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MANA 7(1):133-163, 2001

ENTREVISTA
O PRESENTE ETNOGRÁFICO:
ADAM KUPER ENTREVISTA ISAAC SCHAPERA

pera concordaria com uma entrevista


filmada. O texto a seguir baseia-se na
entrevista que realizei com Schapera
em minha casa, em Londres, no dia 15
de abril de 1998, e que foi filmada por
Rolf Husmann. Schapera falou com
fluência e entusiasmo por quase duas
horas, revivendo suas histórias e res-
pondendo com franqueza às minhas
perguntas. Editei uma transcrição da
entrevista para um livro de fotografias
etnográficas tiradas por Schapera na
década de 30, que ainda está em pre-
paração1 . O texto que se lerá aqui in-
clui alguns comentários adicionais de
Schapera.
Isaac Schapera nasceu no ano de 1905,
em Garies, uma pequena cidade de
Isaac Schapera Northern Cape (África do Sul), região
semidesértica de língua africâner, co-
nhecida por abrigar uma grande popu-
Conheci Isaac Schapera em 1963, quan- lação hotentote. Quando jovem estu-
do me preparava para realizar trabalho dante, mudou-se para a Cidade do Ca-
de campo no Protetorado de Bechuana- bo, prosseguindo os estudos na univer-
land (hoje Botsuana). Somos amigos sidade local, sob a orientação de A. R.
desde essa época e, até hoje, com seus Radcliffe-Brown. Em 1925 iniciou a pós-
90 anos, Schapera visita minha casa e graduação na London School of Econo-
almoça conosco duas vezes por mês. Já mics, onde Malinowski era a figura do-
se vão quarenta anos de conversa e eu minante em antropologia. Obteve o
sempre pensei em fazer uma entrevista grau de Ph.D. com uma pesquisa biblio-
formal, visando preservar algumas de gráfica sobre a história, as línguas e a
suas melhores histórias e mostrar algo cultura das populações hotentote e bos-
de sua personalidade aos colegas que químana. Em 1929 retornou à África do
não tiveram a chance de conhecê-lo. Sul como professor [lecturer] de antro-
No entanto, o impulso específico para pologia social, dando início à sua exten-
realizar essa entrevista veio de um pe- sa pesquisa etnográfica entre os povos
dido do antropólogo e cineasta Rolf Tswana do Protetorado de Bechuana-
Husmann, que me perguntou se Scha- land. Os diversos trabalhos que publi-
134 ENTREVISTA

cou sobre os Tswana representam, tal- Tal civilização já está em desenvolvi-


vez, a mais completa e, certamente, a mento – civilização em que, no momen-
mais bem acabada etnografia feita indi- to, os europeus ocupam a posição de
vidualmente na África. Schapera tam- aristocracia privilegiada e orgulhosa de
bém deu contribuições ao estudo da li- sua própria raça, enquanto os nativos,
teratura e da história Tswana, e aos es- embora indispensáveis do ponto de vis-
tudos comparativos sobre os povos da ta econômico, estão restritos a um papel
África do Sul em geral. Em 1950, dei- subordinado, de onde poucos podem
xou a África do Sul para assumir uma emergir com sucesso. Mas, apesar dis-
cátedra na London School of Economics so, os Bantu vêm penetrando cada vez
e a partir daí publicou diversos ensaios mais em uma vida cultural comum a to-
históricos e teóricos. Não tendo jamais da África do Sul.” (:386-387)
se casado, viveu só, sempre em um pe-
queno apartamento alugado no centro Kuper
da cidade. Solitário, sujeito à depres- Pelo que consta, você dava um curso re-
são, asceta, Schapera devotou sua vida gular na LSE, que ficou muito famoso,
ao trabalho. em que teria dito “O que o antropólogo
Isaac Schapera costumava descrever-se vê realmente quando vai a campo? Ele
como etnógrafo, e tendia a desdenhar a vê escolas, vê igrejas, vê lojas, mas tudo
teoria antropológica. No entanto, con- isso fica fora das etnografias”. Este co-
tribuiu para o desenvolvimento de uma mentário foi a pretexto de uma crítica
notável escola de etnografia na África das etnografias funcionalistas clássicas,
do Sul, que insistia em considerar qual- correto?
quer grupo étnico dentro do contexto
mais amplo de uma sociedade sul-afri- Schapera
cana única e em transformação. Esta Os funcionalistas, Malinowski e outros,
perspectiva foi sintetizada por Schape- diziam: “Você deve estudar os povos
ra no livro que editou em 1934, sob o tí- como eles são hoje”. Então, eu fui para
tulo Western Civilization and the Nati- Mochudi [Botsuana] e o que encontrei
ves of South Africa: Studies in Culture foi uma igreja, as pessoas vestidas à
Contact: moda dos brancos, falando inglês etc.
“Sobre os Bantu, como um todo, pode- Para falar deles como eles eram, tinha
se dizer que eles foram hoje definitiva- que se falar da igreja e de todo o resto.
mente atraídos para dentro da órbita da Eu creio que aí estava a diferença entre
civilização ocidental. Eles não adotam, o meu tipo de etnografia e a de Mali-
e é provável que nunca venham a ado- nowski nas Ilhas Trobriand. Esse tipo
tar, essa civilização em suas manifesta- de material nunca entrou nos seus li-
ções puramente européias. É mais pro- vros. Alguma vez ele disse que lá havia
vável que, pelo menos em alguns as- brancos, missionários, comissários dis-
pectos, eles venham a desenvolver suas tritais etc.? Nunca. Só o fez muito mais
próprias variações locais. Mas essas va- tarde… quando foi mesmo? Como se
riações ocorrerão dentro do quadro chama aquele livro dele?
mais amplo de uma civilização sul-afri-
cana comum, compartilhada por negros Kuper
e brancos, e apresentando certas pecu- Coral Gardens (Malinowski 1935), em
liaridades que terão por base, justa- que há um famoso epílogo…
mente, essa justaposição de culturas.
O PRESENTE ETNOGRÁFICO 135

Schapera seu trabalho com os Tswana é que al-


Onde ele observa que havia uma mis- guns dos principais estudos que escre-
são que esquecera de mencionar… Ora, veu foram realizados por incumbência
eu não esqueci de mencionar, e por isso do governo de Bechuanaland, ou para
fui crucificado. os chefes.

Kuper Schapera
Mas a questão vai além. Desde o início, Não. Meu primeiro trabalho, entre os
seu trabalho é sobre mudança. O pri- Bakgatla, foi feito para o International
meiro livro que você editou trata da “ci- African Institute, durante meu curso na
vilização ocidental” (Western Civiliza- Universidade da Cidade do Cabo. Po-
tion, 1934). Married Life (1940a) é um rém, mais para o final… Veja, eu come-
livro sobre mudança. Portanto, mudan- cei ali em 1929. Em 1934, um dos che-
ça era o seu tema, aquilo que você foca- fes sugeriu que o governo devia regis-
lizava… trar o direito e o costume nativos para
os novos chefes que estavam surgindo,
Schapera e que, devido à mudança, nada sabiam
Mas não tinha escapatória. a respeito, ou sabiam muito pouco. Eles
iam recrutar três funcionários públicos
Kuper para fazer o registro, quando eu disse:
Algumas pessoas escaparam! “Olha, eu sou antropólogo. É o que eu
faço”. E foi quando eu comecei. Então,
Schapera o Handbook of Tswana Law and Custom
Não. Seligman, que foi meu orientador (1938a) foi comissionado pelo governo.
na London School of Economics, costu-
mava falar sobre o Sudão. E no Sudão Kuper
eles marcavam santuários ancestrais A pedido dos chefes?
com potes de cerâmica. Uma vez eu es-
tava caminhando tranqüilamente em Schapera
Mochudi, com minha câmera, quando A pedido dos chefes. E foi nessa época
vi, no fundo de um quintal, um tripé de que eu levei um belo fora. Havia um
madeira, sobre o qual havia um pote de encontro anual dos chefes, no qual dis-
cozinha. Eu disse, “Aha! Eis um santuá- cursaria o comissário residente [resi-
rio ancestral!”, e resolvi perguntar. Ora, dent commissioner]3. Disseram que eu
alguém estava cozinhando miolos de deveria participar. Fui apresentado: es-
carneiro… Era puro nonsense! se é o Dr. Schapera que vai estudar as
leis e costumes de vocês. E eu pensei
Kuper que, sendo judeu, poderia fazer um
Isso foi em 1929? 2 agrado aos anciãos, e me levantei di-
zendo que também havia sido circunci-
Schapera dado com dez dias de idade. Então, um
Sim. dos chefes velhos ergueu-se e falou:
“Está tudo muito bem, mas não quer di-
Kuper zer que você com dez dias de idade te-
Então, seu foco era a mudança, e você nha adquirido o mesmo conhecimento
começou a escrever esses textos sobre que nós obtemos quando somos circun-
mudança. A segunda coisa incomum no cidados”. Que esnobada! Mas depois
136 ENTREVISTA

