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Abordagem antropológica para avaliação de políticas sociais*

An anthropological approach to the evaluation of social policies

Maria Cecília de Souza Minayo**


MINAYO, M.C. de S. Abordagem antropológica para avaliação de políticas sociais. Rev. Sa-
úde públ., S.Paulo, 25: 233-8, 1991. Apresenta-se uma abordgem antropológica relativa à ava-
liação de programas de saúde. Destaca-se o papel da antropologia, que sai de seu âmbito tra-
dicional de pesquisa básica, para compor, de forma interdisciplinar com a medicina social
um enfoque particular de avaliação de políticas públicas e, mais estritamente, de serviços de
saúde. Coloca-se a antropologia dentro de um processo social mais abrangente, ao qual ser-
ve com seus instrumentos peculiares de apreensão da realidade. Baseando-se em pesquisa em-
pírica de avaliação da assistência primária à saúde, numa favela do Rio de Janeiro, mostra
que a abordagem qualitativa na avaliação de programas de saúde pode ser uma contribuição
importante que ajuda a superar as tendências positivistas do processo avaliativo e a aprofun-
dar visão mais totalizante do fenômeno saúde-doença.
Descritores: Avaliação de programas. Antropologia. Política de saúde.

adota, por sua visão do mundo e compromisso


Introdução social assim como pelos limites do conhecimen-
to, próprios de seu tempo. Apesar disso, a pro-
O presente artigo traz o debate no fórum, posta da abordagem antropológica para avalia-
tanto da antropologia como da medicina social ção de programas de saúde coloca nas mãos da-
a utilização da abordagem antropológica para queles que lidam com a Saúde Pública uma opor-
avaliação de programas de saúde. O principal tunidade para rever as tendências positivistas
ponto a ser sublinhado é que, na proposta em que têm dominado as investigações no campo
questão, a Antropologia sai de seu campo tradi- epidemiológico e desta forma, tentar uma visão
cional de pesquisa básica para se colocar, de for- mais totalizante do fenômeno saúde-doença.
ma interdisciplinar, com a medicina social e sob
o enfoque da avaliação de políticas sociais. Por-
tanto, ela propõe aqui o caráter prioritário de A Abordagem Antropológica a Serviço da
geração de teoria (ainda que o faça concomitan- Avaliação em Saúde
temente). Coloca-se a serviço de um processo
social mais abrangente, cujo enfoque é dado pe- A importância da antropologia para a com-
lo programa a ser avaliado, e ao qual serve com preensão do fenômeno saúde-doença é incontes-
seus instrumentos peculiares de apreensão da re- tável. Junto com os dados quantitativos e com
alidade. o conhecimento técnico-científico das doenças,
Objetiva-se no presente trabalho, mostrar qualquer ação de prevenção, tratamento ou de
que o encontro entre a antropologia, as políti- planejamento de saúde necessita levar em con-
cas de saúde e as propostas teóricas de avaliação ta valores, atitudes e crenças de uma população.
constitui-se de maneira promissora, embora não A doença é tanto um fato clínico quanto um fe-
neutra ou insenta de contradições. A atividade nômeno sociológico. Ela exprime hoje e sempre
da pesquisa é marcada durante toda a sua reali- um acontecimento biológico e individual e tam-
zação pelo quadro teórico que o pesquisador bém uma angústia que pervaga o corpo social,
confrontado com as turbulências do homem en-
quanto ser total. À medida que cristaliza e sim-
* Apresentado no XII Congresso Internacional de Antro- boliza as maneiras como a sociedade vivência
pologia, em Zagreb, Iuguslávia, em 1988. coletivamente seu medo da morte e seus limites
** Departamento de Ciências Sociais da Escola Nacional frente ao mal, a doença importa tanto por seus
de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz — Rio
de Janeiro, RJ — Brasil.
efeitos imaginários: ambos são reais do ponto
Separatas/Reprints: M.C. de S. Minayo — Rua Leopoldo de vista antropológico. A doença é uma realida-
Bulhões, 1480/304 — 21041 — Rio de Janeiro, RJ — Brasil. de construída e o doente é um personagem social.
