You are on page 1of 28

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 1

Índice Expediente

IMPRENSA 5 INFORMAÇÃO 12
Think Tank - A Revista da Livre-Iniciativa
Ano XIV - no 54 - Mar/Abr/Mai - 2011

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
Arthur Chagas Diniz
Elcio Anibal de Lucca
Alencar Burti
Paulo de Barros Stewart
Jorge Gerdau Johannpeter
LIBERDADE DE IMPRENSA WIKILEAKS E A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO Jorge Wilson Simeira Jacob
Fernando Luís Schüler Nivaldo Cordeiro José Humberto Pires de Araújo
Raul Leite Luna
Ricardo Yazbek
Roberto Konder Bornhausen

15 20
Romeu Chap Chap
MATÉRIA DE CAPA ESPECIAL
CONSELHO EDITORIAL
Arthur Chagas Diniz - presidente
Alberto Oliva
Aloísio Teixeira Garcia
Antônio Carlos Porto Gonçalves
Bruno Medeiros
Cândido José Mendes Prunes
Jorge Wilson Simeira Jacob
José Luiz Carvalho
Luiz Alberto Machado
Nelson Lehmann da Silva
PELA LIBERDADE DE EXPRESSÃO O BOM, O MAU E O FEIO Octavio Amorim Neto
Roberto Fendt
NA INTERNET Uma visão liberal do fato Rodrigo Constantino
Mario Guerreiro William Ling
Og Francisco Leme e
DESTAQUE 21 LIVROS 26 Ubiratan Borges de Macedo
(in memoriam)
DIRETOR / EDITOR
Arthur Chagas Diniz
JORNALISTA RESPONSÁVEL
Ligia Filgueiras
RG nº 16158 DRT - Rio, RJ

PUBLICIDADE / ASSINATURAS:
E-mail: il-rj@dh.com.br
Tel: (21) 2539-1115 - r. 221
LIBERDADE DE EXPRESSÃO GUIA POLITICAMENTE INCORRETO...
Moacyr Goes e André Chevitarese por Arthur Diniz FOTOS
ImagePlus, Photodisk e Wikipedia.

Nesta Edição INSTITUTOS LIBERAIS


BRASÍLIA
SCLN 107 - Bl. B - sala 206
70743-520 - Brasília - DF
Telefax: (61) 3447-3149
E-mail: lehmannnelson@terra.com.br
MINAS GERAIS
E-mail: garciaead@yahoo.com.br
RIO DE JANEIRO
Rua Maria Eugênia, 167 - Humaitá
22261-080 - Rio de Janeiro - RJ
Tel/Fax: (21) 2539-1115
NOTAS CLÁSSICOS LIBERAIS E-mail: ilrj@gbl.com.br
ORÇAMENTO 2011 por José L. Carvalho Internet: www.institutoliberal.org.br
RIO GRANDE DO SUL
REALIZAÇÃO Av. Ipiranga, 6681 - Prédio 96B, conj. 107
TECNOPUC - 90619-900 - Porto Alegre - RS
Telefax: (51) 3332-2376
E-mail: il-rs@il-rs.com.br
Internet: www.il-rs.com.br

SÃO PAULO
E-mail: lmachado@spo.matrix.com.br
BANCO DE IDÉIAS é uma publicação do Instituto Liberal. É permitida a
reprodução de seu conteúdo editorial, desde que mencionada a fonte.
Leitores
Editorial
Sua opinião é da maior impor-
tância para nós. Escreva para sta edição difere das 53 mídia. A crítica aparentemente
Banco de Idéias. E anteriores por se carac- se destina a determinados ór-
terizar por um conjunto de artigos gãos de imprensa, com o ob-
Senhor editor, com uma temática única, anali- jetivo de desestimular sua lei-
sada por diferentes intelectuais. A tura, bem como a intelectuais
Há poucos dias li, com enorme questão abordada, no entender para não conceder entrevistas
decepção, crítica no Comentário de Banco de Idéias, justifica a aos mesmos.
do dia, no site do Instituto Liberal, temática: a liberdade de informa- O professor e doutor Mario
em que se apontava como um ção e suas consequências e impli- Guerreiro justifica no seu artigo
deslize a contratação da senhora
do presidente do TCU pelo Senado, cações. O fato de ser monote- “Pela liberdade de expressão na
na condição de assessora do PR, mática não tira desta edição a Internet” sua conhecida capa-
exclusivamente pela coincidência variedade de formas com que é cidade de argumentar e coragem
de o partido ser o mesmo de tratada a questão. de expor. O episódio da invasão
Alfredo Nascimento, ministro de Nivaldo Cordeiro examina com do site do Pentágono certamente
transporte do governo Dilma. Acho precisão e coragem a questão inaugurou um novo capítulo no
que o comentarista do IL, no fundo, da Wikileaks. Ele classifica de processo de informatização que
critica mesmo é a contratação de brilhante o trabalho de Julian tem sido acompanhado pela
uma mulher de meia-idade como Assange e sua equipe. Uma das crescente globalização. Despon-
se a mesma estivesse roubando consequências desse trabalho é taram novos dilemas de caráter
uma posição que deveria ser
destinada a alguém jovem e, mostrar que os dinossauros da técnico, jurídico e político exigindo
principalmente, do sexo masculino. diplomacia precisam ser extintos, difíceis decisões tanto de caráter
pondo-se em seu lugar as mo- governamental como privado.
Marlene Borba dos Santos dernas tecnologias da informação Liberdade de expressão é o
Vitória – ES e do transporte. Esta conclusão título do trabalho do cineasta
contrasta com a política externa Moacyr Goes e do professor de
Prezada senhora, do governo de abrir sucessivas história André Chevitarese. Os
embaixadas em países de pe- articulistas se apoiam na melhora
Acho que fez uma equivocada quena expressão. No entender de expressiva de todas as defesas
leitura do Comentário do Dia. O Nivaldo são significativas as modernas de liberdade política de
comentário, a que se refere, o que
o articulista explicitava era o palavras de Julian Assange ao John Stuart Mill, a não inter-
chamado conflito de interesses Estado de São Paulo: “transpa- ferência, a proteção de vidas
gerado pela contratação da rência é para governos. Não para privadas e relações pessoais, e o
senhora do Ministro-chefe do indivíduos. O objetivo de revelar mais espontâneo da imaginação,
Tribunal de Contas da União que, informações sobre pessoas intelecto e emoção dos homens
até o ano passado, tentou sem poderosas é cobrar responsa- sem obstruir ou violar a outrem,
sucesso suspender obras do DNIT, bilidade delas”. além de determinados limites.
superfaturadas ou com paga- Segundo Fernando L. Schüler, A resenha desta edição é do
mentos antecipados com relação mestre em Ciências Políticas, o livro Guia politicamente incorreto
a eventos ainda não realizados. Brasil avançou de modo excep- da história do Brasil, no qual o
Chamou-se a atenção, até mes-
mo, porque o TCU passou a emitir cional no respeito à democracia autor, Leandro Narloch, examina
relatórios elogiosos ao DNIT, e convive com uma discussão e mitos e realidades e, em grande
simultaneamente à contratação da tratativas legislativas intolerantes parte, a evidência das incorreções
assessora. Nada tem a ver, por- em relação à liberdade de introduzidas na história do Brasil
tanto, com o fato de ser mulher, e imprensa. Traços desse discurso por professores e intelectuais
sim a esposa do fiscalizador do intolerante são percebidos nas de origem marxista. A leitura é
DNIT. Esse tipo de conflito ocorre, tentativas de criação de conselhos preciosa.
por exemplo, quando policiais e legislações de regulação e Completam a presente edição
“assessoram” bandidos dando- controle da imprensa. Conselhos os encartes de NOTAS sobre o
lhes “segurança”. com funções difusas de fisca- Projeto de Lei do Governo para o
O editor
lização, emissão de relatórios Orçamento 2011 e o Sumário do
sobre a mídia e incentivo “à leitura Iivro Property as a Guarantor of
crítica” da imprensa. Em seu Liberty, de James Buchanan, que
Envie as suas mensagens para artigo, Schüler avalia de maneira ainda não tem tradução em
a rua Rua Maria Eugênia, 167 - especial a atuação da professora português. Além disso, em uma
Humaitá - Rio de Janeiro - RJ - petista Marilena Chauí que, em página procuramos retratar o que
22261-080, ou ilrj@gbl.com.br.
entrevista à revista Caros Amigos, de melhor, pior e mais feio
faz uma crítica difusa contra a ocorreu nos últimos três meses.

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 4
Imprensa

Liberdade de imprensa
Fernando Luís Schüler
Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências Políticas pela UFRGS

ão deixa de ser surpreen- de maneira mais específica ao no processo contra a publicação


N dente que, neste início de debate intelectual sobre o tema, de Rights of Man, na vitória inte-
2011, estejamos discutindo, no que julgava definitivamente resol- lectual do individualismo e do
Brasil, um tema como o da liber- vido. Resolvido pela força dos ar- igualitarismo liberal. Pouco mais
dade de expressão e de imprensa. gumentos, ao menos desde Mil- de um século depois, Bobbio foi
Mill já considerava a questão ba- ton e seu Areopagítica, desde a além e considerou que também
sicamente resolvida na década de grande revolução inglesa, de o debate mais amplo sobre os
1850, quando escreveu o On Voltaire, da declaração francesa direitos humanos estava resolvi-
Liberty. Mill referia-se aos costu- dos direitos do homem, do discur- do, cabendo não mais nos dedi-
mes políticos ingleses, à época, e so de Erskine em defesa de Paine, carmos a sua fundamentação,

