, especialmente a oferta
do ensino primário, materializada por meio da construção
dos grupos escolares, que no Brasil, nas primeiras décadas do
século XX, foram apontados como verdadeiros “templos de
civilização”, como observa Rosa Fátima de Souza (1998).

Educação e a modernidade

Ao discutir os significados da modernidade e do


modernismo, Antonio Paulo Rezende (2016), afirma que:

A modernidade e todas as suas possíveis derivações tem


sua materialidade que atingem o cotidiano da sociedade
e modifica as relações sociais. As suas repercussões, a sua
penetração nos múltiplos espaços do fazer político, social,
econômico dizem muito das relações de poder existente.
Efetivamente, é um processo contraditório, cria conflitos,
destrói valores, inventa concepções de mundo e de vida.
(REZENDE, 2016, p. 159).


1
O edifício-escola é como Ester Buffa (2002) nomeia os edifícios
projetados especialmente para abrigar escolas primárias no Brasil.

158  Maria Dalva Fontenele Cerqueira


O cotidiano dos parnaibanos foi alterado, nas primeiras
décadas do século XX, marcado pelas transformações urbanas
efetuadas na cidade, que alteram a paisagem urbana, com
a presença de trens e trilhos que cortavam suas ruas e a
construção de novas edificações, sendo uma delas a construção
do Grupo Escolar Miranda Osório, que alterou a paisagem
da cidade e a vida das pessoas, especialmente das famílias
que passaram a enviar seus filhos para estudar em prédio
construído, especialmente para ser uma escola, rompendo com
os modelos, até então predominante na cidade, que eram as
escolas de primeiras letras, que dividiam espaço com a casa dos
professores.
Até a década de 1920, não existiam em Parnaíba um
edifício-escola, ou seja, um prédio construído exclusivamente
para as atividades educativas, para onde as famílias pudessem
enviar seus filhos. As escolas que predominava na cidade e no
restante do estado, eram as chamadas escolas de primeiras
letras. Sobre estas escolas, no estado de São Paulo, cuja
interpretação também podemos aplicar ao Piauí, Ester Buffa
(2002) afirma que:

A escola de primeiras letras não era propriamente a escola


que conhecemos. Era antes, uma sala de aula e, por isso,
conhecida também como escola unitária, com alunos de
idades diferenciadas e adiantamento escolar diverso [...]
O método tradicional utilizado pelo mestre de primeiras
letras baseava-se na memorização e na repetição. Recitar e
aprender de cor eram as práticas pedagógicas usuais para
a aprendizagem. [...] o ensino era individua, o emprego
do tempo era, de certa forma, aleatório [...] Não havia a
realização de exames regulares e a verificação final, quando
os alunos concluíam a aprendizagem, os considerava
aptos, isso é, capazes de ler, escrever e contar. (BUFFA,
2002, p. 39-40).

A CIDADE E AS LETRAS: A MODERNIZAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO EM PAR- 159


NAÍBA-PI NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
Sobre o dever da educação pública, Terezinha Queiroz
(2008, p. 12), informa que, “após a República a instrução
primária passou a ser da responsabilidade dos governos
estaduais e municipais”. Com a responsabilidade passada aos
municípios e aos estados sobre a educação escolar de ensino
primário, pouco foi feito em Parnaíba na primeira década do
século XX, como mostra a notícia publicada no jornal Semana
10 de julho de 1910, por uma pessoa que se apresentava como
J.V.P., exprimindo a seguinte opinião sobre a importância da
instrução como meio de se alcançar o progresso da cidade,
para ele:

A base primordial do adiantamento material e moral de


um povo é a instrução.
Assim como o sol com seus raios luminosos dissipa as
trevas da noite iluminando o dia, e com seu calor avigora
a terra fazendo germinar as plantas e as flores, a instrução
também aclareia a noite tenebrosa da ignorância, alenta e
vivifica o espírito, incutindo valor para as grandes lutas da
existência.
Infelizmente a ignorância avassala a maioria de nossa população
e é esse um grande mal que muito concorre para o atrofiamento
do nosso progresso. Um povo sem instrução é um povo sem
esperança e sem futuro, talhado para o erro, para o vicio
e para o crime [...] Para que um povo marche na senda
do progresso deve ter por guia um abecedário (SEMANA,
1910, p. 3 – grifo nosso).

A educação escolar era apresentada como um fator que


contribuía para o desenvolvimento da cidade, assim como a
luz que tiraria as pessoas da escuridão, seria uma forma de
regenerar as pessoas. Aqueles que não recebessem instrução
estariam fadados a se perderem nos vícios ou enveredarem pelo
mundo do crime. A educação, além de ser apontada, como
fator de regeneração social, era a garantia como progresso
para a cidade.

160  Maria Dalva Fontenele Cerqueira


O jornal parnaibano A Semana de 1916 publicou uma
matéria assinada por René Auxan, a qual também lamentava a
falta de escolas para as crianças piauienses:

Agora que já temos estrada de ferro – marco para uma


nova fase da vida piauiense, devemos trabalhar para que
venhamos a ter a Instrução.
Incuria os descaso à Instrução neste Estado, que tem
sido dirigido por homens notáveis e de comprovada
competência, toca aos extremos.
Lamentável, sobremodo, é a creança piauhyense viver, em pleno
século XX, século de luz, de progresso e de expansão intellectual,
nas trevas do analphabetismo, da ignorância e da perdição e alheia
aos movimentos constantes da civilização mundial. Parnahyba
a primeira cidade do Piauhy, depois da capital não tem
uma instrução regular. Os nossos Petits Garçons, só
comprehendem o que lhes arrastem o mal. São uns perdidos
(especialmente os da plebe) e em suas cabecinhas infantis
não passa, se quer, um vislumbre do que nobilita, do que é
essa humanidade caprichosa, do que é a vida d’um homem
sem cultura e experiência. [...].
Profliguemos, pois, para que seja dado, aos nossos jovens
conterrâneos, o caminho do bem, do Dever e do Trabalho,
por meio da instrução, que, infelizmente, tem sido até
hoje, aqui, um sonho para os pais que não podem mandar educar
os seus queridos filhos, no Maranhão ou Ceará (AUXAN, 1916, p.
02 – grifo nosso).

René Auxan ao escrever para o jornal demonstra um olhar


elitista em seus comentários sobre o Piauí, aponta a construção
da estrada de ferro como uma conquista da modernidade, e
ao mesmo tempo, lamenta a falta de escolas para as crianças.
Pelas suas palavras, podemos inferir que, Auxan (1916), além
de um conhecedor da língua francesa, era um admirador dos
ideais iluministas, que acreditavam que a educação seria capaz
de impulsionar o desenvolvimento do estado.

A CIDADE E AS LETRAS: A MODERNIZAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO EM PAR- 161


NAÍBA-PI NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
Ao lamentar a falta de escolas em Parnaíba, e apontar os
estados vizinhos, Maranhão e Ceará, como opções para quem
tinha condições de enviar os filhos para estudar, Auxan (1916)
comunica a falta de escolas, também em Teresina, capital
piauiense.
Sobre a saída dos piauienses para estudar em outros
estados, especialmente no do Maranhão, Queiroz (2008,
p. 16) explica que “nessa época, as articulações comerciais
de Teresina com São Luís eram muito grandes, bem como as
influências culturais daí advinda. Essa forte dependência do
Piauí para com o Maranhão só veio a ser atenuada no início do
século XX”.
Entre o final do século XIX e o início do XX, as famílias
abastadas da cidade de Parnaíba enviavam seus filhos para
estudar em outros estados brasileiros, e até mesmo na Europa,
como informa Maria da Penha Fonte e Silva a respeito de
Ademar Neves2.

A infância de Ademar Neves foi como a de toda criança


naquela recuada época de preconceitos, de exigências,
moldada num lar onde funcionava o poder paterno.


2
Ademar Gonçalves Neves nasceu em Parnaíba (PI) no dia 09 de
novembro de 1883, filho do Major Felipe Gomes Neves, de ascendência
portuguesa, e de Maria Madalena Gonçalves, de tradicional família
parnaibana. Ademar fez seus estudos de primeiras letras em Parnaíba,
seguindo para São Luis (MA) de lá para Europa, onde se formou
em Contabilidade e Comércio. De volta à Parnaíba, assume a firma
comercial da família, tornando-se um dos grandes comerciantes da
cidade. Após a “revolução” de 1930, foi indicado pela Associação
Comercial de Parnaíba para assumir o Governo Municipal, cargo
que ocupou de 25 de fevereiro de 1931 a 25 de março de 1934. Para
maiores informações Cf. SILVA, Josenias dos Santos. Parnaíba e o
avesso da Belle Époque: cotidiano e pobreza (1930-1950). 2012. 120
f. Dissertação (Mestrado em História do Brasil) - Universidade Federal
do Piauí, Teresina, 2012.

162  Maria Dalva Fontenele Cerqueira


E, certamente depois de receber no colo materno – a
primeira genuína escola da vida – os ensinamentos que o
nortearam para os embates da vida; depois de frequentar
a tradicional escola Elementar de Dona Marocas Lima, a
escola de bancos e mesas compridas [...] deixa seu berço
natal para prosseguir seus estudos em [...] São Luiz – onde
faz o seu curso de Humanidades. Inteligente, perspicaz,
calado e observador o jovem Ademar segue para o Exterior,
como geralmente acontecia com as famílias abastadas de
Parnaíba, enviando seus filhos para a Europa, a fim de
completar a educação (SILVA, 1983, p. 12).

Como podemos ver pelos escritos da professora Maria de


Penha Silva (1983), em Parnaíba nos primeiros anos do século
XX, as famílias abastadas da cidade, depois de colocarem
seus filhos na escola de primeiras letras, cuja referência era
a escola da professora Marocas Lima, foi frequentada por
“personalidades de relevo como Humberto de Campos,
Mirocles Veras, o grande humanitário e o grande prefeito de
Parnaíba; como Luiz Cutrim e Sousa, [...] como Oscar Clark,
o grande médico que tanto honrou Parnaíba e muitos outros,
Ademar Neves, deixa sua cidade” (SILVA, 1983, p.12), rumavam
para os grandes centros do Brasil ou da Europa em busca de
concluir sua formação escolar.
Ainda tinham aqueles que moravam afastados dos
centros urbanos, trabalhando na lavoura, que não tinham
a oportunidade, nem mesmo de aprender a ler, a escrever e
a contar. Mesmo os que moravam na cidade, por não terem
condições de pagar, seus filhos não frequentavam as escolas
particulares existentes.
Teresinha Queiroz (2008) informa as condições da
educação pública no estado do Piauí, no final do século XIX e
nas primeiras décadas do XX. De acordo com ela:

Professores semi-analfabetos ou até analfabetos, segundo


as folcloristas notas da imprensa; concursos em geral

A CIDADE E AS LETRAS: A MODERNIZAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO EM PAR- 163


NAÍBA-PI NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
fraudulentos; ordenados miseráveis e frequentemente
atrasados; inexistência de prédios escolares e de verba para
aluguel de salas para esse mister; perseguições políticas
por parte dos inspetores literários; total inexistência de
material didático, inclusive de quadro de giz e de livros
– sendo prática usual a dos alunos se alfabetizarem
utilizando-se de velhos jornais que alcançavam o interior;
exonerações e substituições devidas unicamente a critério
da política partidária, para ficar apenas em alguns pontos
(QUEIROZ, 2008, p.12).

Em Parnaíba, entre o final do século XIX e os primeiros


anos do século XX, as escolas de primeiras letras, herdadas
do período imperial, que eram assim as escolas de São Paulo,
descritas por Buffa (2002), “frequentemente eram conhecidas
pelo nome de seu mestre, eram escolas de ler, escrever e contar,
de acesso ilimitado [...]” (BUFFA, 2002, p.40-41). Eram escolas
que funcionavam na casa dos professores, onde as crianças de
diferentes idades dividiam o mesmo espaço, mesmo estudando
em séries diferentes, como as escolas em que estudou Humberto
de Campos3 quando chegou a Parnaíba, ainda criança, com
sua família, no final do século XIX:

Foi em 1894, já nos últimos meses, que iniciei, em


Parnaíba, a minha instrução primária. Não era tarde mas,
também, não era cedo. Eu ia completar oito anos no mês
seguinte quando, em setembro, surgiu em mim o desejo
de aprender. Surgiu como uma paixão, transformada em
entusiasmo. E de tal maneira, que estando a realizar-se,
por esse tempo, A novena da Senhora da Graça, que era a
mais animada festa católica da cidade, eu preferia deixar-


3
Humberto de Campos Veras nasceu em Miritiba (MA) em 25 de outubro
de 1886, filho de Joaquim Gomes de farias Veras, pequeno comerciante
e Anna Theodolina de Campos Veras. Órfão de pai desde os seis anos
de idade, residiu durante algum tempo em São Luís (MA), indo em
1983 para Parnaíba (PI), onde morou até 1900. O autor aborda essa
estadia em Parnaíba em seu livro “Memórias”.

164  Maria Dalva Fontenele Cerqueira


me ficar em casa, à noite com minha carta de ABC, a ir
ver os foguetes e os balões, e escutar a música do arraial,
nos risonhos coretos enfeitados. [...] Em janeiro de 1895
minha mãe nos matriculou, a minha irmã e a mim, em uma
escola pública. Eu estava no fim da carta de ABC, e, lia,
já, na sem tropeços, na sua última folha que “o amor de
Deus é o princípio da sabedora”. Minha irmã iniciava-se
no conhecimento do alfabeto. [...].
A escola ficava na mesma rua, mas distante. Dava para a
praça do mercado. Nós podíamos, todavia, ir até lá sem
mudar de rumo, e vigiados da janela de casa por minha
mãe. Dirigia-a uma senhorita que era quase menina, a
qual, ainda hoje, aprece mais moça do que eu. Não lhe sei,
ao certo, o prenome. Davam-lhe o tratamento de Sinhá, e
ninguém a conhecia senão como Sinhá Raposo. [...] Não
me parece que se preocupasse muito com os alunos. Vivia
sempre para o interior da casa, na qual residia a família.
[...] Tenho, ainda, nítido, na memória o aspecto da escola
pública e humilde [...] Sala grande, e baixa de chão de
tijolo, com três janelas abrindo para praça do Mercado.
Em uma das extremidades, à esquerda, um estrado baixo,
com a mesa da professora. Diante dela, paralelamente, os
bancos de madeira, estreitos e altos, com a meninada de
ambos os sexos, e de todas as cores de que se constituía a
população. [...] (CAMPOS, 1983, p.157-161)

Humberto de Campos começou o ensino primário na


escola da Senhora Raposo, mas como sua família mudou-
se para outra rua, sua mãe o matriculou em outra escola na
cidade, que ele descreve da seguinte maneira:

A escola em que minha mãe me ia matricular era, ainda


desta vez, dirigida por mulher, e de destinada a meninas;
mas admitiam, também, embora em número reduzido,
alunos do outro sexo. Ficava à rua Duque de Caxias, em
uma casa pequena, com uma porta e duas janelas de
frente. A sala que abria diretamente para a rua por essa
porta e por essas duas janelas era consagrada à escola. Em
frente à porta, encostada à parede, uma fila única, as doze
ou quatorze cadeiras dos meninos. Do lado oposto, as

A CIDADE E AS LETRAS: A MODERNIZAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO EM PAR- 165


NAÍBA-PI NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
filas sucessivas, as meninas. Entre uns e outros, de frente
para a rua, a mesa da dona Marocas Lima, nossa mestra.
(CAMPOS, 1983, p. 188).

