You are on page 1of 22

PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO PARA CAMPINAS E

REGIÃO COM A AMPLIAÇÃO DO AEROPORTO INTERNACIONAL DE


VIRACOPOS

Prof. Dr. Josmar Cappa1

1.1 – Referencial teórico sobre transporte como infra-estrutura estratégica


para o desenvolvimento
O desenvolvimento tecnológico observado no período contemporâneo, em todas as
áreas do conhecimento científico, foi significativo. Não obstante, os meios de transporte
mais utilizados pela sociedade são rodoviário, marítimo, ferroviário e aeroviário,
especialmente porque as fontes energéticas principais são a eletricidade e o petróleo.
Existem outros modais como, por exemplo, os dutoviários, os monotrilhos e os
transportadores automáticos utilizados de forma restrita devido às suas características,
sendo, inclusive, classificados como especiais (Mello,1984 ; Palhares, 2002)2.
Os agentes econômicos que atuam no setor de transporte caracterizam-se pela
prestação de serviços relacionados aos deslocamentos de pessoas para diferentes
finalidades como trabalho, negócios, turismo e lazer. O setor de transporte integra também
o processo de produção e circulação de mercadorias de qualquer atividade econômica,
porque possibilita o deslocamento de insumos, matérias-primas e produtos acabados entre
fornecedores e clientes para distintas regiões do comércio internacional.
Devido às especificidades supracitadas, que distinguem o setor de transportes dos
demais setores econômicos, pode-se compreendê-lo como atividade econômica que
depende diretamente dos objetivos e metas de crescimento dos demais setores (privados ou
públicos). Ou seja, a prestação de serviços de transportes é concretizada na medida em que
complementa os interesses de seus demandantes; sendo, por isso, considerada como
atividade-meio.

1
Parte do Relatório de Pesquisa desenvolvida entre agosto de 2006 a dezembro de 2007 no
Núcleo de Pesquisa do Centro de Economia e Administração da PUC C Campinas.
2
A principal vantagem dos dutos está na grande capacidade de transporte e por manter fluxo contínuo de
movimentação, mas é limitado pelos produtos que pode transportar como petróleo, gás, granéis sólidos, água
e produtos químicos. Os investimentos para implantação são elevados, mas apresenta gastos menores para
operação e manutenção. Os monotrilhos são trens que se movimentam, geralmente em áreas pequenas,
suspensos em estruturas elevadas por meio de um trilho como, por exemplo, a linha inaugurada em 1964
entre o centro de Tóquio e o aeroporto da cidade, com 13,1 quilômetros percorridos em 15 minutos a uma
velocidade de 52 km/h. Os transportadores automáticos são pequenos carros que se movimentam isolados ou
em comboios em vias isoladas como o sistema LTV do aeroporto de Dallas, com pouco mais de 20
quilômetros e capacidade para transportar até 40 pessoas por veículo. Para maiores detalhes, ver Mello
(1984).
1

No caso das pessoas, e diante do atual mundo moderno, normalmente o intuito é de


realizar deslocamentos entre os pontos de origem e destino com segurança, rapidez e
conforto. Entre os setores econômicos, o que se espera do setor de transporte é que, a partir
de operações de logística e da utilização das tecnologias de informação, integre o processo
produtivo das empresas por meio da movimentação de insumos, matérias-primas e
mercadorias com eficácia e eficiência, como no sistema just-in-time, por exemplo.
Por isso, a demanda por transporte de pessoas ou mercadorias é exógena ao próprio
setor de transporte. Ou seja, é gerada pelas pessoas, ao decidirem para onde e quando irão
se deslocar de um destino para outro, a partir de finalidades distintas como trabalho,
negócios, turismo ou lazer, como também pelos agentes econômicos atuantes nos demais
setores de atividades, que decidem o que, quanto, quando e para onde transportar suas
mercadorias, insumos, matérias-primas, peças, partes e componentes industriais.
A demanda por transporte, de pessoas ou mercadorias, no presente ou no futuro,
não pode ser plenamente atendida por nenhum modal isoladamente. Basicamente porque
todos os modais de transporte apresentam vantagens e desvantagens diante de diversas
questões que se inter-relacionam simultaneamente e interferem nas condições de demanda
como: I) características apresentadas pelas cidades, regiões, estados e países como
topografia, clima e cultura; II) tipos e quantidades de cargas como perecíveis, líqüidas,
sólidas e sofisticadas que variam de acordo com a estrutura econômica de cada cidade ou
região e são influenciadas pela inserção do país no comércio internacional, com maior ou
menor vulnerabilidade externa; III) intensidade de tráfego que poderá ser transportado no
presente e no futuro; IV) padrões de renda e consumo da população; e V) distâncias a
serem percorridas (ver Quadro 1).
QUADRO 1: CARACTERÍSTICAS DOS PRINCIPAIS MEIOS DE TRANSPORTES
Principais Via Veículo Maiores vantagens Maiores desvantagens
Modais
Quase sempre o investimento inicial é elevado com maturação de
Possui capacidade para transportar grandes quantidades de cargas de baixo longo prazo. Necessita de elevado volume de carga para tornar-se
Mar, rios Navios, valor agregado e de elevadas dimensões como minério, petróleo e grãos em viável, além de infra-estrutura portuária de apoio aos deslocamentos
Marítimo e barcos e geral. Possibilita flexibilidade na escolha da rota, respeitando-se as das embarcações, pessoas e cargas. Apesar da maior capacidade de
lagos férries. necessidades de infra-estrutura dos terminais portuários como profundidade transporte, os navios de grande porte apresentam restrições quanto à
dos canais de acesso e bacias de evolução. infra-estrutura de apoio à navegação e ao uso de terminais portuários
adequados às necessidades de segurança como dragagem,
balizamentos, etc.
Dependendo das condições da região, do tipo de produto a ser
transportado e do equipamento a ser utilizado, o custo de implantação
Possui capacidade para transportar grandes quantidades de cargas de baixo da via permanente é, em média, menor que o do transporte rodoviário,
Ferroviário Trilhos Locomotivas, valor agregado e de elevadas dimensões, respeitando-se os controles de mas não possibilita sua melhoria por etapas. Necessita de elevado
carros e tráfego e a densidade da rede ferroviária. Com o desenvolvimento tecnológico volume de carga para tornar-se viável, sendo limitado pela densidade
vagões. é possível atingir velocidades altas, embora o desempenho pode ser afetado da rede ferroviária que restringe os deslocamentos dos trens. A
pelas características das vias, rampas e curvas, rotatividade dos vagões, utilização de bitolas diferentes exige necessidades de transbordos e
densidade e sistemas de controles de tráfego. aumentam o tempo de duração das viagens.