Portanto, tratar o fenômeno saúde-doença uni- baixa renda a Antropologia é apontada como
camente com os instrumentos anátomo-fisiológi- cúmplice da medicina oficial na imposição de
cos da medicina ou apenas com as medidas quan- seus códigos. (Estrella6, 1985).
titativas da epidemiologia clássica constitui uma Essa crítica certamente tem sua parte de ra-
miopia frente ao social e uma falha no recorte zão, porque realmente a antropologia tem servi-
da realidade a ser estudada. do de estratégia para políticas "colonialistas"
Do ponto de vista antropológico, estudos das mais diferentes espécies e aquela que estu-
(Mauss9; Lévy-Strauss7; Douglas4 tem mostra- da os fenômenos saúde-doença não constitui ex-
do que os fenômenos saúde-doença informam ceção. Estrella6 (1985) chama atenção para vá-
sobre: rias formas de atuação de antropólogos na Amé-
a) a visão de mundo do grupo social; rica Latina que justificam a acusação. No entan-
b) as atitudes coletivas face a infelicidade domi- to, é necessário não confundir "colonialismo"
nadora; com interesses reais dos grupos mais desfavore-
c) o rompimento do indivíduo com as normas cidos sócioeconomicamente em nossa sociedade.
e regras de sua sociedade, freqüentemente tradu- Cremos que é tanto sua quanto nossa vontade,
zidas em códigos morais e religiosos; expressa e tácita, diminuir os índices de mortali-
d) o encontro do homem com o que considera dade, prevenir as doenças e promover a saúde.
"infeliz" e "alienante" em sua sociedade. Partimos do princípio de que as aquisições da
Apesar de incontestável importância da an- chamada "medicina científica" são um patrimô-
tropologia, seu encontro com a medicina tem nio da sociedade, da qual fazem parte todos os
se dado em condições de subsidiariedade. Vários grupos sociais, toda a humanidade. Lutar con-
estudos a respeito da medicina social vêm regis- tra a discriminação e a desigualdade na distri-
trando, de forma crítica, tanto a atuação dos buição desse bem social faz parte do conceito
antropólogos como seu lugar no campo da saú- de saúde como nos adverte Belinguer1 (1978)
de. (Estrella6, 1985; Nunes13, 1985; Commaroff 3 ,
1978). As questões mais freqüentemente coloca- "Por consciência sanitária entendo
das são de duas naturezas: a tomada de consciência de que a
a) de que o trabalho antropológico é uma ativi- saúde é um direito da pessoa e um
dade extremamente minuciosa, dispendiosa, pou- interesse da comunidade. Mas co-
co prática, inviabilizando-se, desta forma, a sua mo esse direito é sufocado e este in-
utilização no campo da saúde. Certamente essa teresse é descuidado, consciência sa-
observação procede em parte. A antropologia nitária é a ação individual e coleti-
enquanto disciplina básica gera teoria e conheci- va para alcançar este objetivo".
mento não imediatamente referidos à prática.
Para dar um exemplo dos trabalhos realizados Ora, tal observação não legitima, do nos-
sobre a antropologia médica referente à classe so ponto de vista, a destruição dos valores cultu-
trabalhadora urbana no Brasil, todos de que te- rais dos grupos sociais pela imposição de códi-
mos conhecimento foram realizados no âmbito gos da medicina oficial. Pelo contrário, a com-
da academia. (Loyola8, 1983; Montero12, 1985; preensão da visão do mundo dos diferentes seg-
Duarte5, 1986). No entanto, ninguém que traba- mentos da sociedade pode ter outro destino que
lha na área da medicina social, no país, hoje não seja o serviço à dominação, quando eles
pode desconhecer o valor desses estudos na sua próprios passam a ser levados em conta na for-
capacidade de desvendamento do real. São con- mulação das políticas, na sua gerência e na sua
tribuições básicas tanto para a formação de sa- avaliação.