A narrativa de Humberto de Campos, sobre as escolas em


que realizou o curso primário em Parnaíba, no final do século
XIX, é reveladora sobre as condições das escolas existentes na
cidade. As escolas em que Humberto de Campos estudou eram
conhecidas na cidade pelo nome de suas mestras, Sinhá Raposo
e Marocas Lima. Nesse período, no entanto, esse quadro se
repetia em outras cidades brasileiras, como por exemplo, as
escolas descritas por Buffa (2002), no estado de São Paulo,
antes de serem projetados e construídos os primeiros grupos
escolares.
Ester Buffa (2002, p.33), afirma que “no Brasil, a escola
graduada de ensino primário, compreendendo múltiplas salas
de aula, várias classes de alunos e um professor para cada uma
delas apareceu, pela primeira vez, no ensino público, no estado
de São Paulo, na década de 1890”. O modelo de grupo escolar
adotado em São Paulo no ensino público foi adotado, também
no mesmo nível de ensino, na cidade de Parnaíba, na década de
1920, quando o Intendente José Narciso adotou medidas para
modernizar o ensino primário na cidade.
Sobre as modificações no ensino primário, o pesquisador
Marcus Bencostta (2018, p.68), defende que “no alvorecer da
República, dentre as muitas ações e discursos que os líderes
que assumiram o poder do novo sistema de governo fizeram
circular, estavam aquelas que propunham modificações no
modo como o ensino primário deveria ser organizado”, para
que aqueles, que não tinham oportunidade de escolarização,
pudessem, com a estruturação da escola pública, passassem a
ter acesso à instrução oferecida pelo poder público.
Sobre a origem do discurso no Brasil, em prol da
escolarização da nação nos primeiros anos da República,
Bencostta (2018) defende que foi:

166  Maria Dalva Fontenele Cerqueira


[...] estruturado em retóricas originárias de uma Europa
influenciada pelas repercussões da Revolução Francesa, a
qual apregoava que era preciso instruir a população para
se alcançar a civilização [...] foi rapidamente reproduzido
no Brasil republicano e fartamente utilizado, a ponto de
ter pressionado o poder político instalado a apresentar
uma proposta diferenciada de escolarização destinada
àqueles que durante muito tempo ficaram sem qualquer
oportunidade de instrução (BENCOSTTA, 2018, p. 68).

Esse discurso ecoou no Piauí, especialmente na cidade


de Parnaíba, que na primeira metade do século XX, mantinha
estreitas relações comerciais com outros estados brasileiros, e
ainda, com países da Europa e os Estados Unidos, ocupando
posição de destaque no Piauí, o que perdurando entre os anos
de 1930 a 1950, período que Josenias dos Santos Silva (2012)
chamou de belle époque4 parnaibana.
Essa posição ocupada por Parnaíba, fez com que sua
elite comercial exportadora adotasse medidas que visavam à
modernização e o progresso da cidade. Para Lopes (2005, p.
73) “esta modernização da cidade teve como eixos principais a
urbanização, a construção de estradas e o desenvolvimento da
instrução”. Segundo a pesquisadora Junia Motta Antonaccio
Napoleão do Rego (2013), dentre as medidas defendidas pelos
parnaibanos, estava:

A educação e as escolas estariam no cerne das ações


progressistas defendidas como necessárias para o
crescimento da cidade. Era preciso priorizar o fator
humano, pois se entendia que a educação deveria ser a
força motriz capaz de proporcionar maior incremento ao
desenvolvimento. Além disso, a própria educação deveria
modernizar-se. (REGO, 2013, p. 231).


4
Cf. SILVA, Josenias dos Santos. Parnaíba e o avesso da Belle Époque:
cotidiano e pobreza (1930-1950). 121f. Dissertação (História do
Brasil). Universidade Federal do Piauí. Teresina – Piauí, 2012.

A CIDADE E AS LETRAS: A MODERNIZAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO EM PAR- 167


NAÍBA-PI NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
Assim, nas primeiras décadas do século XX, os parnaibanos
passaram a defender a educação escolar investindo na
construção de prédios para o funcionamento das escolas. O
investimento na educação era apontado como uma das formas
de alavancar o desenvolvimento e progresso do Piauí.

A educação escolar em Parnaíba.

Em Parnaíba, na década de 1920, foram realizadas


medidas modernizadoras na área da educação, quando
seguindo o modelo de ensino primário adotado no estado de
São Paulo, teve início à construção do Grupo Escolar Miranda
Osório, uma escola pública municipal.
De acordo com, Benedito Jonas Correia e Benedito dos
Santos Lima, os organizadores do Livro do Centenário de
Parnaíba (1945), foi realizado um estudo histórico, corográfico,
estatístico e social de Parnaíba, uma espécie de inventário de
tudo que foi realizado na cidade, especialmente nas primeiras
décadas do século XX, a campanha em prol da educação
municipal, em Parnaíba, começou da seguinte maneira:

Data de 1922 a grande campanha de propaganda da


instrução nesta cidade. Celebrava-se o centenário da
Independência.
Como número extra das festas daquele centenário, o Dr.
José Pires de Lima Rebelo com os professores João Batista
Campos, D. Raquel de Carvalho Magalhães e D. Firmina
Sobreira promoveram uma parada escolar, a primeira que
se realizou em Parnaíba, na qual tomaram parte todas as
escolas públicas e colégios particulares aqui existentes,
desfilando pelas ruas da cidade sob os auspícios do
Intendente Municipal Cel. José Narciso da Rocha Filho,
perto de mil escolares que recebiam durante o percurso
os aplausos da população surpreendida com o lindo
espetáculo.

168  Maria Dalva Fontenele Cerqueira


Não tardou que os governos estadual e municipal se
congregassem numa salutar deliberação de elevar o
numero das escolas primárias deste município, do que
resultou na criação de vários grupos escolares e escolas
reunidas, além de muitas escolas singulares distribuídas
pelos subúrbios e zonas rural.
Para instalação de um grupo escolar modelo, construiu
o Intendente Narciso Filho o suntuoso edifício Miranda
Osório e contratou em São Paulo o notável professor
Luiz Galhanoni que veio orientar a instrução primária no
município, segundo os modernos métodos pedagógicos
usados no seu Estado. (CORREIA; LIMA, 1945, p.174-176)

As realizações dos parnaibanos na área da educação


escolar foram divulgadas pelo Almanaque da Parnaíba, que na sua
primeira edição em 1924, nas primeiras páginas, publicou um
texto intitulado “PARNAHYBA a influência da municipalidade
na sua evolução”, onde informa aos leitores sobre as ações
empreendidas pelos Intendentes Municipais, Dr. Nestor Gomes
Veras (1917-1920) e Cel. José Narciso da Rocha Filho (1921-
1928), tanto no campo educacional, quanto na higiene e
saneamento da cidade:

[...] A iniciativa particular se deve a melhor soma dos


melhoramentos atuais, não se podendo, contudo negar
que neles teve influencia preponderante o Governo
Municipal.[...] Ao Dr Nestor Veras sucedeu no governo
Cel. José Narciso da Rocha Filho[...] de incansável
operosidade, cuja administração está ao nível da que vem
de findar. Entre outros empreendimentos de importância
julgou s. s. de mais urgente necessidade a Instrução
Pública e o saneamento [...] Graças a boa vontade de S.
Exa. O Sr. Dr. João Luiz Ferreira, Governador do Estado,
junto a quem o Cel. Narciso e o Dr. Anísio Brito, Diretor de
Instrução Pública, pleitearam a causa da nossa instrução
descurada, foi criado o Grupo Escolar “Miranda Ozório”
que junto as seis escolas mantidas pelo Município, mais

A CIDADE E AS LETRAS: A MODERNIZAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO EM PAR- 169


NAÍBA-PI NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
5 colégios particulares subvencionados por ele e 6 outros
não subvencionados tiveram uma matrícula de 725
alunos e com uma frequência de 600, em 1922. Havia,
porém duas entraves ao bom andamento das aulas, e
era a falta de um prédio próprio com todos os confortos
indispensáveis às crianças, e falta de pessoal docente. [...]
Felizmente ainda o município está solucionando o caso,
com a construção de um prédio amplo em frente ao Jardim
Público, destinado à sede do Grupo Escolar e com uma
lotação para 400 alunos. [...] Além desse, dois outros vão
ser construídos nos bairros Corôa e Tucuns, para escolas
isoladas, com acomodação para 100 crianças, cada um.
(ALMANACK DA PARNAHYBA, 1924, p. 02-03).

A criação do Grupo Escolar Miranda Osório na cidade


de Parnaíba fez parte das ações modernizadoras realizadas na
cidade nas primeiras décadas do século XX, pelo Intendente
Municipal, que no início da década de 1920, estava a cargo
do “o comerciante José Narciso da Rocha Filho. A educação
em Parnaíba, na administração de José Narciso, passou a ser
prestigiada” (MENDES, 2007, p.84).
Sobre a criação dos grupos escolares no Piauí, em
particular, na cidade de Parnaíba, Lopes (2001) afirma que:

O processo de criação de grupos escolares que vinham


gradativamente se constituindo no Piauí, tem na criação
do Grupo Escolar Miranda Osório, em 1922, na cidade de
Parnaíba, o marco de uma nova fase. Este foi, se excluirmos
a Escola Modelo, o primeiro grupo escolar implantado
no estado. Assim, embora sendo em Parnaíba, cidade
diferenciada das restantes do estado por sua importância
comercial e pela ação de sua elite político-econômica
na consolidação de serviços urbanos que promovessem
o desenvolvimento da região, o grupo escolar surgiu
interiorizado como resultado da ação do poder municipal,
já que o poder estadual limitava-se à manutenção das
escolas reunidas da capital. (LOPES, 2001, p. 149).

170  Maria Dalva Fontenele Cerqueira


Dentre as ações modernizadoras adotadas pelo
Intendente Municipal, para modernizar o sistema educacional
público parnaibano, José Narciso, além da criação do grupo
escolar, “mandou contratar em São Paulo o professor Luiz
Galhanoni, então diretor do Grupo Escolar João Kopke, na
capital paulista, especializado em implantação de currículos e
programas de escolas de nível secundário e escolas normais”
(MENDES, 2007, p. 84-85).
O Grupo Escolar Miranda Osório ao ser apresentado para
a população foi adjetivado como “modelo de Grupo Escolar, o
melhor do Estado” (ALMANAQUE DA PARNAÍBA, 1928), que
teve como primeiro diretor o professor Luiz Galhanone, que
veio de São Paulo, onde era diretor do Grupo Escolar “João
Kokper”, e foi contratado para organizar o ensino primário em
Parnaíba (MENDES, 2007).
No ano de 1929, o Almanaque da Parnaíba publicou uma
notícia cujo título era: “A Instrução Pública em Parnahyba”:

A actual administração de Parnahyba, cujo mandato


expira a 31 de dezembro de 1928, revela-se por uma série
de realizações úteis, todas elas visando o engrandecimento
deste precioso recanto do Piauhy e o bem geral de todos
os que o habitam. [...] Foi só depois que a benemérita
administração do sr. José Narciso da Rocha Filho, já
tendo dotado esta cidade de um prédio magnifico para
o funcionamento das aulas do grupo escolar “Miranda
Osório” [...] Por intermédio do Governo do Estado,
contratado os serviços profissionais do professor paulista
Luiz Galhanone, para reorganizar o ensino nesta cidade,
que começou a operar-se, aqui, um movimento intensivo
nesse sentido. (ALMANAQUE DA PARNAÍBA, 1929, p. 9).

Ao se referir ao modelo de grupo escolar, Bencostta


(2018, p. 69) afirma que, “este tipo de instituição previa
uma organização administrativo-pedagógica que estabelecia

A CIDADE E AS LETRAS: A MODERNIZAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO EM PAR- 171


NAÍBA-PI NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
modificações profundas e precisas na didática, no currículo e
na distribuição espacial de seus edifícios”. Sobre a organização
administrativo-pedagógica do Grupo Escolar Miranda Osório,
o Almanaque da Parnaíba, afirma que:

A organização do sistema de ensino, ahi, não é preciso que


se diga, obedece aos mais modernos processos e methodos,
conhecida a idoneidade do technico que o governo de
São Paulo, atendendo ao apelo do deste Estado, para cá
destacou. E assim é que o grupo escolar “Miranda Ozorio”
constitui o maior padrão de glória desta cidade [...] um
grupo modelo do Nordeste brasileiro, pelas suas ótimas
instalações, magnífico aparelhamento e pela moderna
orientação de seu ensino. (ALMANAQUE DA PARNAÍBA,
1929, p. 9).

A organização do ensino no Grupo Escolar Miranda Osório


foi apresentada aos piauienses como um modelo moderno, o
grupo escolar também recebe adjetivos que o diferenciam das
escolas existentes no estado e até mesmo no Nordeste, por seus
métodos de ensino e pelas instalações do seu prédio.
Sobre os métodos de ensino e os prédios que abrigavam
as escolas na cidade, Iweltman Mendes (2007), afirma que:

As atividades de ensino em Parnaíba, durante a Primeira


Republica, até a construção do Grupo Escolar Miranda
Osório (1922), eram todas desenvolvidas nas residências
dos professores, fossem eles professores públicos,
custeados pelo Estado, ou em escolas particulares,
mantidas pelas mensalidades dos alunos. O certo é que
não havia muita diferença quanto as instalações prediais e
os métodos de ensino. (MENDES, 2007, p.70).

O local da construção de grupo escolar em Parnaíba seguiu


as regras propostas pelo novo regime, o Grupo Escolar Miranda
Osório foi construído no centro da cidade, na atual Avenida

172  Maria Dalva Fontenele Cerqueira


Presidente Vargas “antiga rua Grande, essa rua no século XVIII
já era a via de ligação do porto ao núcleo urbano e prossegue
como eixo estruturador do crescimento da cidade, que atinge
seu apogeu no inicio do século XX [...]” (FIGUEIREDO, 2006,
p. 29).
As medidas modernizadoras, que a elite parnaibana
adotou, teve como preocupação a educação escolar, em
especial o ensino primário, que repercutiu em todo o estado
do Piauí, como informa Lopes (2005) ao referir-se ao Grupo
Escolar Miranda Osório:

Uma escola moderna, urbana e civilizada, este Grupo


Escolar deu um novo impulso à modernização da escola,
no Piauí, e foi um indicador preciso da civilidade e do
desenvolvimento de Parnaíba. Tornou-se uma referência
em matéria de educação, recebendo comissões oficiais de
professores da capital e de outras cidades do interior do
estado [...] Um outro dado que revelou a importância de
Parnaíba na política de modernização do ensino primário
no estado foi o da elaboração do programa de ensino
primário, em 1927, que, feito para Parnaíba, foi adotado,
em 1928, nas escolas estaduais. (LOPES, 2005, p. 74-75).

Assim, a construção do Grupo Escolar Miranda Osório e


a elaboração do programa de ensino primário, fizeram parte
das práticas modernizadoras adotadas na década de 1920,
na cidade de Parnaíba que contribuíram para a modernização
do restante do estado do Piauí, uma vez que, o programa
de ensino primário das escolas parnaibanas foi adotado nas
escolas estaduais.
Lopes (2010, p.439), ao discutir as medidas tomadas
pela elite parnaibana para modernizar a educação escolar,
afirma que com a construção do Grupo Escolar Miranda
Osório e a elaboração do programa de ensino primário,
Parnaíba “tornou-se a cidade do Piauí onde mais inovações

A CIDADE E AS LETRAS: A MODERNIZAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO EM PAR- 173


NAÍBA-PI NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
ocorreram em educação. A municipalidade e a elite comercial,
empenhadas em modernizar a cidade, realizaram uma série de
ações na área educacional”.
Após a construção do Grupo Escolar Miranda Osório,
formou-se em Parnaíba, com a construção dos grupos escolares:
João Candido, José Narciso, Luiz Galhanoni, uma rede municipal
de escolas públicas, para atender a população parnaibana com
ensino primário.

Referências

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possível. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.