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 5
Imprensa

mas a sua proteção. Bobbio afir- efetivamente) tomar contra a liber- Professora Marilena Chauí, à re-
mou isto antes da desconstrução dade de expressão, no país, será vista Caros Amigos.2 Lá está toda
do bloco soviético, do ciclo do inócua, uma vez que temos, gra- a crítica difusa contra “a mídia”.
autoritarismo e da espetacular ças a muita gente e a muitas lições Não há, na entrevista, uma lista
redemocratização da América do passado, uma Constituição dos órgãos de imprensa aos quais
Latina, nos anos 80, e antes da que assegura direitos fundamen- exatamente ela se referia. Deduz-
revolução digital, que torna pro- tais inequívocos nesse âmbito. O se que sua crítica se volta contra
gressivamente cada indivíduo tema é político, e o que mais sur- os veículos dos quais ela particu-
emissor de informação em escala preende, e vale para nossa refle- larmente diverge, ou que publi-
global, e cuja força para a afir- xão, é o modo de pensar e o dis- cam matérias e expressam opi-
mação da liberdade e da demo- curso que inspiram este tipo de niões contrárias às suas (entre os
cracia apenas começamos a per- proposição. É um discurso em quais não deverá se encontrar a
ceber. regra furioso, feito de ataques à própria revista Caros Amigos, tal-
O Brasil foi um país que avan- parcialidade da mídia. E confesso vez considerada uma publicação
çou de modo exemplar com res- que sempre achei curioso que são independente). Não fica claro se
peito à democracia, nas últimas justamente os seus ativistas mais Marilena está simplesmente criti-
três décadas. Temos uma justiça entusiasmados eles mesmos os cando os jornais e revistas dos
eleitoral eficaz, controle civil sobre praticantes do jornalismo mais quais ela discorda (isto é, se ela
as forças armadas, pleno funcio- parcial. Acho curioso, quando quer que estes mudem de opinião,
namento partidário, rigorosa liber- deveria apenas achar previsível. ou quer conclamar a população
dade de expressão e informação. Perfeitamente representativa a não ler o que publicam, e os
A imprensa, aliás, desempenhou desse discurso me pareceu a en- intelectuais a não lhes dar entre-
papel fundamental em nosso trevista que li, semanas atrás, da vistas) ou se ela está propondo
processo de democratização,
que levou, menos de duas déca-
das após a saída do último pre-
sidente do ciclo militar, Lula e o
PT ao poder.
Parece, não obstante, que não
aprendemos. Chega a ser enfa-
donha a sobrevivência de um dis-
curso intolerante e desconfortável
com a democracia pluralista e
constitucional que ainda subsiste
no Brasil. Traços desse discurso se
fazem perceber com nitidez na
recente onda de proposições,
mais ou menos explícitas, que as-
sistimos no país para a criação de
conselhos e legislações de regu-
lação e controle da imprensa.
Conselhos com funções difusas,
de fiscalização, emissão de rela-
tórios sobre a mídia, incentivo à
“leitura crítica” da imprensa1, etc.
Conselhos ao velho estilo da re-
presentação de corpos sociais,
sindicatos, empresas, minorias,
governos. De fato, qualquer me-
dida objetiva que algum desses
organismos (que vier a funcionar A professora petista Marilena Chauí fez uma crítica difusa contra a mídia.2

1 Ver, por exemplo, a lei que institui Conselho de Comunicação Social do Estado do Ceará.
2 Revista Caros Amigos, edição de dezembro.

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 6
Imprensa

que o Estado, ou algum organis- confundo. Será a mídia imparcial (E gostam de outras revistas, por
mo de Estado, da sociedade em ou Marilena imparcial? Se reali- suposto.) Parece engraçado ficar
geral, crie sanções objetivas para dade e as opiniões de Marilena perguntando essas coisas. Mas
punir os pecados da mídia. A pri- se confundem, não resta dúvida vamos lá: a quem caberia julgar
meira alternativa seria um tanto de que é ela que deveria julgar a erros e acertos da mídia? Aos tais
démodé, mas irrepreensível do mídia. É o que ela faz. Marilena conselhos? Seriam julgados ape-
ponto de vista democrático. Cada não parece se imaginar impar- nas erros factuais, objetivos, ou
um lê e fala o que quiser. A se- cial, muito menos considerar a entrariam também equívocos de
gunda é perigosa. Penso que nem mídia imparcial. Imparcial pode interpretação da realidade?
mesmo Marilena saberia respon- significar ponderar pontos de vis- Como distinguir erros objetivos e
der com precisão que alternativa ta diferentes. Não parece ser o subjetivos? Na entrevista, os erros
escolheria. Ela expressa um mal- caso. Ela explica como a coisa que a Professora Marilena detecta
estar. Um desagrado curiosa- na mídia são em geral erros de
mente agudo, visto seu partido e interpretação, de modo que tudo

“obstante,
seus amigos, mesmo com toda a parece que daria muito trabalho.
grande mídia aparentemente Parece, não Talvez equipes de técnicos em fi-
comprada pela oposição, estarem que losofia, aprovados por concurso,
no poder em toda a parte. Está, emitindo pareceres e o Conselho
evidentemente, no seu direito. não aprendemos. votando, votando. Pareceres diá-
Como também estão aqueles que Chega a ser rios, no ritmo da mídia. Depois
sentem o mesmo mal-estar com enfadonha a que o jornal publicou a bobagem,
as opiniões de Marilena. Pessoas não dá pra ficar chorando o leite
que não necessariamente concor- sobrevivência derramado. Velocidade, ainda
dam ou discordam de suas posi- de um discurso mais com essa profusão de blogs,
ções políticas, mas que não acei- todo mundo botando coisa no
tariam ver prosperar a intole-
intolerante e youtube, inventando revistinhas
rância e as instituições de contro- desconfortável digitais.
le de opinião no País. com a democracia Ok, Marilena não está pro-
De minha parte, acho esqui- pondo nada disso. Mas está pro-
sitíssimo esse discurso contra “a” pluralista e pondo o quê, então? Meu objeti-
mídia. O que significa exatamente constitucional vo singelo aqui é argumentar que
isso? O conjunto de todos os ór- que ainda subsiste não há alternativa alguma de con-


gãos de imprensa do País? Só os trole social (seja isto o que for)
“grandes”? Só os que falam coi- no Brasil. sobre a imprensa. Ponto final. Até
sas que a gente não gosta? A re- que gosto de imaginar, de vez em
vista em que Marilena dá a sua quando, um controle para além
entrevista não faz parte da mídia? do social, uma grande máquina
Marilena trata de jornais e sites aconteceu, e como a mídia cons- da verdade, que desse uns
na Internet, isto é, agentes priva- truiu (sic) uma realidade que não cascudos, nada muito forte, em
dos que veiculam informação e aconteceu. quem publica mentiras por aí, na
opinião. A crítica refere-se à mídia Fico imaginando se a opção de Internet inclusive. Mas, graças ao
e seus erros de análise e cobertu- Marilena fosse pela criação de bom Deus, ainda não inventaram
ra jornalística. A imprensa erra sanções contra a mídia constru- essa maquininha. Quem con-
porque não interpreta a realida- tora de realidades. Sanções de corda ou discorda de minhas vi-
de adequadamente. A entrevista qualquer tipo. Relatórios “críticos”, sões, ou das visões de Marilena
é, aliás, uma espécie de dictact advertências, multas ou coisa pior. (e até mesmo ela, vejam só)
sobre o que de fato se passou no Erros de interpretação da realida- terá que se conformar a xingar
País nos últimos meses (em parti- de seriam objeto das sanções? este ou aquele jornal, este ou
cular no episódio eleitoral). Não Pelo tom da entrevista, é o que aquele jornalista, este ou aquele
é preciso dizer que o que se pas- parece. As sanções também po- texto. Pode processar, também, se
sou, na realidade, coincide preci- deriam ser reivindicadas por cida- achar que é seu direito. É mais tris-
samente com a interpretação que dãos que eventualmente tenham te ou menos triste, dependendo
Marilena faz da realidade. Já me opiniões opostas às de Marilena? do grau de paixão que o sujeito

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 7
Imprensa

nutra por um partido ou posição com milhares de pequenas famí- nais e emissoras (sic) produzindo
política, mas é o que dá para es- lias mentirosas. Não sei. Mas va- a realidade. Há um pronuncia-
perar em uma democracia. mos às perguntas. A quem deve- mento revelador de Marilena, na
Confesso que quando come- ria ser autorizado, em um mundo Internet, em que ela acusa (sic) a
cei a ler sobre o assunto pensei alternativo, abrir, manter e fazer mídia apoiadora do Serra de di-
que a crítica da Professora crescer um jornal ou um grupo de vulgar a morte do Senador Romeo
Marilena era feita ao sistema de comunicação? Sindicatos? Gru- Tuma, dia seguinte desdizer, e com
concessões públicas de canais de pos de cidadãos representativos isso alterar a votação para o Se-
rádio ou TV, ou ainda da distribui- de “classe”, previamente autoriza- nado no Estado de São Paulo.
ção de verbas dos governos (dos dos por alguma agência regula- Vamos lá. Marilena está dizendo
sindicatos ela não iria falar), por dora? Isso valeria também para que um jornal, com o objetivo de
razões diferentes, sei lá quais. a Internet? Yoani Sánchez, por eleger um político de quem ela não
Não imaginava que a crítica esti- exemplo, seria considerada uma gosta, divulgou a morte do Sena-
vesse fundada nas ideias de erro família? Lê-se muito sobre o apoio dor Tuma! Isto é apresentado
e acerto, realidade e construção que ela recebe do marido, e pe- como uma prova não apenas da
da realidade, partindo de indiví- quena ela não é (tamanho se parcialidade, mas de uma cons-
duos e agentes privados. Mas está mede pelo faturamento ou pelo piração criminosa da mídia con-
lá. Marilena diz gostaria que os número de leitores?). Yoani pode- tra os seus políticos favoritos. Ima-
meios de comunicação mostras- ria editar livremente seu blog, ginemos. O proprietário do jornal,
sem (sic) o que efetivamente es- mesmo desinterpretando a reali- o papai de uma das grandes fa-
tava se passando nas eleições. Já dade e mentindo todo santo dia mílias, liga ao editor e ordena:
pensou se alguém levasse isso ao contra quem der na telha dela? “publica a morte do Tuma”. O
pé da letra? Teríamos Marilena, Aconteceria o mesmo que na Ilha Editor, incrédulo, pergunta – pra
ou alguém que conhecesse tão dos Irmãos Castro, em que quê? Não enche o saco e publi-
bem a realidade quanto ela, to- deixam a moça trabalhar, mas lhe ca, rapaz! Responde do outro lado
das as noites na TV (estatal e úni- aplicam umas porradas de vez em da linha.
ca, por suposto) nos explicando quando? Lembro de minhas lei- Na minha modestíssima visão,
como as coisas estão se passan- turas de A Democracia na Amé- eis aí o que o filósofo Harry Frank-
do. Orwell deveria nascer de novo rica, em que Tocqueville descrevia furt chama de bullshit (leiam: On
para corrigir o 1984. Em vez do a absoluta liberdade que qualquer Bullshit). Besteira (a tradução do
grande irmão, na teletela a gran- cidadão, com ou sem família, pos- livro no Brasil usou uma expres-
de professora. Claro que isso é suía para abrir e gerenciar
brincadeira, que não vai aconte- um jornal nos Estados Uni- O filósofo Harry Frankfurt
cer nada disso, mas no socialis- dos. Em 1830! Em vez de
mo era (e é) assim, não era? esbravejar contra um,
Um dos discursos favoritos dos dois, quatro ou dezoito
críticos da mídia, e evidentemente proprietários de jornal,
também da professora Marilena, Tocqueville elogia o direito
é o discurso das “quatro famílias”. que cada um tem de pos-
Quatro famílias controlariam a suir uma impressora na
mídia brasileira. Quando li isso sua casa, editar um jornal,
pela primeira vez achei estranho, grande ou pequeno, e ex-
pois logo me lembrei de pelo me- pressar suas opiniões.
nos mais uma dúzia de famílias Quanto mais jornais,
que administram jornais e grupos aliás, tanto melhor.
de comunicação Brasil afora. Só Marilena não esbra-
aqui no Rio Grande do Sul há di- veja contra os jornais que
versas dessas famílias. Mas vamos ela não gosta porque fo-
lá, vamos imaginar que sejam ram criados e são admi-
quatro. Talvez só as grandes fa- nistrados por quatro famí-
mílias incomodem Marilena. Tal- lias. Poderiam ser quatro-
vez ela imagine que os jornais de centas famílias. Em parte
pequenas famílias mintam menos, o são, efetivamente. Um
ou que não valha a pena brigar verdadeiro exército de jor-