nitaristas quanto para a fundamentação de pro- Portanto, contra o ponto de vista "legitima-
gramas de saúde. dor e utilitário" (Estrella6, 1985), a oposição
b) Outra crítica mais freqüente é de que a antro- não pode ser a visão "fenomenológica" da re-
pologia realiza uma tarefa subordinada, colocan- criação do mundo ideal dos atores sociais com
do-se a serviço das concepções hegemônicas da seus valores, atitudes e hábitos intocados. É
medicina legitimada. Chamada a explicar pecu- uma proposta que desconhece as contradições
liaridades culturais ou para realizar levantamen- que penetram a vida social de quaisquer grupos
tos preliminares à aplicação de programas de e estratos sociais no mundo moderno. As pro-
saúde pública, a antropologia tem sido acusada postas de compreensão da realidade por parte
de fornecer os instrumentos culturais para a ma- da antropologia têm que estar integradas num
nipulação e o controle do Estado sobre grupos projeto maior de transformação, da qual ela faz
sociais específicos. Realizando estudos sobre con- parte, mas não é dona nem arauto. Seu papel
cepções indígenas, do campesinato ou das cama- (como o de qualquer ciência) não é neutro nem
das de trabalhadores urbanos-imigrantes e de solitário. Seja como ciência básica, seja no campo
da contribuição com outras práticas sociais, ela b) A família — um número limitado de 15 a 16
está submetida às contingências do tempo histó- crianças de 0 a 5 anos;
rico e se insere nas correntes de pensamento de c) A equipe de saúde encarregada da assistência
sua época. primária: agentes, corpo médico, corpo de enfer-
Há uma pergunta que inquieta, portanto, magem, assistente social, educadores de saúde.
o estudioso: há lugar para uma atividade antro- O roteiro de pesquisa tenta ser abrangente
pológica no campo da saúde que esteja a servi- em relação ao universo:
ço das populações-alvo dos programas governa- Comunidade: características geográficas,
mentais? demográficas, epidemiológicas, socioeconômicas.
A resposta poderia surgir dos mais diferen- Recursos referentes à saúde, saneamento, educa-
tes enfoques. Scrimshaw e Hurtado 14 (1987) ten- ção e outros bens sociais.
tam encaminhar essa inquietação na busca de Família: composição da família, condições
união entre o instrumental antropológico e a de moradia, status socioeconômico, concepção
avaliação de programas de saúde. Suas pesqui- de saúde-doença, doenças mais comuns nas crian-
sas já socializadas pela aplicação em diversos ças e forma de tratamento; alimentação e hábi-
países e pela reflexão coletiva dos que a estão tos alimentares, dietas para crianças doentes,
experimentando propõem um desafio: história de morbidade da família, inventário de
— tornar rápidos, eficientes, de baixo custo e remédios existentes na casa, história da gravidez
acessíveis os procedimentos clássicos da antropo- e dos partos das mães, uso dos recursos de saú-
logia social para avaliação da Assistência primá- de: oficiais e tradicionais;
ria à saúde. Equipe de Saúde: a organização da equipe,
A iniciativa acima leva a antropologia pa- características físicas do centro de saúde, a sala
ra o campo das políticas sociais e como tal, des- de espera, a consulta, a distribuição de alimen-
loca o seu papel tradicional de disciplina básica tos e o controle do desenvolvimento infantil,
para a área da pesquisa estratégica. Mais ainda, farmácias e acesso aos medicamentos; o trata-
retira-a do contexto da descoberta primária pa- mento da diarréia, a reidratação oral, o progra-
ra colocá-la no contexto da verificação, ainda ma de imunizações; a interação médico-paciente.
