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ANÁLISE MORFOMÉTRICA E ANATÔMICA DO

ÚTERO EM FAMÍLIAS DE QUIRÓPTEROS


(MAMMALIA) QUE OCORREM NO BRASIL
Eliane Cristina Vicente1
Viviani Cristina Emiliani2
Larissa Figueiredo de Oliveira2
Sílvio Favero3
1
Coordenadora do Laboratório de Chiroptera, elianevicente@yahoo.com.br
2
Laboratório de Chiroptera, chiropterauniderp@yahoo.com.br
3
Coordenador do Programa de Mestrado em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional – UNIDERP.

RESUMO
Os morcegos são mamíferos pertencentes à ordem Chiroptera, sendo os únicos com capacidade de
vôo, devido à transformação de seus membros anteriores em asas. São animais placentários, onde a
nutrição do embrião ocorre através de uma estrutura êmbrio-maternal denominada placenta. Em
placentários há uma variação morfológica uterina que vai desde cornos distintos à completamente
fundidos, com aspecto periforme. O objetivo deste estudo foi verificar a morfologia uterina, associando a
forma e a funcionalidade deste órgão, de maneira comparativa, em espécies de quirópteros
representantes das famílias Noctilionidae, Vespertilionidae, Molossidae e Phyllostomidae. Em Artibeus
planirostris o útero é denominado simples e ambos os ovários são funcionais. As médias das medidas
uterinas de Molossus molossus não diferiram significativamente daquelas obtidas para Myotis nigricans,
assim como as de A. planirostris em relação a N. albiventris. Em N. albiventris ocorre um tipo
morfológico designado como útero bipartido, em M. molossus útero bicórneo.

Palavras-Chave: Evolução, Mamíferos, Morcegos, Placentários, Reprodução.

Ensaios e ci., Campo Grande, v. 10, n.1, p.63 – 73, abr. 2006|
1 INTRODUÇÃO ocorre através de uma estrutura êmbrio-maternal
denominada placenta (Curtis, 2000).
O útero é uma estrutura muscular de
A classe Mammalia está constituída por 26
paredes espessas no qual ocorre o
ordens, 11 das quais com representantes no
desenvolvimento embrionário. É constituído por
Brasil (Wilson e Reeder, 1992). Segundo Nowak
uma túnica interna altamente vascularizada, o
(1991), a maior ordem de mamíferos é Rodentia
endométrio, que é fino quando inativo e espesso
com 2.021 espécies, representando cerca de
em condição de gestação. As tubas ou ovidutos
40% do total da classe e, a segunda maior, a
são relativamente pequenas, curtas e separadas,
ordem Chiroptera com cerca de 1000 espécies,
onde ocorre a fertilização do óvulo. A implantação
corresponde a 20% do total de espécies de
se dá na parede uterina, e, neste local, se
mamíferos atuais. Os registros fósseis mais
estabelece uma conexão êmbrio–maternal ou
antigos de quirópteros datam de 50 milhões de
placenta, responsável pelo fluxo de nutrientes e
anos e são provenientes de sedimentos
dejetos entre mãe e feto durante o
eocênicos da Europa e América do Norte (Curtis,
desenvolvimento embrionário. A placenta é uma
2000).
estrutura vascular extraembrionária especial
O sucesso desse grupo pode ser
derivada de membranas do ovo amniótico
explicado por vários fatores, entre eles,
(Weichert, 1966).
modificações morfofisiológicas que permitem a
Os Prototheria (Monotremata) depositam
exploração de vários nichos ecológicos. Dessas,
ovos com casca, de onde nascem seus filhotes.
destaca-se a adaptação para o vôo, já que os
Em Metatheria (Marsupialia), vivíparos não
morcegos são os únicos mamíferos
placentários, o nascimento dos filhotes ocorre
verdadeiramente voadores, resultado de milhões
sob condições de extrema imaturidade, e parte
de anos de evolução. Em associação ao vôo,
do desenvolvimento embrionário se segue em
vários fatores contribuíram para a viabilidade e
uma estrutura altamente especializada, o
diversificação do grupo até os dias atuais, entre
marsúpio, onde estão localizadas as glândulas
eles a exploração do ambiente aéreo à noite,
mamárias e respectivos mamilos. Ambos os
capacidade de utilização de diferentes tipos de
grupos acima mencionados apresentam útero
abrigos diurnos, a grande diversidade de hábitos
duplo (Weichert, 1966).
alimentares e a adoção de ampla variedade de
Em Theria (placentários), existe uma
mecanismos reprodutivos (Taddei, 1983).
variação morfológica uterina que se descreve
Os mamíferos, de um modo geral, mostram
desde cornos distintos, cujo nível de fusão é
uma evolução gradual da oviviparidade (não
variável, e completamente fundidos apresentando
placentários) para viviparidade (placentários),
uma cavidade uterina única de aspecto piriforme
onde a nutrição do embrião em desenvolvimento
(Weichert, 1996) (Fig. 1).

