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Com design, além do design: o design gráfico com

preocupações sociais

With Design, Beyond the Design: social graphic design

Miyashiro, Rafael Tadashi;


Designer gráfico, mestrando
Mestrado em Educação, Artes e História da Cultura
Universidade Mackenzie
raftz29@yahoo.com

Resumo

Este artigo se propõe a refletir sobre a relação entre o design gráfico e


a sociedade, a partir de alguns exemplos de indivíduos e grupos que
praticam e/ou praticaram o design gráfico com preocupações sociais, dos
anos 60 até a atualidade. São também levantadas as possíveis causas da
apolitização do designer a partir do contexto histórico e social.
Nas conclusões são apresentadas algumas questões que visam estimular a
formação de designers ativos, que exercem a cidadania e a estendem aos
outros.

Palavras Chave: design gráfico social, cidadania, responsabilidade


social

Abstract

This article aims to reflect on graphic design and its relationship to society,
through the practice of a few graphic designers whose work is related to
social change, from the 60´s to nowadays. Possible causes of graphic
design’s current social apathy are discussed too.
At the conclusions a few questions are raised, aiming to stimulate graphic
designers who will exercise good citizenship.

Keywords: social graphic design, citizenship, social responsibility

7° Congresso de Pesquisa & Desenvolvimento em Design


Introdução1
Os anos 60 e 70 foram anos de contestações sociais variadas, muitas das
quais moldaram o comportamento e a política do mundo contemporâneo.
Diversos movimentos e organizações que lutavam por mudanças sociais
e/ou políticas descobriram no design gráfico um aliado para expressar seu
desejo por mudanças; tal aliança se estende até hoje: as demonstrações
contra a invasão norte-americana no Iraque em 2003, por exemplo,
organizadas por ONG´s diversas, foram repletas de faixas e cartazes
de soluções gráficas variadas, muitas das quais reproduzidas com uma
tiragem expressiva.
Apesar dessa consolidação do design gráfico no ativismo social, a
atuação do designer frente a questões sociais é vista, em geral, como
apática, indiferente e alienada. O consumismo se alastra em todos os
segmentos da sociedade e o design gráfico, com suas propostas sedutoras
de branding, apresenta-se como uma poderosa ferramenta para criar
expectativas, necessidades e desejos.
Este artigo se propõe a refletir sobre a relação entre o design gráfico
e a sociedade2, a partir de alguns exemplos de indivíduos e grupos que
praticam e/ou praticaram o design gráfico com preocupações sociais, dos
anos 60 até a atualidade. São também levantadas as possíveis causas da
apolitização do designer a partir do contexto histórico e social.
Nas conclusões são apresentadas alguns pontos para que a preocupação
social esteja mais presente no exercício da profissão, estimulando a
formação de designers ativos, que exercem a cidadania e a estendem aos
outros.

A luta continua! – o Atelier Populaire


Os anos 60 e 70 foram anos de grandes mudanças e questionamentos na
política e na vida da sociedade. Diversos movimentos explodiram quase
que simultaneamente ao redor do mundo e fizeram da contestação sua
principal bandeira, com o objetivo de transformação social: o feminismo
e as questões de gênero, como a liberdade sexual; a luta por igualdade
étnica; a ecologia como bandeira política; e as mudanças na estrutura
familiar e no comportamento são algumas das questões que ajudaram a
moldar o mundo tal como o conhecemos hoje.
Para o designer gráfico, “os hábitos profissionais do trabalho foram
desafiados e diversificados mais pelos fatores culturais e políticos que
pelas pressões de mudanças técnicas. As reações à Guerra do Vietnã (1964-
75); o protesto social, registrado pelos eventos em maio de 68, em Paris;
a revolução Cubana; a cultura de massa e a música pop; e o uso de drogas
alucinatórias todas encontraram expressão gráfica” (Hollis, 1994).
Muitas organizações e movimentos que lutavam por mudanças sociais
nesse período encontraram no design gráfico uma poderosa ferramenta
para contestar a sociedade e exigir mudanças (McQuiston, 1995). Ao
mesmo tempo, o design gráfico “oficial” se consolidava no mundo
corporativo com o estabelecimento de cânones e práticas, ligadas ao
“estilo internacional”.
O Atelier Populaire é um dos exemplos do segmento do design gráfico

