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IBEROGRAFIAS
AS NOVAS GEOGRAFIAS
DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA:
COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
Coordenação :
Rui Jacinto
38
IBEROGRAFIAS
Colecção Iberografias
Volume 38
Âncora Editora
Avenida Infante Santo, 52 – 3.º Esq.
1350-179 Lisboa
geral@ancora-editora.pt
www.ancora-editora.pt
www.facebook.com/ancoraeditora
O Centro de Estudos Ibéricos respeita os originais dos textos, não se responsabilizando pelos conteúdos, forma e opiniões neles expressas.
A opção ou não pelas regras do novo acordo ortográfico é da responsabilidade dos autores
Financiado por:
As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: um lento devir 7
Rui Jacinto
Sobre a convivialidade: por uma geografia social crítica dos Commons 269
Ivaldo Gonçalves de Lima
Interações fronteiriças das cidades gêmeas de Ponta Porã – Brasil e Pedro Juan 371
Caballero – Paraguai
Walter Guedes da Silva
Rui Jacinto
Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território
(CEGOT – Universidade de Coimbra)
mudanças e as dinâmica nas paisagens físicas e humanas, em curso nos diferentes Países de
Língua Portuguesa (PLP). Aprofundar esta investigação e elevar o conhecimento reciproco
das várias Geografias passa por promover a cooperação, o que pressupõe disponibilidade e
empenho dos geógrafos para renovar, em termos teóricos e metodológicos, a várias escalas
e em multiplos contextos, a leitura e as interpretações dos territórios.
Os constrastes de desenvolvimento que se observam a todas as escalas, da urbana e local
à regional e nacional, a par da complexidade geoestratégica inerente à localização específica
1
Os Cursos de Verão têm proporcionado o encontro da comunidade geográfica, sobretudo portuguesa e
brasileira, que se tem intensificado desde a participação de Messias Modesto dos Passos (desde 2010), Maria
Adélia de Souza (2014) e Rogério Haesbaert (2015). Este incremento, mais expressivo em anos mais recen-
tes, está bem evidenciado em sucessivos títulos da Coleção Iberografias: (i) Espaços de Fronteira, Territórios
de Esperança: Paisagens e patrimónios, permanências e mobilidades (2015; Nº 30); (ii) Diálogos (Trans)frontei-
riços: Patrimónios, Territórios, Culturas (2016; Nº 31); (iii) Outras geografias, novas fronteiras. Intercâmbios e
diálogos territoriais (2017; Nº 32); (iv) Lugares e territórios: património, turismo sustentável, coesão territorial
(2018; Nº 33); (v) Novas Fronteiras, Outros Diálogos: Paisagens, Patrimónios, Cultura (2019; Nº 35); Novas
Fronteiras, Outros Diálogos: Cooperação e Desenvolvimento Territorial (2019; Nº 36). A análise detalhada dos
títulos e dos conteúdos dos capítulos e artigos permite observar a pluralidade temática, direções e tendências
que estão a tomar, entre aquelas comunidades, As Novas Geografias dos Paises de Língua Portuguesa.
de cada um dos PLP, não pode deixar os geógrafos dos respetivos países insensíveis nem
indiferentes. Abraçar estas causas passa obrigatoriamente por maior comprometimento,
mais ativo na ação, na definição de estratégias que fundamentem políticas públicas, mi-
tigadoras das disparidades ecómicas, sociais e territoriais. Tais iniciativas são ainda mais
importantes no momento que estamos a viver, quando se enfrenta uma profunda crise
sanitária, social e económica que configura uma rutura, transição para um “novo normal”
de contornos incertos e ainda mal definidos, que exige cumplicidade, partilha de conheci-
mento e troca de experiências.
As Geografias de Portugal e do Brasil evidenciam uma tradição mais arreigada,
relativamente às dos demais Países de Língua Portuguesa, por razões históricas bem co-
nhecidas, exprimindo as vicissitudes políticas e sociais que influenciaram tanto a sua
implantação como a respetiva evolução. Ao revisitarmos o percurso trilhado deparamos
com alguns marcos que pontuam uma trajetória que carece de reflexão mais demorada
para nos ajudar a compreender, entre perspetivas transversais e integradoras, o que une e
o que separa as diferentes geografias. A evolução de cada uma das Geografias dos Paises
de Língua Portuguesa só pode ser cabalmente apreendida cruzando as suas dinâmicas
internas, os ciclos políticos e o alinhamento geoestratégico de cada país, mais ou menos
periféricos e dependentes, em termos geográficos e do ponto de vista teórico, com as refe-
rências conceptuais que foram sendo assumindas, com as articulações feitas com as escolas
e as correntes geográficas dominantes.
1964, continuando a viver na cidade até 1975. Deffontaines, que ministrou a aula inau-
gural da Universidade de S. Paulo, em 1934, foi o dinamizador do recém criado Curso de
Geografia. O jovem geógrafo francês Pierre Monbeig (1908-1987), que chega em 1935 e
vai permanecer vários anos no Brasil, dá um forte contributo para a afirmação inicial do
Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo.
Durante décadas seguiram-se várias outras missões francesas ao Brasil, decisivas para
estreitar a colaboração durável com a França, envolvendo nomes sonantes das ciências
sociais (p. ex. Claude Lévi-Strauss, Roger Bastide ou Fernand Braudel). Pierre Deffontaines
e Pierre Monbeig acabaram, assim, por ficar indelevelmente ligados tanto à institucionaliza-
ção da Geografia no Brasil como à criação, em 1934, da Associação de Geógrafos Brasileiros
(AGB)7. Foram importantes na dinamização desta agremiação, tendo Monbeig assumido a
sua presidência entre 1937 e 1946. Vem desta altura a relação umbilical que se estabeleceu
6
António Gama (2011) – Geografia e Geógrafos: institucionalização e consolidação da Geografia na Universidade
de Coimbra. Separata da Biblos, Vol. IX (2ª série), Faculdade de Letras – Coimbra.
7
A Associação Portuguesa de Geógrafos (APG) seria fundada apenas em 1987.
entre a Geografia brasileira e a francesa8, vínculo análogo ao que foi estabelecido com a por-
tuguesa. A relação entre Portugal com a França assumiu outros contornos, porque a relação
era baseada numa proximidade cultural mais ampla e antiga que se reforçou, neste parti-
cular, pelo vai-e-vem de geógrafos, exemplificada pela permanência de Orlando Ribeiro na
Sorbonne (1939), e pelas visitas a Portugal de, por exemplo, Pierre Birot, bem testemunha-
das no livro que acabou por dar à estampa: Portugal (1950; PUF, Paris).
8
José Borzacchiello da Silva (2012) – França e a Escola Brasileira de Geografia: verso e reverso. UFC, Fortaleza.
Entre a vasta bibliografia ver p. ex. : Federico Ferreti (2016) - Pierre Deffontaines e as missões universitá-
rias francesas no Brasil: geopolítica do conhecimento, circulação dos saberes e ensino da geografia (1934-1938).
Boletim Goiano de Geografia, 1.
9
Garcia da Horta e Geographica são revistas contemporâneas que emanam deste espirito. Garcia de Orta
foi a Revista da Junta das Missões Geográficas e de Investigação e Geographica, de que foram publica-
dos 36 números, foi editada pela Sociedade de Geografia de Lisboa, entre 1965 e 1974, sob a direcção
da Prof.ª Doutora Raquel Soeiro de Brito (nos. 1 a 28 ) e Prof. Doutor João Pereira Neto (nos. 29 a 36).
(ii) em 1966, Finisterra, dirigida por Orlando Ribeiro, lançada pelo Centro de Estudos
Geográficos de Lisboa (133 números até ao momento).
A partir dos anos 30 Portugal vira-se para África na tentativa antecipar e responder ao
ímpeto descolonizador que se começa a adivinhar. Em 7 de Janeiro de 1936 foi criada a
Junta das Missões Geográfica e de Investigação Colonial10, reorganizada em 1945, com o
objetivo de estimular o conhecimento geográfico das colónias. Esta estratégia é acompa-
nhada duma renovação semântica destinada a apagar a carga negativa que se havia colado à
palavra colónia, expressão usada correntemente tanto a nivel administrativo (Colónias pas-
saram a designar-se Províncias Ultramarinas) como em disciplinas ministradas nos Cursos
de Geografia. É assim que a Geografia Colonial, incluída no curricula da Licenciatura,
passa a Geografia das Regiões Tropicais, mudança ocorrida no decurso da Reforma do
Curso de Geografia, feita pelo Decreto de 30 de fevereiro de 1957, ajustando a terminolo-
gia para ser mais consentânea com os tempos de descolonização e de independências que
se seguiram à Segunda Grande Guerra.
A partir de 1960, já em perda, e por imperativo absoluto de sobrevivência, procura-se
intensificar o envolvimento da Geografia nas colónias, por via da investigação e do ensino.
Orlando Ribeiro e Alfredo Fernandes Martins, entre outros, realizariam várias Missões de
Geografia Física e Humana do Ultramar (criadas em 1960), fazendo trabalho de campo,
fundamentalmente, em Angola e Moçambique. Esta década ficará marcada pela instalação
do ensino superior nestas colónias, iniciando à docência da Geografia, a nível superior,
fora do Continente, sobretudo na Universidade de Lourenço Marques (1969).
14 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
10
Ilídio do Amaral (1979) - A “escola geográfica de Lisboa” e a sua contribuição para o conhecimento geográfico das
regiões tropicais. CEG, Estudos de Geografia das Regiões Tropicais, Lisboa.
Ilídio do Amaral (1983) - Da Comissão de Cartografia ao Instituto de Investigação Científica Tropical.
Finisterra, XIII, 36: 327-31.
Brito, Raquel Soeiro de (1992) - Trinta anos de estudos de Geografia nos territórios do ex-Ultramar portu-
guês (1944-74). Inforgeo, 4: 71-94.
recenção do livro homónimo de Pierre Deffontaines (1940, Rio de Janeiro, IBGE)11, a que
se seguiram outros autores 12. Alfredo Fernandes Martins tem duas colaborações interes-
santes13, em 1944, sobre a borracha da amazónia e as consequências, locais e geopolíti-
cas, da deslocalização da sua produção para o extremo oriente, e a Geografia Humana
do Brasil. Este texto é particularmente significativo por ser “uma interessante e muito
bem contextualizada recensão da palestra proferida na altura, no Instituto de Estudos
Brasileiros da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, por Pierre Deffontaines, e
que ilustra a forte influência francófona nas geografias dos dois países lusófonos” (Cunha;
Jacinto, 2012: 63).
O diálogo direto entre geógrafos portugueses e brasileiros ocorre a partir da década
de 40, no âmbito dos poucos eventos que então se realizavam. Os principais, foram os
Congressos Internacionais de Geografia (UGI), realizados em Lisboa (1949) e no Rio de
Janeiro (1956)14 que marcaram a verdadeira internacionalização das duas Geografias, mo-
mentos culminantes da consagração das Geografias dos dois países, do seu acolhimento
na cena internacional, reconhecimento caucionado pela União Geográfica Internacional
(UGI) que lhes outorgou a realização daqueles Congressos mundiais.
Os Colóquios Internacionais de Estudos Luso-Brasileiros15 foram outra possibilidade
efetiva de contacto bilateral, sobretudo a partir da terceira edição, realizado em Lisboa
11
Orlando Ribeiro (1942) - O Brasil: a terra e o homem. Brasília, Coimbra, I: 377-397.
Orlando Ribeiro (1942) - Pierre Deffontaines – “Geografia Humana do Brasil”. Rio de Janeiro, 1940”.
Brasília, Coimbra, I: 817-819.
Orlando Ribeiro (1955) - São Paulo. Metrópole do Brasil. Brasília, Coimbra, IX (V): 243-256. Orlando Ribeiro
O pano de fundo. Portugal e o Brasil entram nos anos 60 com grande turbulência,
iniciando três longas décadas com uma guerra colonial, ditaduras, regresso à democra-
cia e, no final dos anos 80, a auscultação de rumores que anunciam uma nova ordem
mundial. Portugal começa por enfrentar, ainda sob a ditadura, o calvário duma Guerra
Colonial em África, luta armada que se inicia em 1961 em Angola e alastra a várias frentes,
com particular violência na Guiné, Angola e Moçambique. Esta longa década só terminará
com a Revolução de 25 de Abril e a implantação da democracia, ditando a descoloniza-
ção e, com a independências das ex-colónias, o regresso das caravelas. O Brasil conheceu
um periodo igualmente negro após o golpe militar de 1964 até o movimento Diretas Já!
(1983-84) acelerar a eleição, embora indireta, do presidente da República, em 1985, que
embora tenha eleito Tancredo Neves seria o seu vice, José Sarney, a assumir o cargo.
Os anos 70 começam com uma crise económica profunda cujas réplicas continuariam na
década seguinte. Portugal adere à CEE-EU, em 1986, aprofunda-se a integração europeia e,
passados alguns anos, acontece a queda do Muro de Berlim (1989) que mudará radicalmente a
correlação geoestratégica, ditando o fim do mundo bipolar que reinou durante a Guerra Fria.
Os novos Países de Língua Portuguesa, por outro lado, quer os africanos (Angola, Moçambique,
Cabo Verde, São Tomé e Principe e Guiné-Bissau) como Timor-Leste, recém independentes,
a braços com economias precárias e convulsões, em muitos casos guerras civis, não encontra-
vam paz nem estabilidade financeira para dar a devida atenção ao desenvolvimento do sistema
educativo e, menos ainda, à investigação e ensino da Geografia.
A partir deste pano de fundo e das ruturas epistemológicas que moldariam a Geografia,
podem ser perspetivadas as tensões e clivagens que ocorreram em termos globais e cujas
repercussões abalaram as Geografias de Portugal e do Brasil. Entre a geografia tradicional,
que começou a ser vivamente contestada e as geografias mais críticas e radicais surge uma
panóplia de alternativas e uma vasta pluralidade de abordagens. A exemplo do que acon-
tece com o planeamento, o desenvolvimento e as políticas públicas, a procura de alterna-
tivas e o ensaio de novas abordagens ficará perpetuada na bibliografia com uma renovação
terminológica resultante duma sedimentação de expressões e conceitos como sustentável
(1986), endógeno, integrado, local, resiliente, etc..
O lento devir da Geografia nos novos Países de Língua Portuguesa (PLP): continuidade e
ruturas. Em 1960 foram instituídas as Missões de Geografia Física e Humana do Ultramar
para apoiar a investigção nas colónias portuguesas. O trabalho de campo realizado por
Coimbra, onde defendeu em 1961 a sua tese de licenciatura, foi fundadora e dirigente,
durante anos, do Instituto Superior de Educação, na Cidade da Praia.
Esta evolução, mesmo que sucinta, não dispensa uma referência à investigação
geográfica feita ou ainda iniciada durante o período colonial, sobretudo a que resultou
16
Rui Jacinto; Lúcio Cunha (2017) - Geografia de Moçambique: um olhar a partir da Geografia portuguesa.
Iberografias, Nº 13 (CEI, Guarda): 49-70.
Eliseu Savério Sposito, José Maria do Rosário Chilaúle Langa & Rui Jacinto (2017) - Institucionalização, ensino
e investigação da Geografia em Moçambique. Iberografias, Nº 13 (CEI, Guarda): 71-99.
17
Rui Jacinto (Coord.; 2015) - Nós Terra, Nós Geografia: Contributos para uma Geografia de Cabo Verde.
Iberografias, Nº 11 (CEI, Guarda): 181-224. Em particular os seguintes textos de Rui Jacinto (2015): (i)
Cabo Verde segundo Maria Luísa Ferro Ribeiro: território e sociedade (pag. 181-193); (ii) Cabo Verde: uma
incompleta bibliografia geográfica (pag. 194-199); (iii) Si ka badu, ka ta biradu: Maria Luísa Ferro Ribeiro, a
primeira geógrafa de Cabo Verde (pag. 203-207).
18
Aniceto dos Muchangos (1983) – O uso e a alteração da natureza numa cidade grande trópico-africana, ilus-
trada através de 18 exemplos de Maputo, República Popular de Moçambique [Die nutzung und verande-
rung der natur in einer tropischafrikanishchen grosstadt–dargestellt am beispiel von Maputo. Volksrepublik
Moçambique], Martin-Luther Universitat, Halle, Germany. Primeira tese de doutoramento em Geografia
por um natural de Moçambique.
em teses de doutoramento realizadas sobre alguns países africanos: A Ilha de São Tomé
(1961), Santiago de Cabo Verde (1964), A colonização das Terras Altas da Huíla (1976), A
bacia do rio Umbelúzi (Moçambique) (1979) e Maputo antes da independência (1980)19.
Como se pode observar, sem um comentário mais fundo, é notória a assimetria e desigual
representatividade, pois nem todos os países foram contemplados.
Importa assinalar dois marcos significativos deste período, sinais dos tempos que
são representativos de ruturas conceptuais e metodológicos, teoréticas e operativas,
que atravessaram as Geografias de Portugal e do Brasil: A Área de influência de Évora,
tese de doutramente, apresentada por Jorge Gaspar em 1972 e, no caso brasileiro, Por
uma Geografia Nova, livro lançado por de Milton Santos em 1978, que acompanha o
Movimento Fortaleza, do mesmo ano, que protagoniza um confronto fraturante ocorrido
durante o 3º Encontro Nacional de Geógrafos Brasileiros (ABG).
Em 1994, sob proposta de Jorge Gaspar, Milton Santos vence o Prémio Vautrin Lud
e a ascenção de Fernando Henrique Cardoso ao poder , em 1995, inicia um novo re-
lacionamento entre Portugal e o Brasil, expresso na Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP; 1996). Tem inicio por esta altura uma fase de relacionamentos mais
intensos entre geógrafos dos dois países, como assinalam vários trabalhos20. Foram múlti-
plas as parcerias e as redes de investigação que se estabeleceram, alguns projectos e inúmeros
seminários realizados em Portugal e no Brasil, que proporcionaram muitas publicações,
expressão “antes a região não existia”1, porquanto mesmo que a dimensão da sociedade na
natureza já existisse, ainda não estava integrada à forma espacial unitária.
A espacialidade constituía-se por meio do uso da natureza como vivência, sendo o
espaço a base material para a circulação, o acesso à alimentação e aos recursos usados para
a morada. A natureza fornecia o necessário à produção e à reprodução da vida e as relações
sociais não estavam marcadas por formas de dominação que suplantassem as outras, o que
não significava a ausência de conflitos.
Essa relação do homem com o espaço é referida por Ailton Krenak, do grupo indígena
crenaque de Minas Gerais, quando ele comenta o livro Antes o mundo não existia: “Ali
onde estão os rios, as montanhas, está a formação das paisagens, com nomes, com signifi-
cado direto, ligado com a nossa vida, e com todos os relatos da antiguidade que marcam
a criação de cada um desses seres que suportam nossa passagem no mundo. Nesse lugar,
que hoje se chama de habitat, não está um sítio, não está uma cidade nem um país. É um
1
Uma referência ao livro Antes o mundo não existia: mitologia dos antigos Desana-Kêhíripõrã (1995), de
Firmiano Arantes Lana e Luiz Gomes Lana, cuja primeira edição é 1980.
lugar onde a alma de cada povo, o espírito de um povo, encontra a sua resposta, resposta
verdadeira”. (1992, p. 201)
Na fase que se seguiu, com o início da colonização, as territorialidades tiveram suas
gêneses induzidas ou surgiram espontaneamente. Elas demonstram eventos que se ergue-
ram em monumentos ou ruínas e se transformaram em espaços do poder. As vilas, os
fortes, as missões assumiram atributos de fronteira para o estranho ao território, e começa
a se esboçar a ideia sobre a região.
Em outras palavras, antes da colonização, havia múltiplas territorialidades, o que
significava diversidade de poderes, sem o predomínio de um sobre os outros. Com a co-
lonização, esta ordem foi rompida, e o lugar passou a ser paulatinamente integrado aos
circuitos da reprodução econômica mundial, primeiro ao mercantilismo, com a extração
das “drogas do sertão”, em seguida ao capitalismo, com a exploração da borracha, e de-
pois com a política desenvolvimentista de fronteira de recursos naturais, o que significou
estruturar as espacialidades como região.
A abordagem que aqui se faz sobre a gênese da Amazônia enquanto conceito e
paisagem tem como base a produção do espaço social que leva ao entendimento da região
e ao seu processo de formação que é, ao mesmo tempo, histórico e geográfico, tendo como
substrato o ambiental.
coletânea organizada por Santa-Anna Nery para a Exposição Universal de Paris, quando a
expressão apareceu em dois artigos nela contidos. No primeiro, “Esquisse de L’Histoire de
Brésil” (1889, p. 105-398), em que o Barão do Rio Branco apresentava o item denomi-
nado “Occupation de l’Amazone”, e no segundo, mais extenso, em que André Rebouças
apresentava a divisão regional do Brasil em 10 zonas agrícolas (1889, p. 215-297), sendo a
primeira “La zone Amazonienne”. Cinco anos depois, em 1894, na enciclopédia Nouvelle
Géographie Universelle, Élisée Reclus, no tomo 19, analisava o Brasil e o fazia separando-o
por regiões, ocasião em que apareceu, no primeiro plano, a palavra Amazonie (p. 117),
formada pelos Estados do Amazonas e Pará. Consolidava-se, então, a palavra Amazônia,
com a configuração de seu imaginário, e nela iniciava a impressão do arcabouço histórico
e geográfico que aos pouco se foi desenvolvendo.
2
MENDES, Armando. A invenção da Amazônia. Belém: UFPA, 1974. Coleção Amazônia - Série Tavares
Bastos; e GONDIM, Neide. A invenção da Amazônia. São Paulo: Marco Zero, 1994.
Figuras 4, 5 e 6. Sociodiversidade na Amazônia
Fonte: https://www.ecodebate.com.br/2020/03/11/o-incansavel-e-falacioso-mito-da-internacionalizacao-da-
-amazonia-por-henrique-cortez/
3
Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.
O primeiro, ligado à natureza, está relacionado especialmente à floresta, às estimativas
de desmatamento que explicitam de modo mais claro a ação da sociedade sobre o ambiente.
Esse dado é difícil de ser aferido por causa das carências técnicas e da legislação de cada país,
sem contar a fragilidade da conjuntura política decorrente das frequentes mudanças das ins-
tâncias do poder local. Apesar das dificuldades de aferição, entre 2000 e 2013, foi perdida a
cobertura vegetal correspondente a 222.249 km². Até esta última data, havia sido devastada
uma área de 13% nos nove países que integram a floresta amazônica (IMAZON, 2015).
Não menos sensíveis que a floresta são os rios que fazem parte da bacia hidrográfica,
cuja grandeza é superlativa. Sendo a maior bacia hidrográfica do mundo, inunda 110 mil
quilômetros quadrados de terras da América do Sul na estação de seca e três vezes mais na
estação de cheia, e descarrega 300 mil metros cúbicos de água por segundo no Atlântico.
O rio principal, o Amazonas, é responsável por cerca de 20% do volume total de água doce
que entra no oceano, a qual corresponde a cerca de 1/5 da descarga total de todos os rios
do mundo (NASCIMENTO, 2015).
As dimensões naturais da bacia hidrográfica possibilitam e atraem diversas atividades
humanas, que buscam, a partir das condições jurídico-políticas de cada Estado-Nação, ter
acesso à extração de recursos na mineração4 e florestais, especialmente madeira.
Há pressão sobre o uso de recursos hídricos para a instalação de grandes hidroelétricas,
a exploração das terras no entorno para a pecuária de gado de corte e a agricultura inten-
siva ligadas à agroindústria destinada à exportação. Acrescente-se a isso a concentração de
população urbana, que demanda água potável, e o impacto da poluição dos rios, visto que
“em toda a bacia há cinco municípios com mais de um milhão de habitantes e três com
4
O Brasil tem 453 garimpos ilegais na Amazônia, de acordo com a RAISG (Rede Amazônica de Informação
Socioambiental Georreferenciada). Em toda a bacia que se estende por nove países, em quase 7 milhões de km²,
são mais de 2.500 garimpos. Reportagem de Fernando Tadeu Moraes. (Jornal Folha de São Paulo, 10 dez. 2018).