disso correu tudo bem, e eu escrevi o Schapera


Handbook of Tswana Law and Custom. Mudança social. Veja, você começa es-
tudando uma coisa como você a encon-
Kuper tra. Depois se pergunta por que ela é
E ele foi usado pelos chefes em seus tri- assim, e é aí que entra a mudança so-
bunais. cial. Em outras palavras, o estudo tor-
na-se histórico porque as coisas já não
Schapera são como eram, digamos, cem anos
Creio que sim. atrás, na época em que David Livings-
tone e outros lá estiveram.
Kuper
E eles escrevem notas no verso, revi- Kuper
sando… Isso é exatamente o oposto do que a
maioria dos funcionalistas estava fazen-
Schapera do. Eles faziam uma descrição de um
Eu sei que o livro foi usado por magis- sistema dito tradicional, e no final sepa-
trados… magistrados brancos. Por outro ravam um capítulo para dizer que, sem
lado, foram impressas umas cem cópias dúvida, hoje tudo é completamente di-
contendo páginas em branco, que fo- ferente. Você começou no caminho in-
ram entregues aos chefes para que pu- verso. Você dava uma descrição do que
dessem escrever seus comentários. via, todas as complexidades do cristia-
Tshekedi4 começou bem, mas depois… nismo, educação, migração da mão-de-
por exemplo, quando chegou ao tema obra, para então perguntar: “como isso
da sedução sexual… aconteceu?”, “que processos levaram à
situação presente?” Ora, foi uma inver-
Kuper são, uma inversão revolucionária das
Que não é exclusividade Tswana! monografias funcionalistas clássicas.

Schapera Schapera
Não é. Bom, Tshekedi era um puritano. Sim, mas todo antropólogo sul-africano
Não achava que isso fosse direito e cos- estava em condições de fazer isso.
tume.
Kuper
Kuper Na verdade, não estavam.
Depois, você escreveu, também para o
governo de Bechuanaland, um livro so- Schapera
bre propriedade de terra (Schapera Se não estavam foi porque ainda ti-
1943a) e outro sobre trabalhadores mi- nham o cérebro lavado pela velha tra-
grantes (Schapera 1947). dição. Aliás, velha tradição que se quer
reavivar hoje – “disappearing cultu-
Schapera res”. Houve um tempo em que a antro-
Sim, eles me pediram. pologia era isso: não queremos saber o
que eles são, mas o que foram.
Kuper
E todos esses trabalhos são o que veio a
se chamar depois estudos de mudança
social ou de antropologia aplicada.
O PRESENTE ETNOGRÁFICO 137

Kuper Sendo justo ou injusto, é simplesmente


Hoje você diria que os antropólogos impossível. Radcliffe-Brown fez aquele
sul-africanos deveriam ter percebido… famoso discurso dizendo que a segre-
gação é impossível, não necessaria-
Schapera mente ruim, mas impossível7.
Deveriam ter percebido…
Schapera
Kuper Radcliffe-Brown, coitado… Terminou
Mas, na verdade, esse era o grande di- com o diretor da Universidade da Cida-
visor. O grande debate na antropologia de do Cabo dizendo: “Radcliffe-Brown
sul-africana era entre aqueles que di- foi um desastre”.
ziam que a sociedade tradicional era a
coisa a ser de algum modo protegida, Kuper
conservada, revivida; e aqueles outros, Por que ele foi um desastre?
como você, Radcliffe-Brown5 e Macmil-
lan6, que diziam que a situação se havia Schapera
modificado tão completamente nas últi- Exatamente porque ele pregava contra
mas duas gerações, que falar de socie- o apartheid e, portanto, contra as nor-
dade tradicional como algo ainda vital mas aceitas na sociedade branca e edu-
era simplesmente ridículo. Essa era a cada da época, e acabou por afugentar
divisão. E isso também era uma divisão as pessoas.
política entre os que imaginavam ser
possível ressuscitar a segregação e os Kuper
que diziam “olha, nós temos uma socie- Mas ele atraiu outro tipo de gente, in-
dade, e temos que arranjar um meio de cluindo o jovem Schapera.
integrar as pessoas em uma única so-
ciedade”. Certo? Assim, olhar para as Schapera
situações correntes, situações integra- E então veio o jovem Schapera e disse:
das, como seu foco principal, tinha im- “é assim que as coisas são”. E isso, na-
plicações políticas. quele momento, seduziu os americanos
que davam dinheiro para pesquisa. Eu
Schapera fui famoso durante um tempinho, justa-
Quais eram as implicações políticas? mente por isso. Também tive algum sta-
tus na universidade, por estar atraindo
Kuper dinheiro estrangeiro, coisa que Radcliffe-
Implicações políticas na África do Sul, Brown por muito tempo, infelizmente,
ao afirmar que era uma sociedade úni- não fez.
ca, por exemplo.
Kuper
Schapera Isso foi na Universidade da Cidade do
Sim, tem razão. Cabo, onde você começou como aluno
de Radcliffe-Brown e onde você, mais
Kuper tarde, o substituiria como professor?
O que significava que era preciso haver
uma política única para todo o país. Schapera
Não pode haver segregação, não pode Sim.
haver apartheid, nada disso funciona.
138 ENTREVISTA

Kuper “os Nama comem jabutis”. E eu me


O que o trouxe para a antropologia? Vo- lembrei da minha antiga babá, cami-
cê pretendia ser advogado… nhando comigo por uma colina, paran-
do para pegar um jabuti, quebrando-o
Schapera contra as pedras, acendendo uma pe-
Tradição familiar judaica. Meu irmão quena fogueira, colocando rapidamen-
mais velho era médico, meu segundo ir- te o jabuti sobre as brasas, e… eis nosso
mão voltou-se para o direito… Mas na- jabuti assado. Pensei: “Ah! Disso eu me
quela época em Namaqualand – que foi lembro”. E flautas de bambu. Você pe-
a aldeia onde nasci, onde minha família ga uma haste de bambu e faz alguns fu-
viveu e para onde fui muitas vezes em ros. Eu fazia quando criança. E até mes-
férias – havia um cirurgião chamado mo a língua, que cheguei a aprender
Laidler que possuía uma biblioteca um pouco. Então, eu pensei, estou na
enorme. Ele era um antiquário. E eu co- soleira de casa.
mecei a ler seus livros e fiquei interes-
sado. No curso de direito na Cidade do Kuper
Cabo, havia espaço no segundo ano pa- E após encerrar os estudos com Radcliffe-
ra uma disciplina de livre escolha. Eu Brown, você decide sair e se tornar alu-
escolhi antropologia por causa desse in- no de pós-graduação.
teresse e porque eu gostava. Eu gosta-
va das coisas que Radcliffe-Brown di- Schapera
zia. Então, mudei do direito para a an- Isso era típico daqueles dias. Eu estava
tropologia. completando o mestrado na Cidade do
Cabo. Radcliffe-Brown, em seu último
Kuper ano na Universidade, me disse: “Scha-
O que lhe interessava dentre as coisas pera, se você obtiver uma distinção,
que Radcliffe-Brown dizia? Porque ele consegue uma bolsa, e então pode es-
não tinha nada a dizer sobre a etnogra- tudar com Malinowski, em Londres, ou
fia sul-africana. com Lowie, na Califórnia”. A razão pa-
ra isso, eu concluí, era que Lowie aca-
Schapera bara de publicar um livro sobre socie-
Não, não tinha. dade primitiva. Os Argonautas de Ma-
linowski apareceu mais ou menos na
Kuper mesma época 8. Mas o interessante foi
Então o que era? Radcliffe-Brown ter dito que se eu não
conseguisse a bolsa, que fosse fazer
Schapera trabalho de campo. Quer dizer, para
Eu acho que o interesse na biblioteca ele, os estudos de pós-graduação eram
do Laidler e também o fato de que, ao mais importantes que o trabalho de
ler seus livros, eu lia sobre o que então campo. E eu penso que ele estava cer-
se chamava, na África do Sul, os hoten- to. Eu vim para Londres para trabalhar
totes. Hoje os hotentotes são correta- com Malinowski. Quando finalmente o
mente denominados Khoi. No distrito conheci, ele me disse: “Sinto muito, es-
de Little Namaqualand, onde eu nasci, tou com alunos demais. Seligman não
havia uma população Nama, e os Nama tem praticamente ninguém9. Seligman
eram uma tribo hotentote. Lendo um é África. Você vem da África. Não gos-
daqueles livros eu vi a seguinte frase: taria de ser aluno do Seligman?” Você
O PRESENTE ETNOGRÁFICO 139

tem a edição americana de Married “filho da mãe ingrato”*. Eu disse “Ok,


Life…? você pode me chamar de filho da mãe.
Mas por que ingrato?”. Ele disse: “Fui
Kuper eu que consegui esse emprego para vo-
Não, tenho a edição da Faber & Faber. cê”. Eu retruquei: “Achei que tinha si-
do Seligman”. E ele: “Quando Selig-
Schapera man sugeriu, eu não fiz objeção”. Eu
Há uma edição americana prefaciada imagino que você se referia a essa bri-
por Malinowski (1941), que eu desco- ga. Mas, no todo, Malinowski e eu nos
nhecia completamente até conseguir demos razoavelmente bem.
um exemplar. Ali ele diz: “Schapera foi
um aluno do professor Seligman”. O Kuper
que me deixa muito satisfeito, porque Creio que as pessoas não sabem disso,
pelo menos evidencia que eu não era mas naquela época uma tese de Ph.D.
um aluno de Malinowski! em antropologia não era baseada em
trabalho de campo, mas na literatura
Kuper existente e em fontes secundárias.
Mas isso é, e ao mesmo tempo não é,
verdade, pois, evidentemente, Malino- Schapera
wski dominava o departamento, todos É verdade. Por isso Radcliffe-Brown
os seminários teóricos eram dele, e por afirmou que eu deveria fazer o Ph.D.
duas ocasiões você foi seu assistente de Na LSE, o livro de Firth sobre economia
pesquisa. primitiva (1929) foi baseado na litera-
tura. O meu também foi; o de Audrey
Schapera Richards, Hunger and Work (1932),
Certo. também.