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“militante” e faz parte do imaginário de muitos que relacionam política e
design até hoje. Além do seu trabalho gráfico, duas particularidades também
o destacam: a formação eclética do Atelier, composta por estudantes,
artistas e trabalhadores, e a sua localização, dentro da Escola de Belas
Artes de Paris. A atuação do grupo foi uma resposta à situação social em
que se encontrava a França: o mês de maio de 1968 foi o estopim de uma
onda de descontentamentos, iniciadas alguns anos antes, e que culminou
em fortes protestos contra valores ligados à gerações anteriores, à situação
educacional (reforma nas universidades) e às condições de trabalho.
Estudantes e operários organizaram passeatas, fizeram barricadas, tomaram
universidades, tudo como uma forma de protesto ao establishment:
“Os pôsteres produzidos pelo Atelier Populaire são armas a serviço
da luta e são parte inseparável dela. Seu lugar correto é nos centros do
conflito, isto é, nas ruas e nas paredes das fábricas. Usá-los para motivos
decorativos, mostrá-los em lugares burgueses da cultura ou considerá-los
como objeto de interesse estético é depreciar tanto sua função quanto seu
efeito. Isto é porque o Atelier se recusa a pô-los a venda [...]. É por isso
que estes trabalhos não devem ser considerados como um resultado final
da experiência, mas como um estímulo para suscitar, através do contato
com as massas, novos níveis de ação, tanto no plano cultural quanto
político” (Atelier Populaire).
Os resultados de maio de 1968 foram variados. No plano político,
houve uma reação conservadora, demonstrada a princípio por uma
passeata a favor do General Charles De Gaulle, que reuniu cerca de 800
mil em Paris, e confirmada com a vitória das dos gaulistas nas eleições
convocadas para junho daquele ano (muito embora o general não tenha
permanecido por muito tempo no poder). No plano sócio-cultural houve
ganhos, como a reforma universitária e uma maior apropriação das
liberdades individuais.
Em contraponto à politização dos anos 60 e 70, onde o ativismo
social se expandiu e ramificou-se em diversas causas, uma nova forma
de subjetividade ganharia força nos anos 80. O coletivo, o interesse pelo
outro, seria ofuscado pelo individualismo, uma das características da
“sociedade narcísica”, conforme Lasch (Verdaguer, 2001). Além disso, o
design também enfrentaria uma série de mudanças e questionamentos que
transformaria a sua abrangência, prática e conceito como até então eram
conhecidos.

O Design revisitado
Os anos 80 foram marcados pela evolução dos micro-processadores,
que tornou os computadores menores e mais acessíveis. Alguns designers,
como Zuzana Licko e Rudy Vanderlans, começavam a desvendar as reais
possibilidades que os computadores Macintosh, lançados pela Apple no
início desta década, proporcionariam ao design gráfico. De fato haveria
mudanças técnicas que reduziriam o processo de produção e impressão,
e o simplificariam (extinguindo classes profissionais especializadas
inteiras), tornando-o mais barato, mas que também atribuiriam novas
responsabilidades aos designers.
Ao mesmo tempo, uma nova ordem estética surgiu e tomou força ao

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longo dos anos 90. Na verdade foram várias tendências, que desafiavam
o estilo “moderno” então dominante, e por isso mesmo foi chamado
de “design pós-moderno”. A forma, o conteúdo, a tipografia, o certo e
o errado, o design “feio” e o “bonito”, tudo foi questionado, repensado,
reordenado.
A centralização na busca pelo “novo”, em termos estético-formais,
dominou grande parte da discussão de designers, das revistas especializadas
e do corpo estudantil/docente nos anos 903. Ao mesmo tempo, diz Poynor
(2000), na imprensa especializada, em palestras de designers conhecidos,
e mesmo em muitas áreas da educação do design, aprendia-se e reforçava-
se, acima de tudo, o uso comercial do design.
A percepção de que o design se dedicava cegamente a favor do consumo
e do mercado levou à publicação atualizada do manifesto First Things
First, texto originalmente lançado em 1964 por Ken Garland:
“Muitos de nós estamos cada vez mais desconfortáveis com essa
visão de design. Designers que devotam seus esforços primordialmente
na propaganda, no marketing e no desenvolvimento de marcas estão
apoiando, e implicitamente endossando, um ambiente mental tão saturado
de mensagens comerciais que está mudando o modo que os cidadãos-
consumidores falam, pensam, sentem, respondem e interagem [...]. Nós
propomos [...] uma mudança de mentalidade que se afaste do marketing
do produto e busque a exploração e a produção de um novo tipo de
significado. O consumismo segue solto. Ele deve ser desafiado por outras
perspectivas, expressas em parte através das linguagens visuais e dos
recursos do design” (First Things First 2000, 1999). 4