que descoberta a verificação continuem insepará- Do nosso ponto de vista, a análise do mate-
veis tanto na pesquisa básica quanto na avaliação. rial coletado (primário e secundário) não pode
O mérito principal da proposta do RAP se limitar a oferecer apenas uma visão descriti-
(Rapid Assessment Procedures), por Scrimshaw va ou fenomenológica do tema em questão. Os
e Hurtado14, é de um lado tentar padronizar significados e a situação da Assistência primária
metodologicamente um instrumental usado fre- à saúde, referentes ao grupo pesquisado, neces-
qüentemente apenas por iniciados, e torná-lo sitam ser vinculados a uma totalidade maior,
assim acessível a um grupo maior de pesquisado- pois não se trata de aglomerações isoladas. Pe-
res; de outro, não banalizá-lo. Isto é, torná-lo lo contrário, essas "comunidades" constituem-
de tal forma abrangente que possa ser submeti- se de segmentos de classe com configurações es-
do a critérios de validação, obedecida a finalida- pecíficas e participam estrutural e conjuntural-
de da investigação. A triangulação, a submissão mente das condições gerais de existência que o
à comunidade dos pesquisadores, os seminários lugar no processo produtivo do país lhes confe-
de trabalho e avaliação constituem instrumentos, re. Noutras palavras, é necessário pensar suas
nada desprezíveis na construções do conhecimen- condições de Saúde do ponto de vista indivi-
to, aqui preconizados. Sua experiência se dá ao dual ou coletivo como subordinados às formas
nível da assistência primária, mas pode ser extra- como estão organizados no Brasil o sistema de
polada para outros programas. saúde e o sistema socioeconômico.
O objetivo dos procedimentos antropológi- Para dar um exemplo, nas pesquisas que
cos na avaliação da assistência primária são: realizamos (Minayo10, 1988)*, a proposta da as-
"as crenças, as percepções a respeito da saúde, sistência primária esbarra, para um grande nú-
a prevenção e o tratamento das doenças e a uti- mero de famílias, nos níveis de miséria absolu-
lização dos recursos da medicina tradicional e ta. Medidas assistenciais do governo se tornam
da medicina oficial". (Scrimshaw e Hurtado14, praticamente ineficazes quando encontram esses
1987).
O universo do trabalho de campo se limita * Pesquisa realizada dentro de um trabalho da Universida-
a três categorias: de das Nações Unidas, para testagem do RAP (Rapid As-
a) A comunidade — considerada aqui como sessment Procedures for Nutrition and Primary Health
Care), finalizada em maio de 1988 e apresentada no "In-
uma organização social específica, ou seja, o ternational Workshop on RAP — Anthropological Appro-
aglomerado humano-espacial com sua dinâmi- aches to Programme Improvement (UNU — UNICEF
ca de vida, onde se realiza a pesquisa; FORD FOUNDATION. Zagreb, July, 1988, 18-22)".
limites estruturais. Qualquer ação transformado- Por "Pesquisa Estratégica" entendemos
ra, portanto, transcende às atividades preconiza- aquela que se fundamenta nas teorias das ciên-
das no campo estrito da saúde. Da mesma for- cias sociais, mas têm como principal objetivo
ma, o centro de saúde faz parte de um sistema esclarecer determinados aspectos da realidade
político, administrativo e burocrático muito para a ação das políticas públicas. Seus instru-
mais amplo que condiciona suas ações com nor- mentos são freqüentemente interdisciplinares e
mas e regras hierarquicamente superiores. seus resultados se encaminham, para a solução
O conhecimento dessas instâncias é impor- de problemas. Ao contrário, as pesquisas bási-
tante e fundamental na avaliação. Não pode- cas tradicionalmente se voltam para a constru-
mos aceitar uma visão mecânica e simplista que ção da teoria e são marcadas pela interdisciplina-
subordina o sentido de qualquer prática apenas ridade.
aos determinismos estruturais. As relações so- A introdução da antropologia no âmbito
ciais no interior das instituições, das classes e da saúde pública tem que incluir as característi-
dos grupos são complexas, conflitivas, expressam cas da abordagem antropológica e da pesquisa
interesses múltiplos e contraditórios. Portanto, estratégica, trazendo para o campo da avaliação
esse marco referencial mais amplo, por si só, das políticas públicas, uma contribuição de sen-
não dá conta da compreensão da micro-realida- tido epistemológico e político.
de: ela é específica. Porém os interesses e signi- Ao propor uma abordagem qualitativa pa-
ficados dos atores sociais a respeito de sua práti- ra avaliação, a antropologia introduz de forma
ca, a peculiaridade de sua visão de mundo que positiva a importância do "subjetivo" em qual-
muda com a intervenção das propostas externas, quer abordagem do social, oferecendo instru-
mas que modifica também o conteúdo oficial mentos para sua apreensão. Desta forma, enquan-
dos programas, só pode ser entendida quando to opera ao nível dos Significados a antropolo-
se coloca a base material estrita e ampla que lhe gia (nas suas mais diversas correntes) passa a
dá sustentação. questionar, pela contribuição que dá, os funda-
No que concerne ao campo das políticas so- mentos do positivismo sociológico.
