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38 • Público • Sexta-feira 10 Dezembro 2010

Espaçopúblico
As escolas privadas com contrato com o Estado têm custado menos e tido melhores resultados

O estudo da OCDE e o futuro das nossas melhores escolas

P É
RICARDO BRITO
or que é que as crianças portuguesas de por isso surpreendente – e, como ontem
15 anos tiveram melhores resultados no aqui escrevia Helena Matos, só se explica
último estudo da OCDE (PISA)? Por cau- por opção ideológica – que o Governo
sa das medidas do Governo, respondeu tenha aprovado, sem sequer consultar
pronto José Sócrates, na sua entrevista ao o Conselho Nacional de Educação, um
PÚBLICO: “Em 2005, a primeira medida foi as au- decreto-lei que alterará todo o regime jurídico
las de substituição e levámos com uma greve dos dos contratos de associação com o ensino priva-
José professores aos exames e com todos os partidos do. Ao fazê-lo, acabará com a estabilidade pluria-
Manuel contra. A segunda medida foi a escola a tempo in- nual desses contratos, colocando todas as escolas
Fernandes teiro”. Azar: os alunos que tinham 15 anos em 2009 na dependência de renovações anuais deixadas
não beneficiaram dessa medida, como logo notou à discricionariedade dos governantes. Pior: em
Extremo a entrevistadora. Mas o nosso primeiro nunca se nome de uma alegada racionalização dos custos,
ocidental atrapalha quando toca à propaganda, pelo que re- abre-se caminho ao desperdício, pois, ao deixar
torquiu: “Irão beneficiar”. de considerar que a oferta privada pode comple-
Um pouco mais de honestidade intelectual e um mentar a oferta do Estado, permitindo a integra-
pouco menos de fanfarra propagandística permiti- ção de escolas privadas na rede pública, abre-se
riam não só constatar que Portugal continua abaixo o caminho à construção de novas escolas onde
da média, como que as variações registadas no já existem bons estabelecimentos de ensino que
passado recomendam que, antes de darmos por podem ser contratualizados, assim desperdiçando
adquirido o “grande salto em frente”, verifique- recursos que são cada vez mais escassos (o Estado,
mos se os resultados de 2009 são sustentáveis no de resto, já tem vindo a promover esta duplicação
tempo. Mais: ao ler as conclusões da OCDE para irracional da oferta).
os diferentes sistemas de ensino, terá de se reco- Agraço, onde só há uma escola pú- Num texto que escreveu no PÚBLICO, o secretário
nhecer que, nalguns domínios, Portugal segue na
Ao revogar blica, esta ficou em 383.º. Por fim, de Estado Trocado da Mata justifica esta acção do
direcção errada. O estudo indica, por exemplo, a generalidade em Torres Vedras, há duas secun- Governo sustentando que “o que o Estado financia
que “os sistemas que obtêm melhores resultados dárias do Estado (que ficaram em com os contratos de associação não é nem a liber-
permitem às escolas escolherem os seus progra- da legislação relativa 171.º e 365.º lugares) e o Externato dade de escolha na educação, nem a especificidade
mas”, algo que em Portugal não é possível, a não aos contratos de de Penafirme, uma grande escola da oferta educativa, mas um bem superior e consti-
ser de forma muito marginal, no sistema público. privada que inclui também ensino tucionalmente consagrado: o acesso de todos à edu-
Mais: a OCDE indica que “é a combinação de au- associação com o ensino profissional, que ficou em 108.º. cação”. Engana-se duplamente. Primeiro, porque
tonomia e de uma responsabilização efectiva que Estes exemplos são elucidati- esses contratos asseguram tanto o acesso de todos à
parece produzir os melhores resultados”, o que
particular e cooperativo, vos: em escolas abertas a todos os educação como a especificidade da oferta educativa,
contraria a norma portuguesa, onde a centraliza- o decreto-lei enviado alunos, escolas privadas mas inte- com vantagens educativas e económicas. Depois,
ção napoleónica é dominante. gradas na rede pública, o binómio porque na Constituição não há bens superiores ou
Há, mesmo assim, uma pequena parte do siste- para promulgação autonomia-responsabilização tem inferiores e nela também se garante, no artigo 43.º,
ma educativo português onde há autonomia, res- pode criar uma situação produzido resultados claramente “a liberdade de aprender e ensinar”. Mais: no artigo
ponsabilização e adaptações locais dos programas melhores do que o das escolas do 74.º, ao escrever que cabe ao Estado “assegurar o
nacionais: as escolas privadas, nomeadamente as de inconstitucionalidade Estado na sua vizinhança. O que, ensino básico universal, obrigatório e gratuito”, a
que, em contrato de associação, integram a rede cruzando com os resultados dos Constituição não acrescenta que isso deve ser feito
pública. Não são muitas, mas vale a pena ver o que