Parte-se desses conceitos para tentar refletir sobre as espacialidades socialmente produzidas
na região amazônica, vistas como substrato da história dos homens.
A Amazônia Indígena
No período anterior ao que os europeus iniciaram o processo de colonização, o que
hoje é a Amazônia não era o vazio demográfico que quase sempre é considerado. Ao con-
trário, os estudos de demografia histórica, as recentes pesquisas arqueológicas e as novas
interpretações dos relatos dos primeiros cronistas demostram que havia grandes contin-
gentes humanos na região, o que permite seguir Eduardo Neves (2006), quando aponta
que é importante considerar a História Antiga da região pela riqueza dos povos que habi-
tavam especialmente as várzeas, o que possibilita estabelecer comparações com as histórias
regionais contemporâneas em outros lugares do mundo.
Neves sustenta que no século XV, quando os europeus iniciaram o processo de colonização
das Américas, a bacia amazônica já era densamente ocupada por diferentes povos indígenas há
pelo menos 11 mil anos. O autor sugere que, com os avanços nas pesquisas em arqueologia,
esse período se revelará, talvez, ainda maior. A ocupação não foi regular, tampouco cumulati-
va, com períodos de estabilidade e outros de mudanças bruscas. Já no início do século XVII,
quando começou efetivamente o processo de colonização portuguesa na foz do rio Amazonas,
há documentos que se referem a grandes aldeias com milhares de pessoas integradas à rede de
trocas comerciais e com complexas articulações políticas (NEVES, 2006).
No processo de superação da ideia de vazio demográfico, são recuperados os relatos
dos primeiros cronistas, especialmente os do frei dominicano Gaspar de Carvajal, que
participou como capelão e escrivão da primeira expedição espanhola de exploração do
rio Amazonas (1541-1542). A expedição era comandada por Francisco de Orellana, que
desceu o rio Amazonas desde o Equador até o Oceano Atlântico, quase um século antes de
os portugueses iniciarem a colonização da Amazônia. Os seus relatos nem sempre foram
reconhecidos, sendo por vezes considerados exagerados pela descrição de extensas aldeias
e de grande quantidade de índios e por levar o estigma de ter inventado “as amazonas
americanas”, que prejudicou a credibilidade de sua obra como um todo.
No relato de Carvajal, as aldeias, além de serem descritas como extensas, apresentavam
certa estrutura: “Uma aldeia muito grande e populosa com muitos bairros, cada qual com
desembarcadouro no rio (…) Havia lá uma praça muito grande e no meio da praça um
grande pranchão de dez pés quadrados pintado e esculpido em relevo figurando uma
cidade murada” (CARVAJAL, 1941, p. 49-51).
No século XVII, apesar da ação dos colonizadores, os relatos de Cristobal Acuña dão
conta que numerosos grupos indígenas habitavam a região. Seus escritos foram produzidos
quando os espanhóis desceram o rio Amazonas de Iquitos até a foz, por imposição do Vice-Rei
34 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
Fonte: https://www.xapuri.info/acre/gente-floresta-ocupacao-pre-colombiana/
Figura 11. Rastros da ocupação humana na Amazônia pré-colombiana
Fonte: https://www.xapuri.info/acre/gente-floresta-ocupacao-pre-colombiana/
A Amazônia Espanhola
No início da colonização, parte do interior oeste do que é hoje a Amazônia Brasileira
pertencia à Espanha por força do Tratado de Tordesilhas, de 1494. Além disso, há referências
(REIS, 1989; GADELHA, 2002; RIBEIRO, 2005) de que os primeiros europeus a chega-
rem à Amazônia foram os espanhóis, que estiveram na região antes das caravelas cabralinas
tocarem a costa brasileira. O primeiro foi Vicente Pizon, que, em fevereiro de 1500, apor-
tou na foz do Amazonas, denominado-o de rio Santa Maria de la Mar Dulce e, no mesmo
período, Diego de Lepe navegou na foz do Amazonas, denominando-o de rio Marañon.
O domínio geopolítico não significou colonização, e somente em meados do século
XVI os espanhóis, que haviam conquistado as terras Incas na Costa do Pacífico, buscaram
o domínio e a conquista do território para além da Cordilheira dos Andes. Para isso, orga-
nizaram expedições que navegavam no sentido oeste-leste, acompanhando a correnteza do
rio, o que era uma vantagem significativa para o meio de navegação da época. Organizaram
a primeira expedição de reconhecimento do rio Amazonas navegando desde Quito até a foz
(1541-1542) sob o comando do Capitão Francisco de Orellana, referida anteriormente.
A expedição teve impacto sobre o processo de colonização da Amazônia, em primeiro
lugar, por ter a Espanha considerado a área que corresponde ao rio Amazonas como lhe
pertencendo, ou à sua representação no Vice-Reinado do Peru, garantia contida no Tratado
de Tordesilhas. Tal consideração leva outros países europeus a criarem interesse pela exten-
sa área e a reavivarem “a crença da existência de países fabulosamente ricos perdidos nas
florestas equatoriais: o El Dorado, o Lago Paititi, a Gran Omagua, o País das Esmeraldas”
(PORRO, 1992, p. 11). Porro conclui que, do ponto de vista etnográfico, a importância
da expedição de Orellana e do relato que deixou frei Gaspar de Carvajal reside na descri-
ção dos povos indígenas antes que começassem a ser modificados seus modos de vida e
sofressem intenso extermínio decorrente do processo de colonização.
Ainda no século XVI (1560-1561), outra expedição espanhola foi organizada para
descer o rio Amazonas, mas foi marcada por vários problemas, o que resultou em muitos
percalços e pouco êxito. A expedição inicialmente foi comandada por Pedro de Ursúa, que
foi assassinado. Assumiu a chefia Fernando de Guzmán, que também malogrou, ficando
por fim o comando com Lope de Aguirre, que fez o percurso do Marañon ao Amazonas
até próximo do Atlântico, não conseguindo atingir a foz. Aguirre possivelmente se per-
deu entre os vários braços de rios e canais da foz do Amazonas, rumando em direção ao
Fonte: https://rutenorte.com/cronicas-de-viagens/amazonia/#toggle-id-4
Também foram criados fortes e, a seu redor, foi construído o aldeamento ocupado
por índios que passavam pelos processos de descimento, resgates ou guerras justas. Os
fortes começaram a ser construídos e implantados no século XVII, especialmente a partir
da criação do Estado do Maranhão e Grão-Pará, sem vínculo com o restante do Brasil e
subordinado diretamente à coroa portuguesa. No século XVI, os fortes se concentravam
Equinocial”, a qual foi tomada pelos portugueses, em 1615; e Santa Maria de Belém do
Grão-Pará ou Nossa Senhora de Belém, fundada em 1616 na baía do Guamá, nas cerca-
nias do Forte do Presépio. Às duas cidades se sucede a criação das primeiras vilas: Sousa de
Caeté, em 1634; Viçosa da Santa Cruz de Cametá, em 1637; Gurupá, em 1637; e Nossa
Senhora de Nazaré da Vigia, em 1693; além de 70 estabelecimentos, distribuídos entre
aldeamentos de índios descidos e missões religiosas (AZEVEDO, 1956; ARAÚJO, 1998).
Ao término do século XVII, as ocupações portuguesas concentravam-se na área litorânea
a leste, ao redor da foz do rio Amazonas. As primeiras tentativas de ocupação portuguesa
para o interior da região ocorreram na segunda metade do século XVII, em 1659, quando
dois missionários jesuítas entraram em contato com os índios do rio Negro, reunindo-os
numa missão localizada possivelmente na foz do rio Tarumã. A missão foi abandonada dois
anos depois e, enquanto permaneceu ativa, serviu como ponto de apoio ao descimento de
índios, “600 no primeiro ano e mais 700 um ano depois” (BARROS apud MOREIRA
NETO, 1983, p. 16), todos levados para a cidade de Belém, com significativo impacto
demográfico, visto que a cidade, à época, era um aglomerado de 2.500 pessoas.
Na primeira metade do século XVIII, o processo de criação de novas vilas pelos
portugueses continuou lento, e a ação mais expressiva foi a expulsão dos missionários je-
suítas espanhóis que tinham criado e dirigiam os aldeamentos no Oeste, no Médio e Alto
Solimões. Os portugueses dominaram as missões e se apoderaram das vilas e povoados,
entregando-os aos cuidados dos missionários carmelitas, e estes as transformaram nas vilas
de “Fonte Boa, Coari, Tefé e São Paulo de Olivença” (REIS, 2006, p. 133). Em 1743, um
cientista francês, ao passar pela região, descreveu a situação no Solimões: “Coari é o últi-
mo dos seis povoados dos missionários carmelitas portugueses, cinco dos quais formados
a partir dos destroços da antiga missão do padre Samuel Fritz e compostos de um grande
número de diversas nações, a maioria transplantada” (LA CONDAMINE, 1992, p. 73).
Na primeira metade do século XVIII, toda a área que corresponde à Amazônia já estava de
fato sob a posse e o domínio de Portugal, que continuou com a estratégia de criação dos aldea-
mentos indígenas e missionários como base para a criação, a partir de 1750, de vilas visando a
transformar o Vale do Amazonas em parte do seu extenso Império colonial (COELHO, 2008).
Figura 20. Fonte: https://www.qconcursos.com/questoes-de-concursos/questoes/fe171392-fe 43 // As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
Figura 21. Fonte: https://docplayer.com.br/76582831-Defesa-e-soberania-na-amazonia-um-estudo-sobre-
-o-sipam-sivam.html
No ano de 1750, D. José I nomeou para o Conselho do Rei a Sebastião José Carvalho
e Melo – Marquês de Pombal –, que, em seguida, no ano de 1756, passou a ser o Secretário
de Estado dos Negócios do Reino. Considerado um déspota esclarecido e ilustrado, impôs
o modo de governar característico do século XVIII: o absolutismo arbitrário ou opressor
(LUÍS, 1984), e se transformou na principal figura da corte em todo o reinado de Dom José I.
No caso específico do que é hoje a Amazônia, foram adotadas medidas que modificaram
o processo de colonização na parte do interior ocidental da região. A primeira medida foi
estruturar o território: o Estado do Maranhão, criado em 1621, e que havia sido trans-
formado em Estado do Maranhão e Grão-Pará (1654), foi transformado em Estado do
Grão-Pará e Maranhão (1751), com sede em Belém, sendo nomeado como seu primeiro
governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado, que iniciou a política de efetiva “ocu-
pação” da Amazônia Portuguesa. Pode-se afirmar que “o ministro e seu irmão pretendiam
‘restaurar’ a abandonada selva amazônica e tirar do obscurantismo os seus habitantes”
(ARAÚJO, 1998, p. 107), inserindo definitivamente a região no modelo mercantilista de
exploração dos recursos naturais e de criação de mercado para produtos manufaturados.
Fonte:http://www.terrabrasileira.com.br/indigena/contatos/140mission.html
44 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
Entre 1755 e 1760, em toda a região, desde a foz até a fixação do limite com a Espanha, a
oeste, na foz do rio Javari, quarenta e seis aldeias e missões foram elevadas à categoria de vila,
e vinte e três lugares foram criados (CORRÊA, 2006; ARAÚJO, 1998; OLIVEIRA, 1988).
Com o retorno de Mendonça Furtado a Portugal em 1758, assumiu o governo do Estado
do Grão-Pará e Maranhão o Senhor Manuel Bernardo de Melo e Castro, enquanto Joaquim
de Melo e Póvoas continuou como governador da Capitania de São José do Rio Negro, o
qual fundou mais oito vilas. Seguiram-se outros governos, mas sem o mesmo ímpeto de
criação de vilas. Em 1777, a Capitania de São José do Rio Negro contava com dezessete vilas
e vinte e três povoações, com uma população não indígena da ordem de 1.476 habitantes.
No final do século XVIII, estava consolidada, do ponto de vista do território, a
Amazônia Portuguesa. Os povoados e vilas localizavam-se de modo disperso no sentido li-
near, estendendo-se da foz do rio Amazonas a leste, penetrando em direção a oeste cerca de
três mil quilômetros até a vila de São Francisco Xavier de Tabatinga, no Alto Solimões, na
fronteira com áreas então sob o domínio da Espanha. A direção leste-oeste do povoamento
acompanhava a calha do rio Amazonas/Solimões e contrastava com a pouca densidade da
ocupação portuguesa no sentido norte/sul, mas possuindo alguma importância ao norte,
no Vale do rio Negro, as vilas e povoados, que se estendiam ao rio Branco; no entanto, ao
sul, havia pouca expressividade, limitando-se a importância à vila de Borba e ao povoado
São Francisco de Crato, no vale do rio Madeira.
A Amazônia Portuguesa consolidou a rede de cidades inicialmente dispersas às margens
dos grandes rios que, de certo modo, compõem o que se denomina de cidades ribeirinhas.
O processo de criação destas cidades não se deu ao acaso, mas refletiu o urbanismo ado-
tado em Portugal, com as adaptações inerentes às especificidades do lugar. O movimento
que culminou na unificação do território nacional por conta da Independência reestrutu-
rou a última fase da periodização espacial da Amazônia, que iniciou, nas primeiras décadas
do século XIX, a Amazônia Brasileira.
Amazônia Brasileira
A partir de 1822, acentua-se o que viria a ser chamado de a Amazônia dos tempos lentos,
da história do atraso que vai conformar a região como periferia. Contraditoriamente, a re-
gião amazônica foi inserida nos movimentos de tempos rápidos quando foram criadas as
condições para o processo de unificação do território nacional. Tais condições davam-se no
espaço pela introdução do navio a vapor (1853) e por causa da abertura do rio Amazonas
à navegação internacional (1866), fatores que demarcaram o período, determinaram o
espaço político da Amazônia Brasileira e possibilitaram o primeiro surto econômico da
Amazônia, a exploração da borracha natural.
A extração do látex possibilitou a exploração extensiva dos seringais, que resultou no
boom econômico, dando nova face à região ao ser inserida no circuito da circulação e re-
produção do capital como fornecedora de matéria-prima importante no desenvolvimento
dos pneumáticos, fundamentais à indústria automobilística nascente. Como consequên-
cia, avançou o processo de exploração de uma riqueza natural, tendo sido incorporadas
novas áreas ao processo produtivo dos seringais e, à medida que avançava na direção dos
altos rios, o processo de exploração do látex “ia ocupando” espaços que antes estavam sob
o domínio das populações indígenas, os quais foram incorporados ao território nacional.
A produção da borracha e o crescimento de sua demanda externa, ocorridos nas últimas
décadas do século XIX e nas primeiras do século XX, de um lado, representaram grande
crescimento econômico, de outro, acentuaram as características da sociedade local, que, do
ponto de vista econômico, se contentava com a atividade baseada exclusivamente na extra-
ção de produtos naturais e na sua exportação. Nas relações de trabalho, predominava a “lei
da selva”, pois a jornada de trabalho do seringueiro começava na madrugada e encerrava ao
anoitecer, estendendo-se por cerca de 15 horas diárias (BRASIL – Banco da Amazônia, 1967).
O presente texto constitui uma narrativa de uma parcela do bioma Caatinga. É produto
de um trabalho de campo, realizado de forma interdisciplinar, com o objetivo de explici-
tar, de forma integrada, as diferentes paisagens que caracterizam o transecto em análise.
Metodologicamente, o ponto de partida é a observação da paisagem e a subsequente descri-
ção dos elementos selecionados para sua análise, tomando como referência a observação em
campo, em confronto com as pesquisas já elaboradas, na área, no que se refere à geologia, à
geomorfologia, à biogeografia, à hidrogeografia, à botânica, à pedologia e à geografia.
A pergunta que foi estrutura, para a finalidade desta pesquisa, é: quais os condicio-
namentos físicos/naturais, que, associados, explicam a presença, na Chapada do Araripe,
de uma vertente seca, no estado de Pernambuco (PE), em contraposição a uma vertente
úmida, no estado do Ceará (CE), configurando-se, neste último estado, uma paisagem
singular, no semiárido brasileiro e no bioma Caatinga, reconhecida como Brejo de Altitude,
localizada na região denominada Cariris Novos. Mais especificamente, o objetivo desta in-
vestigação foi o de estabelecer conexões entre diferentes constituintes naturais e explicitar
a origem das diferentes paisagens que conformam a área de estudo.
Justifica-se, este artigo, como divulgação de um processo de construção interdisciplinar,
objetivando a constituição de uma análise, a partir do conceito geográfico de paisagem. Para
tanto, o texto está associado à imagens (fotografias), seja de conjunto, seja em detalhe, de
modo a tornar esta narrativa mais didática, uma vez que esta poderá ser utilizada, em níveis
de ensino e em setores das comunidades, para além da academia.
Procedimentos metodológicos
Atividade de campo
Para Marques et al. (2014, p. 18), em pesquisa sobre Brejos de Altitude, estas áreas
correspondem a:
Refúgios Florestais Úmidos ou Brejos Altitude (relevo), Exposição (massas
de ar) e Posição (sopé de serra), ou simplesmente Brejos do semiárido brasileiro
fazem parte da diversidade biológica do semiárido, e são encontrados nos estados do
Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, cobrindo uma área original de
aproximadamente 18.500km2 (Figura 02). A existência destas ilhas de floresta na
zona oriental do Nordeste está associada à ocorrência do Planalto da Borborema –
Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte.
Para além desse tempo pretérito, essas áreas, ainda hoje, são fundamentais, na dinâ-
mica econômica de parte do sertão nordestino, caracterizando-se como zonas de exceção,
por permitirem o desenvolvimento agrícola em grande parte do ano, ao passo que, no
semiárido do seu entorno, à exceção das zonas irrigadas artificialmente, isso só é possível,
durante a curta estação chuvosa.
56 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
A Chapada do Araripe está inserida na Bacia Sedimentar do Araripe, que faz parte
do conjunto de bacias sedimentares interiores do Nordeste do Brasil (Figura 3). Essas
bacias têm sua origem associada à reativação de riftes, desenvolvidos ao longo de zonas de
falhas, no embasamento pré-cambriano, devido aos processos tectônicos cretáceos, ligados
à abertura do Oceano Atlântico. Desta forma, pequenos grabens foram formados, a partir
dos riftes interiores, dando origem a lagos tectônicos, que acabaram capturando a rede de
drenagem (CARVALHO, 2018).
Figura 3. Bacias sedimentares, no interior do Nordeste do Brasil, com destaque
para a bacia do Araripe
Unidades de Paisagens
A análise dos resultados foi construída em dois momentos. No primeiro, é feita uma
caracterização de cada setor analisado, estabelecendo uma correlação entre geologia, geo-
morfologia, solos, cobertura vegetal (biogeografia e botânica) e condições climáticas e
setor de uso de maior evidência, em termos de mudança, na cobertura vegetal. Com base
no detalhamento de campo, há uma ampliação da compartimentação da paisagem, no
transecto analisado. Aos quatro compartimentos, previamente propostos, foi acrescido um
quinto compartimento, que revela um uso intensivo da terra, transformando a cobertura
vegetal, de Cerradão, em vegetação herbácea e em campos de correntes, pelo uso intensivo
deste setor, como será detalhado, em seguida (ver, também, Quadro 1, anexo).
Figura 11. Espécies de ambientes mais úmidos da Mata úmida: Miconia sp.
(Melastomataceae), Licania sp. (Chrysobalanaceae)
e Psycotria bracteocardia (Rubiaceae)
UNIDADES DE PAISAGEM
Compartimento Topo central
Vertente Seca Topo semiúmido Topo úmido Vertente úmida
delimitador antropizado
Vegetação Mata seca Cerrado Herbácea Mata úmida Mata úmida
Do topo para Do topo para
baixo: Arenito baixo: Arenito
grosso (Formação grosso (Formação
Exú), Arenito Exú), Arenito
fino (Formação fino (Formação
Geologia Araripina) Arenito grosso (Formação Exú) Araripina)
e Calcário e Calcário
laminado, marga, laminado,
folhelho e gipsita marga, folhelho e
(Formação gipsita (Formação
Santana) Santana)
Escarpas Escarpas
íngremes, íngremes,
Topo dissecado
com intensa Topo plano, Topo plano, com intensa
por drenagem
morfogênese. com relativa com relativa morfogênese.
Geomorfologia controlada por
O recuo da estabilidade estabilidade O recuo da
lineamentos
escarpa produz morfogenética morfogenética escarpa produz
estruturais
alguns patamares alguns patamares
escalonados escalonados
Há 43 de Há 297 de
fontes de água fontes de água
subterrânea subterrânea
cadastradas. O cadastradas. O
Aquífero exfiltra, Aquífero exfiltra,
Hidrogeologia predominan- Sem influência de água subterrânea predominan-
74 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
temente, no temente, no
nível do contato nível do contato
das formações das formações
Araripina e Araripina e
Santana Santana
Pluviosidade 700 mm/ano 800 mm/ano 900 mm/ano 1000 mm/ano
Neossolos
Latossolos
quartzarênicos, Latossolos com
Amarelos com
Latossolos Neossolos Latossolos associação de
Solos associação
Amarelos e Quartzarênicos Amarelos Cambissolos
de Neossolos
Cambissolos Háplicos
Quartzarênicos
Háplicos
Atividade Atividade Atividade
Unidade de Conservação Federal -
Uso agropecuária agropecuária agropecuária
Floresta Nacional
limitada moderada intensa
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Introdução
Metodologia
Área de Estudo
A RSB apresenta uma área territorial de 576 774,31 km², comparada em tamanho
menor que o país da França. Situada abaixo do Trópico de Capricórnio sofre a influência
dos sistemas de circulação de oeste, brisas marítimas e sistemas frontais. Essa região é com-
posta por três estados, o Paraná (PR), Santa Catarina (SC) e o Rio Grande do Sul (RS)
(Figura 1).
A RSB fica localizada no sudeste da América do Sul com limites ao sul pelo Uruguai,
ao oeste pela Argentina e Paraguai, ao norte pelo estado do Mato Grosso do Sul e São
Paulo e a leste pelo Oceano Atlântico, apresentando um litoral com extensão de 1350 km.
Estados da RSB: Paraná (PR), Santa Mapa Hipsométrico da RSB e seus planaltos,
Catarina (SC) e Rio Grande do Sul (RS) serras e planícies.
Segundo Aparecido et al., (2016) a RSB pode ser caracterizada pelo método de Koppen
(1900). Os climas predominantes são Cfa (temperado úmido com verão quente), C1rA’a’
tório gera conflitos pelo uso da água em determinados usos. Mesmo o Brasil liderando a
disponibilidade de água doce no mundo, existe graves problemas em relação aos diferentes
usos e a disponibilidade da qualidade das águas.
Neste caso, a Figura 2 apresenta as doze regiões hidrográficas (conjunto de uma ou
mais bacias hidrográficas) utilizadas no Brasil para a finalidade de análise dos seus recur-
sos hídricos. É necessário ainda que o Brasil aprimore sua base territorial de unidades de
planejamento e gestão de recursos hídricos (Braga et al., 2008).
A RSB apresenta terras em três bacias hidrográficas do Brasil, as bacias do Uruguai, do
Atlântico Sul e parte da bacia do Paraná. Em algumas bacias hidrográficas podem ocorrer
eventos de cheias e também eventos de estiagens podem ocorrer em algumas bacias hidro-
gráficas. Como o sul do Brasil é uma região que depende da agricultura e contribuiu para a
produção nacional é importante realizar um estudo que aponte as principais características
climáticas dessa área (ANA, 2015; Figueiredo, 2016).
