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De acordo com a referida lei, a criança deve ser inserida na escola para ampliar
sua formação e seu desenvolvimento em diversos aspectos de sua dimensão humana.
Para uma formação social mais ampla, a criança precisa de uma educação que contribua
para a valorização do bom convívio com diversos grupos sociais, pois uma
característica marcante da sociedade brasileira é a diversidade cultural e étnica,
resultante do processo histórico de formação do Brasil. No entanto, verificamos que
essa diversidade étnica e cultural nem sempre é valorizada.
Conforme José Ricardo Oriá Fernandes apesar de sermos uma nação multirracial
e pluriétnica, em função de nossa formação histórico-social, a escola brasileira ainda
não aprendeu a conviver com essa realidade. (FERNANDES: 2005, p. 379). As ideias
do referido autor assentam-se na constatação da forte influência da cultura de matriz
europeia em detrimento das culturas afrodescendentes e indígenas nos currículos
escolares. A escola brasileira não escapa dessa realidade de supervalorização de um
grupo étnico sobre outros. Todavia, na tentativa de superar essa deficiência, o governo
brasileiro sancionou a lei federal nº. 10.639/03 tornando obrigatório o ensino e
valorização da cultura afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino do país.
Então, enquanto docentes nos propusemos a problematizar esta questão no
âmbito da Educação Infantil, posto que esta seja uma educação voltada para a formação
de uma identidade para as crianças e, considerando ainda, que os valores apreendidos
pelas crianças nesta fase são fundamentais para o estabelecimento de suas relações com
outras crianças, bem com para as experiências de vida futura. Questionamos certas
práticas vigentes na educação infantil que reproduzem estereótipos sobre a população
negra ou mesmo submetem as crianças a situações de preconceitos. Desta maneira
consideramos que é fundamental um repensar da práxis na Educação Infantil e propor
possibilidades para uma educação das relações etnicorraciais que combata preconceitos
e racismos.
A Educação Infantil – primeira etapa da educação básica – não pode estar longe
dessa problemática, pois é uma fase em que a criança está em formação e por isso
devemos nos preocupar em fornecer conhecimentos para que elas possam desde cedo
aprender a não estranhar o outro, e no caso das crianças negras, aprender a se valorizar.
E preciso que desde cedo as crianças tenham a oportunidade de conhecer, de perceber a
relação entre os diferentes grupos étnicos que existem, pois nesse momento professores
e alunos passam a construir um currículo vivo, voltado no respeito e na valorização de
si mesmo e dos outros.
Concordamos com Roberta Bencini quando afirma que:
É esta nossa preocupação, de que a criança negra precisa ser valorizada para que
a própria tenha uma autoestima positiva de si mesmo. Para tanto ela precisa está
inserida num ambiente que valorize a negritude. Acreditamos que uma possibilidade
para isto é uma educação voltada para as relações etnicorraciais que se direcione para a
valorização do branco e do negro, afinal a criança dita branca igualmente precisa
apreender valores que desmistifique as referências ao povo negro como lugar do feio ou
inferior. Neste sentido é que acreditamos que a inserção das questões etnicorraciais
pode voltar-se tanto para a criança negra como para os não-negros, pois a diferença
pode ser identificada e valorizada. As crianças precisam perceber e entender as
diferenças existentes entre elas. Perceber a diferença é apenas um passo para a
compreensão de que todos devem ser tratados com igualdade e desta forma combater
preconceitos e estereótipos construídos no âmbito familiar – primeiro espaço de
formação de valores – que persistem igualmente no meio escolar.