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 8
Imprensa

são mais forte). Bullshit não é ne- dos defensores do contro-


cessariamente uma mentira. É le da mídia não passa
algo que dizemos sem nos preo- de um mero exercício de
cuparmos com o fato de que seja raiva política. Um discur-
verdadeiro ou falso. Vamos falan- so cansativo, cujos argu-
do, e desde que produza o efeito mentos, se é que podem
desejado, tudo bem. Às vezes fa- receber este nome, já fo-
lamos por que estamos brabos, ram refutados infinitas
por que precisamos convencer vezes nos últimos 300
alguém de alguma coisa ou sim- anos. Stuart Mill, por
plesmente por que sabemos que exemplo, defendia o direi-
ninguém na plateia, ou entre os to ao erro. A opinião, cer-
leitores, vai questionar coisa ne- ta ou errada, como uma
nhuma. No caso de Marilena, espécie de bem público.
acho que é um pouco das três Textualmente, dizia que
coisas. Tem um trechinho, dispa- “se todos os homens me-
rado o mais saboroso da entre- nos um fossem de certa
vista, em que a Professora trata opinião... a humanidade
dos comentários que a mídia an- não teria mais o direito a
dava fazendo sobre o jeito de fa- impor silêncio a esse um
lar meio duro da Presidente Dilma. do que ele a fazer calar a
Seria um jeito meio tecnocrático, humanidade.” 3 Mill ex-
O filósofo John Stuart Mill
lendo os discursos, sem o mesmo pressa com rara beleza e preci-
carisma do Lula. Marilena então são uma ideia simples: quem cala
diz que escuta uma barbaridade uma opinião rouba o gênero hu- É claro que, dito tudo desse
dessas na TV e tem vontade (sic) mano. Parece um exagero. De fato jeito, ninguém iria discordar. Mes-
de “atravessar os fios eletrônicos há opiniões que por todos os la- mo os mais ferrenhos defensores
e bater nas pessoas”. No que me dos nos parecem valer coisa ne- da regulação da mídia, os mais
diz respeito, aprecio o estilo duro nhuma. Há muitas que não valem aguerridos defensores de leis com
da Presidente e acho até que es- nada. Ninguém especificamente dezenas de artigos controlando a
sas comparações estão fazendo decidirá isso. Mill fala na “poste- mídia em cada estado, em cada
bem para sua imagem, mas va- ridade”. Roubar o gênero huma- município, em cada comunidade,
mos lá: Marilena ficou braba por no significa simplesmente que, se concordariam. Ao menos concor-
que a mídia, mais uma vez, co- calada uma opinião (nas expres- dariam em tese, talvez para as
meteu um erro grosseiro de inter- sões mais próximas do nosso de- “condições da democracia brasi-
pretação da realidade, ou por que bate: corrigida, regulada, contro- leira”. Em outros “tipos” de demo-
(ela desconfia que) falaram mal lada, privada do “erro”) correta, cracia, como a cubana, ou a
da Presidente de que ela gosta? quem foi dela privado perdeu a bolivariana, seria o caso de ima-
Confesso que achei até muita bra- chance de trocar o erro pela ver- ginar uma outra liberdade possí-
beza para um erro tão pequeno dade. Calada uma opinião erra- vel. Salve a imaginação, esta infi-
como esse, mas o que fazer? Al- da, perdemos todos a chance da nita capacidade humana para
guém mandar uma advertência percepção mais clara da verda- criar teorias e confortar cada uma
para o jornal, dizendo: solicitamos de, produzida pela sua colisão de nossas preferências. Muitos li-
não mais construírem a imagem com o erro. A frase é algo retóri- berais, no Brasil, sentiram-se con-
da presidente como se ela fosse ca, vamos lá, estamos no século fortáveis no período do autori-
dura e sem o carisma do ex-pre- XIX. Mas me soa perfeita. A per- tarismo militar. Talvez não fossem
sidente? cepção do erro, a irritação com o liberais. O regime com certeza
Aqui vou chegando ao ponto absurdo, o mal-estar que nos pro- não o era. Muitos socialistas sen-
a que gostaria de chegar. Não voca uma ideia, de uma palavra tem-se bem com as suas ditadu-
vejo, no Brasil de hoje, nenhuma que seja, que não encaixa, é mui- ras. Vivendo distante delas, pre-
ameaça séria à liberdade de ex- to do que faz o conhecimento ferencialmente. Não há dúvida
pressão e de imprensa. A retórica andar para a frente. de que são socialistas. O ponto

3 Mill, J. Stuart, Sobre a Liberdade, Ed. Vozes, 1991.

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 9
Imprensa

é: até que ponto estamos dis- nal, vender jornal, fazer crescer o não aquele cidadão para escre-
postos a manter coerência com jornal (fazer depois um IPO da ver, ou é um direito (nosso, da so-
nossas próprias convicções? empresa) e dispor, entre seus ciedade, da humanidade, não sei
Mais explicitamente: estamos colunistas, deste e não daquele bem) que cada jornal tenha um
dispostos a sustentar nossos jornalista ou colunista. Imagine- ou vários colunistas que falem da
princípios (imaginemos que to- mos um mundo em que todos os realidade como eu e você gosta-
dos estamos de acordo com jornais devessem dispor, entre ríamos? Vamos imaginar, seria um
Mill), mesmo quando sua apli- seus colunistas e redatores, de um direito meu que Caros Amigos
cação se choque com nossas equilíbrio de opiniões, considera- mantivesse em seus quadros um
preferências políticas, que nos do a partir de uma métrica ideo- colunista odiosamente liberal? De
são tão caras? lógica qualquer. Vamos imaginar: minha parte, simpatizaria com as
Marilena, com certeza, deseja duas coisas, manter a colunista
corrigir a mídia em nome da liber- que a Marilena gosta no jornal


dade. Quem sabe deseje uma li- que ela não gosta e manter o
berdade sem os inconvenientes do Pode ser falta de colunista que ela não gosta no
erro, diferentemente de Mill. Tal- imaginação da minha jornal que ela gosta. É o que pen-
vez imagine que deveríamos dispor parte, mas não so. É o que eu gostaria. Problema
de um acesso mais direto e obje- consigo enxergar meu. Não é meu direito exigir que
tivo à verdade, sem o custo infer- alguém (em qualquer instância)
nal dessa parafernália liberal de
outra forma de levar faça isso acontecer. Difícil de en-
direitos e salvaguardinhas indivi- a sério nossas tender?
duais. Há um evidente problema convicções (e reitero: O caso acima é apenas um
aí, porque sinceramente não acre- convicções ampla- exemplo no qual a retórica difusa
dito que Marilena se sinta confor- mente com- a favor de um direito é, efetiva-
tável com os exemplos de regimes partilhadas) sobre mente, a defesa da supressão de
que (sob o manto desta ou daque- liberdades de um direito. Defender um direito,
la ideologia) subordinaram a ideia por exemplo, seria propor que os
do direito à ideia da verdade. A
expressão do que Governos, em qualquer nível, não
pergunta a fazer, aqui, é como engolir a seco e tivessem mais a prerrogativa de
resolvemos o mal-estar que todos afirmar os bons e comprar publicidade institucional
nós sentimos com os erros e bes- tradicionais direitos em qualquer veículo de comuni-
teiras que a mídia comete, e co- e procedimentos cação (não estou me referindo à
mete todos os dias, frente a nos- liberais há muito informação de utilidade pública,
sas convicções relativas a direitos
e liberdades.
Pode ser falta de imaginação
tempo conhecidos.
” refiro-me, explicitamente, à pro-
paganda governamental). Além
de um tremendo desperdício de
da minha parte, mas não consi- dinheiro público (é só somar o que
go enxergar outra forma de levar um colunista para cada partido gastam União, estados e municí-
a sério nossas convicções (e rei- ou para cada ideologia registra- pios), trata-se de uma forma evi-
tero: convicções amplamente da no Ministério das Comunica- dente de induzir a opinião públi-
compartilhadas) sobre liberdades ções. Ok, é risível. Mas de novo ca a favor do Governo (seja de
de expressão do que engolir a está lá. Marilena reclama, na en- que partido for) e de dar uma
seco e afirmar os bons e tradicio- trevista e em outros textos, da dis- força (e frequentemente induzir a
nais direitos e procedimentos libe- pensa, feita por um jornal opinião) a estes ou aqueles veícu-
rais há muito tempo conhecidos. paulista, de uma colunista com a los. Marilena poderia reclamar
Há uma infinidade deles: o direito qual simpatiza, por divergências que os políticos e os partidos de
de acessar a Internet, por exem- com o Jornal. Não conheço o que ela gosta, depois de oito anos
plo. Desrespeitado nos regimes caso especificamente (e pressupo- no poder, nada fizeram para mu-
socialistas, fundamentalistas e re- nho que Marilena tenha se revol- dar essa situação. Ao contrário,
centemente no Egito, de modo pa- tado também contra a demissão usaram com requinte (como fa-
tético. O direito de imprimir um de colunistas dos quais ela discor- zem os demais partidos no poder)
livro e vendê-lo por aí (os ingleses da, algum dia). Discuto apenas a desse instrumento. Em vez de fa-
têm este direito desde a revolução tese. Indivíduos têm o direito de zer isso, volta sua brabeza contra
gloriosa). O direito de abrir um jor- abrir um jornal e contratar este e os jornais e veículos privados