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BENCOSTTA, Marcus Levy Albino. Grupos escolares no Brasil:


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BASTOS, Maria Helena Camara. (Orgs.). Histórias e memórias da
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AZEVEDO, Fernando. A cultura brasileira de 1894-1974. 7. Ed. São


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NAÍBA-PI NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
TECENDO HISTÓRIAS SOBRE A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE
MATEMÁTICA NO PIAUÍ: DA FAFI À UFPI

Neuton Alves de Araújo


José Augusto de Carvalho Mendes Sobrinho

Q
uerer analisar e compreender a formação de
professores licenciados em Matemática se faz
necessário “[...] que nos reportemos ao caminho
percorrido pelo ensino da Matemática ao longo de sua história.
O modo de ser do professor, hoje, é resultado das influências
recebidas, de forma direta e indireta, desse processo histórico e
educacional” (DAMAZIO, 1996, p. 73). Dentro dessa realidade,
nosso estudo, tem como objetivo contextualizar aspectos
históricos da formação de professores de Matemática no estado
do Piauí desde a criação da Faculdade Católica de Filosofia do
Piauí (FAFI) à incorporação do Curso de Matemática dessa
Instituição de Ensino Superior (IES) à Universidade Federal do
Piauí (UFPI) aos dias atuais.
É oportuno, portanto, destacarmos que essa
reconstituição histórica é parte da pesquisa que desenvolvemos

TECENDO HISTÓRIAS SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 179


DE MATEMÁTICA NO PIAUÍ: DA FAFI À UFPI
em nível de Mestrado, através do Programa de Pós-Graduação
em Educação (PPGEd) da UFPI. Para o empreendimento da
etapa deste estudo, fizemos uso da história oral e da pesquisa
bibliográfica, contribuindo, dessa forma, com a historiografia
da Educação Matemática Brasileira, de modo particular, a
piauiense. Para isso, houve a necessidade de atualizarmos e
acrescentarmos outras informações que julgamos necessárias.
Tendo a História Oral como metodologia de pesquisa,
trabalhamos com o testemunho oral. Para tanto, apresentamos
depoimentos de um ex-aluno “fafiano”, atualmente professor
aposentado pela UFPI e que por muitos anos atuou como
professor do Curso de Matemática (bacharelado e licenciatura)
nesta IES. Além desse ex-aluno, tivemos o testemunho oral da
primeira coordenadora do Curso de Matemática, à época da
FAFI, professora Geraldina França Ribeiro Bacelar.
A respeito da História Oral, encontramos em Gaertner
e Baraldi (s.d.) que, a utilização dessa metodologia de
pesquisa, fornece novas perspectivas para o entendimento do
passado recente, possibilitando o conhecimento de diferentes
versões sobre determinado tema. Nessa perspectiva, “[...]
os testemunhos são fontes orais que permitem o resgate do
indivíduo como sujeito no processo histórico e constituem-se
como documentos gerados no momento da entrevista [...]”.
(GAERTNER; BARALDI, s.d., mímeo).
Do ponto de vista das discussões teóricas, poucas são as
contribuições. Para tanto, ressaltamos: Curi (2000), Guedes
(2002), Rêgo (1991), Saviani (2009) e Sousa, Bomfim e Pereira
(2002). Na verdade, praticamente não há estudo sobre a
formação de professores de Matemática no Piauí que ensinam
os Anos Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, o que
se configura como necessidade de aprofundarmos pesquisas
acerca dessa problemática.

180  Neuton Alves de Araújo • José Augusto C. Mendes Sobrinho


A implantação dos Cursos de Licenciatura no Piauí: o ponto de
partida

Rêgo (1991) afirma que a implantação dos Cursos


de Licenciatura no Piauí decorre da criação da Sociedade
Piauiense de Cultura (SPC), órgão idealizado por D. Avelar
Brandão Vilela, ex-arcebispo de Teresina. Esta autora
assevera que, a ideia de criação de um órgão promovedor de
desenvolvimento educacional e cultural foi bem aceita pelas
autoridades e intelectuais da época, o que levou rapidamente à
sua concretização. Assim, em 29 de maio de 1957, fundava-se
a referida entidade, tendo como presidente D. Avelar Brandão
Vilela, entidade essa que, dentre outras metas, objetivava a
instalação de cursos de Ensino Superior no Piauí.
Dessa forma, em cumprimento à meta proposta, em
16 de junho de 1957, foi criada a FAPI1, tendo sido indicados
para os cargos de diretor, contador e secretário-tesoureiro,
respectivamente, professor Clemente Honório Parentes Fortes,
Dr. Arthur Cardoso Nunes e Dr. Benedito da Rocha Freitas Filho.
Neste mesmo ano, de acordo com Sousa, Bomfim e Pereira
(2002), foi realizado o 1º Vestibular dessa IES, tendo concorrido
os egressos da Faculdade de Direito e diversos professores
que já lecionavam nas escolas de Teresina. Esses dois grupos
formavam a maioria dos seus alunos. Foram aprovados 13
(treze) candidatos para o Curso de Letras Neolatinas, 23 (vinte
e três) para o de Filosofia e 20 (vinte) para o de Geografia/
História.
Se faz oportuno pontuarmos que, a FAFI emerge de um
movimento de interiorização da formação de professores nas
diversas licenciaturas específicas, dentre elas, a licenciatura


1
A FAFI localizava-se na praça Saraiva, esquina das ruas Barroso e Olavo
Bilac, onde atualmente está sediado o Centro de Educação Aberta e a
Dist6ancia – CEAD/UFPI.

TECENDO HISTÓRIAS SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 181


DE MATEMÁTICA NO PIAUÍ: DA FAFI À UFPI
em Matemática, tendo início no final da década de 1960. No
cenário brasileiro, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
(FFCL), da Universidade de São Paulo (USP), foi a primeira IES a
formar professores de Matemática. Antes disso, essa formação
era possibilitada pelos cursos de graduação em Engenharia e/
ou pelos cursos de nível médio/secundário, a saber: Normal
(Magistério) e Científico, atual Ensino Médio (SAVIANI, 2009;
CURI, 2000; MARTINS-SALADIM et al., 2011).
Esclarecermos, portanto, que a instalação oficial da FAFI
se deu em 7 de abril de 1958, no auditório do Colégio Sagrado
Coração de Jesus. Na solenidade, foi proferida aula inaugural
pelo professor Clemente Honório Parentes Fortes, primeiro
diretor dessa instituição. Iniciou com três cursos: Letras
Neolatinas, Filosofia e História e Geografia (RÊGO, 1991).
É sabido que houve um cuidado muito grande na
organização inicial dessa IES, uma vez que foram recrutadas as
pessoas, que fossem as melhores em matéria de magistério como
também as melhores em matéria de alunos e de cursos. Os cursos
foram montados e a FAFI foi funcionando gradativamente. Foi
criada a biblioteca e seu diretório acadêmico. O professor Wall
Ferraz foi o presidente do primeiro Diretório Acadêmico dessa
IES. Lembramos que, os professores iam a pé, às vezes, depois
de caminharem durante o dia de um estabelecimento para
outro, chegando até à noite para ministrarem aulas na FAFI,
a qual funcionava até as 23 h (SOUSA; BOMFIM; PEREIRA,
2002).
Conforme essas mesmas autoras, no ano de 1963, o
Curso de Geografia e História foi desdobrado. Além disso,
a duração dos cursos passou de três para quatro anos e os
diplomados passaram a receber o título de Licenciados. Outro
fato é que esta Faculdade assinou convênio com o Colégio
“São Francisco de Sales” (atual Diocesano), para lhe servir
de Ginásio de Aplicação. Além disso, com a autorização do

182  Neuton Alves de Araújo • José Augusto C. Mendes Sobrinho


Ministério da educação (MEC), esta Faculdade promoveu
ainda no ano de 1963 um Curso Especial, o qual contemplava
apenas as disciplinas pedagógicas, a fim de que os ex-alunos
bacharéis recebessem o diploma de Licenciatura. Finalmente,
os cursos da FAFI foram reconhecidos pelo Decreto nº 54.038,
de 23 de julho de 1964, publicado no Diário Oficial da União
do dia 28 seguinte.
Ainda a respeito da FAFI, podemos afirmar que essa
instituição exerceu uma liderança na orientação dos cursos que
começaram a surgir em Teresina, servindo como modelo para
o nosso Estado. Todavia, desde o início da criação dos cursos
de bacharelado e licenciatura, houve uma explícita separação
entre conteúdo específico e formação pedagógica. Dessa forma,
os bacharéis que se graduavam nessa IES poderiam receber
licença para lecionar no magistério secundário somente após
cursarem a parte referente à formação didática e pedagógica.
Na verdade, o esquema curricular adotado por essa Faculdade
era o chamado 3+1, ou seja, três anos de bacharelado e
um concernente ao curso de didática. A disciplina didática
teve como primeiro professor o Padre Carlos Bresciani, um
jesuíta, sendo substituído mais tarde pela professora Cecília
Mendes. Posteriormente, os referidos cursos adequar-se-iam
ao espírito da reformulação expressa no parecer de 1969 do
Egrério Conselho Federal de Educação, estabelecendo-se em
blocos integrados a parte de formação geral e a das matérias
pedagógicas que impulsionaram à licenciatura (SOUSA;
BOMFIM; PEREIRA, 2002).
Rêgo (1991) expõe que a FAFI, mantida pela Sociedade
Piauiense de Cultura, conforme o Art. 1º do seu Regimento
Interno, tinha como fins: - formar professores para o curso
secundário e normal; - dar aos estudantes ensejo de se
especializarem conforme suas aptidões individuais; - colaborar
com institutos oficiais congêneres para difusão de alta cultura

TECENDO HISTÓRIAS SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 183


DE MATEMÁTICA NO PIAUÍ: DA FAFI À UFPI
intelectual no Brasil; - realizar pesquisas nos vários domínios da
cultura que constituem objeto de seu ensino.
Sousa, Bomfim e Pereira (2002) ainda esclarecem que
apesar desses propósitos constarem no Regimento Interno
da FAFI, não houve preocupação com a pesquisa. O que
predominava eram as funções ensino e extensão. O ensino era
de caráter reprodutivo. A metodologia expositiva era a mais
empregada. Alguns professores valorizavam a dinâmica e os
trabalhos de grupo, sendo que estes eram feitos na sala de aula
ou como atividade de extensão fora do horário das aulas. A
rigor, era aquela didática conservadora do Luís Alves de Matos,
de Alaíde Lisboa, entre outras fontes bibliográficas no campo
da Didática.
Para estas mesmas autoras, as práticas de formação de
professores nessa IES foram construídas segundo a lógica da
racionalidade técnica, em que os professores aplicavam com
rigor as regras que derivam do conhecimento científico. Nessa
tradição de formação de professores, foi verificado no âmbito
educacional, um profundo afastamento entre o conhecimento
científico e o mundo da prática. Dessa forma, observamos que,
nesses cursos o problema maior concentrava-se entre a teoria
e a prática.
A dicotomia entre os saberes do conteúdo disciplinar e
do pedagógico persiste desde os primórdios da criação das
Faculdades de Filosofia, mas este estudo permite afirmar
que, hoje, os problemas relativos à formação de professores
estão longe de reduzir-se a isso. A organização curricular
e a organização institucional de um curso de formação de
professores devem ser interligadas. A organização institucional
determina a organização curricular, quando deveria ser
exatamente o contrário (SOUSA; BOMFIM; PEREIRA, 2002).
Para uma conclusão ponderada a respeito da FAFI,
explicitamos que esta surgiu num momento oportuno, numa

184  Neuton Alves de Araújo • José Augusto C. Mendes Sobrinho


época adequada pela vontade, não resta dúvida, de um
Arcebispo e com a colaboração de alguns professores. Assim,
foi uma entidade que recrutou, de início, toda a inteligência
local, tanto na parte de professores quanto na parte dos alunos.
Foi o centro de resistência democrática em Teresina nas décadas
de 60 e 70 do século XX e, finalmente, o componente essencial
para a formação da UFPI, dando início, assim, à fase do quadro
da evolução histórica da formação de professores licenciados
no estado do Piauí. Diante do exposto, fica evidenciado que a
FAFI criou uma consciência universitária no Piauí, posto que
deu origem à UFPI e a outras IES que dispomos atualmente em
nosso estado.
A UFPI, instituída nos termos da Lei nº 5.528, de 12 de
novembro de 1968, e oficialmente instalada em 12 de março
de 1971, começou suas atividades acadêmicas ao promover
a aglutinação da Faculdade de Direito (1931), da Faculdade
Católica de Filosofia/FAFI (1957), da Faculdade de Odontologia
(1961), da Faculdade de Medicina (1968) e da Faculdade de
Administração – Parnaíba (1969), como afirma Guedes (2002).
Desde sua instalação, a UFPI vem formando profissionais
para o pleno exercício do magistério por meio de seus diferentes
cursos de licenciatura, espalhados nos vários Centros de Ensino
e campi. Até abril do ano de 2018, esta Universidade contava
com três campi, a saber: Campus Professora Cinobelina Elvas
(Bom Jesus), Campus Ministro Petrônio Portella (Teresina),
Campus Ministro Reis Velloso (Parnaíba), Campus Almicar
Ferreira Sobral (Floriano) e Campus Senador Helvídio Nunes
de Barros (Picos). Em 11 de abril de 2018, o Presidente da
República, Michel Temer, sancionou a Lei Nº 13.651, em que
o Campus Ministro Reis Velloso passou a ser a Universidade
Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar). A publicação foi feita
no dia 12 de abril desse mesmo ano, no Diário Oficial da União
(DOU).

TECENDO HISTÓRIAS SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 185


DE MATEMÁTICA NO PIAUÍ: DA FAFI À UFPI
Como as demais IES, a UFPI também vem promovendo
discussões a respeito da formação do educador, com o
propósito apresentar alternativas de solução para os problemas
que afetam a formação que se desenvolve nessa instituição.
Dessa forma, em 1980, no Centro de Ciências da Educação
(CCE), iniciaram-se os debates sobre o tema, culminando com
a realização do I Seminário sobre a Formação do Educador.
Nesse Seminário, participaram membros dos órgãos
representativos da educação no Estado (Secretaria de
Educação, Delegacia do Ministério da Educação), que
demonstraram preocupação em relação à qualidade da
formação que vinha acontecendo, destacando os pontos
que serviram de suporte nesse processo: - formar o educador
e não o professor ou especialista; - eliminar o tecnicismo e o
psicologismo dos currículos das Licenciaturas; - estimular e
desenvolver uma consciência crítico-criativa nos que fazem a
educação (GUEDES, 2002).
Nesse contexto, foram esses os principais pontos que
conduziram as discussões para três direções distintas, quais
sejam: - a necessidade de reformulação do currículo vigente,
acrescentando novos conteúdos que viriam reforçar a prática
educativa; - a transferência de algumas especializações para
que fossem ofertadas em nível de pós-graduação; - a circulação
de novas habilitações para atender às necessidades de recursos
humanos qualificados em determinadas áreas da educação.
Em 1983, as questões básicas das Licenciaturas (curta
e/ou plena), passaram a representar o ponto central das
discussões dentro do Movimento Nacional de Reformulação
dos Cursos de Formação de Educadores e desse movimento
no interior da UFPI. Assim, essas discussões apontaram para a
necessidade de superar as desarticulações enfrentadas nesses e
por esses cursos.
Assim, o documento final do movimento em nível local
sugeria que: - as Licenciaturas fossem trabalhadas de maneira

186  Neuton Alves de Araújo • José Augusto C. Mendes Sobrinho


conjunta entre professores responsáveis pela formação
pedagógica e professores das áreas específicas; - além das
disciplinas pedagógicas e de conteúdos específicos, deveriam
ser inclusos também as chamadas disciplinas integradoras, uma
vez que são elas que fazem a articulação entre as específicas
e as pedagógicas; - a formação deveria ser fortalecida tanto
nos aspectos específicos, mas principalmente nos aspectos
pedagógicos, tendo em vista uma integração que considere
a realidade educacional brasileira; - a formação precisaria
ser repensada de maneira a torná-la mais sólida e menos
fragmentada; - a relação prática-teoria-prática deveria ser
trabalhada de forma que envolvesse todas as disciplinas ao
longo do curso (GUEDES, 2002).
Isto posto, as lutas enfrentadas pela UFPI no sentido
de reformular e aperfeiçoar os Cursos de Formação de
Professores existem desde a época da FAFI, apesar de não se
verificarem grandes avanços, haja vista as questões básicas das
Licenciaturas, como por exemplo a dicotomia entre prática e
teoria, ainda persistir, dificultando o encaminhamento de novas
propostas. Para ilustrar essa situação, o estágio, por exemplo,
denominado de Prática de Ensino, acontecia no final do curso,
em que o aluno entendia apenas como uma obrigação para
receber o diploma. Essa falha apresentada no processo de
formação de professores se justifica pela inexistência de uma
unidade quando a instituição pretende trabalhar a relação
teoria e prática.
A preocupação com um currículo que integrasse teoria
e prática levou a a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional - LDBEN nº 9394/96 a definir 300 (trezentas) horas
de Prática de Ensino. No entanto, a Resolução CNE/CP 02, de
19/02/2002, no seu Art. 1, redefiniu esta Prática de Ensino.
Dessa forma, se estabeleceu um total de 800 (oitocentas) horas.
Desse total, 400 (quatrocentas) horas deveriam ser distribuídas

TECENDO HISTÓRIAS SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 187


DE MATEMÁTICA NO PIAUÍ: DA FAFI À UFPI
ao longo do processo de formação. Por sua vez, as outras 400
(quatrocentas) horas restantes, deveriam ser trabalhadas como
prática específica de cada curso. No entanto, a Resolução
CNE/CP 02, de 01/07/2015, que substituiu a Resolução CNE/
CP 02, de 19/02/2002, em seu Art. 13, estabeleceu carga
horária mínima de 3200 (três mil e duzentas) horas, de no
mínimo 4 (quatro) anos, sendo: 400 (quatrocentas) horas de
Prática como Componente Curricular, distribuídas ao longo
do processo formativo e, 400 (quatrocentas) horas de Estágio
Supervisionado, na área de formação e atuação na Educação
Básica, contemplando também outras áreas específicas, se for
o caso, conforme o Projeto Pedagógico do Curso (PPC).
A esse respeito, como postulam Souza e Moretti (2015,
p. 33),

Embora algumas distinções estejam bem delimitadas, a


organização desses elementos nos cursos de licenciatura
ainda apresenta muitas fragilidades, reduzindo-se a
prática a momentos de inserção na escola, nem sempre
bem planejados, e o estágio às estruturas convencionais
pautadas na observação, participação e regência.

