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http://jus.uol.com.br/revista/texto/73
Publicado em 05/1999
Partiremos da descrição pontual de suas origens chegando até aos seus fundamentos
contemporâneos, o que perfaz um discurso sobre os seus mais expressivos
representantes, isto feito, confrontaremos o neoliberalismo e o intervencionismo. Com
estes elementos e aliando uma perspectiva comprometida com a radicalização da
democracia e a refuncionalização do Estado face aos ditames de um mercado
globalizado é que apontaremos as ilusões do neoliberalismo, para ao final
confrontarmos o neoliberalismo com os princípios da Ordem Econômica estatuídos na
Constituição Brasileira de 1988.
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Para uma descrição histórica do neoliberalismo como fenômeno recente devemos partir
do liberalismo clássico, que traz os seus fundamentos. O Liberalismo clássico assim
como outras correntes do pensamento possui representantes que se destacam como os
fomentadores do ideário liberal, disseminando os seus princípios e idéias fundamentais;
dentre os liberais clássicos destacaremos três figuras que representam momentos
distintos e sintetizam uma era liberal, são estes :
!
Em encontraremos os lineamentos das reflexões fundamentais do liberalismo no
que tange o direito natural e o contratualismo, pois estava envolvido em uma
atmosfera de formação do liberalismo, onde a reivindicação de direitos religiosos,
políticos e econômicos e a tentativa de controlar o poder político eram o centro das
reflexões de então.
De que é fruto esta reivindicação de direitos ? Podemos afirmar que decorre de um lado
do movimento da Reforma Protestante , de outro do desenvolvimento do capitalismo
que passa a reivindicar o controle político.
Para a consecução dos objetivos do capitalismo eram necessárias algumas idéias chaves
(Direito Natural e Consentimento), que encontram em um desenvolvimento que
atendiam as expectativas do capitalismo emergente.
A contribuição de
está no âmbito do pensamento econômico, pois fora
que elaborara o texto básico da economia clássica - è Riqueza das Nações, que
consistiu em um cuidadoso exame dos mecanismos de mercado e da divisão do trabalho
como fator subjacente da prosperidade moderna, é em
que a idéia de progresso,
advinda do iluminismo, consubstancia-se em uma teoria do crescimento em termos de
economia política. Como diz !#, "verdadeiro iluminista,
conferiu
ao tema do progresso sua profundidade socioeconômica. Promotor do pensamento
liberal,
introduziu a idéia do progresso na defesa do liberismo. Não espanta que
ele tenha sido um crítico persistente do privilégio e da proteção. Como pilares
encadeados da sociedade pré-moderna, o privilégio e a proteção não foram muito
atingidos pelos porta-vozes da virtude cívica. Mas tornaram-se alvos naturais do
liberalismo enquanto a voz da modernidade"(3)
!, produziu um ensaio que é tido como o ABC do liberalismo,
intitulado cnLiberty, neste ensaio ! entrelaça vários ramos do pensamento liberal.
Liberdade Política, autonomia negativa, autodesenvolvimento, liberdade como
intitulamento, liberdade de opinião, liberdade como autogoverno, liberdade como
privacidade e independência. ! expressa ainda a necessidade de antepor limites ao
poder, mesmo quando este poder é da maioria, louva a fecundidade do conflito, elogia a
diversidade, condenando o conformismo.
O Estado para ! não deve apenas proteger um indivíduo do outro, mas também
todos os indivíduos em seu conjunto enquanto grupo de um outro Estado, ! para
assegurar tal conjunto introduz um princípio de Justiça distributiva, pois na verdade já
não basta mais a justiça comutativa, realizado um bem (ou mal) igual e contrário com
base no critério da igualdade aritmética. Surge então uma dificuldade que
encontraremos no debate sobre o estado social, qual seja a de saber-se o que distribuir ?
Qual é o critério ?
