adolescência e religião Espiritualidade Cristã

Precisamos perceber as
verdadeiras buscas que
movem os adolescentes
em sua interioridade.
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Um referencial de
espiritualidade na adolescência
Antonio de Lisboa Lustosa Lopes * to, para apreender as nuanças de suas atitudes
na relação com os seus pais e seu entorno.

P roponho esse diálogo com os educadores

acerca de alguns elementos que podem
servir como indicadores de espiritualidade
na adolescência, tomando como base o re-
ferencial fundante do cristianismo que se
encontra em Jesus de Nazaré. Neste percurso,
nos aproximaremos da figura do adolescente
Jesus, a partir da narrativa do Novo Testamen-
É claro que aqui já se tem o pressuposto de
que este é um paradigma de protagonismo
juvenil cristão e pode servir também como
um caminho de espiritualidade.
Iniciando a nossa conversa, ao tratar de
adolescência e espiritualidade, é importante
ir além dos clichês que envolvem estes dois
vocábulos. Nem adolescência é a naturaliza-

10 Diálogo – Revista de Ensino Religioso n 68 – Outubro/Dezembro 2012

o
 ção da inconstância e inconsequência na vida,
nem espiritualidade é um oponente do corpo
ou o distanciamento das coisas concretas da
vida. A junção destes dois termos indica um
desdobramento importante na compreensão
das pessoas que temos diante de nós enquan-
to filhos (em casa) e enquanto alunos (na
escola). Buscamos articular o sentido que im-
pulsiona a vida dos adolescentes, bem como
o caminho que percorrem para se tornarem
ainda mais humanos.
Os adolescentes experimentam, nessa fase,
diversas situações de vulnerabilidade, curio-
sidade, indefinições, despreocupações com
relação ao futuro, atração por fortes emoções,
além de uma incrível capacidade de indepen-
dência com relação à família e de socialização
com novos vínculos, amizades. Entre os riscos
que existem estão: as drogas, o uso abusivo
da comunicação virtual, o sexo sem afeto,
dirigir sem permissão e sem responsabilidade
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Todas as potencialidades dos adolescentes necessitam ser incentivadas e acolhidas na família e na escola.
etc. Esse é um período de transição da vida
humana, que precisa ser visto não apenas
como futuro a ser preparado, mas principal-
mente como presente a ser assumido, com
todas as contradições e desafios que lhe são
comuns. Corremos um grande risco de não
levarmos em consideração a realidade atual
do adolescente, que precisa ser vivida por ele
e suas inter-relações.
O adolescente Jesus de Nazaré
Neste sentido, nos aproximamos da pessoa
de Jesus de Nazaré enquanto caminho de re-
alização humana. O parâmetro que tomamos
aqui para aprofundar nosso entendimento
da adolescência e buscar uma proposta de
espiritualidade para esta faixa etária é um
adolescente de 12 anos que vive com seus
pais em Nazaré da Galileia.
Como se realiza o caminho deste adoles-
cente para que possamos compreendê-lo
Diálogo – Revista de Ensino Religioso no 68 – Outubro/Dezembro 2012 11
 adolescência e religião Espiritualidade Cristã
enquanto parâmetro de espiritualidade? A
imagem apresentada no Novo Testamento
encontra-se no contexto da Páscoa judaica,
período no qual os judeus tinham o costume
de ir a Jerusalém, e, conforme a narrativa,
Jesus tinha 12 anos e acompanhava os seus
pais. Poderíamos perguntar, qual é o sentido
de cumprirem juntos a tradição? O ir junto
com sua família e seu grupo cultural no cum-
primento dos costumes religiosos simboliza
a exterioridade que há na adolescência. De
modo que, não se deve perder de vista que o
adolescente é parte de um conjunto maior, e,
como tal participa deste conjunto. É claro que
isso contrasta com o impulso de autonomi-
zação presente nessa fase e com a reconfigu-
ração dos vínculos importantes, que muitas
vezes se manifestam no distanciamento da
família e na intimidade com pessoas de fora
do círculo familiar.
E, nessa tensão, aparecem seus próprios im-
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O sentido da espiritualidade na vida do adolescente também depende de suas relações familiares.
12 Diálogo – Revista de Ensino Religioso no 68 – Outubro/Dezembro 2012
pulsos de independência e também o esforço
de não desconsiderar a relevância do contexto
em que nasceu, enquanto contribuidor na
construção de sua personalidade. É claro que
isso não estava dado para ele em sua consci-
ência, mas parece fazer parte do que aprendeu
nas suas relações familiares.
Quando a festa termina, os grupos de fa-
mílias do interior voltam para casa, mas o
adolescente Jesus “ficou em Jerusalém, sem
que seus pais soubessem”. A convivência era
tão natural que eles chegaram a ficar um dia
inteiro sem saber onde Jesus estava, confiando
que viajava com eles. Depois de um dia come-
çam a procurá-lo e não o encontrando fizeram
o caminho de volta para tentar encontrá-lo.
Aqui se inicia no indivíduo Jesus o seu pro-
cesso de individualização. Mas, como é que
isso vai se construindo?
Os pais o encontram no Templo de Jerusa-
lém após três dias de busca. Ao encontrá-lo,
Jesus estava sentado em meio aos doutores, progredia em saber, em estatura e no favor de
escutando-os e fazendo-lhes perguntas. Mani- Deus e dos homens”. A noção de incomple-
festa-se aqui o afã de conhecer a curiosidade tude aparece com nitidez na adolescência,
própria dos adolescentes e sua capacidade de mas seria importante permanecer durante
realizar novas socializações, escutar e questio- toda a vida do ser humano, pois é pela auto-
nar. Diz a narrativa que “todos os que o ou- consciência de inacabamento, consciência da
viam estavam admirados com sua inteligência própria imperfeição, que o processo de busca
e suas respostas”. Por diversos momentos nos e crescimento deslancha e se sustenta.
surpreendemos positivamente com o nível Nem sempre conseguimos compreender a
de potencialidades humanas, intelectuais e linguagem do adolescente, não apenas pela
mesmo religiosas dos adolescentes. O dina-
mismo de seu protagonismo diante daquilo
que assumem como relevante, ou pelo menos
que é fonte de ânimo e realização para eles, é
bem surpreendente.
No reencontro, ao vê-lo, seus pais ficaram
desconcertados. De onde vem a surpresa? O
que realmente os desconcerta? Quando a mãe
questiona o adolescente Jesus dizendo que
ela e o pai dele procuravam-no angustiados,
obtém a resposta com certo espanto: Por que
me procuravam? Não sabiam que eu tenho
de estar na casa do meu Pai? É como se ele
dissesse a eles: por que vocês estão assim,
não foi isso que me ensinaram: que existe
Alguém maior do que eu, e do que vocês, a
quem devemos procurar e nos aproximar? E
aqui percebemos o aparecimento da trans-
cendência e da espiritualidade na vida do
adolescente. Enquanto se “perde” da família,
ele transcende o habitual para buscar algo
diferente, mas a partir daquilo que aprendeu
com seus pais. Por isso, o sentido que a es-
piritualidade confere à vida do adolescente
depende muito do ensino feito pela vivência
e pela verbalização.
Os pais de Jesus não compreenderam seus
divulgação