Figura 2. Localização das Bacias Hidrográficas do Brasil, seus estados e área
de estudo.
A Região Hidrográfica do Atlântico Sul (RHAS) se inicia ao norte, próximo à divisa dos
estados de São Paulo e PR, e se estende até o Arroio Chuí, ao sul. A RHAS abrange os três es-
tados que compõem a área de estudo desse trabalho e apresenta uma precipitação média anual
de 1644 mm próxima da média nacional de 1761 mm. A Mata Atlântica predomina sobre
essa região da qual apresenta um grande contingente populacional e importância turística.
Dividida em três unidades hidrográficas: Guaíba (RS), Litorânea (RS) e Litorânea (SC –
PR), a RHAS é caracterizada pelos rios Itajaí e Capivari (SC) que apresentam um grande vo-
lume de água. No RS, os rios como o Taquari-Antas, Jacuí, Vacacaí e Camaquã apresentam-se
ligados aos sistemas lagunares da Lagoa Mirim e Lagoa dos Patos (ANA, 2015).
A Região Hidrográfica do Uruguai, a bacia hidrográfica seguinte da RSB, tem grande
importância para o país em função das atividades agroindustriais desenvolvidas e pelo seu
potencial hidrelétrico (Figueiredo, 2016). Dividida pelos estados do RS e de SC, apresenta
pluviosidade média anual de 1623 mm, com concentração mais elevada no período de
maio a setembro (ANA, 2015).
Finalmente, a Região Hidrográfica do Paraná (RHP) apresenta o maior desenvolvimen-
to econômico do país. Abrange os estados de SP, PR, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais,
Goiás, SC e Distrito Federal. Essa região apresenta um grande desenvolvimento econômico,
devido aos recursos hídricos gerados e a maior usina hidrelétrica do país (Figueiredo, 2016).
A precipitação média anual é a menor das três regiões hidrográficas da RSB, 1543 mm.
A RHP se caracteriza pela presença de cultivos e pastagens, alta concentração populacional
e bacias hidrográficas em situações críticas, como o rio Tietê (São Paulo) (ANA, 2015).
Dados Climatológicos
As variáveis como precipitação e temperatura são de suma importância e relevância em
diversas escalas. Uma análise da vulnerabilidade dos totais médios anuais dessas variáveis
meteorológicas é necessária considerando um período climático amplo.
O período de estudo dá-se entre os anos de 1981 a 2010. Dados de 33 estações meteo-
rológicas que registram precipitação e temperatura do Instituto Nacional de Meteorologia
(INMET) foram coletados e plotados no software Qgis 2.16 (Figura 3). Assim, será
possível realizar uma análise das características climáticas da RSB.
Esse período corresponde as normais climatológicas do Brasil. As normais climatoló-
gicas são um conjunto de valores para diversas variáveis meteorológicas que representam a
média para estas variáveis para um período de 30 anos. As normais climatológicas de um
lugar consideram medições meteorológicas feitas sempre em um mesmo local. As médias
82 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
Os totais médios anuais de precipitação, para o período de estudo 1981-2010, são visua-
lizados na Figura 4. Elevados índices pluviométricos superiores a 2000 mm é observado no
leste, sudeste do PR, centro-oeste de SC e noroeste do RS. Destaca-se a cidade de Paranaguá
(PR) na região leste com a maior pluviometria média anual da RSB de 2284,3 mm para
o período de estudo em questão. Nesta área encontram-se três serras, a Serra Litorânea, a
Serra Geral e a Serra do Mar, onde se constatou os maiores índices pluviométricos (Back et
al., 2012; De Mello e Oliveira, 2019; Monteiro, 2001). Sugere-se que a influência do fluxo
de umidade e o posicionamento da ASAS são condições favoráveis a precipitação.
Os menores totais médios pluviométricos, com valores que oscilam entre 1200 a 1500
mm são visualizados no leste, sudeste e sudoeste do RS. A cidade de Santa Vitória do
Palmar (RS) apresentou o menor índice pluviométrico de 1267,9 mm da RSB. Estudos
climatológicos realizados na região denotam que os índices elevados de pluviometria estão
associados aos distúrbios de circulação atmosféricos tais como: os bloqueios que ocorrem
em maior quantidade no Oceano Pacífico, no período de inverno e no Oceano Atlântico,
no verão. Além, de mecanismos de massas de ar, relevo da região, episódios de Zona de
Convergência do Atântico Sul (ZCAS), Baixa do Chaco e ciclogênese (Escobar et al.,
2016; Khan e Kim, 1998; Sacco, 2010).
Entre as capitais dos três estados, a cidade de Curitiba é a capital mais fria do Brasil.
Segundo Leal (2012), Curitiba pode ser considerada uma cidade úmida e fria, com grande
amplitude térmica diária e anual e tempo frequentemente instável. Isso ocorre porque no
estado do PR, as temperaturas mínimas apresentam-se bem baixas em relação à média.
Também se deve considerar a atuação de Complexo Convectivo de Mesoescala (CCM) e
da ZCAS que agem no estado.
Segundo Mendonça (2006) tendências de intensificação do aquecimento e da plu-
viosidade é mais evidente no estado do PR e menores nos estados de SC e RS. Em geral,
verifica-se uma tendência à elevação das temperaturas na RSB nas figuras 5 e 6. Nota-se
que as temperaturas mínimas apresentam-se mais elevadas acompanhadas de uma elevação
dos totais pluviométricos médios anuais.
Conclusão
Agradecimentos
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LEAL, L. A influência da vegetação no clima urbano da cidade de Curitiba – PR. Tese (Doutorado)
Manuela Delrio
DISSUF – Università degli Studi di Sassari
Giampietro Mazza
DUMAS - Università degli Studi di Sassari
A consciência territorial
1
O trabalho é atribuído aos tópicos 3 e 4 a Manuela Delrio e 1, 2 e 5 a Giampietro Mazza
2
Tradução dos autores: “a criação acessível, democrática e extremamente rápida de informações geográficas”
3
Tradução dos autores: “construção da consciência territorial”
Usuários que conscientemente criam informações são aqueles que Goodchild (2007) acre-
dita terem experiência e treino profissional e cultural; por outro lado, as informações dei-
xadas inconscientemente na web são definidas por Capineri e Rondinone (2011) como
precisão involuntária. Por fim, em ambos os casos, constituem um grande banco de dados
geográficos, indispensável ao conhecimento territorial. A articulação das informações
acima mencionadas também desempenha um papel essencial nos processos de governance
territorial, pois engloba habilidades e conhecimentos, materiais e imateriais, que dão ori-
gem a uma imagem compartilhada do território. Em essência, o que surge é o reconheci-
mento da capitalização da paisagem (Harvey em Waterton 2015) por quem a vive, com
um consequente aprimoramento, através do digital, das paisagens.
A perceção da paisagem
4
Artigo 1 - Capítulo 1 - Disposições gerais da Convenção Europeia da Paisagem. http://www.convenzio-
neeuropeapaesaggio.beniculturali.it/uploads/2010_10_12_11_22_02.pdf
5
Artigo 2 - Capítulo 1 - Disposições gerais da Convenção Europeia da Paisagem. http://www.convenzio-
neeuropeapaesaggio.beniculturali.it/uploads/2010_10_12_11_22_02.pdf
elementos naturais e culturais que a definem. É nessa interconexão, puramente dinâmica,
que se manifesta o que Turri define “l’oggettivazione dell’uomo” 6 (Turri 2008, pag. 60).
O trabalho proposto pela Convenção permite-nos perceber como, em última análise,
a paisagem é reconhecida como um bem comum (Settis 2013). Através da paisagem e da
estreita relação histórica que as populações mantêm, é possível detetar a identidade do
lugar, definida como “quella parte dell’identità personale che deriva dall’abitare in specifici
luoghi” 7 (Banini 2013, pag. 11). A paisagem torna-se assim uma ferramenta indispensável
em termos de desenvolvimento territorial, assumindo o papel de elemento estratégico para
as populações locais. De fato, a paisagem “in quanto elemento della memoria rappresenta un
grande patrimonio culturale perché i suoi segni specifici permettono alle società di identificarsi
in una cultura e conducono a una identità collettiva” 8 (Scanu 2009, pagg. 21-22).
A Itália é o primeiro país do mundo, juntamente com a China, a exibir nos seus ter-
ritórios a presença de 55 locais, cada um reconhecido como património mundial. Para
ser definida como tal, a UNESCO estabelece na sua Convenção características essenciais,
divididas em duas categorias e dois artigos, referidos no Artigo 1, que reconhece o pa-
trimónio cultural e a paisagem cultural como:
“monumenti: opere architettoniche, opere di scultura e pittura monumentali, ele-
menti o strutture di natura archeologica, iscrizioni, abitazioni rupestri e combinazioni
Cooperação e Desenvolvimento
di caratteristiche, che hanno un valore universale eccezionale dal punto di vista della
storia, dell’arte o della scienza;
gruppi di edifici: gruppi di edifici separati o collegati che, per la loro architettura, la
loro omogeneità o il loro posto nel paesaggio, hanno un valore universale eccezionale dal
punto di vista della storia, dell’arte o della scienza;
siti: opere dell’uomo o opere combinate di natura e uomo, e aree tra cui siti archeologici di
91 // As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa:
eccezionale valore universale dal punto di vista storico, estetico, etnologico o antropologico.”9
6
Tradução dos autores: “a objetificação do homem”
7
Tradução dos autores: “a parte da identidade pessoal que deriva de viver em lugares específicos”.
8
Tradução dos autores: “como elemento de memória, representa uma grande herança cultural, porque os seus sinais
específicos permitem que as sociedades se identifiquem a uma cultura e conduzam a uma identidade coletiva”
9
Convenção sobre a Proteção do Património Cultural Natural Mundial - Art. 1- https://whc.unesco.org/en/
conventiontext
“caratteristiche naturali costituite da formazioni fisiche e biologiche o gruppi di tali
formazioni, che hanno un valore universale eccezionale dal punto di vista estetico o scientifico;
formazioni geologiche e fisiografiche e aree delineate con precisione che costituiscono
l’habitat di specie animali e piante minacciate di eccezionale valore universale dal punto
di vista della scienza o della conservazione;
siti naturali o aree naturali delineate con precisione di eccezionale valore universale
dal punto di vista della scienza, della conservazione o della bellezza naturale.”10
desde 2013 também a “Faradda di li candareri” procissão das grandes velas de madeira
que na véspera de Ferragosto atravessa o centro da cidade de Sassari, foi reconhecida,
juntamente com outras três cidades italianas, na “Rete delle grandi macchine a spalla”11.
10
Convenção relativa à proteção do património cultural natural do mundo - Art. 2 - https://whc.unesco.org/
en/conventiontext”
11
Festa das grandes máquinas de ombro http://www.unesco.it/it/PatrimonioImmateriale/Detail/383
in perfetta armonia con l’ambiente e la tecnica esemplifica una relazione armoniosa fra l’uo-
mo e la natura” 12 (Tradução dos autores: “estruturas a secco são sempre feitas em perfeita
harmonia com o meio ambiente e a técnica exemplifica uma relação harmoniosa entre
homem e natureza”). Além das características da paisagem, é mencionada, entre outras
coisas, a adaptação aos diversos contextos territoriais, a partir da utilidade na organização
de espaços de criação e agricultura.
Nesse sentido, o caso das Canárias é emblemático, em particular a ilha vulcânica
Lanzarote (Battino 2016) que, apesar da exposição a ventos fortes, com a ajuda de paredes
secas “à prova de vento” de forma linear, circular ou semicircular, podem ser obtidos exce-
lentes resultados em viticultura; o papel importante na prevenção de deslizamentos de terra
e erosão, como no caso dos 42 mil hectares de terraços de Cinque Terre na Ligúria (Bonardi
em Varotto 2016), possibilitado graças à sabedoria de gerações de agricultores que lutam
contra a instabilidade hidrogeológica das colinas íngremes. Na Sardenha, o uso de paredes
de pedra seca (Fig. 1) limita-se à função de delimitar terras para uso agrícola e pastoral e já
regulamentado em 1820 pelo decreto de Closende do rei da Sardenha Vittorio Emanuele I.
Cooperação e Desenvolvimento
93 // As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa:
12
http://www.unesco.it/it/News/Detail/600
Com esta disposição, foi introduzida a propriedade privada que dizia respeito tanto ao
cidadão individual quanto aos municípios, que estavam autorizados a cercar as suas
terras, tornando “livre qualquer cultivo, inclusive o do tabaco”13, com a tentativa de
reduzir o pastoreio semi-selvagem característico da ilha, a favor da agricultura e, portan-
to, de maior crescimento económico, as muralhas são parte integrante da paisagem da
Sardenha, na qual a ação do homem (muralhas) está em perfeita harmonia com o
território, como prevê a Convenção Europeia da Paisagem.
Parece razoável dizer que a paisagem da Sardenha é caracterizada pelo uso de pedra
desde o segundo milénio a.C. devido à presença conspícua de monumentos megalíticos,
os Nuraghi, presentes em toda a ilha.
O Nuraghe de Barumini (Fig. 2) foi reconhecido como Património Mundial pela
UNESCO em 1997. Mas, sem dúvida, os 7000 nuraghes espalhados pela ilha fazem parte
de uma paisagem patrimonial e cultural que identifica e caracteriza o território regional na
sua totalidade. De fato, esses monumentos são únicos na sua obra arquitetónica. Estes são
edifícios fortificados típicos da antiga civilização da Sardenha ou Nurágica, que remontam
à Idade do Bronze Média (por volta de 1700 a.C.), contemporânea com a Civilização
Micênica, o Antigo Reino dos Assírios, o Novo Reino Egípcio (Contu 1974, Lilliu 1962).
13
Édito Real relativo as chiudende, acima das terras comuns e da Corona, e acima das tabacarias,
no Reino da Sardenha. http://www.archiviostatocagliari.it:443/patrimonioarchivio/immagine.
html?open=F4422770506_SS&t=UD&pg=1&idp=2824&typ=s&doc=aga_1020_i002_c3.jpg
Mais problemática é a cronologia relativa ao fim da civilização nurágica e ao abandono
total dos nuraghi, em muitos casos nunca ocorreu, uma vez que foram utilizados, entre ou-
tras coisas, como abrigo para gado de pasto até recentemente. Os estudos realizados até o
momento não são suficientes para dar respostas inequívocas. O problema é principalmente
devido ao número muito alto de monumentos, dos quais apenas uma parte muito pequena
foi investigada e aos tempos e métodos usados ao longo dos anos por vários estudiosos.
Para Lilliu (1955, 1962, 1982, 1988) em 238 aC, data em que Roma conquistou
a Sardenha, a Civilização Nurágica terminou; enquanto, de acordo com Contu (1974,
1990) e Lo Schiavo (1981, 1997), o fim da era nurágica remonta ao início da Idade do
Ferro, com a chegada à ilha do Púnico, datada do século VIII-VI aC..
A civilização nurágica não desapareceu completamente, mas foi transformada graças
ao contato com outras populações. De fato, Ugas (1998, 1999) vê, na Idade do Ferro, no
século II dC, a fim de toda a civilização nurágica, assim como a civilização em questão
passou por mudanças, foi o mesmo para os nuraghe interpretados como monumento que
representa esse longo período cronológico, que dura mais de um milénio.
Na sua fase inicial, que remonta à Idade do Bronze Média (1650-1550 aC), o primeiro
corredor nuraghi, ou protonuraghi, surgiu na Sardenha (Contu 1974, Lilliu 1982, Tanda
1998, Ugas 1992). Estes foram construídos em áreas estratégicas para controlar o territó-
rio e sua função civil é testemunhada pela atenção prestada à orientação para o S-SE, ao sol
e protegida do vento principal da ilha, o Mistral, que sopra do NO e também à conexão
com as zonas de produtividade e em contato visual entre si. Nesse período, nem todos os
nuraghi foram construídos perto das aldeias e a organização territorial da época ainda não
Cooperação e Desenvolvimento
é conhecida por entender o motivo do papel estratégico e defensivo. Os estudiosos Lilliu e
Contu assumiram que a ilha estava dividida em “distritos”, com as residências dos “chefes”
nos principais nuraghi e a comunicação entre as outras estruturas menores numa posição
estratégica que também poderia ser encontrada em áreas e locais mais isolados.
Na Idade do Ferro (por volta de 900-850), o nuraghe tornou-se parte integrante da vila,
com o nascimento de uma organização de urbanismo numa realidade comunitária testemu-
95 // As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa:
nhada por enterros coletivos, como os túmulos dos gigantes. O papel dos nuraghi mudou
de político para sagrado, tornando-se locais de culto, mas também celeiros e depósitos de
excedentes de alimentos e acumulação de metais (primeiro bronze e depois cobre).
Das escavações arqueológicas realizadas no “su Nuraxi” de Barumini (Lilliu 1955) a
partir da década de 1940 pelo grande arqueólogo Lilliu, parece que esse nuraghe, cons-
truído com pedra local, basalto, é de um tipo complexo que remonta ao século XIV aC
e cercado por uma extensa vila de cabanas com 109 quartos que se desenvolveram em
diferentes fases nos séculos seguintes.
No entanto, ao longo dos séculos, as estruturas nurágicas desempenharam papéis di-
versificados, entrando em contacto próximo com processos de territorialização e cons-
tituindo um elemento tangível, não apenas da paisagem da Sardenha, mas também do
processo de construção da identidade local.
Considerações finais
O valor agregado criado pela atividade integrada (global do trabalho dos diversos atores
territoriais) da rede de turismo deve ser transmitido ao mercado sem fronteiras da web, por
meio de canais diretamente disponibilizados pela rede, destacando como o produto é altamen-
te competitivo e moderno no mercado em termos de qualidade e inovação. Isso ocorre através
do desenvolvimento de estratégias digitais que criam contacto entre os clientes e amplificam
as emoções positivas dos turistas, para que possam ser informados posteriormente.
O objetivo central do Ano Europeu do Património Cultural é implementar o papel
ativo da força motriz do desenvolvimento económico e social do património, por meio
de importantes iniciativas nacionais e transacionais conduzidas e financiadas pela União
Europeia. Uma pesquisa realizada pelo Eurobarometer (2017) destaca a importância do
património cultural para os cidadãos europeus. Em essência, 70% dos questionados acre-
ditam que isso é capaz de melhorar a qualidade de vida, enquanto 80% consideram não
apenas relevante a nível pessoal, mas também intervêm na identidade da comunidade,
14
Com a participação de 28 estados europeus, começou oficialmente em 31 de janeiro de 2018. https://
ec.europa.eu/italy/news/20171207_anno_europeo_patrimonio_culturale_it
regional e nacional. Em essência, ¾ dos cidadãos acreditam que é essencial alocar mais
recursos para a implementação da proteção do património cultural europeu15.
No geral, na UE, 7,8 milhões de pessoas realizam trabalhos que podem, mesmo que
indiretamente, estar ligados ao turismo, enquanto mais de 300.000 trabalhadores em-
pregados ativamente no setor do património cultural, testemunham o importante papel
desempenhado disso na cena europeia.
O turismo cultural na Sardenha repousa suas fundações no sítio arqueológico de Nuraxi
di Barumini. É um sítio cujo peso regional do turista é extremamente relevante e cresce
continuamente, com mais de 86.000 admissões registadas (dados da Fundação Barumini16)
no período de janeiro a setembro de 2019, com mais de 7000 visitantes a mais que em
201817. O aumento (10%) também caracterizou o Centro Museu Casa Zapata e o Centro
Cultural Giovanni Lilliu, resultado de uma melhor oferta de turismo cultural integrado.
Esse sucesso foi garantido pelo trabalho realizado pela “Fundazione Barumini Sistema
Cultura”, fundada em 2006, com o objetivo de garantir maior proteção e valorização do
património cultural local. Com o tempo, a fundação reformulou a gestão do site a ponto
de se tornar um modelo importante para a gestão do património cultural, certamente a
empresa regional mais autorizada que opera no turismo cultural na Sardenha.
Ao contrário do que aconteceu em outras regiões italianas, a Região Autónoma da
Sardenha não possui uma aplicação oficial para dispositivos móveis, o que pode ajudar os
turistas a deslocarem-se dentro do panorama regional do património cultural. O mesmo se
aplica à Fundação Barumini, que se beneficia de uma página da web, de importantes críticas
positivas encontradas no portal do Trip Advisor (Fig. 3)18 e está presente em todas as redes
Cooperação e Desenvolvimento
social por meio de aplicações ativas e atualizadas no Facebook, Instagram, YouTube e Twitter,
mas não possui uma aplicação que possa fazer interface para obter informações adicionais.
A inovação tecnológica poderia promover uma maior consciencialização territorial,
se fosse reconhecido o valor agregado que poderia representar tanto para o património
cultural quanto para todo o sistema territorial. 97 // As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa:
15
https://ec.europa.eu/italy/news/20171207_anno_europeo_patrimonio_culturale_it
16
http://www.fondazionebarumini.it/it
17
Parece relevante destacar como o complexo foi visitado para o ano de 2018 de 89.500 turistas.
18
Na página do Trip Advisor do site nurágico de Su Nuraxi, verifica-se que 72% das avaliações são excelentes,
23% em média e os respetivos 2% das avaliações são considerados ruins.
Figura 3. Captura de imagem da página do conselheiro de viagem
do site Nuragico de Su Nuraxi.
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99 // As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa:
Introdução
Entendemos que a paisagem pode ser definida como o espaço geográfico que podemos
ver desde um certo ponto, como diria Lacoste (2003). Mas, também como uma mirada, uma
maneira de ver e interpretar um produto social, que resultou de uma transformação coletiva da
natureza e projetou-se culturalmente em uma sociedade num determinado tempo e espaço.
A paisagem aqui denotada, apresenta-se em um conjunto de formas que, num dado
momento, exprime as heranças pretéritas deixadas no lugar, onde representam as sucessivas
relações entre o homem e a natureza. Esta reúne ainda, objetos do passado e do presente,
num sentido transtemporal, como “uma construção transversal” (SANTOS, 2006, p. 103).
Ela também pode ser analisada como uma unidade visível, que possui uma identidade
visual, caracterizando-se por fatores de ordem social, cultural e natural, contendo espaços
e tempos distintos, do passado e do presente. A paisagem pode conter o velho no novo
e o novo no velho, simultaneamente. Dessa forma, ela não só pode nos mostrar como é
o mundo, mas também como uma construção, uma composição, uma forma de vê-lo,
conforme análise de Nogué (2007).
Neste sentido, os lugares contêm paisagens que expressam lugares. Neles, o seu
sentido conflui para experiência cotidiana, e também, como esta se abre para o mundo
(RELPH, 2013). As referências pessoais e o sistema de valores direcionam as diferentes
formas de perceber e constituir a paisagem no espaço geográfico.
Nas cidades contemporâneas, por exemplo, o papel dos lugares, em um contexto
de metropolização, fragmentação e homogeneização, conforma-se à hierarquização por
lógicas econômicas e políticas, em geral de caráter extralocal. Temos a percepção que a
metrópole parece negar certos lugares, sobrepondo valores e conteúdos hegemônicos às
experiências enraizadas na vida cotidiana de cada lugar. No entanto, torna-se necessário
o regate da memória espacial, para entendermos a transformação dos espaços urbanos da
cidade e percebermos a identidade que qualifica certos lugares.
Nessa perspectiva, é através da memória que o passado pode ser explorado e
compreendido. Ela é antes, o meio, onde se dá a vivência, assim como o solo é o meio no
qual as antigas cidades estão soterradas (BENJAMIN,1994). Na memória, o espaço, mais
que o tempo, fornece os marcadores significativos e as qualidades ideais são situadas sim-
bolicamente (SCHAMA, 1997). A reinterpretação do passado passa, muitas vezes, pelas
lentes do tempo presente, pois, recriando-o, mesmo que inconscientemente, buscamos,
quando necessário, reproduzir um significado aceitável para o presente.
