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ARTHUR C. CLARKE
A CIDADE
E AS ESTRELAS
Tradução de
Donaldson Garschagen
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Título original em inglês:
THE CITY AND THE STARS
Capa
ROLF GUNTER BRAUN
Revisão
JORGE URANGA
Diagramação
ANTONIO HERRANZ
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A CIDADE
E AS ESTRELAS
Para Val
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Como jóia fulgurante, a cidade jazia sobre o seio do deserto. No
passado, havia conhecido mudanças e inovações, mas agora tudo
estava imóvel no tempo. Noites e dias passavam sobre a face do
deserto, mas nas ruas de Diaspar era sempre crepúsculo, e a escu-
ridão jamais chegava. As longas noites de inverno cobriam o deserto
de geada, ao se congelar a última umidade caída no ar rarefeito da
Terra - mas a cidade não sofria calor ou frio. Não tinha contato com
o mundo exterior. Era, em si mesma, um universo.
O Homem já havia construído cidades, mas nunca uma cidade
como aquela. Algumas haviam durado séculos, outras, milênios - an-
tes que o tempo apagasse até mesmo seus nomes. Só Diaspar havia
desafiado a Eternidade, defendendo-se a si mesma, e a tudo quanto
ela reunia, do desgaste moroso das eras, dos estragos da decadên-
cia e da corrupção da ferrugem.
Desde sua construção, os oceanos da Terra já haviam desapa-
recido e o deserto tinha passado a abranger todo o globo. As últimas
montanhas tinham sido reduzidas a pó pelos ventos e pela chuva e o
mundo achava-se demasiado cansado para produzir outras, novas.
A cidade, porém, não se preocupava: mesmo que a Terra se consu-
misse, Diaspar ainda seria capaz de proteger os filhos daqueles que
a haviam edificado, salvando, a eles e a seus tesouros, do fluxo do
tempo.
Haviam-se esquecido de muitas coisas, mas não o percebiam.
Estavam tão ajustados ao meio ambiente em que viviam como este
a eles - pois tinham sido projetados em conjunto. O que existia além
dos muros da cidade não lhes interessava, era algo que tinha sido
como que varrido de suas mentes. Diaspar encerrava tudo quanto
existia, tudo de que necessitavam, tudo que seriam capazes de ima-
ginar. Não lhes importava saber que um dia o Homem havia sido
senhor das estrelas.
Contudo, às vezes os antigos mitos se levantavam para os
perseguir, e eles se sentiam desagradavelmente perturbados à lem-
brança das lendas do Império, quando Diaspar era jovem e extraía
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sua seiva do comércio com muitos sóis. Não queriam a volta dos
tempos antigos, estavam felizes e satisfeitos com o eterno outono.
As glórias do Império eram coisa do passado, e lá podiam ficar - pois
recordavam-se perfeitamente de como o Império havia encontrado
seu fim, e ao pensarem nos Invasores o próprio frio do espaço lhes
gelava os ossos.
E então voltavam-se mais uma vez para a vida e para o acon-
chego da cidade, para a longa idade áurea cujas origens já se acha-
vam perdidas e cujo fim nem se vislumbrava a distância. Outros ho-
mens haviam sonhado com essa idade, mas somente eles a haviam
alcançado.
E isso porque tinham vivido na mesma cidade, caminhando
pelas mesmas ruas, milagrosamente imutáveis, enquanto mais de
um bilhão de anos transcorriam.
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CAPÍTULO I
14
CAPÍTULO II
20
CAPÍTULO III
26
CAPÍTULO IV
38
CAPÍTULO V
45
46
CAPÍTULO VI
53
54
CAPÍTULO VII
64
CAPÍTULO VIII
73
74
CAPÍTULO IX
82
CAPÍTULO X
LYS
35 MINUTOS
LYS
23 MINUTOS
LYS
1 MINUTO
DIASPAR
35 MINUTOS
96
CAPÍTULO XI
112
CAPÍTULO XII
124
CAPÍTULO XIII
132
CAPÍTULO XIV
139
140
CAPÍTULO XV
148
CAPÍTULO XVI
158
CAPÍTULO XVII
Tudo estava como ele vira pela última vez, a grande depressão
de ébano absorvendo toda a luz solar, sem refletir porção alguma
dela. Alvin achava-se em meio às ruínas da fortaleza, contemplan-
do o lago, cujas águas imóveis mostravam que o pólipo gigantesco
não passava agora de uma nuvem dispersa de animálculos, tendo
deixado de ser uma criatura organizada e inteligente.