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desenvolvimento embrionário retardados. Essas
estratégias permitem que os filhotes nasçam em
períodos do ano mais favoráveis, com maior
disponibilidade de alimentos e melhores
condições climáticas (Taddei, 1996).
Conforme já mencionado, os quirópteros
apresentam uma grande diversificação de hábitos
alimentares e, consequentemente,
desempenham um importante papel na
manutenção do equilíbrio ecológico dos
diferentes biomas e recuperação de áreas
Ilustração: Larissa Figueiredo de Oliveira degradadas nestes ambientes. Entre as principais
Figura 1. Formas evolutivas do útero de
mamíferos. A) útero duplo com cornos totalmente funções ecológicas atribuídas a estes animais,
separados; B) útero bicórneo e a ocorrência de fusão destaca-se a disseminação de sementes e plantio
discreta na base dos cornos; C) útero bipartido com
cornos fusionados em boa parte de sua extensão e D) das principais espécies vegetais de sucessão,
útero simples, em forma triangular resultante da
completa fusão de cornos. Em escala crescente, A, polinização, controle populacional de roedores,
representa grupos mais basais e D, a forma mais morcegos e insetos noturnos, incluindo vetores
derivada.
com implicações a saúde pública (Kunz, 1982).
Os quirópteros apresentam um período de Considerando a extrema importância
desenvolvimento embrionário relativamente ecológica dos morcegos e que os aspectos
longo, considerando o tamanho do indivíduo. A reprodutivos estão intimamente relacionados à
maioria das espécies gera apenas um filhote por viabilidade evolutiva das espécies, a melhor
gestação, sendo este considerado grande em compreensão dos mecanismos, desenvolvidos e
relação à mãe. Algumas espécies (gênero utilizados nos diferentes táxons, permite a
Lasiurus) podem gerar mais de um filhote por adoção de políticas de manejo e conservação
gestação, sendo estes de tamanho (Kunz, 1982).
proporcionalmente menor. Neste caso, a mãe
geralmente apresenta dois pares de mamas
2 OBJETIVOS
(Taddei, 1996).
Espécies de zonas temperadas
O principal objetivo deste estudo consiste
apresentam algumas particularidades: fenômeno
em verificar a anatomia uterina, associando a
da hibernação, que interrompe o ciclo
forma e a funcionalidade deste órgão, de forma
reprodutivo; estocagem de espermatozóides por
comparativa em espécies de quirópteros
machos e fêmeas; ovulação retardada e, com
representantes das famílias Noctilionidae
menor freqüência, implantação e