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 10
Imprensa

cujas informações ou interpreta-


ções agridem suas próprias pre-
ferências políticas.
Haveria muitas outras formas
de defender direitos e aprimorar,
em um sentido republicano, o ter-
reno das comunicações no Bra-
sil. Proibir, por exemplo, que go-
vernos tivessem controle sobre a
gestão de emissoras de rádio e
televisão. Governos são coman-
dados por partidos políticos, e é
de se supor que, mesmo que pas-
sivamente, uma emissora de rá-
dio ou TV sinta-se constrangida
em fazer a devida crítica, neste ou
naquele assunto, ao governo que
tem o controle da própria emis-
sora. Bastante trivial. O curioso é
que boa parte dos defensores da
democratização das comunica-
ções no País defendam simulta-
neamente a criação e a expansão Thomas Paine dizia, há 200 anos, que quem julga a imprensa é o opinião pública e justiça.
da rede de rádios e TVs controla-
das por governos.
Sobre a liberdade de indivíduos gumentos daqueles que querem Staël tão bem chamou de “espíri-
(ou grupos de indivíduos, famílias, controlar a mídia. Sinceramente, to de partido”, que em algum
grupos de famílias, entes privados gostaria de viver em um mundo momento tomou conta da revo-
em geral) abrirem e gerirem um em que todos fossem tão ponde- lução, destruindo-a. Em segundo
jornal ou um veículo qualquer e rados e cuidadosos com sua pró- lugar, um aspecto estético: o pa-
expressarem sua visão de mundo, pria opinião como o velho Kant, pel risível que certos intelectuais
penso que ainda valem as lições a partir das regras que sugeriu decidem desempenhar no debate
de Thomas Paine. Poucos foram para o que chamou de uso públi- público, acusando a tudo e a to-
tão difamados e maltratados pela co da razão. Vivemos outros tem- dos de cometerem os pecados
mídia como Paine. Revolucionário pos, aqui não é Königsberg. Po- que eles próprios não se cansam
de dois mundos, herói da inde- demos fazer um apelo à modera- de cometer. Talvez o façam por-
pendência americana, conven- ção, ou ao amor, como fez o pa- que sinceramente acreditam que
cional na revolução francesa, dre Lamourette na convenção (eles, os seus políticos, o seu par-
preso quase morto na era do francesa, no meio da revolução. tido, a sua turma) estão sempre
terror, hostilizado pelas suas po- Não sei se adiantaria, de qualquer do lado certo da realidade, que
sições, em particular sobre a reli- forma, além disso só a justiça e a tudo na vida tem dois lados e que
gião, em sua volta aos EUA Paine opinião pública. o outro lado (a outra turma, os
teria tudo para ter horror à mídia. Para finalizar, tanto os argu- outros políticos e seus jornais de
Em vez disso, em seu conhecido mentos de Mill como os de Paine uma figa) estão sempre constru-
artigo sobre a liberdade de im- são conhecidos há muito tempo, indo a realidade. De minha parte,
prensa, foi bastante claro sobre a e não vejo como possamos ima- nutro uma certa satisfação em
quem cabe julgar a imprensa: a ginar que a liberdade de expres- imaginar que, em muitos momen-
opinião pública e o “juiz do con- são possa estar ameaçada no Bra- tos, que já se foram e que vêm
dado”. Opinou dessa forma há sil. Isso não nos impede de obser- pela frente, eu possa ter estado e
duzentos anos, e penso que, no var algumas coisas. Em primeiro vir a estar completamente errado.
essencial, não descobrimos nada lugar, como ainda persistem, em Por vezes já fiquei fulo da vida as-
muito melhor sobre como tratar nosso debate público, traços de sistindo a um programa de TV. Mas
a questão. É evidente que há tan- um pensamento que tende à in- reconheço que há bom tempo não
ta bullshit na mídia quanto nos ar- tolerância e ao que Madame de tenho mais esses ímpetos.

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 11
Informação

WikiLeaks e a liberdade
de informação
Nivaldo Cordeiro
Economistas do Instituto de Economia da Associação Comercial de São Paulo

o plano mundial, o acon- que se sabe. Apenas parte do exatamente produto dessa cumpli-
N tecimento mais sensacional material foi dada a público, ha- cidade inviolável, essencial à
de 2010 foram as revelações do vendo a expectativa de que o sociedade aberta e à liberdade de
site WikiLeaks sobre os subter- material disponível não divulgado informação. Imaginar liberdade
râneos da diplomacia norte- pode trazer revelações ainda mais de imprensa sem proteção das
americana. Desde o início a importantes. Apesar dos narizes fontes é tolice, que atenta contra
imprensa tradicional, os governos torcidos e da tentativa judicial de a liberdade de informação e
e suas burocracias e a gente do constranger o diretor executivo do contra os próprios fundamentos
establishment torceram o nariz, WikiLeaks, penso que o mundo da sociedade aberta.
vendo a ação daquele site como ficou mais seguro e as liberdades Visto desse ângulo, Assange
algo próximo do ato criminoso. foram ampliadas com os fatos não teria cometido crime algum,
Afinal, um obscuro site de notícias, vindos a público, mesmo que mesmo que se recusasse a dizer
administrado por um sujeito, saibamos que apenas os ha- de onde retirou as informações. É
Julian Assange, apresentado bitantes do chamado mundo livre um direito natural o acesso livre à
como alguém problemático, às (exclui-se China, Cuba, países informação por parte da imprensa
voltas com a justiça da Suécia, islâmicos e ditaduras do estilo legitimamente constituída. Mas a
desferiu um golpe decisivo nos africano) possam usufruir dessa fonte, no caso em tela, é bem
segredos da burocracia militar e fonte borbulhante de informações sabida. O material vazou de uma
diplomática do EUA, afetando estratégicas em que o jornal ele- base militar norte-americana e
todos os governos interlocutores trônico se tornou. teria sido responsabilidade de
ao redor do mundo. Nem o mais É direito de jornalistas man- Bradley Manning, um jovem
treinado espião havia conseguido terem suas fontes em segredo, e soldado que está detido, suspeito
um feito dessa envergadura, pelo os maiores furos jornalísticos são de ter passado os documentos ao

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 12
Informação

WikiLeaks, uma vez que ele tinha lógica de interesses, confundindo- trabalho que a equipe do Wiki-
acesso ao servidor, como analista. os com os interesses gerais da Leaks tem feito. Os dinossauros
Manning pode ter cometido um coletividade. Isso é falso e da diplomacia precisam ser
crime, mas não Julian Assange. perigoso, e uma lógica assim extintos, pondo-se em seu lugar
Este não está sujeito ao regu- coloca em risco os fundamentos as modernas tecnologias da
lamento militar e nem sequer às da sociedade aberta. Se essa informação e do transporte, com
leis norte-americanas. burocracia quer manter segredos, profissionais que ao menos
Claro que aqui se coloca qual que os guarde direito e não queira saibam guardar segredos.
o limite ético da liberdade de transferir sua responsabilidade a É claro que a primeira e
informação. Eu digo: não há terceiros. Afinal, ela é muito bem principal vítima de agentes como
limite, desde que não se coloque paga para isso. Assange é um Julian Assange e o WikiLeaks são
em risco a vida, a propriedade e homem da era da informação os EUA, precisamente porque lá
a honra de pessoas isoladas. tornada pública em tempo real; a vigora a máxima expressão
Governos, por definição, nem histórica da sociedade aberta. Os
deveriam ter segredos, e se os têm efeitos, todavia, da ampla di-


devem fazer por onde não revelá- vulgação dos documentos de
los, por seus próprios meios. Ao Crucificar Julian forma alguma se restringiram
jornalismo investigativo não Assange, como têm àquele país. De fato, afetaram
compete o trabalho de ocultação feito os governos todos os países que mantêm
de fatos. É seu dever trazê-los ao relações diplomáticas com os
público da forma mais rápida e dos EUA e de certos EUA. Por isso Assange conseguiu
clara possível. Entendo ser esse o países europeus, ser objeto do ódio de praticamente
compromisso da imprensa para configura um crime todos os governantes.
com a sociedade aberta. contra a liberdade Em recente artigo autobio-
Comungo da tese de que o gráfico (“Não Matarás”, encon-
Estado deve ser mínimo, de de expressão. Penso trado no site do WikiLeaks do
acordo com a filosofia política que Assange Brasil), Julian Assange escreveu:
que adoto. E, para que o Estado assumiu grandes “Em 1958 o jovem Rupert
seja mínimo, mínimos devem ser riscos pessoais ao Murdoch, então proprietário e
seus segredos, que mais das vezes levar o seu trabalho editor do jornal The News, de
conspiram contra os súditos do Adelaide, escreveu: ‘Na corrida
próprio país, e a liberdade de às últimas entre o segredo e a verdade,
imprensa existe precisamente para consequências, de parece inevitável que a venda
ser o antídoto ao autoritarismo
estatal. Estado mínimo, segredo
mínimo. A burocracia militar e
forma corajosa.
” sempre vença’. A sua observação
talvez reflita o desmascaramento
feito pelo seu pai, Keith Murdoch,
diplomática exponencia seu poder de que tropas australianas
exatamente pelo expediente do burocracia estatal está no tempo estavam sendo sacrificadas
segredo. O jornalismo investi- dos segredinhos bem guardados, inutilmente nas praias de Galípoli
gativo contrabalança esse poder do cochicho de pé de orelha, aos por comandantes britânicos
espúrio. moldes da primeira metade do incompetentes. Os britânicos
Crucificar Julian Assange, século XX. Ora, já vivemos o tempo tentaram calá-lo, mas Keith
como têm feito os governos dos em que a própria existência de Murdoch não foi silenciado e os
EUA e de certos países europeus, embaixadores permanentemente seus esforços levaram ao término
configura um crime contra a sediados deixou de ser uma da desastrosa campanha de
liberdade de expressão. Penso que necessidade operacional, reve- Galípoli. Aproximadamente um
Assange assumiu grandes riscos lando-se uma peça de museu século depois, WikiLeaks está
pessoais ao levar o seu trabalho diplomático, necessitando ser também publicando destemi-
às últimas consequências, de extinta. Com os atuais meios de damente fatos que precisam ser
forma corajosa. Ele precisa ter a transporte e comunicação, tornados públicos. Criei-me numa
defesa da opinião pública. O que manter essa vasta burocracia não cidade rural em Queensland,
vemos aqui é o desespero da passa de puro e simples des- onde as pessoas falavam dos
burocracia estatal empregada no perdício de recursos, um gigan- seus pensamentos diretamente.
meio militar e diplomático – ela tesco cabide de empregos inúteis. Elas desconfiavam do governo
falhou clamorosamente! – Essa é uma das mais visíveis como de algo que podia ser
querendo impor a sua própria consequências do brilhante corrompido se não fosse vigiado