Acreditando ter perfazido este caminho passo ao estudo dos principais representantes do
neoliberalismo, procurando acentuar os elementos que o distinguem do liberalismo
clássico assim como as suas semelhanças.
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Três anos após ter publicado c Caminho da Servidão, â$, diante de uma conjuntura
onde as bases do Estado de bem-estar na Europa do pós-guerra efetivamente se
construíam, convocou aqueles que compartilhavam sua orientação ideológica para uma
reunião na pequena estação de MontPèlerin, na Suíça. Entre os célebres participantes
estavam não só adversários firmes do Estado de bem-estar europeu, mas também
inimigos férreos do New Deal norte-americano. Na seleta assistência encontravam-se
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era discípulo), + ,( + (
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!, entre outros. Aí se fundou a Sociedade de MontPèlerin, uma espécie de
franco-maçonaria neo-liberal, altamente dedicada e organizada, com reuniões
internacionais a cada dois anos. Seu propósito era combater o keynesianismo e o
solidarismo reinantes e preparar as bases de um outro tipo de capitalismo, duro e livre
de regras para o futuro.
% , por sua vez, é autor do livro ènarquia, Estado e Utopia, surgido em 1974.
% está convicto, como diz logo de saída, que "a questão fundamental da filosofia
política, que precede qualquer outra sobre como o Estado deve ser organizado, é se ele
deve ou não existir"(6)
A obra de % move-se contra duas frentes: contra o Estado Máximo dos defensores
do "Estado de Justiça", ao qual são atribuídas funções de distribuição de riqueza, mas
também contra a total eliminação do Estado proposta pelos anarquistas. Embora com
argumentos novos, % retoma e defende a tese liberal clássica do Estado como
organização monopolista de força, cujo único e limitado objetivo é proteger os direitos
individuais de todos os membros do grupo. Partindo da teoria Lockeana do Estado de
natureza e dos direitos naturais, mas repudiando o contratualismo como teoria que vê o
nascimento do Estado num acordo voluntário e se entrega à feliz (e talvez também
falaz) idéia de uma criação da "mão invisível", % constrói o Estado como uma
livre associação de proteção entre indivíduos que estão num mesmo território, cuja
função é a de defender os direitos de cada indivíduo contra a ingerência por parte de
todos os demais e, portanto, a de impedir qualquer forma de proteção privada, ou, dito
de outra forma, a de impedir que os indivíduos façam justiça por si mesmos. Além do
mais, quanto à determinação dos direitos individuais que o estado deve proteger, a
teoria de % está genericamente fundada sobre alguns princípios do direito privado,
segundo os quais todo indivíduo tem direito de possuir tudo o que adquiriu justamente
(ou princípio de justiça de aquisição) e tudo o que adquiriu justamente do proprietário
precedente (princípio de justiça na transferência). Qualquer outra função que o Estado
se atribua é injusta, pois interfere indevidamente na vida e na liberdade do indivíduos. A
conclusão é que o Estado mínimo, embora sendo mínimo, é o Estado mais extenso que
se possa conceber: qualquer outro Estado é imoral.
Após estas considerações gerais sobre os teóricos do neoliberalismo, passemos a centrar
a análise na crítica do neoliberalismo ao intervencionismo, para tal é necessário uma
breve discussão da transição do Estado Liberal para o Intervencionista, é o que faremos
no tópico seguinte.
-
A imagem , digamos, soft, suave, do mercado dos primórdios do capitalismo deu lugar a
uma outra imagem, oposta a essa, dada a descoberta da violência no próprio processo
produtivo industrial. Assim, o mercado, enquanto uma expressão de um modo de
produção mais amplo, que inclui a relação direta entre o homem e a natureza, dos
homens entre si, da transformação dos bens de produtos, apareceu como umlocus de
violência. Esta visão do processo capitalista é fruto das contribuições de !-, que
através do movimento socialista expandiu a crítica ao violento modo de produção
hegemônico.