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(Noctilio albiventris), Vespertilionidae (Myotis alimento, ocorrendo em diferentes épocas do ano
nigricans), Molossidae (Molossus molossus) e (Bredt & Silva, 1996).
Phyllostomidae (Artibeus planirostris). Sisson et al (1959) comentam que em
Em vista das poucas informações mamíferos, cujo útero é considerado bicórneo, os
disponíveis na literatura pertinente ao assunto ora ovários estão escondidos em uma bolsa, devido a
abordado e, ainda, considerando que são poucos grande extensão do mesentério e são mais
os critérios utilizados para distinguir, com maior arredondados, apresentando um íleo marcado.
precisão, os tipos de úteros principalmente os Podem, ainda, estar situados em torno do bordo
ditos bicórneos e bipartidos, este estudo almeja lateral do estreito anterior da pélvis, contudo sua
reunir dados que possam fundamentar a posição é bastante variável em fêmeas jovens. A
classificação anatômica de tal estrutura e facilitar superfície apresenta, ordinariamente, projeções
a compreensão dos principais mecanismos e arredondadas de modo que as glândulas
estratégias reprodutivas, adotadas ao longo da apresentem, em comum, um aspecto lobulado e
história evolutiva de quirópteros representantes regular. Estas projeções são formadas por
das famílias Noctilionidae, Vespertilionidae, grandes folículos e corpo lúteo. As tubas uterinas
Molossidae e Phyllostomidae. são largas e menos flexíveis, possuindo cada
uma extremidade franjeada que forma uma
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ampola e possui uma grande abertura abdominal.
A extremidade uterina termina
insensivelmente na extremidade pequena do
Em morcegos, de modo geral, a gestação
corno. O útero apresenta várias características
pode variar de 2 a 7 meses, e comumente, ao
notáveis, entre elas cornos largos, flexíveis e
final do ciclo, nasce apenas um filhote. Logo após
livremente móveis, graças a grande extensão dos
o nascimento, em algumas espécies, as fêmeas
ligamentos anteriores. As extremidades dos
costumam carregar seus filhotes durante o vôo
cornos se adelgaçam até atingir o diâmetro das
noturno. Nos primeiros meses, os filhotes
tubas uterinas. Quando se incidem podem ver em
(lactente) são amamentados e, gradativamente
seu interior pequenas proeminências
começam a ingerir o mesmo alimento dos
arredondadas algumas das quais se encaixam e
adultos. Os morcegos insetívoros, habitualmente,
abrem no canal cervical. Continuam por dentro
possuem um pico de reprodução que ocorre no
com pregas da membrana mucosa da vagina, os
período mais quente do ano (primavera e verão),
ligamentos anteriores contém grandes
quando os insetos são mais abundantes. Já no
quantidades de fibras musculares lisas, contém
caso dos frugívoros, a reprodução está associada
também um grande gânglio linfático envolta do
à frutificação das plantas que lhe servem de
ovário. Na parte superior do ligamento o tecido