Compreendida pelos bairros Gamboa, Saúde, Santo Cristo, Cidade Nova, Estácio,
Catumbi, Lapa, Praça Mauá e um pedaço de São Cristóvão, na cidade do Rio de Janeiro, a
Pequena África Carioca, abrigou africanos vindos do Congo e Angola, que aqui chegaram
para ser escravizados. Após a abolição da escravatura tornou-se o lugar preferencial para o
destino dos ex-escravos, especialmente baianos, que buscavam trabalho na capital do Brasil3.
Os lugares aqui representados destacam contextos e atores que convergem e divergem,
para características singulares cujas gradações tentaremos investigar aqui.
3
A cidade do Rio de Janeiro foi capital do Brasil até 21 de abril de 1960.
O Cais do Valongo – século XIX e hoje
Como toda cidade margeada pelas águas de rios e mares, a cidade do Rio de Janeiro
teve ao longo de sua história diversos ancoradouros, até a construção de seu porto oficial.
Aqui, destacou-se o Cais do Valongo, que tornou-se o ponto de desembarque de negros
oriundos do continente africano para ser escravizados. Este espaço substituiu a atividade
do atracadouro da Praça XV, a partir de 1774.
Escondido e de difícil acesso à época, o Cais do Valongo, foi estruturado para recepcionar
os negros africanos e sediar o mercado transatlântico. No local, era possível visualizar um
ir e vir de negros que seriam comercializados, tornando-se escravos e encaminhados para
as fazendas agrícolas no interior do país.
Aproximadamente na década de 1830, quando algumas leis contra a escravidão foram
assinadas, o Cais do Valongo encerrou as suas atividades. Na mesma época, o mercado foi
fechado para mostrar aos ingleses que estavam cumprindo os acordos de extinção do tráfi-
co negreiro. A inatividade do Cais durou pouco tempo, e em 1843, uma nova estrutura o
cobriu, juntamente com o mercado de escravos. Tal finalidade objetivava apagar a memó-
ria escrava e criar um novo porto de entrada para a chegada da princesa Tereza Cristina de
Bourbon, a futura esposa do Dom Pedro II.
Durante os anos de 1904 e 1910, o Cais foi novamente aterrado. O prefeito Pereira
Passos, com sua reforma urbanística, enterrou mais ainda a história do mercado escravo do
Rio de Janeiro. Este aterro soma-se a ampliação da área portuária da cidade.
Durante muitos anos o Cais do Valongo permaneceu encoberto. Em 2009, quando o
104 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
projeto do Porto Maravilha teve suas obras iniciadas, o Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (IPHAN) conduziu os estudo de pesquisa arqueológica na re-
gião do Cais. Em 2011, durante as obras urbanísticas, revelou-se diversas camadas do
Cais do Valongo e os vários artefatos trazidos pelos africanos escravizados. Os vestígios
arqueológicos ali encontrados, demonstraram como era ativo o mercado de escravos do
Rio de Janeiro. Durante o período de operação entre 1774 e 1831, estima-se que 700.000
africanos desembarcaram no Cais do Valongo.
Figura 3: https://www.aprovincia.com.br/cultura-entretenimento/emporio-cultural/historia/casa-da-tia-cia-
ta-22564/. Acesso: 28 out. 2019.
Figura 4: https://oglobo.globo.com/rio/pequena-africa-joia-do-rio-pode-ter-protecao-da-lei-23694595.
Acesso: 20 jun. 2019
Pedra do Sal
A Pedra do Sal é uma rocha que nomeia o lugar, onde os escravos, no passado, deposi-
tavam o sal que chegava no cais do Valongo e depois no Porto do Rio. Não demorou muito
106 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
tempo para que o seu entorno, se transformasse em local de moradia bastante atraente para
os imigrantes baianos que ali chegaram no período do pós-abolição em busca de trabalho
na estiva, realizando a coleta e secagem do sal, desembarcado no porto. Foi ali onde abri-
ram as casas de santo, fizeram as rodas de samba e ranchos carnavalescos, transformando-se
em ponto de encontro entre africanos remanescentes da escravidão e baianos, conferin-
do ao lugar intensa sociabilidade. A forte influência cultural negra, soma-se a cultura de
estivadores que se reuniam após o expediente para rodas de samba.
Devido a relevância para a população afrodescendente e as intensas lutas de grupos
sociais organizados como o movimento negro, a Pedra do Sal, foi tombada pelo Instituto
Estadual do Patrimônio Cultura (INEPAC), em 1984. No relatório de tombamento cons-
ta como o monumento mais antigo ao qual se vincula a memória do samba carioca e das
manifestações culturais negras da cidade do Rio de Janeiro.
Com o passar dos anos, o lugar na área central da cidade apresenta-se com casas
simples e antigas, ruas escuras e baixa atividade econômica. A partir do ano de 2000,
numa parceria público-privado, surgiram os projetos urbanísticos do Plano Porto do Rio
(2001- 2008) e o Projeto Porto Maravilha (2009-2016), que buscava intensificar os in-
teresses imobiliários para região. Tinham ainda como proposta, além de atrair melhorias
urbanísticas, interesses turísticos, baseados nos eventos que a cidade, em breve, iria receber.
No entanto, logo no início da implantação do Plano Porto do Rio, notou-se os impac-
tos estruturais e sociais no lugar, ao atrair novos atores e gerar conflitos com os antigos
residentes. Neste momento, lideranças negras resgatam a memória da Pequena África e
seus diferentes significados para a população afrodescendente. Eles se unem e reivindicam
a identidade de remanescente do Quilombo Pedra do Sal, obtendo em 2005 o
reconhecimento da Fundação Palmares. Os integrantes do quilombo se consideram
herdeiros e perpetuadores das tradições e do modo de vida da comunidade baiana do
início do século XX. (GUIMARÃES, 2014).
Figura 5: <http://www.incra.gov.br/sites/default/files/terras_de_quilombos_pedra_do_sal-rj.pdf>,
Acesso: 20 jun. 2019.
Figura 6: A autora, 2015.
Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos
O Instituto e Pesquisa e Memória Pretos Novos, foi fundado em 1996, quando os
proprietários do prédio descobriram, acidentalmente, ossadas, cerâmica, vidro e ferro e
outros metais enterrados, em um imóvel da família, localizado na Gamboa. Intrigados
com a descoberta, informaram aos órgãos responsáveis, que com equipes confirmaram a
existência de um sítio arqueológico.
Tal fato, está intimamente associado às atividades do Cais do Valongo. O local, re-
cebeu um número elevado de negros africanos ao longo de décadas. Muitos chegavam
mortos, após meses viajando em condições insalubres e precárias, outros faleceram em
terra e foram enterrados no cemitério dos Pretos Novos. O nome “pretos novos” foi dado
aos negros africanos escravizados, recém-chegados ao Rio de Janeiro pelo Cais do Valongo
e que eram negociados no mercado de vendas de escravos.
Ocorre que com as obras de urbanização da região portuária, por onde passaria a
Linha 3 do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), em 2018, muito do passado da região veio
à tona. Empresas de Arqueologia e o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional) foram chamados recentemente, para remover o material do antigo cemitério da
Igreja de Santa Rita, que existiu até 1770, na atual avenida Marechal Floriano, situado a
alguns metros do Cais do Valongo e da Pedra do Sal, quando alguns corpos foram remo-
vidos para o cemitério dos Pretos Novos da Gamboa, que funcionou entre 1769 e 1830,
especialmente como cemitério de escravos (VASSALLO, 2018).
Sabe-se hoje, que com o passar dos anos, inúmeros aterros silenciaram a memória da
cidade. Sobre o cemitério dos Pretos Novos da Gamboa, se encontram prédios comerciais
108 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
Conclusão
O que define o lugar de um ou outro grupo são os discursos sobre suas significações e seus
valores simbólicos. Desta maneira, os “donos” do espaço são aqueles que detêm o discurso e os
saberes sobre ele. Assim, quem possui a memória da paisagem e do lugar o domina, pois, é este
que lembra quem define o que deve ser lembrado e o que deve ser esquecido (SOUZA, 2004).
Agindo de forma participativa e atuante, as associações e lideranças negras da Pequena
África, após muitas lutas afirmam e reafirmam sua identidade e pertencimento ao lugar, à
memória dos africanos escravizados.
Aqui, as lideranças negras emprenham seu discurso de forte significação política nas
lutas contra a desigualdade racial. É um lugar onde as mulheres do passado e do presente,
assumiram o protagonismo contra o preconceito do negro e atuam para minimizar os
embates que buscam a emancipação.
A Pequena África não é apenas sociabilidade festiva dos afrodescendentes, mas também
revela a história de homens e mulheres que viveram a dureza do período de escravidão, as
resistências contra a dominação e a presente busca pela superação. Eles continuam em cons-
tante luta para recuperar a memória do lugar e o seu respectivo papel na cidade contempo-
rânea. Faz-se necessário, principalmente no atual contexto, buscar maneiras para impedir os
discursos e as práticas de esquecimentos dos grupos sociais subalternizados historicamente.
Referências
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cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
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GUIMARÃES, Roberta Sampaio. A utopia da Pequena África: projetos urbanísticos, patrimô-
nios e conflitos na Zona Portuária carioca. Rio de Janeiro: FGV, 2014. 248 p disponível em
<http://www.scielo.br/pdf/ha/v23n47/0104-7183-ha-23-47-0423.pdf>. Acesso em out. 2019.
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SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora
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reflexas%20de%20negros%20e%20judeus>.
110 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
O papel das ruínas na rede das aldeias
históricas de Portugal
Introdução
O Programa das Aldeias Históricas de Portugal (PAHP) criado em 1994 foi concebido
pelo Governo e pela Comissão de Coordenação Regional do Centro – CCDRC, e acabou
por “representar a incidência regional e local de uma estratégia nacional, que visava discri-
minar positivamente alguns espaços encravados no Interior da Região Centro” (Boura, p.
117). Na base do programa estava a utilização de fundos comunitários para a promoção de
produtos turísticos (Silva 2009a; 2009 b; 2009c). Era propósito desta medida o “apoio ao
112 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
desenvolvimento económico em núcleos rurais”, tal como referido por Ferreira (2011, p.
15), a qual contribuiu para a implementação do PAHP, cujo propósito era “valorizar as ca-
racterísticas patrimoniais e elementos de interesse histórico-cultural específicos das aldeias e
lugares turísticos”. Assim, e para concretização desta medida, e para os territórios em causa,
foi posta em prática a via da “recuperação de aldeias turísticas”, que tinha por princípios
mitigar questões como o despovoamento de territórios, em concreto do interior do país,
contribuindo para a criação de atividades capazes de gerar emprego, melhorar a qualidade
de vida da suas populações e que pudessem ainda ser um aporte na diversificação da oferta
turística, promovendo o património aí existente, sobre o qual era necessário intervir.
Assim, aquando da criação do programa na década de 90 do século XX, este integrava
10 “aldeias” – Almeida, Castelo Mendo, Castelo Novo, Castelo Rodrigo, Idanha-a-Velha,
Linhares, Marialva, Monsanto, Piódão e Sortelha – às quais se viriam a juntar, no ano
de 2004, mais duas – Belmonte e Trancoso – cuja escolha se deveu à sua localização
geográfica, uma vez que integravam a mesma área de influência, e permitiam cumprir
os “objetivos primordiais de reforço espacial da rede, conferindo-lhe maior coerência e
articulação, bem como a manutenção do padrão de qualidade patrimonial, histórica e
cultural” (Ferreira, 2011, p. 21).
Considerou-se, pois, que em cada um destes dozes territórios, valores como história,
património e identidade se encontravam conjugados e guardados tal como referido por
Boura (2002) e tomou-se consciência da sua importância para a valorização e promoção
da Região Centro. Neste sentido procedeu-se a um conjunto de intervenções que, a par de
iniciativas de requalificação física, integrava vertentes de dinamização sócio-económica e
de regeneração de uma auto-estima fragilizada.
A necessidade de intervenção decorrente dos processos de despovoamento e
envelhecimento da população que ao longo de várias décadas assolou estes territórios,
traduziu-se, em termos físicos, num edificado envelhecido, onde as ruínas se materializa-
vam não apenas nos edifícios de arquitetura vernácula, mas de igual modo, em edifícios
de grande importância histórica, alguns dos quais classificados como património nacional,
como por exemplo castelos e muralhas.
Neste sentido, decorrente do programa e por forma a colmatar as necessidades
destes territórios, as intervenções realizadas adotaram diversas formas e se num primei-
ro momento, tiveram um cariz sobretudo material, num período posterior, verificou-se
uma alteração de paradigma e as ações realizadas foram sobretudo de cariz imaterial, de
promoção e divulgação da rede.
A análise que aqui pretendemos apresentar foca-se especialmente nesse primeiro
momento correspondente às intervenções físicas realizadas nos núcleos rurais em estudo,
visto estas terem repercussões diretas na imagem dos territórios.
As ruínas
Porém, a ruína sendo encarada como a forma letárgica como as coisas se encontram, é
igualmente um conceito complexo, multifacetado, capaz de despertar diversas sensações
e sentidos, que “é tanto a afirmação sobre o estado de uma coisa como do processo que o
afeta” (Stoler, 2013, p. 11). Trata-se, não de algo estático, mas de algo dinâmico, contínuo e
que caso não sofra interferências humanas, terá uma degradação progressiva, à qual se asso-
ciam outros elementos não-humanos, que contribuem no processo ativo de arruinamento.
Ao pensarmos numa ruína/edifício arruinado devemos, pois, considerar que estes podem
adquirir novos conceitos, não implicando obrigatoriamente uma perda, mas sim uma
mudança no significado e monumentalidade arquitetónicas (Stead, 2003) podendo por
tal ser encaradas como algo velho ou como o início de algo novo (Hell & Schönle, 2010),
detendo assim inúmeras potencialidades, contendo uma certa esperança no que poderá ser.
Não obstante as potencialidades da ruína arquitetónica, ela é, sem dúvida, um produto
sociocultural que decorre das ações combinadas das sociedades e nas suas opções de investi-
mento e desinvestimento às quais se associam fatores naturais. Há todavia autores, como por
exemplo Baptista ( (2014), que defendem que a ruína dos edifícios é nada mais nada menos
do que o processo natural da vida do edifício, cuja história só fica completa com a sua deca-
dência completando assim o seu ciclo de vida, como que se tratasse do fechar de um ciclo.
Assim, e segundo os princípios da Teoria do Ator-Rede, só seguindo o um ator ao longo
do seu percurso, se pode conceber uma versão global sobre a sua natureza, permitindo-nos,
assim, alcançar uma visão global do objeto de estudo e a sua compreensão, bem como o
papel que desempenha numa rede. Segundo esta teoria, ao perceber as ruínas, ao compreen-
der o seu percurso é possível entender as relações que estabelece não apenas com o local
onde se situa, mas simultaneamente com um conjunto alargado de outros atores humanos e
não-humanos, que nos permitem uma melhor compreensão dos próprios territórios.
Assim, importa ainda perceber que existem diversos tipos de ruínas: as ruínas causadas
pelo tempo – também consideradas românticas – as ruínas causadas pelo ser humano, as
ruínas arqueológicas e as falsas ruínas (Rodrigues, 2012). As ruínas causadas pelo tempo,
também consideradas como ruínas lentas, como referido por DeSilvey & Edensor (2012),
surgem como resultado das opções de desinvestimento em determinados espaços, o que
tem como consequência a degradação das estruturas sociotécnicas, que passam a estar
sujeitas à ação dos agentes naturais (Gregório, Brito-Henriques, & Sarmento, 2014).
Podemos aqui considerar ainda algumas ruínas arqueológicas que, todavia, se distinguem
das ruínas românticas pelas suas características estruturais, sendo as primeiras mais frágeis.
No que respeita às ruínas causadas pelo ser humano, que segundo Rodrigues (2012, p. 9)
são decorrentes de conflitos ou acidentes tecnológicos, podem juntar-se as ruínas cuja
origem está em agentes naturais, como por exemplo catástrofes naturais, são denomina-
das de ruínas rápidas. Já no respeitante às falsas ruínas, estas não possuem qualquer valor
Conclusão
Em jeito de conclusão podemos, pois, afirmar que as ruínas conferem, cada vez menos,
uma imagem negativa aos territórios. A ruinofilia que ao longo das últimas décadas se tem
vindo a desenvolver permite que o elemento “ruína” seja encarado mais como potencial
dos territórios, relacionado com a sua identidade, com a sua história e a sua imagem,
que desperta interesse e fascínio, do que como apenas sinal da decrepitude dos mesmos.
Neste mesmo sentido, Sarmento (2018, p. 171) afirma que “as ruínas são locais materiais
que animam novas possibilidades de vida: devem ser percebidas como dinâmicas e rela-
cionais, como intersticiais, como locais de pluralidade, plasticidade, desmantelamento e
desestabilizando o poder infinito da auto-invenção”.
Assim, e tendo por base a Teoria do Ator-Rede, que nos permite considerar um vasto
conjunto de elementos heterogéneos na constituição das redes, e tomando como exemplo
a rede das Aldeias Históricas de Portugal, considerámos que a ruína desempenha, indu-
bitavelmente, um papel de grande relevo na orgânica desta rede. Tomando as palavras
de Law (1993) mencionadas por Edensor (2005, p. 313) que refere que “num contexto
espacial e cultural mais amplo, a ordem é mantida através da construção de redes que
compreendem variadamente objetos, seres humanos, espaços, tecnologias e formas de
conhecimento”, atentamos que no nosso estudo, as ruínas são um dos exemplos mais
marcantes de elementos que contribuem para essa mesma ordem.
Desta forma, e segundo o referido por Michael (2017, p. 34), “uma rede de atores
“emerge” quando um ator-chave alinha com sucesso uma série de outros elementos que
fazem esse “ator” licitante chave”, consideramos, pois que as ruínas podem aqui ser enca-
radas como esse mesmo ator-chave, capaz de alinhar outros atores heterogéneos, ou seja,
humanos e não-humanos e concludentemente manter a rede coesa e ativa até ao presente.
Bibliografia
Pedro M. Tavares
Orientação: Fernando A. B. Pereira, Sofia S. Guilherme
1
Salientam-se nesta linha de investigação os trabalhos de Annemarie Jordan: Retrato de Corte em Portugal: o
legado de António Moro (1552-1572); Los retratos de Juana de Austria posteriores a 1554, La imagem de una
Princesa de Portugal, una Regente de España y una Jesuita; e A rainha coleccionadora, Catarina de Áustria.
retratos oficiais de corte como viúva de luto, adoptando o lema Fortune, Infortune, Fort, Une
(sorte, infelicidade, torna-nos mais fortes) para promover a sua imagem na Casa de Áustria
(Fig.1). O seu estado de viuvez dispensava-a dos deveres conjugais e das responsabilidades
maternais. Como controlava os seus recursos financeiros desenvolveu projectos e enco-
mendas artísticas para promover a sua dinastia, através da fundação de mosteiros e da
construção de um panteão. Esta conduta garantia a oportunidade de exercer mecenato
fora do domínio privado, na forma de piedade pública (Jordan et al. 2013).
3
“Objectos Kunstkammer constituem um tipo específico de colecções, criadas na época dos Descobrimentos.
Compreendem todas as maravilhas do mundo, funcionando como um arquivo de conhecimento para ser partilha-
do de geração em geração.” (Dr. Sabine Hagg, directora geral do Kunsthistorisches Museum) (Minneapolis
Institute of Art sem data).
4
D. Catarina enviou ao seu neto, D. Carlos, um elefante indiano, de 13 anos, apelidado Suleyman. O
Imperador Maximiliano II tomou posse, e levou-o para Viena, tornando-se o primeiro elefante a ser visto
na Áustria (Tudela e Gschwend 2007). Seguindo esta tradição, em 1582 (a partir do Paço da Ribeira), Filipe
II escreve numa carta às filhas: “Vem nesta nau um elefante para o vosso irmão mandado pelo vice-rei da Índia.”
(Bouza Álvarez 1998).
Figura 2. Catarina Micaela, Sofonisba Anguíssola, (1573).5
Figura 3. Elefante saleiro, 15506. Kunsthistorisches Museum, Viena
(Kunstkammer, Inv. 2320).
5
A Infanta Catarina segura um macaco sagui, favoritos das crianças da Família Imperial (Jordan-Gschwend
2010). É bastante provável que este animal viesse da menagerie em Lisboa. Mais tarde Filipe I de Portugal,
durante a União Ibérica e o juramento dos herdeiros, enviou igualmente de Lisboa prendas para os seus
filhos. O Dr. Fernando Bouza Álvarez, sobre a relação do Rei com as suas filhas, publicou dois livros: Carta
de Filipe II a sus hijas e Cartas para Duas Infantas Meninas, onde por exemplo refere que o Rei, em Lisboa,
preocupava-se com o ensino do português ao herdeiro, recomendando às infantas “Parece-me muito bem
que entendais Português tão bem como dizeis, e assim procurai que o entenda o vosso irmão, o que será necessário
para que perceba os que forem daqui, e fazei-o ler português. Tenho um livro, em português, para lhe enviar, para
que por ele o aprenda, que seria muito bom que já o soubesse falar. (…) Quando souber escrever, envio-lhe uma
escrevaninha da Índia.”(Bouza Álvarez 1998).
6
À peça de cristal rocha, obtida em 1550 na Índia ou no Ceilão, foi acrescentado pelo ourives da Rainha,
Francisco Lopes, um saleiro tardo-medieval (Bouza Álvarez 1998).
Após renunciar a regência (1562), a Rainha viúva procurou seguir o exemplo das suas fa-
miliares e regressar ao seu país de origem, retirando-se num convento. Em diversas cartas pediu
assistência ao Santo Padre, admitindo o seu descontentamento em permanecer em Portugal7.
A rainha contava com o apoio de Filipe II, que procurou em Espanha diversos conventos
onde pudesse acomodar a tia, segundo o seu estatuto com Casa própria, tendo optado no fim
por Ocaña. No entanto figuras proeminentes do clero e da corte insistiram que permanecesse
em Portugal, decidindo-se pelo Convento da Madre de Deus (Jordan et al. 2013).
O panteão dinástico dos Avis no Mosteiro dos Jerónimos foi a última grande obra
de D. Catarina, assente na Pietas Austriaca. Afastada da corte, seguiu o exemplo da tia
em Brou-en-Bresse, e criou um mausoléu glorificando a Dinastia de Avis e dos Áustria.
Pouco depois de ter abdicado, sob a sua influência D. Sebastião inicia uma reforma no
mausoléu do Rei D. Manuel. Apesar de a capela ter sido sujeita a obras durante o reinado
de D. João III, era considerada pela corte pequena e demasiado baixa. Em 1569 as obras
foram interrompidas pelo Rei, que necessitava de fundos para recuperar e modernizar
as fortificações da costa africana. D. Catarina assumiu a obra e pagou a conclusão dos
trabalhos, contratando o escultor Jerónimo de Ruão, filho de João de Ruão (Rouen). É
a primeira deste género em Portugal, tornando-se o modelo a seguir na arquitectura reli-
giosa nacional. Segundo George Kubler, o contraste notório entre a nave manuelina e a
capela, salienta a antítese entre espaço profano e sagrado. Os elementos decorativos reflec-
tem as diferentes culturas artísticas do Imperio dos Habsburgo e do Império Ultramarino
Português. A arquitectura sóbria maneirista faz sobressair a presença asiática do programa
iconográfico. O uso de cariátides elefantinas a suportar os sarcófagos reais de forma pira-
126 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
midal, rompia com a tradição das efígies representativas jacentes (Fig.4). Por sua vez, na
zona superior dos arcos dos túmulos, deparamo-nos com caricaturas copiadas das gravuras
flamengas de Cornnelis Bos e Hans Vredeman de Vries (Jordan et al. 2013).
