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“Quem é este homem? […] Não é ele o filho do Carpinteiro?”
História de Jesus de Nazaré
Os cristãos e a teologia vivem uma tensão permanente entre a afirmação da divindade e a da
humanidade de Jesus Cristo. Ora se sublinha uma ora outra. Por vezes separam‐se uma da outra.
Aceitar com fé a divindade de Cristo não nos dispensa de conhecer e aceitar a sua história, a sua
realidade de homem. É preciso, por isso, voltar sempre à história.
1. Jesus e a história
1.1. A importância da referência histórica
Porquê este interesse em identificar os elementos históricos de Jesus de Nazaré?
Porque é convicção das Igrejas cristãs que existe uma ligação entre aquilo que os primeiros
cristãos pregaram e o que aconteceu com Jesus de Nazaré.
A nossa fé é baseada em acontecimentos históricos. Não é resultado de conclusões racionais,
nem se trata de filosofias de vida, nem tem origem em mitos. Toda a doutrina da fé cristã tem que ser
confrontada sempre com a história daquilo que Deus fez. Não há arbitrariedade quando queremos
apresentar o conteúdo da nossa fé.
H. Küng afirma:“Qualquer manipulação, ideologização e mitificação de Cristo tem o seu limite na
história. O Cristo do Cristianismo não é simplesmente uma ideia fora do tempo, um princípio de
validade eterna, um mito de significado profundo. O Cristo dos cristãos é, com efeito, uma pessoa
totalmente concreta, humana, histórica: o Cristo dos cristãos não é outro senão Jesus de Nazaré. Neste
sentido, o Cristianismo funda‐se essencialmente na história, a fé cristã é essencialmente uma fé
histórica. Só com base no seu carácter de fé histórica, o Cristianismo pôde impor‐se desde o início a
todas as mitologias, a todas as filosofias, a todos os cultos mistéricos.”
1.2. A historicidade de Jesus
Duvidar actualmente que Jesus tenha existido é, do ponto de vista histórico, um autêntico
disparate. Já em 1926 R. Bultmann afirmava que: “a dúvida sobre a existência de Jesus é infundada e
não merece ser rebatida. É absolutamente evidente que Ele está na origem daquele movimento
histórico do qual o primeiro estádio tangível é representado pela comunidade cristã primitiva
palestinense.” É, portanto, na história de um homem concreto que se baseia e fundamenta o acto de fé
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cristã. Considerando que, para além das críticas que foram feitas na época moderna, os Evangelhos são
testemunhos históricos credíveis, podemos recorrer a eles para reconstruir historicamente a figura de
Jesus.
1.3. Perspectiva da aproximação histórica
Vamos sublinhar especialmente aqueles elementos da história de Jesus em que estamos
suficientemente de acordo, não só os crentes mas também o conjunto de estudiosos que se ocuparam
da sua “biografia”. O que aqui dizemos não exige assentimento, como se se tratasse de um dogma;
muitas das afirmações são simplesmente opções ou posições discutidas e discutíveis. Cremos que o
conjunto do que expomos é algo que a teologia actual e a Igreja admitem pacificamente.
Na reconstituição histórica da figura de Jesus centramo‐nos em dois núcleos:
– os actos e as palavras de Jesus,
– o contexto histórico em que vive.
Trata‐se de uma pessoa concreta, Jesus de Nazaré. Ele tem acções concretas, são os «actos de
Jesus», e ensina, são as «palavras de Jesus».
2. Contexto histórico da vida de Jesus
O conhecimento do contexto sócio‐cultural e religioso permite reconstruir de maneira plausível
alguns aspectos relacionados com a sua vida, o seu trabalho de artesão, a sua educação familiar, a
relação com o seu povo.
2.1. A vida na Galileia
A sociedade da Galileia era agrária. Os contemporâneos de Jesus viviam no campo como todos os
povos do século I pertencentes ao Império. Praticamente, toda a população vivia do trabalho da terra,
excepto a elite das cidades que se ocupava das tarefas governativas, administrativas, de recolha de
impostos ou de vigilância militar. Era um trabalho duro, pois só se podia contar com a ajuda de alguns
bois, burros e camelos. Os camponeses das aldeias dispendiam as suas energias a lavrar, a vindimar e a
segar com a foice as searas. Na região do lago, onde tanto se movimentou Jesus, a pesca tinha uma
grande importância. As famílias de Cafarnaúm, Magdala e Betsaida viviam do lago. As artes de pesca
eram rudimentares: pescava‐se com diversos tipos de redes, armadilhas ou tridentes. Havia muitos
que utilizavam barcas, mas os mais pobres pescavam desde as margens. Normalmente, os pescadores
das aldeias viviam uma vida mais tranquila que os camponeses. O trabalho deles estava controlado
pelos fiscais de Antipas que cobravam taxas pelos direitos da pesca e pela utilização dos
embarcadouros.