O robô ainda estava a seu lado, mas não havia sinal de Hil-
var. Alvin não teve tempo para pensar no que aquilo significava ou
preocupar-se com a ausência do amigo, pois quase imediatamente
ocorreu algo tão fantástico que baniu de seu espírito quaisquer
outros pensamentos.
O céu começou a se rachar em dois. Uma delgada cunha de
escuridão estendeu-se do horizonte ao zênite, alargando-se vagaro-
samente, como se a noite e o caos estivessem a despenhar-se sobre
o universo. Inexoravelmente, a cunha continuou a ampliar-se até
abarcar um quarto do céu. Apesar de todo seu conhecimento de
astronomia, Alvin não conseguia rechaçar a impressão de que ele
e seu mundo jaziam sob uma grande cúpula azul - e que alguma
coisa estava penetrando nessa cúpula, vinda do lado de fora.
A cunha de noite cessara de crescer. Os poderes que a ha-
viam criado estavam perscrutando o universo de brinquedo que
haviam descoberto, talvez consultando-se quanto à conveniência
de explorá-lo. Diante daquela “pesquisa” cósmica, Alvin não sentia
alarme nem terror. Sabia que estava face a face com o poder e a
sabedoria, diante dos quais um homem poderia sentir assombro,
nunca medo.
Agora haviam decidido: prodigalizariam alguns fragmentos
da eternidade à Terra e seus povos. E chegavam, através da janela
que haviam aberto no céu.
Como centelhas a saltar de uma forja celeste, caíam sobre a
Terra. Vinham cada vez mais densos, até que uma cascata de fogo
como que jorrava do céu e se acumulava em poças de líquida luz,
ao tocar o chão. A Alvin soaram desnecessárias as palavras, ouvi-
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das como uma bênção:
“Eis chegados os Grandes.”
O fogo alcançou-o, e não queimava. Estava por toda parte,
infundindo à grande depressão de Shalmirane seu brilho dourado.
Mesmo tomado de admiração, Alvin percebeu que o que via não
era uma inundação informe de luz, mas que ela possuía feitio e
estrutura. O esplendor começou a adquirir formas separadas, a
juntar-se em ardentes vórtices distintos. Cada vez mais depressa,
esses turbilhões giravam em seus eixos, seus centros se erguendo
em colunas, em cujo interior Alvin lobrigava misteriosas formas
evanescentes. Desses totens brilhantes vinha uma leve nota musi-
cal, infinitamente distante e admiravelmente doce.
‘’Eis chegados os Grandes.’’
Dessa vez, ouviu-se resposta. Quando Alvin escutou as pala-
vras “Os servos do Mestre vos saúdam. Estivemos à espera de vos-
sa chegada”, soube que as barreiras tinham sido postas abaixo. E
naquele momento Shalmirane e seus estranhos visitantes desapa-
receram, e ele estava novamente de pé ante o Computador Central,
nas profundezas de Diaspar.
Tudo fora ilusão, não mais real do que o mundo de fantasia
das Sagas, em que ele passara tantas horas de sua juventude. Mas
como fora criada? De onde proviriam as estranhas imagens que ele
vira?
- Era um problema inusitado - disse a voz serena do Compu-
tador Central. - Eu sabia que o robô devia ter alguma concepção vi-
sual dos Grandes em sua mente. Se eu pudesse convencê-lo de que
as impressões sensórias que ele recebesse coincidiam com aquela
imagem, o resto seria simples.
- E como fez isso?