Os investimentos iniciais e os prazos de maturação são menores do que os Para elevadas quantidades de cargas torna-se inviável, frente aos
demais modais. O sistema viário possibilita melhorias por etapas e de curto demais modais de transportes. Apresenta problemas de
Estradas, Automóveis prazo, na medida em que o tráfego for aumentando. Apresenta economia de congestionamentos com saturação de rodovias e avenidas e de
Rodoviário avenidas (carros, escala em diferentes quantidades transportadas, especialmente para pequenos segurança nos deslocamentos de pessoas e mercadorias. Seu
e ruas caminhões, volumes e para cargas espalhadas que exigem rede coletora. É flexível em desempenho é afetado pelas características das vias, rampas e curvas,
ônibus). relação aos caminhos que pode seguir, mas limitado em relação à dimensão e além das restrições quanto à capacidade de transporte impostas por
quantidades das cargas que pode transportar. gabaritos de peso, largura e altura da carga, diante de pontes, viadutos
ou túneis.
Quase sempre o investimento inicial é elevado com maturação de
longo prazo. Necessita de elevado volume de carga para tornar-se
viável e de importante infra-estrutura de apoio para os deslocamentos
Possui capacidade para transportar cargas de alto valor agregado e produtos de aviões. No Brasil, a demanda por transporte aéreo apresenta
Aeroviário Ar Aviões perecíveis em grandes quantidades e elevadas dimensões. Atende às características distintas dos demais modais e países, especialmente
necessidades de rapidez com segurança no transporte. Possibilita flexibilidade devido à concentração de renda a demanda é inelástica em relação ao
na escolha da rota, respeitando-se os controles de tráfego aéreo e as preço das tarifas porque a maioria dos passageiros realiza viagens a
necessidades de infra-estrutura aeroportuária. negócios e as passagens são pagas pelas empresas. Existem também
problemas de congestionamentos no espaço aéreo e alguns aeroportos
têm pistas de pouso e decolagem com capacidade insuficiente.
Fonte: Elaboração do Autor.
4

Considerando-se as questões acima que se inter-relacionam e interferem nas


condições de demanda, bem como os diferentes tipos e quantidades de cargas que deverão
ser transportadas e as distintas necessidades dos agentes econômicos por movimentação, é
preciso admitir duas implicações sobre as decisões relativas ao planejamento da oferta dos
transportes.
Primeiro, a impossibilidade de universalizar as características dos transportes e a
repartição modal existente em cada país, devido às razões históricas dos processos de
desenvolvimento, políticas governamentais e capacidade de financiamento. Por exemplo,
na Rússia é amplo o predomínio do transporte ferroviário no deslocamento de cargas,
devido às condições climáticas que no inverno apresentam temperaturas muito baixas que
congelam rios e boa parte das rodovias, reduzindo a vida útil dos pavimentos dos navios e
dificultando o desempenho do transporte aéreo. No Brasil, ao contrário, há predominância
do transporte rodoviário, enquanto nos EUA a estrutura de transporte é mais equilibrada
entre os diferentes modais (Mello,1984:p.227-228).
Segundo, compreender que não há uma regra única para o estabelecimento do
melhor modo de transporte, cuja definição ou composição entre os modais deve estar
relacionada, especialmente, às condições da demanda e às especificidades verificadas em
cada cidade, região, estado ou país. Por exemplo, as implicações referentes ao transporte de
minério de ferro, automóveis ou computadores em grandes quantidades para o mercado
externo são completamente distintas das necessidades de transportar frutas, verduras e
legumes para o mercado interno diariamente.
Todas as características mencionadas sobre o setor de transportes, principalmente
àquelas relativas à demanda, que é exógena ao próprio setor, tornam ainda mais complexas
as decisões de investimento nessa atividade econômica. Essas decisões são difíceis para
todos os setores econômicos, especialmente porque, quase sempre, envolvem gastos
elevados por períodos longos de maturação, mas são irreversíveis diante de mudanças nos
cenários econômicos como alterações na taxa de juros ou comportamento da demanda
efetiva (Keynes,1985: p.109-119).
Para o setor de transporte e demais segmentos de infra-estrutura como saneamento
ambiental, energia elétrica e petróleo, as decisões de investimentos são ainda mais
complexas porque precisam estar à frente da demanda existente nos demais setores
5

econômicos. Ou seja, sempre é preciso antecipar os investimentos em infra-estrutura em


relação à capacidade de produção, presente e futura, dos outros setores econômicos. Isto
porque, tanto à insuficiência de investimentos quanto à falta de planejamento em
transportes podem impedir o atendimento, no curto prazo, da demanda gerada pelos demais
setores econômicos, gerando, por exemplo, perdas de safras agrícolas, menor
competitividade provocada pela elevação nos custos de transporte e atrasos no escoamento
de produtos, que podem comprometer a execução da política de comércio exterior e o
desempenho da balança comercial3.
No caso do setor de transporte, além da demanda ser exógena ao próprio setor, não
existe uma regra única para investir no melhor modal de transporte; pelas razões
mencionadas. Em geral, considera-se que: I) para cargas de baixo valor agregado,
transportadas em grandes quantidades e longas distâncias, os modais mais indicados podem
ser o ferroviário ou marítimo, mas dependendo das características dessas cargas e dos
territórios envolvidos o mais indicado poderá ser o dutoviário por oferecer custos de
implantação e de operação menores; II) para cargas dispersas no território em pequenas
distâncias e que necessitam de redes coletoras, o modal rodoviário pode ser o mais
indicado, pela flexibilidade que oferece; e III) para cargas de alto valor agregado e para
aquelas perecíveis, e se a distância a ser percorrida for relativamente longa, o modal aéreo é
o mais indicado pela rapidez e segurança que oferece (Mello,1984:p.155-156).
Por isso, Lessa (1996:p.8) lembra que “(...) a adequada manutenção e renovação do
estoque de infra-estrutura e o custo de utilização, via tarifas ou preços relativos, afetam
diretamente a competitividade dos demais setores produtivos, [desde a distribuição de
insumos no mercado interno, até a exportação de mercadorias manufaturadas]. Nesse
sentido, a infra-estrutura constitui uma importante fonte de externalidades positivas ou
negativas para a competitividade da economia”.
Motivo pelo qual, em questões relativas aos vários segmentos de infra-estrutura, é
preciso desenvolver esforços para superar restrições impostas por questões
macroeconômicas, tendo em vista sua dimensão estratégica para a competitividade entre os
setores econômicos e para o desenvolvimento da nação. “(...) Esta importância estratégica