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muscular forma uma cinta arredondada chamada grande lúmen comum e segmentos tubulares
de ligamento redondo (Sisson, 1959). estreitos. Estes segmentos tubulares são na
O útero de Noctilio albiventris tem sido verdade lúmens uterinos extremamente curtos e
descrito em detalhes por Anderson e Wimsatt constituem o corno intramural do útero.
(1963). Os cornos uterinos são curtos e bulbosos,
com um proeminente corpo uterino comum. 4 MATERIAL E MÉTODOS
Internamente, os lúmens uterinos não são
fundidos em toda a extensão do corpo comum. A Foram examinados 40 morcegos da
luz uterina é extremamente curta e formada a família Noctilionidae, espécie Noctilio albiventris
partir da região cranial ao cérvix. Anderson e (Amostra 1), 30 da família Molossidae, espécie
Wimsatt (1963) notaram que existe uma crista Molossus molossus (Amostra 2), 29 da família
nas paredes antimesometrial do corno; estas Vespertilionidae, espécie Myotis nigricans
cristas servem como locais de implantação (Amostra 3), 24 da família Phyllostomidae,
(Raswelier,1977; 1978). Esta estrutura será espécie Artibeus planirostris (Amostra 4). Estes
notada abaixo de cristas endometriais também exemplares se encontram depositados na
encontradas em morcegos vampiros, Desmodus Coleção Científica do Laboratório de Chiroptera,
rotundus. da Universidade para o Desenvolvimento do
A histomorfologia uterina demonstra Estado e da Região do Pantanal – UNIDERP.
que os filostomídeos possuem úteros com As espécies foram coletadas com o uso de
cornos extremamente curtos e um redes de neblina ("mist nets") armadas junto às
proeminentemente corpo uterino comum que fontes de alimento e em possíveis rotas de vôo,
podem ser considerados bipartidos, os cornos situadas em matas, capões de mato ou pomares
são fusionados externamente. Esta anatomia em varias regiões da estado de Mato Grosso do
externa uterina é considerada uma sinapomorfia Sul. Os animais foram transportados para o
dos Phyllostomidae, excluindo Desmodus. laboratório em sacos confeccionados com tecido
Internamente, os lúmens uterinos se unem para apropriado. Foram anestesiados e mortos em
formar um grande lúmen uterino comum; a recipientes fechado, contendo algodão embebido
anatomia interna do útero é similar as de com éter ou através de pressão na região pós-
Mormoopidae e Desmodus. Membros do grupo occipital com alicate de ponta fina. Foram
Phyllostomidae possuem úteros simples montados em posição adequada, de modo a
externamente com uma forma tubular a de pêra. facilitar a realização das medidas externas e, em
O fundo do útero é proeminente e redondo. A seguida, fixados com formol a 10%, injetados na
anatomia externa do útero é considerada como a cavidade geral e na região cervical. Após a
mais derivada dentre os Phyllostomidae. A montagem e fixação os espécimes foram lavados
anatomia interna do grupo consiste de um em água corrente, mergulhados em frascos de
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vidro contendo álcool 70º GL e mantidos em Myotis nigricans – monótocos e com dois
ambiente obscurecido, para evitar a alteração da picos reprodutivos durante o ano (provavelmente
cor da pelagem. Para cada exemplar com estro pós-parto) - poliestros.
devidamente preparado foi atribuído um número Artibeus planirostris - monótocos e com
de coleção e os dados relacionados ao espécime dois picos reprodutivos em sucessão, incluindo
foram anotados no catálogo geral da coleção e meados do inverno ao final do verão.
em fichas complementares. Em Artibeus planirostris o útero é
Os espécimes foram devidamente denominado simples e ambos os ovários são
dissecados, para realizar a análise do funcionais. Diferentemente das aves, os
comprimento e o diâmetro dos cornos uterinos morcegos com reprodução unilateral, têm apenas
com o uso de paquímetro graduado. Para o lado direito funcional (corno uterino e ovário
verificar os períodos preferenciais de reprodução direitos), pois no ovário esquerdo não há o
das espécies foram anotados os dados referentes desenvolvimento de folículos vesiculares e,
a cada exemplar correspondentes a não consequentemente, não há ovulação. Nesta
grávidas, gravidez inicial. Foram realizadas situação enquadra-se a espécie Molossus
comparações intra e inter-específicas de molossus, enquanto que em Myotis nigricans,
dimensões uterinas. Os cálculos estatísticos eventualmente, observa-se gravidez no corno
inter-específicos constituíram-se da análise de esquerdo e ambos os ovários parecem ser
variância dos cornos uterinos pelo teste de funcionais.
Tukey. Nas comparações intra-específicas foi Conforme expresso nas tabelas 1 e 2, os
aplicado o teste “t” de Student para testar as resultados estatísticos demonstram que na
médias obtidas para os cornos direito e esquerdo, amostra 1 não houve diferença significativa,
nas espécies N. albiventris (amostra 1), M. quando comparados os valores obtidos nas
molossus (amostra 2) e M. nigricans. (amostra 3). medidas realizadas nos cornos uterinos direito e
esquerdo. Em relação às amostras 2 e 3 foi
5 RESULTADOS observado que os respectivos valores diferem
significativamente.
As espécies analisadas apresentam Tabela 1. Estatística padrão para as medidas dos
cornos direito e esquerdo em fêmeas não grávidas de
morfologia uterina variável e os padrões três espécies analisadas.
Espécies N Corno direito Corno esquerdo p1 GL
reprodutivos, resumidamente, são os seguintes
Média ± SD Média ± SD
(Taddei,1981): N. albiventris 20 1,69 ± 0,99 1,68 ± 0,67 0,982252781 33
M. molossus 20 3,99 ± 0,91 1,96 ± 0,63 0,000156181 19
Noctilio albiventris – monótocos e
M. nigricans 20 1,32 ± 0,60 0,94 ± 0,58 0,034777 19
sazonalmente monoestros.
N = número de exemplares; SD = desvio padrão; GL =
Molossus molossus - monótocos e Grau de liberdade; 1/ probabilidade para o teste de t.
sazonalmente monoestros.