ciais impõem-se algumas observações. Pesquisa Sem negar a possibilidade de quantificar
em políticas públicas passou a significar, a par- determinados dados da realidade, aponta para
tir da segunda Guerra Mundial, um foco de ati- o problema fundamental das ciências sociais,
vidades científicas que têm implicações imedia- que é o caráter específico de seu objetivo, que
tas do ponto de vista da dominação e do contro- é sujeito e que se recusa peremptoriamente a se
le do Estado. Isto é, há um interesse do Estado revelar apenas em número ou a se igualar com
em conhecer, regular e controlar a sociedade ci- sua própria aparência.
vil. Trata-se, porém, de um campo de relações É importante introduzir nos programas esta-
contraditórias e conflitivas em que os diferentes belecidos pela medicina oficial o ponto de vista
grupos sociais, através de diversas mediações, dos grupos sociais-alvo, admitindo seu nível de
expressam seus interesses específicos. O conheci- racionalidade. Tendo como objeto-sujeito de
mento desse fato significa concluir que as inves- seus estudos a cultura dos grupos dominados,
tigações no setor podem ser conduzidas em múl- em relação ao fenômeno saúde-doença, essas
tiplas direções. pesquisas contrapõem ao campo da dominação,
Bulmer2 (1978), propõe para as pesquisas a relativização das culturas, a lógica interna dos
no setor de políticas sociais a denominação de "es- diferentes segmentos sociais, sua contribuição
tratégica". Esse autor refuta a divisão tradicio- para a sociedade e os motivos de sua resistência
nal entre "pesquisa pura" e "pesquisa aplicada" ao que lhes é imposto. O respeito ao ponto de
mostrando que o campo empírico das investiga- vista da população-alvo se dá, portanto, não co-
ções exige uma classificação mais precisa e mais mo estratégia de dominação, mas para modifi-
complexa. "Pura ou Básica" em oposição a "A- car os pontos de estrangulamento dos serviços
plicada" conota uma falsa dicotomia, na medi- a que ela tem direito e que deve reivindicar. É
da em que pesquisas teóricas podem ter importan- sobre esse objetivo que se redefine o conceito
tes conseqüências práticas e vice-versa. O autor de política social: ela não é vista apenas como
assinala cinco modalidades de pesquisa que não uma ação de estado em direção à população,
se contradizem, e cujos limites são dados por ên- mas como um direito para o qual ela deve opi-
fases mais acentuadas em determinado aspecto: nar em termos de efetividade e qualidade.
a) Pesquisa básica ou pura; Da perspectiva dos resultados da pesquisa,
b) Pesquisa estratégica; o material tem que estar em função do objeti-
c) Pesquisa-ação; vo pretendido. Isto é, evitando-se a curiosidade
d) Pesquisa de inteligência; científica como fim em si mesma, dar-se-á rele-
e) Pesquisa operacional. vância aos estrangulamentos socioeconômicos,
político-administrativos e de ordem ideológico- Em relação ao atendimento realizado na
culturais que impedem o acesso da população Unidade de referência, a pesquisa indica a im-
aos benefícios da assistência primária à saúde. portância de uma ação mais integrada com as
Em lugar do feitiço dos números que costu- necessidades concretas da população. E isso só
ma medir a eficácia dos produtos acabados nas pode ser atingido pela mudança organizacional
avaliações convencionais, o estilo desta avalia- que leve a equipe de saúde aos locais de mora-
ção dá ênfase ao processo de aplicação dos pro- dia, e promova um inquérito epidemiológico
gramas e aqueles detalhes de contradição que com dados primários sobrevindos de fichas rea-
costumam acompanhá-lo (Minayo Gomez 11 , lizadas através de visitas domiciliares. Tal mu-
1984). Ou seja, o processo é feito de conjunção dança poderia ser facilitada se o sistema de saú-
de fatos, de experiências e implica a presença de integrasse na sua reflexão e programação,
de atores e forças que lutam, se contrapõem, as agentes de saúde que atuam na localidade,
se aliam e assim constroem a realidade. Proces- mas cuja ação sofre um corte de continuidade
so conota movimento, mudança, direção, intera- em relação ao centro de referência.