Na Educação Infantil tem prevalecido um silêncio quanto às relações
etnicorraciais apesar das diversas situações de preconceitos vivenciadas pelas crianças
em creches e pré-escolas. No interior das instituições de Educação infantil, são inúmeras
as situações nas quais as crianças negras desde pequenas são alvo de atitudes
preconceituosas e racistas por parte tanto dos profissionais da educação quanto dos
próprios colegas e familiares”. (BRASIL: 2006, p.36)
Para Tomaz Tadeu da Silva, o texto curricular (livro didático, paradidáticos,
lições orais, orientações curriculares oficiais, rituais escolares, datas festivas e
comemorativas) vigente nas escolas brasileiras está cheio de narrativas nacionais étnicas
e raciais, confirmando identidades dominantes e desvalorizando as outras identidades
como exóticas ou folclóricas. (SILVA: 1999, p. 101)
Diante desta constatação a problemática que se apresenta refere-se às
possibilidades de se desconstruir os preconceitos existentes na escola com relação às
crianças negras e a cultura negra. Entre as situações cotidianas de preconceitos
vivenciadas pelas crianças estão os casos em que as crianças negras recebem menos
atenção que as brancas, fato que pode prejudicar a formação da identidade infantil.
Interessados em buscar alternativas para uma educação que valorize o negro e
que contribua para a formação de uma identidade positiva para a criança negra,
realizamos uma pesquisa bibliográfica onde identificamos possibilidades de valorização
da diversidade étnica na Educação Infantil. Identificamos uma legislação vigente no
Brasil que estabelece uma obrigatoriedade de uma educação para as relações
etnicorraciais, tais como a lei Nº.10.639 sancionada em 09 de janeiro de 2003 e a lei Nº.
11.645 aprovada em março de 2008. São leis que ampliam o debate sobre a questão
étnica e defendem a valorização de uma educação que destaque a história e as
contribuições dos afrodescendentes e indígenas no Brasil.
Em nosso estudo identificamos ainda uma publicação produzida para direcionar
a prática pedagógica em sala de aula no sentido de uma educação antirracista.
Referimos-nos a obra - publicada em 2006 - “Orientações e Ações para a Educação das
Relações Étnico-Raciais” uma produção da Secretaria da Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (SECAD) integrante do Ministério da Educação. É um
trabalho interessante por fornecer subsídios para uma prática docente que combata
preconceitos contra a população negra.
As “Ações e orientações para a educação das relações étnico-raciais” orienta o
processo de aprendizagem na Educação Infantil no sentido de forjar nas crianças valores
que estão esquecidos, porém se fizeram presente ao longo da história da população
negra no Brasil. Exemplificando, a obra em questão destaca que na Educação infantil as
crianças devem aprender que as pessoas mais velhas devem ser valorizadas, e isto é uma
característica da cultura africana e indígena. Entendemos então que os profissionais da
educação infantil devem ter cuidado ao falar para as crianças ideias depreciativas quanto
aos idosos, do tipo “se você não se comportar o velho vai te pegar” ou ainda narrar
contos e histórias infantis em que os idosos são os feios e maldosos.
Outro valor importante a ser destacado é a solidariedade, pois não existe
educação sem solidariedade. A história do povo negro foi marcada pela solidariedade no
intuito de garantir a sobrevivência nos dias atuais e em outros momentos de sua história
no Brasil, como no contexto das ações individuais ou coletivas de resistência escrava.
(BRASIL: 2006, p. 39)
A valorização da família e seus diferentes tipos é outra questão relevante como
lugar de solidariedade e afetividade. Aqui também o papel do educador é fundamental
no sentido de que ele precisa ter noção de que há diferentes tipos de famílias e
relativizar a ideia de existência de “famílias desestruturadas”, compreendendo que não
existe um modelo perfeito de organização familiar.
“Alguns equívocos precisam ser superados. Um deles diz respeito à
ideia de que famílias pobres e negras não têm conhecimento, que não
sabem ensinar seus filhos, que não se preocupam com a educação dos
mesmos, que não tem noção de higiene, que não sabem como
alimentá-los, que são supersticiosas e que necessitam de alguém de
fora da família que os ensine a educar seus filhos”. (BRASIL, 2006,
p.42)
Referências
BENCINI, Roberta. Educação não tem cor. In Revista Nova Escola. Ano XIX. Nº 177.
São Paulo: Abril, 2004, p. 44-53.
MACHADO, Ana Maria. Menina Bonita de Laço de Fita. São Paulo: Ática.