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Numa sociedade agrária como aquela, a propriedade da terra adquiria uma importância vital.
Uma pequena elite, que vivia nas cidades, era proprietária da maior parte das terras. Arrendavam as
suas terras a agricultores das aldeias. O proprietário exigia metade da produção.
Havia agricultores que tinham terras próprias: pequenos terrenos junto das localidades. Outros
eram simples jornaleiros, que por qualquer razão tinham ficado sem terras. Andavam de aldeia em
aldeia à procura de trabalho. Recebiam o seu salário ao fim do dia. Estes constituíam uma boa parte da
população, que vivia de trabalho ocasional e da mendicidade. Numa das suas parábolas, Jesus fala de
um latifundiário que arrendeu a sua vinha a uns agricultores (Mc 12,1‐9), e noutra fala de uns
jornaleiros sentados na praça à espera de serem contratados (Mc 20,1‐6).
A população era obrigada a pagar elevados tributos.
Aos Romanos pagavam o tributum soli (um quarto da produção) e o tributum capitis (cada
pessoa pagava um denário por ano). Além destes impostos, deviam ainda pagar elevados tributos a
Herodes, que tinha o seu próprio sistema de impostos. As taxas eram muito altas. É provável que
também o Templo de Jerusalém exigisse taxas: os dízimos e os primeiros frutos. Alguns autores
calculam que este contributo atingiu cerca de 20% da colheita anual. A carga fiscal era, concerteza,
esmagadora. Muitas famílias viam ir em tributos e impostos a terça parte, e até metade, daquilo que
produziam. Jesus conhecia bem estas aflições dos pobres lavradores que, procurando tirar o máximo
partido das suas modestas terras, semeavam até em terreno pedregoso, entre cardos e até em zonas
que as pessoas usavam como veredas.
O fantasma da dívida era temido por toda a gente. Os membros do grupo familiar ajudavam‐se
uns aos outros para se defenderem das pressões e chantagens dos cobradores mas, mais tarde ou mais
cedo, desembocavam no endividamento. Jesus conheceu a Galileia enredada em dívidas. A maior
ameaça para a grande maioria era ficar sem terras e sem recursos para viver. Quando, forçada pelas
dívidas, a família perdia as suas terras, começava a desagragar‐se. Alguns tornavam‐se jornaleiros, ou
vendiam‐se como escravos, outros refugiavam‐se na mendicidade.
A desigualdade do nível de vida entre as cidades e as aldeias era notória. Nas aldeias, as pessoas
viviam em casas muito modestas feitas de barro ou de pedra por trabalhar, e com tecto de colmo. As
ruas eram de terra batida e sem pavimento.
Jesus presenciou o crescimento de uma desigualdade que fazia aumentar o número de
mendigos, de jornaleiros, de prostitutas, de famintos. Neste contexto percebem‐se melhor algumas das
parábolas de Jesus, bem como a imagem do banquete.
2.2. Os Judeus da Galileia
Quem eram estes galileus, contemporâneos de Jesus?
Viviam longe de Jerusalém, que era o centro religioso e cultural do seu povo. Conservavam as
grandes tradições do Êxodo: a Aliança, a Lei de Moisés, a celebração do Sábado. Não tendo um centro
de culto importante, nem uma aristocracia sacerdotal, é normal que desenvolvessem tradições
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diferentes das da Judeia. Provavelmente os galileus estavam habituados a uma interpretação mais
liberal da Lei e eram menos rigorosos quanto ao cumprimento das normais de pureza ritual.
2.3. A vida em Nazaré
Jesus viveu a maior parte da sua vida em Nazaré, que era uma pequena povoação situada numa
encosta da zona montanhosa da Galileia, longe das grande rotas comerciais. Nazaré era uma aldeia
pequena e desconhecida. Teria entre 200 e 400 habitantes. As casas situavam‐se numa colina, virada
para o sol.