D. Catarina competiu na contratação de artistas e na compra de materiais, na rede do
Sacro Império, para o retábulo da capela-mor. Procurou que o seu embaixador em Roma,
João Telles, encontrasse os melhores pigmentos em Itália8. Anteriormente tinha encomen-
dado uma pintura da Flagelação de Cristo a Ticiano, à imagem do irmão para o mosteiro de
Yuste (retábulo La Gloria). Porém a pintura nunca chegou a Lisboa, permanecendo na ofi-
cina de Ticiano9, devido ao excesso de encomendas para a corte espanhola, em particular
7
Segundo a própria: ”Com esta mando a resposta dos breves de Sua Sanctidade (…) e também das razões que eu
tenho para viver descontento e intentar, e ainda efectuar qualquer mudança.”. (BA, Ms, 46-X-22, fl.77v)
8
Como os materiais não chegaram a tempo, e a Rainha tinha urgência, escreveu a Juan de Borja, na altura
embaixador de Portugal em Castela, para que interviesse junto do sobrinho (Jordan et al. 2013).
9
Tintoretto eventualmente adquiriu-a na venda da oficina de Ticiano, não se sabendo o seu destino nem se
foi concluída (Jordan et al. 2013).
a execução do monumental Martírio de São Lourenço, para Filipe II, executado in sito no
Mosteiro do Escorial (Jordan et al. 2013).
A Rainha ainda procurou igualmente contratar o pintor espanhol Gaspar Becerra
(m. 1568), ao serviço de Joana de Áustria, ou o flamengo Frans Floris (1519-1570) atra-
vés de Filipe II e do seu embaixador em Espanha, Francisco Pereira. Sem sucesso, pois
Becerra falecera e Floris residia na Flandres, decidiu-se por um pintor da corte portuguesa
Lourenço de Salzedo, optando por um retábulo com o tema Cenas da vida de Cristo, que
ainda hoje se encontra no altar-mor (Jordan et al. 2013).
11
A Casa das Infantas é descrita nas obras de Ezquerra Revilla, Ignacio (2000), Las casas de las infantas doña
María y doña Juana, e J. Martínez Millán (dir.), La corte de Carlos V. Madrid: Sociedad Estatal para la
Conmemoración de los Centenarios de Felipe II y Carlos V. Vol. I, tomo II, pp. 125-152.
12
Carta de Leonor Mascareñas a Filipe II (1571), (Millán 2000).
Francisco de Borja em 1546, após a morte da sua esposa, inicia o seu percurso religioso,
ingressando na Companhia de Jesus (Lozano 2011).
Em 1548, a eminente viagem de formação do príncipe Filipe II pela Europa precipitou
a reorganização da monarquia. Por um lado estabeleceu-se definitivamente a Casa do her-
deiro ao estilo da Borgonha, por outro acordou-se a boda entre Maria e Maximiliano,
dividindo definitivamente os servidores das princesas e dissolvendo a Casa das Infantas.
Por consequência, os servidores que desejaram permanecer na península formaram a Casa
de D. Joana de Áustria e do Infante Carlos, no ano seguinte, em Toro (Corominas 2008).
D. Joana de Áustria, filha mais nova do Imperador Carlos V, nasceu a 23 de Junho
de 1535, durante as campanhas vitoriosas do pai no Norte e África, com as quais se iden-
tificou no resto da vida. Os feitos de Carlos V em Túnis influenciaram e promoveram a
família imediata, assumindo virtudes quase míticas, idolatrado sobretudo pelas mulheres
da família, que se fizeram representar como suas irmãs e filhas (Jordan et al. 2013).
A imagética clássica e heróica de Carlos V fez também parte do programa iconográ-
fico da entrada de D. Joana em Lisboa. Os tableaux vivants, as decorações, as carruagens
e os arcos de triunfo, salientavam a propaganda imperial Herculana13 dos Habsburgo.
Desde os oito anos de idade a princesa estava prometida ao príncipe herdeiro de Portugal,
casando-se aos 17. Para D. Joana o casamento poderá ter representado um regresso às
origens. Após a morte prematura da sua mãe, foi educada a partir dos quatro anos (tal
como Filipe II, Maria e o infante Carlos), pelo séquito feminino português da Imperatriz
Isabel, tendo-se reunido uma única vez, desde a infância, com pai em Yuste, no ano de
1556. D. Joana era vista como essencialmente portuguesa, celebrada por poetas, nos seus
130 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
13
Para além de outros elementos Herculanos, presentes nas artes decorativas, na ocasião foi propositadamente
restaurada uma carruagem triunfal, herdada da mãe, decorada com cenas dos Trabalhos de Hércules (Jordan
et al. 2013).
Figura 5. Retrato de Joana de Áustria, Cristóvão de Morais (1553).
Musées Royales des Beaux-Arts de Belgique, Bruxelas (Inv. 1296)
Foi em Toro, durante o ano de 1552, que o destino politico-religioso de D. Joana ficou
selado. Com o matrimónio eminente com o príncipe D. João de Aviz,o único herdeiro
Roma o beneplácito do Papa, para o ingresso do Irmão “Mateo Sánchez”, recebendo votos
secretos próprios de escolares perpétuos, mas dispensáveis caso contraísse um matrimónio
de estado17 (Millán 2003).
No ano de 1554, com a designação de D. Joana, o círculo cortesão português cerrou
fileiras contra os inimigos. De 1555 a 1559, na ausência do irmão e do pai, estabelece
a corte em Valladolid, de onde passa a governar. A sua posição na corte de Filipe II era
central para a unidade ibérica. A Princesa de Portugal não hesitou em apoiar os postula-
dos do partido Ebolista, descontentes com a manutenção dos exércitos na Flandres, cujos
impostos e recursos humanos empobreciam os reinos peninsulares (Corominas 2008).
Sobre a influência de Francisco de Borja a corte de Valladolid apresentava uma
simplicidade austera semelhante à de um convento (Fig.6). A piedade e devoção das damas
16
O príncipe de Éboli foi criado junto do príncipe Filipe e das damas da Imperatriz Isabel, entre elas, a mãe.
Com o passar do tempo tornou-se homem de confiança e cabeça da fracção cortesã oposta ao grupo político
dominante castelhano, o de Cobos e Tavera (Corominas 2008).
17
O ingresso de D. Joana na Companhia de Jesus foi narrado por Robert Rouquette, Une jésuitesse au XVI
siècle, em Études316, (1957) 355-377 (Rouquette 1957).
ao serviço da princesa, era directamente influenciada pelos confessores jesuítas. Foi durante
este período que tomou a decisão, influenciada pelo seu guia espiritual S. Francisco de
Borja, de fundar um mosteiro de clarissas em Madrid, as Descalças Reais (López 2010)
20
Semanas antes da publicação do Índice, e sobretudo devido a rumores que chegavam de Espanha, Frei
Luis de Granada viajou apressadamente, desde Lisboa até Valadollid, para resolver pessoalmente a questão.
Numa carta enviada a Carranza a 25 de Julho de 1559, explica como conseguiu uma entrevista com Valdés,
graças à intervenção da princesa D. Joana. Devido ao fracasso desta empresa, voltou para Lisboa onde con-
tava com a protecção do seu mentor, amigo e filho espiritual, o inquisidor português Cardeal Infante D.
Henrique. Em Portugal continuou a publicar com a aprovação de Pio IV, tornando inválido o veredicto de
Melchor Cano (Corominas 2008).
a suspeita de fuga uma revolta entre os cortesãos. O ambiente só acalmou com a morte
de Melchor Cano (1560) e a queda em desgraça de Fernando Valdés (Corominas 2008).
Francisco de Borja permaneceu em Roma onde, após a morte de Laínez (1565), ocupa
o generalato da Companhia. Durante os próximos sete anos de governo, reformou a Igreja
de Gesú, promoveu a fundação de colégios, estabeleceu noviciados em todas as províncias
jesuítas e o primeiro ratio studiorum para os centros educativos da Companhia, seguindo
o exemplo dos modernos studia humanitatis. Desconhecemos se em 1571, durante a últi-
ma viagem que realiza à península Ibérica, visitou D. Joana nas Descalças Reais. No ano
seguinte, pouco depois de regressar a Roma, falece (Corominas 2008).
Filipe II, após os cinco anos que concentrou esforços para resolver os problemas religioso
em Inglaterra e na Flandres (nomeando regente a meia-irmã, Margarida de Parma), cen-
tralizou o poder na Corte de Madrid. Este processo inevitavelmente acompanhou a homo-
geneização ideológica e confessional dos súbditos, para garantir estabilidade no Império
e evitar rebeliões, como as que ocorreram nos principados alemães durante o reinado do
pai. Porém a fracção ebolista, cujos ideais eram contrários ao castelhanismo radical e o
confessionalismo católico, durante década de 1560 (após o reagrupamento da corte em
1559), impôs-se aos apologistas de Cobos e Tavera. Nas cortes de Toledo (1560), este
grupo encabeçado por Ruy Gómez de Silva, atingiu o apogeu graças à rápida integração
da Rainha Isabel de Valois e de D. Ana de Mendoza (Princesa de Éboli) no circuito íntimo
da Princesa Joana (Corominas 2008).
Até à sua morte, D. Joana foi a mulher mais importante da família real. Mãe do rei
mítico D. Sebastião, e adoptiva do herdeiro de Espanha, o Infante D. Carlos (1545-1568).
Foi igualmente constante companheira das rainhas Isabel de Valois (1546-1568) e
Ana de Áustria (1549-1580).
Em 1559 a princesa promoveu em Madrid (no palácio onde fora baptizada) a fundação
do Convento das Descalças Reais, com monjas formadas em Gandia, pelo seu confessor,
Francisco de Borja. A relação espiritual entre os dois era tão forte que as más-línguas che-
garam a insinuar uma relação ilícita21. Anos mais tarde Borja descreve o seu magistério
como a “cruz que me dieron en Tordesillas”22 (Corominas 2008).
21
El padre Francisco de Borja, de Véase C. de Dalmases, p. 119-121 (Dalmases 2002).
22
As confissões íntimas de Borja podem ser pesquisadas na sua obra Diário espiritual (1563-1570) (Francisco
de Borja e Ruiz Jurado 1997).
O Mosteiro, antes de adaptado a vida monacal, era um antigo palácio do tesoureiro do
Imperador Carlos V, Don Alonso Gutiérrez, que o colocou à disposição da Imperatriz Isabel
na altura em que dera à luz a Princesa Joana. O complexo monástico ocupava um quar-
teirão, que abrangia a igreja e os espaços de abastecimento das monjas, hortas, vacarias,
padaria, entre outros. Era sobretudo fundamental o papel social para a Vila de Madrid,
pois incluía um colégio de órfãs e um hospital de misericórdia. É evidente na arquitectura
a intenção da princesa criar um espaço religioso que abrangesse espaços com uma função e
carácter cortesão, tal como a adição de um anexo para a princesa e o seu numeroso séquito
(Pablo 2017). Para esse efeito solicitou em 1555, à tia Catarina de Áustria, as cópias dos pla-
nos do Convento de Madre de Deus (Lozano 2011). Seguindo o exemplum mendicante das
suas antepassadas, entre elas a Rainha Santa Isabel de Portugal, retirou-se nele após a regên-
cia, onde concebeu igualmente um túmulo e um memorial, com o objectivo de perpetuá-lo
como local de recolhimento das mulheres da família real e da alta nobreza, onde praticavam
uma observância e espiritualidade radical. Ela é responsável pela criação da forte imagem
pública de viúva piedosa, devota católica e consagrada à Casa de Áustria, celebrada na corte
de Madrid e venerada na capela sepulcral que idealiza e faz edificar dentro do seu mosteiro.
Nas Descalças Reais, acumulou-se uma grande quantidade de obras artísticas, incluin-
do uma ampla colecção de retratos23, perpetuada pela irmã (a Imperatriz Maria), e pelas
sobrinhas Margarita de la Cruz (filha da Imperatriz Maria, professa), Ana Dorotea de
Áustria (filha do Imperador Rodolfo II, professa) e Isabel Clara Eugénia24 (filha de Filipe II
e Isabel de Valois), que habitaram o mesmo espaço. O patronato Real impulsionou um
número elevado de damas e filhas de nobres a professarem. Não obstante à clausura, as
136 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
monjas que pertenciam à família real gozavam de privilégio papal e recebiam visitas exter-
nas. As visitas de núncios, ministros, embaixadores e familiares da casa real, que circulavam
entre o mosteiro e o Alcázar de Madrid, confirmam a existência de negócios relacionados
com o governo da monarquia (Pablo 2017). Como tal era visitado por numerosas rainhas,
princesas e infantas da monarquia hispânica e de outros reinos, tornando-se um espaço de
poder político-religioso, albergando uma das maiores colecções de relíquias e relicários25,
muitas vezes ofertadas por dignatários estrangeiros (Pablo 2017).
23
A separação geográfica das cortes de Madrid e de Lisboa era minimizada pela troca de correspondência e de
retratos. D. Sebastião foi, a pedido da mãe, retratado regularmente ao longo do seu crescimento e os quadros
expostos nas Descalças Reais (Serrano 2016).
24
Apesar de ser a filha mais velha e destinada a ser imperatriz, na falta de herdeiros masculinos (para além do
príncipe Filipe), Clara Eugénia poderia converter-se em Rainha de Espanha, tendo por consequência sido
educada e participado nos assuntos de governo (Serrano 2016).
25
A maior parte das relíquias chegou em 1584, quando a Imperatriz Maria e a filha a Infanta Margarita, se
tornaram residentes permanentes. A infanta, que era muito devota a elas, professou segundo a regra de Santa
Clara (versão descalça), com o nome Sor Margarita de la Cruz (Pablo 2017). Eram mais de 400 relíquias
coleccionadas entre 1570 e 1700, hoje grande parte desaparecida, devido a um incêndio ocorrido em 1862
Desde a fundação, a proximidade entre o Palácio Real e o mosteiro, e a presença
permanente de figuras proeminentes da casa real, tornaram-no local ideal para alojar as
infantas, na ausência do monarca ou em caso de resguardo de doenças no palácio. Tal su-
cedeu quando Filipe II se ausentou durante dois anos, para o juramento dos herdeiros no
Reino de Portugal. Após a morte da rainha Isabel de Valois, as órfãs Isabel Clara Eugénia
(1566-11633) e Catarina Micaela (1567-1597) foram confiadas aos cuidados de D. Joana,
nomeando Sofonisba Anguissola26 mestre das infantas. Os princípios incutidos são ma-
nifestos nas suas regências, e nas das descendentes. Isabel Clara Eugénia favoreceu na
Flandres a expansão do movimento descalço, fundando conventos de carmelitas, e ao
enviuvar tomou também o hábito de franciscana terciária no convento de Bruxelas. A
sua irmã, Carolina Micaela, não teve oportunidade de tomar hábito, tendo falecido na
sequência de parto prematuro aos 30 anos, porém a sua actividade política foi igualmente
influenciada pelas familiares. Apesar de duquesa por casamento manteve o seu título de
infanta ao casar-se com o Duque de Sabóia e impôs na corte ducal de Turim o cerimonial
e a ostentação régia espanhola27. Os duques decidiram que os filhos iriam ser educados
“à italiana” e as filhas “à espanhola”, instruindo-as nas complexas regras de etiqueta dos
Habsburgo, proporcionando bons casamentos na rede familiar do Sacro-Império. Após o
funeral, digno de uma rainha, parte do seu séquito espanhol permaneceu em Turim para
educar as princesas, segundo os mesmos princípios. Cedo foram introduzidas nas relações
políticas, recebendo diplomatas e dignatários estrangeiros. A filha, Margarida (Duquesa
de Mântua), fez também questão de manter o protocolo cerimonial, correspondente à sua
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Introdução
A cultura leva-nos a descobrir quem somos. Nas suas diferentes práticas, preservadas um
pouco por todo o território, vulgo é encontrar usos e costumes, formas de ser, pensar e agir,
Cooperação e Desenvolvimento
como “prolongamento da vida por período indefinido, mas não necessariamente eterno”
(Frazer apud in Morin, 1988, p. 25). A morte é assim, um estádio que prolonga, de uma
forma ou de outra, a vida individual e terrena. Numa primeira fase da existência, ela é vista
como um sono, uma viagem, um renascimento, um malefício, uma entrada para a morada
dos antepassados, noutras, um misto de tudo simultaneamente (Morin, 1988).
A intranquilidade que o facto traz, faz com que o homem proceda na fixação de um
conjunto de rituais e ritos que visam mitigar essa mesma intranquilidade. Assim, a morte
143 // As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa:
quando vem, surge como uma mudança de estado, sendo o morto tratado de acordo com
rituais e ritos especiais que visam acalmar e mitigar o sofrimento. Em outro, existe uma
consciência realista da morte, uma consciência que a nega como aniquilamento, reconhe-
cendo-a como acontecimento (Morin, 1988). Este facto, conduz a um pensar constante no
facto de que a vida não se extingue, simplesmente se transforma. E neste fazer, as pompas
1
O homem, na sua ânsia de felicidade, de harmonia e paz, almeja, também ele, em vida, Deus e as suas pro-
messas. O culto da vida para além da morte, o confronto eterno com seus medos e angústias, faz com que o
Homem se projete num modo de vida, de ser e de pensar, onde um conjunto de rituais e ritos se mostram
e o acalmam.
da morte aterrorizam mais do que a própria morte. Os rituais e os ritos, dos quais o fune-
ral constitui um deles, atemorizam mais que a própria morte, e, ao longo dos tempos, os
povos, nas suas diversas manifestações e expressões funerárias, ostentam a dor da perda, e
da impossibilidade, surgindo a necessidade de preparar essa morte, essa impossibilidade,
ditando-se o ritual e o rito da Encomendação ou Lamentação das Almas2. A vida depois
da vida rege então um modo de ser e de fazer, propondo um olhar constante do homem
sobre si. Assim, encontramos diversos atos, tanto de vocação sagrada como profana, que
nos dirigem o pensamento para a morte, e a vida para além desta. “Mas é, para já, notável
verificar que, nenhuma sociedade, incluindo a nossa, conheceu ainda a vitória total, quer da
imortalidade, quer da consciência desmitificada da morte, quer do horror da morte, quer da
vitória sobre o horror da morte” (Morin, 1988, p. 36). Continuam presentes a necessidade
de alienar incertezas, medos e frustrações. Surge continuamente a necessidade de evocar
Deus e [...] os antepassados, de forma a escamotear o medo de uma morte sem [possibili-
dade de uma continuação da] vida, sendo que a religião se mostrará como uma forma de
“... saúde social, que aclara o mórbido terror individual à morte” (Morin, 1988, p. 76).
A religião, na sua forma de se mostrar ao homem, possui um conjunto de textos,
mas também de fórmulas, rituais e ritos que lhe possibilita uma desmitificação, aclaran-
do consciências. No caso particular do ritual e do rito da Encomendação, Lamentação,
Encomendar ou Amentar das Almas, este manifesta-se ainda num conjunto de formas e
fórmulas de carácter profano, intentando uma mesma prática. Neste sentido, tencionamos
perceber de que forma “O rito é um momo mágico, hierático e solene da coisa desejada [...].
[De que forma o rito se torna] cada vez mais abstrato, fazendo-se acompanhar de palavras
144 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
e símbolos, tornando-se cada vez mais estilizado, isto é, simbólico. [Em outro, intentamos
perceber de que forma] O rito simbólico contém já em si a força mimética condensada,
pois é um verdadeiro comprimido de força apropriadora do mimo” (Morin, 1988, p. 93).
Assim, e no caso particular dos rituais e ritos associados à morte, à vida para além
da morte, e às diversas formas de dialogar com os antepassados, Deus e o Divino, preve-
mos que o ritual da Encomendação ou Lamentação das Almas, seja uma das formas mais
eficazes e ainda presentes em diversas regiões do país, mormente da raia. Em outro, con-
firmamos que o ritual da Encomendação das Almas é um ato de fé. Nele, a eternidade do
homem, projetada numa existência após a morte, numa crença no Purgatório, na incerteza
da duração das penas, fá-lo refletir e questionar constantemente a vida e a existência após a
2
De acordo com Morin (1988, p.11), “o regresso da morte é um grande acontecimento civilizacional e o
problema de conviver com a morte vai inscrever-se cada vez mais profundamente no nosso viver. E isso vai
levar-nos a um modo de viver de dimensão simultaneamente pessoal e social. Mais uma vez, o caminho da
morte deve levar-nos mais fundo na vida, como o caminho da vida nos deve levar mais fundo na morte”.
Em outro, percebemos uma presença obsessiva da morte, da morte e dos mortos. Os espíritos estão, com
efeito, presentes na vida quotidiana em diversas manifestações da existência humana desde sempre.
morte. Surge assim a dúvida, mas também a certeza de um sofrimento a cumprir (Barros,
2002). Para acalmar esta inquietação e certeza, mas também salientar a importância de
um bem viver para conseguir um bem morrer, se preveem formas de ser e estar mais asser-
tivas e, um conjunto de rituais e ritos que alertam para o facto de que a morte é sempre
uma consequência da nossa forma de vida. Neste sentido, uma angústia se vive, um ato
se perpétua, uma necessidade se faz: a oração, e em particular, a oração pelos defuntos3.
Cooperação e Desenvolvimento
Fernando Lopes-Graça um exemplo.
3
Pois que a morte “é a característica mais humana, mais cultural, do antropos. Mas se, nas suas atitudes e
crenças perante a morte, o homem se distingue mais nitidamente dos outros seres vivos, é aí mesmo que ele
145 // As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa:
exprime o que a vida tem de mais fundamental. Não tanto o querer-viver, o que é um pleonasmo, mas o
próprio sistema do viver” (Morin, 1988, p. 17).
4
No que concerne o número e género dos seus constituintes, percebemos diversas formações que podem
englobar unicamente elementos do sexo masculino, feminino, ou, por outro lado, serem mistos. Os grupos
podem ser formados por um número reduzido de elementos ou, em outro, um número mais alargado,
conforme os casos e as possibilidades. Podem incluir o uso, para além da voz cantada ou falada, de diversos
instrumentos musicais, incluindo o clarinete e trompete, como é o caso da região de Seia, ou o sino como no
caso das Mozas de Ánimas em La Alberca na região de Castilha e Leão na vizinha Espanha. Noutros lugares,
o ritual efetua-se num canto lento e profundo (sem o uso de instrumentos musicais auxiliares).
5
A missa, rezada pelo Pároco antes da Missa Dominical, no sentido de sufragar a Alma dos Defuntos cons-
tantes duma lista elaborada por “encomenda” dos familiares, é alvo de um tributo. A tradição impõe que
os familiares entreguem a “Amenta”, em géneros ou dinheiro, como pagamento. Atualmente, na forma
popular, que é a que ainda persiste, são as preces que alternam com o canto triste e lamentoso.
Usos e Costumes em Portugal
6
A saber: Peditório das Almas em Loulé; Lamentar as Almas em Ílhavo; Aumentar as Almas em Seia; Deitar
as Almas em Vila Verde – Braga; Botar as Almas em Meridãos – Vale de Bestança – Montemuro, ou Lembrar
as Almas em São Miguel nos Açores (Barros e Costa, 2002).
7
Como é o caso do distrito da Guarda na localidade de Seia.
8
Analisando o conjunto das onze harmonizações de cantos populares relativos a Encomendação ou
Lamentação da autoria de Fernando Lopes-Graça, notamos que, este texto em particular, se encontra na
quinta das peças: “Ó almas que estais dormindo (Beira-Baixa)”. Numerosos são os exemplos que podemos
expor (Lopes-Graça, s.d.).
9
Excetua-se o caso da freguesia de Carragosela onde se efetua na madrugada de sexta-feira para sábado.
(como é o caso das canções populares, nas peças 1, 2, 3, 4, 5, 9 e 11), como das peças
musicais de tradição oral e popular em uso (ver Tabela 1 e 2).