Nesse contexto, entendemos que não basta apenas


aumentar a carga horária da disciplina Prática de Ensino
(Estágio Supervisionado). É preciso repensarmos a formação de
professores, na busca da superação da racionalidade técnica,
conduzindo à implantação de uma proposta de formação deste
profissional segundo um modelo reflexivo: uma das questões
centrais na problemática formação de professores (PÉREZ
GÓMEZ, 1995). Assim, a proposta de formação do professor
reflexivo supõe uma formação centrada na prática, sendo esta
entendida como um processo de investigação e articulação
permanente na relação com a teoria, ocupando o eixo central
do currículo dos cursos de formação de professores.

188  Neuton Alves de Araújo • José Augusto C. Mendes Sobrinho


Uma proposta de formação com ênfase na prática não
trata de abandonar o conhecimento teórico, pelo contrário,
como bem esclarece Perrenoud (1993, p. 149), não se
dispensa de forma alguma uma sólida formação teórica, mas
entendemos que “[...] esta só tem interesse se articular com a
prática em situação”. A articulação teoria e prática deve ser
entendida numa relação dialética permanente como um sistema
em cadeia. Esse movimento pretende transpor a formação do
professor como mero transmissor de conhecimento para a
formação do professor que organiza o ensino, que possibilita
aos alunos o conhecimento teórico/científico num processo
investigativo.

O primeiro curso de Licenciatura em Matemática no Piauí: uma


semente plantada na FAFI

Asseveram Sousa, Bomfim e Pereira (2002) que, com


o reconhecimento dos cursos oferecidos pela FAFI, ainda no
ano de 1963, os dirigentes desta IES, passaram a estudar as
possibilidades da ampliação dos cursos existentes: Letras,
Filosofia e Geografia/História. Como havia carência de
professores para o 1º e 2º graus, optaram pela criação de
Cursos de Física e Matemática. Portanto, pedindo o apoio à
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE),
esse órgão mandou a Teresina o professor Morgado, do
Instituto de Matemática do Recife, para estudar a viabilidade
das pretensões da referida Faculdade.
Dessa forma, inicialmente, a SUDENE se propôs a ajudar
a formação do corpo docente dos futuros cursos. A proposição
foi aceita. Assim, selecionados em Teresina, os professores Luís
Gonzaga Sousa Lapa, Gregório Antonio da Luz e Raimundo
Nonato Sena foram a Fortaleza frequentar cursos intensivos,
no Instituto de Matemática. Vale salientarmos que, logrando

TECENDO HISTÓRIAS SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 189


DE MATEMÁTICA NO PIAUÍ: DA FAFI À UFPI
aprovação em vestibular, foram para o Instituto de Matemática
de Recife, os senhores Francisco Fortes de Brito e Antônio
Pádua Emérito. Para a concessão dos recursos necessários
às bolsas de estudo desses estudantes, os dirigentes da FAFI
assinaram com a SUDENE, em Recife, por meio de procuração
emitida por essa Faculdade, o Convênio nº 295/66, em 6 de
outubro de 1966.
De acordo com a entrevista que realizamos com o Prof.
Dr. Otávio de Oliveira Costa Filho (24/01/2008), ex-aluno
da FAFI e, hoje, professor aposentado da UFPI, do Curso de
Matemática, nesse Convênio, foi estabelecido um curso de pré-
vestibular inicial em Teresina para que, posteriormente, viesse
uma Comissão de Professores das Universidades Federais de
Pernambuco e Ceará, com o objetivo de realizar o 1º Vestibular
do Curso de Matemática nesta Faculdade como também
implantar os Cursos de Física e Matemática. Portanto, em
1969, a SUDENE mandou para nossa Capital o economista
e professor José Gamaliel Teixeira Noronha, para coordenar o
supracitado curso de preparação de candidatos ao Vestibular
de Física e Matemática. Na verdade, segundo o entrevistado,
primeiramente se pensou em criar um Instituto de Física e
Matemática, tendo em vista a carência de professores dos
cursos ginasial e secundário (atualmente ensino fundamental e
médio) nestas áreas. E, assim,

[...]. o professor José Gamaliel Noronha coordenou durante


um ano o cursinho. [..]. e muita gente participou deste curso.
Fui um dos professores que ministrou aulas. Nesta época,
eu professor do Liceu, Colégio Zacarias de Góes, colégio
padrão no Piauí naquele tempo. [..]. E, uma vez criado,
estabeleceu-se um roteiro para a criação de duas turmas
de Matemática e Física. Inicialmente, existiam as duas
turmas, sendo uma diurna e a outra noturna, oriundas do
1º Vestibular, do qual esteve a frente a professora Geraldina
França Bacelar, da Universidade Federal de Pernambuco
(COSTA FILHO, Entrevista, 28/01/2008).

190  Neuton Alves de Araújo • José Augusto C. Mendes Sobrinho


Além do Prof. Dr. Otávio Oliveira Costa Filho, foram
convidados para ministrar aulas nesse preparatório os
professores Sônia Leal Rodrigues, Miguel José Azevedo, Ismael
Francisco Dantas, Miguel Dib Cadah Filho e Regina Glória de
Carvalho Mendes (SOUSA; BOMFIM; PEREIRA, 2002).
Ratificando o depoente Prof. Dr. Otávio, a Profª Geraldina
França Ribeiro Bacelar, declarou que:

[...]. Vim para Teresina oriunda da Universidade Federal


de Pernambuco, do Instituto de Matemática daquela
Instituição e foram os professores da direção desse
Departamento, dentre eles, o professor Geraldo de
Sousa, que indicaram o meu nome. A minha formação
é Licenciatura e Bacharelado em Matemática. Cheguei
em 1970. Sou professora de Matemática e vim através
de um Projeto da SUDENE que alguns anos antes já se
tinham tentada a formação de professores de Matemática
no Piauí, levando alunos que tivessem concluído o 2º
grau para Pernambuco a fim de fazerem o vestibular
e, sendo aprovados, fariam o Curso de Matemática
na Universidade Federal de Pernambuco. E, como esse
projeto não deu certo, resolveram implantar um curso pré-
vestibular de Matemática aqui na Faculdade de Filosofia
do Piauí. [..]. A Universidade Federal de Pernambuco já
havia sido criada, tudo já estava organizado. [..]. Então...
viemos para cá e realizamos o Vestibular com grupo bem
numeroso de candidatos. Não como nos dias atuais, mas
tinha bastantes candidatos. Então, foram preenchidas
as 60 vagas, sendo formadas duas turmas: uma diurna
e outra noturna, cada uma com 30 alunos, inicialmente.
(Entrevista, 28/01/2008).

A respeito do primeiro vestibular do Curso de Matemática


da FAFI, este foi realizado sob a responsabilidade da
Universidade Federal de Pernambuco. As provas eram elaboras
lá e eram entregues todas dentro de envelopes lacrados. Eram

TECENDO HISTÓRIAS SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 191


DE MATEMÁTICA NO PIAUÍ: DA FAFI À UFPI
aplicadas no próprio prédio da FAFI (COSTA FILHO, Entrevista,
28/01/2008). Este vestibular foi estruturado da seguinte
forma: uma prova de Matemática, dividida em dois grupos,
sendo: Álgebra x Aritmética (trinta questões) e Trigonometria
x Geometria (trinta questões); duas provas de Física, também
dividida em dois grupos, Mecânica x Calor (trinta questões) e
Acústica x Eletricidade (trinta questões); uma prova de Língua
Portuguesa que, nesse caso, era uma Redação, em que, no
dia da prova se fazia o sorteio de um só tema à turma de
candidatos. Havia também uma prova de Língua Estrangeira
(COSTA FILHO, Entrevista).
A título de esclarecimentos, as questões das provas de
Matemática e Física eram todas descritivas, objetivas. Havia
o problema e este deveria ser resolvido, descritivamente. Na
prova de Língua Estrangeira, o aluno optava por Inglês ou
Francês, na verdade, era uma tradução e uma versão. A versão
de Português para Inglês ou Francês e a tradução de Inglês ou
Francês para Português. As provas não eram realizadas todas
no mesmo dia e nem tão menos em dias consecutivos. Isso
porque as etapas eram todas eliminatórias. Além do mais,
estas provas eram corrigidas em Pernambuco e no Ceará pelos
professores contratados pela SUDENE. Os alunos chegavam
a passar, praticamente, uma semana aguardando o resultado
daquela etapa. Se fosse lograda a aprovação, passaria para a
etapa seguinte. A relação do resultado final, incluindo nomes,
notas e posição dos aprovados, era divulgada através de rádios
e jornais locais. Assim, todos iam à Faculdade naquele dia,
pois a farra era grande e acontecia lá mesmo. De um total, de
aproximadamente, 70 (setenta) candidatos inscritos, apenas
30 (trinta) foram aprovados para a turma diurna (COSTA
FILHO, Entrevista, 28/01/2008).
Ainda com vistas à implantação do Curso de Matemática
e Física, encontramos em Sousa, Bomfim e Pereira (2002) que,

192  Neuton Alves de Araújo • José Augusto C. Mendes Sobrinho


o Professor Clemente, diretor da FAFI, conseguiu um auxílio
para compra de livros especializados por meio da Comissão de
Assessoramento, Documentação e Informação das Faculdades
de Filosofia (CADIFF), da qual este diretor era membro. É
oportuno lembrar que o corpo docente para o primeiro ano
do supracitado curso foi selecionado pela Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste.
De acordo com Costa Filho (Entrevista, 24/01/08), este
curso teve início em 1970, no formato de seriado. Nessa época
não existia ainda no Brasil o sistema de créditos. Assim, houve
o primeiro curso. Basicamente, as disciplinas eram Cálculos,
chamadas de Cálculo I, que envolvia todo o cálculo de uma
variável, seja derivada, seja diferencial ou integral. Na realidade,
era integral. Havia, também, o curso de Álgebra Linear e
Geometria Analítica. Inicialmente, as disciplinas Cálculo e
Geometria Analítica e Álgebra Linear foram ministradas,
respectivamente, pelos professores: Geraldo de Sousa e
Geraldina França Bacelar. Havia a Física, dividida em Mecânica
e Calor. E, para ministrar essa disciplina, veio da Universidade
Federal do Ceará (UFC), um padre, conhecido no país como
sendo um dos maiores expoentes em Física. “[..]. A gente o
chamava simplesmente de Padre Machado. [..]. Era realmente
uma capacidade, um verdadeiro ‘Einstein’ do curso”. Neste
mesmo ano, também cursamos a disciplina Moral e Cívica.
Por sua vez, no segundo ano, as disciplinas: Cálculo II,
Física II, Cálculo Numérico e Fundamentos da Matemática,
as quais tiveram como professores, respectivamente, Geraldo
de Sousa, Francisco Caamaño (UFC) e José Geraldo Accioli
(as duas últimas disciplinas). A partir do 3º ano foi adotado o
sistema de crédito, sendo que, no 1º período, foram cursadas as
disciplinas: Álgebra I (Profª Geraldina França Bacelar), Desenho
Geométrico (Prof. Manoel Gonçalves/Universidade Federal de
Pernambuco-UFPE), Equações Diferenciais (Prof. Geraldo de
Sousa) e Psicologia Educacional (Profª Cecília Araújo/FAFI) e,

TECENDO HISTÓRIAS SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 193


DE MATEMÁTICA NO PIAUÍ: DA FAFI À UFPI
no 2º, Análise I (Prof. Geraldo de Sousa), Geometria Descritiva
(Prof. Manoel Gonçalves), Álgebra II (Profª Geraldina França
Bacelar) e Didática (Profª Socorro Moraes/FAFI). E, finalmente,
no 1º período do 4º e último ano do curso (1/1973) foram
cursadas as disciplinas: Probabilidade e Estatística (Profª Maria
Auxiliadora/UFC), Topologia, Estrutura e Funcionamento do
Ensino (Profª Socorro Moraes) e Prática de Ensino2. O nosso
currículo era análogo ao da UFPE (COSTA FILHO, Entrevista).
Tendo como fonte o Histórico Escolar do Prof. Dr. Otávio de
Oliveira Costa Filho, chegamos à reconstituição da Estrutura
curricular do Curso de Licenciatura em Matemática (1970-
1973), conforme o Quadro 1.

Quadro 1 - Estrutura curricular do Curso de Licenciatura


em Matemática (1970-1973).
1º Ano
Disciplinas Carga Horária/Créditos
Cálculo I 195 horas
Física I 390 horas
Geometria Analítica e Álgebra Linear 210 horas
Moral e Cívica 15 horas
2º Ano
Cálculo Numérico 90 horas
Cálculo II 180 horas
Física II 215 horas
Fundamentos da Matemática 75 horas
3º Ano
Álgebra I 6.0.0
Desenho Geométrico 4.0.0
Equações Diferenciais 6.0.0
Psicologia Educacional 4.0.0
Análise I 6.0.0
Geometria Descritiva 6.0.0
Álgebra II 6.0.0
Didática 6.0.0


2
Os depoentes: Costa Filho e França não recordaram o nome da
professora que ministrou essa disciplina. .

194  Neuton Alves de Araújo • José Augusto C. Mendes Sobrinho


4º Ano
Probabilidade e Estatística 5.0.0
Topologia 5.0.0
Estrutura e Funcionamento do Ensino 4.0.0
Prática de Ensino 6.0.0
Fonte: Histórico Escolar do Prof. Dr. Otávio de Oliveira Costa Filho/UFPI.

Ao analisarmos o Quadro em referência, constatamos que


o referido curso possuía 2.330 (duas mil e trezentos e trinta)
horas, sendo 2.015 (duas mil e quinze) horas de disciplinas
curriculares de Matemática e 315 (trezentas e quinze) de
disciplinas pedagógicas, incluindo a disciplina Educação
Moral e Cívica. Além disso, conforme entrevista com o Prof.
Otávio, embora a disciplina Fundamentos da Matemática, de
acordo com o Parecer CFE 292/62, devesse ter um enfoque de
revisão dos conteúdos trabalhados nos cursos de 1º e 2º graus,
esta na verdade era Lógica Matemática. Sobre as disciplinas
pedagógicas, no geral, para os alunos essas não possuíam valor
nenhum. “A gente fazia por obrigação. [..] Ninguém ligava
para aquelas disciplinas. Então, o que se fazia era cumprir uma
ordem”.
Outro aspecto que merece ser destacado é que, conforme
o Quadro 1, a Licenciatura em Matemática era ofertada no
modelo 3 +1. Os licenciandos aprendiam os conteúdos da
área de conhecimento a ensinar (conteúdo específico) para,
posteriormente, aprenderem o como fazê-lo (disciplinas
pedagógicas). Esse modelo impossibilitava o mínimo de efetiva
integração entre as disciplinas específicas da Matemática e
as de cunho pedagógico. A matriz curricular se apresentava
fragmentada e dicotômica e o contato do licenciado com as
disciplinas pedagógicas era muito rápido o que dificultava o
desenvolvimento de uma vivência formativa. Neste caso, Pereira
(2000, p. 59) bem define “[...] o licenciando é concebido pela
Universidade como meio-bacharel com tinturas de pedagogia”.