Alguns dos seus habitantes viviam em grutas escavadas nas encostas. As casas eram feitas com
paredes de adobe ou de pedra escura, os telhados eram com ramos e barro, o chão com terra batida.
Geralmente as casas só tinham uma divisão, na qual dormia toda a família e até mesmo os animais.
Normalmente as casas davam para um pátio, que era partilhado por 3 ou 4 famílias do mesmo grupo.
Tinham em comum algumas coisas: um pequeno moinho em que as mulheres moíam o grão, o forno
em que elas coziam o pão. Era neste pátio que as crianças brincavam e os adultos descansavam após o
trabalho.
Foi numa casa assim que Jesus terá vivido.
Num ambiente assim captou até os mais ínfimos pormenores da vida de cada dia. Sabia qual era
o melhor lugar para colocar a candeia para que o interior da casa, de paredes escuras, ficasse bem
iluminado e se pudesse ver. Via como as mulheres varriam o chão pedregoso com uma folha de
palmeira à procura de alguma moeda perdida num canto qualquer. Sabia como era fácil penetrar em
algumas destas casas fazendo um buraco para subtrair as poucas coisas de valor que se guardavam no
seu interior.
Teria passado muitas horas no pátio da sua casa e conhecia bem a vida das famílias. Não havia
segredos para ninguém. Via como sua mãe e as vizinhas saíam ao pátio para fazer a massa do pão, e
como a levedavam com um pouco de fermento. Observava‐as enquanto remendavam a roupa, e notava
que não se podia deitar um remendo novo em tecido velho. Ouvia como as crianças pediam aos seus
pais um ovo, sabendo que sempre receberiam deles coisas boas. Conhecia também os favores que se
costumavam fazer entre os vizinhos. Em alguma ocasião, pôde sentir que alguém se levantava de noite,
estando já fechada a porta de casa, para atender o pedido de algum amigo'.
Quando, mais tarde, percorrer a Galileia convidando a uma nova experiência de Deus, Jesus
não fará grandes discursos teológicos nem citará os livros sagrados que se liam nas reuniões dos
Sábados numa língua que nem todos conheciam bem. Para perceber Jesus, não era preciso ter
conhecimentos especiais. Não fazia falta ter lido livros. Jesus falava‐lhes a partir da vida. Todos
poderiam captar a sua mensagem: as mulheres que punham fermento na massa e os homens que
acabavam de chegar de semear o trigo. Bastava viver intensamente a vida de cada dia, e escutar de
coração simples as audazes conclusões que Jesus extraía cicia, para se poder acolher a um Deus que é
Pai.
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Viver em Nazaré era viver no campo. Jesus cresceu no meio da natureza. Nos seus
ensinamentos encontramos uma abundância de imagens tomadas da natureza.
Jesus fala a partir da vida.
2.4. Os grupos sociais do tempo de Jesus
No tempo de Jesus, o povo judeu povo vivia dominado pelos romanos. Mas mesmo dominado
politicamente, mantinha a sua identidade religiosa e a sua organização social. Havia diversas correntes
religiosas e diversos estilos de comportamento que davam origem a grupos diferentes. É interessante
descrever por alto estes grupos e ver como Jesus se situou em relação a eles. Podemos neste sentido
apontar quatro correntes religiosas que identificavam outros tantos grupos.
A.) Classe dominante
O poder central estava entregue ao conselho do sinédrio, presidido pelo sumo sacerdote, e em
que estavam representadas as classes dominantes através de setenta elementos: sumos sacerdotes,
anciãos e escribas. Jesus não procura o acordo com este grupo. Ele não era sacerdote, nem teólogo,
nem pertencia às classes dominantes: Era um membro do povo simples. Narrador popular, que falava
a linguagem entendida pelo povo. A pregação de Jesus anunciava um novo sistema que punha em
causa a ordem estabelecida. A sua mensagem sobre o Reino de Deus era uma Boa Nova de libertação
para os pobres e oprimidos e para os pecadores. Era um anúncio de perdão, de fraternidade e amor
que abalava a posição das classes dominantes. Jesus aparecia portanto a esta classe como pessoa
incómoda e indesejável e daí o desejo de se desfazerem d'Ele.
B.) Zelotas (revolucionários)
Havia na Palestina um grupo religioso revolucionário que provocava a guerrilha contra a
dominação romana: era o grupo dos Zelotas. Tinham um ódio mortal aos romanos e aos que
colaboravam com eles (publicanos). Fomentavam a recusa de pagar o tributo aos ocupantes romanos.