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Tabela 2. Estatística padrão para as medidas dos deve ao fato de que as fêmeas observadas
cornos direito e esquerdo em fêmeas com gravidez
inicial de três espécies analisadas. apresentavam-se em diferentes fases de
Espécies N Corno direito Corno esquerdo p GL
desenvolvimento gestacional. Entretanto as
Média ± SD Média ± SD
N. albiventris 20 9,58 ± 5,90 10,42 ± 9,31 0,73681214 32 variações métricas foram atenuadas através do
M. molossus 10 21,13 ± 17,25 1,16 ± 0,65 0,007588823 8
estabelecimento de valores relativos pela razão
M. nigricans 09 7,95 ± 3,61 2,06 ± 1,40 0,005352 6
dos valores métricos de comprimento e largura
N = número de exemplares; SD = desvio padrão; GL =
Grau de liberdade dos cornos. Os resultados estatísticos obtidos,
referentes às fêmeas com gravidez inicial
Os resultados referentes às comparações
mostram que, quanto a morfometria dos cornos
inter–específicas são mostrados nas tabelas 3 e
uterinos (C.D.), N. albiventris é similar a M.
4. Quando comparados os valores referentes às
nigricans, e Molossus molossus não difere de
medidas dos cornos uterinos direito com os
Artibeus planirostris , ou seja, as amostras 1 e 3
valores mensuráveis de úteros simples de
apresentam diferenças significativas em relação
fêmeas não grávidas, através de Análise de
às amostras 2 e 4, conforme consta na tabela 3.
variância e teste de Tukey, foram obtidos
Os resultados das medidas referentes ao corno
resultados significativos que demonstram
uterino esquerdo, comparados com valores
diferenças entre as amostras 1, 2 e 3 , entretanto
obtidos a partir da análise morfométrica de útero
a amostra 4 apresenta-se similar a 1, diferindo
simples, demonstraram que as amostras 1 e 4,
também das demais. Em relação aos respectivos
assim como 2 e 3, não diferem entre si,
valores relacionados aos cornos uterinos
entretanto 1 e 4 apresentam diferenças
esquerdo comparados com medidas uterinas
significativas em relação a 2 e 3 (Tabela 4).
referentes à amostra 4, os dados demonstram
que as amostras 2 e 3 são similares assim como
Tabela 3. Análise de Variância e teste de Tukey
1 e 4, e que 1 e 4 diferem significativamente de 2 aplicados para análise das medidas de útero simples e
dos cornos direito (predominantemente funcionais),
e 3 (Tabela 3). em fêmeas não grávidas e com gravidez inicial de
Considerando as amostras de fêmeas quatro espécies analisadas.
Espécies N Não grávidas Gravidez inicial
com condição de gravidez inicial, foram utilizados (NGráv./Gráv.) (F = 24,04; P < 0,00) (F = 7,16; P < 0,01)
Média ± SD Média ± SD
para análise estatística úteros simples e cornos N. albiventris 20 / 20 3,55 ± 1,10 3,55 ± 1,10
uterinos direito (C.D.) (predominância de M. molossus 20 / 9 2,47 ± 0,91 5,70 ± 2,43
M. nigricans 20 / 04 1,59 ± 0,41 3,50 ± 0,73
funcionalidade) e esquerdo (C.E.). Quando A. planirostris 20 / 10 3,13 ± 0,47 6,12 ± 1,22