TECENDO HISTÓRIAS SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 195


DE MATEMÁTICA NO PIAUÍ: DA FAFI À UFPI
Nas disciplinas pedagógicas, de modo particular, na
Prática de Ensino, hoje, Estágio Supervisionado, as aulas
teóricas cursadas na Universidade, eram pouquíssimas. A
professora ensinava algumas técnicas, a exemplo de como
organizar o histórico escolar, de como preparar um bom plano
de aula e de como organizar o quadro de giz para ministrar
aulas. A título de ilustração, o professor dizia: “Olhem! Usem
pouco o quadro!” Tudo isso depois deveria ser aplicado na
prática, nas escolas, sob o acompanhamento, primeiro, de um
dos colegas de aula e, depois, da professora desta disciplina.
Os professores-alunos, obrigatoriamente, deveriam ministrar
aulas de Matemática em escolas de 1º e 2º Graus. “A gente
dizia, professora, hoje tenho aula no Colégio X. Aí ela ia
lá...”. Os professores eram orientados a dar aulas e também a
assistir às aulas dos colegas. “O processo era o seguinte: eu era
avaliado por cada um dos meus colegas, assim também como
eu avaliava cada um deles. Depois a professora avaliava todos
nós” (COSTA FILHO, Entrevista, 28/01/2008).
Um fato que nos chamou atenção está relacionado ao
corpo discente do Curso de Matemática da FAFI, em especial,
àqueles da primeira turma. De um universo de 30 (trinta) alunos,
só havia uma mulher, a professora Socorro Veras3, a primeira
mulher formada em Matemática no Piauí pela Universidade
Federal do Piauí.
Retomando à questão do Curso de Matemática,
inicialmente da FAFI,

[...]. embora a previsão desse curso fosse de quatro


anos, mas devido ao surgimento do sistema de créditos,
foram oferecidos todos os créditos que seriam ofertados
ao longo do ano de 1973, ainda no 1º semestre deste
ano. Portanto, os alunos se comprometeram a cursá-


3
Ex-professora do Colégio Diocesano e já falecida.

196  Neuton Alves de Araújo • José Augusto C. Mendes Sobrinho


los. Eram seis. Desses seis, somente quatro conseguiram
concluir: Otávio de Oliveira Costa Filho, José Ribamar
Lopes Batista, Raimundo Nonato Lira Rebelo e Robson
Santana Pacheco. [...]. Assim, a Colação de Grau dessa
primeira turma se concretizou no dia 20 de julho de 19973.
Logo depois, com seis meses, concluíram mais seis. [...].
Na realidade, a Matemática tem sido durante todo esse
tempo isso. Ou seja, de 30 alunos que entram, saem sete,
seis,..., dois, um. (COSTA FILHO, Entrevista, 24/01/2008;
BACELAR, Entrevista, 28/01/2008).

Segundo o depoimento do Prof. Otávio (Entrevista),


em 1973 o Curso de Matemática da FAFI passou a funcionar
definitivamente na UFPI, o qual, desde o início, foi sempre
agregado ao Centro de Ciências da Natureza (CCN). Embora
iniciado na FAFI, este curso só veio a ser reconhecido em 1977,
através do Decreto nº 81.034 de 15 de dezembro de 1977, do
Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras. Ao ser
incorporado à UFPI, inicialmente, se criou o Departamento
da Matemática, que também agregava o Curso de Física. Por
conta da própria necessidade e finalidades destes cursos como
estavam sendo criados, foram desmembrados, e, assim, surgiu
o Departamento de Física.

As mudanças ocorridas no Curso de Matemática da UFPI: de


1970 aos dias atuais

No Brasil, a partir da década de 1970, acompanhamos


a uma reforma do ensino - da 1ª à 4ª série (ensino primário)
à Universidade. Com a Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, foi
criada a nomenclatura 1º grau para a escolaridade de 1ª a 8ª
séries, 2º grau para os três últimos anos seguintes ao do 1º grau
e 3º grau para os estudos referentes à Universidade. Essa Lei
previa em seu Art. 29, que:

TECENDO HISTÓRIAS SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 197


DE MATEMÁTICA NO PIAUÍ: DA FAFI À UFPI
A formação de professores e especialista para o ensino
de 1º e de 2º graus será feita em níveis que se elevem
progressivamente, ajustando-se à diferenças culturais de
cada região do país e com orientação que atenda aos
objetivos específicos de cada grau, às características das
disciplinas, áreas de estudo e às fases de desenvolvimento
dos educandos.

Ao se fazer uma análise ponderada do Artigo 29,


constatamos a presença de vários níveis de formação de
professores, cada um correspondendo a um nível de exercício.
Para aclarar melhor essa observação, vejamos o que ditava o
seu Art. 30 da Lei 5.692:

Exigir-se-á como formação mínima para o exercício do


magistério:
a) No ensino de 1º grau, da 1ª a 4ª série, habilitação
específica de 2º grau;
b) No ensino de 1º grau, da 1ª a 8ª série, habilitação
específica de grau superior, em nível de graduação,
representado por Licenciatura de 1º grau obtida em curso
de curta duração;
c) Em todo o ensino de 1º e 2º graus, habilitação específica
obtida em curso superior de graduação correspondente à
Licenciatura Plena.

Ao interpretar o último artigo, Romanelli (1999) chama


a atenção da existência de três esquemas, no que se refere ao
curso superior, a saber: formação superior em licenciatura
curta (formar o professor para uma área de estudos e a torná-
lo apto a lecionar em todo o 1º grau); formação superior em
licenciatura curta mais estudos adicionais (formar o professor
de uma área de estudo com alguma especialização em uma
disciplina dessa área, com aptidão para lecionar até a 2ª série
do 2º grau); e formação de nível superior em licenciatura plena
(formar o professor de disciplina, e, assim, torná-lo apto a
lecionar até a última série do 2º grau).

198  Neuton Alves de Araújo • José Augusto C. Mendes Sobrinho


Na verdade, a criação dos Cursos de Licenciatura Curta
foi proposta, inicialmente, na década de 1960, como uma
emergência para tentar solucionar o descompasso entre a
quantidade demandada de professores pelas escolas da Rede
Pública de Ensino e os professores habilitados naquela época.
Porém, somente com a resolução 30, de julho de 1974, do
Conselho Federal de Educação/CFE, que tinha Valnir Chagas
como diretor foi proposto um currículo mínimo dividido em
duas etapas, sob forma de Licenciatura em Ciências, polivalente,
de 1º grau, com 1800 (mil e oitocentas) horas, que poderia
ser acrescido de uma habilitação específica: Matemática,
Física, Química ou Biologia, com um mínimo de 1000 (mil)
horas que, assim, equivaleria a uma licenciatura plena. Foi essa
resolução que tornou obrigatório esse novo currículo, dando
às Universidades um prazo limite para sua implantação até o
ano 1978.
Várias Universidades, no intervalo de 1974 a 1977,
obedeceram a esta resolução, inclusive a UFPI. Nesta IES, a
partir do ano 1975, foi implantado o Curso de Ciências que, em
conformidade com a resolução, passou a oferecer as habilitações
em Matemática, Física, Química e Biologia, desativando,
assim, as Licenciaturas específicas. Portanto, a UFPI adota
o Currículo das Ciências de Primeiro Grau4 e, para os alunos
que optassem em fazer a plenificação em Matemática, existia
o currículo em Matemática, o que dava direito à Licenciatura
Plena em Ciências com habilitação em Matemática.
Destacamos que, de acordo com a justificativa da
Proposta (Currículo) do Curso de Graduação em Matemática
nas modalidades Licenciatura e Bacharelado (1993), após
8 (oito) anos de funcionamento do curso de Ciências (1975-
1982), este não estava atendendo às necessidades do mercado


4
Também conhecida por Licenciatura Curta em Ciências.

TECENDO HISTÓRIAS SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 199


DE MATEMÁTICA NO PIAUÍ: DA FAFI À UFPI
de trabalho. Primeiro, porque, assim, como nos dias atuais,
era exigido um profissional mais qualificado em conteúdo e
metodologia, capaz de realizar um trabalho eficiente no ensino
de 1º e 2º graus. Segundo, porque, o mercado de trabalho
piauiense contava com uma vasta rede de estabelecimentos em
nível de 1º e 2º graus, porém, a grande maioria dos professores
não era habilitada em curso superior.
Levando em conta essa realidade, o Departamento
de Matemática/UFPI, por meio do seu extinto órgão de
acompanhamento curricular – CAAC, montou um programa
de estudo curricular que buscava subsídios que orientassem a
definição do perfil do profissional de ensino de Matemática.
Para tanto, foram realizados três encontros sobre o ensino de
Ciências com a participação de convidados de outros centros,
alunos egressos, professores do departamento e da comunidade
em geral.
Assim, a partir dos relatórios apresentados nesses
encontros, foi possível definir uma linha de trabalho que
possibilitasse a elaboração de um currículo dentro do perfil
levantado. Dessa forma, as avaliações do curso de Ciências, no
tocante à habilitação em Matemática, mostraram que havia um
desestímulo muito grande por parte dos alunos, exatamente
por terem que cursar muitas disciplinas de Física, Química e
Biologia, o que causava alta retenção, desistência e reprovação
elevada. De um modo geral, o interesse do aluno seria cursar
Matemática não se interessando pelas diversas disciplinas de
outras áreas que eram impostas. Nesse contexto, surge mais
um tipo de aluno, aquele que tem interesse simplesmente pela
Matemática.
Portanto, em março de 1990, a Coordenação do Curso de
Matemática, preocupada com a situação exposta, recebendo o
apoio dos demais órgãos da Universidade, realizou o I Encontro
Sobre a Formação do Professor de Matemática, no qual foram

200  Neuton Alves de Araújo • José Augusto C. Mendes Sobrinho


levantados subsídios para elaboração de uma proposta de
currículo. Além disso, foi diagnosticado que as disciplinas que
contemplavam o currículo do Curso de Ciências/Matemática
não apresentavam conteúdos suficientes para fundamentar e
instrumentalizar o ensino de 1º e 2º graus com a qualidade exigida.
Por outro lado, os conteúdos específicos à Matemática que os
egressos recebiam eram insuficientes para o prosseguimento
de estudos em nível de pós-graduação, haja vista a saída de
alunos da Matemática para participar dos cursos de verão ou
mestrado. Só logravam êxito graças à formação possibilitada
pelos professores do Departamento de Matemática, que
terminavam trabalhando mais conteúdos afim de preencher as
lacunas deixadas pelo Curso de Licenciatura Plena em Ciências/
Matemática (TERESINA, 1993, mímeo).
Dessa forma, em 1993, a Coordenação do Curso de
Matemática apresentou ao Conselho de Ensino, Pesquisa e
Extensão (CEPEX) da UFPI uma proposta curricular5, com o
intuito de não só atender ao perfil levantado para o profissional
do ensino da Matemática para 1º e 2º graus, mas também
aprofundar seus conhecimentos para iniciar na pesquisa ou
prosseguir em nível de pós-graduação.
Assim, atenderia ao anseio da comunidade em geral, que
exigia melhor qualidade em termos de conteúdo e metodologia
do aluno egresso do Curso de Matemática da UFPI. Enfim, a
resolução nº 035, Art. 1º, do CEPEX/UFPI, datada de 01/09/1993,
autorizou a mudança de nomenclatura do Curso de Licenciatura
Plena em Ciências com habilitações em Matemática, Física,
Química e Biologia para: - Curso de Graduação em Física, nas
modalidades licenciatura e bacharelado, com implantação em
1994; - Curso de Graduação em Química, nas modalidades
licenciatura e bacharelado, com implantação em 1994; -


5
Currículo do Curso de Graduação em Matemática nas modalidades
Licenciatura e Bacharelado.

TECENDO HISTÓRIAS SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 201


DE MATEMÁTICA NO PIAUÍ: DA FAFI À UFPI
Curso de Graduação em Ciências Biológicas, nas modalidades
licenciatura e bacharelado, com implantação em 1994 e 1995,
respectivamente; - Curso de Graduação em Matemática, nas
modalidades licenciatura e bacharelado, com implantação em
1994 e 1995, respectivamente (TERESINA, 1993, mímeo).
Com a implantação do Curso de Licenciatura Plena em
Matemática, que, a priori, deveria funcionar nos turnos manhã
e tarde, o Departamento de Matemática, visando dar mais
oportunidades aos discentes, tem se utilizado do turno noturno
como meio para atender aqueles que trabalham durante o dia.
Outras mudanças só vieram acontecer por conta da
LDBEN nº 9304/96, que estabeleceu um novo patamar para os
cursos de formação de professores no país, colocando, assim,
em questão a estrutura e a organização pedagógica desses
cursos, cujas definições se encontram em legislações anteriores.
Consideramos pertinente destacarmos que ela fixou, no que
se refere aos profissionais da educação, em seu título VI,
artigos 61 a 67, diversas normas orientadoras: as finalidades
e os fundamentos da formação dos profissionais da educação;
os níveis e o lócus da formação docente e de especialistas; os
cursos que poderão ser mantidos pelos Institutos Superiores de
Educação; a carga horária da prática de ensino; a valorização
do magistério e a experiência docente.
A LDBEN 9394/96, em seu Art. 61, estabeleceu como
finalidade da formação dos profissionais da educação “atender
aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às
características de cada fase de desenvolvimento do educando”.
Dessa forma, criar condições e meios para atingir os objetivos da
educação básica é a razão de ser dos profissionais da educação,
e sua formação tem como fundamentos: a associação entre
teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço
e o aproveitamento da formação e experiências anteriores em
instituições de ensino e outras atividades (BRASIL, 1996).

202  Neuton Alves de Araújo • José Augusto C. Mendes Sobrinho


Atendendo às exigências da Lei 9.394/96 e da Resolução
nº 035-CEPEX/UFPI, o Projeto Pedagógico do Curso de
Graduação em Matemática, modalidade Licenciatura da UFPI,
mais uma vez foi reformulado e aprovado em 25 de janeiro de
2007, pela Resolução nº 08/07-CEPEX, da Universidade Federal
do Piauí.
Dentre outras mudanças no que se referem ao currículo
desse curso, destacamos: a valorização de disciplinas das áreas
sociais e humanas, essenciais para o professor e comuns a
todas as licenciaturas (Sociologia, Filosofia, Psicologia etc.),
a importância dada às atividades complementares de caráter
acadêmico-científico-cultural e a distribuição de 405 horas de
estágio supervisionado entre o 5º e 8º períodos, equivalente
à segunda metade do curso. Além disso, a UFPI passou a
ter duas propostas curriculares dos cursos de graduação em
Matemática: a da Licenciatura e a do Bacharelado.