3
Para detalhes sobre a política de regulação de infra-estruturas no Brasil entre 2003 e 2005, ver Maciel
(2005).
6

se reflete tanto em questões de política interna quanto nas relações internacionais, como é o
caso do abastecimento de petróleo na geopolítica mundial, [por exemplo]”
(Lessa,1996:p.9).
A complexidade em torno das decisões sobre investimentos em transporte pode ser
compensada, em parte, por meio de ações integradas entre os governos federal, estadual e
municipal, bem como por empresários do setor. Trata-se, em geral, de utilizar a infra-
estrutura de transporte como indutora do desenvolvimento, por meio da construção de
sistema viário integrado em direção às estações ferroviárias, rodoviárias, portuárias e
aeroportuárias. O intuito é de estimular demandas existentes ou futuras por deslocamentos,
de pessoas ou mercadorias, como forma de induzir a expansão econômica e urbana a partir
da disponibilidade de meios de transportes.
Em torno dessa questão, Coutinho (1996:p.9-10) lembra que:
(...) a importância atribuída ao papel do investimento público [nos diversos setores
de infra-estrutura] é exatamente a de articular um conjunto de interesses regionais e
privados capazes de sustentar não apenas a retomada do desenvolvimento como o
próprio processo de estabilização [monetária de um país]. (...) A definição de um
bloco de investimentos em infra-estrutura exerce um forte poder tanto na
articulação política de legítimos interesses regionais quanto na articulação de um
conjunto de interesses privados competitivos, além da fixação de um horizonte de
demanda que imprime confiança ao próprio setor privado.

A necessidade de ampliar a eficiência nas ações e a capacidade de investimentos


para aumentar a oferta de infra-estrutura, como uma das formas de promover o
desenvolvimento das nações e inclusão social, foi apontada pelo Banco Mundial em seu
relatório “Infra-estrutura e Desenvolvimento”, de junho de 1994. Sugere, inclusive, a
predominância de investimentos privados para reduzir a dependência de recursos públicos,
além de incentivos para melhorar o gerenciamento comercial, promover a concorrência no
setor de infra-estrutura e gerar maior envolvimento dos usuários4.
A reestruturação da infra-estrutura está na agenda do Banco Mundial, entre outras
razões, devido às transformações geradas pela introdução de novas tecnologias comandadas
pelas empresas transnacionais, pela atuação de agentes econômicos no mercado mundial de
capitais e pelos estados nacionais organizados em blocos econômicos. A produção
industrial tornou-se mais fragmentada e trouxe novos desafios ao poder público tanto para
organizar a produção no espaço urbano e rural, com eficiência e racionalidade na circulação
4
Para detalhes, ver Banco Mundial (1994).
7

de pessoas e mercadorias, quanto para promover inclusão social e combater a violência


urbana.
Não constitui objeto de análise deste estudo avaliar o diagnóstico sobre infra-
estrutura e desenvolvimento elaborado pelo Bando Mundial, bem como sua política para
solucionar problemas do setor por meio da preponderância de empresas privadas.
Considera-se necessário, porém, destacar as importantes advertências feitas por Newton
Castro, José Roberto Esposito, Carlos Lessa e Maria da Conceição Tavares sobre a
importância das várias infra-estruturas na promoção do desenvolvimento e da inclusão
social, especificamente, num país como o Brasil.
Castro & Esposito (1998:p.9) consideram que:

Seria ingênuo esperar que a simples presença dos agentes privados na produção dos
serviços desse intricado sistema [o de transporte] por si só garanta os níveis
almejados e possíveis de eficiência econômica. (...) Nada garante que, nas interfaces
entre esses agentes, haverá uma coordenação efetiva por parte da “mão invisível”
do mercado, ou que se dêem condições de acesso às instalações de uso
potencialmente comum de forma equânime. (...) Nesse ambiente ocorrem
externalidades as mais diversas, distorções de preços relativos, assimetrias de
informação, conflitos de interesse, mercados não concorrências ou não contestáveis,
e interseções e vazios de competência.

Lessa (1996:p.9) levanta dois argumentos fundamentais. Primeiro, destaca o papel


essencial do investimento em infra-estrutura como componente autônomo da demanda
global que gera emprego e renda, devido aos “(...) efeitos de encadeamento deste gasto com
os setores de bens de capital, [bens] intermediários e, inclusive, sua repercussão positiva
sobre o nível de emprego [e renda]”.
Segundo sublinha o “(...) papel essencial que assumem as várias infra-estruturas na
determinação das condições de vida tanto para a população urbana como para a rural. Os
custos crescentes de transporte no deslocamento dos bens até os consumidores (logística do
abastecimento), o fluxo migratório campo/cidade e o próprio tempo médio de
deslocamentos diários nas grandes metrópoles são exemplos eloqüentes desta dimensão [da
infra-estrutura de transporte]” (Lessa,1996:p.9).
Tavares (1996:p.10) adverte quanto “(...) aos objetivos da sociedade democrática e
ao papel do Estado numa economia como a brasileira. A formulação e o planejamento da
infra-estrutura têm de considerar e dar espaço de negociação para uma massa de cidadãos
8