- Basicamente, perguntando ao robô como eram os Grandes,
e então capturando o padrão formado em seus pensamentos. O pa-
drão era muito incompleto, de modo que tive de improvisar muito.
Por uma ou duas vezes a imagem que criei começou a se afastar
bastante da concepção do robô, mas quando isso aconteceu con-
segui perceber a crescente perplexidade dele e modificar o quadro
antes que passasse a suspeitar. Você entende que pude empregar
centenas de circuitos, ao passo que ele só tinha um à sua disposi-
ção, e pude passar de uma imagem para outra tão depressa que a
mudança não foi percebida. Foi uma espécie de prestidigitação, fui
capaz de saturar os circuitos sensórios do robô e, além disso, inun-
dar suas faculdades críticas. O que você viu foi apenas a imagem
final e corrigida - a que melhor se ajustava à revelação do Mestre.
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Foi uma imagem grosseira, mas suficiente. O robô ficou convencido
de sua veracidade o tempo suficiente para o bloqueio ser suspenso
e nesse momento consegui estabelecer contacto completo com sua
mente. O robô não está mais louco, responderá a qualquer pergun-
ta que você fizer.
Alvin ainda estava entorpecido. O brilho daquele falso apo-
calipse ainda fulgia em sua mente, e ele não se esforçou por com-
preender inteiramente a explicação do Computador Central. Não
importava, realizara-se um milagre de terapia, e as portas do co-
nhecimento agora lhe estavam abertas.
Lembrou-se então da advertência que o Computador Central
lhe fizera, e perguntou ansiosamente:
- E suas objeções morais quanto ao desrespeito às ordens do
Mestre?
- Descobri por que foram impostas. Quando se examina sua
biografia em detalhes, como você poderá fazer agora, vê-se que ele
alegava ter produzido muitos milagres. Seus discípulos acredita-
vam nele, e essa fé aumentava sua força. Contudo, é claro que to-
dos esses milagres tinham uma explicação simples, e isso quando
chegavam mesmo a acontecer. Acho surpreendente que homens,
em tudo mais dotados de bom senso, se deixassem ludibriar dessa
maneira.
- Então, o Mestre era uma fraude?
- Não, as coisas não são tão simples. Se tivesse sido um mero
impostor, jamais teria atingido tal sucesso, nem seu movimento
teria durado tanto tempo. Era um bom homem, e muito do que
ensinava era verdadeiro e sensato. Por fim, acreditou em seus pró-
prios milagres, mas sabia que só havia uma testemunha capaz de
refutá-los. O robô conhecia todos os seus segredos, era seu porta-
voz e seu colega, mas, se algum dia fosse interrogado detidamen-
te, poderia destruir os fundamentos do poder do Mestre. Por isso,
ordenou-lhe que jamais revelasse os segredos, até o último dia do
Universo, quando os Grandes voltariam. É difícil acreditar que tal
mistura de fraude e sinceridade pudesse coexistir no mesmo ho-
mem, mas foi isso que aconteceu.
Alvin imaginou o que o robô pensaria a respeito de sua liber-
tação da velha servidão. Tratava-se, evidentemente, de uma má-
quina suficientemente complexa para entender emoções como o
ressentimento. Poderia estar encolerizada com o Mestre por havê-la
escravizado - e igualmente zangada com Alvin e com o Computador
Central por terem-na devolvido à sanidade por meio de truques.
A zona de silêncio fora rompida, não havia mais necessida-
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de de segredo. O momento esperado por Alvin chegara finalmente.
Voltou-se para o robô e fez-lhe a pergunta que o vinha perseguindo
desde que ouvira a história da Saga do Mestre.
E o robô respondeu.
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CAPÍTULO XVIII
178
CAPÍTULO XIX
187
188
CAPÍTULO XX
199
200
CAPÍTULO XXI
210
CAPÍTULO XXII
215
216
CAPÍTULO XXIII
223
224
CAPÍTULO XXIV
233
234
CAPÍTULO XXV
240
CAPÍTULO XXVI
245
246