argumentos, mas ele os acompanhou de

volta e “continuou sob sua autoridade. Sua
mãe guardava tudo isso em seu íntimo. Jesus

Diálogo – Revista de Ensino Religioso no 68 – Outubro/Dezembro 2012 13

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adolescência e religião Espiritualidade Cristã

Algumas vezes os adolescentes se sentem incompreendidos não só em sua linguagem, mas principalmente em
seu modo de estabelecer as relações.

estranheza léxica que muitas vezes lhe é consciente com os seus pais, sua comunidade
própria, mas também pelo significado com o e sua religião, num verdadeiro movimento
qual ele carrega as palavras que usa para se intersubjetivo de definição de personalidade
comunicar. Porém, o sentido da vida, isto é, e construção de caráter.
saber para que se vive e para onde vai, se dá
no relacionamento familiar, na compreensão
dos processos de independência e autonomia
que acontecem, principalmente na descoberta * Antonio de Lisboa Lustosa Lopes
de que existe algo superior que transcende Doutor em Ciências da Religião
até as relações mais profundas familiares e/ pela Universidade Metodista
de São Paulo (Umesp), atua
ou culturais. no acompanhamento de
Considerando este paradigma, a espirituali- adolescentes e jovens no
Colégio Marista Arquidiocesano
dade não é estática, mas compõe-se do subir e de São Paulo (SP).
do descer ou do movimentar-se no caminho padrelisboa@hotmail.com
da vida. Subir para celebrar, festejar, buscar
sentido. Descer para achar na vida o lugar do
sentido. Nesta articulação da existência coti-
diana com o que a transcende e se configura
como seu horizonte de sentido, parece estar
o cerne da espiritualidade do adolescente O que você achou deste artigo?
Jesus. Ele não abandonou os pais e não se Escreva para
anulou enquanto indivíduo em nome de uma revistadeensinoreligioso@gmail.com
e dê a sua opinião.
obediência cega, mas se relacionou de forma

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