comparados os cornos uterinos esquerdo, foram N = número de exemplares; SD = desvio padrão


analisadas, estatisticamente, apenas fêmeas não
grávidas. A grande heterogeneidade
morfométrica, evidenciada pelos valores elevados
dos coeficientes de variação, da amostra, se

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Tabela 4. Análise de Variância e teste de Tukey Segundo Weichert (1966), em alguns
aplicados para análise das medidas de útero simples e
dos cornos esquerdos, em fêmeas não grávidas de mamíferos como marsupiais e roedores, o útero
quatro espécies analisadas. acha-se completamente separado, denominado
Espécies N Não grávidas
(F = 28,98; P = 0,00) de útero duplo. Em útero bipartido, encontrados
Média ± SD
em carnívoros, vacas e poucos morcegos, os
N. albiventris 20 3,43 ± 1,49
M. molossus 20 1,84 ± 0,31 cornos uterinos encontram-se fusionados em sua
M. nigricans 20 1,25 ± 0,37
A. planirostris 20 3,13 ± 0,47
região inferior. Em ovelhas, baleias e na maioria

N = número de exemplares; SD = desvio padrão dos morcegos, o útero é, quanto a sua


morfologia, bicórneo, pois possui a região médio
inferior dos cornos uterinos fusionadas. Em
6 DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
primatas, o útero, denominado simples,
apresenta uma única cavidade ou câmara interna
O útero dos mamíferos é um órgão tubular
e não cornos, como nos demais grupos
complexo que varia consideravelmente quanto à
mencionados. Neste caso ocorrem tubas
morfologia básica. Nos Eutheria mais basais, o
uterinas bilaterais ao órgão. Entretanto Pough et
útero consiste de duas trompas uterinas (cornua
al (1993), discutem a diversificação morfológica
= córnia) que se abrem, independentemente,
do útero, em mamíferos placentários, sem
dentro da vagina (Mossman,1977 apud Hood e
atribuir grandes diferenças estruturais e
Smith, 1982). Algumas espécies de Chiroptera,
nomenclaturais para os casos onde a
Dermoptera, Lagomorfa e Rodentia mantêm esta
constituição uterina inclui cornos distintos.
organização primitiva, enquanto que a morfologia
Considerando a morfologia básica, vários tipos
uterina de caráter derivado ocorre em muitas
de útero, são encontrados em quirópteros. Em
outras ordens de mamíferos. A morfologia
Chiroptera as famílias Pteropodidae,
derivada, aparentemente, demonstra fusão
Emballonuridae, Rhinolophidae, Hipposideridae,
progressiva (caudal-craniana) das trompas
Mormoopidae, Vespertilionidae, Mystacinidae e
uterinas, resultando na formação de uma
Molossidae, têm tubas uterinas relativamente
estrutura central, corpo uterino comum. Esta
longas, e corpo uterino comum moderadamente
progressão envolve dois aspectos das trompas
curto. Em contraste, os úteros em espécies de
uterinas: 1) tecido superficial de cornua fuse e, 2)
Noctilionidae e Phyllostomidae, têm tubas
esta fusão externa é seguida pela degeneração
uterinas curtas, e um proeminente corpo uterino
do septo mediano onde a luz uterina interna pode
comum. A maioria das espécies de
se tornar confluente. Entretanto, é possível que a
Phyllostomidae apresenta útero simples (Hood e
anatomia uterina interna retenha uma condição
Smith, 1983).
relativamente primitiva, embora haja a fusão
Fleming et al., 1972 discute os padrões
externa do corno uterino (Hood e Smith, 1982).
reprodutivos de morcegos neotropicais que