excluídos do desenvolvimento e do mercado de trabalho. A forma e o conteúdo do


planejamento têm, portanto, de ser repensados”.
No caso específico do setor de transportes é importante que o poder público evite
ações fragmentadas que privilegiem um modal de transporte em detrimento de outros,
tendo em vista uma perspectiva integrada sobre as necessidades futuras de investimentos
neste setor. É preciso uma visão de conjunto que compreenda o setor de transportes como
um sistema composto por várias partes que devem funcionar de forma mais harmônica e
integrada possível, com intuito de evitar deficiências entre os pontos de origem e destino
dos fluxos de transporte de pessoas e mercadorias. Por um lado porque, muitas vezes, as
ações fragmentadas em transportes podem ser atribuídas às divisões geográficas, às
competências administrativas fixadas em lei, bem como às segmentações estabelecidas pelo
processo produtivo de mercadorias. Por outro, porque o Artigo 21, inciso XXI, da
Constituição Federal de 1988, garante à União competência para estabelecer princípios e
diretrizes para o Sistema Nacional de Viação, possibilitando condições legais para fazer
prevalecer uma visão integrada entre os diversos modais que compõem o sistema de
transportes.
O texto constitucional acima é um sinal de que a infra-estrutura de transporte
precisa ser tratada de forma integrada no país, e que cabe ao Estado o papel de promovê-
las, especialmente diante das mudanças atuais nas formas de produzir e comercializar
mercadorias entre empresas transnacionais, países e blocos econômicos. Considere-se ainda
que “(...) atualmente a vantagem competitiva (...) requer não só qualidade [das mercadorias
e oferta de recursos naturais e de força-de-trabalho], mas disponibilidade dos produtos no
momento correto e a remoção de quaisquer componentes que não adicionem valor [ou
elevem custos operacionais, pelas razões que seguem] (Castro & Espósito,1998:p.10-11).
Nos ciclos atuais de produção e comercialização de mercadorias a logística do
abastecimento de insumos e da distribuição de produtos finais passa a representar uma
questão estratégica na dinâmica de acumulação de capital porque integra questões de
marketing e necessita fundamentalmente das infra-estruturas de transporte, energia e
telecomunicações (Barat,1996). Países da Ásia e os EUA, por exemplo, constituíram
plantas industriais que operam no sistema just-in-time e recebem insumos e produtos de
várias partes do mundo.
9

Motivo pelo qual, “(...) a repartição dos custos de transportes entre setores
[econômicos] e regiões é determinante para as decisões de investimento e de localização
das atividades econômicas, bem como para a redução das disparidades regionais, à luz do
novo paradigma global de gerenciamento das cadeias de produção e distribuição [de
mercadorias], a partir da integração regional e internacional das empresas e países” (Castro
& Espósito,1998:p.10-11).
Barat (1996:p.21-22) sugere uma nova concepção para a implantação das infra-
estruturas de transporte, energia e telecomunicações, cujos investimentos deveriam ser
integrados como variáveis estruturadoras do espaço econômico. Essa nova concepção “(...)
pressupõe a consideração desses segmentos como módulos estratégicos que integram as
cadeias logísticas, produtivas e de comercialização, [tendo em vista os processos de
abastecimento, estocagem, produção, escoamento e ampliação de mercados] para orientar
as decisões locacionais dos investimentos [sic] em grande escala que se farão presentes nos
setores agrícola, agroindustrial, de mineração e industrial das novas fronteiras econômicas”.
Para o setor público, portanto, torna-se importante utilizar os investimentos em
transportes como política pública relacionada, por exemplo, à perspectiva do
desenvolvimento econômico e urbano (nacional, regional e local), à competitividade
empresarial, à inserção do país no comércio internacional e à geração de emprego e renda,
superando a competição existente entre os diferentes modais de transporte na busca por
competitividade, eficiência e eficácia na prestação de serviços aos usuários.
Inclusive porque as vantagens comparativas nas decisões sobre localização
industrial proporcionadas, especialmente, pela oferta de recursos naturais, ampla oferta de
mão-de-obra de baixo custo e trabalhadores qualificados disponíveis tornaram-se menos
importantes, diante de aspectos relacionados à qualidade e prazos de entrega dos insumos e
produtos, assistência técnica, além de inovações nos processos produtivos e nas formas de
comercialização de mercadorias (Castro,1995 ; Pessini & Braga,1996 ; Castro &
Espósito,1998)5.

5
Para maiores detalhes sobre localização industrial, ver Azzoni (1982 ; 1986) e Pacheco (1998).
10

1.1.1 Complementariedades entre os modais de transporte aéreo e


rodoviário: o maior dilema nas relações entre cidades e aeroportos
A preocupação maior deste estudo é com o transporte inter-regional de mercadorias
e pessoas, especialmente devido à presença do Aeroporto Internacional de Viracopos
localizado em Campinas (SP) e o que poderá vir a representar para o desenvolvimento do
país, da região e deste município. O transporte inter-regional é caracterizado por distâncias
longas e que, sobretudo quando envolve o modal aéreo, necessita de mais de um modo de
transporte para completar a prestação do serviço de deslocamento de pessoas ou
distribuição de mercadorias. Possibilita, por isso, a intermodalidade (troca de meios de
transporte) e a intramodalidade (troca dentro do mesmo meio de transporte), como forma de
gerar eficácia e eficiência na logística de suprimento e distribuição de mercadorias e no
deslocamento de pessoas.
O conceito de intermodalidade nos transportes envolve “(...) o emprego de duas ou
mais modalidades de transporte, sob um único contrato, para a realização de um percurso,
(...) utilizando de forma mais adequada as potencialidades dos vários sistemas [de
transportes] disponíveis” (Mello, 1984:p.197). Inclusive, porque, os pontos de origem e
destino dos fluxos de transporte poderão envolver regiões com características geográficas,
socioeconômicas e populacionais distintas entre si, necessitando assim do emprego de mais
de uma modalidade de transporte para realizar a prestação do serviço com menor custo
possível, levando em consideração aspectos como rapidez, segurança e eficiência. O intuito
é de permitir “(...) que passageiros e cargas (mesmo no caso do turismo, não se pode
esquecer que malas e bagagens são cargas a serem transportadas) utilizem, ao longo de toda
a viagem, o modo de transporte mais eficiente possível” (Palhares,2002:p.44).
O conceito de intramodalidade nos transportes é útil para destacar a importância de
interfaces entre um mesmo modo de transporte para evitar “(...) descontinuidades que
podem ocorrer, na produção de serviços de transporte, dentro de um mesmo modal [que
dificultassem o transporte contínuo e desimpedido das pessoas ou mercadorias]. Por
exemplo, a coleta de lotes de carga fracionados para consolidação em terminais e posterior
transporte no mesmo modal de coleta configurariam uma situação de transporte intramodal.
(...) No caso ferroviário, seria o do tráfego de composições de uma ferrovia na linha de uma
outra ferrovia, ou mesmo de uma outra unidade administrativa da mesma empresa
ferroviária” (Castro,1995:p.4).
11

A intermodalidade e a intramodalidade nos transportes podem ser estimuladas e


garantidas pelo poder público por meio de legislação específica ou contratos de concessões
administrativas, por exemplo, de rodovias e ferrovias, considerando-se a importância de
facilitar o acesso a portos, aeroportos e estações de trem e de ônibus diante da
implementação de uma política de comércio exterior ou de turismo, entre outras razões.
Conforme Castro (1995:p.1):

(...) internacionalmente, a organização da indústria de serviços de transporte já se


alterou no sentido de aumentar a eficiência de suas interfaces operacionais,
principalmente através da fusão de empresas e da integração de operadores, e por
intermédio de alianças estratégicas. Empresas ferroviárias, portuárias, aéreas,
rodoviárias e de navegação estão abandonando suas características modais
tradicionais para se integrarem a sistemas de prestação de serviços multimodais,
com uso intensivo dos meios modernos de comunicação.