Fonte: Própria
Cooperação e Desenvolvimento
Tabela 2: Excertos do texto da “Lamentação das Almas” (continuação)
Alerta, alerta (I) Bendita e louvada seja...
(Minho) (Beira Baixa)
Bendita e louvada seja a sagrada morte e
Paixão de Jesus Cristo
E se já pelo amor de Deus, seja
Alerta, alerta, Alembrai-vos, meus irmãos
Vida é curta, morte é certa! Das benditas almas
Ó irmãos meus, filhos de Maria, Que lá ‘stão no Purgatório
147 // As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa:
Fonte: Própria
Contudo, em função das regiões, percebemos que diversos outros textos estão
presentes no ato de Amentar ou Encomendar as Almas. Em exemplo: o uso do texto “Mãe
Dolorosa”, na região de Seia. Neste caso, concluímos que todo o texto gira em torno do
sofrimento, da dor e da angústia que Maria, Mãe de Jesus, sente ao ver seu filho, Jesus
Cristo, em sofrimento.
A partir da quadra IX, o autor comunga da sua dor pretendendo acompanhar Jesus
e sua Mãe nesse sofrimento. Todo o texto valoriza e realça o sofrimento de Jesus e sua
Mãe, um sofrimento que realiza o maior ato de abnegação jamais concebido, sem revoltas,
medos ou inquietações, numa entrega do seu futuro, e o futuro da humanidade, ao Pai,
clamando: “Faça-se em mim segundo a Tua vontade” (ver Tabela 3 e 4).
Fonte: Própria
148 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
IX X
Dai-me Mãe fonte de amor Fazei que meu coração
Parte dessa vossa dor Sentido desta paixão
Para convosco chorar Com dor se veja estalar
Para convosco chorar Com dor se veja estalar
XI XVI
O meu duro peito abri Fazei que sentindo a morte
Dentro as chagas imprimi De Jesus eu tenho a sorte
De Jesus vossa doçura Que me alcançou nessa cruz
De Jesus vossa doçura Que me alcançou nessa cruz
Fonte: Própria
I III
Às portas das Almas Santas Recordai ou pecadores
Bate Deus a toda a hora Nesse sono em que estais
Almas Santas lhe respondem Lembrai-vos das benditas Almas
Ó meu Deus que quereis agora Vossas mães e vossos pais
VI VII
Ó meu Deus quem fora homem Rezemos mais um Padre Nosso
Qu’andasse pelos caminhos Com outra Ave Maria
Que subira ao Calvário Ao Padre Santo António
Tirar a coroa d’espinhos Que nos livre da tentação do Demónio
IX XII
Ficai-vos com Deus ó Cristãos Ficai-vos com Deus ou Cristãos
A cantar aqui ‘stou eu Talvez para nunca mais
Rezemos uma Salve Rainha Olhai lá não vos esqueceis
Por alma de quem aqui morreu Da alma dos vossos pais
No final repete 3 vezes:
Senhor Deus
Misericórdia
Ai tende misericórdia
De nós.
Fonte: Própria
Cooperação e Desenvolvimento
Vimioso, em Bragança, Algoso, é necessário que se junte, lado a lado, um pequeno grupo
de homens e mulheres, que percorrem ao longo da noite todas as ruas da aldeia11. O
cortejo pretende lembrar àqueles que “já dormem o primeiro sono” que é preciso rezar
pelos mortos, pois que necessitam de auxílio. Colocados em lugares estratégicos da aldeia,
agrupados num pequeno círculo, entoam um conjunto de versos com recurso a diferentes
vozes. A esta melopeia juntam ainda, numa polifonia com caracter dolente e fúnebre,
149 // As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa:
linhas melódicas que subsistem desde sempre. Transmitidas oralmente, sobrevivem textos
como os que passamos a enumerar: “Acorda ó pecador / acorda não durmas mais / olha que
se estão queixando / as almas dos vossos pais.”12 Este texto, presente na Lamentação nº 11,
10
Tal como em Espanha.
11
Tal como no distrito da Guarda, nas regiões de São Romão e Seia, a Encomendação das Almas também se
realiza em Trás-os-Montes, na região de Bragança, concelho de Vimioso, aldeia de Algoso. Fazemos referên-
cia a esta região, dado que também ela se situa na raia, tendo fortes ligações com a região espanhola com a
qual faz fronteira.
12
Este texto, presente na Lamentação nº 11 – “Ai, recorda, ó pecador (Beira Baixa)”, apresenta algumas seme-
lhanças com o aqui apresentado: Ai, recorda, ó pecador / Nesse sono em que estais /Ai, recorda e rezai pelas
almas dos vossos pais, / P’las almas dos vossos pais. Ai!”
recorda ao homem o seu estatuto de pecador, e do sono perpétuo em que se encontrará se
não encontrar a paz. Este sono em que a alma se encontra é a apatia, o vazio, a ausência
de sentido para a vida, é um sono que se constrói de uma morte, mas também de uma
ressurreição, uma ressurreição que se anuncia quando a Alma inicia a caminhada para o
céu, para Deus e o descanso eterno (no entender dos homens e da religião)13.
Em tempos idos, e no concelho de Vimioso, o ritual era feito somente por três pessoas,
dois homens e uma mulher. Vestidos com capotes de burel, percorriam, às escuras, as ruas
da aldeia levando a todos os recantos o seu canto14. Nos relatos que nos foram dados conhe-
cer, todas as pessoas relembram a audição destes cantos, dolentes e profundos, noite escura,
cantos que provocam o medo e um respeito face à ação, e intenção, desta tradição: arrepiar,
fazer pensar e refletir sobre as ações terrenas e as consequências futuras dessas mesmas ações.
De notar ainda, que no concelho do Vimioso, é comum colocarem-se candeias ou velas
acesas às janelas para que sejam sinalizadas as casas onde se ora em favor das almas15. É ainda
comum que as crianças se juntem aos adultos para aprender a realizar estes cerimoniais16.
Cooperação e Desenvolvimento
dias de Sexta-feira Santa e de Todos os Santos.
ções, dos rituais e dos ritos populares que focam a vida e a morte, numa visão que é
sua sobre o Sagrado e o Profano do assunto. Através da análise desta obra, bem como
de uma análise comparativa entre os dois rituais nos dois lados da fronteira, na região
da Guarda e de Salamanca, percebemos a importância deste ritual para as suas gentes,
bem como de que maneira nos é dito e percebido pelo compositor. Através da análise
do ritual da Encomendação ou Lamentação das Almas, mas também da sua obra “Onze
17
O ritual, mesmo que se possa realizar ao longo de todo o ano, alcança o seu ponto alto, na noite de Todos os Santos.
18
Este facto tem paralelo com o território português, dado que em Portugal este ritual se efetua recorrendo também
a trajes negros, durante a noite, percorrendo toda a aldeia. Contudo, em Portugal, é realizado por homens.
Encomendações de Almas”, percebemos das semelhanças e dissemelhanças do rito, e,
sobretudo, de como o tradicional se constrói erudito. Da análise dos textos de “Onze
Lamentações das Almas” retiramos, da mesma forma que do estudo dos textos anteriores,
um contínuo apelo à oração (Lopes-Graça, 2012)19. Neste contexto, a primeira das peças,
“Se dormis cristãos” (Beiras) (Lopes-Graça, 2012, p. 8-9), única no conteúdo, alerta para
a importância do rezar pelas almas, nomeadamente aquelas que se encontram no purga-
tório. Nela, todo o cristão é convidado a acordar, não o acordar do sono, mas o acordar e
despertar para uma realidade outra, a realidade da vida depois da morte e a necessidade de
rezar pelas almas dos defuntos, as almas dos seus irmãos em Cristo. Na segunda lamenta-
ção, “Rezemos um Padre Nosso” (Beira-Baixa) (Lopes-Graça, 2012, p. 10-11), a riqueza
da métrica e rítmicas populares está presente na alternância de compasso e na estrutura
melódica que acompanha a alegria da oração. A estrutura formal nos exibe uma divisão
da peça definida em função da estrutura do verso (semelhante em todas as peças). A ter-
ceira, “Alerta, alerta (I)” (Minho) (Lopes-Graça, 2012, p. 12-13), possui uma estrutura
igualmente homorrítmica (como a primeira). As quatro vozes seguem num grito conjun-
to, num apelo à vigilância dos homens das suas palavras, gestos e ações, pois que “uma
reforma da morte só pode ser a outra face duma reforma da vida” (Morin, 1988, p. 12).
Toda a peça é um alerta para a morte, para a pertença do indivíduo a um outro plano, a
sua filiação a Maria, Mãe de Jesus, e a oração a Deus e a seu Filho Jesus Cristo. “Recordai,
ó Irmãos meus” (Beira-Baixa) (Lopes-Graça, 2012, p. 14-15), a quarta das obras, mostra
mais uma vez a mestria de Fernando Lopes-Graça no uso de elementos da música popular
portuguesa, nomeadamente da Beira-Baixa, e da riqueza rítmica, melódica e formal que
152 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
encerram. A quinta peça deste conjunto de onze, “Ó almas que estais dormindo” (Beira-
Baixa) (Lopes-Graça, 2012, p. 16-19), inspirada nos ritmos e melodias da Beira-Baixa,
possui uma estrutura similar às anteriores. Se o texto repete mais uma vez a ideia das
Encomendações anteriores, referindo-se, neste caso, às Almas do outro mundo, e não às
Almas do Purgatório, em termos rítmicos, a obra revela uma estrutura apoiada na divisão
entre vozes femininas e masculinas. Em “Bendita e louvada seja” (Beira-Baixa) (Lopes-
Graça, 2012, p. 27-31), a nona das peças, Lopes-Graça não usa, pela primeira vez, qual-
quer indicação de compasso. O texto flui e a melodia também. O contralto tem um papel
de relevo no arranque da peça, numa estrutura que revela a riqueza melismática do canto
tradicional. As outras vozes acompanham em surdina, participando na harmonização de
todo o texto. Após esta estrutura, o baixo pega na linha do contralto e repete-a, na íntegra,
19
Todos os textos, um corolário de orações pelas almas dos já falecidos, visam atingir as benesses, da paz e
felicidade eternas, não só a nível individual, como, e sobretudo, a nível coletivo (toda a aldeia). Os textos
analisados no conjunto das peças são os descritos na publicação da obra “Onze encomendações das almas”
de Fernando Lopes-Graça (Lopes-Graça, 2012).
no que toca a linha melódica. Depois, as duas vozes juntam-se num apelo sentido ao au-
xílio às almas do purgatório, com recurso à oração de um Padre Nosso e uma Avé Maria.
“Em Irmão meus, cuidai na morte” (Trás-os-Montes) (Lopes-Graça, 2012, p. 32-36), a
décima das obras, surge mais um apelo sentido à oração, e a uma reflexão sobre o papel de
Cristo e de Deus, no dia da morte, do Juízo Final. Nesta peça, Lopes-Graça utiliza uma es-
trutura que aprofunda a sequência das onze peças. Pela primeira vez usa os solos na voz de
Baixo, intercalados com o Coro que harmoniza a linha solo anterior, reforçando o conteú-
do do texto com as vozes de Baixo. As vozes femininas são empregues, em fase posterior,
num grito de esperança que nos mostra as graças, o paraíso. As linhas melódicas repetem
a estrutura dos primeiros compassos, agora em solos que suportam o grito da libertação. A
estrutura formal da última das peças, “Ai, recorda, ó pecador” (Beira Baixa) (Lopes-Graça,
2012, p. 37-40), segue o texto da Lamentação, a primeira frase realçando a necessidade do
pecador, o homem ainda em vida, recordar a apatia em que se encontra, e a necessidade de
rezar pelos antepassados, pelas almas. Ao rezar pelas almas, o homem tem a possibilidade
de meditar sobre si, e a necessidade de se refazer enquanto ser e ter, pois “Toda a morte
evoca um nascimento e, inversamente, todo o nascimento evoca uma morte” (Morin,
1988, p. 111). Neste processo, morte e renascimento são uma consequência uma da outra,
uma ação e uma reação, constantes.
Considerações Finais
Cooperação e Desenvolvimento
O uso da música tradicional outorga ao autor um espólio que lhe permite doar ao
ouvinte toda a intensidade e profundidade da música popular, mas também religiosa, em
harmonizações de uma riqueza e mestria infindas. Usando as linhas melódicas de origem
tradicional e popular na sua integra, relendo, reavaliando, citando e reinterpretando o seu
conteúdo, harmoniza-as de forma a obter um produto que traduz um seu encomendar de
almas. O ritmo, o tempo, a melodia e, principalmente, a estrutura harmónica e a instru-
153 // As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa:
Introdução
A diplomacia cultural pode ser compreendida como “um instrumento potencial para
estabelecer trocas simbólicas, proporcionar aproximação entre os povos e promover a paz”
(AMORIM, 2015), seguindo uma vertente Cosmopolitista3.
Por outro lado, pode ser vista como “utilização específica da relação cultural para
consecução de objetivos nacionais não somente cultural, mas, político, econômico e co-
158 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
mercial” (RIBEIRO, 2011, p. 33), resguardando caráter pragmático ao fazer uso da cultura
como recurso estratégico de soft power.
Busca-se diferenciar ações realizadas na esfera pública e privada. A primeira, chamada
política cultural exterior, seria “planos específicos dirigidos ou coordenados diretamente
por um governo” (NIÑO, 2009 apud Elisa Gavari Starkie, 2015, p. 14), sendo este o foco
deste estudo. A segunda, conhecida como ação cultural exterior, trata de operações levadas
a cabo por diversos atores, tais como, agência públicas, semi-públicas, associações, agentes
privados, etc (BADILLO, 2014; STARKIE, 2015).
1
O conceito de soft power foi desenvolvido por Joseph Nye no início dos anos 1990, e consiste numa “forma de
poder que se manifesta por meio da atração e persuasão que pode influenciar os outros” (NYE, 2012, p. 118).
2
“Las estrategias y acciones de nation branding son acciones que persiguen crear o mejorar la imagen de un
país entre los ciudadanos de otros países” (NOYA, 2012, p. 67).
3
“Cosmopolitism, as an area of thought and critical action that seeks the understanding and acceptance of
the Other, as an ethical compass for our treatment of others. The end goal is to prevent conflict, terror and
even more radical consequences such as a war among nations, by engaging in the power of cultural dialogue
and embracing diversity as a common mission” (VILLANUEVA, 2018, p. 683).
O que se pode observar é que a definição do conceito de diplomacia cultural varia
conforme diferentes contextos, atores envolvidos e finalidades4. As práticas passam por
constantes atualizações e adaptações influenciadas por diferentes paradigmas, como por
exemplo, a globalização.
A política externa do governo Lula é conhecida como altiva e ativa. Apresentou caráter
universalista, fortaleceu a participação do país nos fóruns multilaterais com uma pos-
tura pragmática e pacífica, e expandiu seu corpo diplomático a fim de potencializar seu
prestígio e influência internacional como potência emergente (AMORIM, 2010).
Foram iniciadas ações de cooperação sul-sul com países emergentes e em
desenvolvimento, e priorizou-se trabalhar pela integração regional sul-americana
4
Vide: NOYA, 2007; PASCHALIDIS, 2009; BADILLO, 2014; ZAMORANO, 2016; VILLANUEVA, 2018.
5
Lei nº12.343/2010 (BRASIL, 2010).
6
Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC).
(AMORIM, 2010). As diretrizes eram combater as assimetrias internacionais e “gerar
inclusão social e desenvolvimento econômico e humano” (BIJOS, 2010, p. 48), o que
refletiu-se na política cultural exterior. Dentre ações realizadas destacam-se:
agenda para o Desenvolvimento, elaborada pelo MinC e pelo governo argentino
com o objetivo de criar um programa no âmbito da Organização Mundial de Propriedade
Intelectual (OMPI); no âmbito do MERCOSUL, a criação do selo MERCOSUL
Cultural e da Rede Especializada de Cinema e Audiovisual de MERCOSUL (RECAM);
participação na Rede Internacional de Políticas Culturais, encontro entre ministros
da cultura para a aprovação da convenção da UNESCO; participação na Comissão
Interamericana de Cultura da Organização dos Estados Americanos (OEA) e na
Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora (CIAD) (BIJOS, 2010, p. 47-48).
13
Dentre as instituições participantes constavam o: British Council, Neso e Embaixada da Itália (CULTURA
DIGITAL, 2016).
14
A atividade foi revogada em outubro de 2015, alegando-se erros operacionais do edital (MINC, 2015).
A SEC celebrou termos de parceria com órgãos internacionais, tais como, a OEI e a
UNESCO. Em 2015, foi extinta e teve suas atribuições delegadas à Secretaria de Políticas
Culturais (SPC). Explicita-se:
as ações se mantiveram executadas pelas Unidades Gestoras - UGs supracitadas
(SEC e SPC) no período de setembro de 2015 a junho de 2016, ocasião da revogação
da Portaria 80/2015. (...) Pouco tempo depois, entra em vigor o Decreto nº 8.837,
de 17 de agosto de 2016, que extingue a SPC e transforma a Secretaria de Economia
Criativa em Secretaria da Economia da Cultura - SEC. (...) Sendo assim, percebe-se
que a execução das ações de 2016 ficaram prejudicadas em razão da troca de gestão
e reorganização da estrutura do Ministério que, nesse ínterim foi extinto e recriado
(Medida Provisória 726/2016 e 728/2016, respectivamente). (MINC, 2016, p. 312).
A Rede Brasil Cultural é um órgão que integra o DC/MRE. Está presente em cinco
continentes, é formada por vinte e quatro Centros Culturais Brasileiros15 (CCBs),
quatorze Leitorados16 e cinco Núcleos de Estudos Brasileiros17 (NEBs) (MRE, 2019).
Os CCBs são extensões das embaixadas, resultado de missões enviadas pelo MRE na
América do Sul na década de 1940. As unidades são diretamente subordinadas ao Chefe
da Missão Diplomática ou repartição consular do Brasil. As atividades desenvolvidas são
ensino da língua portuguesa, difusão da literatura brasileira e organização de programação
artística e seminários (MRE, 2019).
Os Leitorados ou “Leitor brasileiro” são professores universitários que atuam em
instituições estrangeiras de ensino superior e que ocupam o posto durante um ano18. Cabe
ao leitor o planejamento e execução das atividades culturais (MACIEL, 2014).
Os NEBs são estruturas presentes nos consulados e embaixadas, geralmente de
fronteira, que oferecem aulas gratuitas de língua portuguesa à comunidade local e têm
a função de avaliar a possibilidade de criação futura de Centros Culturais (MRE, 2019).
Apresenta-se abaixo um quadro da estrutura da diplomacia cultural brasileira contem-
porânea, explicitando as articulações institucionais, ações e diretrizes presentes na política
cultural exterior no período entre 2010 e 2016.
APEX
Promoção Cultural;
SEC MDIC
Articulação Institucional
MRE
Promoção cultural;
MinC Representação do MinC; MRE
Realização de eventos no exterior; OIs
DRI
Ações de intercâmbio e difusão; Outros Estados
Fomento; ABC
Cooperação técnica.
15
Assunção, Barcelona, Bissau, Beirute, Buenos Aires, Cidade do México, Georgetown, Helsinque, La Paz,
Lima, Luanda, Maputo, Nicarágua, Panamá, Paramaribo, Porto Príncipe, Praia, Pretoria, Roma, Santiago,
São Domingos, São Salvador, São Tomé e Tel Aviv (MRE, 2019).
16
Atualmente há 14 leitorados brasileiros em atividade (MRE, 2019).
17
Guiné Equatorial, Guatemala, Paquistão e dois no Uruguai (MRE, 2019).
18
As vagas são oferecidas por meio de edital, publicado pelo Ministério das Relações Exteriores e pela
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) que pré-selecionam os candidatos
e submetem uma lista tríplice às universidades, que então escolhem o leitor. Os professores selecionados
recebem bolsa do MRE e contrapartidas das instituições de ensino (MRE, 2019).
Programação Cultural (DODC);
DC Difusão audiovisual e língua portuguesa;
Apoio aos CCBs
Embaixadas e consulados
MRE
brasileiros no exterior
Ensino da língua portuguesa;
Rede Brasil Cultural:
Traduções;
CCBs, Leitorados e
Programação cultural;
NEBs
Seminários
sua capacidade de influência por meio do soft power, assim como sua potencialidade para
promover impacto no comércio exterior.
Madeira (2014) explicita que enquanto perdura o debate sobre a conveniência de
criação da agência, a área cultural do MRE não está afinada ao crescimento da demanda
por produtos culturais brasileiros o que impede a consolidação de uma diplomacia cultural
autônoma e com metas próprias.
Conclusão
É possível averiguar que durante os governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Roussef
ocorreram avanços para estruturação da diplomacia cultural brasileira, cujos fundamentos
partiram da inter-relação entre as políticas públicas de cultura e a política cultural exterior,
de forma que se buscou concretizar uma política de Estado e não apenas de governo, com
a preocupação da continuidade das ações iniciadas.
Identifica-se que a política cultural brasileira apresentava consonância com o discurso
de organizações internacionais como a ONU e a UNCTAD, e foram seguidos preceitos
conforme a Convenção sobre a Diversidade Cultural no que consiste a execução de políti-
cas para se alcançar o desenvolvimento por meio da Economia Criativa.
Igualmente foi adotada uma postura pragmática na busca por uma melhor proje-
ção e posicionamento do país no ambiente internacional, com base nos desafios e
competitividade do mercado cultural global.
Articularam-se ações entre o MinC e MRE, tanto no que consiste aos processos decisórios
e de negociação, quanto em relação à execução das atividades, cujo protagonismo ficou a
cargo da Secretaria de Economia Criativa e da Diretoria de Relações Internacionais do MinC.
A diplomacia cultural desenvolvida pelo DC/MRE, desprovida de recursos, inexistên-
cia de mão-de-obra qualificada e desvalorização da cultura na política externa, atém-se a
atender demandas das instituições estrangeiras e deixa a cargo de agentes não especializa-
dos a responsabilidade pela constituição da programação cultural. Apesar disso, entusiastas
e defensores pela criação do Instituto Machado de Assis seguem na ânsia pela consolidação
de uma diplomacia cultural autônoma e efetiva.
Acredita-se que a política cultural exterior implementada pelo Estado brasileiro no pe-
ríodo foi heterogênea e inventiva: 1) por envolver a articulação entre diversos atores, com
atuação direta do Estado nas ações realizadas; e 2) pela combinação de estratégias de natu-
reza distintas, tais como, a utilização do nation branding e promoção cultural - ações de ca-
ráter mercadológico -; ao tempo em que desenvolveu também atividades de intercâmbio e
cooperação sul-sul, de modo a seguir uma vertente Cosmopolitista de diplomacia cultural.
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Brasil e Portugal, duas rotas
de democratização
Introdução
Situa-se, para este trabalho, o arco temporal que compreende os anos seguintes ao
término dos regimes autoritário (1974 e 1985) em Portugal e no Brasil, respectivamen-
te. As opções políticas iniciadas nesses períodos e as suas consequências sobre o campo
questão: o que é uma democracia no plano empírico? Esse esforço de marcos e referências
operativas tem abrigo em diferentes matizes do pensamento político, destaca-se aqui, a
título de ilustração Robert Dahl (2005)3 com a democracia no plano empírico concebida
como Poliarquia e Joseph Schumpeter (1961)4 adotando a democracia como um método
para a estabilização organização institucional através de uma concorrência eleitoral.
“Argumentativamente, há muitas democracias possíveis, isto é, logicamente
concebíveis; mas não há muitas historicamente possíveis. Se o significado atual de
democracia se afasta de seu dignificado grego e tem e tem pouco a ver com um
povo que se autogoverna, a transformação reflete os repetidos fracassos históricos
desse autogoverno. Da mesma forma, termos como liberdade, opressão, coerção,
legitimidade, e assim por diante, adquirem com o passar do tempo uma firmeza de
1
KELSEN, Hans. A democracia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
2
PLATÃO . A república. São Paulo: Editora Nova Fronteira, 1999.