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 13
Informação

ao poder de Estado. Por isso a


ação de Assange tem uma face
heroica. Não ao acaso Julian
Assange se queixou amarga-
mente, no artigo citado, do papel
do governo australiano, que
jamais o defendeu contra o
imperialismo do governo Obama:
“E os australianos deveriam
observar com nenhum orgulho o
deplorável estímulo a esses
sentimentos por parte de Julia
Gillard e seu governo. Os po-
deres do governo australiano
parecem estar à plena disposição
dos EUA, quer para cancelar meu
passaporte australiano ou es-
pionar ou perseguir apoiantes do
WikiLeaks. O procurador-geral
australiano está fazendo tudo o
que pode para ajudar uma inves-
tigação estadunidense destinada
claramente a enquadrar cida-
Manifestação nos EUA em apoio a Julian Assange, em dezembro de 2010.
dãos australianos e despachá-los
para os EUA. O primeiro-ministro
cuidadosamente. Os dias negros governos. Não para indivíduos. O Gillard e a secretária de Estado
de corrupção no governo de objetivo de revelar informações Hillary Clinton não tiveram uma
Queensland antes do inquérito sobre pessoas poderosas é cobrar palavra de crítica para com as
Fitzgerald testemunham o que responsabilidade delas” . outras organizações de media.
acontece quando políticos amor- Quando mais a burocracia for Isto acontece porque The Guar-
daçam os media que informam a detentora de segredos, mais dian, The New York Times e Der
verdade. Essas coisas ficaram em poderá praticar o mal de forma Spiegel são antigos e grandes, ao
mim. WikiLeaks foi criado em desimpedida e desprovida de passo que WikiLeaks ainda é
torno desses valores centrais. A qualquer forma de controle social jovem e pequeno. Nós somos os
ideia, concebida na Austrália, era sobre suas ações. Não podemos perdedores. O governo Gillard
utilizar tecnologias da Internet de nos esquecer de que apenas uma está tentando matar o mensa-
novas maneiras a fim de relatar pequena parcela do poder hoje geiro porque não quer que a
a verdade”. em dia está na mão dos gover- verdade seja revelada, incluindo
Quem discordará de Assange? nantes eleitos. O verdadeiro poder informação acerca do seu pró-
Eu vou além: o poder dos Estados está nas mãos da burocracia prio comportamento diplomático
nacionais atualmente é tamanho profissional, cuja única lógica de e político”.
e os meios de destruição de massa movimento é alargar seu próprio Assange combate o bom com-
tão apocalípticos que, se resta aos poder, corporativo e pessoal. Esse bate e está na trincheira mais
comuns algum instrumento para mecanismo tem sido a tônica eficaz na luta contra o Estado-
influir nas decisões da burocracia desde o início do século XX. Receio mamute: a produção de conteúdo
estatal, é a existência de uma ter que dizer que a representação informativo de alta qualidade, até
imprensa livre e desembaraçada nas modernas sociedades é uma então reservado apenas aos
de qualquer compromisso com os grave distorção. Como o voto burocratas do poder. Graças aos
governantes de qualquer parte do popular se tornou uma inutilidade meios da internet e das novas
mundo. Por isso são muito enquanto instrumento de controle tecnologias as pessoas cons-
significativas as declarações da burocracia governante, que se cientes podem agora estar a par
dadas por Julian Assange ao multiplica a si mesma ao bel- da hipocrisia, dos crimes e das
jornal O Estado de São Paulo, prazer, restou apenas a ação conspirações que essa gente
publicadas em 22 de dezembro desimpedida de agentes como pratica todos os dias, sem man-
último: “Transparência é para Julian Assange para pôr um limite dato para isso.

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 14
Matéria de Capa

Pela liberdade de
expressão na internet
Mario Guerreiro
Doutor em Filosofia pela UFRJ.

á faz muito tempo, mas creio Mesmo sabendo que não há produzidos pela mais avançada
J que alguns leitores devem sistema de proteção inviolável tecnologia de informática – quem
estar lembrados de um acon- contra invasores capazes de obter mais pode se sentir a salvo da
tecimento veiculado pela mídia informações mantidas em sigilo, pirataria de informações na
nacional e internacional que pôs seja por interesses de empresas Internet? Não é de surpreender
em xeque a segurança das infor- privadas ou órgãos do governo, que o referido acontecimento
mações na Internet. Atuando muitos especialistas foram levados tivesse gerado grande insegu-
como habilidosos hackers, dois a tecer o seguinte raciocínio: rança e preocupação, não só no
garotões entraram no site do Se dois garotões foram ca- setor público como também no
Pentágono e tiveram acesso a pazes de violar o sistema de privado. Assim como órgãos
informações militares sigilosas, segurança do Pentágono – que, governamentais têm necessidade
colocando em risco a segurança por suposição, conta com os de proteger determinadas infor-
nacional dos Estados Unidos. melhores escudos protetores mações de caráter militar e civil –

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 15
Matéria de Capa

como, por exemplo, algumas privado. De um lado estava em satisfazem o alto custo político de
informações de caráter macro- jogo a grande agilização das possíveis fraudes eleitorais?
econômico do Ministério da Fa- comunicações proporcionadas Há quem pense que a inda-
zenda – grandes empresas pri- pela Internet. De outro, a segu- gação acima não passa de teoria
vadas têm também necessidade rança de seus usuários ameaçada conspiracionista, nutrida por
de resguardar segredos industriais por prováveis invasões de privaci- mentes com excesso de imagi-
que causariam grande prejuízo, dade. nação. Porém, não se trata disso.
caso fossem vazados e tivessem Nas eleições de 2010, alguns Se o grande risco de invasões e
chegado ao conhecimento de internautas – jornalistas investi- fraudes existe num programa de
empresas concorrentes. gativos e especialistas em infor- software de uso geral, como o
Mas não só pessoas jurídicas, mática – levantaram a seguinte Internet explorer da Microsoft e
como também pessoas físicas, questão: por que estranha razão similares, por que razão o risco
experimentaram uma sensação o Brasil adotou a informatização seria minimizado num programa
de insegurança e preocupação, do sistema eleitoral, com a urna especialista, como é o caso do
uma vez que se viram diante de eletrônica, quando países do elaborado para a urna eletrônica?
uma nova forma de invasão de G-7 e a Rússia, com tecnologia Mesmo assim, não podemos abrir
sua privacidade, já que seus igual ou superior, que poderiam mão de um valioso instrumento
computadores contendo impor- muito bem adotar o voto ele- como a Internet, que se tornou
tantes dados pessoais poderiam trônico, não o fizeram? Será indispensável na vida profissional
ser facilmente devassados por um porque avaliaram que o grau de e mesmo na vida privada. Por
habilidoso hacker; e este mesmo agilização do processo não outro lado, conscientes de que
podia não estar querendo inocular compensava o grau de risco de não podemos simplesmente
um terrível vírus, nem pregar fraudes? Considerando que risco eliminar os riscos – “Viver é
peças de caráter inofensivo, porém zero é uma utopia, que mesmo no perigoso”, como dizia Guimarães
desejoso de esvaziar sua conta melhor dispositivo contra invasões Rosa – resta-nos apenas mini-
bancária. Eis a razão pela qual, há sempre uma mínima proba- mizá-los, mas sem perder de vista
estando constantemente amea- bilidade de risco, a verdadeira as vantagens fornecidas pela
çadas pela invasão de hackers, questão é: os benefícios propor- informatização e, em especial,
muitas empresas passaram a cionados pelo referido sistema pela Internet.
adotar o vetusto método homeo-
pático de Hahnemann: Simila
similibus curantur, ou seja: “O
semelhante se cura pelo seme-
lhante”. Para combater um
hacker, nada melhor do que outro
hacker. Pensando assim, essas
empresas passaram a contratar
anti-hackers, com um excelente
salário, para desestimulá-los de se
tornar cúmplices de um possível
hacker.
O episódio da invasão do site
do Pentágono pode não ter sido
o primeiro desse tipo, mas inau-
gurou um novo capítulo no pro-
cesso de informatização que tem
sido acompanhado pela crescente
globalização, desde as últimas
décadas do século recentemente
passado. Despontaram novos
dilemas de caráter técnico, jurí-
dico e político, exigindo difí-
ceis decisões tanto de caráter Ao contrário dos países do G-7, O Brasil adotou a informatização do sistema eleitoral,
governamental como de caráter com a urna eletrônica.

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 16
Matéria de Capa

Além da eficiência de seus levou o povo às ruas exigindo a provedores egípcios. Mas de que
empregos de cunho estritamente queda de uma ditadura antiga e adiantou essa medida altamente
técnico nas administrações pú- bem estabelecida? Não foi autoritária? Uma vez estando fora
blica e privada, em pesquisas provocado pelas imagens de TVs do ar os provedores nacionais, foi
científicas, etc., a Internet, se não estrangeiras nem muito menos encontrado um jeito de enviar
foi uma das causas da globa- por algum plano mirabolante, mensagens codificadas para
lização, tem sido um dos instru- como o de Ronald Reagan. Foi provedores americanos e estes as
mentos mais eficazes no seu simplesmente o estopim de reenviaram decodificadas para os
fortalecimento e expansão. revoltas em série que se alastram internautas egípcios.
Promovendo uma maior e mais pelo mundo muçulmano, atin- A troca livre de informações
rápida comunicação entre indiví- gindo o Egito de Mubarak, o sempre atormentou os governos
duos e povos, a Internet tornou totalitários por constituir uma
real a aguçada previsão de uma ameaça ao status quo. Não foi
aldeia global feita por Marshall


por nada que, logo após o fim da
McLuhan, autor de Unders- O episódio da Segunda Guerra, Stalin criou a
tanding Media, por volta de invasão do site do cortina de ferro e, posteriormente,
1970. À medida que encurtou o Mao-Tse-Tung ergueu a cortina de
tempo das mensagens por e-mail, Pentágono pode não bambu. Se no passado a maior
encurtou também o espaço, ter sido o primeiro ameaça foi a televisão transmi-
interligando os internautas. desse tipo, mas tindo imagens indesejáveis para os
Dizia-se na década de 90 do inaugurou um novo autocratas, hoje é sem dúvida a
século passado que uma das rede global da Internet, com
causas que levaram à queda do capítulo no processo efeitos muito mais rápidos e efi-
Muro de Berlim (1989) foi a de de informatização cazes. Sabemos que nos regimes
que os habitantes de Berlim que tem sido totalitários da China, da Coreia
Oriental assistiam aos programas acompanhado pela do Norte e de Cuba o Estado
de canais de televisão de Berlim exerce rígido controle do
Ocidental e passaram a fazer as crescente conteúdo das informações, não
inevitáveis comparações das globalização, desde só por estar preocupado com
respectivas qualidades de vida as últimas décadas possíveis vazamentos de dados
fortemente contrastantes. Como do século oficiais considerados sigilosos,
era de esperar, foram geradas nos mas também por não admitir
berlinenses orientais legítimas recentemente