No caso específico do setor de transporte aéreo, os conceitos de intermodalidade e


intramodalidade são importantes para sublinhar, por um lado, as diferenças entre o tempo
de vôo e o tempo total de viagem, devido à rapidez para realizar viagens aéreas e
dificuldades para chegar ao destino final em terra. Por outro, que o modo rodoviário não
atende plenamente às necessidades de acesso aos terminais aeroportuários, apesar de, na
maioria dos países, predominar como meio de transporte para chegar e sair dos aeroportos
(ver Tabela 1).

TABELA 1: PARTICIPAÇÃO DE TÁXIS E AUTOMÓVEIS NO ACESSO AOS


AEROPORTOS DE VÁRIOS PAÍSES
Participação de táxis ou Transporte Participação do modal Transporte
Aeroporto automóveis no acesso público Aeroporto rodoviário no acesso público
ao aeroporto (em %) disponível ao aeroporto (em %) disponível
Zurique 59 ônibus e trem Chicago O'Hare 73 ônibus e trem
Munique 59 ônibus e trem Paris CDG 74 ônibus e trem
Londres-Gatwick 62 ônibus e trem Paris - Orly 78 ônibus e trem
Londres-Heathrow 64 ônibus e trem Bruxelas 74 ônibus e trem
Londres - Stansted 70 ônibus e trem Boston 75 ônibus e trem
Frankfurt 65 ônibus e trem Washington-National 75 ônibus e trem
Nova York - JFK 66 ônibus Filadelfia 79 ônibus e trem
Nova York - La Guardia 67 ônibus Miami 79 ônibus
Amsterdã 70 ônibus e trem Los Angeles 80 ônibus
Copenhagen 72 ônibus Dusseldorf 84 ônibus e trem
Helsinki 73 ônibus Santos Dumont 90 ônibus
Guarulhos 81 ônibus Salvador 87 ônibus
Congonhas 94 ônibus Porto Alegre 85 ônibus e metrô
Galeão 80 ônibus Recife 84 ônibus
Brasília 85 ônibus
Fonte: Ashford, Norman (1997) Airport Operations apud Andrade (2001:p.43-44)
Palhares (2001:p.43).
12

Devido a pouca integração entre os modos de transportes e ao significativo fluxo de


veículos na direção dos aeroportos, congestionamentos ou acidentes nas suas vias de acesso
e saída podem dificultar os deslocamentos de pessoas e a movimentação de mercadorias,
principalmente se o aeroporto contar com apenas uma rodovia de acesso como no caso do
Aeroporto Internacional de Viracopos, que depende da Rodovia Santos Dumont.
O dilema entre a rapidez das viagens aéreas e as dificuldades para chegar ao destino
final em terra está relacionado ao desenvolvimento da aviação, especialmente entre a
Segunda Guerra Mundial e a década de 1960, com o surgimento de aviões a jato que
permitem velocidades em torno de 900 km/h. Para efetuarem as atividades de pouso e
decolagem com segurança, esses aviões necessitam de pistas longas, entre 3.000 e 4.000
metros, e de maiores áreas livres (cerca de 800 metros) no início e no fim destas pistas
(cabeceiras) para reduzir impactos provocados por acidentes aéreos.
Ademais, tornou-se necessário manter os ruídos gerados por estas aeronaves, acima
de certa intensidade e freqüência, dentro das áreas do próprio aeroporto, a partir da
concepção de que os problemas causados pelos aeroportos devem ficar circunscritos nas
áreas de sua propriedade. Por isso, a legislação que restringe o uso e a ocupação do solo é
aplicada nas áreas do entorno do aeroporto e que não são de sua propriedade.
Para receberem aviões a jato os aeroportos necessitaram de ampliações e de diversas
adaptações técnicas, enquanto os novos terminais aeroportuários precisaram de grandes
áreas territoriais, elevadas dimensões arquitetônicas e passaram a ser construídos distantes
dos centros de negócios das cidades, ou Central Business District (CDB), aumentando as
diferenças entre o tempo de vôo e o tempo total de viagem (rapidez no ar e relativa lentidão
na terra), conforme apresentado nas Tabelas 2 e 3.

TABELA 2: ÁREAS TERRITORIAIS DE AEROPORTOS IMPORTANTES


Aeroporto Área (km²) Aeroporto Área (km²)
Orlando International 58,69 Dallas Fort Worth 70,8
Brisbane (Austrália) 27 George Bush (Houston) 30,35
Melbourne (Austrália) 23,67 Perth Int'l (Austrália) 21,05
Galeão (Rio Janeiro) 14 Auckland (N.Zelândia) 14,97
Copenhagen (Dinamarca) 12,4 Bruxelas Int'l (Bélgica) 12,45
William Hobby (Houston) 6,07 Sydney (Austrália) 8,86
Fonte: Palhares (2001:p.33).
13

TABELA 3: DISTÂNCIAS ENTRE AEROPORTOS E OS CENTROS DE


NEGÓCIOS DAS CIDADES
Aeroporto Distância do Aeroporto Aeroporto Distância do Aeroporto
ao Centro da Cidade ao Centro da Cidade
Los Angeles* 17,6 km Filadelfia* 10 km
New York - JFK* 18,4 km Denver* 12 km
Atlanta* 12 km Liverpool** 9,6 km
San Francisco* 19,2 km Manchester** 12,8 km
Miami* 16 km Glasgow** 9,6 km
Washington-National* 3,2 km Londres - Heathrow** 24 km
Boston* 4 km Londres - Gatwick** 45 km
Guarulhos*** 25 km Salvador*** 28 km
Congonhas*** 10 km Porto Alegre*** 7 km
Galeão*** 15 km Recife*** 11 km
Brasília*** 11 km Salvador*** <1 km
Curitiba*** 18 km Belém*** 12 km
Manaus*** 17 km Confins*** 40 km
Florianópolis*** 14 km Viracopos*** 14 km
Fonte: Ashford, Norman (1997) Airport Operations apud Andrade (2001:p.90) ;
Palhares (2001:p.55)
* Aeroportos localizados nos EUA. **Aeroportos localizados no Reino Unido.
*** Aeroportos localizados no Brasil.