Temos, o Estado aparecendo como o contraponto bondoso, como o contrapeso às
tendências maléficas do mercado. As forças livres do mercado, a "mão invisível", não
seriam por si a garantia da realização do interesse geral através do interesse individual
(como queria a ideologia até então dominante). Reaparece a idéia de que é preciso um
elemento de política, o Estado, e até um elemento de ética, para conter as forças cegas
do mercado que largadas a si mesmas, seriam incapazes de realizar a felicidade humana.
Introduz-se a idéia que, através da atuação estatal é possível fazer algumas correções,
colocar alguns freios no mercado. Há várias alternativas quanto ao grau de correção
desejável, desde intervenções parciais para "domar a fera", até a substituição do
mercado pelo planejamento, ou seja, "a função primordial da intervenção Estatal é
mitigar os conflitos existentes no Estado Liberal, e não sua destruição"(10).
4 5 destaca os dois objetivos a que â$ atinge com esta formulação:
"por um lado, logra subtrair os resultados individuais do mercado de uma crítica
fundada numa idéia de justiça. Por outro, pretende demonstrar que o próprio sistema de
economia de mercado tem uma legitimidade mais fundamental que aquela conferida por
sua utilidade imediata. Ao contrário, é na história que podemos encontrar o fundamento
de legitimidade do mercado enquanto ordem espontânea"(12). Com efeito, em â$
as regras que permitem o funcionamento do mercado são "o puro produto da história...
Posto que o mercado foi historicamente constituído, sua superioridade e sua
legitimidade são estabelecidas pela história e pela seleção natural. Ele não é jamais
conscientemente inventado... Ele se estabelece ele mesmo, historicamente, como o
sistema mais eficaz(13).
Segundo '$ esta vitória se deu com " a chegada da grande crise do
modelo econômico do pós-guerra, em 1973, quando todo o mundo capitalista avançado
caiu numa longa e profunda recessão, combinando, pela primeira vez, baixas taxas de
crescimento com altas taxas de inflação, mudou tudo. A partir daí as idéias neoliberais
passaram a ganhar terreno"(15). As raízes da crise, afirmavam â$ e seus
companheiros, " estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de
maneira mais geral, do movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação
capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com sua pressão
parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais"(16).Esses
dois processos destruíram os níveis necessários de lucros das empresas e desencadearam
processos inflacionários que não podiam deixar de terminar numa crise generalizada das
economias de mercado.
"O remédio, então, era claro: manter um estado forte, sim, em sua capacidade de romper
o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e
nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema de
qualquer governo. Para isso seria necessária uma disciplina orçamentària, como as
contenções dos gastos com bem-estar, e a restauração das taxas "naturais" de
desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar os
sindicatos"(17).
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Sem dúvida é no plano cultural mais que no econômico que veremos as principais
repercussões do neoliberalismo, vejamos : a difusão de um Ethos sem raízes tradicionais
precisas é um dos marcos de nosso tempo: o mito da mobilidade pelo esforço pessoal;
as generosidades da livre empresa ("somos todos empresários"); o direito à
diferenciação; a liberdade como valor máximo, embora como autodisciplina; e uma
solidariedade não problemática para aqueles que não são beneficiados pelo mercado. O
neoliberalismo investe no senso comum, alimentando o antiestatismo do povo, com a
idéia de que o Estado é o causador da crise, o Estado que, para proporcionar,
previdência social, cobra altos impostos; Estado que alimenta uma grande burocracia
ineficiente e Estado que tem protegido exageradamente os trabalhadores sindicalizados.
"No entanto, eles ainda se apresentam como feitores de uma colossal onda neoliberal.
Trata-se, portanto, do neoliberalismo do capitalismo monopolista de estado que consiste
no aumento da intervenção estatal para garantir a sobrevivência do capital, sobretudo
dos grandes monopólios e do capital financeiro (o grifo é nosso). Quando se trata de
defender esses interesses, a economia de mercado é mandada às favas, pois ela não se
coaduna com o mundo dos monopólios, oligopólios e corporações multinacionais que
dominam a vida econômica dos nossos dias"(21).