nenhuma forma de oposição
aspirações de melhorar de vida e passado. e/ou contestação. Mesmo assim,
gozar de maior liberdade. E uma alguns corajosos internautas têm
das causas da dissolução da arriscado suas peles enviando e
União Soviética (1991) foi o efeito recebendo e-mails do exterior,
meramente propagandístico do Marrocos e países do sul da criando sites e blogs e rompendo
programa Guerra nas Estrelas, de península arábica. assim a barreira do isolamento e
Ronald Reagan. Tendo levado a E, como sabemos, neste mo- da incomunicação.
sério aquele projeto faraônico, mento em que estamos escre- Na realidade, a Internet é uma
elaborado mesmo para não sair vendo o processo está em curso, espécie de Torre de Babel, em que
do papel, os governantes sovié- com algumas de suas conse- são faladas várias “línguas”, ou
ticos se esforçaram para fazer um quências imprevisíveis. Contudo, uma espécie de mercado persa
plano de defesa de igual magni- o fato mais impressionante nesse eletrônico em que você encontra
tude, coisa que gerou gastos acontecimento foi a rapidez com tudo que procura no mesmo lugar.
colossais, muito além do que que uma revolta num país Circulam através do ar infor-
poderia arcar o Tesouro soviético, propagou-se atingindo vários, mações de grande interesse
e isso fez com que faltasse dinheiro coisa que só podemos creditar à comercial, científico e cultural,
para coisas mais terra-a-terra, comunicação através da Internet. assim como podem ser encon-
porém imprescindíveis, como O que reforça nossa afirmativa é tradas também as mais irrele-
habitação, comida e roupas. o fato de que uma das provi- vantes discussões em chats,
Mas que dizer do recente dências tomadas por Mubarak foi pegadinhas, sites pornográficos e
acontecimento na Tunísia, que fechar imediatamente todos os até mesmo os de explícita violação

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 17
A Internet é um mercado em que você encontra tudo que procura no mesmo lugar.

da lei, como são os sites de que no jargão da Internet é um uma aberração jurídica ocorrida
pedofilia. Lembramos que pedo- sufixo indicando um tipo espe- em 2010 no Brasil, quando o
filia é crime, e fazer apologia do cífico de coleção de documentos Senado nomeou muitos servidores
crime é também crime. Essa em hipertexto – como é o caso da sem que tenha feito a devida
extremamente heteróclita diversi- wikipedia, uma enciclopédia publicação no Diário Oficial.
dade de informações tem levado eletrônica – e de leaks, que é em Quanto a essa lamentável
algumas pessoas a conferir maior inglês a palavra comum para ocorrência, não resta a menor
peso ao caráter negativo do que “vazamentos” de canos ou de dúvida de que o princípio de
ao positivo das viagens internáu- informações. transparência foi desrespeitado
ticas, passando a clamar por uma Esse acontecimento tem cau- por um órgão governamental,
fiscalização governamental da sado acirradas e infindáveis mas isso não significa dizer que
rede. Investidas das melhores controvérsias na imprensa e na toda e qualquer informação de
intenções moralizantes, estas Internet. Mesmo entre pensadores posse dos Poderes Executivo,
mesmas pessoas pretendem jogar liberais há os que têm considerado Legislativo ou Judiciário tenha que
a água suja para fora da bacia, Assange uma espécie de paladino obedecer ao princípio de trans-
mas não se dão conta de que, da liberdade de expressão, parência, tornando-se coisa de
com ela, vai fora também uma tirando muita sujeira que estava conhecimento público. Há inves-
linda criancinha chamada Liber- escondida debaixo do tapete e tigações feitas sob sigilo pela
dade de Expressão. Não há tornando-a de conhecimento Polícia Federal, porque seu
liberdade sem preço, e esse é o público. Mas há também os vazamento poderia prejudicar o
preço que temos que pagar pela que consideram Assange uma bom andamento do caso inves-
liberdade de expressão na ameaça à privacidade oficial dos tigado. Pela mesma razão, há
Internet, mas por mais caro e governos de diferentes países, na processos mantidos sob sigilo
indesejável que seja ele pensamos medida em que ele coloca on line judicial. Há informações de ca-
que é preferível pagá-lo a ter um determinadas informações consi- ráter macroeconômico arquiva-
cerceamento que sabemos sem- deradas confidenciais consti- das nos Ministérios da Fazenda de
pre como e onde começa, porém tuindo riscos indesejáveis de ca- todos os países, cautelosamente
não sabemos nunca como e ráter interno e de caráter externo protegidas dos desejosos de se
aonde vai chegar. (o sigilo diplomático, por exem- beneficiarem ilicitamente de
Recentemente, um novo acon- plo). Alguns simpatizantes de informações privilegiadas. Há
tecimento trouxe de volta não só Assange costumam alegar que informações de caráter estra-
a insegurança e a preocupação carece inteiramente de sentido tégico militar que, caso vazadas,
com o vazamento de informações falar em coisas tais como “priva- poriam em risco a segurança na-
e com as invasões da privacidade cidade oficial dos governos”, pois cional, como foi o caso já mencio-
na Internet. Referimo-nos ao site todos os atos governamentais são nado da invasão do site do
wikileaks e ao seu diretor, Julian e devem ser de conhecimento Pentágono.
Assange; wikileaks é uma público, de modo a evitar coisas Enfim, há o que se pode de-
expressão composta de “wiki”, tais como “decretos secretos”, vidamente chamar de segredos de

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 18
Matéria de Capa

Estado, embora não seja este o inadmissível é exercer poder de


caso de mutretas e cambalachos censura sobre Assange ou sobre
feitos debaixo do pano temendo qualquer outro indivíduo que usa
que a mídia investigativa venha a
descobrir e informar aos seus
sua liberdade de expressão através
da Internet ou de qualquer outro A Suécia depois
leitores, cumprindo desse modo
sua função. Mas quando exa-
veículo da mídia. No entanto, se
levarmos em consideração a do modelo sueco
minamos a natureza dos va- maneira como o Ministério da
zamentos feitos pelo wikileaks Defesa americano lida com a de Mauricio Rojas
percebemos duas coisas rele- chamada classified information,
vantes. Primeiro, se não todos, a hierarquizando as informações
maioria dos vazamentos envolve em graus que vão de confidencial
órgãos governamentais e/ou até top secret, diremos que
agentes de governos, motivo pelo quando muito Assange veiculou
qual agradaram bastante aos na Internet coisas que não vão
adeptos de um anarquismo irres- além de violações de informações
ponsável do tipo “Hay gobierno, de caráter confidencial.
soy contra!”. Concordamos que Muito mais preocupantes para
o Estado é de fato um mal, mas os amantes da liberdade de
um mal necessário, e há deter- expressão são determinadas
minadas funções que só mesmo medidas dos dois governos Lula,
ele pode exercer a contento, assim tal como sua tentativa de formar R$ 15,00
como há determinadas prerro- um “Conselho Nacional de
gativas inerentes ao cumprimento Jornalismo” e posteriormente o
dessas mesmas funções, enfei- PNDH3, que não é nenhuma
xadas nas assim chamadas fórmula química de um cientista Este livro mostra o que
razões de Estado, que estão louco, mas sim uma espécie aconteceu com o modelo de
muito longe de ser pífias justifi- exótica de Miniconstituição que,
cativas para atos arbitrários ou por seu caráter híbrido, mais welfare state implantado
desmandos do poder. parece um projeto-ornitorrinco naquele país. Originalmente
Segundo, as informações vei- contendo, entre outras coisas, a socialista, Rojas assistiu à
culadas são bastante heteróclitas. legalização do aborto e uma
Se algumas delas podem ser manietação da mídia. Numa debacle do famoso modelo sueco
consideradas vazamentos de canhestra tentativa de acalmar os da economia do bem-estar e às
dados e atividades confidenciais, ânimos dos mais exaltados
outras não passam de puro defensores da liberdade de alterações que se sucederam,
sensacionalismo digno dessas expressão, Franklin Martins, ainda desmascarando a derradeira
revistas que vasculham as vidas de Ministro das Comunicações, fez utopia da esquerda no mundo.
celebridades e revelam detalhes uma viagem à Europa sob a
de suas vidas íntimas. Não alegação de investigar como era
obstante, pensamos que Assange feito o controle da mídia em Esta e mais 80 obras
nada mais fez do que exercer seu diferentes países. Na sua volta, deu estão à venda no
direito de expressão, direito este uma entrevista em que dizia que se Instituto Liberal
que é um dos pilares da demo- tratava apenas de fazer no Brasil um
cracia e do estado de Direito. Se “controle de conteúdo das infor-
algum indivíduo ou instituição, mações”. Isso é algo comparável a
pública ou privada, se sentiu chamar um anão de “indivíduo
aviltado pelos vazamentos da verticalmente prejudicado”. Definiti-
wikileaks que entre com processos vamente, estamos na Era do
contra ele, pois tendo ou não Politicamente Correto e dos Eu-
razão o direito de recorrer à femismos Hilariantes. Mas, até
Justiça é também um dos pilares agora, embora não saibamos Peça pelo site:
da democracia e do estado de dizer até quando, ainda temos www.institutoliberal.org.br
Direito. O que é decididamente liberdade de expressão.