Apesar de distante dos centros de negócios das cidades, aos poucos, os aeroportos
tornaram-se estratégicos para o desenvolvimento dos países, dos municípios onde estão
instalados e regiões localizadas no seu entorno, sendo importantes geradores de empregos,
rendas e tributos. Em 1998 o transporte aéreo gerou uma receita de US$ 1.360 bilhões e 28
milhões de empregos em todo o mundo, conforme a International Air Transport
Association (IATA)6. Nos EUA, por exemplo, e segundo dados do Airports Council
International (ACI), em 1998 foram transportados 3,2 milhões de passageiros e 38 mil
toneladas de cargas por meio aéreo, gerando uma receita de US$ 380 bilhões; 1,6 milhão de
empregos nos aeroportos e 4,2 milhões nas cidades onde estão os aeroportos; além de US$
155 bilhões na forma de salários e US$ 31,2 bilhões em impostos para as cidades, estados e
união.

6
A importância dos organismos internacionais para o transporte aéreo foi analisada no item 1.2.1 deste
estudo.
14

Para compreender as relações contemporâneas entre cidades e aeroportos e pensar


políticas públicas relativas às questões aeroportuárias encontram-se na literatura
especializada os conceitos de cidade aeroportuária e centro de negócios e serviços (Jarach,
2001; Palhares, 2001 ; Marques, 2002). Essas relações são formadas por diversas questões
como a necessidade de ampliação e modernização dos terminais aeroportuários; o
planejamento urbano no entorno dos aeroportos; a importância de estarem inseridos junto
ao meio urbano das cidades onde estão localizados por meio de interfaces com outros
modos de transportes; suas participações nos processos de desenvolvimento dos países,
regiões e cidades; além das formas de amenizar impactos ambientais.
Os conceitos de cidade aeroportuária e centro de negócios e serviços representam
tendências observadas pioneiramente em portos marítimos, especialmente daqueles
localizados nos países desenvolvidos e que, a partir da interação entre a administração
portuária e os poderes públicos federal, estadual e municipal constituíram novas relações
entre cidades e portos, por meio de ações efetivas quanto à modernização da infra-estrutura
portuária. Os casos da ampliação do Porto de Roterdam, na Holanda, e o Aeroporto
Internacional de Memphis, nos EUA, são os melhores exemplos, além de serem os maiores
transportadores de cargas do mundo em seus respectivos modais7.
A noção de cidade aeroportuária expressa a dimensão física-territorial dos grandes
aeroportos, pois necessitam de ampliações para atender ao intenso fluxo de pessoas que
demandam seus serviços, receber elevada quantidade de grandes aeronaves e movimentar
significativos volumes de mercadorias. Isso implica aeroportos integrados junto ao meio
urbano onde estão localizados porque precisam fazer interfaces com outros meios de
transportes (rodoviário, ferroviário e fluvial), além de construírem arquiteturas de grande
dimensão física e necessitarem de infra-estrutura, por vezes, superior a de muitas cidades
brasileiras quanto ao consumo de água potável e de energia elétrica, além do tratamento de
lixo e esgoto (Serra, 1979 ; Silva & Cocco, 1999 ; Palhares, 2001 ; Cappa, 2004), conforme
destacado na Tabela 4.

7
Para detalhes sobre os portos, ver Silva & Cocco (1999) ; FIEB-CNI (1999); sobre os aeroportos, ver
Palhares (2001:p.45-55) ; Marques (2002) ; Memphis-Shelby Country Airport Authorith (2005).
15

A cidade aeroportuária refere-se ainda à importância que os aeroportos exercem nas


áreas localizadas no seu entorno, pois centros de negócios são formados devido à presença
do aeroporto e às novas atividades econômicas que desempenham, vinculadas ou não aos
serviços aeroportuários, como apoio logístico à produção de mercadorias, aeroporto
industrial, comércio e serviços diversificados que são importantes na geração de empregos,
renda e tributos tanto para o município onde se localiza o aeroporto, quanto para as cidades
localizadas no seu entorno.

TABELA 4: MOVIMENTO ANUAL DE PASSAGEIROS EM AEROPORTOS DE


VÁRIOS PAÍSES
Aeroporto Anos Movimento Anual Aeroporto Anos Movimento Anual
de Passageiros de Passageiros
2000 80.171.036 2000 48.240.137
Atlanta (US) 1994 54.093.051 Paris (FR) 1994 29.630.222
(ATL) 1981 37.594.073 (CDG) 1981 10.935.700
2000 72.135.887 2000 41.173.983
Chicago (US) 1994 66.468.269 San Francisco (US) 1994 34.643.095
(ORD) 1981 37.992.151 (SFO) 1981 19.848.491
2000 68.477.689 2000 39.604.589
Los Angeles (US) 1994 51.050.275 Amsterdam (NL) 1994 23.559.456
(LAX) 1981 32.722.534 (MAS) 1981 9.668.970
2000 64.607.185 2000 38.748.781
Londres (GB) 1994 51.717.918 Denver (US) 1994 33.133.428
(LHR) 1981 27.512.945 (DEN) 1981 22.601.877
2000 60.687.122 2000 36.856.186
Dallas (US) 1994 52.601.125 Las Vegas (US) 1994 26.850.486
(DFW) 1981 23.533.929 (LAS) 1981 _
2000 56.402.206 2000 36.727.124
Tokio (JP) 1994 42.245.667 Seoul (KR) 1994 27.333.241
(HND) 1981 21.235.185 (SEL) 1981 _
2000 49.360.620 2000 36.688.159
Frankfurt (DE) 1994 35.122.528 Minneapolis (US) 1994 24.471.994
(FRA) 1981 16.953.045 (MSP) 1981 7.824.031
Fonte: ACI apud Andrade (2001).