ção e intencionalidade. Parte do pressuposto Há outros pontos detectados que ajudam
de que todo projeto humano é inconcluso e po- o encaminhamento das políticas de ação na loca-
de ser superado, portanto envolve atuação dos lidade mas que podem ser aplicados mais ampla-
agentes sociais participantes e do analista do pro- mente. Notamos, por exemplo, que o grupo de
cesso social. Desta forma, os resultados advin- famílias, cuja participação social nas organiza-
dos da avaliação são um produto processual his- ções comunitárias é mais intensa, costuma ser
tórico, não externo, mas do grupo e pode ser privilegiado com os benefícios das políticas so-
recuperado para ele e por ele em forma de um ciais. De qualquer forma, é um dado já do do-
serviço de melhor qualidade. mínio dos estudiosos dos estratos sociais de bai-
xa renda, que a participação comunitária supõe
um nível mínimo de condições materiais de exis-
Comentários Finais tência.
Outra constatação também importante em
Exemplificaremos as idéias colocadas no relação à realidade específica é a abertura das
texto com algumas conclusões a que chegamos famílias em condições mínimas de sobrevivência
na pesquisa realizada (Minayo10, 1988) numa asseguradas, às contribuições da medicina so-
área de moradia da população de baixa renda, cial. Não significa que suas práticas tradicionais
no subúrbio do Rio de Janeiro. Conforme já tenham sido superadas. As famílias conseguem
esclarecemos, encaminhamos a análise para de- fazer uma combinação, a seu modo, entre as
tectar os estrangulamentos na política de assis- práticas médico-científicas e as crenças tradicio-
tência primária à saúde e para o encaminhamen- nais em termos de uso de medicamentos, de
to de propostas visando a melhoria do padrão chás, ervas, orações e ritos. De qualquer manei-
de saúde do grupo social em questão. ra não parece haver contradição, para eles, en-
Do ponto de vista do diagnóstico, a pesqui- tre as propostas oficiais e suas práticas domésti-
sa apontou questões ao nível das condições ge- cas de medicina popular. O ponto de estrangula-
rais de vida, da orientação para cuidados de sa- mento da assistência primária está particularmen-
úde e da forma de atuação do centro de saúde: te nas condições materiais de existência de mui-
centro de referência para assistência primária. tas famílias e na adequação da estrutura funcio-
Observamos, por exemplo, que para o grupo nal da Unidade de referência à realidade da po-
de famílias em estado de miséria absoluta e de pulação, para vencer os limites até agora encon-
fome endêmica a política da assistência primária trados.
encontra limites que transcendem ao conceito A exposição resumida dos pontos acima,
estrito de saúde. O desafio de ultrapassar as bar- tenta apenas exemplificar a linha de preocupa-
reiras aí encontradas aponta para mudanças que ções que, à luz dos dados, podem ser encami-
envolvem, além da equipe de saúde, problemas nhadas por uma avaliação antropológica. É ób-
de nível socioeconômico mais amplos. vio que só um tipo de investigação qualitativa
Constatamos também que a questão do alei- consegue levantar as questões que perpassam
tamento materno é um tema a ser trabalhado as diferenças entre as famílias, as contradições
através de esclarecimentos e de programas educa- internas e os pontos de estrangulamento. É na
tivos, tendo-se em conta que a diarréia continua combinação ou no confronto desses dados com
a ser a pior inimiga das crianças de 0 a 5 anos os indicadores oficiais que podemos estabelecer
na área, particularmente durante o verão, enquan- os parâmetros de uma ação mais localizada,
to a pneumonia é a segunda doença em termos mais personalizada e em conjunto com a popula-
de gravidade e incidência. ção a que se destina.