Kuper Kuper
Portanto, havia uma proximidade. A se- A exceção foi Evans-Pritchard (1937).
gunda ocasião, aliás, terminou de modo Por que a tese dele foi baseada em tra-
não muito amigável… balho de campo?

Schapera Schapera
Eu tinha essa bolsa da universidade Não estou bem certo. Ele começou fa-
que foi comutada de três para dois zendo trabalho de campo, estava no
anos. Assim, no fim de meu segundo campo quando eu entrei. Ele fez a tese
ano na LSE a bolsa estava acabando. sobre os Azande. Outro dos nossos con-
Eu não tinha dinheiro, de modo que te- temporâneos foi Jack Driberg, que co-
ria de sair sem obter meu Ph.D. Comen- meçou como comissário distrital no Su-
tei com Seligman, que disse: “Se eu ar- dão e em Uganda, e escreveu um livro
ranjar para que você dê um curso na sobre os Lango (1923). Só então foi para
School por quatro meses, você fica e a London School fazer o Ph.D. Eu nun-
completa o Ph.D.?” É claro que eu agar- ca lhe contei essa história?
rei a oportunidade. Aí veio a famosa de-
savença com Malinowski… Tínhamos
discussões ocasionais, e uma vez, du-
rante uma conversa, ele me chamou de * N. T. – No original, ungreatful little bastard.
140 ENTREVISTA

Kuper teoria em antropologia social, um novo


Que história? modo de fazer antropologia, todos
aqueles jovens brilhantes vindo se jun-
Schapera tar a ele, e que seriam os grandes an-
Seligman deu uma conferência no Ro- tropólogos da nova geração. Você sen-
yal Anthropological Institute sobre “al- tia que tinha ali algum grande fermento
gumas tribos pouco conhecidas do Su- intelectual, algumas novas idéias que…
dão anglo-egípcio”. Driberg tinha esta-
do no Sudão e disse ao Instituto que Schapera
gostaria de dar uma conferência sobre Não. O que nós aprendemos com Mali-
“algumas tribos ainda menos conheci- nowski foi que deveríamos estudar os
das do Sudão egípcio”. Então, Evans- grupos como eles são, coisa que ele não
Pritchard comentou comigo: “Schap, a fez; e estudar a totalidade da cultura,
coisa está indo longe demais”. Puxou coisa que ele também não fez. A única
uma caderneta e escreveu ao secretário outra coisa era que Malinowski fazia
do RAI: “Sir (ou melhor, “Madame”, perguntas e com isso levava você a
naquele tempo era Mrs. Merton que pensar. Radcliffe-Brown nunca fez nin-
ocupava o cargo), eu gostaria de profe- guém pensar. Ele apenas ditava. Mara-
rir uma conferência intitulada: “Algu- vilhosamente claro, é verdade, mas vo-
mas tribos não existentes do Sudão an- cê não pensava nunca. Malinowski fa-
glo-egípcio”! Conferência que, eu lasti- zia pensar.
mo dizer, nunca foi dada.
Kuper
Kuper Ele fazia pensar, mas você tinha que
Mas é capaz que ele a tenha escrito. chegar às mesmas conclusões que ele?

Schapera Schapera
Sim. Ele era esse tipo de sujeito. Isso eu não sei. Não… Uma vez, não me
lembro mais em que contexto, Mali-
Kuper nowski me descreveu não como um
Retrocedendo um pouco, você escreveu funcionalista, mas como um eclético. O
o livro sobre os povos de língua Khoi que isto significava, não sei, mas queria
baseado inteiramente em fontes secun- dizer que eu não era um funcionalista
dárias (Schapera 1930). puro.

Schapera Kuper
Bushmen and Hottentots… Não inteira- Mas você não era o único. Havia outros
mente [baseado em fontes secundá- que não eram funcionalistas puros.
rias]. Como eu disse, havia um pouco Evans-Pritchard foi um inimigo dos fun-
de observação original: o jabuti, a flau- cionalistas. Ele não era funcionalista.
ta de bambu, a língua, que aprendi com
minha babá. Mas o resto foi inteiramen- Schapera
te a partir da literatura. Certamente não.

Kuper Kuper
E então houve todo aquele barulho so- Driberg certamente não era funciona-
bre Malinowski estar criando uma nova lista.
O PRESENTE ETNOGRÁFICO 141

Schapera Kuper
Nós não éramos. Seligman também não. Como um daqueles mastros usados no
dia 1o de maio [Maypole]11...
Kuper
Você quer dizer, os africanistas? Schapera
Isso, como um daqueles. Ele perguntou
Schapera sobre os postes e foi informado de que a
Exato. comunidade estava realizando cerimô-
nias de circuncisão. Relatou a história à
Kuper Sra. Hoernlé, pessoa responsável pela
Meyer Fortes também não tinha uma antropologia em Johannesburgo. Lá de-
opinião muito boa a respeito de Mali- cidiram que se eu fosse a campo, deve-
nowski enquanto pensador. ria visitar essa tribo, já que ainda prati-
cavam costumes tradicionais. Quando
Schapera eu estava a caminho, o missionário de
Isso eu não sei. Fortes obteve o Ph.D. Mochudi escreveu um texto para o jor-
em psicologia. nal Star, dizendo: que a investidura do
principal chefe Bakgatla ocorreria no
Kuper local. A tribo que a Sra. Hoernlé queria
Depois veio Nadel, e ele também não que eu visitasse também era Bakgatla,
via Malinowski como um pensador. então sugeriram: já que eu estava indo
a Bakgatla, que aproveitasse e fosse
Schapera primeiro a Mochudi para ver o princi-
Eu creio que eles escolheram antropo- pal chefe tomar posse. Desse modo,
logia porque, na época, havia poucos quando eu fosse ao Transvaal poderia
empregos nas outras disciplinas, e ha- abrir meu caminho, dizendo: “Eu vi a
via dinheiro para fazer trabalho de posse do chefe supremo de vocês”. E
campo na África. Dinheiro da Fundação tudo foi arranjado. Conseguiram uma
Rockefeller americana. permissão do governo para que eu fos-
se a Mochudi junto com o comissário
Kuper residente. Chegamos lá, mas na verda-
Foi esse dinheiro que financiou sua pri- de assistimos apenas à posse oficial do
meira pesquisa entre os Tswana, por in- chefe. A posse tradicional tinha ocorri-
termédio do International African Insti- do bem cedo, no romper da manhã, e
tute? nós chegamos na hora do almoço, a
tempo de assistir apenas à posse oficial
Schapera do governo. Aliás, meu primeiro infor-
Não. Quando eu comecei – e isso era tí- mante naquele dia foi um jovem repór-
pico do perfil antropológico daquele ter do Star, que me descreveu a cerimô-
tempo –, as universidades sul-africanas nia de posse tradicional, que ele havia
recebiam algum dinheiro do governo presenciado. Chamava-se Van der Post.
para financiar pesquisas de campo. Ha- Laurens van der Post, meu primeiro in-
via um geólogo do governo em trabalho formante.
de campo no Transvaal do Norte, e esse
sujeito se deparou, por acaso, com uma
tribo, onde viu no meio do kraal10 um
poste alto, decorado, sabe, como um…
142 ENTREVISTA