Considerações Finais

Neste estudo buscamos analisar e compreender a


formação de professores licenciados em Matemática no estado
do Piauí. Para tanto, houve a necessidade de contextualizarmos
aspectos históricos da formação desses desde a criação da
Faculdade Católica de Filosofia do Piauí (FAFI) à incorporação
do Curso de Matemática dessa Instituição de Ensino Superior
(IES) à Universidade Federal do Piauí (UFPI) aos dias atuais.
Por que isso? Porque partimos do pressuposto de que a prática
pedagógica, bem como os significados desenvolvidos por esses
professores acerca da Matemática e/ou do ensino da Matemática
estão intimamente relacionados ao seu percurso formativo
profissional, como tão bem lembrado por Damazio (1996).
Diante do exposto, sem a pretensão de concluirmos esta
pesquisa, posto que somos conscientes da necessidade de se

TECENDO HISTÓRIAS SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 203


DE MATEMÁTICA NO PIAUÍ: DA FAFI À UFPI
aprofundar essa problemática – a formação de professores de
Matemática no estado do Piauí -, uma vez que nos restringimos
à UFPI, apresentamos, em linhas gerais, algumas considerações.
As propostas que apontam para o desenvolvimento de
perspectivas crítico-reflexivas, ou por que não dizer, de
perspectivas emancipatórias, de ver e significar a Matemática
e/ou o ensino da Matemática, não conseguiram balançar as
estruturas do curso de licenciatura em Matemática. Como
observado nesse retrospecto histórico, o que tem sido feito, na
verdade, são reformulações no PPC com acréscimo ou retirada
de disciplina, bem como o aumento da carga horária.
Outro aspecto a ser destacado, é a necessidade de
explicarmos os problemas que os professores formados pelas
IES do Piauí vivenciaram (e vivenciam) no exercício da docência,
fornecendo assim valiosas pistas tanto para os currículos
dos programas de formação inicial e contínua na realidade
brasileira/piauiense quanto para compreendermos o processo
de aprender a ensinar, que não deve se limitar no modelo da
racionalidade técnica. Esse modelo pode ser caracterizado
nas palavras do Prof. Dr. Otávio de Oliveira Costa Filho, ao
explicitar que nas disciplinas pedagógica, em particular a
Prática de Ensino/Estágio, as professoras ensinavam técnicas
de como organizar o histórico escolar, de como preparar um
bom plano de aula e de como organizar o quadro de giz para
ministrar aulas, em detrimento das aulas teóricas.
Em face de toda a conjunção de problemas que se impôs,
a formação de professores de Matemática deve ser repensada
dentro de perspectivas que levem em consideração os problemas
políticos, sociais, culturais, econômicos, pedagógicos,
epistemológicos e formação de conceitos, em que o professor
deve ser o organizador do ensino. Desse modo, as IES, através
dos seus formadores de professores, precisam refletir sobre o
perfil do professor de Matemática a ser formado: que conteúdo

204  Neuton Alves de Araújo • José Augusto C. Mendes Sobrinho


matemático é necessário para esse profissional dar conta de
sua atividade pedagógica? Que formação inicial é necessária
para que tenha condições de se desenvolver profissionalmente,
sempre em busca de possibilidades, de meios para proporcionar
aos seus alunos a apropriação dos conceitos matemáticos?
Entendemos, portanto, que o curso deve contemplar os
eixos formação específica em conhecimentos de Matemática,
formação pedagógica e formação em Educação Matemática. As
disciplinas que compõem esse curso devem estar interligadas.
Cada uma das áreas de formação deve sustentar e subsidiar
a outra, num movimento em que a teoria sirva de elemento
orientador e impulsionador da prática, sendo este elemento
de investigação da teoria. Em síntese, a formação do professor
de Matemática deve compreender a formação em Educação
Matemática.
Além disso, a licenciatura deve possibilitar ao futuro
professor de Matemática o contato e a apropriação da pesquisa
acadêmica, o que, de acordo com o retrospecto histórico que
fizemos, foi negado a esse profissional. É função dos cursos de
Licenciatura promover a formação do professor pesquisador,
crítico e reflexivo, por meio da pesquisa investigativa e da
elaboração própria do professor sobre suas experiências
e vivências com o ensino, de modo a favorecer o processo
emancipatório dos alunos e sua formação integral. Intrínseca
a essa função é preciso considerarmos, no PPC, a questão
dos Estágios Supervisionados como disciplinas essenciais na
formação profissional e como um dos espaços privilegiados
para a formação do docente na perspectiva do professor crítico-
reflexivo e no desenvolvimento de significações.

TECENDO HISTÓRIAS SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 205


DE MATEMÁTICA NO PIAUÍ: DA FAFI À UFPI
Referências

BACELAR, G. F. R. Teresina, Piauí, 28 jan. 2008. MP4 (35


min). Entrevista concedida a Neuton Alves de Araújo.

BRASIL. Lei nº 5.692 de 11 de agosto de 1971. Fixa as


diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras
providências. In: RAMA, L. M. J. S. Legislação do ensino: uma
introdução ao estudo. São Paulo: EPU, 1987. p. 127-144.

BRASIL. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece


as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial.
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 dez. 1996.

BRASIL. Resolução CNE/CP 1, de 18 de fevereiro de 2002


– Institui diretrizes curriculares nacionais para a formação
de professores da educação básica, em nível superior de
licenciatura, de graduação plena. Diário Oficial da União.
Brasília, 9 de mar. 2002, seção 1, p. 31.

BRASIL. Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras.


Decreto nº 81.034 de 15 de dezembro de 1997. Concede
reconhecimento ao curso de Ciências, ministrado pela
Universidade Federal do Piauí, com sede na cidade de
Teresina. Diário Oficial. Brasília, DF, 16 de dez. 1977, p.
17.300.

BRASIL. Resolução Nº 2, de 19 de fevereiro de 2002 – Institui


a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de
graduação plena, de formação de professores da Educação
Básica em nível superior. Diário Oficial da União. Brasília, 4 de
mar. 2002, seção 1, p. 9.

206  Neuton Alves de Araújo • José Augusto C. Mendes Sobrinho


BRASIL. Resolução Nº 2, de 1º de julho de 2015. Define as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em
nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação
pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura)
e para a formação continuada. Disponível em: <http://portal.
mec.gov.br/docman/agosto-2017-pdf/70431-res-cne-cp-002-
03072015-pdf/file>. Acesso em: 10 dez. 2018.

COSTA FILHO, O. de O. Teresina, Piauí, 24 jan. 2008. MP4


(45 min). Entrevista concedida a Neuton Alves de Araújo.

CURI, E. Formação de professores de Matemática: realidade


presente e perspectivas futuras. Dissertação (Mestrado em
Ensino da Matemática). São Paulo: Pontifícia Universidade
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TECENDO HISTÓRIAS SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 209


DE MATEMÁTICA NO PIAUÍ: DA FAFI À UFPI
SOBRE A GÊNESE DA
PÓS-GRADUAÇÃO NO BRASIL

Francisco Antonio Machado Araujo


Maria Vilani Cosme de Carvalho

A
gênese dos cursos de Pós-graduação no Brasil,
data de 1931 quando Francisco Campos, Ministro
dos Negócios da Educação e Saúde Pública,
propôs o Estatuto das Universidades Brasileiras (Decreto
19.851/1931), sob a orientação dos padrões europeus.
Nesse estatuto, que foi parte da reforma educacional
proposta por Getúlio Vargas, na qual pretendia um projeto de
modernização do país por meio da educação, a Pós-graduação
teve sua primeira tentativa de instalação. Nessa época, sua
forma de realização era definida pela orientação de um
professor catedrático na área e a defesa de tese se dava em um
tempo mínimo de dois anos.
Para Balbachevsky (2005, p. 278), nos anos 30 a Pós-
graduação tinha pouca dimensão no Brasil, eram escassos os
cursos, “[...] fora do mundo acadêmico, seus títulos eram pouco
conhecidos. Na maioria dos casos, a Pós-graduação era apenas
uma dentre muitas portas de entrada para a vida acadêmica”.
Luna (2011, p. 71) também explica que nesse período a Pós-
graduação no Brasil era caracterizada pela seguinte forma:

SOBRE A GÊNESE DA PÓS-GRADUAÇÃO NO BRASIL 211


Marcava-se essencialmente pela ausência de estrutura
formal, não havendo créditos a cumprir, disciplinas, nem
mesmo normas. Cada professor reunia um conjunto de
assistentes por cuja formação era responsável. Ao fim de
muito estudo (e, segundo a história não oficial, muito
trabalho como secretário!), pronto para alçar voos
autônomos, o assistente defendia (literalmente) a sua
(idem) tese (ibidem).

Formalmente, o termo Pós-graduação aparece pela


primeira vez no Estatuto da Universidade do Brasil (Decreto
21.321/1946) em seus artigos1 71 e 76, quando se define a
estrutura dos cursos superiores.
A década de 50 foi determinante para o estabelecimento
das agências de fomento e consolidação da Pós-graduação no
Brasil nos anos seguintes. Criou-se a CAPES (Coordenação de
Capacitação de Pessoal de Nível Superior) e o CNPQ (Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) como
agências responsáveis pelo fomento e definição dos documentos
legais que orientam o conteúdo e a forma da Pós-graduação no
Brasil. Para Oliveira (2015, p.10),

Se, por um lado, o CNPq lida mais diretamente com a


ciência, a tecnologia e a inovação, definindo a macro-
agenda da pesquisa e avaliando e incentivando as carreiras
científicas mais produtivas, a Capes ocupa-se em definir os

1 Art. 71. Os cursos universitários serão os seguintes:


a) cursos de formação;
b) cursos de aperfeiçoamento;
c) cursos de especialização;
d) cursos de extensão;
e) cursos de pós-graduação;
f) cursos de doutorado.
Art. 76. Os cursos de Pós-graduação, destinados aos diplomados, terão
por fim especial a formação sistemática de especialização profissional,
de acordo com o que for estabelecido pelo regimento (BRASIL, 1946).

212  Francisco Antonio Machado Araujo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


rumos da Pós-Graduação, buscando, ao mesmo tempo,
formar o pessoal docente e discente em conformidade
com os projetos e demandas do desenvolvimento do país

Essas instituições assumiram ao longo dos tempos,


posição estratégica na gestão da formação de pessoal
qualificado e produção científica no país. No que diz respeito
a Capes, foi importante instituição dedicada à promoção,
instalação e expansão “[...] de centros de aperfeiçoamentos e
estudos pós-graduados” (BRASIL,1951).
A década de 60 simbolizou um período histórico de virada
para a institucionalização e estabelecimento do conteúdo e da
forma da Pós-graduação no Brasil, sobretudo por conta de três
marcos legais: A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB 4.024/1961), o Parecer 977/65 do Conselho Federal de
Educação e a Reforma Universitária de 1968. Promulgado na
década de 70, o I Plano Nacional de Pós-graduação foi outro
importante instrumento legal à consolidação e regulação da
Pós-graduação.
Esse texto, objetivou desenvolver discussão sobre a
institucionalização da Pós-graduação no Brasil, tomando
como referência os princípios, objetivos e diretrizes gerais
estabelecidos pelas agências reguladoras durante as décadas
de 60 e 70.
Para isso, estruturamos o texto, fazendo inicialmente
discussão sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB 4.024/1961), o Parecer 977/65 do Conselho Federal de
Educação e a Reforma Universitária de 1968, e, em seguida,
outro tópico sobre o I Plano Nacional de Pós-graduação.

SOBRE A GÊNESE DA PÓS-GRADUAÇÃO NO BRASIL 213


A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB
4.024/1961), o Parecer 977/65 e a Reforma Universitária de 1968

Para Sucupira (1980, p. 11), a LDB 4.024/61 foi a “(...)


primeira lei geral de ensino que considerou os cursos de Pós-
graduação como categoria especial”. Em seu artigo 69, a LDB
4.024/1961 destacava que:

Art. 69. Nos estabelecimentos de ensino superior podem


ser ministrados os seguintes cursos: (Revogado pelo
Decreto-Lei nº 464, de 1969)
a) de graduação, abertos à matrícula de candidatos que
hajam concluído o ciclo colegial ou equivalente, e obtido
classificação em concurso de habilitação;
b) de pós-graduação, abertos a matrícula de candidatos
que hajam concluído o curso de graduação e obtido o
respectivo diploma;
c) de especialização, aperfeiçoamento e extensão, ou
quaisquer outros, a juízo do respectivo instituto de ensino
abertos a candidatos com o preparo e os requisitos que
vierem a ser exigidos. (BRASIL, LDB 4.024, 1961)

Essa lei, ao definir a Pós-graduação como categoria


própria, distinta da especialização, aperfeiçoamento e
extensão, possibilitou a interpretação atual que temos sobre a
Pós-graduação. Entretanto, essa interpretação só foi possível
por meio do Parecer 977/65 que definiu a estrutura e o
funcionamento da Pós-graduação no Brasil, tendo como base
os esclarecimentos sobre o artigo 69 da LDB 4.024/61. Nas
palavras do Conselheiro Sucupira em seu parecer:

O dispositivo legal, como se vê, não chega a determinar


a natureza da Pós-graduação. Se por um lado, essa
indefinição, que corresponde ao próprio espirito da
lei, representa fator positivo ao dar margem à iniciativa
criadora das universidades, doutra parte tem gerado certa
confusão, por nos faltar tradição e experiência na matéria.

214  Francisco Antonio Machado Araujo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


Daí a necessidade de uma interpretação oficial capaz de
definir a natureza da Pós-graduação a que se refere a letra
b do art. 69 e que sirva de balizamento para a organização
dos cursos pós-graduados. A exegese do artigo poderá
discernir elementos básicos que nos permitem determinar
o conceito legal (PARECER CFE Nº 977/65, 1965, p. 169).

Um dos pontos relevantes do Parecer 977/65 foi a


definição dada para o termo stricto sensu e sua distinção em
relação ao lato sensu. Com base no Parecer 977/65, a Pós-
graduação stricto sensu se caracteriza da seguinte forma:

(...) é de natureza acadêmica e de pesquisa e mesmo atuando


em setores profissionais tem objetivo essencialmente
científico, enquanto a especialização, via de regra, tem
sentido eminentemente prático-profissional; confere
grau acadêmico e a especialização concede certificado;
finalmente a Pós-graduação possui uma sistemática
formando estrato essencial e superior na hierarquia dos
cursos que constituem o complexo universitário. Isto nos
permite apresentar o seguinte conceito de Pós-graduação
sensu stricto: o ciclo de cursos regulares em segmento
à graduação, sistematicamente organizados, visando
desenvolver e aprofundar a formação adquirida no âmbito
da graduação e conduzindo à obtenção de grau acadêmico
(PARECER CFE Nº 977/65, 1965, p. 166).

O Parecer 977/65 também buscou destacar a necessidade


de investimentos no desenvolvimento da Pós-graduação no
Brasil, uma vez que o funcionamento regular dos cursos era
considerado inexistente. Nessas considerações foi tomando por
base o exemplo norte-americano como o mais avançado e um
modelo a ser seguido. Conforme o parecer, a Pós-graduação
representava a cúpula dos estudos na universidade moderna
e seu objetivo principal era a formação científica ou técnico-
profissional elevada e mais ampla que a graduação. Para
Hostins (2006, p.46)

SOBRE A GÊNESE DA PÓS-GRADUAÇÃO NO BRASIL 215


O ideal nacionalista de construção de um “Brasil-
potência” conduziu o governo à articulação com dirigentes
e representantes da comunidade científica e universitária
com vistas à modernização da universidade e da ciência
e tecnologia resultando na definição de políticas que
produziram efeitos transformadores.

Nesses objetivos foram destacados a necessidade da Pós-


graduação para o projeto modernizador de país e expansão da
indústria brasileira. Consolidar a o ensino superior no Brasil,
conforme o parecer, passava pela expansão da universidade e
formação docente por meio da Pós-graduação. Essa análise
foi identificada através dos motivos principais que de acordo
com o Parecer 977/65 demarcava a necessidade do país para
a instauração imediata de políticas públicas direcionadas para
o estabelecimento de um sistema de Pós-graduação no Brasil:

1)formar professorado competente que possa atender


à expansão quantitativa do nosso ensino superior
garantindo, ao mesmo tempo, a elevação dos atuais
níveis de qualidade ; 2) estimular o desenvolvimento da
pesquisa científica por meio da preparação adequada de
pesquisadores; 3) assegurar o treinamento eficiente de
técnicos e trabalhadores intelectuais do mais alto padrão
para fazer face às necessidades do desenvolvimento
nacional em todos os setores (PARECER CFE Nº 977/65,
1965, p. 166).

Reforçamos com isso que a partir de 1965, o Ministério


da Educação institucionalizou os cursos de Pós-graduação
como nova modalidade de ensino e dividindo-a em dois
níveis de formação: mestrado e doutorado. Nesse período, a
iniciativa de criação dos cursos de Pós-graduação se articulava
as necessidades de formação avançada de pessoal para o
desenvolvimento estratégico do país e para os professores das
universidades federais em processo de expansão.