, 4/AA1, dá-nos conta que a pretensão de modernidade, tida pelos neoliberais
como sinônimo de livre mercado, é uma ilusão produzida por estes modernos,
demonstra isto através de sua análise do tratamento normativo que os países
desenvolvidos vêm conferindo à matéria do trato preferencial conferido pelo Estado, na
aquisição de bens e serviços a empresas nacionais. Concluindo, que os ditos modernos,
não fazem nenhum exemplo de mercado livre(23).
Estas afirmações nos conduzem a atestar que o Estado neoliberal não existe. c
neoliberalismo realmente existente não é senão o Estado do grade capital que, por
meio da derrota da classe operária, impôs rupturas ou limitações aos pactos
corporativos do pós-guerra. A derrota proletária foi econômica e política, mas também
ideológica, onde o Keynesianismo e o marxismo estão desprestigiados, e a atuação
estatal virou sinônimo de ineficiência, inflação e privilégios.
As perplexidades trazidas pelo neoliberalismo se ampliam quando o confrontamos com
a democracia, pois hoje torna-se um lugar comum associar o neoliberalismo com o
autoritarismo.
Com este esclarecimento de 3, fica mais nítida a associação entre neoliberalismo
e autoritarismo, pois para os neoliberais a excessiva participação do povo no governo, é
traduzida em mais demandas para o Estado, e para o mercado isto é uma sobrecarga
insuportável. Sem dúvida estamos hoje às voltas com a hegemonia da ideologia de
mercado, porém não mais o mercado que educa e civiliza dos primeiros liberais, mas do
mercado quase como guerra. "E o mercado como guerra gera, como â bem sabia,
um Estado para pôr ordem nas coisas que não será o Estado Democrático, o Estado de
Direito, mas o oposto"(26)
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A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988, segundo , 4, após uma
análise de vários autores, "consagra um regime de mercado organizado, entendido como
tal aquele afetado pelos preceitos da ordem pública clássica (4 *); opta
pelo tipo liberal do processo econômico, que só admite a intervenção do Estado para
coibir abusos e preservar a livre concorrência de quaisquer interferências, quer do
próprio Estado, quer do embate econômico que pode levar à formação de monopólios e
ao abuso do poder econômico visando o aumento arbitrário dos lucros - mas sua posição
corresponde à do neo-liberalismo ou social-liberalismo , com a defesa da livre iniciativa
(! ").
Segue , 4 em sua análise afirmando que a Constituição de 1988, "contempla a
economia de mercado, distanciada, porém do modelo liberal puro e ajustada à ideologia
neo-liberal (+ ' %); a Constituição repudia o dirigismo,
porém acolhe o intervencionismo econômico, que não se faz contra o mercado, mas a
seu favor (9
( % >); a Constituição é capitalista, mas a
liberdade é apenas admitida enquanto exercida no interesse da justiça social e confere
prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia
de mercado ( .
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$ , 5 8
Não é o fato de aceitarmos uma certa hegemonia da pregação neoliberal, que nos levará
aceitar todos os seus ditames, pois como observamos, o discurso neoliberal é falacioso e
não vem cumprindo com as suas promessas de progresso, não se mostrando , portanto,
como verdadeira alternativa ao suposto esgotamento do WelfareState. Destarte, nos cabe
corroborar a afirmação feita de que o Estado neoliberal realmente existente não existe. E
respondendo à questão que nos propusemos, se o neoliberalismo é intervencionista,
constatamos ao longo do trabalho que este vem praticando um intervencionismo
perverso, bem mais do que o intervencionismo oficial que denuncia e contrapõe.
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3, Isaiah. Quatro Ensaios sobre a Liberdade, Brasília, Ed. UNB, 1981.
%, Robert. ènarquia, Estado e Utopia. Rio de Janeiro, Zahar Editor, 1991.
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