Tinham uma concepção de Reino de Deus político‐religiosa.
A mensagem de Jesus sobre a instauração do Reino de Deus interessava profundamente aos
Zelotas. É natural que este movimento revolucionário tivesse até visto em Jesus um possível chefe
capaz de galvanizar o povo e uni‐lo na luta contra a dominação romana. Jesus por seu lado tinha entre
os seus discípulos pelo menos um zelota (Simão) ou talvez mais (Judas Iscariotes?). É muito provável
que os zelotas estivessem na base de alguns movimentos do povo em ordem a proclamar Jesus como
Rei (cfr. Jo 6,15).
Mas Jesus não se apresenta como revolucionário político‐social. A sua mensagem sobre o Reino
de Deus de modo nenhum se identifica com um programa de acção político‐social. Na verdade o Reino
de Deus anunciado por Jesus, não se atinge pela violência ou pela guerrilha mas é antes de mais a
acção de Deus que exige conversão do homem.
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C.) Essénios
Um outro grupo eram os Essénios, que se afastavam do mundo para preparar o Reino de Deus
no desapego e na pureza. Viviam austeramente nas grutas de Qumran. Tinham uma concepção própria
de Reino de Deus, como destruição dos filhos das trevas e prémio dos filhos da luz. Apresentavam‐se
como convencidos que possuíam o exclusivo da verdade e da salvação.
Mas Jesus é diferente. Não se afastava dos homens para ser perfeito. Pelo contrário aproxima‐se
dos pecadores, vive em contacto com as mulheres, frequenta os banquetes. O Seu primeiro milagre
realiza‐se nas bodas de um casamento Acusavam‐nO de "glutão e bebedor" (Mt. 11, 18‐19).
Jesus não se dirige apenas aos “puros” como os de Qumran, mas a toda a gente. O seu modo de
viver, vestir e comer eram os de uma pessoa normal. Anunciava a misericórdia de Deus para os
pecadores, sem insistir apenas do castigo.
D.) Fariseus
Outra linha diferente era proposta pelos fariseus. No evangelho estes são apresentados sob um
aspecto meramente negativo (hipócritas). Os fariseus tinham porém também aspectos positivos: eram
cumpridores rigorosos de todas as prescrições da Lei, pensando assim merecer a salvação.
Consideravam‐se como devotos e praticantes o que os levava ao desprezo pelos ignorantes e à
arrogância.
Jesus entra em conflito com os fariseus por causa desta vaidade e arrogância. Muitas das suas
parábolas são de crítica à mentalidade farisaica: o irmão do Filho Pródigo (Lc. 15, 25‐32); o fariseu e o
publicano (Lc. 18,9‐14), etc. Contesta as suas ideias de pureza ritual (Mc. 7,14‐22); de jejum (Mc. 2,18‐
22); de absolutização do sábado (Mc. 2,27), etc. O Reino de Deus é dom gratuito, sem fronteiras, que
exige do homem o reconhecimento da sua pobreza, e não é devido aos méritos das obras, como
opinavam os fariseus.
Conclusão
Jesus não se situa em nenhuma destas correntes dominantes do seu tempo, não se enquadra em
nenhum grupo determinado, não adopta nenhuma das interpretações usuais do Reino de Deus.
Ultrapassa assim todos os esquemas estabelecidos. É mais original e mais livre, e também mais
revolucionário e mais próximo de Deus que qualquer destas orientações.
3. Elementos históricos da vida de Jesus
Jesus de Nazaré nasce no ano 6 antes de Cristo, e morre, como data mais provável (embora não
seja segura), a 7 de Abril do ano 30 d.C. Dedica um ano (29‐30) ou no máximo dois (28 a 30) à
pregação da sua mensagem.
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3.1. Dados pessoais
O nome próprio era Yeshúa. Habitualmente os nomes tinham um significado. Yeshúa significa
“Javé salva”. O nome foi‐lhe dado por seu pai no dia da circuncisão. Era um nome comum na época.
Para ser identificado na sua terra chamavam‐lhe Yeshúa bar Yosef (Jesus, filho de José). Fora da sua
terra era conhecido por “Jesus de Nazaré”.
Na Galileia daquele tempo a primeira coisa que interessava saber de uma pessoa era a sua
origem, de que terra vinha e qual a sua família. A identidade de uma pessoa tem por base o seu grupo.