216  Francisco Antonio Machado Araujo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


Embora tendo sua gênese nos anos de 1930, o
desenvolvimento e a afirmação da Pós-graduação no Brasil se
deu em 1965 sob a bandeira nacionalista da Ditadura Militar
que pretendia formar quadros qualificados para o projeto
desenvolvimentista de país que se estabelecia.
Mas foi somente com a aprovação do Estatuto do
Magistério Superior Federal (Lei nº 4.881/65) que o Parecer
977/65, pôde ser oficialmente posto em prática. Pois essa
lei garantia a competência ao Conselho Federal de Educação
para definir os cursos de Pós-graduação e definir suas normas
(FLORES, 1995). Sobre isso Sucupira (1980, p. 15) destaca que:

O ano de 1965 constitui, sem dúvida, marco decisivo para


a Pós-graduação brasileira. Em 3 de dezembro desse ano,
o Conselho Federal de Educação aprovava o parecer que
define a Pós-graduação e estabelece as normas gerais de
sua organização e funcionamento. Três dias após, era
promulgado o Estatuto do Magistério Superior Federal
(Lei nº 4.881-A, de 6 de dezembro de 1965) que, no
seu art. 25, conferia ao Conselho Federal de Educação
competência para definir os cursos de Pós-graduação e
fixar-lhes as respectivas características. Logo depois, o
Conselho confirmava o Parecer nº 977/65,6 entendendo
dar assim cumprimento ao que dispunha o citado art. 25

Com base no Parecer 977/65, apresentamos abaixo os


principais aspectos formais para o estabelecimento da estrutura
da Pós-graduação stricto sensu no Brasil:

• A Pós-graduação stricto sensu deveria ser realizada como


um curso regular em sequência a graduação;
• A Pós-graduação stricto sensu compreendia os níveis de
mestrado e doutorado;
• A duração mínima para os cursos de mestrado era de
um ano e dois anos para o doutorado;

SOBRE A GÊNESE DA PÓS-GRADUAÇÃO NO BRASIL 217


• Para o mestrado defenderia a dissertação e tese no
doutorado;
• A obrigatoriedade de provas, estudo de disciplinas
articuladas a área de concentração do curso, avaliação
de leitura em língua estrangeira (uma para o mestrado e
duas para o doutorado);
• A disponibilidade nos programas de diretores de estudos
para supervisionar e orientar os alunos na produção da
tese ou dissertação;
• A atividade de estudos nos programas deveria ser
constituída de seminários, trabalhos de pesquisa,
disciplinas ministradas e atividades de laboratórios;
• Aos alunos do doutorado eram confiadas atividades
docentes;
• A realização da Pós-graduação em regime de tempo
integral.

Fazendo uma análise desses aspectos formais estabelecidos


pelo Parecer 977/65, identificamos que boa parte deles ainda
se mantém na materialidade da Pós-graduação stricto sensu
como conhecemos hoje.
Outro ponto importante para o desenvolvimento da Pós-
graduação no Brasil foi a Reforma Universitária de 19682, cuja
legislação permitiu sua expansão. Para Martins (2009, p. 16), a
Reforma Universitária de 1968:

[...] produziu efeitos paradoxais no ensino superior


brasileiro. Por um lado, modernizou uma parte significativa


2
Para Rothen (2008, p. 454), em 1968, “[...] diante das reivindicações
do movimento estudantil, são instaladas, pelo governo militar,
sucessivamente, duas comissões para apresentarem propostas para
conter a onda de agitações e para formular um conjunto de soluções
realistas para a universidade brasileira: a Comissão Meira Mattos
e o Grupo de Trabalho da Reforma Universitária. Normalmente, a
instalação das duas comissões é compreendida como complementar.

218  Francisco Antonio Machado Araujo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


das universidades federais e determinadas instituições
estaduais e confessionais, que incorporaram gradualmente
as modificações acadêmicas propostas pela reforma.
Criaram-se condições propícias para que determinadas
instituições passassem a articular as atividades de ensino
e de pesquisa, que até então - salvo raras exceções -
estavam relativamente desconectadas. Aboliram-se as
cátedras vitalícias, introduziu-se o regime departamental,
institucionalizou-se a carreira acadêmica, a legislação
pertinente acoplou o ingresso e a progressão docente
à titulação acadêmica. Para atender a esse dispositivo,
criou-se uma política nacional de Pós-graduação, expressa
nos planos nacionais de Pós-graduação e conduzida de
forma eficiente pelas agências de fomento do governo
federal. Nos últimos 35 anos, a Pós-graduação tornou-
se um instrumento fundamental da renovação do
ensino superior no país. Sua implantação impulsionou
posteriormente um vigoroso programa de iniciação
científica, que tem contribuído para articular pesquisa e
ensino de graduação e impulsionado a formação de novas
gerações de pesquisadores.

Com base nessas informações, compreendemos que a


função da reforma estabelecida pela Lei n° 5.540, de 28/11/68,
fixou as normas de organização e funcionamento do ensino
superior no Brasil. No que diz respeito a Pós-graduação, ela foi
sistematizada e institucionalizada como modalidade de curso do
ensino superior por meio dessa lei, em seu artigo 17, alínea b:
Art. 17. Nas universidades e nos estabelecimentos isolados
de ensino superior poderão ser ministradas as seguintes
modalidades de cursos:
a) de graduação, abertos à matrícula de candidatos que
hajam concluído o ciclo colegial ou equivalente e tenham
sido classificados em concurso vestibular;
b) de pós-graduação, abertos à matrícula de candidatos
diplomados em curso de graduação que preencham as
condições prescritas em cada caso;

SOBRE A GÊNESE DA PÓS-GRADUAÇÃO NO BRASIL 219


c) de especialização e aperfeiçoamento, abertos à matrícula
de candidatos diplomados em cursos de graduação ou
que apresentem títulos equivalentes;
d) de extensão e outros, abertos a candidatos que
satisfaçam os requisitos exigidos (BRASIL, 1968)

Outro aspecto de destaque é que ao valorizar a titulação


dos professores e a produção científica como critérios para
ingresso na carreira docente no ensino superior, a Reforma
Universitária contribuiu para a profissionalização dos
professores, possibilitando as condições concretas para o
desenvolvimento da Pós-graduação e da produção científica
no Brasil. Sendo as universidades federais protagonistas deste
projeto que foi parte das reformas do ensino superior.
Isso se deu, sobretudo, por conta do ideal desenvolvimentista
defendido pelos militares, os quais pretendiam pelas reformas,
formar recursos humanos qualificados para atender as
exigências do mercado em processo de modernização. Com
isso, nas universidades federais, foram criados cursos de
mestrado e doutorado, e, estimuladas as práticas de pesquisa.

O I Plano Nacional de Pós-graduação

Os Planos Nacionais de Pós-graduação (PNPGs)


representaram documentos essenciais para o desenvolvimento
e consolidação do Sistema Nacional de Pós-graduação (SNPG).
Por meio dos PNPGs, fez-se diagnósticos da Pós-graduação
brasileira, estabeleceram-se metas e um conjunto de ações para
viabilizar essa consolidação. A objetivação dessas orientações
estabelecidas nos PNPGs afetou diretamente o conteúdo e a
forma da Pós-graduação no Brasil.
Pela análise dos PNPGs foi possível identificar os
diferentes momentos constitutivos da Pós-graduação no Brasil
e o movimento de seus vários conteúdos diante da alteração da

220  Francisco Antonio Machado Araujo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


forma. Esse movimento foi conduzido por meio das medidas
implantadas na estrutura da Pós-graduação em articulação com
outros documentos legais, o que também alterou a objetivação
dessa estrutura que se deu nos mais variados Programas de
Pós-graduação.
Na análise do I PNPG (1975-1979), identificamos a
reafirmação dos objetivos definidos pelo Parecer 977/65 para o
estabelecimento de uma política de Pós-graduação no país, além
do mais, a definição da Pós-graduação como parte do sistema
universitário, e este, por sua vez, parte integrante do sistema
nacional de educação. Isso se confirma no estabelecimento
do objetivo fundamental do I PNPG e sua articulação com o
projeto de expansão do ensino superior:

O objetivo fundamental do Plano Nacional de Pós-


Graduação é transformar as universidades em verdadeiros
centros de atividades criativas permanentes, o que será
alcançado na medida em que o sistema de Pós-graduação
exerça eficientemente suas funções formativas e pratique
um trabalho constante de investigação e análise em todos
os campos e temas do conhecimento humano e da cultura
brasileira (I PNPG, 1975, p. 125).

Tomando como referência o projeto de expansão do


ensino superior na época, o I PNPG destacava como prioridade
para a Pós-graduação, a formação de professores para esse
nível de ensino e o atendimento às necessidades do mercado
de trabalho. Para isso, via-se na Pós-graduação uma extensão
do ensino superior que iria dar qualidade ao ensino superior e,
consequentemente, contribuir para o projeto desenvolvimentista
do país naquela época. Conforme as justificativas identificadas
no I PNPG:

SOBRE A GÊNESE DA PÓS-GRADUAÇÃO NO BRASIL 221


As transformações ocorridas em nosso país nas últimas
décadas, notadamente a industrialização e a urbanização,
estão profundamente vinculadas aos processos de
inovação técnica e divisão social do trabalho. Para que
fossem atingidos níveis mais altos de organização e
produtividade, novas profissões e especialidades têm
sido exigidas, em quantidades e diversificação setorial e
regional cada vez maiores. Toda a estrutura educacional se
encontra submetida a uma pressão de escolarização, em
todos os níveis, para atender a uma população cada vez
maior, sendo que, particularmente no ensino superior e,
a organização tradicional das instituições confere lentidão
e inadequação de resposta a estas solicitações (I PNPG,
1975, p. 122).

Em 1975, havia no Brasil, cerca de 50 instituições de ensino


superior que desenvolviam cursos de Pós-graduação, sendo
elas: 25 federais, 10 estaduais e municipais e 15 particulares.
Com base no I PNPG, identificamos que nessas instituições
eram desenvolvidas 158 áreas de concentração no mestrado
e 89 no doutorado. Todas elas reconhecidas pelo Conselho
Federal de Educação.
Diante dessa estrutura constituída, a partir de 1976,
a Capes deu início ao primeiro processo de avaliação dos
Programas de Pós-graduação. A síntese dessa avaliação foi
apresentada por Balbachevsky (2005, p. 282) do seguinte
modo:

Para dar credibilidade a essa empreitada, a Capes centrou


sua avaliação na produção científica dos pesquisadores
ligados a cada programa. Em cada área de conhecimento,
a agencia formou comitês contando com a participação
dos mais prestigiosos pesquisadores. Esses comitês de
área ficaram encarregados de avaliar e classificar cada
programa. Com o passar dos anos e a repetição desses
processos avaliativos, esses comitês se transformaram em

222  Francisco Antonio Machado Araujo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


importantes fóruns para fixação dos padrões de qualidade
da pesquisa e da carreira acadêmica, legitimando objetos
de estudo, teorias e metodologias e determinando
padrões de publicação e de interação com a comunidade
internacional.

Conforme a autora, essa proposta avaliativa passou a ser


aceita pela comunidade acadêmica internacional e no Brasil
como um processo de excelência e referência de qualidade aos
Programas de Pós-graduação brasileiros. Com isso, muitos
programas utilizaram esses índices de qualidade para captar
recursos e bolsas para seus pesquisadores. Sobre essa avaliação,
Schwartzman (1982, p.1) considerou que a Capes pretendia
combinar componentes objetivos e subjetivos:

Por um lado, foi implantado um sistema bastante


completo de informações sobre os programas de Pós-
graduação em todo o país, com dados sobre número
de professores, número de pesquisadores, trabalhos
científicos publicados, linhas de pesquisa, alunos com
teses completadas, etc. Por outro, foram acionadas as
Comissões de Consultores Científicos que, de posse dos
dados colhidos anteriormente, fazem as avaliações e
recomendações a respeito de cada curso.

Considerado como um contraste nesse processo avaliativo,


nem todos os programas conseguiram se manter no padrão de
qualidade exigido pela Capes, o que gerou preocupações para
o PNPG seguinte. A qualidade da Pós-graduação no Brasil
passou a ser uma das pautas fundamentais dos novos rumos
históricos do ensino superior.
Fazendo uma análise do desenvolvimento da Pós-
graduação no Brasil, Oliven (2001, p. 35-36) ressalta que esse
movimento foi resultado dos seguintes fatores:

SOBRE A GÊNESE DA PÓS-GRADUAÇÃO NO BRASIL 223


a) a valorização de recursos humanos de alto nível,
principalmente nas áreas técnicas, visando à implantação
do projeto de modernização conservadora sustentado
pelos governos militares;
b) liberação de verbas para o desenvolvimento de
programas de Pós-graduação strictu sensu no Brasil. Num
primeiro momento, as bolsas de mestrado e doutorado
destinavam-se a formar docentes pesquisadores no
exterior e, mais tarde, para estudantes de Pós-graduação
em programas nacionais;
c) a atuação de agências de fomento ao desenvolvimento
científico: a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal do Ensino Superior), voltada à formação
do magistério de nível superior, e o CNPq (Conselho
Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento), voltado ao
desenvolvimento da ciência e da tecnologia, ambos criados
em 1951;
d) a escolha das universidades públicas, como o lócus
principal das atividades de pesquisa, até então incipientes
no país. A carreira docente, no setor público, passou
a estimular a titulação e a produção científica dos
professores universitários, sendo, a sua profissionalização,
assegurada pela possibilidade de virem a obter o Regime
de Tempo Integral e Dedicação Exclusiva. Essas medidas
tornaram a carreira do magistério universitário público
suficientemente compensadora para atrair jovens mestres
e doutores para as atividades acadêmicas;
e) a autonomia administrativa dos programas de mestrado
e doutorado. A flexibilidade ou “desinstitucionalização”
foi uma característica dos programas e facilitou o seu
desenvolvimento;
f) o processo de avaliação sistemático dos cursos de
mestrado e doutorado, iniciado pela CAPES, em 1972, que
serviu de orientação às suas políticas;
g) Criação de inúmeras associações nacionais de pesquisa
e Pós-graduação em vários ramos do conhecimento.
Os Encontros Anuais dessas associações, apoiados
financeiramente por agências governamentais de fomento
à pesquisa, propiciaram a integração da comunidade
científica de áreas afins, oriundas de diferentes regiões e
universidades do país.

224  Francisco Antonio Machado Araujo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


Parte desses fatores foi discutido ao longo deste
texto, é importante destacar que para a consolidação desse
desenvolvimento foi necessário a promulgação de legislação
específica que regulamentasse todo o processo e definisse as
orientações necessárias para a Pós-graduação. Nesse contexto,
essa função foi direcionada para os Planos Nacionais de Pós-
graduação.

Algumas considerações

A discussão desenvolvida neste capítulo, explicou o


movimento de constituição da Pós-graduação no Brasil,
articulando contexto histórico e realidade social. Com base
nessas discussões, consideramos que o conteúdo e a forma
da Pós-graduação no Brasil, foram definidos pelos princípios,
objetivos e diretrizes gerais estabelecidos pelas agências
reguladoras, desenvolvidos ao longo da história e que serviram
de fundamento para o seu planejamento, financiamento,
gestão e desenvolvimento.
Nesse sentindo, conferimos a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB 4.024/1961), o Parecer 977/65 do
Conselho Federal de Educação, a Reforma Universitária de 1968
e o I Plano Nacional da Pós-graduação (PNPG), importantes
instrumentos legais orientadores do conteúdo e da forma da
Pós-graduação no Brasil.
Considerando a relevância do percurso histórico da Pós-
graduação para o ensino superior, em especial, à formação
de professores, pesquisadores e da produção científica no
país, é notória a necessidade da expansão desse estudo para a
compreensão das mediações dos demais Planos Nacionais de
Pós-graduação, da Capes, do CNPQ nesse processo. Estudos
como esses, contribuem para o aprofundamento da escrita da
história da educação no ensino superior, no sentido de produzir
reflexões para desvelarmos suas rupturas e permanências.

SOBRE A GÊNESE DA PÓS-GRADUAÇÃO NO BRASIL 225


Referências

BALBACHEVSKY, Elizabeth. A pós-graduação no Brasil: novos


desafios para uma política bem-sucedida. In: BROCK, Colin;
SCHWARTZMAN, Simon. Os desafios da educação no Brasil.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.

BRASIL. Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Lei de


Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 23 dez. 1966. p. 27833-41.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República


Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível
em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 04 jan. 2018.

BRASIL. Parecer nº 977/65. Aprovado em 3 de dezembro de


1965. Brasília: MEC/CEF, 1965. Disponível em: <http://www.
capes.gov.br/capes>. Acesso em: 10 maio. 2017.

BRASIL. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa


Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da
União, de 27 de dezembro de 1961.

BRASIL. I Plano Nacional de Pós-Graduação. Brasília: MEC/


CAPES, 1975. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/
capes>. Acesso em: 21 mar. 2017.