Neutralidade e Apatia
Desde que se estabelecera no mundo corporativo décadas atrás, alguns
conceitos predominaram no ensino e na prática do design, defendendo uma
abordagem “neutra” e profissional. Por tais termos, subentendia-se deixar
de lado quaisquers abordagens pessoais. A docente do Illinois Institute of
Technology’s Institute of Design, e também designer, Katherine McCoy,
mostra-se cética quanto a esta abordagem:
“A implicação da palavra profissional é o indicativo do problema
aqui. Quão freqüentemente escutamos, ‘Aja como um profissional’,
ou ‘Eu sou um profissional, posso cuidar disso’. Ser um profissional
significa pôr de lado as reações pessoais independente da situação e
seguir em frente. Prostitutas, praticantes da ‘mais antiga profissão do
mundo’, devem manter um extremo de fria objetividade, sobre a mais
íntima das atividades humanas, disciplinando suas reações para dar um
produto a seus clientes consistente e imparcial”. (McCoy, 1997).
Assim, a idéia de que o designer deveria responder incondicionalmente
ao cliente, ajudou a criar, junto com o já comentado quadro de mudanças
pelas quais o design gráfico passou desde a década de 80, uma mentalidade
que, em geral, cristalizou uma atuação mais ativa do designer frente à
realidade que o circunda – que inclui também, além do cliente, o seu

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público, o mundo e seus problemas.
Por outro lado também há fatores maiores que ultrapassam o domínio
do design. As mudanças históricas do século passado, que culminaram na
crise dos valores tradicionais, geraram diferentes modos de comportamento
por parte da sociedade.
O sociólogo Gilles Lipovetsky (1997) descreve um deles:
“Após a agitação política e cultural dos anos 60, que podia parecer
ainda um investimento de massa da coisa pública, é uma desafecção
generalizada que ostensivamente se afirma no social, tendo por corolário
o refluir dos interesses no sentido de preocupações puramente pessoais
e isto independentemente da crise econômica. A despolitização e a
dessindicalização ganham proporções nunca antes atingidas, a esperança
revolucionária e a contestação estudantil desapareceram, a contra-cultura
esgota-se, raras são as causas ainda capazes de galvanizarem a longo
prazo as energias [...] Viver o presente, apenas no presente, já não em
função do passado e do futuro, é esta ‘perda do sentido da continuidade
histórica’ (C.N., p. 30), esta erosão do sentimento de pertença a uma
‘sucessão de gerações enraizadas no passado e prolongando-se no futuro’
que, segundo Christopher Lasch, caracteriza e engendra a sociedade
narcísica. Hoje vivemos para nós próprios, sem nos preocupar-nos com
as nossas tradições nem com a nossa posteridade: o sentido histórico
sofre a mesma deserção que os valores e as instituições sociais”.5
Maria Eugenia Verdaguer (2001) contrapõe, em seu artigo “Betinho e
o poder de uma utopia”, duas subjetividades contemporâneas: uma ligada
à sociedade narcísica, descrita acima; e a outra, a que ela identifica de
“romântica”. Ambas frutos de um mesmo contexto social, mas diferentes
quanto ao modo de lidar com a alteridade, com a questão do outro. Na
primeira, uma vez que a sociedade é vista como instável, há uma perda de
confiança no futuro, e o “eu” se contrai em si mesmo, como uma defesa.
Na segunda, o indivíduo rompe este esse estado primeiro e, munindo-se
daquilo que Giddens chama de desenvolvimento da “reflexividade social”,
“filtra as informações que lhe servem de guia e define suas ações no nível
doméstico, comunitário, econômico e político, buscando novas propostas
de sociabilidade e o resgate dos laços sociais” (ibidem).
É nessa segunda forma de pensar que identificamos a atuação de
alguns indivíduos e grupos ligados à comunicação visual no mundo
contemporâneo. Se nos anos 60 e 70 o trabalho gráfico “político” se
concentrou principalmente em ONG´s, na atualidade ele se diversifica na
atuação, na produção e no próprio modo de pensar o design.