Kuper Schapera
Imagino que você teve informantes me- Era 1929. A Sra. Hoernlé saiu de licen-
lhores depois. ça por um ano e me convidou para as-
sumir seu lugar em Wits [Universidade
Schapera de Witwatersrand, em Johannesburgo]
Alguns antropólogos pelo menos acha- nesse intervalo. Isso foi em 1930, e eu
vam que a gente estudava a cultura tra- havia terminado meu primeiro período
dicional. Eles queriam que eu visitasse de campo. Então fui para Johannesbur-
essa tribo por causa disso. Na verdade, go, permanecendo lá por um ano. E isso
o que eles não sabiam é que o grupo de também era típico da época. Eu tinha
Bakgatla era o ramo mais novo da se- uma turma: Max Gluckman, Ellen Hell-
ção do Transvaal, de sorte que se eu ti- manm, Hilda Kuper, Eileen Krige, todos
vesse ido ao Transvaal [para falar da eles posteriormente ficaram famosos,
posse] teria sido um fiasco. Mas eu gos- cada um seguindo o próprio caminho.
tei do que vi em Mochudi… Conheci Um dia eu estava falando a esse grupo
Isang Pilane [regente Kgatla] no dia da de alunos sobre os Bakgatla, quando
posse do jovem chefe Molefi [ver foto Eileen Krige me interrompeu, dizendo:
9]. No mesmo dia, fui a seu encontro e “Nós deveríamos estar aqui fazendo
perguntei se era possível estudar sua antropologia e não sociologia”, e saiu
tribo. “Certamente”, ele respondeu. da sala. Tudo porque eu estava descre-
Dois ou três dias depois eu estava sen- vendo como eram os Bakgatla na reali-
tado na casa dele, e ele fazendo às ve- dade, que eles iam à igreja, usavam
zes de intérprete. Havia duas mulheres roupas, alguns falavam inglês… e isso
velhas que ele convocara para me da- não era antropologia para alguns antro-
rem informações sobre deuses e magia. pólogos naquela época. Agora, pense
Eu estava impregnado de magia na nos trabalhos que Eileen Krige fez de-
época. Malinowski acabara de escrever pois… como a Sra. Thatcher, foi uma
um livro sobre o assunto12. Então, che- guinada de 180 graus13.
gou uma mensagem para o chefe, di-
zendo que o missionário queria vê-lo. Kuper
Ele respondeu: “Mandem o missionário É verdade.
embora, eu estou ocupado escrevendo
um livro com o Dr. Schapera”. Ora, Schapera
quando um homem trata você assim, Mas você tem razão: alguns antropólo-
não dá para sair dizendo “Vou ao Trans- gos ainda não estudam os grupos como
vaal estudar povos atrasados”. Sabe, aí eles são.
está a justificativa para o tipo de antro-
pologia que eu fiz. Isang queria colocar Kuper
sua tribo no mapa. Depois você conseguiu emprego na
Universidade da Cidade do Cabo, onde
Kuper permaneceu por um longo período14.
Você estava então voltando da LSE.
Que emprego conseguiu ao retornar à Schapera
África do Sul? Eu comecei como pesquisador-assisten-
te do professor, que era um homem cha-
mado Barnard15 . Barnard foi no início
naturalista, botânico etc., tendo partici-
O PRESENTE ETNOGRÁFICO 143

pado de uma das expedições ao Pacífi- Kuper


co. Ele escreveu uma tese (1924) so- Você também escreveu Tribal Innova-
bre… o que mesmo? Parentesco? Enfim, tors (Schapera 1970), uma versão total-
a história de Barnard é que foram ofe- mente revisada de um estudo prévio,
recidos a ele dois empregos, ou pelo publicado em 1943, intitulado Tribal Le-
menos ele concorria aos dois. Um era o gislation among the Tswana of the Be-
de aide-de-camp do governador da chuanaland Protectorate.
Austrália Meridional, que ele não pôde
aceitar por ser casado. O outro foi uma Schapera
cátedra na Universidade da Cidade do Este foi um trabalho meu mesmo, mas
Cabo, por ele ter escrito uma tese sobre era uma abordagem histórica.
parentesco.
Kuper
Kuper Ali você explicava a mudança recuan-
Mas ele acabou decidindo que você era do bastante, até o final do século XIX.
a pessoa mais indicada para o cargo.
Schapera
Schapera Foi uma grande decepção. O que eu
Ele acabou cansando. Não tinha gran- tentei mostrar nesse livro foi que muitas
de interesse em antropologia. Seu inte- mudanças ocorreram porque determi-
resse principal eram as plantas. Aliás, nados indivíduos – nesse caso, os che-
quando ele se aposentou, comprou uma fes – as desejavam. Mas naquela época
casa perto de Bournemouth, onde foi não estava na moda dizer que as mu-
plantar tulipas. danças aconteciam porque os indiví-
duos assim desejavam.
Kuper
Ele foi plantar tulipas e você virou pro- Kuper
fessor. Mas vamos voltar à Cidade do Cabo,
onde você escrevia sobre os Tswana.
Schapera Ali você também se envolveu com o
Exato. comitê interuniversitário para estudos
africanos.
Kuper
E nas férias você fazia trabalho de cam- Schapera
po em Botsuana. O governo tinha dado dinheiro [para
desenvolver pesquisas em estudos afri-
Schapera canos]. Smuts (então primeiro-ministro
Sempre que podia. Era um trabalho da África do Sul) queria financiar pes-
atrás do outro. Havia o problema da mi- quisas em arqueologia, mas não antro-
gração da mão-de-obra que afetava pologia. O rumor é que Smuts acredita-
muitos jovens em busca de trabalho va que os arqueólogos estudavam ins-
(Schapera 1947). E havia o problema da trumentos de pedra, e que estes, ao
escassez de terra, e como resolvê-lo contrário dos nativos, não querem vo-
(Schapera 1943a). tos. Portanto, seria mais seguro dar di-
nheiro para a arqueologia. Mas no fim
das contas convenceram-no, e algo em
torno de 5 mil libras foi dado às univer-
144 ENTREVISTA

sidades para que financiassem traba- Kuper


lhos de campo. Então foi criado um co- Mas, em 1948, o Partido Nacionalista
mitê para decidir como distribuir o di- Africâner chegou ao poder na África do
nheiro. Era o que nós fazíamos. Sul, e você decidiu partir. A relação en-
tre esses dois fatos foi de causa e efeito?
Kuper
Você não tomava parte em questões na- Schapera
cionais? Não. Eu não sei se deveria dizer isto,
mas no início de 1950, quando a cáte-
Schapera dra de antropologia em Cambridge va-
Não. gou, Evans-Pritchard escreveu-me di-
zendo: “Olha, a cátedra aqui em Cam-
Kuper bridge está vaga. Eu estou no comitê de
Você se preocupava com os caminhos seleção. Não posso prometer nada, mas
que seu país tomava? acho que você deveria se candidatar”.
Depois chegou uma carta do professor
Schapera Hutton, que estava se aposentando, so-
A gente tinha que se preocupar. Mas licitando, ou sugerindo, minha candida-
para minha sorte, e para azar de pessoas tura. Candidatei-me e precisava arran-
como Gluckman16, ninguém se preocu- jar cartas de recomendação. Escrevi a
pava com essas coisas em Bechuana- Firth, que na época era professor na
land. Era um país – pelo menos era mi- LSE. Ele respondeu: “Com prazer lhe
nha impressão na época – absolutamen- dou uma recomendação, mas eu o indi-
te “livre de raça” [race free]. Só uma quei para uma cátedra em Londres e
vez… Eu viajava junto com um comissá- você já foi escolhido pelo comitê de se-
rio distrital – era assim que eu viajava, leção”. E ao mesmo tempo pousaram
pois não tinha carro. Nós chegamos a em minha mesa duas cartas: uma de
um local, onde havia uma cerca, com um Evans-Pritchard, outra de Fortes. Evans-
portão, e um menino correu para abrir o Pritchard dizia que Fortes havia sido se-
portão. O comissário atirou um cigarro lecionado porque o comitê em Cam-
para o menino que respondeu: “Dankie, bridge queria alguém de Oxbridge.
Baas”. O homem saltou do carro, foi até Fortes se desculpava, lamentando que
o garoto e falou: “Neste país nós não di- eu não fora selecionado, mas que, afi-
zemos Baas”. Eu disse: “Graças a Deus, nal de contas, essas coisas acontecem.
aqui não há diferença de cor”. E ele: Três semanas depois, recebo uma outra
“Morena é o que dizemos”. Morena carta, de Londres, comunicando que eu
significa “Senhor” [Lord]. Então… havia sido selecionado para a School.
Foi por isso que eu saí, e não por causa
Kuper do apartheid.
Então essa era a diferença.
Kuper
Schapera Você veio para a LSE em 1950 e aqui
Assim, eu podia ir aonde quisesse. Ao permaneceu até se aposentar. Aí você
contrário de Gluckman que foi impedi- começou a fazer outro tipo de pesquisa,
do de transitar livremente na Zululân- sobre Livingstone. Ou você já vinha
dia. Essa era a diferença, a única dife- pesquisando os textos de David Li-
rença política. vingstone desde antes?
O PRESENTE ETNOGRÁFICO 145

Schapera pólogo chamado Hughes17. Ele estava


Não, mas foi um desenvolvimento natu- indo trabalhar com os Matabele. Eu
ral. Você faz a pesquisa documental, estava lá por conta de alguma confe-
depois você volta às fontes. Livingstone rência e perguntei se ele lera tal e tal
foi uma das primeiras fontes sobre Be- livro sobre os Matabele. Ele respon-
chuanaland. Posteriormente foram des- deu: “Ah, não. Max Gluckman me dis-
cobertos alguns de seus manuscritos. É se para não ler nada sobre os Matabe-
óbvio que se há manuscritos, supõe-se le, para que eu possa chegar a campo
que haja muita informação nunca pu- com a mente arejada, sem preconcei-
blicada. Daí meu interesse. tos”. Ao contrário, Firth, eu e outros,
fomos fazer nosso Ph.D. sobre fontes
Kuper documentais. Em outras palavras, des-
Você editou alguns volumes com textos cubra tudo o que puder antes de ir. As-
e correspondências de Livingstone, e sim, no mínimo, fica-se sabendo o que
acabou se tornando uma autoridade em não se sabe.
Livingstone (Schapera 1959; 1960).
Kuper
Schapera Porém, você tinha mais a perspectiva
Eu já tinha feito esse tipo de coisa, com histórica, a consciência histórica, que
Moffat, que eu editei ainda na Cidade permitiu realizar esse tipo de trabalho,
do Cabo (Schapera 1951). fazer as perguntas certas.