Para as pessoas que se encontravam com ele, Jesus era “galileu”. A Galileia era uma região semi‐
pagã desprezada pelos israelitas puritanos. Não provinha da Judeia, nem de nenhuma colónia judaica
espalhada pelo Império. Não era originário de Jerusalém, nem de nenhuma cidade significativa do
ponto de vista religioso ou social. Não era de Tiberíades nem de outra grande cidade da Galileia. Vinha
de Nazaré, uma pequena aldeia desconhecida.
Fazia parte de uma família hebreia. Os seus pais chamavam‐se Maria e José. O seu pai era um
“artesão”, não um cobrador de impostos, nem um escriba. A família de Jesus era gente simples e
trabalhadora. Jesus não viveu no seio de uma pequena célula familiar, à roda dos seus pais, mas
integrado numa família mais alargada. O clã familiar agrupava todos os que estavam vinculados por
algum grau de parentesco. Como todas as crianças de Nazaré, Jesus viveu até aos 7 ou 8 anos ao
cuidado da sua mãe e das mulheres do seu grupo familiar.
Como era habitual, herda a profissão do seu pai. A maneira como falava de diversos trabalhos
manifesta, não apenas um observador atento do trabalho dos outros, mas um trabalhador
experimentado.
A língua materna de Jesus foi o aramaico. Jesus foi um galileu de ambiente rural, que ensinava
as pessoas na sua língua materna, isto é, em aramaico. Provavelmente conhecia o hebraico bíblico,
para compreender as Escrituras. Talvez se defendesse em grego, mas desconhecia o latim.
O nível cultural de Jesus devia ser o normal das pessoas do seu meio. Apesar de não ter
frequentado escolas superiores estava à vontade em discussões sobre as Escrituras. Não sabemos se
Jesus sabia ler e escrever.
3.2. O tempo vivido em Nazaré
Jesus viveu a sua infância, a sua juventude e os primeiros anos da sua vida adulta em Nazaré.
Jesus era um homem de mentalidade mais rural que urbana.
Desempenhou o ofício de artesão. É possível que tenha trabalhado na reconstrução de Séforis,
que, por essa altura, estava a ser restaurada por Herodes Antipas.
3.3. Sem esposa e sem filhos
O facto de Jesus não se ter casado, algo estranho e desusado, provavelmente não foi muito bem
visto pelos vizinhos e familiares.
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O que terá levado Jesus a essa opção? Jesus dedicou‐se totalmente a uma realidade que se foi
apoderando do seu coração cada vez com mais força — o Reino de Deus. Foi a paixão da sua vida, à
qual se entregou de alma e corpo.
Se Jesus não conviveu com nenhuma mulher não foi porque desprezasse o sexo ou
desvalorizasse a família. Não se quis casar com nada nem com ninguém para não se distrair da sua
missão ao serviço do reino. Não abraçou uma esposa, para se deixar abraçar pelas prostitutas que iam
entrando na dinâmica do reino, depois de recuperarem, ao pé dele, a sua dignidade. Não quis beijar
filhos que fossem dele, mas abraçou e abençoou as crianças que vinham a ele, pois via‐os como
"parábola viva" de como se devia acolher a Deus. Não criou uma família própria, mas esforçou‐se por
suscitar uma família mais universal, composta por homens e por mulheres que fizessem a vontade de
Deus.
3.4. «Ruptura» com a família
Na sociedade em que Jesus vivia a família era tudo: lugar de nascimento, escola de vida e
garantia de trabalho. Fora da família o indivíduo ficava sem protecção e sem segurança. Só na família
encontrava a sua verdadeira identidade. Abandonar a família era um acto muito grave. Significava
perder a vinculação ao grupo protector e à aldeia. Era uma decisão estranha e arriscada.
Jesus foi criando novos relacionamentos à volta dele até formar um grupo de seguidores. O seu
grupo familiar era pouco para ele. A certa altura, Jesus deixa a sua família. Procurava uma família que
incluísse todos os homens e mulheres dispostos a fazerem a vontade de Deus. Considerando que os
laços de sangue eram um obstáculo à sua missão, deixou definitivamente a sua casa de Nazaré e foi
para Cafarnaúm.
Jesus não teve o apoio familiar, embora, segundo parece, alguns familiares se tenham juntado ao
seu movimento. A sua família mais próxima não o apoiou na sua actividade de profeta itinerante.