Outros Rumos
Um dos designers mais reconhecidos por seu lado politizado no mundo
contemporâneo é Jonathan Barnbrook, da Inglaterra. Seu campo de trabalho
é amplo. Inclui livros, identidade corporativa, filmes, fontes e editorial. É
nesses dois últimos que o design de Barnbrook mais se destaca.
A série “9 de setembro” foi feita logo após o atentado que resultou na
queda das torres do World Trade Center, em Nova York, em 2001, e foi
publicada em várias revistas. Numa das páginas, o desenho de um avião

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segue em direção às duas torres, estilizadas como códigos de barras. A
mensagem é clara. A ilustração vai ao centro de uma questão importante
num momento delicado: o capitalismo e os deslocamentos (econômicos,
sociais, globais) que ele provoca.
Essa clareza de Barnbrook, que reflete uma decisão de fazer do design
um instrumento de contestação social, começou com uma forma peculiar
de olhar o mundo:
“[...] Quando eu era mais jovem, eu me sentia mal pela influência
cultural americana que parecia infiltrar minha cultura. Sabemos que
todas as culturas são influenciadas pelas outras, mas parecia que essa
cultura de massa americana não tinha consideração pela minha própria,
só queria achatá-la. Eu queria voltar à idéia do que era único de onde
eu vinha. Isso era expresso de modos diferentes – um amor pela música
britânica pop, onde as pessoas cantavam sobre lugares e acontecimentos
que eu entendia. Outra coisa era fazer algo bem simples, como andar
ao redor de uma área e olhar o ambiente – tentar entender a atmosfera
histórica e emocional de onde eu tinha nascido” (Barnbrook, 2002).
Muito do seu trabalho comercial inclui multinacionais, como Sony
Music e Honda, o que pode significar uma grande contradição para um
combatente do capitalismo selvagem. Barnbrook confessa que no início
tinha dúvidas quanto a aceitar ou não certos clientes. Mas depois resolveu
seu conflito: “Se você está dentro da indústria e enfatiza a aquelas
pessoas o desconforto que você sente com algumas das coisas que estão
acontecendo então isto pode ter mais impacto do que simplesmente lavar
suas mãos” (Barnbrook, 2003). Além disso, com o dinheiro vindo desses
clientes, Barnbrook investe em projetos pessoais e nas fontes Vírus6.
Mesmo assim, o designer cita alguns clientes indesejáveis, como a Nike
(apesar de já ter realizado trabalhos para a companhia no passado) e o
MacDonald´s.
Para alguns designers o veto a certos tipos de clientes permanece como
condição essencial para trabalhar. Na Argentina, os designers Anabella
Salem e Gabriel Mateu fundaram em 1992 o escritório �El fantasma de
Heredia� que trabalha exclusivamente com projetos de cunho político,
cultural e social. Seu trabalho com pôsteres é conhecido mundialmente,
tendo sido premiado no exterior várias vezes. Na Holanda, nos anos 80, os
designers do Wild Plakken, Lies Ros e Rob Schröder, levaram às últimas
conseqüências sua opção por clientes não-corporativos: só realizavam
trabalhos pro-bono (que não visam lucro ou que tem uma remuneração
simbólica) nas causas que acreditavam. Schröder, por exemplo, vivia
ilegalmente no escritório do Wild Plakken, enquanto Ros alugava um
pequeno apartamento.
Barnbrook e as duplas mencionadas destacam-se tanto por seus
trabalhos pessoais quanto pelos profissionais: mas enquanto Wild Plakken
e “El fantasma de Heredia” tem nos pôsteres seu principal meio de
comunicação, Barnbrook vai além dele, destacando-se também com suas
fontes e no design de revistas7.
A fonte feita por Teal Triggs, Liz McQuiston e Siân Cook, Pussy
Galore (Poynor, 2003; Farias, 2003), questiona os diferentes modos de