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podem ser resumidos em 4 grupos. A monoestria detalhes por vários autores (Hafez e Jeaszeazak,
sazonal é definida por um período de atividade 1972; Hafez, 1973; Graham, 1973; Kanagawa e
sexual restrito, onde os organismos se Hafez, 1973). A região caudal do cérvix projeta-
reproduzem uma vez durante o ano. Os se para o interior da vagina como uma elevação
poliestros sazonais apresentam dois períodos cônica e arredondada definida como ponto
diferenciais de reprodução durante o ano, vaginal. A junção cervicovaginal é abrupta na
produzindo dois filhotes anualmente. Alguns maioria dos mamíferos, mas varia
morcegos apresentam um longo período consideravelmente em primatas e morcegos
reprodutivo durante o ano, com um curto período (Graham, 1973).
de inatividade sexual e, neste caso, as fêmeas Nas famílias Pteropodidae, Emballonuridae,
podem produzir até três filhotes por ano. Não Rhinolophidae, Hipposideridae, Noctilionidae,
obstante, em espécies como Desmodus Mormoopidae, Phyllostomidae, Vespertilionidae,
rotundus, o vampiro comum, ocorre um padrão Mystacinidae e Molossidae, as trompas uterinas
de reprodução continuada durante todo ano, sem livres são compostas de miométrio e endométrio
que haja um período preferencial relacionado a bem definidos. Estes tecidos constituem a porção
sazonalidade. gestacional do útero. Por outro lado, o corpo
O útero dos mamíferos é composto de três uterino comum é composto de duas regiões
camadas de tecido cuja histologia é bem definida. histologicamente distintas. Estas incluem uma
Uma túnica serosa externa, o perimétrio que, porção linear endometrial gestacional e o cérvix.
junto com o mesentério e ligamentos associados, Em todas as famílias de Chiroptera mencionadas
suporta o útero. A grossa túnica mediana acima (exceto Phyllostomidae), o corpo uterino é
(miométrio), é constituída de fibras musculares mais longo, contudo é, na maioria das vezes,
planas ou suaves. Esta túnica constitui uma larga composto por tecido cervical. Em noctilionídeos e
porção da parede uterina. O endométrio, túnica filostomídeos “bicórneos” o corpo uterino comum
uterina interna, constitui uma mucosa de epitélio é extremamente grande e a área gestacional do
simples com glândulas associadas, sustentado útero constitui a sua maior porção. Todavia, o
por um tecido conectivo na base, a lâmina cérvix limita-se à região caudal terminal do útero.
própria. O endométrio sofre visíveis mudanças A anatomia externa do útero é constituída, em
cíclicas durante o período reprodutivo. A porção sua maior parte, pelo corpo uterino gestacional
caudal final do útero é denominada cérvix. Esta comum e esta é considerada uma sinapomorfia
região tem um epitélio muco-secretor distinto e dos Phyllostomidae (Hood e Smith, 1983).
um tecido conector denso (estroma). A A histomorfologia cervical dos Phyllostomidae
histomorfologia cervical de várias ordens de é típica de eutérios. A luz do cévix inclui um
mamíferos, incluindo primatas, roedores, epitélio muco-secretor distinto no qual
carnívoros e artiodáctilos, tem sido discutida em proeminentes dobras cervicais se projetam.