Ao exercer funções de logística da produção, os aeroportos permitem agregar valor


às mercadorias porque possibilitam rapidez e segurança no transporte e armazenamento de
insumos, matérias-primas e produtos acabados, especialmente de grandes empresas que
atuam no sistema just-in-time e são integrantes de um processo produtivo que se tornou
mais fragmentado e divido num comércio internacional organizado pelos países em blocos
econômicos (North America Free Trade Agreement (NAFTA), Mercado Comum do Cone
16

Sul (Mercosul), Europeu, Asiático)8. Em geral são produtos sofisticados de alto valor
agregado dos setores eletroeletrônico, telecomunicações, jóias, entre outros, que, em
viagens de longa distância, podem ser danificados se forem transportados pelo modal
marítimo devido aos problemas de umidade, ou pelo modal rodoviário devido aos impactos
que podem sofrer durante o percurso.
O aeroporto industrial, no caso do Brasil, envolve um arranjo econômico e jurídico
entre Infraero, o Ministério da Fazenda, a Secretaria da Receita Federal, a Câmara de
Comércio Exterior (Camex) e o Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio
(MDIC) porque representa um entreposto aduaneiro na zona primária dos terminais
aeroportuários classificados como internacionais pela Infraero. Nestes aeroportos devem ser
realizados o primeiro pouso e a última decolagem de aeronaves estrangeiras, conforme
determinações da International Civil Aviation Organisation (ICAO)9 e o que estabelece a
legislação brasileira sobre o assunto10.
Uma área do próprio aeroporto é destinada para a instalação de empresas,
especialmente as que operam no sistema just-in-time, permitindo agregar valor às
mercadorias porque peças, partes e componentes importados passam por um processo de
montagem para transformarem-se em mercadorias disponíveis para a venda interna ou
externa (Smith Associates, 2000; Jarach, 2001; Marques, 2002). No Brasil, o aeroporto
industrial está previsto para ser construído em Confins (BH), no Galeão (RJ), em Viracopos
(SP) e Petrolina (Pernambuco) (DAC, 2004 ; Infraero, 2005).
Há possibilidades de instalação de empresas em segmentos econômicos
diversificados na área destinada para o aeroporto industrial, como: I) manutenção, reparos e
pinturas em aeronaves; II) negociação de peças, partes e componentes entre pólos
industriais e centros tecnológicos por meio de redes internacionais de distribuição ou
“caminhos de um dia” (one day walk), como a rede formada por Toledo, Atlanta e Dallas,
nos EUA; e III) intercâmbio de produtos perecíveis, pois a colheita é feita de dia, o
8
Sobre o comércio internacional organizado pelos países em blocos econômicos, ver Thorstensen (1994) ;
Cherem & Di Sena Júnior (2004) ; Cano (1993) ; Tavares & Fiori (1993).
9
A ICAO, da qual o Brasil é signatário, faz prevalecer toda a legislação relativa ao transporte aéreo
internacional sobre a legislação nacional como convenções, tratados, protocolos, atos e acordos aéreos de que
o país seja parte integrante, conforme consta no Artigo 178 da Constituição da República Federal do Brasil de
1988. Esse assunto foi tratado no item 2.1 deste livro. Para maiores detalhes, ver (OACI, 2001).
10
Trata-se da Medida Provisória 2158-33, de 28-6-2001; das Instruções Normativas SRF nº 241 de 6-11-
2002; nº 356 de 2-9-2003; nº 463 de 19-10-2004 e do Ato Declaratório Executivo nº 02 de 26-9-2003 (ver o
Quadro 4, anexo).
17

transporte é noturno e no dia seguinte o produto está no mercado de outros países, podendo
representar um diferencial de competitividade para o setor agrícola como, por exemplo, no
caso do aeroporto de Petrolina que deverá atender, principalmente, aos fruticultores da
região do Vale do São Francisco, que estão entre os maiores produtores de manga e uva de
mesa do país.
Com o aeroporto industrial é possível aumentar o número de vôos internacionais de
cargas, inclusive porque os custos de produção das empresas são reduzidos devido à
ausência de gastos com seguro e à suspensão ou redução de impostos e tarifas que incidem
sobre as operações de importação e exportação de mercadorias como o Imposto de
Importação (II), e que incidem sobre peças, partes e componentes de produtos
industrializados como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Programa de
Integração Social (PIS) e a Contribuição para Financiamento de Seguridade Social
(Cofins).
Para as empresas instaladas no aeroporto industrial existe a vantagem operacional
dada pela redução do tempo de produção, com a dispensa dos desembaraços aduaneiros
(embarque, desembarque e liberação de cargas). Essas empresas podem ainda elevar a
demanda local por insumos, produtos e serviços gerais para complementar a produção de
suas mercadorias e, depois, exportar ou vender para o mercado internacional.
Enquanto centro de negócios e serviços os aeroportos possibilitam ainda a
constituição de atividades comerciais diversificadas como: cafeterias, espaço para banho de
sol, como no Aeroporto de Miami, salas para teleconferências e conferências, além de lojas
(de flores, artigos esportivos, artesanato local, de discos, antigüidades, jóias e pedras
preciosas), restaurantes, lanchonetes, free-shops, espaços publicitários, bancos, casas de
câmbio, locadoras de automóveis, barbearias, cabeleireiros, livrarias, bancas de jornais e
revistas, bem como serviços diversificados (aluguel de armários, malas e bolsas, agentes de
viagens, correio, telefônicas, reservas de hotéis, transportes, engraxate), hotéis, farmácia,
cinemas, salas para reuniões, salas vip, piscinas e quadras de tênis.
18

O público-alvo envolve os trabalhadores do aeroporto (empregados em empresas


aéreas, agentes de cargas e aviação em geral (táxi-aéreo e aeronaves privadas),
trabalhadores na administração aeroportuária, nas lojas, nos restaurantes ou demais
prestadoras de serviços), passageiros e seus acompanhantes, visitantes, além de residentes,
comerciantes e industriários estabelecidos no entorno do aeroporto.
A formação de negócios e serviços no interior dos aeroportos, não vinculados às
operações aeroportuárias, gera o que se denomina de Receitas Não-Aeroportuárias (RNA).
Com base nos cálculos da ACI, as médias internacionais de geração de RNA ficaram em
30%, nos anos 80, e 50% em 1997, bem acima, portanto, do patamar brasileiro cuja média
ficou em 21,4% em 1999.
A Tabela 5 apresenta as RNA em relação às Receitas Totais para os quinze
aeroportos mais importantes da Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária
(Infraero) referentes ao ano de 1999. Esses aeroportos representaram quase 84% da
movimentação de passageiros no país em 1999, assim como 90,9% de toda a carga
transportada e 72,5% do total de trabalhadores empregados pela Infraero (22.997). Os
destaques ficaram para os aeroportos com maiores movimentações de passageiros como
Congonhas, Santos Dumont e Brasília, cujo perfil é o executivo de alto poder de compra.
No aeroporto de Cumbica (Guarulhos-SP), o maior do país em movimentação de
passageiros e cargas, a Receita Total foi de R$ 317,8 milhões, equivalente a 29% de toda a
receita da Infraero que foi R$ 1.098 milhões em 1999.