Chegaram a pensar que tinha perdido a cabeça e consideravam que assim desonrava toda a família. A
honra da família era algo decisivo. Jesus pôs em perigo a honra da sua família, ao deixá‐la. Assume uma
vida de vagabundo, longe do lar, sem profisão fixa, realizando curas estranhas e anunciando uma
doutrina estranha. Era uma vergonha para a família.
3.5. O encontro com João Baptista
Num determinado momento, Jesus ouviu falar de João Baptista que dera início a um movimento
de conversão na zona desértica junto ao rio Jordão.
O facto de João baptizar Jesus, dá‐nos a entender que este foi seu discípulo, porque o mestre
baptiza os discípulos.
João Baptista pregava: “a ira de Deus está próxima” (cf. Mt 3, 1‐12). Jesus separa‐se de João,
torna‐se independente e prega algo diferente: “O Reino de Deus está a chegar”.
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3.6. A experiência do deserto
Jesus retira‐se para o deserto. A descrição deste episódio pelos evangelhos é simbólica,
interpretando este período como a retomada do caminho de Israel pelo deserto ao longo de 40 anos:
Jesus também é tentado como o Antigo Israel, mas vence a tentação. Por detrás da narração simbólica,
está um facto real: Jesus vai amadurecer a sua vocação e definir o rumo da sua vida num período longo
de contacto íntimo com Deus, na oração e no jejum.
3.7. Actividade itinerante de Jesus
Por volta dos anos 27 ou 28, com cerca de 30 anos de idade, Jesus começou um actividade
itinerante, que o levou da Galileia a Jerusalém, onde seria executado provavelmente no dia 7 de Abril
do ano 30. Trata‐se, portanto, de uma actividade intensa, embora breve, já que não chegou a durar três
anos. Não sabemos com certeza a duração da sua pregação: João fala de três páscoas, enquanto os
Sinópticos referem apenas o espaço de um ano.
Jesus ia dum lado para o outro acompanhado de um grupo de discípulos e discípulas.
A vida itinerante de Jesus não deve ter sido fácil. Provavelmente experimentaram a fome por
diversas vezes.
A sua actividade centrava‐se em duas coisas: curar os doentes dos diversos males e anunciar a
mensagem sobre o "reino de Deus".
A sua fama aumentou rapidamente e as pessoas movimentavam‐se para ir ao seu encontro.
Jesus costumava ir de noite para lugares retirados a fim de rezar.
3.8. Rodeado de discípulos
Formou‐se à volta de Jesus um grupo reduzido de seguidores itinerantes, entre os quais havia
também um certo número de mulheres. Além deste número reduzido, existia um sector mais amplo de
simpatizantes que continuavam a viver nas suas casas, mas que se identificavam com a sua mensagem,
e acolhiam Jesus e o seu grupo quando passavam pelas respectivas aldeias.
Jesus rodeou‐se de um grupo mais próximo de "Doze", que simbolizava o seu desejo de
conseguir a restauração de Israel. Os “Doze” são sinal da comunidade do novo Israel que, com a
chegada iminente do Reino, se ia iniciar. Por isso o grupo íntimo dos discípulos são doze, tantos como
as doze tribos de Israel.
Não obstante, dois dados, pelo menos, há que reter do ponto de vista histórico. De entre os
seguidores de Jesus, este escolheu um grupo de doze discípulos como sinal do novo Israel que surgira
da vinda do Reino de Deus. Este grupo, liderado por Pedro, foi o grupo que, após a sua morte, recolheu
a herança de Jesus nos primeiros momentos com a consciência de serem as testemunhas do
acontecimento escatológico de Deus que n’Ele tivera lugar.
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3.9. Profeta do reino de Deus
Jesus usava uma linguagem característica e sugestiva. Quase nunca falava de si mesmo. A sua
pregação concentrava‐se no que ele designava de "reino de Deus”.
Na sua pregação ocupava um lugar de destaque a experiência de um Deus Pai "que faz com o sol
se levante sobre os bons e os maus", e acolhe e procura os filhos perdidos.
Era essencial a sua exortação a "entrar" no reino de Deus e o seu convite a ser "misericordioso"
como era o seu Pai do céu. O perdão aos inimigos constituía o cume desse convite.