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Todos os Phyllostomidae tem um ponto vaginal apresenta mais desenvolvido, notadamente mais
arredondado e cônico e uma junção cérvico- irrigado e com o ovário correspondente funcional
vaginal bem definida, conforme discutido por apresentando folículos em diferentes estágios de
Hood e Smith (1983). desenvolvimento. O corno uterino é
Dentre as espécies de Pteropodidae e em significativamente menor e os folículos do ovário
Taphozous longimanus (Emballonuridae) foi esquerdo não chegam à fase de folículos
observado que o septo da luz uterina é completo, vesiculares. Esta situação foi observada por
assim como em Noctilionidae e alguns Taddei (1976) em espécies do gênero
Phyllostomidae. Hood e Smith (1983) comentam, Molossops. Esses dados recomendam estudos
ainda, que este formato anatômico uterino interno mais detalhados do trato reprodutivo de M.
é similar ao de vários grupos externos de nigricans e outras espécies do gênero, com o
quirópteros. Tal característica, considerada basal, objetivo de verificar a estrutura do trato
é mantida em alguns Phyllostomidae. Em Carollia reprodutor e esclarecer alguns aspectos de sua
perspicillata externamente o útero apresenta-se biologia reprodutiva. Myotis nigricans e outras
simples, mas estudos histológicos demonstraram espécies do gênero poderiam exibir uma
a presença de um septo interno confirmando condição intermediária entre aquelas que
nesta espécie uma posição basal quanto à apresentam ambos os ovários funcionais e
morfologia uterina (Taddei, 1981). aquelas que exibem um “caráter degenerativo” do
Entre as espécies examinadas três corno e ovário esquerdos, como é o caso de
apresentam cornos uterinos distintos e uma (A. Molossus molossus e espécies do gênero
planirostris - Phyllostomidae) tem o útero simples, Molossops.
condição notadamente derivada. Na análise intra- As análises inter-específicas foram realizadas
específica, nas espécies N. albiventris e M. para uma adequação da nomenclatura dos tipos
nigricans, monótocas, não foram notadas morfológicos uterinos que ocorrem em morcegos.
diferenças significativas entre as médias das Sugere-se que, em espécies cujas medidas
dimensões dos cornos direito e esquerdo, mas uterinas, quando comparadas com as de útero
essas diferenças foram registradas em M. simples (A. planirostris, por exemplo) não
molossus, também monótoca. Estes resultados apresentam diferenças significativas, quanto a
permitem algumas observações sobre a biologia área dos cornos uterinos, os úteros dessas
reprodutiva dessas espécies. Em N. albiventris é espécies sejam considerados do tipo bipartido.
comum a implantação embrionária em ambos os Ficou evidente na análise que as médias das
cornos, mas em M. nigricans predomina a medidas de Molossus molossus não diferiram
implantação no corno direito, raramente no significativamente daquelas obtidas para Myotis
esquerdo. Em M. molossus a implantação do nigricans. As médias das medidas de A.
embrião ocorre sempre no corno direito, que se planirostris não diferiram das obtidas para N.

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albiventris. Assim, em N. albiventris os cornos Key Words: Evolution, Mammals, Bats, Placentals,
Reproduction.
uterinos são proporcionalmente mais largos do
que longos, ou seja um tipo morfológico
REFERÊNCIAS
designado bipartido, permitindo um tempo de
gestação mais longo, acima de três meses e
ANDERSON, J.W., WIMSATT, W.A. Placentation
meio. Em M. molossus os cornos uterinos são,
and fetal membranes of the Central American
proporcionalmente, mais longos do que largos, e noctilionid bat, Noctilio labialis minor. Amer. J.
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contudo, o desenvolvimento do embrião


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placental there are a uterine morphologic variation that
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goes from different corns until the completely casting,
with a pear like form aspect. The objective of this study
was to verify the uterine morphologic, associating to HAFEZ, E. S. E., & S. JEASZEAZAK.
the form and functionality of this organ, in a Comparative Anatomy and Histology of the
comparative way, in chiroptera species that represents Cervix Uteri in Non-human Primates. Primates,
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