Kuper Schapera
É verdade. E você também publicou Eu tinha também um material histórico
aqueles primeiros estudos sobre os ho- bem melhor.
tentotes (Schapera 1933). Estou enfati-
zando este ponto porque você, certa- Kuper
mente, é o único da sua geração de an- Mas há ainda uma outra categoria de
tropólogos, que eu me lembre, a publi- trabalhos seus: os textos que escreveu
car edições acadêmicas das fontes mais em Setsuana, para as escolas (Schapera
antigas sobre a região que estudou. É o 1938b; 1940b).
tipo de trabalho de um historiador, e
não de um antropólogo. Schapera
Isso foi, primordialmente, um meio de
Schapera aprender a língua junto com meus as-
Mas, uma razão para eu ter consegui- sistentes. Muitos deles eram professo-
do fazê-lo é que eu já havia realizado res que haviam sido suspensos por um
trabalho de campo. Eu conhecia o po- ano, impedidos de lecionar, por terem
vo, conhecia a língua, de modo que era feito o que aparentemente muitos pro-
capaz de selecionar alguns outros li- fessores fazem: engravidar alunas. Al-
vros sobre a região. Quando se vai fa- guns não tinham o que fazer, e acaba-
zer trabalho de campo, você vai com a ram ficando à toa. Então, eu costumava
cabeça totalmente vazia, tábula rasa? solicitá-los: “Gostaria de saber sobre tal
Vai sem saber nada sobre o povo? No assunto, quando você vier amanhã. Vá
Rhodes-Livingstone Institute, que fica- para casa e escreva um texto para
va na então chamada Federação da mim”. Malinowski fez tamanho alarde
África Central, eu conheci um antro- sobre a coleta de textos em Coral Gar-
146 ENTREVISTA

dens, que nós passamos a acreditar na tos são documentos literários tremenda-
coleta de textos. A grande vantagem é mente importantes em Botsuana.
que você repassava o texto com o pró-
prio sujeito que escreveu, e assim apren- Schapera
dia a língua. Portanto, eu tinha essa co- Sim. Esses textos nunca haviam sido es-
leção de textos, que forneceram mate- critos, até eu os transcrever. Com o pas-
rial para os livros escolares. sar do tempo iam saindo da memória
das pessoas, de sorte que os textos mais
Kuper antigos do livro vêm de duas ou três ge-
E ainda são usados em Botsuana. rações atrás, o resto foi esquecido. Foi
um bom trabalho. Vem sendo feito em
Schapera outras partes da África do Sul também.
Ainda são.
Kuper
Kuper Você tinha a sensação de que seu tra-
Quer dizer que se alguém for a Botsua- balho deveria abranger tudo? Casa-
na hoje e perguntar sobre a história tra- mento, poemas de louvor, direito, pro-
dicional de alguma aldeia, eles vão re- priedade da terra, tudo. Você é o soció-
citar esse maravilhoso discurso a partir logo, você é o historiador da cultura, vo-
de Schapera? cê é o historiador.

Schapera Schapera
Isso mesmo. Apenas uma coisa eu não abarquei, e
nem poderia: a música. Eu sempre tive
Kuper um péssimo ouvido, nunca me interes-
Falando sobre coleta de textos, você sei por música. Uma vez, chegando a
reuniu os Praise-poems of the Tswana Mochudi encontrei o Kirby, que era na
Chiefs (1965). Um dia, nos anos 80, eu época professor de música da Universi-
fui convidado para uma conversa infor- dade de Witwatersrand. Perguntei a ele:
mal com o presidente de Botsuana, “que diabo você está fazendo, invadin-
Quett Masire. Ele me afirmou que, em do meu campo aqui em Mochudi?” Ele
sua opinião, o livro mais importante so- estava fazendo música, é claro18. Aí eu
bre Botsuana é Praise-poems of the vi que ele tinha tanto direito de realizar
Tswana Chiefs, de Schapera, que lia seu trabalho ali quanto eu de realizar o
com freqüência. meu. Mas, novamente, isso era típico da
antropologia daqueles dias. Era o que se
Schapera chama hoje em inglês NIMBY: not in my
É muito gratificante. backyard – no meu quintal, não! Por
exemplo, imagino que Firth pretendia ir
Kuper a Trobriand, mas Malinowski disse não.
E ele citou de cabeça uma passagem de Era intriga entre amigos, no fim das con-
um dos poemas, um texto Ngwaketse tas. Já que eu estive lá, ninguém mais
creio eu, em que apareciam algumas pode ir. Mas aí eu percebi que era pura
palavras arcaicas. Disse que consultou estupidez pensar que o Kirby não podia
alguns velhos e que eles responderam: ir a Mochudi fazer uma coisa que eu ja-
“Sim, a transcrição de Schapera é rigo- mais conseguiria fazer, mesmo que esti-
rosamente correta”. Ou seja, esses tex- vesse lá só para isso.
O PRESENTE ETNOGRÁFICO 147

Kuper Schapera
Com exceção da música, você fez de tu- O grande perigo é que hoje as pessoas
do. Tudo o que, hoje em dia, seria obje- – algumas pelo menos – estão tendo a
to do lingüista, do etnógrafo, do histo- opinião de que eu sou a fonte de tudo
riador, do literato, do estatístico. isso. Bathoen, que foi o último chefe dos
Bangwaketse, escreveu-me (certa vez
Schapera dei a carta aos Comaroffs) dizendo que
Era o velho grito de guerra do funcio- havia começado a escrever a história do
nalismo: estudar os povos como eles seu povo e estava emperrado sem saber
são, e estudar tudo. Então a gente ten- quem era o chefe em uma determinada
tava. época, e me perguntava se eu não faria
o favor de informar. Ora, quando o che-
Kuper fe de uma tribo me pergunta uma coisa
Não só você estudou tudo, como não es- dessa, algo vai mal com a tradição que
tudou apenas uma única tribo. Você deveria estar sendo transmitida. Isso é
não estudou apenas os Bakgatla, você perigoso. Eu acho que… Bem, pelo me-
fez trabalho de campo em várias outras nos o que está registrado é bom, mas a
tribos de Botsuana. minha memória… não dá para confiar
cegamente. Portanto, algumas dessas
Schapera histórias que eu conto, tome cum grano
Era o lado governamental da coisa, vo- salis.
cê tinha que ir a campo trabalhar com
as outras tribos. Kuper
Mas certamente você é muito reveren-
Kuper ciado hoje em Botsuana. A Universida-
Os estudos mais gerais, sobre composi- de de Botsuana lhe deu o título de dou-
ção étnica e todos aqueles censos, foram tor honoris causa; você é nome de rua
realizados por requisição do governo em Gaborone; a Sociedade Botsuana
(Schapera 1952). Mas o fato é que ago- publicou um volume dedicado a você;
ra, olhando para trás, eles são as fontes há exposições no Museu Nacional de
dos pesquisadores que hoje trabalham Botsuana com coleções suas.
na África do Sul e em Botsuana. São
fontes históricas. Com eles pode-se ter Schapera
uma noção básica de como era o país, Fico muito feliz com isso, porque houve
em cada um dos seus aspectos, no pe- um tempo em que as pessoas andaram
ríodo entreguerras. Recebi recentemen- dizendo que os antropólogos, em geral,
te um e-mail de uma senhora que ensi- eram contra as populações estudadas.
na antropologia na Universidade de Gordon Brown, por exemplo, meu con-
Botsuana. Ela escreveu o seguinte: “No temporâneo na London School of Eco-
final dos anos 70, o senhor enviou al- nomics, quando foi a campo em Tanga-
guns estudantes a Botsuana para repetir nica teve que se dizer sociólogo, e não
os censos que Schapera fez nas aldeias antropólogo, pois ele estudava o povo
nos anos 30. Agora nós gostaríamos de como era naquele momento e não como
repetir mais uma vez esses estudos”. Ou havia sido tempos atrás. Portanto, quan-
seja, a base para a demografia das al- do o povo de Botsuana batiza uma rua
deias de Botsuana ainda é o censo que com meu nome, ou me confere um títu-
você realizou no começo dos anos 30. lo honorífico, isso mostra que não consi-
148 ENTREVISTA