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 19
Especial
Uma visão liberal do fato

que apareceu como o mais sistema de remuneração acontecimento mais


O promissor fato dos últimos O variável informal de O feio do período foi, sem
três meses foi o reconhecimento representantes do povo sombra de dúvida, o chamado
da presidente Dilma Rousseff de (deputados e senadores) que caso das aposentadorias de
que precisamos cortar R$ 50 substitui o Mensalão resulta da ex-governadores. O assunto
bilhões no orçamento da União distribuição de Ministérios, acabou sendo levantado pelo
estatais, fundos de pensão e senador do PSBD Álvaro Dias,
e de que o país, especialmente a reivindicando o valor total da
autarquias entre os partidos da
Previdência, não suporta um soma de suas aposentadorias
base aliada. As discussões sobre
salário mínimo superior a a ocupação desses cargos nem (?) desde que deixou o governo
R$ 545. É de lembrar que o de leve passa pelos critérios do do Paraná, há mais de 20 anos.
seu valor em US$ mais do que conhecimento, da eficiência ou Surpreso (?) com a reação
triplicou nos últimos 5 anos. da probidade. Bom ministro, negativa da opinião pública,
A presidente anunciou cortes, presidente de estatal ou diretor anunciou que os recursos da
inclusive no PAC 2, mas, de fundo de pensão é aquele sua aposentadoria seriam por
infelizmente foi obrigada a que mais arrecada recursos ele, aplicados de forma melhor
desmentir-se por pressão aberta para o partido e seus integrantes do que o Poder público. A sua
do seu chefe, o ex-presidente sem fazer muita poeira. Estamos defesa foi de tal falta de
Lulla. Foi promissor o assistindo agora a ocupação habilidade que a ela se seguiram
de Furnas. Esta estatal, até denúncias de que em quase
reconhecimento que Dilma todos os estados isto é prática
fez relativamente ao risco de agora feudo, por razões
desconhecidas, do deputado comum. A família Sarney –
uma retomada da inflação. Eduardo Cunha, depois de ainda na ativa, infelizmente –
Infelizmente isto nos está brigas internas e externas coleciona a aposentadoria de
obrigando a manter uma taxa acabou sendo entregue ao Sarney e de Roseana, além,
básica de juros que de um lado engenheiro Flávio Decat, obviamente, do que recebem
atrai investidores estrangeiros e, integrante do clã Sarney. na ativa. Ter uma aposentadoria
de outro, leva a taxa de câmbio As ameaças de Cunha fariam dessas é tão permissivo que
a valores que obrigam o Tesouro qualquer governante ficar alguém que governou por
a realizar frequentes leilões no rubro de vergonha, pois ele 10 dias faz jus à mesma.
mercado. Mas foi promissor o ameaçou revelar mazelas, Aposentadorias como essa
reconhecimento de que “nunca inclusive referindo-se à PRECE, constituem-se em vergonha
fundo de pensão do CEDAE, nacional e, e em penalização
antes nesse país” um presidente de uma sociedade que paga um
mudou tão rapidamente de ideia cuja divulgação é objeto de
censura prévia em todos os dos mais elevados sistemas
em relação à sua plataforma de jornais. Lobão, ministro da tributários do mundo.
campanha. pasta, não disse nada.

MAR
M /ABR
AR/A /MAIAI -- 2011
BR/M 2011 -- NNºº 54
54 20
20
Destaque

Liberdade de expressão
Moacyr Goes1 e André Chevitarese2
1
Cineasta, roteirista e diretor de teatro. 2 Professor de História - UFRJ.

maneira a história do Homem Em seu livro Ideias Políticas na


Liberdade, essa palavra está impregnada dessa busca, a Era Romântica, Isaiah Berlin
Que o sonho alimenta de constituir em valores o que nos afirma que a melhor de todas as
Que não há ninguém habilita a afirmar nossa huma- defesas modernas da liberdade
que explique nidade. Foi por isso que produ- política é a de J.S.Mill, “a não
E ninguém que não entenda zimos o Direito e as leis. A interferência na liberdade de
Cecília Meireles Liberdade de Expressão afirma-se expressão dos seres humanos, a
como um desses valores cons- proteção de vidas privadas e
poeta tem certa razão. Os titutivos de nossa existência. É a relações pessoais, a oportunidade
A grandes poetas têm sempre maior conquista, e sua susten- para o desenvolvimento mais
razão, mas na mesma medida em tação cotidiana se estabelece pleno e mais espontâneo da
que esse sonho humano não se como única possibilidade de uma imaginação, intelecto e emoções
apaga, esse “ninguém explica”, sociabilidade mais humana e dos homens, até o encorajamento
corremos sempre em busca de dar progresso sustentável. “A liber- positivo da excentricidade in-
sentido àquilo que queremos, dade é mais importante do que o dividual, desde que não obstrua
sentimos e que, em última pão”, já disse o maior dramaturgo ou viole a outrem além de certos
instância, nos define. De alguma brasileiro, Nelson Rodrigues. limites estabelecidos e contribua

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 21
Destaque

para uma variedade de expe- xidades das sociedades capita- McCarthy, na extinta União
riência mais rica, estimulando a listas no século XX, além de estar Soviética, pontuava na vanguarda
originalidade, o temperamento, o profundamente atrelado aos artística russa um homem que
gênio, permitindo o mais amplo partidos comunistas) lhe valeu transformaria a cena teatral para
campo para o desenvolvimento quase a ruína de sua vida inte- sempre. Seu nome era Vsevolod
pessoal”. lectual e pessoal. Entre 1952 e Emilevich Meyerhold. Possuidor de
A Liberdade é a ausência de 1954, anos da “caça aos ver- uma inquietação artística e uma
submissão, da servidão, aquilo melhos” infiltrados nos Estados originalidade profunda, esse
que afirma a independência do Unidos, o famigerado macar- homem empreendeu as maiores
indivíduo, estabelece sua auto- thismo, Finley foi demitido do seu experimentações cênicas da
nomia, cria possibilidades para emprego de professor na Uni- primeira metade de um século
seu desenvolvimento pessoal e o repleto de transformações esté-
habilita como ser social. A ticas. Inicialmente um “artista do


Liberdade de Expressão não é um povo”, bafejado pelos ventos da
fim a ser alcançado, mas o meio De alguma revolução, Meyerhold cai em
para a realização dos desejos e
necessidades humanas. “A Liber-
maneira a história desgraça frente à imposição do
“realismo socialista”, cartilha
dade só é um ideal enquanto do Homem está estética imposta pelo estado
estiver ameaçada”, nos ensina impregnada dessa totalitário soviético. Já na década
Berlin. Mas essa ameaça é per- de 1930 as estonteantes experi-
manente. busca, a de mentações do diretor não eram
O judeu americano Moses constituir em mais toleradas. Perseguido, fe-
Finley (1912-1986) foi um chou seu teatro em 1938 e em
historiador mundialmente conhe- valores o que 1940 foi assassinado a tiros na
cido por ter sido dono de uma nos habilita a prisão.
extensa produção intelectual, Não se quer aqui fazer asso-
responsável por influenciar gera- afirmar nossa ciações descabidas entre os des-
ções inteiras de pesquisadores do humanidade. lizes de uma sociedade demo-
século XX entre as décadas de crática e o estado totalitário russo.
1960 e 1980. Como carac- Foi por isso Sobre isso não se pode transigir.
terística inerente à sua formação que produzimos Enquanto o macarthismo foi
intelectual, Finley procurou, desde jogado no esgoto da vida ame-
o Direito e

muito cedo, uma formação trans- ricana como uma noite tene-
disciplinar, que viesse lhe pro- as leis. brosa, o regime comunista conti-
porcionar instrumentos de análise nuou calando e matando aos
capazes de retirar de fontes já milhares décadas afora.
intensamente estudadas, que aos A Liberdade de Expressão não
olhos de muitos pareciam esgo- versidade de Rogers e convocado é simples sinônimo de uma forma
tados, uma compreensão mais pela Subcomissão de Segurança de governo. Nem mesmo está
plausível da história, novas Interna do Senado norte-ame- completamente salvaguardada
formulações, revolucionando a ricano para responder se era por qualquer delas, mesmo que
pesquisa naquele campo. Em um membro do Partido Comunista seja a maior democracia do
dado momento dessa sua Americano. Ele invocou a 5ª ocidente. Liberdade de Expressão,
trajetória intelectual, lá pela Emenda da Constituição e se como um direito individual
segunda metade dos anos 1940, recusou a responder. Acabou universal, vem a ser sinônimo de
Finley travou contato com mem- tendo que se mudar para a uma conquista dos homens, de
bros da Escola de Frankfurt, que Inglaterra, onde foi lecionar uma escolha, determinada pela
estavam exilados nos Estados estudos clássicos até o final de educação política, que forma
Unidos. Essa sua aproximação sua vida, na Universidade de cidadãos conscientes e aptos para
com um tipo de pensamento Cambridge, e posteriormente na atuar plenamente na sociedade
marxista (aliás, diga-se de pas- Universidade de Oxford. Isso e garantir seus direitos. A Li-
sagem, Finley era bastante crítico aconteceu na maior democracia berdade é uma lenta construção
para com um tipo tradicional de do ocidente. dos homens.
marxismo que era incapaz de Nos mesmos anos 40, bem Leitores habituados a ler os
explicar as enormes comple- longe do medíocre senador grandes clássicos da literatura

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 22
Destaque

mundial hão de se lembrar, se o


tema for liberdade de expressão,
do famoso episódio contido na
Ilíada (2:211-278), onde Homero
conta como Tersites, um homem
do povo, mais um entre os
milhares de soldados helenos que
foram lutar em Tróia, foi vio-
lentamente espancado e silen-
ciado por Ulisses por ter ousado
falar em uma assembleia sobre a
desistência da expedição. Não
houve ninguém que se opusesse
à ação do senhor de Ítaca, ao
contrário, sua ação foi inter-
pretada como absolutamente
correta e necessária.
É claro que o mundo descrito
por Homero nada tinha de
democrático, muito embora a sua
terra tenha sido, muito tempo
depois, o berço da democracia.
No interior das primeiras expe-
riências populares emergem duas
palavras que parecem conter em
O ministro Franklin Martins defendeu a censura prévia nos meios de comunicação.
si ideias vinculadas à liberdade de
expressão: isegoria e parresia. A
primeira palavra pode ser enten- sujeito não existisse em períodos Essa é uma verdade parcial. Se a
dida como a igualdade de todo anteriores à época moderna, mas democracia é o território da
cidadão de falar em público ou o ela ainda estava longe de ignorar afirmação da liberdade individual,
direito universal de ele se ex- a forte presença da esfera pública e é, ela não está imune à con-
pressar na Assembleia; já parresia na vida privada, particular do taminação de laivos autoritários.
pode ser traduzida como falar com indivíduo – fosse ele cidadão ou Annette Kuhn, ao analisar um
franqueza ou liberdade de expri- não. A ideia de liberdade signi- longo processo situado entre os
mir o pensamento abertamente, ficava o predomínio da lei e a anos de 1909 e 1925, que
tanto em questões particulares participação do cidadão no pro- culminou com a instauração da
quanto em questões públicas. cesso decisório, não a posse de censura no cinema na Inglaterra,
Ambas as palavras dialogam direitos inalienáveis. Isso é His- observou que as instituições que
abertamente com a ideia de tória, que muda com o Homem, a produziram não agiram de
liberdade de expressão, muito que é transformado por ela. forma isolada. Ao contrário, elas
embora os críticos à democracia Tem-se muitas vezes admitido, constituíam somente uma parte de
tenham transformado o sentido na contemporaneidade, que a um grande conjunto de institui-
de parresia em licença, em falar Liberdade de Expressão só se ções, práticas, poderes e relações.
de maneira irresponsável. realiza plenamente na demo- Enfim, as instituições de censura
Convém observar, quando se cracia na medida em que as suas participavam de um aparato de
aplica o conceito de Liberdade de instituições, seus poderes exe- governo.
Expressão para períodos antigos, cutivo, legislativo e judiciário, Falas isoladas de autoridades
que por mais que os gregos a atuando com independência públicas, propostas de projetos de
prezassem e a praticassem, ao seu entre si, sejam capazes de garantir lei, ações concretas que visam
modo e a seu tempo, eles não salvaguardas para toda e qual- intimidar, censurar e calar as
admitiriam que a Assembleia não quer manifestação artística, para multifacetadas formas de ex-
tinha direito de interferir. Em outras todos os meios de comunicação pressão não podem, nesse sen-
palavras, havia uma evidente e para a livre manifestação dos tido, nem muito menos devem, ser
preponderância do público sobre indivíduos, de modo que eles pos- vistas desconectadas umas das
o privado. Não é que a ideia de sam atuar livres e independentes. outras; elas não podem nem