3
DAHL, Robert. Poliarquia. Participação e Oposição. São Paulo: EDUSP, 2005.
4
SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1961.
significado que resulta do fato de terem sido recheados com a substância e conteúdo
da história”. (SARTORI, 1994, p. 18)5
No momento atual, em que insatisfações de ordem social ganham corpo e uma queda de
credibilidade nas instituições políticas e, particularmente dos principais agentes políticos, as
vozes defendo regimes de força e fechados tornam a questão democrática muito importante.
Particularmente em um momento em que as crises econômicas passaram a ser frequentes, para
não dizer permanentes. Mesmo nos países considerados como o centrais da economia global.
As democracias modernas, constituídas no bojo de transformações profundas na
ordem social, econômica e política. Sob uma dupla lógica de produção e poder político: o
5
SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada, 2 as questões clássicas. São Paulo: Ática, 1994.
6
(Idem).
7
(Idem).
8
DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Brasília: Ed. UnB, 2001.
9
(Idem).
“O desenvolvimento econômico não é exclusivo de países democráticos, nem
a estagnação econômica é exclusiva das nações não-democráticas. Na verdade, pa-
rece não haver nenhuma correlação entre desenvolvimento econômico e o tipo de
governo ou regime de um país”. (DAHL, 2001, p.186)10
Cabe também destaque o que afirma Kelsen (1993)11 tradando da democracia moderna:
“A democracia moderna não pode estar desvinculada do liberalismo político.
Seu princípio é o de que o governo não deve interferir em certas de interesse do
indivíduo, que devem ser protegidas por lei como direitos ou liberdades humanos
fundamentais.” É através do respeito a esses direitos que as minorias são protegidas
contra o domínio arbitrário das maiorias. Tendo em vista que a permanente tensão
entre maioria e minoria, governo e oposição, resulta no processo dialético tão carac-
terístico da formação da democrática da vontade do Estado, pode-se afirmar com
razão: democracia é discussão.” (p. 183)
A Rota Brasileira
174 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
10
(Idem).
11
KELSEN, Hans. A democracia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
12
(Idem)
13
(Idem)
Infograma síntese dos principais acontecimentos políticos – pós repúblicas
14
Sobre essa temática, tomou-se como base a abordagem de: DINIZ, Eli. Globalização, reforma do estado e
teoria democrática contemporânea. São Paulo em Perspectiva, vol.15 no.4 São Paulo Oct. /Dec. 2001.
15
Tem-se como referência a análise feita por: Draibe, Sonia. A política social no período FHC e sistema de
proteção social. Tempo soc. vol.15 no.2 São Paulo Nov. 2003.
16
MARQUES, Rosa Maria; XIMENES, Salomão Barros e UGINO, Camila Kimie. Governos Lula e Dilma
em matéria de seguridade social e acesso à educação superior. Revista de Economia Política, vol. 38, nº 3
(152), pp. 526-547, julho-setembro/2018.
O Brasil, quanto à satisfação com a democracia e a confiança nela tem aparecido em
diversas pesquisas locais e internacionais. Cabe destacar que as metodologias e quesitos dife-
rem de uma para outra. No geral, apesar de índices de insatisfação variarem acima dos 50%,
a preferência pela democracia também vária acima dos 50%. Pesquisa DataFolha aponta
62% preferem a democracia e 58% consideram o melhor sistema na pesquisa do Barômetro
da América (Lapop)17. Em todas s pesquisa a insatisfação com o funcionamento é alta. Cabe
ressaltar que nesses inquéritos são inclusas diversas questões sobre economia, segurança etc.
A Pew Reserch Center (USA)18 aponta 83% de insatisfação dos brasileiros. Mas essas pes-
quisas aponta um comportamento global de econômica e ansiedade por mudanças sociais.
Predomina a insatisfação nos país democráticos, o que parece uma questão óbvia.
A Rota Portuguesa
Isso direcionou as políticas sociais e a proteção social para uma ideia de atendimento
segmentado com base na diversidade: mulheres, negros, crianças, indígenas, idosos etc.
Segue-se a isso, a criação de inúmeros marcos legais focalizados como a Lei Orgânica
de Assistência Social - LOAS (Lei 8.742/93), que estabeleceu o Benefício de Prestação
Continuada- BPC, garantindo um salário mínimo mensal ao idoso acima de 65 anos ou à
pessoa com algum tipo deficiência de longo prazo que lhe cause impedimento de atividades
laborais e integração social; Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Nº 8.069/90); Lei
cotas para Deficientes e Pessoas com Deficiência (Lei 8213/91) etc. Além da instauração de
inúmeros conselhos: CNE (Conselho Nacional de Educação), CNAS (Conselho Nacional
24
MAGALHÃES, Pedro. A qualidade da democracia em Portugal: a perspectiva do cidadão. Instituto de
Ciências Sociais da Universidade de Lisboa: SEDES, 2009.
25
Usou-se, como referência a esse enfoque, os trabalhos de: ARRETCHE, Marta. Estado federativo e políticas
sociais: determinantes da descentralização. Rio de Janeiro: Revan; São Paulo: Fapesp, 2000.; DAGNINO,
Evelina. Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
26
NASCIMENTO, Alexandre do; SILVA, Andrea F; ALGEBAILE, Maria E. As políticas sociais no brasil na
década de 1990. In NEVES, Lúcia (org). O empresariamento da Educação: novos contornos do ensino supe-
rior no Brasil dos anos 1990. São Paulo: Coletivo de Estudos sobre Política Educacional e Ed. Xamã, 2002.
de Assistência Social), CNS (Conselho Nacional de Saúde), CNPS (Conselho Nacional
de Previdência Social) etc.
O Brasil chegou a viver uma experiência de quase pleno emprego. Seguida de uma
crescente arrecadação por parte do Governo. O consumo, graças a expansão das transfe-
rências de renda, atingiu patamares elevadíssimos. Essa situação consumista foi celebrada
como um avanço social, estandardizada como a saída de milhões de brasileiros da pobreza
e o surgimento da “classe C”. No entanto, a qualidade de vida não sofreu significativas
melhoras. A saúde/saneamento, a educação e principalmente a segurança continuaram
apresentando dados alarmantes. Em 2013, porém, as massas na rua começaram a reclamar
do “paraíso”, viu-se uma enorme indignação e insatisfação já acumulada.
A crise que aflorou em 2015 trouxe à tona sérios problemas e um verdadeiro insucesso na
condução da economia por parte do Governo. Isso teve um desdobramento político-eleitoral
que empurrou grande parte do eleitorado para uma opção de descontinuidade com o campo
político de centro-esquerda que estava à frente do poder político desde a década de 1990.
No período de opulência e crescimento econômico, o salário mínimo cresceu 70%,
mas, manteve-se abaixo dos demais países sul-americanos. Contabilizou-se também a criação
de 21 milhões de empregos, no entanto, 84% desse montante não ultrapassava 02 salários
mínimos, fazendo com que a massa de assalariados, em 2016, subisse para 43,9% do PIB27.
Houve crescimento no rendimento médio de 3,5% no período de 2003 – 2014, porém,
acompanhado de crescimento de despesas na educação (7,1%) e na saúde (8,1%). O au-
mento de pessoas com ensino superior é um dos saldos mais consistentes desse período,
subindo de 7,6% para 13,3% da população.
27
LAVINAS, Lena e GENTIL, Denise L. Brasil anos 2000 A política social sob regência da financeirização
Novos estud. CEBRAP. São Paulo, V.37, n.02, pp. 191-211, mai.–ago. 2018.
28
Conf. SOUSA, Fernando de. Portugal e a União Europeia. Rev. bras. polít. int. vol.43 no.2 Brasília July/
Dec. 2000.
Por outro lado, econômica e fiscalmente as coisas não estiveram sempre boas e 2011
veio a Troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão
Europeia), que estabeleceu uma política de austeridade, dentre elas: “Reduzir o défice das
Administrações Públicas para menos de 10.068 milhões de euros (equivalente a 5,9% do
PIB baseado nas projecções actuais) em 2011”, além disso o receituário continha dimi-
nuição dos serviços; reduzir custos na área da educação; na área da saúde e “obter uma
redução nas despesas sociais de, pelo menos, 350 milhões de euros”29. Algumas consequên-
cias foram desemprego e aumento da pobreza. Pois os cortes nos subsídios, aumento dos
impostos e o salário mais baixo da Europa. A Troika também não deixou de ser uma certa
diminuição da autonomia do próprio Estado português
A partir de 2015, com um governo de coalizão, formado por departidos de esquerda,
autodenominado de “geringonça”, assumiu uma postura mais independente de flexi-
bilizando ou descumprindo algumas das medidas de austeridade impostas pela Troika.
Entretanto, tem seguido as prescrições quanto aos serviços públicos, que operam com
baixo investimento30. Apesar de resultado positivos, com melhoras em alguns indicadores
econômicos, esse modelo tem gerado uma série de desconfianças sobre a recuperação de
Portugal da recessão, tendo em vista a dependência de receitas procedentes de recursos
financeiros externos ligados ao turismo e ao setor imobiliário.
Apesar da desconfiança melhoras já foram registradas, em 2018 a pobreza monetária
ficou em 17, 2% e a desigualdade (coeficiente Gini) também diminuiu, hoje Portugal é 10
no ranking de desigualdade na Europa31.
Cabe ressaltar que Portugal possui outras questões problemáticas, como a demográfica,
182 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
onde as taxas de fecundidade e mortalidade estão entre as mais baixas da União Europeia
e um acentuado envelhecimento da população – impactando na sucessão de gerações e na
existência mão de obra ativa nacional. Sendo que as faixas etárias entre 0-17 e +65, isto
é, os polos de maior vulnerabilidade, apresentam os maiores índices de pobreza: 18, 5%
e 17,3% respectivamente. Completa o quadro demográfico o despovoamento de diversas
áreas do território.
“Mais cedo ou mais tarde, todos os países passarão por crises bastante profundas
– crises políticas, ideológicas, econômicas, militares, internacionais. Dessa manei-
ra, se pretende resistir, um sistema político democrático deverá ter a capacidade
de sobreviver às dificuldades e aos turbilhões que essas crises apresentam. Atingir a
29
Fonte: memorando de entendimento sobre as condicionalidades de política económica (Tradução: Governo
Português).
30
SEIXAS, João; TULUMELLO, Simone e ALLEGRETTI, Giovanni. Lisboa em transição profunda e de-
sequilibrada. Habitação, imobiliário e política urbana no sul da Europa e na era digital. Cad. Metrop., São
Paulo, v. 21, n. 44, pp. 221-251, jan/abr 2019.
31
Fonte: INE.
estabilidade democrática não é simplesmente navegar num mar sem ondas; às vezes
é preciso enfrentar um clima enlouquecido e perigoso.” (DAHL, 2001: p. 173)32
Considerações finais
32
DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Brasília: Ed. UnB, 2001.
As retrações e oscilações econômicas hoje são constantes e ocorrem em escala global,
seu caráter de simultaneidade e instantaneidade limitam as capacidades internas dos
governos de as gerenciar sozinhos e de forma célere.
O estoque de problemas gerados pela economia e pela complexidade social são de
Governo, não são propriamente de democracia. Porém, as democracias modernas estão
geminadas com o Estado e sendo ele um corpo e arena de decisões imperativas, as demandas
não satisfeitas, o déficit de atendimento e a deficiência na qualidade de representação po-
lítica recaem inevitavelmente sobre a democracia, o que tem sido um drama para todas as
democracias contemporâneas todas as democracias. Mas, por outro lado, esses problemas só
são visualizados e expressos por força da democracia, só ela permite aos descontentes com o
sistema política, sendo maioria ou minoria, poderem ser livres para tal descontentamento.
No caso de Brasil e Portugal a insatisfação com a qualidade da representação política, não
sentir sua opinião valer, a falta de equidade na justiça, as questões econômicas, a demora das
soluções e corrupção colaboram significativamente para o sentimento de insatisfação com
a democracia. Caberia perguntar sobre a qualidade da República no tocante a essas demandas.
No geral, as qualidades das democracias portuguesa e brasileira não são críticas,
particularmente no tocante as liberdades e garantias individuais; a tolerância com as mi-
norias; a garantia do contraditório; o funcionamento de um sistema regular de eletividade,
como mínima competitividade; imprensa livre e judiciários autônomos, em que pese os
percalços no judiciário brasileiro. Há efetividade, uma existência fática nesses termos.
No entanto, nas democracias sempre existem riscos. Sem riscos não é democracia.
Os seus detratores da democracia na Antiguidade já apontavam que seu maior bem é seu
184 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
Introdução
cenário rural superior historicamente e nos últimos 20 anos observar o quantitativo popu-
lacional urbano superior, nos remonta a relacionar as políticas destinadas a mecanização da
agricultura e a abertura do eixo rodoferroviário como fatores propulsores a esta migração.
No que se refere a São Luís, presenciamos a dinâmica um pouco diferente pois, a cidade
sempre concentrou o maior quantitativo populacional urbano do estado, historicamente,
por ser a capital e concentrar as decisões de poder para o restante do estado. Embora, a di-
minuição significativa do quantitativo populacional rural no município, outrora superior,
nos chama a atenção para o seguinte problema: quais os fatores da diminuição da zona
rural de São Luís perante à expansão da área urbana?
Assim, nos motiva estabelecer o objetivo desse artigo centrado em analisar os fatores
da diminuição da zona rural de São Luís. E para alcançar o objetivo proposto, construí-
mos o artigo a partir do método Materialismo Histórico e Dialético pois, entendemos que
nessas apresentações complexas das relações campo-cidade permeia-se as contradições do
capital para a aplicação do sistema capitalista e como este pode influenciar o urbano, onde
o capital é originário, e o rural, onde o capital se destina, ou seja, nestes dois ambientes
o modo de produção passa a ser elemento principal para entendermos esta dinâmica por
meio da divisão social e territorial do trabalho.
Ademais, concentrar nossa pesquisa a partir desta percepção crítica nos faz ressaltar a
importância da discussão campo-cidade para o entendimento da dinâmica populacional
maranhense e em decorrência a ludovicense. Embora, não objetivamos nesta pesquisa esti-
pular o termo ideal como sendo campo-cidade ou cidade-campo pois, conformar o campo
ou a cidade como elemento de superioridade desta relação nos projetaria um caminho de
reflexão perigoso, e isto acabaria em uma percepção sem dimensionar a real importância
da transformação do urbano e do rural e como estes se correlacionam historicamente.
Para tanto, ponderamos nossas leituras acerca das relações cidade-campo em Endlich
(2006), Rosa e Ferreira (2006) e Veiga (2001), além disso, para o entendimento das di-
nâmicas populacional do recorte espacial maranhense, especialmente São Luís, utilizamos
nossas reflexões a partir de Ferreira (2008; 2017) e Mesquita (2011; 2018). Além disso,
as confecções dos mapas e gráficos estão conformadas nas bases de dados histórica do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) destacando-se os relatórios técnicos
da urbanização e do projeto das regiões rurais publicadas em 2015; além do relatório técni-
co da caracterização de áreas urbanas e rurais publicado em 2017 e o acesso às informações
populacionais provindas das séries históricas e estatísticas do instituto.
Com isto, a coleta de informações e o seu refinamento possibilitou a confecção dos
mapas construídos a partir do software de Sistema de Informações Geográficas, o QGIS,
e assim nos permitiu demonstrar de forma dinâmica os temas representados, bem como
a representação espacial do município de São Luís. Logo, a construção e o adequação das
Ao longo das construções das cidades desde a Antiguidade, ressaltamos que a divisão
socioespacial do trabalho influencia diretamente nas construções dos ambientes urbano e
rural. Assim, estabelecer os limites físicos entre a cidade e o campo não nos parece uma tarefa
das mais fáceis, tendo em vista que permeia por esta discussão, historicamente, a urbanização.
Nessa perspectiva, ressaltamos que conforme Endlich (2006) a divisão do trabalho e as
divisões de classes determinam no contexto civilizacional o processo de urbanização, isto
nos permite refletirmos de forma temporal a construção das grandes cidades proporcionada
pelas diversas formas de produção em períodos diferentes pois, segundo Silva (2006):
O processo histórico de urbanização revela que as cidades, que surgiram a mais
de 5.000 anos, seguem a orientação do modo de produção ao qual estão vinculadas,
pelos processos que anteriormente descrevemos. As cidades da Antiguidade, tanto
orientais quanto as clássicas, possuíam lógicas que eram oriundas das sociedades es-
cravistas com uma considerável concentração de poder, socialmente e espacialmente
(SILVA, 2006, p. 73).
É neste sentido que se acentua a taxa de urbanização nos países europeus a partir,
principalmente, das estradas de ferro e dos precoces parques industriais. Apesar desta ace-
leração na urbanização, esta difere da urbanização vivida nos períodos da Antiguidade,
Idade Média e Renascentista. Ademais, é importante evidenciar o capitalismo como parte
integrante do processo desta aceleração da urbanização pois, apesar do capitalismo não
ser criado pelo espaço urbano, este proporcionou (ainda proporciona) a produção e a
reprodução do capital (ENDLICH, 2006).
Essa relação próxima entre o sistema capitalista1 e a urbanização, nos permite pensar
na configuração territorial do rural, uma vez que a partir do duplo processo de industria-
lização/urbanização e permeando neste encadeamento o motor do capitalismo, o capital,
verificou-se o crescimento populacional decorrente desta explosão/implosão da cidade
1
A partir das reflexões acerca da origem, estrutura e atuação do sistema capitalista; Karl Marx em sua obra
“O Capital” destaca a sociedade capitalista como estrutura econômica provinda da sociedade feudal, assim,
a dissolução do feudalismo possibilitou ao capitalismo, a expropriação da base fundiária do produtor rural,
este que forma a base de todo o processo, ou seja, a servidão do trabalhador é o ponto de partida do desen-
volvimento do capitalismo (MARX, 1984).
(ENDLICH, 2006). Dessa forma, pensar na cidade e no campo a partir de fatores cate-
góricos pode nos levar a um pensamento limitado e estático, tendo em vista que tempos
atrás, as cidades medievais expressavam distintamente tanto a cidade (castelos e muros) e
o campo (local distante e destinado à produção agrícola).
Diferentemente daquela realidade, atualmente, pensar em cidade nos proporciona
associações quase automáticas conforme afirma Bernardelli (2006, p. 33) “primeiramente vem
a ideia de uma parcela concreta do espaço, passível de ser delimitada, na maior parte dos
casos, que apresenta uma estruturação e uma morfologia peculiares”. Embora, se refletirmos na
concepção do urbano, destacaremos a influência que este detém na relação cidade-campo, ou
melhor, o urbano extrapola a cidade a partir do momento que atinge o rural e isto é uma pers-
pectiva histórica nos períodos vividos pois, existe o domínio monetário, econômico, das for-
mas de produção e da divisão do trabalho partindo do ambiente urbano (ENDLICH, 2006).
Essa construção da superposição do urbano ao rural tem fundamentos históricos,
sendo possível destacar as reflexões de Henri Lefebvre em sua obra O direito à cidade,
onde podemos observar suas elucidações acerca da cidade partindo da premissa de con-
centrar o nascimento da filosofia, a capacidade de ter funções de organização, baseando-se
nos trabalhos intelectuais (separando-se do trabalho material) que são frutos de pesquisas
pluri ou multidisciplinares, ou seja, a elaboração do conhecimento possibilita a otimiza-
ção de informações e comunicações, atividades políticas, além das condições de moradia
fundamentando-se em um mercado que visa o lucro (LEFEBVRE, 2001).
Através destas considerações acerca da cidade, pensar o campo em um complemento
antagônico à cidade nos faria adjetivar ao campo uma vida pretérita. Assim, tratar o
2
Segundo Harvey (2016) o capital proporciona sete contradições fundamentais, onde o sistema capitalista
não funcionaria sem elas, podemos destacar: 1- o valor de uso e de troca; 2- o valor social do trabalho e sua
representação pelo dinheiro; 3- a propriedade privada e o Estado capitalista; 4- a apropriação privada e a
riqueza comum; 5- o capital e o trabalho; 6- capital como processo e como coisa; 7- a unidade contraditória
entre produção e realização; assim, estas contradições estão ligadas de tal maneira que é impossível modificar
substancialmente e muito menos abolir qualquer uma delas sem modificar ou abolir as outras.
3
As relações entre o campo e a cidade não foram/são homogêneas nos diversos lugares no mundo, como exem-
plos Lefebvre (2001) nos traz a feudalidade ocidental em que a cidade replica a ação da senhoria da terra, onde
a luta de classes se revela ora latente ora violenta; em contrapartida, na mesma época, a feudalidade islâmica
mostra uma cidade artesanal e comerciante sem haja qualquer possibilidade de uma luta de classes.
Entretanto, no Brasil, os estudos a partir da visão continuum se intensificam com as relações
capitalistas proporcionada pela modernização no campo brasileiro, onde as relações entre ci-
dade e o campo tornam-se mais estreitas pois, esta integração de forma a ser evidenciada pelas
articulações dos espaços e os fluxos de mercadorias e de pessoas passaram a ser cada mais fre-
quentes, particularmente a indústria e o trabalhador rural (ROSA; FERREIRA, 2006). Logo,
as constituições de visões e/ou expectativas proporcionadas pela reflexão do continuum nos faz
resgatar os tempos do Brasil colônia, onde possuíamos uma estrutura homogênea pertencente
ao rural e ao passar dos períodos as relações se invertem campo e cidade se invertem.
Desse modo, a predominância rural no Brasil colônia fomentou o surgimento das
cidades e estas com o crescimento populacional passaram a fomentar o meio rural muito
devido à industrialização, fazendo crescer a heterogeneidade social, cultural, econômica e
demográfica (ROSA; FERREIRA, 2006). Assim, demonstramos por meio do Gráfico 1 a
série histórica do Brasil compreendendo a população urbana e rural:
Para tanto, expressar apenas o quantitativo histórico do Brasil entre a população ur-
bana e rural e analisar os contextos políticos, econômicos, sociais e culturais pode nos
levar às distorções da realidade. É neste sentido que o José Eli da Veiga pondera em suas
reflexões contra os apontamentos das determinações das áreas urbanas e rurais executadas
pelo IBGE pois, parte-se da própria concepção de cidade formulada pelo Decreto-Lei 311,
de 1938 no Brasil, ou seja, conforme Veiga (2001, p. 1) “[...] transformou em cidades
todas as sedes municipais existentes, independentemente de suas características estruturais
e funcionais”.
A Divisão Administrativa é o principal e único critério para a definição de áreas rurais
e urbanas no Brasil, onde podemos observar no Mapa 1 abaixo quando se comparamos a
outros países no mundo.
Para tanto, a importância histórica do Maranhão em que exerceu e ainda exerce a partir
das características da economia maranhense formulada no modelo primário-exportador
mostra um estado ainda basicamente agrário. A modo de exemplificar, o censo de
1940 destacou o quantitativo de 1.235.169 habitantes distribuídos nos 65 municípios
maranhenses, onde 85% destes localizavam-se na zona rural (FERREIRA, 2017).
Assim, notar o Maranhão a partir do seu quantitativo populacional como sendo
rural, historicamente, e paralelo a isto conviver com um processo recente de urbaniza-
ção, decorre do papel importante do estado até os anos sessenta pois, a crise do capi-
talismo de 1930 muda o caráter agrário exportador para um urbano industrial no eixo
Sul-Sudeste. Enquanto isso, as áreas periféricas4 do capital, particularmente evidencia-
mos o Maranhão, fornece arroz aos centros urbanos a custos baixos e a produção deste
alimento, cresce robustamente até 1982 (MESQUITA, 2011).