deram meu trabalho como algo que vro. Queira por favor retornar a fim de
lhes seja prejudicial. contestá-las”. Eu então enviei um tele-
grama a um amigo advogado, Stanley
Kuper Field, e pedi que verificasse o caso, des-
Creio que isso é, em larga medida, a cobrisse o que estava acontecendo.
maior corroboração da sua estratégia. Agora vem o lado da história na Cidade
Prova que funcionou. As próprias pes- do Cabo. Field contatou Buchanan e a
soas olham para trás e dizem: “foi a coi- queixa era a seguinte: a minha descri-
sa certa”. No entanto, não houve um ção do ato sexual entre os Kgatla estava
pequeno problema quando você publi- muito próxima do modo como os civili-
cou Married Life in an African Tribe? zados, europeus, faziam sexo. Não ti-
Pelo fato de o livro tratar não apenas de nha nada de exótico no meu relato. Foi
casamento, mas também de relações isso que aborreceu Buchanan e as “pes-
sexuais, o que acabou por irritar os che- soas sérias” da Cidade do Cabo.
fes mais puritanos.
Kuper
Schapera E como terminou a história em Bechua-
Não. Tshekedi era o chefe dos Bangwa- naland?
to e tinha um consultor jurídico na Ci-
dade do Cabo, chamado Buchanan. Schapera
Tshekedi uma vez me perguntou se a Como eu disse, ficamos sabendo de tu-
universidade tinha um curso de direito do pelo rádio, a história das graves acu-
por correspondência. “Não, por quê?”, sações etc. Buchanan comunicou o fato
eu falei. Ele respondeu: “É que o Bu- a Tshekedi, e o comissário residente de
chanan está nos custando 300 libras/ Bechuanaland, Arden-Clarke, fez sua
ano de honorários”. Foi por isso que ele visita de rotina a Ngamiland, avisando-
enviou Seretse19 à Inglaterra, para fazer me de que se Tshekedi reclamasse do
o curso de direito. O fato é que Bucha- meu livro, eu teria que me retirar de Be-
nan era um KC20 e consultor de Tsheke- chuanaland, pois me tornaria persona
di. Em 1940, sai o Married Life in an non grata aos olhos dos chefes. Na rea-
African Tribe. Buchanan, como consul- lidade, a história foi esfriando. Não sei
tor jurídico, lia tudo que aparecia sobre se o Tshekedi chegou a reclamar. Mas,
Botsuana, e leu o livro. Ficou horroriza- como você disse, havia a possibilidade
do. Então, chamou o arcebispo da Cida- de acontecer.
de do Cabo e mostrou-lhe alguns tre-
chos. O arcebispo ficou horrorizado. Os Kuper
dois foram ao diretor da universidade, Que outros problemas desse tipo, ou de
que acabou por me mandar um telegra- outro tipo, você teve com os chefes ou
ma. Eu estava em Maun, Ngamiland. com a administração enquanto fazia
Naquela época, aos sábados, escutáva- sua pesquisa?
mos as mensagens do rádio vindas de
Mafikeng. Todos nós escutávamos o rá- Schapera
dio, é claro. Era uma hora por semana. Novamente essa questão de estudar os
[Veio a mensagem] Para o professor grupos como são no presente e não co-
Schapera, do diretor da Universidade mo foram no passado. Houve uma con-
da Cidade do Cabo: “Graves queixas ferência em Serowe, “quartel-general”
foram levantadas em relação a seu li- dos Bamangwato, reunindo professores
O PRESENTE ETNOGRÁFICO 149

nativos vindos de fora. Entre outras coi- esta série de fotos de uma mulher fa-
sas, os professores estavam apresentan- zendo potes de cerâmica [ver foto 4].
do um concerto para o público. Achei Naquela época não tínhamos filmes, is-
que seria interessante se houvesse uma to é, não havia câmeras de filmagem
apresentação de dança tradicional, e que se pudesse levar a campo. Mas se
perguntei ao encarregado da conferên- podia tirar instantâneos. Uma série de
cia se não se poderia arranjar que al- dez fotos do fabrico de um vaso de ce-
guns professores, ou até mesmo alguns râmica, mostrando os estágios, é sem
dos Bamangwato, mostrassem à au- dúvida muito mais realista do que al-
diência danças tradicionais. E eles o fi- guém narrando como se faz um vaso.
zeram. Depois Tshekedi veio me dizer
que aquilo não tinha sido correto de mi- Kuper
nha parte. Eles queriam mostrar que Essa é uma das minhas preferidas [ver
eram capazes de executar danças mo- foto 1]. É uma fotografia que você nos
dernas, dança de salão, e não dança deu, eu tenho na parede até hoje.
tradicional. Eis-nos de volta à questão
de estudar os povos como são ou como Schapera
foram. Era a reclamação de Macmillan O que eu gosto nessa foto é que mostra
e de outros: achava que os antropólo- a diferença entre os trajes típicos dos
gos só estavam querendo estudar os po- rapazes e das moças, bem como entre
vos como haviam sido, e não como são. os trajes da mãe e dos dois filhos.
E eu caí nesse erro, pedindo que voltas-
sem a ser do jeito tradicional. Foi um Kuper
dos meus poucos erros ali, creio eu, e as E aqui é Mochudi. Em 1930?
pessoas se ressentiram.
Schapera
Kuper 1929. Mostra o Kgotla21 tribal, e adiante
Você também fez todas essas fotogra- o kraal, onde tradicionalmente era se-
fias. Hoje entendemos que elas são, em pultado o chefe da tribo [ver foto 5].
si, documentos etnográficos valiosos. E Aliás, ele foi mesmo enterrado aí.
elas vão ser publicadas em livro. Você
se considera um fotógrafo? Tem interes- Kuper
se na fotografia como arte? Se houvesse equipamentos modernos à
disposição, você teria feito filmes etno-
Schapera gráficos também?
Não. Vejo a fotografia como parte do re-
gistro documental: notas de campo e fo- Schapera
tografias, as duas coisas juntas. Mas, Certamente. Exceto que… não sei… Dá
certamente… para colocar filmes em um livro? Eu não
sei muito bem o que fazer com filmes
Kupe etnográficos.
Certamente?
Kuper
Schapera O fato é que você estava documentan-
Penso que, olhando as fotografias, se do tudo, com todos os meios disponíveis
extrai muito mais de mim do que atra- à época. Mostrando como as coisas são,
vés apenas das minhas palavras. Veja e de que modo se tornaram o que são.
150 ENTREVISTA

Olhando essas fotografias você vê um Kuper


carro de boi, uma venda, uma igreja. Sem segredos, então?
Elas estão aí na aldeia, são parte da al-
deia, tanto quanto… Schapera
Sem segredos.
Schapera
Agora, repare aqui [ver foto 3]. Tirando Kuper
o fato que as casas são colmadas no es- Ele se sentia muito satisfeito em lhe
tilo tradicional, uma coisa importante a transmitir o que sabia…
se notar são esses dois mastros. Você
passa e eles não significam nada, até Schapera
que você resolve perguntar. Eles indi- Muito satisfeito.
cam que há alguém doente na casa, e
não se deve entrar. Essa é uma das van- Kuper
tagens de carregar sempre a câmera fo- … compartilhando informação. O que
tográfica. Você dobra uma esquina e se você lhe dava em troca? Contava a ele
depara com isto: um grupo de mulheres quais eram as práticas do fazedor de
fazendo o telhado de uma casa. Muito chuva Tsonga?
diferente, voltando a Malinowski, das
fotografias posadas de cerimônias das Schapera
jovens púberes em Trobriand. Essa foto Eu pagava, como paguei a todos meus
aqui não é posada. Se eu não tivesse informantes. Se eram professores, rece-
dobrado a esquina com a câmera na biam o equivalente [à féria diária]. Ne-
mão, não teria feito a foto. Isso fala mais nhum absurdo. Por que não? Aí está.
que a descrição: mulheres cobrindo [Mostra a fotografia do fazedor de chu-
uma choupana. Mostre a foto, e pronto. va]. Ele me convidava. Isso aqui foi nas
terras dele. E aqui é um pote de fazer
Kuper chuva para a cerimônia da chuva. Aqui
As pessoas nunca fizeram objeção a ele está queimando remédios de chuva
você tirar fotografias? para invocar as nuvens. Enfim, nenhum
segredo.
Schapera
Não. Este aqui é o “fazedor de chuva” Kuper
da tribo [ver foto 7]. Ele trouxe todos os Cem anos antes disso, Livingstone, na
seus medicamentos para eu ver. Esse mesma região, teve uma grande discus-
sujeito… é típico, ficamos muito ami- são com o fazedor de chuva, tentando
gos. Ele morava a uns 20m de onde eu convencê-lo de que aquilo era contra a
ficava, e uma vez mandou seu filho me vontade de Deus. Cem anos depois ele
levar uma mensagem: eu deveria en- continua fazendo a cerimônia. Havia
contrá-lo à noite, porque ele iria “ben- conflitos entre tradicionalistas e pro-
zer” uma casa nova. Respondi: “é uma gressistas? Havia gente dizendo: “nós
pena, mas infelizmente não poderei ir temos que fazer mágica, temos que fa-
essa noite, pois o comerciante combi- zer essas coisas tradicionais”, enquanto
nou uma partida de bridge”. Ele disse: outros diziam: “não, essas coisas per-
“Ok, iremos amanhã à noite”. E fomos. tencem ao passado, não são cristãs”?
Ele adiou a cerimônia. Ou era todo mundo bastante eclético?
O PRESENTE ETNOGRÁFICO 151