As RNA geradas nos aeroportos administrados pela Infraero ficaram em 22,8%, em


2002; 24,7%, em 2003; 24,7%, em 2004 e chegaram a 26,9%, em 2005, sinalizando para a
continuidade da tendência de crescimento nos próximos anos na medida em que o
transporte de passageiros no Brasil aumentar, inclusive, porque ainda encontra-se bem
abaixo da média internacional divulgada pela ACI de 50% em 1997 (Infraero,2006).
19

TABELA 5: MOVIMENTO DE PASSAGEIROS E RECEITAS NÃO-


AEROPORTUÁRIAS NO BRASIL (1999)
Aeroportos
Maior que Distância Movimento Receitas Movimento
5 mppa CDB (Km) PAX Comerciais Aeronaves % RNA
Cumbica 25 13.627.289 83.182.702 238.226 23,17
Congonhas 10 8.297.594 18.819.742 145.420 43,71
Galeão 15 5.349.865 43.758.072 104.960 20,5
Entre 2 e 5 Distância Movimento Receitas Movimento
mppa CDB (Km) PAX Comerciais Aeronaves % RNA
Brasília 11 4.769.519 7.335.106 83.384 31,75
S. Dumont 12 4.003.862 9.722.854 79.909 41,82
Salvador 28 3.078.262 5.853.063 55.169 28,36
Pampulha 3.078.262 3.030.722 42.657 20,89
Recife 11 2.673.736 5.674.117 45.677 26,23
P. Alegre 7 2.394.628 6.594.494 58.514 23,42
Curitiba 18 2.334.647 7.022.394 56.851 28,2
Entre 0,5 e 2 Distância Movimento Receitas Movimento
mppa CDB (Km) PAX Comerciais Aeronaves % RNA
Belém 12 1.175.459 1.917.392 30.196 26,66
Manaus 17 1.156.332 4.191.966 29.566 10,92
Confins 40 787.061 2.989.044 21.274 19,76
Florianópolis 14 706.277 1.388.508 24.444 19,84
Campinas 14 680.193 5.219.310 27.270 4,46
Total 15 54.122.986 1.043.517
% Total 83,8 *21,4 84,3
Fonte: Elaboração do Autor a partir de Palhares (2001).
mppa = milhões de passageiros por ano; pax = passageiros
CDB = Central Business District ;
RNA = Receitas Não-Aeroportuárias.
*21,4% = média das RNA para os 15 aeroportos citados na tabela.

As citadas relações entre cidades e aeroportos, bem como o dilema maior entre
ambos (rapidez no ar e lentidão na terra), reafirmam a importância da intermodalidade e da
intramodalidade como formas de utilizar o transporte aéreo como um dos indutores do
desenvolvimento, considerando-se que permitem melhores condições de acesso à cidade
aeroportuária e ao centro de negócios e serviços, e que os aeroportos precisam estar
inseridos junto ao meio urbano das cidades onde estão localizados, devido às novas
atividades econômicas que passaram a exercer e à dimensão física-territorial que
adquiriram.
20

Compreende-se, por um lado, que, no futuro, o modal rodoviário não representará


uma solução eficaz para acessar os aeroportos nas grandes cidades e regiões
metropolitanas, diante do aumento significativo do fluxo de passageiros e da possibilidade
de saturação das rodovias devido à tendência de elevação do tráfego de veículos. Por outro,
procura-se superar as formas tradicionais e predominantes de integração entre os
transportes de longa distância: o transporte marítimo permite viagens entre países e
conexões com o transporte ferroviário para que os usuários cheguem ao destino final;
enquanto o transporte aéreo passou a contar com o modal rodoviário porque os aeroportos
foram construídos distantes dos centros das grandes cidades e das estradas-de-ferro.
Motivos pelos quais, “(...) a visão contemporânea de complementaridade entre os
modos de transporte passou a considerar com maior freqüência a integração entre os trens e
os aviões e entre os navios e o modo rodoviário” (Palhares,2002:p.46). Com isso, os
terminais dos vários modais de transporte precisam estar interconectados entre si, formando
redes multimodais para possibilitarem, da melhor forma possível, o fluxo contínuo dos
deslocamentos de mercadorias e pessoas.
As autoridades aeroportuárias, em conjunto com os poderes públicos, podem ainda
adotar medidas para estimular o acesso ao aeroporto por meio de transportes públicos
(trem, metrô, ônibus exclusivos), e de terminais urbanos, localizados próximos ou nos
centros das grandes cidades ou de regiões metropolitanas. Nos terminais urbanos, é possível
utilizar as tecnologias de informação para realizar check-in dos passageiros, despacho de
bagagens, além de serviços policiais, alfandegários, vigilância sanitária, reservas de hotéis,
entre outros, aumentando, desse modo, a eficiência do sistema de transporte urbano.
Os terminais aéreos urbanos dos aeroportos de Gatwick e de Heathrow, ambos em
Londres, constituem exemplos importantes porque estão integrados ao sistema de
transporte urbano, respectivamente, desde 1996 e 1998, e movimentaram expressivos
fluxos de passageiros, em 2000, sendo, pela ordem, 32.057.000 e 64.607.000. O primeiro
terminal é uma dependência da estação ferroviária Victória Station, localizada no centro de
Londres, distante 45 quilômetros do Aeroporto de Gatwick, cujo acesso pode ser por meio
de trem, em 15 minutos, ou por metrô, ônibus e táxis. O segundo terminal urbano é o
Paddington Station, distante 24 quilômetros do Aeroporto de Heathrow, com viagens de 15
minutos e intervalos também de 15 minutos (Andrade,2001:p.99 ; Palhares,2002).
21

Outros exemplos ilustrativos de integração entre trens e aviões são os seguintes. Nos
aeroportos das cidades de Frankfurt, Paris (Charles de Gaulle), Lyon e Estocolmo há
integração com os trens de alta velocidade. Nos aeroportos de Amsterdã, Bruxelas, Berlim,
Birmingham, Manchester e Southampton existem integração com trens de longa distância.
Nos aeroportos de Barcelona, Belfast, Gatwick, Milão, Pisa, Roma existem integração com
trens locais. Nos aeroportos de Paris Orly, Heathrow, Madri, Newcastle, Hartsfield-Atlanta,
O’Hare, Chicago ocorrem integração com metrôs.

You might also like