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como as mulheres têm sido tratadas na linguagem escrita e falada, em 4
níveis: apoderamento das mulheres, estereótipos ruins, escolhas pessoais
e linguagem sexual/vulgar. Entre as referências, estão “buceta”, “mãe”,
“dona de casa”, “loira burra”, e “sexo frágil”. A interação entre os
diferentes níveis e entre a própria escrita, que pode ser aleatória, propõe
a exploração de novos significados no contexto das palavras/desenhos a
cada letra digitada.
Taku Satoh apresenta um outro tipo de reflexão com seu trabalho, mais
preocupada com o meio ambiente e a relação com a sociedade. Em seu
trabalho para o redesign de uma embalagem de um whisky japonês, Satoh
propôs a reutilização da garrafa para outros fins: uma rolha acompanha
o produto para ser utilizada depois que a bebida acaba, e a embalagem
gráfica é facilmente removível com sabão; significa, simbolicamente,
uma reapropriação e uma desvinculação à identidade da marca, ainda que
parcial, em favor de uma sociedade que tem que lidar com o problema do
lixo e do consumo excessivo:
“[...] a produção de massa não pode ser simplesmente negada, pois
possibilita a eficiente distribuição das necessidades diárias de muitas
pessoas. Rejeitá-la agora implica em dificultar a vida cotidiana do povo.
Não sou totalmente a favor da sociedade moderna que prega a produção-
de-massa, mas se não enfrentarmos o problema não haverá futuro melhor.”
(Satoh, 2001).
Existe ainda um outro caminho que, longe dos domínios do design
gráfico “institucionalizado”, tem se infiltrado na paisagem urbana, em
cidades do mundo todo, provocando discussões sobre o espaço público e
sua utilização: o sticker. Numa definição bastante simplista, são ilustrações
feitas em papel adesivo8, pregadas ao longo de vias públicas, em lixo,
postes e paredes. Os temas são os mais variados: alguns são claramente
políticos, como os stickers adesivados em São Paulo no dia do “Buy
Nothing Day”, em 2003, estimulando o não-consumo nesse dia. Outros
dialogam com a paisagem urbana, e parecem ser mais uma intervenção
estética, que visa captar o olhar do passante.
De qualquer forma, o sticker por si só já é um objeto de resistência
ao excesso de publicidade na cidade e à utilização do espaço público.
Numa cidade como São Paulo, distante da ordem e da limpeza das cidades
européias, esta resistência fica ainda mais gritante, ainda que se possa
confundir com a paisagem urbana visual:
“Não acho certo que o espaço urbano seja destinado apenas a
agências de publicidade, empresas e políticos. A única coisa permitida
por lei é anúncio. Está errado, o espaço público é de todos”, diz Stephan
Doitschinoff, conhecido como “o Calma”, atuante na cidade de São Paulo.
(Macedo, 2004).

Conclusões
Os designers e grupos citados formam um breve painel e mostram
a diversidade da atuação do design gráfico com preocupações sociais e
políticas. Há o trabalho gráfico desenvolvido dentro das Ong´s, como o
do Wild Plakken; outros, como os de Barnbrook e Taku Satoh, se inserem

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diretamente no sistema capitalista, mas mantêm uma postura/atuação
crítica; e existe por fim aqueles que se encontram à margem desse sistema,
como os que produzem os stickers. Todos eles, é importante frisar, são
acompanhados de tensões dentro de cada contexto, que são resolvidas
através de uma reflexão dialética por parte de seus praticantes.
Os exemplos também ampliam o conceito do “design gráfico social”,
termo mais conhecido do que no presente artigo denominamos “design
gráfico com preocupações sociais”, comumente associado a trabalhos em
Ong´s e pôsteres, para uma prática maior. Podemos dizer que ele envolve
os trabalhos gráficos nas suas mais diversas expressões (fontes, cartazes,
embalagens, etc), de diversas naturezas (remunerados, trabalho pessoal), e
que possuem uma preocupação social/política/ambiental específica; ainda
inclue toda reflexão que envolve o processo do fazer e do pensar design,
em questões diretamente relacionadas à ética, ao meio ambiente, à política
e à sociedade.
Essa prática, no entanto, parece estar limitada a um pequeno número
de pessoas e grupos que a fizeram e a fazem a partir de reflexões próprias,
surgidas em diferentes contextos sócio-econômico e culturais, em
contraponto a uma maioria que continua exercendo seu papel sem maiores
preocupações - e constrangimentos - na sociedade. Nessa perspectiva, não
há dúvidas de que o ensino no design tem uma grande responsabilidade
para fomentar uma visão mais crítica do designer.
Na literatura sobre a formação do docente existe uma discussão sobre
a expansão do significado da palavra “conhecimento” e sua implicação
no significado e na prática da docência. O saber passa a se preocupar não
apenas de conhecimentos eruditos, mas também “da formação do cidadão
nas diversas instâncias em que a cidadania se materializa: democrática,
social, solidária, igualitária, intercultural e ambiental” (Mizukami, Realli
et alli, 2003). Essa visão ultrapassa a simples transmissão de conteúdo, e
estimula uma formação reflexiva, que leva ao exercício da cidadania.
Alguns profissionais ligados à educação do design parecem ter idéias
semelhantes: “O que tenho mais em mente é estimular um conjunto de
cidadãos ativos, informados, participantes preocupados com a sociedade
e que são designers gráficos. Devemos parar de ensinar nossos alunos
inadvertidamente a ignorar suas convicções e a serem servos passivos da
economia.” , diz a professora e designer Katherine McCoy (1997).
Também é necessário que pensemos o design gráfico com preocupações
sociais dentro do contexto brasileiro. Muito das condições citadas no
“First Things First 2000” não se aplicam diretamente à nossa sociedade.
Publicado em algumas revistas especializadas brasileiras, o manifesto foi
ignorado pelo público, e num certo sentido, pelos próprios editores, por
não fomentar uma discussão maior, como se a simples publicação do texto
desencadeasse uma revolução na prática e no pensar design.
Falar de consumismo desenfreado pode ser uma realidade concreta
numa rica cidade européia, mas no Brasil pouquíssimos têm acesso ao
consumo de bens de luxo ou supérfluos9. Nossa realidade está mais próxima
da favela, da violência e do acesso deficiente à saúde e à educação, que do
consumo de poucos numa boutique de luxo como a Daslu.