por omissão alunos do privado no PISA, reco- exclusivamente em escolas estatais. O que me leva
se está a passar com elas. Comecemos por olhar mendaria o alargamento deste tipo a duvidar: será que, ao revogar a generalidade da
para os resultados do PISA. de contratos. Mais: os dados conhecidos relativa- legislação relativa aos contratos de associação com
Sensivelmente um em cada sete alunos (14,5 por mente ao passado, e também confirmados pela OC- o ensino particular e cooperativo, este decreto-lei
cento) que fizeram os testes da OCDE em Portugal DE, indicam que cada estudante no ensino estatal enviado não criará uma situação de inconstitucio-
estudava no ensino privado. As médias que obtive- custa mais ao erário público do que cada estudante nalidade por omissão?
ram (517 a Leitura, 514 a Matemática e 517 a Ciências) no ensino privado com contratos de associação. Ou Claro que tudo isto são factos e cristalina doutri-
colocariam Portugal sempre nos dez primeiros lu- seja, esta modalidade de ensino público em parce- na constitucional. E factos, como se sabe, são difi-
gares da tabela. A diferença para as médias obtidas ria tem custado menos ao Estado e tem produzido cilmente solúveis na propaganda instantânea que
pelos estudantes das escolas do Estado (respecti- melhores resultados. anima a espuma dos nossos dias. Jornalista
vamente mais 32, mais 32 e mais 28 pontos) é até
bem maior do que o milagroso salto verificado nos
resultados nacionais do PISA.
Dir-se-á: isso acontece porque nas escolas priva-
De que falamos quando falamos de Assange e da WikiLeaks
das andam os alunos de famílias com melhor situ-
ação económica. É verdade, mas não é totalmente a O debate sobre o WikiLeaks obrigassem “o Estado securitário” que deve sempre ser feito de forma
verdade nem explica tudo. Nas escolas privadas com tem, a meu ver, omitido um a diminuir a capacidade da sua livre e responsável; outra coisa
contratos de associação com o Estado podem andar ponto central: o das motivações rede computacional, tornando-o é fingir que Julian Assange é um
todos os alunos da respectiva área geográfica, ricos do seu fundador, Julian Assange. assim “mais lento” e “mais campeão da liberdade quando,
ou pobres, só que nas tabelas do PISA não se con- Parece ser dado por adquirido estúpido”. Olhando para o impacto na verdade, é um anarquista
segue saber quais os alunos que tinham estudado que o australiano tem como das revelações da WikiLeaks que manipula sem grandes
nessas escolas. Há por isso que recorrer aos rankings objectivo uma maior transparência e para o que se prevê que escrúpulos enormes quantidades
nacionais para saber. Foi o que fiz, escolhendo três no funcionamento das nossas aconteça no apertar das regras de informação e promove violações
escolas privadas com contratos de associação para democracias, quando isso não é nas comunicações internas nos de comunicações secretas não em
fazer as comparações. verdade. Assange, na verdade, Estados Unidos, Julian Assange nome da transparência mas para
A Escola Salesiana de Manique [na foto], concelho nem pensa que vivamos em está a conseguir atingir estes seus tentar destruir o tipo de sociedade
de Cascais, admite alunos de todas as classes sociais democracia. Em 2006, escreveu objectivos. em que vivemos.
(e etnias), mas conseguiu ficar, em 2010, em 39.º vários textos onde defendeu que Devem, pois, desiludir-se os É bom sabermos ao que
lugar a nível nacional; no mesmo concelho, há ou- os Estados Unidos – e o Ocidente que pedem à WikiLeaks que andamos e de que lado estão os
tras duas grandes escolas privadas (os Salesianos do em geral – não eram mais do que revele também segredos da que defendem a liberdade, assim
Estoril, 6.º lugar, e os Maristas de Carcavelos, 43.º) uma “conspiração autoritária” Rússia, da China ou do Irão: como os que a utilizam para
e seis escolas secundárias públicas, com posições e que os seus líderes eram todos isso não faz parte da sua agenda melhor a destruírem. Isto não
entre o 95.º (São João do Estoril) e 469.º (Alvide). “conspiradores”. A única forma política. E também é bom que, na significa deixar de noticiar os
Já em Arruda dos Vinhos não há nenhuma escola de deter tais “conspiradores” comunidade jornalística, se saiba segredos revelados sempre que
secundária do Estado, apenas uma privada que re- seria dificultar a forma como separar o trigo do joio: uma coisa estes forem de interesse público,
cebe todos os estudantes do concelho. Ficou em comunicam “uns com os outros”, é noticiar o que, mal ou bem, foi antes conhecer o terreno (minado)
46.º lugar. No vizinho concelho de Sobral de Monte gerando fugas de informação que colocado no domínio público, o que se pisa.

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