É necessário lembrar que a abordagem an- Referências Bibliográficas
tropológica na avaliação de programas de saú-
de em si não é neutra. Cada pesquisador, dentro 1. BERLINGUER, G. Medicina e política. São Paulo,
Hucitec, 1978.
de seu marco teórico e tendo em vista sua pró- 2. BULMER, M. Social policy research. London, Macmillan,
pria visão de mundo, influencia tanto o proces- 1978.
so investigativo como as conclusões de seu traba- 3. COMMAROFF, J. Medicine and culture: some
lho. A proposta de introduzir a antropologia, anthropological perspectives. Soc. Sci. med., 12B:
sobretudo na avaliação dos serviços, oferece ins- 247-54, 1978.
4. DOUGLAS, M. Natural symbols. New York, Pantheon
trumentos importantes para uma atividade que Books, 1971.
pode se reverter em melhoria do atendimento 5. DUARTE, L.F. O nervoso na classe trabalhadora. Rio
de saúde das populações-alvo. de Janeiro, Zahar Ed., 1986.
Além disso, embora os resultados da pes- 6. ESTRELLA, E. As contribuições da antropologia à
pesquisa em saúde. In: Nunes, E.D., org. As ciências
quisa etnográfica sejam limitados e circunscritos sociais em saúde na América Latina: tendências e
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to ser estendidos aqueles em condições socioeco- da Saúde, 1985. p. 159-73.
nômicas e culturais e acesso aos bens e serviços 7. LÉVY-STRAUSS, C. Introdução à obra de Marcel
semelhantes — a abordagem antropológica na Mauss. In: Mauss, M. Sociologia e antropologia.
São Paulo, EPU/Ed. USP, 1974. p. 1-36.
avaliação das políticas de saúde poderia ser ge- 8. LOYOLA, M.A. Médicos e curandeiros. São Paulo,
neralizada. Certamente esse fato demandaria DIFEL, 1984.
cuidados conceituais e metodológicos especiais. 9. MAUSS, M. Sociologia e antropologia. São Paulo,
No entanto, sua contribuição daria qualidade EPU/Ed. USP, 1974.
aos indicadores sociais geralmente quantitativos 10. MINAYO, M.C.S. Avaliação qualitativa da atenção
primária à saúde numa favela do Rio de janeiro
e externos à realidade empírica, merecendo-se, (RAP). Rio de Janeiro, 1988. Mimeografado.*
portanto, um diálogo interdisciplinar entre antro- 11. MINAYO GOMEZ, C. Reflexões em torno do processo
pólogos, sanitaristas e epidemiologistas. de auto-avaliação institucional. In: Luvisolo, H.R.,
org. Avaliação em educação de adultos: temas e
discussões. Rio de Janeiro, MOBRAL/OREALC,
1984. p. 111-22.
MINAYO, M.C. de S. [An anthropological approach to the 12. MONTERO, P. Da doença à desordem: a magia da
evaluation of social policies]. Rev. Saúde públ., S.Paulo, umbanda. Rio de Janeiro, Ed. Graal, 1985.
25: 233-8, 1991. A anthropological approach to the evaluation 13. NUNES, E.D.,org. As ciências sociais em saúde na
of health programs is presented. A special role is attributed América Latina: tendências e perspectivas. Brasília,
to anthropology which goes beyond its traditional scope as Organização Pan-Americana da Saúde, 1985.
basic research in order to produce, in conjunction with 14. SCRIMSHAW, S. & HURTADO, E. Anthropological
Social Medicine, a particular way of focussing on the approaches for programmes improvement. Los
evaluation of public policies and, more particularly of
Angeles, UCLA, 1987.
health services. Anthropology thus takes its place within a
more comprehensive social process to which it contributes
with its specific tools for the understanding of reality. Based
on empirical research assessment of Primary Health Care
in a shanty-town located in Rio de Janeiro (Brazil), it shows
that the qualitative method for the evaluation of health Recebido para publicação em 21/3/1990
programs can contribute greatly to overcoming positivistic Aprovado para publicação em 14/3/1991
trends in the evaluation process as wells as to reaching a
more comprehensive perspective for the health-disease
phenomenon.
* Os interessados poderão obter o trabalho diretamente com
Keywords: Program evaluation. Anthropology. Health policy. a autora do presente artigo.

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