A partir desses fatores, a mudança demográfica no estado do Maranhão representouse
tardia quando o comparamos em escala nacional. Entretanto, a capital São Luís possui
uma trajetória diferente da relação campo-cidade quando nos referimos ao quantitativo
populacional urbano e rural, vejamos a Figura 4 a seguir:
É fato que essas ações compõem o documento formal para a caracterização da zona
rural do município, além disso, corrobora para esta caracterização o artigo 15 do Plano
Diretor, quando se destina as atividades passíveis de serem executadas no solo rural, tais
como: a exploração de atividade agropecuária, aquicultura, agroindustrial e turismo rural
(SÃO LUÍS, 2006). Diante disso, a conformação da cidade através dos Planos Diretores,
abre a possibilidade de se admitir a inserção de reinvindicações sociais, de movimentos
populares urbanos e/ou rurais, mas apresenta também o ônus que faz frente a essas con-
quistas, esse ônus representa também a conquista (se é que possamos falar assim) dos
194 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
5
Conforme previsto no Plano Diretor de São Luís, as diretrizes da política rural estão previstas no Capítulo
III, artigo 14, onde constituem o conjunto de instrumentos e orientações do desenvolvimento rural, através
da implementação de atividades produtivas, direito à saúde, ao saneamento básico, infraestrutura produtiva,
educação, trabalho, moradia digna, transporte coletivo, informação, lazer, ambiente saudável, segurança
púbica e a participação no planejamento de ações direcionadas à zona rural (SÃO LUÍS, 2006)
Figura 5. Planos Diretores de São Luís de 2006 e a nova proposta de 2019 – Rural e Urbano
rural do município pois, isso nos faria isentar a participação do Estado por meio do Plano
Diretor municipal. ainda que se assegure esta delimitação, a separação da cidade e do campo
não se dá por limites dos bairros (urbano) e das áreas de produção de povoados ou comuni-
dades (rural), ou seja, o direcionamento das políticas da zona rural torna-se ínfima perante
à própria caracterização do ambiente rural do município estabelecido formalmente.
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ROSA, Lucelina Rossetti; FERREIRA, Darlene Aparecida de Oliveira. As categorias
Giampietro Mazza
DUMAS -Università degli Studi di Sassari
A Serra de Sicó
Fonte: http://www.sitexplo.com/terras/index.php?action=rub_aff&rub_id=152&page_id=#rub954
População e povoamento
A região de Sicó aparece como uma área rural na qual, com o tempo, o setor primário
deixou de representar um setor produtivo, tornando-se uma economia de subsistência; o
desenvolvimento industrial e económico das vizinhas Coimbra, Condeixa-a-Nova, Penela
Carnide Brunhós
Carriço Figueiró do Campo
Louriçal Gesteira
Mata Mourisca Granja do Ulmeiro
Santiago de Litém Samuel
São Simão de Litém Vila Nova de Anços
Vermoil Vinha da Rainha
Meirinhas Soure
Guia Degracias
Ilha Pombalinho
Abiul Tapéus
Pelariga
Pombal 1. Completamente fora
Redinha 2. Parcialmente dentro
Vila Cã 3. Completamente dentro
Fonte: Elaboração do autor
Tabela 2. Subdivisão por grupos de freguesia da população residente na região de
Sicó entre vários censos portugueses.
O grupo 1 indica a freguesia com o território completamente fora da região, o grupo 2 representa aqueles par-
cialmente dentro, o grupo 3 está completamente dentro da Serra de Sicó.
Fonte: Elaboração do autor sobre dados INE.pt
Figura 9. Densidade demográfica das três freguesias referentes aos anos 1864 e 2011.
Economia
contraditórias e ambíguas. O contexto que emergiu dos dados do censo (2011) forneci-
dos pelo Instituto Estatístico Português (INE), revela um aspeto quase paradoxal da área,
substancialmente inconsistente com o que emergiu do trabalho de campo, observações e
entrevistas realizadas.
Como antecipado anteriormente, a região parece ser uma área montanhosa, interna e
rural. Este último aspeto merece algumas considerações essenciais. Se, por um lado, na ten-
tativa de relevar1 a identidade territorial deixa-se transparecer o peso da vida rural, a situação
económica quase desmascara esse aspeto. Para confirmar isso, sublinha-se que apenas 7%
do solo de Sicó é submetido a uso agrícola e pastoral, contra 11% de todos os municípios da
Beira Litoral (dados do INE.pt), aspeto que não justifica a importância do desenvolvimento
económico da vida rural da região e o seu papel na definição do território.
Os dados mostrados na figura 11 indicam a percentagem da população por setor
económico devido à combinação das freguesias situadas fora da região de Sicó, parcialmente
1
Como refere Banini (2013), a identidade territorial não pode ser estudada, mas deve necessariamente ser
revelada pela população local.
fora e completamente dentro da mesma. O peso do setor primário é bastante pequeno em
todos, confirmando o que já foi apontado na tabela 10, no entanto, é importante enfatizar
que o setor primário para as áreas mais internas dos conselhos de Condeixa-a-Nova, Penela,
Soure e Ansião apresenta incidências um pouco maiores que o mesmo setor para os outros
grupos de freguesias. Deve-se enfatizar que o ambiente cársico, muito rochoso, com pre-
sença escassa e temporária de água, dificulta ainda mais o desenvolvimento de atividades
agro-pastoris, caracterizadas por serem minifúndios, principalmente de subsistência e
marginais (Cunha, Santos 2009).
A análise das três freguesias estudadas (Fig. 12 e 13) mostra como a tendência regional
é confirmada, com uma percentagem de empregados no setor primário muito baixo (espe-
cialmente em Rabaçal e Zambujal, respetivamente 1,2% e 1,4%). No Zambujal, existem
dois funcionários no setor primário e apenas um no Rabaçal. É curioso destacar como esse
último dado é irrisório, apesar de o produto mais importante e mais conhecido da região de
Sicó ser o Queijo Rabaçal, intervindo, portanto, fortemente na cadeia produtiva do mesmo.
A Figura 13 mostra a percentagem de empregados por setor económico nas três fre-
guesias; no caso de Pombalinho, o setor secundário é extremamente relevante. Esse aspeto
deve-se ao fato de a mesma freguesia pertencer ao município de Soure2 e à proximidade
física de Degracias, local da fábrica de Frutorra, na qual uma fatia dos empregados do
secundário de Pombalinho está empregada.
Figura 12. Quadro económico das três freguesias analisadas na região de Sicó.
População economicamente ativa
Zona Empregados
Total
Geográfica Total
Primário Secundário Terciário
U+D U U+D U
Zambujal 160 85 138 71 2 25 111
Pombalinho 258 141 228 126 10 116 102
Rabaçal 101 56 83 47 1 23 59
Figura 13. Percentual de empregados, por setor económico, das três freguesias
analisadas na região de Sicó.
210 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
2
No conselho de Soure existem atividades de mineração. Motivo este do importante peso económico do
setor secundário no conselho
Questão e método
Figura 14. Percentagem de respostas aos inquéritos da Serra de Sicó em recursos territoriais.
Em relação aos recursos indicados pelos entrevistados (Fig. 14), surge, paralelamente
ao que vimos anteriormente, uma alta percentagem da eno-gastronomia entre as respostas
fornecidas. Cabe ressaltar que, nesse caso, foi decidido distinguir as respostas Queijio do
Rabaçal de outros produtos intimamente relacionados à comida e ao vinho (vinho, óleo,
chícharos e pratos tradicionais).
A posição geográfica é considerada um recurso por 4 testemunhos privilegiados, em vir-
tude da proximidade das autostradas e estradas nacionais e da proximidade das cidades mais
importantes dos dois distritos onde está localizada a Serra de Sicó. Ao mesmo tempo, na
consideração do património cultural como um recurso do território, tem um papel muito
importante o Caminho de Santiago, que, no Caminho Português, passa pela região de Sicó.
Os caminhos são hoje capazes de criar um importante induzido no território (Corinto
2017), implementando o conhecimento dos mesmos e, em paralelo, dos seus produtos.
Relativamente aos problemas reconhecidos como tais pelos entrevistados na área de
estudo, como antecipado anteriormente, emerge o desconforto causado pelo envelhecimento
da população que domina esse território. Esse aspecto afeta fortemente o tecido económico
e social, com rotatividade geracional que nem sempre pode ser garantida e que causa um
abandono gradual de algumas práticas económicas tradicionais, como vimos no caso do
setor primário. Cabe ressaltar que 4% dos entrevistados consideram problemático o cultivo
de árvores de eucalipto. Este cultivo está intimamente ligado ao desenvolvimento de várias
empresas ao longo da costa oeste central de Portugal para a produção de papel, por isso a
necessidade de cultivo lenhoso é extremamente importante. Nesse sentido, os eucaliptos, que
garantem rápido crescimento, são favoráveis à cadeia produtiva do papel, com consideráveis
transformações paisagísticas. De facto, o ambiente às vezes foi privado de olivais centenários
para dar lugar a novos plantios de árvores típicos da Oceânia (Monteiro Alves et al., 2007).
8% dos entrevistados declararam, também, problemática a situação de risco devido
212 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
aos incêndios que atingem as áreas arborizadas do continente (Campar de Almeida 2019),
dos quais a região de Sicó não está isenta.
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Iolanda Barros
A importância do Turismo a nível global, se sobressai a cada ano, visto que o setor está
se tornando uma força pujante para a expansão da economia em diversos países1, na medida
que a atividade gera para a economia mundial aumento do consumo, produção de bens e
serviços, e a criação de empregos e/ou novos postos de trabalho. Nesse sentido, o crescimen-
1
De acordo com a pesquisa “Tendências e Políticas para o Turismo da OCDE em 2018” o turismo representou
11% do PIB da Espanha em 2016 e 9,2% em Portugal, número que denota a relevância do setor nestes
destinos ibéricos.
A nível nacional, a correlação dessa força motriz com o espaço, encontra no Brasil, alta
capacidade para o desenvolvimento das atividades turísticas, seu potencial turístico, é por
via de regra reconhecido pelas mais diversas áreas de estudo, uma vez que seu território é
um extenso campo de recursos e atrativos turísticos.
Nesse contexto, o território brasileiro figura no cenário mundial como um dos mais
atraentes destinos para visitação, seja pela sua diversidade cultural, ou pela riqueza da sua
biodiversidade, sendo essas, as potencialidades postas em destaque nos estudos que subsi-
diaram o relatório The Travel and Tourism Competitiveness Report (2019), divulgado pelo
Fórum Econômico Mundial (WEF,2019).
Em uma estratificação por unidade federativa, no Estado da Bahia, sua capital se destaca
pela diversidade cultural e histórica, requisitos que lhe atribuiu um lugar na lista das cin-
quenta cidades que merecem uma visita, divulgada pelo jornal americano The New York Times
em 2018, contudo as potencialidades turísticas do Estado não se resumem a beleza da sua
capital, pela própria magnitude da sua extensão territorial, uma vez que comparativamente
sua dimensão espacial é superior a Espanha, e sua diversidade regional se assemelha muito ao
País Ibérico, na medida que diversas localidades apresentam potencialidades para promover
o desenvolvimento do turismo.
Contudo, apesar dessa competência turística favorável em regiões distantes da capital,
por vezes, muitos destinos encontram diversos óbices para desenvolverem o potencial
congregado nas atividades turísticas locais, seja, pela ausência de ações governamen-
tais estaduais ou federais, ou pela organização estrutural deficiente entre a tríade: trade
turístico, administração municipal e comunidade.
218 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
Para o desenvolvimento desta seção, a qual objetiva relatar brevemente o status atual
do setor do turismo no Brasil, foi utilizado sobretudo a pesquisa documental, nesse
sentido, o estudo desenvolvido para o Fórum Econômico Mundial 2019, compõe base
norteadora metodológica, a saber: o relatório The Travel & Tourism Competitiveness Report
(TTCR,2019), produzido com base no ano de referência 2018, avalia por meio de 14
indicadores, as principais as condições de competitividades de viagens e turismo dos desti-
nos analisados, para a formulação da nota equivalente a cada pilar, os quais se subdividem
em uma serie de critérios que compõe cada um deles.
Nesse sentido, conforme se observa no Quadro 1, no ano de 2018, o relatório avaliou
o Brasil como 2º lugar geral em recursos naturais, e em 9º lugar em recursos culturais,
entretanto esse destaque perde força, quando no ranking geral verifica-se que o país ocupa
a 32ª colocação, entre as 140 economias avaliadas em todo mundo, essa perda, se dá
sobretudo por questões ligadas a infraestrutura e segurança.
fazendo com que a atividade turística seja reconhecida como uma atividade com potenciais
efeitos positivos para a diversificação econômica do País, sendo, portanto irrefutável a sig-
nificância do setor de turismo para o Brasil, como nação que possui substancial potencial
para efetivação de um progressivo crescimento da atividade turística.
latitude 13º00’19” sul e longitude 41º22’15” oeste, com uma altitude que varia de 981
a 1568m. Sua divisão político-administrativa incide na mesorregião centro-sul baiano e
microrregião de Seabra, e distante 478km da capital do estado (IBGE, 2010).
Conforme dados do Censo (2010) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
o município tem uma população de 10.545 habitantes, onde pouco mais de 65% de
sua população distribuída na zona rural, o que junto com uma extensão territorial de
2.462,153km² lhe atribui uma densidade populacional baixa, conforme se observa nos
dados constantes no Quadro 2.
A ocupação histórica do município de Mucugê, que tem uma parcial de seu território
dentro do Parque Nacional da Chapada Diamantina (PNCD), está fortemente atrelada a
exploração do interior da Bahia, através dos movimentos de bandeiras.
De acordo com Bandeira (2014), a data da descoberta de pedras de diamante na
região da Chapada Diamantina é bastante contraditória à medida que diversos autores4
4
Para Caio Prado Junior, as primeiras descobertas datam de 1732, entretanto as explorações podem
haver permanecido em segredo pois na Bahia esse labor foi proibido por carta regia de 16 de março de
1731(BANDEIRA,2014).
utilizam diversas datas, para estabelecer um marco temporal, o autor toma como ponto
de partida a exploração que se inicia em 1817 na Serra do Gagau, e por volta de 1844 a
exploração chega as margens do rio Mucugê, para corroborar a afirmação o autor ampara
sua afirmativa nos estudos de Pedro Calmon que discorre:
“Em 1844, abriu-se a chusma de garimpeiros, chamados de todos os quadrantes
para a farta e tumultuada colheita dos diamantes, a região de Mucugê, de Andaraí
e de Lençois, onde nasce o Paraguaçu e os montes talhados em pedra policrômica
desenham sobre os vales profundos monstruosas arquiteturas...” (CALMON, 1950
Apud BANDEIRA 2014, p.105)
Com efeito, a área já era parcialmente ocupada, no início do século XIX por fazendeiros
que mantinham criação de gado, algumas décadas depois, com a descoberta do diamante na
região Leste da Chapada Diamantina, a área foi povoada por exploradores auríferos e de pedras
preciosas, mineradores em grande parte de naturalidade paulista e baiana, mas também muitos
europeus judeus e novos cristãos, fundando a vila de Santa Isabel do Paraguassú em 1844, em
1890 o nome da vila foi mudado para Freguesia de São João do Paraguaçu, em 1917 passou
a ser chamado de Mucugê, a alcunha, procede de um fruto comestível outrora abundante na
área do rio Mucugezinho (SALES, 1994, FERREIRA, 2008; BANDEIRA, 2014).
Durante algumas décadas, a mineração levou prosperidade a região, essa ascensão
econômica foi refletida em sua rica arquitetura civil colonial, constante de casarios portugue-
ses e antigas igrejas, além de um cemitério de estilo bizantino, contudo, na década de 1870, a
exploração do diamante entra em decadência e posterior crise, a região adota outras atividades
econômicas, como a criação de gado, cultivo de café e cereais (BANDEIRA, 2014).
A decadência econômica na metade do século XX, se deu sobretudo, pela descoberta
de novas jazidas de diamantes no Sul da África, que superavam o custo do diamante brasi-
leiro, e posteriormente pela proibição da exploração da gema, causando um esvaziamento
populacional no município (FERREIRA, 2008).
Entre as alternativas a essa crise econômica, a região explorou os campos naturais
de sempre-viva, (espécie de flor típica do território, que após colhida e secada sob o sol,
tem seu aspecto natural mantido por cerca de 8 meses), a planta que tem cerca de 400
variações, era exportada em grandes quantidades para Europa como artigo de decoração,
chegando a quase extinção, o ápice da falta de alternativa de sobrevivência, levou muitos
autóctones a caça de diversos tipos de animais silvestres nativos (SALES, 1994).
Em 1985, foi criado o Parque Nacional da Chapada Diamantina, o qual 52% da
área está dentro do território de Mucugê, a criação do parque, e diversas outras estrutu-
rações de políticas públicas5 impulsionaram a partir dos anos 1990 o turismo na Bahia
(ICMBio, 2018; CRUZ, 2005). Na mesma década chega à região a agricultura empresarial
mecanizada, principal fonte econômica do município na atualidade.
5
Para maiores detalhes sobre as políticas públicas implementadas na década de 1990 consultar CRUZ (2005)
6
O último dado oficial do PIB do município data de 2015, quando o produto interno bruto (PIB) corres-
pondia a R$ 33.203,24, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
7
Todos as informações foram fornecidas pela Secretaria de Turismo, Cultura e Meio Ambiente da Prefeitura
Municipal de Mucugê.
Relativo a oferta existente, observa-se quão extensa é a quantidade de atividades de
ecoturismo e peculiares as atividades culturais ofertadas nos passeios comercializados pelas
agências de turismo do município, contudo, em sua maioria, esses passeios também podem
ser contratados diretamente com uma das duas associações de condutores de visitantes, a
saber: a Associação de Condutores de Visitantes de Mucugê (ACV-M) e a Associação
Marchas e Combates, fato que amplia a comercialização dos passeios.
A Associação de Condutores de Visitantes de Mucugê (ACV-M), é a mais antiga da
cidade, e organiza os passeios separando-os por nível de esforço físico, o valor monetário
do passeio é cobrado por pessoa, sendo uma taxa, que pode variar de acordo com a opção
de passeio escolhido e o número de turistas do grupo. A associação tem sua sede no cen-
tro da cidade, e conta com 36 condutores cadastrados e que passam periodicamente por
capacitação, revisão dos cursos de primeiros socorros, atendimento ao turista e brigadistas.
No Quadro 3, é possível observar a lista de passeios ofertados pelas agências de
turismo e pelas associações de condutores de Mucugê, entretanto é devido esclarecer que
alguns desses atrativos não estão localizados no perímetro territorial do município, pois
pertencem a áreas compreendidas dentro do limite de outros municípios, a exemplo disso,
podemos citar o atrativo da Cachoeira do Buracão, localizado no município de Ibicoara.
Fonte: Autora desta pesquisa com base em entrevista a Associação do Condutores de Visitantes de Mucugê – ACV-M
Os questionários utilizados na pesquisa em estabelecimentos do trade turístico
revelaram, que a origem dos visitantes do destino, é em sua maioria brasileira, sobretudo
do nordeste e sudeste, destacando-se como maioria residentes da Bahia, em paralelo a isso
aferiu-se qual o atrativo turístico que agrada mais os turistas, o resultado obtido destaca a
Cachoeira do Buracão, no município de Ibicoara, como o atrativo mais elogiado pelos tu-
ristas ao retornarem do passeio, tendo seu percentual em 60% frente a 30% do Poço Azul
e Poço Encantado e 10% distribuídos para os demais atrativos.
De acordo com a Secretaria de Turismo, Cultura e Meio Ambiente da Prefeitura Municipal
de Mucugê8, relativo ao número de leitos constantes de todas os estabelecimentos de hospeda-
gem, o município conta com 862 leitos distribuídos em 289UH´s (unidades habitacionais)
nesse total estão incluídos as instalações com acomodações de locação por temporada, como
as disponibilizadas pelo serviço online do Airbnb , o setor de alimentos e bebidas conta com
18 restaurantes, 02 cafés e 11 lanchonetes (Prefeitura Municipal de Mucugê).
A pesquisa identificou em sua planta turística básica 23 meios de hospedagem,
composto por: 1hotel, 15 pousadas, 6 hostels e 1 camping, além de 31 casas de aluguel, dos
23 meios de hospedagens encontrados, aferimos os valores, a quantidade de avaliações, as
notas das avaliações dos hóspedes e a distância que se encontram do centro da cidade, con-
forme exposto no Quadro 4. Essa exposição nos permite constatar que matematicamente
as notas das avaliações são boas, aproximando-se da média 8,6. Entretanto a quantidade de
avaliações oscila muito, não permitindo, portanto, estabelecer um parâmetro comparativo
estatístico. Relativo aos valores de uma diária para casal, a média é aproximadamente R$
168,00, equivalência aproximada a € 38.
226 //As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
Fonte: Autora desta pesquisa com base na pesquisa online no site Booking.com
Com o intuito de aferir o grau de sazonalidade, que por via de regra é uma questão
recorrente nos destinos turísticos, questionamos qual o período com maior recebimento
de hóspedes, de acordo com os respondentes quatro meses se destacam: junho com 37%;
outubro com 27%; e janeiro e julho ambos com 18% da demanda turística.
Durante a entrevista semiestruturada realizada com o Secretário de Turismo,
Sr. Euvaldo Ribeiro, foi solicitado que o mesmo relatasse, enquanto gestor, os principais
desafios bem como as principais potencialidades do município nas questões relacionadas a
expansão do turismo enquanto atividade econômica. Sua narrativa revelou sobretudo não
Considerações finais
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Introdução
As regiões costeiras são definidas por Tinley (1971) como 3 nomeadamente a costa
Norte (com falhas baías, barreiras de coral e escarpas de rochas coralígenas); a central (pânta-
nos, estuários com barreiras de areias, praias simples ou arqueadas); e a costa Sul (com dunas
parabólicas, com intervalos de grés costeiro formando cabos com orientação Norte e lagos de
barreira). Paralelamente à costa, ilhas isoladas ou agrupadas em pequenos arquipélagos, algu-
mas dispondo de boas estruturas turísticas, proporcionam a observação de variada vegetação
e fauna ímpar (Cooper 2002). Associado a esta riqueza é possível encontrar monumentos
históricos que assinalam a passagem de árabes e europeus, águas transparentes que convidam
à natação e ao mergulho, barreiras de coral de uma beleza extraordinária com ecossistemas
ricas espécies piscícolas cuja captura é o alvo mais desejado pelos amantes da pesca desportiva.
Em relação ao clima, Moçambique é predominantemente tropical sub-húmido com
uma média de temperaturas de ~24º e pluviosidade dividida segundo as áreas de influência
oceânica e de interior. No sul de Moçambique o clima da região é nitidamente tropical
no que respeita ao comportamento da pluviosidade, da temperatura e dos ventos dada a
sua situação geográfica, passando por aqui o Trópico de Capricórnio (Fiege et al., 2003).
Existem 3 grandes unidades espaciais identificadas criteriosamente organizadas segundo
a sua localização, condições atmosféricas e condições físico-geográficas: Moçambique se-
tentrional, meridional e central. Os limites de cada região coincidem com determinados
aspetos geográficos, mas não tem caracter legal e cingem-se apenas a aspetos naturais na
divisão do país, como clima, relevo, vegetação e hidrografia; por essa razão, as regiões
podem ser também ser tratadas como ‘’Regiões Naturais de Moçambique’’.
Atravessada pelo Trópico de Capricórnio entre Morrumbene e Massinga, Moçambique
meridional é a região de menor superfície, ocupando cerca de 23% do território moçambi-
cano, abrangendo as províncias de Inhambane, Gaza e Maputo. Esta região é caracterizada
pela dominância de superfícies sedimentares aplanadas, recortadas por rios de planície
(Fiege et al., 2003) conferindo especialmente a província de Inhambane um forte alvo para
turismo em Moçambique.
A cidade de Inhambane