Schapera história aconteceu em 1926-27. Você


Não sei. Dei o exemplo da dança que pode ler em Tribal Innovators que os
Tshekedi reclamou. Uma vez, Isang chefes aboliram o bogwera. Aí você vai
mandou um velho para trabalhar comi- a Mochudi, e em vez do antigo bogwe-
go, como informante. Chamava-se Ra- ra, os rapazes são circuncidados no hos-
kaban, eu tenho a foto dele em algum pital. Isso depois da minha época. Tudo
lugar. Tinham me dito que esse homem isso acabou. O pai de Tshekedi – Kha-
fora professor nas cerimônias de inicia- ma – aboliu o bogadi [preço da noiva].
ção, e que estivera com os Bakgatla Mas quando a filha de Tshekedi casou,
quando eles ainda viviam no Transvaal. foram oferecidas 108 cabeças de gado
Ele falava africâner, eu também – isso como preço da noiva. É um ciclo que
no começo, antes de eu falar a língua continua…
[Tswana]. Ele havia lutado contra os
bôeres em 1900, apreendido muito ga- Kuper
do etc., e era conhecido como um agte- Então, não se trata apenas de moderni-
ros de Paul Kruger [presidente da Re- zação. É a mudança sem direção, da
pública do Transvaal], quer dizer, um qual não se tem certeza…
boi do coice*. Na época em que ele es-
tava no Transvaal, havia infestação de Schapera
mosca tsé-tsé na área. Paul Kruger cos- O mesmo se dá com a teoria antropoló-
tumava colocar os Bakgatla para puxar gica: os modismos voltam. Não há dúvi-
sua carroça pelas áreas onde havia da. Quem está ressuscitando Hocart?
moscas, e o Rakaban era o sujeito que
puxava a carroça. Um dia, estando com Kuper
ele, perguntei: “Meu velho, me disse- Só para completar meu quadro, você
ram que você costumava ensinar no voltou a Botsuana pela última vez na
bogwera” [escola de iniciação de rapa- década de 80. Aproveitou a oportunida-
zes]. “Conversa fiada” ele disse, e foi de para visitar antigos lugares e rever
embora. Fiquei sem vê-lo por quatro se- velhos amigos?
manas. Ele simplesmente se recusou a
aparecer. Esse foi meu grande erro. Ele Schapera
ficou alarmado. Isso mostra que é preci- Não tinha mais ninguém, com exceção
so ser muito cauteloso com certos as- de um homem. Todos os outros morre-
suntos. ram.

Kuper Kuper
Ele ficou alarmado porque o bogwera Mas quando fomos juntos, por volta de
era secreto? 1985, você visitou o Bathoen, ex-chefe
dos Ngwaketse, com quem havia traba-
Schapera lhado nos anos 30. Ele ainda vivia na
Era secreto e havia sido abolido naque- mesma casa onde você o encontrou cin-
la tribo. Em 1901 houve o último. Essa qüenta anos atrás. E foi muito interes-
sante ver dois velhos amigos se reen-
contrando daquele jeito. Ele estava hos-
* N. T. – “Animal que, em um carro de bois, faz
parte da dupla que se acha diretamente ligada ao pedando uma jovem aluna minha –
veículo” (Novo Aurélio – O Dicionário da Língua uma das alunas que levaram adiante a
Portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999) sua pesquisa. E o Bathoen, ele e a espo-
152 ENTREVISTA

sa, tomavam conta dela com muita se- Kuper


veridade, controlando os horários em Foi quando você decidiu se aposentar?
que ela devia estar em casa à noite, cer-
tificando-se que ia à igreja aos domin- Schapera
gos… Eu estava doente e cansado. Eu era um
mau professor, nunca gostei de lecio-
Schapera nar. Era um mau conferencista. Daí, me
Em outra ocasião, Isang e a irmã tive- aposentei satisfeito. Isso foi logo depois
ram uma briga. Ela tinha recebido es- de Eggan22 vir à Inglaterra. Eu o conhe-
ses potes de fazer chuva, que eu foto- ci em Chicago e ficamos amigos. Con-
grafei, e não queria cedê-los ao irmão. versávamos em uma ocasião, e ele me
Ele, então, devolveu à família do mari- disse: “Schap, não entendo a antropo-
do da irmã todo o gado-bogadi, isto é, o logia moderna”. Aí eu disse: “Graças a
preço da noiva, que aqueles tinham pa- Deus, um parceiro!” E hoje você toma
go. Isso, na verdade, significava que conhecimento de encontros de antropo-
Isang estava formalizando o divórcio de logia e conferências para discutir inten-
sua irmã. Então, o marido escreveu-me cionalidade. Que diabos é intencionali-
perguntando: “O que significa isso? O dade? Eles inventam termos. Não, isso
que vamos fazer?” Eu não sabia. Mas o não é mais antropologia.
fato é que esse apelo a mim, creio eu, é
o reconhecimento de um falso status Kuper
que eles me concederam. Quando seus Tudo bem, isso não é mais antropologia.
informantes começam a lhe fazer as Lá atrás, quando você começou a lecio-
perguntas, algo está errado, mostra que nar, Eileen Krige saiu da sala dizendo
a tradição está escapando, indo embo- que você não ensinava antropologia,
ra. Portanto, acaba sendo bom que as mas sociologia.
coisas estejam escritas.
Schapera
Kuper É verdade.
Enfim, depois de fazer esse tipo de an-
tropologia por trinta anos, você voltou à Kuper
antropologia britânica do pós-guerra, E agora você está dizendo que o que
que era, então, uma antropologia pós- eles fazem hoje não é mais antropolo-
Malinowski, pós-Radcliffe-Brown, com gia. Afinal, o que é antropologia, essa
novos debates surgindo. Como você viu coisa que não é mais?
tudo isso?
Schapera
Schapera Eu não sei realmente. Veja…
Em 1950 ainda estava tudo ok. Então,
veio o famoso 1968, quando aqueles jo- Kuper
vens americanos que fugiam do recru- Mas você sabe o que a antropologia
tamento vieram se refugiar na London não é.
School. Eu acho que foi nessa época
que ocorreu uma mudança na antropo- Schapera
logia. Você falou há pouco dos trabalhos que
eu fiz em Bechuanaland para o gover-
no. Naquele tempo, a opinião geral era:
O PRESENTE ETNOGRÁFICO 153

se se trata de nativos, é antropologia; Kuper


não importa o que… é antropologia. Em Mas você sempre se viu como uma es-
certa época, houve reclamações dos na- pécie de cientista social, ou mais como
tivos da região de Tati: “Não temos ter- uma espécie de historiador? Se tivesse
ra suficiente. Precisamos de mais ter- que escolher…
ra”. Aí o governo diz: “mandem o Scha-
pera investigar, pois são os nativos que Schapera
querem mais terra”. Ora, diabos, eu Eu costumava me definir como etnógra-
não sabia absolutamente nada sobre is- fo. Eu descrevo o povo.
so. Mas eu tive que ir lá, descobrir se
realmente a terra era insuficiente para Kuper
eles. Falei com o comissário do distrito, Que é como Evans-Pritchard veio a se
falei com os nativos, e então escrevi um definir.
relatório dizendo que havia escassez de
terra. E o governo responde: “É falso”, Schapera
e envia um técnico agrícola, um comis- Sim. Uma vez dei uma palestra em
sário nativo e outras três pessoas para Cambridge – me pediram para falar.
corrigir meus erros. Essa equipe então Nessa ocasião eu disse: “Eu não sou an-
diz: “Schapera não carregou suficiente tropólogo, não sou historiador. Eu sou
nas tintas. A coisa é muito pior do que um etnógrafo”. O mais próximo do que
ele descreveu”. Enfim, o que estou que- eu poderia me considerar é um historia-
rendo dizer é o seguinte: para o gover- dor econômico: alguém que senta e es-
no, se tinha nativos no meio, a tarefa creve sobre, digamos, a Inglaterra no
era do antropólogo. Portanto, isso era século XII. O que essa pessoa descre-
antropologia, independente de qual- ve? Ela usa documentos atuais, mas es-
quer coisa, fosse o que fosse. E isso é creve aquilo que um antropólogo à mo-
nonsense. E hoje em dia, as pessoas não da antiga escreveria: como os ingleses
sabem… eu não sei o que é a antropolo- viviam no século XII, por exemplo.
gia moderna. É qualquer coisa; vai lá e
estuda a prostituição no East End em Kuper
Londres; isso é antropologia se é feita Se você fosse um certo tipo de antropó-
por alguém que possui um diploma de logo moderno, e escutasse essa sua des-
antropologia. Como eu disse, é puro crição, iria dizer: “Ah, o Schapera não
nonsense. Participei uma vez de um se- tem uma teoria”.
minário interdisciplinar na Cidade do
Cabo, com professores de sociologia, de Schapera
economia, entre outros. Batson era o É verdade, eu nunca tive uma teoria.
professor de sociologia. Perguntei a ele Um dia, na verdade, Radcliffe-Brown
o que era sociologia. E ele: “Se uma co- me disse: “Schapera, é hora de você co-
munidade tem mais de vinte mil habi- meçar a escrever teoria”. Radcliffe-
tantes, é sociologia; menos de vinte Brown tinha uma teoria da personalida-
mil, é antropologia”. E eu pergunto: de social. Firth tinha uma teoria das es-
que sentido se pode tirar desse tipo de truturas sociais ou coisa que o valha.
coisa? Malinowski tinha várias teorias. Onde
elas estão? Sepultadas em livros que
ninguém lê. Teorias passam.
154 ENTREVISTA

Kuper Schapera
O importante, então, o que fica é… Não.