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Retomando o conceito do designer/cidadão, talvez um dos exemplos
mais preciosos dentro da história brasileira do design seja a atuação de
Aloísio Magalhães. Nascido em Recife, artista plástico, designer gráfico
e formado em direito, ele é bastante conhecido no meio gráfico por
sua importante contribuição na história do design gráfico (foi um dos
fundadores da ESDI e designer de várias marcas brasileiras, entre elas a
Petrobrás). Aloísio passou a atuar no design, pois via nele possibilidades
de transformação social maiores que as proporcionadas pelas artes
plásticas. Seu caminho para a política foi natural. No entanto pouco
se enfatiza a sua atuação política no período da ditadura e da abertura.
Magalhães envolveu-se diretamente em questões da cultura brasileira,
como a educação e o patrimônio cultural, sendo inclusive secretário da
cultura em 1981 no Ministério da Educação e Cultura. Trabalhar para
um governo em plena ditadura, e ao mesmo tempo, procurar fazê-lo em
benefício do povo, significou muitas vezes uma reflexão dialética diante
da complexidade das questões. Reflexão sempre acompanhada de ações
concretas na sua atuação.
[Resposta de Aloísio Magalhães à pergunta: O senhor não estará sendo
muito utópico?]
Muito utópico, e isso não me ofende. Nada que tenha um significado mais
profundo deixa de ter certo aspecto utópico. Ele estimula a perseguição.
É próprio do utópico você não atingi-lo, mas, se não for em busca dele, se
você não quiser sair do convencional, aí então o marasmo será inevitável.
(Magalhães, 1997)
Aloísio Magalhães constitui um exemplo de um designer-cidadão.
Transcendeu o papel de mediador entre clientes e o público com seu trabalho
de design, para ser um ativista concreto das questões que se apresentavam,
e ainda se apresentam hoje, urgentes de solução na sociedade brasileira.

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.html. Acesso em 20/01/2006.

(Footnotes)
1
Agradeço à Dra. Belkis Trench, que coordenou o Projeto Ondas, no
qual fui bolsista TT3-FAPESP entre 2002 e 2004, com quem aprendi
muito sobre o universo da pesquisa.
2
O termo “design gráfico social” freqüentemente é usado para
designar trabalhos com preocupação social/política, o que é um pouco
redundante, uma vez que todo trabalho se depara, essencialmente, com o
campo político e social.
3
Não se deve esquecer também que foi nessa década que o designer foi
elevado à condição de celebridade, da qual David Carson é o principal
representante.
4
O manifesto foi assinado por profissionais da área bastante
reconhecidos internacionalmente, como Jonathan Barnbrook, Katherine
McCoy, Tibor Kalman, Zuzana Licko e Erik Spikerman, e reimpresso e
traduzido por diversas revistas ao redor do mundo no ano 2000.
5
No Brasil, não é difícil associar a esta questão a regulamentação da
profissão de designer gráfico, que, apesar de há anos chancelada pelo
primeiro curso superior de desenho industrial na ESDI, em 1962, ainda
hoje patina em seu reconhecimento.
6
Alguns nomes das fontes de Barnbrook são “homenagens”: Bastard,
Nixon e Drone.
7
No projeto da revista Design, da Coréia do Sul, Barnbrook fez severas
críticas ao regime ditatorial na Coréia do Norte; Na Adbusters, também
realizou o número especial “Designer´s Anarchy issue”.
8
A produção do sticker é bastante variada: de ilustrações coladas em
papel Contact à impressões de serigrafia em papel adesivo.
9
Mesmo nos Estados Unidos, houve críticas questionando o conceito do
consumismo como algo negativo (MacDonald, 2000).

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