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 23
Destaque

devem ser isoladas. Desconectá- estar exclusivamente centrado discussão os cidadãos não rea-
las ou isolá-las de uma prática que entre intelectuais e governo ou girão. Essa é a aposta. Imprensa
exerce enorme fascínio aos entre empresas de comunicação livre é um pesadelo para governos
governantes, independentemente e governo. Se assim for, pode-se que, pensados como organismos
das formas de governo em que eles dizer, sem medo de errar, que o sociais, arrogam-se no direito de
venham a ser inseridos, que está embate será desigual, com o se defender. E eles se defendem,
tão entranhada nos mais dife- segundo par de cada um dos muitas vezes, tentando cercear o
rentes poderes constituintes, é binômios levando sempre enorme direito à livre informação.
cometer um erro primário, pois vantagem sobre os primeiros. Ao Fazer com que a palavra
individualiza o que não pode ser mesmo tempo, não basta apenas censura tenha implicações pe-
personalizado e persegue o que jorativas não apenas nos círculos
não pode ser alcançado. intelectuais como também fora
Governos, através de seus deles é o que precisa ser cons-
aparatos institucionais, muitas
vezes almejam cercear o direito
fundamental do indivíduo ao
“ Governos não
temem artistas e
truído. Aqui é preciso perceber,
também, que a censura, ou o
“controle social”, adquire entre
acesso à informação, incluindo aí, intelectuais, salvo nós mecanismos mais sofisti-
primordialmente, aquela que diz se forem livres. cados do que as fogueiras de
respeito aos seus atos, aos seus livros, o instituto do censor oficial
desmandos, aos seus desca- Da mesma forma, ou o mero aniquilamento dos
minhos. Aqui, no entanto, é im- governos não indivíduos, práticas históricas nos
portante fazer a distinção entre temem meios de governos totalitários, sejam eles
Governo e Estado Constitucional. de direita ou de esquerda.
Governos não temem artistas comunicação, sejam O momento exige não
e intelectuais, salvo se forem livres. eles grandes ou apenas vigilância para os que
Da mesma forma, governos não pequenos, a não sabem o quanto é importante
temem meios de comunicação, afirmar a Liberdade de Ex-
sejam eles grandes ou pequenos,
ser que eles sejam pressão, mas que aqueles que a
a não ser que eles sejam críticos críticos e ignoram possam ser capazes de
e autônomos e gozem da mais autônomos e gozem se perguntar: por que é impor-
estreita confiança dos cidadãos. da mais estreita tante ter meios de expressão livres
Mas, para que artistas, intelectuais e independentes? Essa é a tarefa
confiança

e meios de comunicação, que do dia, o que demanda urgência,
lutam pela garantia da liberdade dos cidadãos. o que precisa ser imediatamente
de expressão, seu sentido e seu construído, a fim de superar o que
direito, possam permanecer livres hoje em dia parece ser valorizado
é indispensável que os indivíduos como virtude do cidadão: possuir
entrem na discussão, pois são eles apatia pública e ignorância
que, em todas as instâncias, dizer que a sociedade precisa ser política. Vamos lembrar Mahatma
devem estar atentos e vigilantes envolvida nesse debate, ou que ela Ghandi: “Estou firmemente
contra todas as ações gover- precisa assumir claramente o seu convencido de que só se perde
namentais que venham tentar papel na luta. Nesse sentido, a liberdade por culpa da própria
subtrair o seu direito fundamental apontam-se algumas questões: fraqueza”.
de escolher livremente o que ler, como chamar para a discussão Em outras palavras, é preciso
ver, assistir e se manifestar. uma maioria esmagadora de um enorme esforço no campo da
Se as decisões são tomadas cidadãos que é apática pública e educação de modo a retirar o
pelos líderes políticos, que se ignorante política? Como esperar cidadão das margens da par-
inserem no poder executivo, que ela seja capaz de formular ticipação em que ele hoje se
legislativo e judiciário, a questão uma crítica ou exercer um controle encontra, inserindo-o no centro
é saber como evitar que ações de sobre algo (Liberdade de Ex- das discussões. “Se a liberdade
governo venham impedir que o pressão) que aparentemente não significa alguma coisa, será
cidadão exerça seu direito à livre lhe interessa? Os governos sobretudo o direito de dizer
expressão e ao acesso à infor- apostam na inércia social, eles às outras pessoas o que elas
mação. Uma vez mais, o debate são confiantes de que quando a não querem ouvir”, bem disse
em torno dessa questão não pode censura for colocada na pauta de George Orwell.

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 24
MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 25
Livros

Guia politicamente incorreto da história do Brasil


Resenha do livro de Leandro Narloch. Ed. Leya, 2009.

esde a descoberta do Brasil até um celeiro, senão de erva-mate. A


D os mais recentes aconte- guerra custou ao Brasil o equivalente
cimentos, como o retorno do país a a 4 PIBs da época. López não era um
um regime democrático, a história estadista, mas um tirano pouco
incorporou versões pouco fiéis. O consequente. Entre as versões que
jornalista Leandro Narloch trata de circulam nas escolas, o Brasil praticou
examinar, com um olhar não ideo- atrocidades contra os paraguaios,
lógico, fatos e versões de diferentes reduzindo em 70% a população,
historiadores. É possível ver, nas especialmente a masculina. Historia-
versões oficiais, inconsistências dado dores recentes informam que as baixas
o viés político desses historiadores. Do paraguaias devem corresponder a
fato mais próximo ao mais remoto – 8,7% da população da época.
como o descobrimento do Brasil – Por fim, Narloch examina episódios
contam-se versões que não resistem a decorrentes da última ditadura militar.
uma pesquisa séria. A pequena Ele diz, por exemplo, que os grupos
população indígena é justificada por de esquerda decidiram partir para a
uma matança generalizada dos índios luta armada porque esta seria a única
por eles mesmos. Narloch mostra que resposta possível à ditadura. Na
quem matava índios eram os outros verdade, já havia numerosos grupos
índios. Que a escravatura no Brasil não de guerrilheiros planejando ações,
tem origem européia ou africana, mas franceses e a circular de automóvel à ainda no governo Goulart. O que
os próprios indígenas. Fica claro que época, exibindo-se nos sertões. iluminou esses potenciais revolucio-
portugueses e indígenas gostavam de Outro mito destruído por Narloch nários foi a chegada de Fidel Castro
partilhar festas e que os índios, quando se refere ao verdadeiro inventor do ao Poder, a partir da teoria de criação
possível, passavam a morar com os avião. O escritor mostra, em minúcias, de pequenos focos de revolta. O apoio
brancos. Tem faltado à história que os verdadeiros precursores do de Fidel à introdução de uma reforma
reconhecer a importância dos índios avião foram os irmãos Wright, de marxista no Brasil veio a público em
nos capítulos de “Entradas e Bandeira”. nacionalidade norte-americana. 1962, quando um Boeing 707 da
Quando se fala em comunista Outra revisitação histórica é Varig caiu no Peru com corres-
brasileiro, o primeiro nome que nos referente ao Acre. O Brasil tentou se pondência que ligava Fidel à es-
vem à mente é Luis Carlos Prestes. livrar do Acre desde 1867, com o querda brasileira. Em 2009 foi
Ninguém passou tanto tempo pre- Tratado de Ayacucho, durante a guerra encontrada pela CBN uma série de
gando a Revolução no Brasil. Nunca do Paraguai. Era um jeito de reforçar relatórios sobre os Grupos dos Onze
conseguiu nada além de um cargo de os laços com a Bolívia e, pelo menos, de Brizola, nos quais se revela sua
Senador, por três anos. neutralizá-la na guerra contra os intenção de transformá-los em algo
O autor mostra que ao contrário paraguaios. parecido com a Guarda Vermelha da
do seu mito construído pela esquerda Em relação aos acontecimentos Revolução Socialista de 1917, na
como “Cavaleiro da esperança”, que, ocorridos na Guerra do Paraguai, União Soviética. Guerrilheiros, depois
se vitorioso, transformaria o Brasil em Narloch usa para esclarecer os leitores do fechamento decorrente do A.I. 5,
uma “Cuba”, visto de perto ele, questões em suas provas escolares, que de dezembro de 1968, praticaram pelo
Prestes, parece pequeno, prepotente e, afirmavam que o ditador paraguaio menos 20 assaltos a bancos que
entre outras coisas, responsável direto Solano López era muito mais do que resultaram em nove mortes e ferimentos
pelo assassinato da garota Elza. Um um precursor do nacionalismo sul- em soldados, seguranças de bancos,
equívoco absolutamente evitável. A americano. O escritor informa que motoristas e pedestres em geral. Os
Coluna Prestes, olhada benevolamente Solano López era, antes de tudo, um guerrilheiros não lutavam pela
pelos historiadores brasileiros, carrega ditador. A Inglaterra de forma alguma liberdade, e tinham como objetivo final
destruição, ódio e revolta dos cidadãos estimulou a agressão ao Brasil, então transformar o Brasil numa ditadura
por onde ela passou. Até 1935, Prestes um país com um exército reduzi- socialista.
receberia de Moscou uma mesada de díssimo. A decisão de Solano López Vale a pena ler este livro pela
US$ 6 mil. Virgulino Ferreira da Silva, de “cortar caminho” pela Argentina e sua qualidade, e até mesmo porque
o Lampião, é comparado por muitos pelo Uruguai levou-o a uma guerra vários dos integrantes desses grupos
historiadores a um Robin Hood, que insana contra esses dois países. Então, armados ainda são parte da vida
teria por missão a redistribuição de o Brasil pôde atacar o Paraguai com pública no Brasil.
riqueza. Hoje se sabe que o bandido os encouraçados. Isto levou o
dava a vida para estar entre os Paraguai à exaustão. Ao contrário da
coronéis. Lampião foi um dos primeiros conhecida versão, que predomina nos por Arthur Chagas Diniz
brasileiros no Nordeste a usar perfumes colégios brasileiros, o Paraguai não era

MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 26
MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 27
MAR/ABR/MAI - 2011 - Nº 54 28

You might also like