BRASIL. Decreto nº 21.321, de 18 de junho de 1946. Aprova


o Estatuto da Universidade do Brasil. Disponível em: http://
www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1940-1949/decreto-
21321-18-junho-1946-326230-publicacaooriginal-1-pe.html .
Acesso dia 26. Jan. 2019.

226  Francisco Antonio Machado Araujo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


BRASIL. Decreto nº 29.741, de 11 de julho de 1951. Institui
uma Comissão para promover a Campanha Nacional de
Aperfeiçoamento de pessoal de nível superior. In: Coletânea de
Legislação, Edição Federal, p. 324, 1951.

BRASIL. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Reforma


Universitária. In: Diário Oficial da União - seção 1 -
29/11/1968, página 10369. Disponível em:

FLORES, E.D.P. A Pós-graduação em Educação: o caso da


UNICAMP na opinião de professores, ex-alunos e alunos.
1995. 430 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade
Estadual de Campinas. Capinas, 1995.

HOSTINS R. C. L. Formação de pesquisadores na


pós-graduação em educação: embates ontológicos e
epistemológicos. 2006. 176 f. Tese (Doutorado em Educação)
– Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2006

LUNA, S.V. Realidade e discurso na Pós-graduação stricto sensu:


o que consolidar? O que expandir? In: Revista Cocar Belém,
vol 5, n. 9, p. 69 – 77 jan – jun 2011. Disponível em: Acesso
em: 30/08/2018.

MARTINS, C.B. A reforma universitária de 1968 e a


abertura para o ensino superior privado no Brasil. In: Educ.
Soc. vol.30 no.106 Campinas Jan./Abr. 2009. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302009000100002.
Acesso em 10/01/2019

OLIVEIRA, J. F. A Pós-Graduação e a pesquisa no Brasil:


processos de regulação e de reconfiguração da formação e
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SOBRE A GÊNESE DA PÓS-GRADUAÇÃO NO BRASIL 227


(Brasil), vol. 10, núm. 2, jul-dez, 2015. Disponível
em: Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.
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ROTHEN, J. C. Os bastidores da Reforma Universitária de


1968. In: Educação & Sociedade, vol. 29, núm. 103, maio-
agosto, 2008, pp. 453-475. Centro de Estudos Educação e
Sociedade. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.
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SCHWARTZMAN, S. Avaliando a Pós-graduação: a prática da


teoria. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1982.

SUCUPIRA, N. Antecedentes e primórdios da pós-graduação.


In: Forum educ. Rio de Janeiro, 4 (4): 3-18. out./dez, 1980.
Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/
fe/article/view/60545/58792
Acesso em 30/08/2018.

228  Francisco Antonio Machado Araujo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


SOBRE AUTORES

Djane Oliveira de Brito


Doutoranda em Educação no Programa de Pós-Graduação
em Educação (PPGEd) da Universidade Federal do Piauí,
licenciada em Letras Português pela Universidade Estadual do
Piauí (2007), especialista em Leitura e Produção Textual pelo
CEFET (2008) e mestra em Letras (Estudos de Linguagem) pela
Universidade Federal do Piauí (2016). Atualmente é Técnica
em Assuntos Educacionais na Universidade Federal do Piauí
(UFPI) e pesquisadora do Núcleo de Estudos em Educação a
Distância (NEPEAD), na linha de pesquisa “Educação, Gestão
e Formação de Professores”.

Francisco Antonio Machado Araujo


Doutorando em Educação (UFPI), Mestre em Educação
(UFPI), Licenciado em História (UESPI). Graduado em
Pedagogia (ISEPRO), Especialista em História das Culturas
Afro-Brasileiras (FTC). Professor de História da Educação do
Departamento de Fundamentos da Educação - DEFE/UFPI.
Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação
na Psicologia Sócio-Histórica - NEPSH. Lattes: http://lattes.
cnpq.br/7901115696539402. Parnaíba - Piauí- Brasil, E-mail:
chiquinhophb@gmail.com. Editor de Publicações Acadêmicas
(Mediação Acadêmica).

SOBRE OS AUTORES 229


Jane Bezerra de Sousa
Estágio pós-doutoral no programa de pós-graduação em
Educação da Universidade Federal de Uberlândia (2016).
Doutorado em Educação pela Universidade Federal de
Uberlândia (2009), com orientação do Prof. Dr. Geraldo
Inácio Filho, defendeu a tese de título : Ser e Fazer-se Professora
no Piauí no Século XX: a história de vida de Nevinha Santos.
Mestrado em Educação (UFPI/2005), sob orientação do Prof.
Dr. Antonio de Pádua Carvalho Lopes, dissertação com o título:
Picos e a consolidação de sua rede escolar. Licenciatura Plena
em Pedagogia (UFPI/1996), Licenciatura Plena em História
(UESPI/2001), Especialização em Docência do Ensino Superior
(UFRJ/2001), Atualmente é professora na Universidade
Federal do Piauí, Campus Ministro Petrônio Portela, Teresina-
PI, no Centro de Ciências da Educação/ Departamento de
Fundamentos da Educação / Área de Fundamentos Históricos
e Culturais da Educação e no Programa de Pós-graduação em
Educação.

José Augusto C. Mendes Sobrinho


Doutor em Educação: Ensino de Ciências Naturais (UFSC/
1998). Mestre em Ciência e Tecnologia Nuclear (UFPE/
1987). Especialista em Ensino de Física (UECE). Licenciado
em Ciências/ Física (UFPI/1980). É Professor Titular do
Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino (UFPI/ CCE/
DMTE), Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação
em Educação (UFPI/ CCE), desde 2002, Membro titular da
Comissão de Avaliação de Desempenho Acadêmico Docente
(UFPI/CADAD) e do Comitê Cientifico da Revista Praxis
Educativa, do PPGE da Universidade Estadual de Ponta Grossa
(PR). Foi Diretor do Centro de Ciências da Educação da UFPI
e membro dos Conselhos Universitário e de Administração
(UFPI), de março de 2009 a novembro de 2016. Bolsista de

230 
Produtividade do CNPq (março/2009 a fevereiro/ 2015). Foi
Membro do Colegiado de Física, Coordenador do Programa
de Pós-Graduação em Educação, Vice-Diretor do CCE (2005
a março/2009) e Editor da Revista “Linguagem, Educação e
Sociedade” - veículo de divulgação científica do Programa de
Pós-Graduação em Educação da UFPI.

José Marcelo Costa dos Santos


Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal do Piauí (UFPI); Mestre
em Educação (UFPI); Especialista em Educação de Jovens e
Adultos (UFPI); Pós-Graduado em Metodologia do Ensino
de Língua Portuguesa e Literatura pelo Instituto Superior
de Teologia Aplicada (INTA); Especialista em Docência do
Ensino Superior pela Faculdade Piauiense (FAP); Graduado
em Licenciatura Plena em Letras-Português e em Licenciatura
Plena em Pedagogia, ambas pela Universidade Estadual do
Piauí (UESPI). Atuou como professor de ensino de graduação
e pós-graduação na UFPI, em regime regular e pelo Programa
Nacional de Formação de Professores da Educação Básica
(PARFOR). Foi professor tutor do curso de Letras: Língua
Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa, em regime
de Universidade Aberta do Piauí/UAPI, na modalidade EaD,
pela Universidade Federal do Piauí, no polo de Luís Correia.
Pertenceu ao quadro permanente da Secretaria de Estado da
Educação do Piauí-SEDUC, no cargo de professor de Letras-
Língua Portuguesa, no Ensino Médio. Atualmente é Professor
Assistente I da Universidade Estadual do Piauí e Professor de
Língua Portuguesa da Secretaria Municipal de Educação de
Parnaíba-PI. É pesquisador do Núcleo de Estudos em História
e Memória da Educação (NEHME). Atua nos seguintes temas:
Cultura e Educação; História e Memória da Educação; Ensino
de Língua Portuguesa e suas literaturas.

SOBRE OS AUTORES 231


Luís Távora Furtado Ribeiro
Professor titular da Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Ceará, atuando na graduação e pós-graduação
em Educação nas linhas: Educação, Currículo e Ensino
e História e Memória da Educação. Foi diretor eleito da
Faculdade de Educação da UFC entre 2005-2011; Mestrado
em Educação e doutorado em Sociologia pela UFC.. Concluiu
Estágio Pós-doutoral na École de Hautes Études en Sciences
Sociales (EHESS), sob a supervisão de Michel Löwy. Professor
colaborador do Mestrado Intercampi em Educação e Ensino na
Universidade Estadual do Ceará (UECE). Coordena o Projeto
de Pesquisa Intitulado ASPECTOS HISTÓRICOS E ATUAIS
SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE
NO BRASIL. Colabora com o Instituto Anísio Teixeira (INEP/
MEC) na qualidade de Avaliador do Basis para reavaliação e
supervisão especial dos cursos de Pedagogia e Ciências Sociais.
Pesquisado do Convênio entre a UFC e a Universidade de
Salamanca – USAL.

Magnaldo de Sá Cardoso
Graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal da
Bahia-UFBA (1975), especialista em Tecnologia Educacional
pela Universidade Federal do Piauí - UFPI (1995), especialista
em Administração de Recursos Humanos pela Associação de
Ensino Superior do Piauí- AESPI (2000), mestre em Educação
pela Universidade Federal do Piauí -UFPI (2005), doutorando
em Educação pela Universidade Federal do Piauí –UFPI (2019).
Docente fundador do Curso de Engenharia Civil- UFPI (1977),
docente fundador do Curso Arquitetura e Urbanismo – UFPI
(1993). Implantou o Curso de Engenharia Elétrica- UFPI e
Coordenador do Curso no período 2009 a 2011. Implantou o
Curso de Engenharia Elétrica do Centro Unificado de Ensino
Superior – CEUPI, sendo Coordenador do referido Curso de

232 
2012 a 2018. Atualmente professor da Associação de Ensino
Superior do Piauí - AESPI.

Maria Dalva Fontenele Cerqueira


Graduada em História – UESPI, Mestra em História do
Brasil (PPGHB/UFPI) e Doutorando em Educação (PPGED/
UFPI). Autora do livro “ENTRE TRILHOS E DORMENTES: a
Estrada de Ferro Central do Piauí na história e na memória
dos parnaibanos (1960-1980)”. Também organizou o livro
“Itinerários da Pesquisa em História: a polifonia de um campo”
(EDUFPI/2014). Atualmente professora da Rede Pública de
Ensino. Suas publicações bem como seus interesses de pesquisa
se situam, preferencialmente, na seguinte ambiência temática:
cultura escolar, cidade, memória, história oral, trabalho e
patrimônio cultural.

Maria do Amparo Borges Ferro


Graduada em Licenciatura Plena em Filosofia pela Universidade
Federal do Piauí (1971), mestre em Educação pela Universidade
Federal do Piauí (1995) e doutora em Educação pela
Universidade de São Paulo (2000). Atualmente é professora
associada da Universidade Federal do Piauí. Já exerceu função
de membro de conselho Ad Hoc do GT História da Educação da
(ANPED) Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em
Educação (2003-2005), da diretoria regional Nordeste (1999-
2001) e do Conselho fiscal (2001-2003) da (SBHE) Sociedade
Brasileira de História da Educação da qual é sócia fundadora.
Participação em comissões organizadoras e comitês científicos
de eventos nacionais e internacionais na área. Foi Membro
do Conselho Consultivo da Revista Brasileira de História
da Educação (2000-2009). Ganhadora do Prêmio Grandes
Educadores Brasileiros 1984-MEC-INEP e do Concurso de
Monografias sobre Educação Prioridade Nacional do CRUB -

SOBRE OS AUTORES 233


Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras em 1983.
Tem experiência na área de Educação, com ênfase em História
da Educação, atuando principalmente no seguinte tema:
Educação, História e Memória. É professora e foi coordenadora
do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPI. Foi
Vice-diretora do Centro de Ciências da Educação da UFPI.
Tem participação como organizadora e/ou com apresentação
de trabalhos em eventos regionais, nacionais e internacionais
na área. Tem produzido artigos em obras coletivas e é autora
de diversos livros. Coordena o Grupo de Pesquisa NEHME –
Núcleo de Estudos em História e Memória da Educação.

Maria Escolástica de Moura Santos


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará
(UFC), mestre em educação pela Universidade Federal do Piauí
(UFPI, professora adjunta do departamento de Fundamentos
da Educação (DEFE), área de Fundamentos Históricos e
Culturais da Educação; líder do Núcleo de Estudos e Pesquisas
em Educação e Emancipação Humana – NESPEM; e-mail:
escol.santos@hotmail.com.

Maria Vilani Cosme de Carvalho


Tem pós-doutorado (2011), doutorado (2004) e mestrado
(1997) em Educação, com área de concentração em Psicologia
da Educação, pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. É professora-pesquisadora da Universidade Federal do
Piauí, na categoria associado, lotada no Departamento de
Fundamentos da Educação e no Programa de Pós-Graduação
em Educação no Centro de Ciências da Educação, atuando
na área e campo da Educação, em especial com a Psicologia
da Educação, ministrando disciplinas e orientando Trabalhos
de Conclusão de Curso, Iniciação Científica, Dissertações e
Teses.Tem estudado e publicado sobre temáticas relativas à
linha de pesquisa Formação Humana e Processos Educativos,

234 
como: os processos constitutivos da (trans)formação humana,
os processos de constituição da identidade do educador, os
processos de produção de significados e sentidos da profissão
docente, notadamente da formação e atividade docente, tendo
como fundamentação teórico-metodológica o Materialismo
Histórico Dialético e a Psicologia Sócio-Histórica.

Mayara Macedo Melo


Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal do Piauí
(UFPI; participa do Programa de Iniciação Científica Voluntária
(ICV); membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação
e Emancipação Humana – NESPEM; e-mail: mayaratugeo@
hotmail.com.

Neuton Alves de Araújo


Doutor em Educação, na área de concentração Ensino de
Ciências e Matemática (USP/2016). Mestre em Educação, na
Linha de Pesquisa Ensino, Formação de Professores e Práticas
Pedagógicas (UFPI/2009). Especialista em Matemática do
Ensino Médio (UFPI/2002). Licenciado em Ciências/Matemática
(UESPI/1998) e em Pedagogia (FAIBRA/2014). É Professor
Adjunto – C - 01 do Departamento de Métodos e Técnicas de
Ensino (UFPI/ CCE/DMTE). Docente Permanente do Mestrado
Nacional Profissional em Ensino de Física- MNPEF (UFPI/
Teresina). Docente Colaborador Externo do Mestrado Nacional
Profissional em Matemática – PROFMAT (UESPI/Teresina).
É Subcoordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia/
DMTE/CCE, com mandato iniciado em 12/01/2019. Foi
Coordenador de Estágio Curricular Supervisionado de Ensino
dos Cursos Regulares de Licenciatura do Campus Universitário
Ministro Petrônio Portella (Teresina/PI). É pesquisador dos
Grupos de Estudo e Pesquisa: - GEPAPe – Grupo de Estudos e
Pesquisa sobre a Atividade Pedagógica, da Universidade de São

SOBRE OS AUTORES 235


Paulo, que tem como líder o Prof. Dr. Manoel Oriosvaldo de
Moura; - GEHFOP - Grupo de Estudos e Pesquisas Histórico-
Culturais em Formação de Professores e Prática Pedagógica, da
Universidade Estadual do Piauí, que tem como líder a Profa.
Dra. Valdirene Gomes de Sousa; - NEPSH - Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Educação na Psicologia Sócio-Histórica,
da Universidade Federal do Piauí, que tem como líderes as
professoras doutoras Maria Vilani Cosme de Carvalho e Eliana
de Sousa Alencar Marques. Desenvolve pesquisas, atuando
principalmente nos temas: educação matemática, formação de
professores, ensino e aprendizagem, Teoria Histórico-Cultural
(VIGOTSKI) e Teoria da Atividade (LEONTIEV).

Samara Maria Viana da Silva Lacerda


Possui graduação em Licenciatura Plena em Pedagogia pela
Universidade Federal do Piauí - UFPI (2008). Mestrado em
Educação pela Universidade Federal do Piauí (2011). Aluna
do Curso de Doutorado em Educação da UFPI. Professora do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí
(IFPI). Membro do Núcleo de Pesquisa em Educação, Sociedade
e Cultura (NESC). Tem experiência na área de Educação, com
ênfase em Educação, atuando principalmente nos seguintes
temas: educação, história da educação e formação de
professores.

236 

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