3.10. As parábolas
É um facto que Jesus anunciou a sua mensagem em parábolas. A maior parte das parábolas
reflecte de tal maneira o ambiente palestino contemporâneo de Jesus que não se pode duvidar da sua
autenticidade. As parábolas foram, pois, contadas por Jesus. As parábolas constituem a maneira
própria de Jesus falar e ensinar. Graças a elas podemos conhecer muito da personalidade de Jesus, da
sua cultura e da sua sensibilidade. Jesus fala‐nos de sementeira e de pesca, de vinhateiros e de
pastores, de mulheres que amassam o pão e de negociantes de pérolas, de banquetes, de bodas e de
filhos que saem de casa... O mundo agrícola, pastoril e piscatório da Galileia está presente nas suas
histórias. Que diferença do mundo urbano de Paulo, cujos escassos exemplos se referem aos que
correm no estádio (1 Cor 9, 24), a recibos (Col 2, 14) e contabilidades (2 Cor 3, 5), a adopções (Rom 8,
15) ou a cortejos de triunfo dos imperadores (Col 2, 15)!
3.11. Actividade curadora
Apesar de ser difícil precisar o grau de historicidade de cada relato transmitido pelas tradições
evangélicas, não há dúvida que Jesus realizou curas de vários tipos de doentes. Do mesmo modo, fez
exorcismos libertando do mal pessoas consideradas, naquela cultura, possessas de espíritos malignos.
Apresentava essas cura esses exorcismos como sinais da chegada do reino de Deus aos sectores mais
afundados no sofrimento e na alienação.
3.12. Comportamento «marginal»
Jesus adoptou um comportamento estranho e provocador. Violava constantemente os códigos de
conduta vigentes naquela sociedade. Não praticava as normas da pureza ritual. Não se preocupava
com o rito de lavar as mãos antes de comer. Não jejuava. Em certos momentos, não cumpria o preceito
sabático. Vivia reodeado de gente indesejável, como os cobradores de impostos e as prostitutas. Via‐se
acompanhado de mendigos, de famintos e de gente marginalizada. Confraternizava e comia com
"pecadores e publicanos". Contra o socialmente estabelecido, falava em público com mulheres e
admitia‐as como discípulas. Por exemplo, Maria de Magdala ocupava um lugar importante no
movimento de Jesus. Segundo tudo indica, Jesus tinha uma atitude particularmente acolhedora para
com as crianças. Assumira essa atitude não arbitrariamente, mas com a nítida intenção de mostrar,
graficamente, que o reino de Deus estava aberto a todos, sem excluir e sem pôr de lado ninguém.
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3.13. As refeições de Jesus
Um tema importante na vida de Jesus foram as suas refeições. Jesus comia habitualmente com
publicanos, pecadores e prostitutas. As refeições de Jesus com estes marginalizados são também sinal
do Reino dos Céus. Podemos dizer que estas refeições de Jesus são uma parábola em acto, uma
parábola viva, em lugar de uma parábola narrada. As refeições de Jesus são a imagem do banquete
celestial e, portanto, anúncio da chegada iminente do Reino de Deus. Para esse Reino de Deus todos
estão chamados, preferencialmente os pobres, os marginalizados, as prostitutas, os publicanos, etc.
Assim, pois, Jesus torna já presente esse Reino, que prega como iminente, quando come com todos os
desamparados pela mão de Deus. Comendo com os marginalizados, Jesus mostra o amor
incondicionado de Deus, a ponto de eles serem os preferidos de Deus, pois “os publicanos e as
prostitutas preceder‐vos‐ão no Reino dos Céus.” (cf. Mt 21, 31).
3.14. Reacções sobre Jesus
Fora do pequeno grupo dos discípulos e do círculo de simpatizantes, Jesus atingiu uma
notoriedade bastante grande na Galileia e nas regiões vizinhas. Não parece que este eco popular
tivesse diminuído durante o breve tempo da sua actividade itinerante.
De facto, movimentava massas relativamente importantes, e isso levava‐o a ser considerado
como um personagem perigoso pelas autoridades. Jesus provocou a rejeição em sectores que tentaram
difamá‐lo e desacreditá‐lo a fim de impedirem a sua influência.
De facto, Jesus não foi bem recebido pelos seus conterrâneos, e despertou oposição de escribas e
dirigentes religiosos, tanto na Galileia como em Jerusalém. Foi criticado por comer com os pecadores e
acusado de estar possuído pelo demónio. Mas ele conseguiu defender‐se com firmeza dessas duas
acusações.