Schapera Kuper
A etnografia. Nunca? Ateu a vida toda?

Kuper Schapera
As descrições de como as coisas são, e Olha, uma coisa boa é que fui educado
de como elas eram. em uma família que se poderia chamar
de moderadamente ortodoxa. E eu era
Schapera o que se poderia chamar de um bom
E é por isso, sem dúvida, que eu voltei a menino judeu. Quando minha mãe fa-
Livingstone e aos outros. Eles descreve- leceu naquela época, eu passei por to-
ram aquilo que viram na época. do o ritual de luto – nove meses, creio
eu. E não era nada bom. No final, disse
Kuper a meu pai que não acreditava naquele
Então, você é o Livingstone do século tipo de coisa, e perguntei se ele se im-
XX, só que sem a religião. portaria se eu não fosse mais à sinago-
ga. Ele disse: “Eu mesmo também não
Schapera acredito, mas achei que você deveria
Na verdade, eu acho que o mais próxi- ter uma educação ortodoxa”. Então, es-
mo seria um historiador econômico, al- tava tudo bem. Ele concordou comigo,
guém que tenta reconstituir a socieda- e eu lhe sou agradecido por ter me da-
de inglesa na era elisabetana, e assim do esse background.
por diante.
Kuper
Kuper Sem religião, sem engajamento políti-
Embora não tivesse religião, você se in- co, sem teorias antropológicas.
teressou pela Bíblia (Schapera 1955).
Você leu a Bíblia em hebraico ou em in- Schapera
glês? Nada. Não, eu prefiro voltar ao que Ma-
linowski disse sobre mim: eclético – de
Schapera tudo um pouquinho.
Eu lia em hebraico, quando era garoto.
Eu tirava boas notas em hebraico, he- Kuper
braico clássico e latim. Hoje não consi- Você disse que não gostava de ensinar,
go nem ler em hebraico, e o latim já foi mas, o fato é que você orientou, inspi-
para os quintos. A memória vai embora. rou, ou estimulou, muitas pessoas a dar
Mas lendo a Bíblia, e depois me tornan- prosseguimento às suas pesquisas na
do antropólogo… você acaba interessa- África do Sul.
do nos temas bíblicos, e passa a estu-
dá-los. Schapera
De que modo?
Kuper
Mas você nunca teve um interesse reli- Kuper
gioso? Eu apareci dizendo que gostaria de fa-
zer trabalho de campo na África do Sul,
O PRESENTE ETNOGRÁFICO 155

mas não tinha permissão para trabalhar


lá. Aí você disse que havia uns grupos,
que você visitara certa vez, que não ha-
viam sido estudados ainda… Werbner
foi a Botsuana, você o estimulou, conse-
guiu que ele fosse. Também Jean e
John Comaroff. Todo esse pessoal, ao
longo desses vinte, trinta anos, pessoas
que passaram por você e trabalharam
com você. E mesmo quem não era ofi-
cialmente seu aluno, você tratava como
se fosse.

Schapera
E, sem dúvida, você roubou essa pági-
na do meu roteiro, quando enviou os
seus alunos de Leiden a Botsuana, não
foi?

Kuper
De fato. Mas, novamente aqui, você
apareceu, visitou-os em Leiden, con-
versou com eles, encorajou-os, e conse-
guiu que eles fossem. E até hoje em dia,
as pessoas que estão escrevendo sobre
Botsuana procuram você, vêm fazer
perguntas a você. Neil Parsons acabou
de publicar esse livro (Parsons 1998),
que vem recebendo críticas muito posi-
tivas, esse livro histórico. Você sugeriu
o tema, incentivou-o a escrevê-lo e ofe-
receu-lhe seus recursos.

Schapera
Você tem que passar o bastão adiante.

Kuper
E você vem passando coisas adiante há
setenta anos.

Schapera
Assim, no final, elas não morrem. Espe-
ro que você lembre disso.
156 ENTREVISTA

2
O PRESENTE ETNOGRÁFICO 157

1 Mãe com duas crianças


em vestimentas tradicionais
2 Um adivinho
3 Mulheres colmando uma
choupana
4 Oleira trabalhando

4
158 ENTREVISTA

6
O PRESENTE ETNOGRÁFICO 159

5 Kgotla tribal (Mochudi 1929)


6 Reunião do conselho de chefes (Mochudi 1932)
7 Fazedor de chuva
8 Montando uma armadilha de pássaros
9 Isang Pilane (regente Kgatla)
160 ENTREVISTA

10

11
O PRESENTE ETNOGRÁFICO 161

12

13

10 Schapera no campo
11 Schapera no campo
12 Schapera em sua última visita a Botsuana (1985)
13 Schapera e Raymond Firth em 1996 (na casa de Adam Kuper),
por ocasião da celebração de seu primeiro encontro,
na London School of Economics, em 1906
162 ENTREVISTA

Notas

1 A transcrição inicial foi feita por Ellen 10 Kraal é uma palavra africâner muito uti-
Prove. [As notas a esta entrevista foram escri- lizada na África do Sul, e adotada por antro-
tas por Adam Kuper.] pólogos. Seu significado é ambíguo. Pode
2 Durante os anos 1929-34, Schapera fez designar tanto um local de residência tradi-
várias visitas aos Kgatla no Protetorado de cional, quanto o curral onde o gado é reunido.
Bechuanaland, permanecendo, no total, mais 11 Um maypole é um poste alto, decorado,
de quatorze meses entre eles. Em 1934 foi em torno do qual se realizam danças tradi-
convidado pela Administração de Bechuana- cionais no dia 1o de maio na Inglaterra.
land a realizar pesquisas sobre direito tradi- 12 Na realidade, Coral Gardens and their
cional, que resultaram no livro Tswana Law Magic, principal livro de Malinowski sobre
and Custom, além de permanecer quatro magia em Trobriand, foi publicado em 1935.
meses entre os Ngwato. Entre 1938 e 1943, Porém, antes, ele dava cursos sobre o tema
fez intensa pesquisa de campo junto aos na LSE.
Ngwaketse, Kwena e Tawana. Fez também 13 Eileen Krige ficou conhecida por sua
visitas mais curtas aos Tlokwa, Malete e Ro- etnografia dos Levedu do Transvaal, mas
long. publicou também trabalhos pioneiros de
3 No caso dos protetorados, o comissário etnografia urbana (ver, p. ex., Krige 1936).
residente tinha função equivalente à do 14 Como professor, Schapera ingressou
governador das colônias regulares. nessa universidade em 1931. Em 1935 obte-
4 Tshekedi Khama (1905-1959) foi o regente ve a cátedra de antropologia social. Per-
dos Ngwato de 1926 a 1949. Os Ngwato er- maneceu na Cidade do Cabo até 1950, ano
am a maior tribo do então chamado Prote- em que aceitou uma cátedra na London
torado de Bechuanaland, e Tshekedi foi o School of Economics.
líder Tswana de maior influência política de 15 T. T. Barnard foi estudante de pós-gra-
sua geração. duação em antropologia social na Universi-
5 A. R. Radcliffe-Brown foi o primeiro pro- dade de Cambridge, sob orientação de
fessor de antropologia social da Universi- Rivers. Realizou trabalho de campo nas ilhas
dade da Cidade do Cabo (1921-1925). Novas Hébridas em 1922 (ver Barnard 1924).
6 W. M. Macmillan (1885-1974) foi profes- 16 Max Gluckman foi proibido de continuar
sor de história na Universidade de Witwater- seu trabalho de campo na Zululândia em
srand, de 1917 a 1934. Foi o fundador da 1939.
escola liberal de historiografia na África do 17 A. J. B. Hughes (ver Hughes 1956).
Sul. 18 P. R. Kirby (1934).
7 Aula inaugural da cátedra de antropolo- 19 Sir Seretse Khama (1921-1980) era sobri-
gia social na Universidade da Cidade do nho de Tshekedi Khama, e foi o primeiro pre-
Cabo, publicada em Cape Times, 25 de agos- sidente de Botsuana.
to de 1921, reimpressa como apêndice em 20 Abreviatura de King’s Counsel, que cor-
Gordon (1990). responde ao nível mais alto de um advogado
8 Primitive Society em 1920; Argonauts of no sistema jurídico britânico. Tal pessoa pode
the Western Pacific em 1922. fazer seguir seu nome pelas iniciais KC e
9 C. G. Seligman, psiquiatra e etnólogo. pode ser referido como um “KC”.
Um dos veteranos da Expedição ao Estreito 21 Kgotla ou Kxotla é a assembléia pública
de Torres, ocupou uma cátedra em etnologia de uma aldeia ou tribo Tswana.
na London School of Economics de 1913 a 22 Fred Eggan (1906-1991), professor de
1934. antropologia da Universidade de Chicago.
O PRESENTE ETNOGRÁFICO 163

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