3.15. Conflito e condenação
Jesus, inicialmente, tem êxito; é seguido em virtude dos seus sinais, pela pregação da chegada
iminente do Reino de Deus, com a qual se tornará realidade a felicidade que todos desejam. Porém, a
pregação de Jesus começa a provocar conflito.
Jesus assume o conflito quando decide subir a Jerusalém, porque todo o profeta se há‐de
manifestar em Jerusalém. Manifestar‐se em Jerusalém inclui enfrentar o conflito com as autoridades.
Assume a morte; mas prevê que irá sobreviver: “a minha vida ninguém ma tira; sou eu que a dou
voluntariamente” (Jo 10, 17‐18). Há neste texto uma teologização de que a vida de Jesus está entregue,
mas podemos dizer, também a partir da história, que Jesus assume a sua morte e oferece a sua vida
pelo Reino de Deus.
Jesus teve um gesto hostil contra o templo, que lhe valeu a sua detenção. Não parece que tenha
havido um julgamento propriamente dito por parte das autoridades judaicas. O mais provável é que,
tendo em conta o acontecido no templo, a aristocracia sacerdotal se tenha certificado do perigo que
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Jesus representava e se tenha unido para o fazer desaparecer. Segundo tudo leva a crer, Jesus já
contava com a hipótese da sua morte violenta e celebrou uma ceia de despedida com os seus
discípulos, na qual realizou um gesto simbólico com o pão e com o vinho.
No momento da sua detenção, foi abandonado pelos seus seguidores mais próximos.
Jesus morreu crucificado, provavelmente no dia 7 de Abril do ano 30, sendo o prefeito romano,
Pôncio Pilatos, quem ditou a sentença da sua morte.
3.16. Fé em Jesus ressuscitado
É possível verificar historicamente que, entre os anos 35 e 40, os cristãos da primeira geração
professavam através de diversas fórmulas uma convicção partilhada por todos e que rapidamente
divulgaram por todo o Império: "Deus tinha ressuscitado a Jesus de entre os mortos".
3.17. A figura de Jesus de Nazaré
Além destes elementos históricos relativamente seguros, poderemos encontrar nos textos
evangélicos os traços característicos da figura e da pregação de Jesus.
Ficou na recordação do povo como alguém que passou fazendo o bem (Act 10,38). Os próprios
relatos dos milagres revelam a atenção que prestava ao povo simples e humilde da Galileia.
Parece também claro o conteúdo central da sua pregação e o estilo dela: Jesus anunciou, com
uma autoridade inédita, o Reino de Deus como iminente.
A “causa” do Nazareno está estreitamente ligada à sua pessoa. Jesus apresenta‐se como aquele
no qual o Reino de Deus vem e que, por isso, exige uma decisão por parte do Homem. Nele apresenta‐
se a hora da inaudita oferta de salvação e, por isso, também a hora da decisão por alguém, aquele em
quem os tempos se completaram.
4. Conclusão
A história de Jesus parece, então, semelhante a tantas outras e ao mesmo tempo singular.
Como qualquer história humana, desenvolveu‐se num lugar e tempo determinados,
condicionado pelas mesmas circunstâncias de tantos outros homens, com os limites da sociedade em
que se inseriu. é uma história verdadeiramente humana, carregada de alegrias e dores, de fadigas e
lágrimas, de vida e de morte.
Mas, ao mesmo tempo, a história do Nazareno foi de uma singularidade desconcertante, que se
resume na sua pretensão, no seu anunciar em palavras e obras a vinda do Reino na Sua pessoa. Não é
só a singularidade de um amor que chega a dar a vida pelos amigos. É um mistério de um apelo à
decisão, a ansiedade por encontrar‐se diante de uma exigência absoluta, de uma oferta inaudita.
Conscientes desta dupla avaliação na vida de Jesus, compreendemos o ódio e o amor que suscitou. Ele
foi, de facto, “sinal de contradição”. São, portanto, duas faces igualmente reais da história de Jesus de
Nazaré: a humanidade que a caracterizou e o mistério que ela encerra.
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DEUS E HOMEM – O Mistério de Cristo
É esta história de Jesus Cristo, simultaneamente comum e inédita, que constitui o primeiro
núcleo de qualquer anúncio cristológico. O anúncio cristão deve fundar‐se, confrontar‐se e referir‐se
continuamente à história de Jesus. A história de Jesus é o polo originário e insubstituível de qualquer
compreensão cristológica. Ela constitui o primeiro critério de validade cristológica.
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